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O enigma pentecostal 1

Edin Sued Abumanssur


O pentecostalismo é, sem dúvida, um dos temas mais estudados no campo das
ciências sociais. O volume de material acadêmico produzido sobre esse assunto é de
deixar desesperado qualquer pesquisador. No entanto, apesar de toda a discussão, de
todo o debate e de toda a produção sobre os pentecostais, esse é também o objeto mais
esquivo e mutante dentre aqueles disponíveis para pesquisa. Sobre o pentecostalismo o
máximo que podemos fazer é tirar uma sucessão de retratos instantâneos e abandonar a
pretensão de se produzir qualquer sequência de cenas razoavelmente conectadas e
coerentes. Continuando com essa metáfora, podemos dizer que sobre ele dá para fazer
uma colagem de fotos contextualizadas no tempo e no espaço, mas não um filme, pois
não existe nenhum elemento no universo pentecostal, capaz de oferecer um roteiro
único e abrangente sobre o fenômeno. O pentecostalismo é sempre mais, é sempre outro.
O pentecostalismo é um fenômeno que, para a maior parte das pessoas,
permanece como um terreno sombreado no campo de conhecimento. A visibilidade que
ele alcançou, nos últimos tempos, faz com que as pessoas em geral saibam do que se
trata, mas poucos o conhecem de fato. O conhecimento que se tem das igrejas
pentecostais não vai muito além daquilo que a mídia secular deseja ou consegue
mostrar. A consequência é que se criou, em grande medida, uma visão estereotipada do
pentecostalismo e suas igrejas. Visão essa que atende a interesses alheios ao próprio
campo religioso e que visa manter esses atores sociais à margem dos centros de decisão.
O que o grande público sabe do pentecostalismo não condiz com a realidade dessas
comunidades de fé.
Por outro lado, depois de cem anos de presença em território brasileiro, o
pentecostalismo se apresenta como novidade nas formas em que se organiza, na maneira
como dialoga com a cultura, nas respostas que dá aos problemas colocados pelas
grandes cidades. Depois de um século o pentecostalismo ainda está se inventando e se
reinventando.
Por essa razão, as pesquisas acadêmicas estão sempre um passo atrás dessa
realidade fugidia. Muito se produziu, se escreveu, se falou e se debateu sobre o
pentecostalismo nos últimos 40 anos. Teorias foram levantadas, paradigmas foram

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Esse texto foi publicado em 2016 como a Introdução do livro “Pentecostalismos no Brasil
contemporâneo: novas perspectivas”, da editora Reflexão.
estabelecidos, hipóteses foram aventadas, mas nenhuma das possibilidades de
apreensão desse objeto sobreviveu à velocidade com a qual ele foi capaz de se recriar.
Há novidades no fenômeno pentecostal de hoje: uma delas é o tipo de igreja
pentecostal mais comum e frequente nas periferias. São igrejas pequenas sem vínculos
com outras igrejas maiores e que congregam entre 30 e 40 pessoas em um espaço
improvisado quase nunca maior que 40m 2. A comunidade não é rica o suficiente para
manter um pastor com dedicação exclusiva. Eles são taxistas, pequenos comerciantes,
trabalhadores autônomos, empregados. Ganham seu sustento de outras fontes que não
a igreja que pastoreiam. Os cultos acontecem em diferentes dias da semana além do
domingo e a igreja procura se fazer presente na vida das pessoas através das reuniões e
também das frequências mútuas dos membros entre si.
Esse pentecostalismo difuso responde por parcela considerável do total dos
pentecostais no Brasil. O Censo não é capaz de identifica-lo, mas é possível arriscar
dizer que é dessas pequenas igrejas que o IBGE está falando quando as classifica de
“outras” igrejas de origem pentecostal. Essas igrejas, tomadas em seu conjunto, só não
são maiores que as Assembleias de Deus.
O campo pentecostal é grande e complexo. Nele competem pelo capital religioso
as grandes igrejas, de poder inconteste, como as Assembleias de Deus, a Universal do
Reino de Deus, a Deus é Amor e outras. Mas a marca do pentecostalismo de periferia
não vem dessas grandes e poderosas igrejas, ao menos não exclusivamente. Há um
capital religioso em circulação, pulverizado e disputado por aquelas pequenas igrejas,
que possui uma lógica particular de acumulação, diferente da parcela do capital que
circula entre as grandes denominações evangélicas. Essas pequenas igrejas, que se
reúnem em garagens ou outros espaços improvisados, vivem de uma economia de
subsistência simbólica e se constitui num mercado próprio. Embora o capital circulante
total seja grande e rico, a participação de cada igreja nesse capital é pequena devido à
pulverização extremada. Por ora, não se observa nenhum movimento de concentração
nessa parcela de capital que resulte em exclusão de igrejas do mercado ou que permita
prever que qualquer uma delas se destaque das demais e amealhe uma parcela maior do
capital disponível.
Outra novidade é que, diferentemente da geração anterior, o número de jovens
pentecostais frequentando cursos universitários ou faculdades é cada vez maior. Isso se
deve, em grande medida às políticas afirmativas do governo como o PROUNI e o FIES.
Como isso acabará por impactar o perfil dessas igrejas é ainda muito cedo para se saber.
De qualquer forma, há outra novidade que pode ou não estar associada a essa entrada
do jovem pobre da periferia nas universidades: o crescente número de mestres e
doutores pentecostais. Este é outro fenômeno carente de estudos. Que tipo de
pentecostalismo é praticado por um doutor e em que ele difere do pentecostalismo de
seus pais? É uma questão que, mais cedo ou mais tarde, acabará chamando a atenção de
um estudioso.
Não é novidade na academia o envolvimento de pesquisadores com objetos dos
quais eles são parte. Nos campos de estudos da negritude e racismo, do feminismo e
questões de gênero, dos cultos afro e católico, sempre pudemos encontrar negros,
mulheres, homossexuais, pais de santo e fiéis. Não é de causar estranhamento, portanto,
que também nos estudos do pentecostalismo, encontremos hoje jovens doutores
pentecostais que, com muita competência e discernimento, são capazes de olhar para o
fenômeno do qual participam com certo distanciamento analítico.
Ainda assim, em sala de aula, não é raro termos em pauta a temática, em parte
superada e em parte ainda atual, das relações entre pesquisa e paixão. É certo que sem
paixão não se faz pesquisa, mas é certo também que para pesquisar aquilo que nos é
muito próximo e sobre o qual temos interesse particular é necessário um
autoconhecimento que não pode ser obtido sem muita disciplina pessoal. O
pentecostalismo desperta diferentes tipos de paixão: há quem se sente absolutamente
fascinado pelo tema e apresenta um interesse genuíno de conhecimento por esse objeto.
Há também aqueles que querem entender o pentecostalismo para obter as armas para
melhor denunciá-lo. E há ainda aqueles que querem estuda-lo com a intenção de
aprimorar sua apologia do fenômeno. Isso faz com que o campo de estudos do
pentecostalismo seja, no âmbito acadêmico, um terreno minado e é preciso saber
caminhar por ele.
A presença de pesquisadores pentecostais tem alterado o panorama dos
congressos e seminários onde o assunto é discutido. É preciso andar devagar com as
conclusões quando o objeto sobre o qual se fala está presente na plateia e em condições
de intervir com competência nos debates. Hoje esses debates estão mais qualificados
por aqueles que vivenciam de perto a realidade das igrejas pentecostais principalmente
daquelas situadas nos fundões das periferias das grandes cidades. O objeto adquire sua
própria voz e deseja ser ouvido.
É junto às classes mais pobres e desassistidas, nas periferias das cidades, que o
discurso pentecostal encontra o terreno mais fértil para o seu crescimento. Na periferia
todos são pentecostais a despeito dos que jamais tenham posto os pés numa igreja
pentecostal. A linguagem evangélica é conhecida por essa população, as categorias de
leitura e interpretação do mundo usadas nessas igrejas são de domínio comum, a
legitimidade das pequenas igrejas é cada vez maior e todos participam e contribuem na
construção do imaginário religioso desse povo marginalizado. Ser pentecostal vem se
tornando rapidamente no habitus da periferia. É nesse sentido que afirmamos que não
é necessário frequentar uma igreja pentecostal para ser um pentecostal. O
pentecostalismo, em grande medida, reemplaza o papel do catolicismo popular e se
torna parte da paisagem da periferia.
Isso tem o seu preço e o pentecostalismo está pagando os custos da busca da
hegemonia cultural na periferia. A primeira fatura dessa conta diz respeito às
demonstrações dos sinais de santidade. A maneira de se vestir, a correção no falar sem
gírias, o comportamento ascético no cotidiano da escola e do trabalho, as relações
exclusivas de amizade e afeto: essas marcas de “povo eleito” ainda existem em grande
parte do povo pentecostal, mas também é crescente o número daqueles que, se dizendo
evangélicos, não fazem a mínima questão de serem reconhecidos por tais marcas. A
identidade pentecostal vem sendo construída a partir de elementos menos ostensivos e
mais relacionados com uma visão mágica e encantada do mundo.
Essa visão encantada do mundo e da vida, na qual seres divinos e entidades
espirituais atuam, convivem e interagem com as pessoas, não é invenção nem tampouco
é exclusiva do pentecostalismo. As religiões populares têm essa marca e o
pentecostalismo não é diferente disso. A diferença está no campo religioso que se torna
mais competitivo e onde os seus agentes e especialistas têm de provar cotidianamente a
posse e o valor de seus carismas.
Os estudos sobre o pentecostalismo já superaram a fase em que se tentava
responder a questões como quem ou o que são os pentecostais. Também é praticamente
inexistente, nos dias de hoje, alguém que se aventure a construir alguma classificação
sobre o fenômeno. Todas as formas classificatórias já construídas não são mais capazes
de dar conta da variedade e da velocidade com que se altera o campo pentecostal.
Praticamente todas as temáticas relacionadas ao pentecostalismo já foram, com maior
ou menor propriedade, abordadas em algum artigo, ensaio ou livro. No entanto, há ainda
um campo por ser pesquisado, a saber, a teologia pentecostal. Há duas teologias
circulando nesse campo: uma é a teologia pregada dos púlpitos, minimamente pensada
e refletida pelos pastores. Essa teologia tenta construir um discurso coerente sobre a fé
bíblica e suas relações com a vida da comunidade. Essa é uma teologia de mais fácil
acesso para os pesquisadores.
Outra é a teologia vivenciada pelos fiéis no cotidiano do bairro e da cidade. Essa
não é uma teologia formalizada e organizada em sistema. É uma teologia dedutiva, de
caráter narrativo e que exige uma abordagem etnográfica para ser captada em seus
momentos de produção, fora dos espaços consagrados ao culto e distante do olhar
doutrinador do pastor. Na teologia dedutível das conversas com os fiéis, a proximidade
com as origens católicas da religiosidade popular está mais presente. Nessa teologia
oculta nas falas das pessoas, o divino está próximo e disponível para estabelecer
contratos de fidelidade e lealdade com os fiéis. Isso não é invenção dos pentecostais,
pois os pactos e promessas são um traço característico da maneira como as camadas
populares se relacionam com os seres da esfera sagrada. Nessa teologia vê-se, por
exemplo, que a figura de Jesus tem um lugar relativamente inferior àquele que ele ocupa
nas falas mais sistematizadas das lideranças que passaram por algum dos muitos cursos
teológicos nas periferias. O diabo, por outro lado, tem um papel de maior importância
e, em várias situações, assume protagonismo maior que o do próprio Jesus Cristo no
ordenamento e na construção de sentido para o cotidiano. O mal sem sentido ou razão
é obra do diabo. O lugar relativo ocupado pelo diabo no concerto das coisas torna a vida
inteligível e operacional.
Para se entender a razão do discurso pentecostal exercer essa atração forte sobre
as camadas sociais mais periféricas e marginalizadas da sociedade, é preciso conhecer
o discurso religioso que permite construir estratégias de sobrevivência nesses
ambientes. Essas estratégias não dizem respeito apenas à operacionalização prática das
redes de apoio mútuo ou da construção de pertenças que situam cada indivíduo nas
estruturas e fluxos do poder circulante e os classificam no conjunto das identidades
disponíveis e inteligíveis do local. Há uma afinidade subjacente entre o ethos
pentecostal e o habitus da periferia. É essa afinidade que dá ao pentecostalismo a sua
força de atração. Mas é também essa mesma afinidade que faz borrar as fronteiras e os
limites da identidade exclusiva e excludente do ser pentecostal.
O preço que o pentecostalismo paga pelo seu crescimento é alto: ele acaba por
se confundir com seu entorno e a construção de uma identidade própria não se dá mais
pela afirmação dos elementos diacríticos que antes o distinguia com características
próprias e exclusivas. Basta andar pelos bairros mais periféricos de São Paulo para se
observar uma constante: a quantidade de bares, salão de beleza e igrejas evangélicas.
Mas isso não significa apenas visibilidade física ou cultural. Significa também que a
forma pentecostal de ver o mundo e falar sobre ele se faz presente em diferentes círculos
e circuitos sociais. O pentecostalismo está presente em um jogo de várzea no domingo
de manhã, nas conversas dos bares, nos encontros familiares, nos grupos juvenis que se
encontram nas esquinas, nos trens do subúrbio, nas gangues de marginais, no crime
organizado. E esses círculos e circuitos também estão nas igrejas. Ao permear os
interstícios das relações sociais em suas diferentes manifestações, as igrejas
pentecostais e seus líderes perdem uma parcela considerável do controle sobre as ações
de seus membros. Ao ficar mais difícil determinar quem é e quem não é pentecostal na
periferia, fica também mais difícil para essas lideranças, padronizar a maneira desses
pentecostais se vestirem, falarem e se comportarem. Acresce-se ainda o fato de que o
alto grau de competitividade entre as igrejas pela captação de novos membros faz com
que sejam rebaixados os critérios de adesão a uma comunidade. Com isso, não é
incomum observar nos cultos dessas igrejas a presença, por exemplo, de pessoas ligadas
a organizações criminosas ou com vivências sexuais destoantes do padrão normativo
heterossexual.
Qualquer estudo hoje sobre as periferias e sua cultura terá necessariamente de
dar conta também do fenômeno pentecostal. O mundo do trabalho, do lazer e das
políticas locais só é inteligível se se levar em conta a maneira como essa população
marginalizada experimenta o mundo pelo filtro da religião e essa religião é o
pentecostalismo.

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