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4 Causalidade - Apontamentos
Direito Penal
Faculdade deDireito
Direito da Universidade de Lisboa
(Universidade de Lisboa)
I. — Observações introdutórias
Caso nº 1 Cherchez la femme. A e B trabalham no mesmo matadouro, mas são como o cão e o gato,
andam continuamente em discussão um com o outro e até já foram chamados à gerência, que
os pôs de sobreaviso: ou acabam com as disputas, ou vão ambos para a rua. Mas nem isso
chegou para os acalmar. Uma tarde, A, porque não gostou dos modos do companheiro, atirou-
lhe ao peito, com grande violência, o cutelo com que costumava trabalhar, enquanto lhe
gritava: “desta vez, mato-te mesmo!”. A força do golpe foi atenuada pelo blusão de couro que
B usava por debaixo do avental de serviço e A só não prosseguiu a agressão porque disso foi
impedido por outros trabalhadores, que entretanto se deram conta da disputa. A ferida
produzida pelo cutelo não era de molde a provocar a morte da vítima, mas B foi conduzido ao
hospital onde, por cautela, ficou internado, em observação. Numa altura em que estava sob o
efeito de sedativos, B recebeu a visita de C, sua mulher, a qual tinha “um caso” com A, motivo
de todas as discórdias. Logo aí C, que ambicionava vir a casar-se com A, aproveitou para se
ver livre do marido, que se recusava a dar-lhe o divórcio: aproveitando um momento de sono,
aplicou-lhe uma almofada na cara, impedindo-o de respirar, até que o doente se finou. O
posterior relatório da autópsia descreveu a causa da morte, mas os peritos adiantaram que B
sofria de uma doença do coração que não lhe permitiria sobreviver senão uns dias.
Punibilidade de A e C?
Caso nº 2 C seguia conduzindo o seu automóvel por uma das ruas da cidade quando lhe surgiu uma
criança a curta distância, vinda, em correria, de uma rua perpendicular. C conseguiu evitar o
embate à custa de repentina travagem, mas, no momento seguinte, V, homem dos seus 30
anos, que seguia a pé pelo passeio, começou a invectivá-lo em alta grita pelo que tinha
acontecido. Perante o avolumar da exaltação e do descontrolo de V, C, indivíduo alto e
fisicamente bem constituído, saiu do carro e pediu-lhe contenção, obtendo como resposta
alguns insultos que, indirectamente, envolviam a mãe de C. Este reagiu dando dois murros em
V, que o atingiram na cara e no pescoço. V começou então a desfalecer e, apesar de C lhe ter
deitado a mão, caiu, sem dar acordo de si. Transportado a um hospital, acabou por morrer,
cerca de meia hora depois. A autópsia revelou que a morte foi devida a lesões traumáticas
meningo-encefálicas, as quais resultaram de violenta situação de "stress", e que a mesma
ocorreu como efeito ocasional da ofensa. Esta teria demandado oito dias de doença sem
afectação grave da capacidade de trabalho.
Punibilidade de C?
Ao penalista interessa a causa de um determinado fenómeno, de um evento particular, que
pode ser, por ex., a morte de uma pessoa, um atropelamento com lesões corporais no peão,
ou o desencadear de um incêndio com perigo para a vida de outrem, como acontece com
muitos tipos da PE do Código: ao lado da acção, o tipo descreve o correspondente
resultado — de lesão, como por ex., no homicídio doloso (artigo 131º) e culposo (artigo
137º) (1), ou de perigo (concreto), como, por ex., no crime de exposição ou abandono
(artigo 138º). A estes crimes chamamos crimes de resultado (crimes materiais: de
resultado de lesão ou de dano; ou de resultado de perigo), por oposição aos crimes de mera
1
A problemática agora em causa (causalidade e imputação objectiva) é correntemente exposta, em
conjunto, para os tipos objectivos dos crimes de comissão por acção dolosos e para os tipos de comissão
negligente, devendo começar já por se acentuar que o nexo causal entre a acção e o resultado é
frequentemente entendido como o pressuposto mínimo da punibilidade. Coisa diferente é o maior relevo
que à imputação objectiva tem sido reconhecido no campo da delinquência negligente.
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
2007
actividade, em que a lei se limita a descrever a actividade do sujeito, como são os crimes
de perigo abstracto.
Numa certa perspectiva, todos os factores de que depende o acontecer desse efeito —a
morte de uma pessoa no homicídio, certos perigos derivados de um incêndio, etc.— são
considerados, em conjunto, como a sua causa. Noutra perspectiva, causa será apenas um
desses factores e só um deles: os outros serão meras condições. Numa boa parte das
hipóteses nem sequer surgem dúvidas a esse respeito: se A dispara dois tiros a três metros
de distância de B, atingindo-o na cabeça e no fígado, e B morre logo em seguida, não se
coloca nenhum problema especial — os disparos são a causa da morte da vítima; esta "é
obra" de A e pode ser-lhe imputada objectivamente. (2)
Noutras hipóteses, os problemas ganham contornos por vezes difíceis de destrinçar. No
exemplo do cutelo, B foi agredido por A, que agiu com intenção de matar. A lesão
provocada pela agressão do A não era de molde a provocar a morte de B, mas a esta
agressão veio juntar-se a acção da mulher, na sequência da hospitalização para tratamento
da ofensa recebida. Aliás, B podia ter morrido quando era transportado ao hospital se a
ambulância em que seguia se tivesse despistado por excesso de velocidade ou fosse colhida
por um comboio numa passagem de nível sem guarda. Podia até ter morrido por ser
hemofílico, ou por erro médico. Ou mesmo por ter sido alcançado por um incêndio que
alguém ateou no edifício da clínica onde fora internado. De qualquer forma, A sempre teria
morrido uns dias depois, devido a irremediáveis problemas de coração. (3)
Em casos destes, há fundamentalmente dois caminhos diferentes para responder à questão
da conexão entre acção e resultado: causalidade e imputação. Ao falarmos de
“causalidade” estamos a pensar na acção (causa) que provoca um determinado evento ou
resultado (efeito). Quando falamos de “imputação” (nos pressupostos das teorias do risco)
partimos do resultado para a acção. O primeiro caminho é conforme às leis naturais e
corresponde à doutrina clássica. O segundo caminho tem características normativas e
busca resolver insuficiências dos pontos de vista tradicionais. Como veremos em breve,
causalidade e imputação objectiva não podem ser confundidas.
II. — A causalidade
Com o termo "causalidade" trata-se de saber, tanto para os juristas como para os leigos, se
uma determinada acção foi causa de um certo resultado. Uns e outros "compreendem"
que os eventos futuros dependem dos eventos que os precederam e que a relação de causa
e efeito é responsável pela sucessão regular dos eventos. Aliás, a expressão foi sempre
empregada para denotar essa espécie de relação entre eventos chamados, respectivamente,
"causas" e "efeitos": "tout se tient", tudo está ligado. O princípio de causalidade, ao
afirmar a existência de relações causais no universo, exprime, por sua vez, "uma das
2
Outra é a questão da imputação subjectiva, a questão de saber se A actuou com dolo ou negligentemente.
A mera prova da relação de causalidade não basta para responsabilizar alguém desde que no âmbito penal
se deixou de aceitar uma espécie de responsabilidade objectiva como responsabilidade pelo resultado.
3
Outro exemplo (Eser) de dificuldades no âmbito da causalidade: A esbofeteou B, dando-lhe com a mão
aberta na parte esquerda da cara. B sofreu por isso comoção cerebral e em consequência dela a lesão dos
vasos cerebrais que lhe ocasionou a morte imediata. Existe aqui uma dupla relação de causalidade: em
primeiro lugar, o nexo entre a acção da lesão (a bofetada de mão estendida) e o resultado da lesão (a
comoção cerebral); em segundo lugar, a relação entre a lesão corporal e a morte de B.
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4
Stefan Amsterdamski, Enciclopédia Einaudi 33, p. 64. Causalidade e finalismo são dois modos opostos
de explicar a sucessão regular dos eventos. A distinção é tratada no mesmo artigo de S. Amsterdamski. Já
de resto a abordámos, em momentos anteriores, a propósito das teses finalistas no Direito Penal.
5
Alfonso Serrano Maíllo, Ensayo sobre el derecho penal como ciencia, 1999, p. 267
6
No direito anglo-americano emprega-se a expressão "but for test" para designar a teoria causal
equivalente à condicio. O test faz-se nos termos que acima ficam expostos; muito em resumo, pergunta-se
se o evento se teria produzido "but for," ou seja: na ausência da acção do sujeito. O método exige todavia
algumas precisões, para as quais vale a pena consultar, por ex., George Fletcher, Basic Concepts of
Criminal Law, Oxford University Press, 1998 (todo o 4º Capítulo).
7
Exemplo de v. Heintschel-Heinegg, p. 147.
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resistiu: pouco depois falecia. ( 8). Nos parâmetros da teoria da equivalência, a causalidade da
notícia para a morte da mulher estabelece-se do seguinte modo: “O que é que teria acontecido
se A não tivesse feito o telefonema para casa do juiz? Nesse caso, não tendo sido informada do
infausto acontecimento, a mulher nem teria desmaiado, nem teria morrido pouco depois. Se se
eliminar o telefonema, suprime-se o resultado, de forma que a conduta de A causou a morte da
mulher.”
Para a fórmula habitual da condicio, qualquer condição do resultado, mesmo que seja
secundária, longínqua ou indirecta, é causa do mesmo: para efeitos causais todas as
condições são equivalentes. Condição é assim qualquer circunstância sem a qual o
resultado se não produziria. Para decidir se uma situação, conduta ou facto natural é
condição, utiliza-se o juízo hipotético de eliminação.
O que é que acontece se resolvermos o caso dos companheiros de trabalho conforme os
pressupostos da teoria da equivalência das condições?
Ao atirar o cutelo contra o peito do colega, ferindo-o, A pôs uma condição que, lançando
mão da teoria da equivalência, não poderá eliminar-se mentalmente sem que desapareça o
resultado. Deste modo, não tem significado, face à equivalência das condições, a
circunstância de se tratar de um processo completamente atípico ( 9), e de à acção de A se
vir juntar a conduta de C. Para esta teoria, mesmo a intervenção de um terceiro, seja ela
dolosa ou simplesmente negligente, não quebra a cadeia causal. Nesta perspectiva, a
actuação de A é causal da morte de B. O exemplo adianta a hipótese de A morrer devido a
problemas cardíacos. Os processos causais hipotéticos são aqueles em que o autor provoca
o resultado, mas este sempre teria acontecido por forma independente daquela acção, o que
significa que tais processos carecem de relevância. (10) O que aconteceu foi que uma outra
condição, adiantando-se, apressou a morte —acelerou-se o resultado, como em geral
acontece quando se dispara sobre um moribundo, ou quando vem um indivíduo, diferente
do carrasco, e antes da hora oficialmente marcada para a execução, accionando a
guilhotina, mata o condenado. O comportamento da mulher, ao aplicar a almofada na cara
de quem, prostrado na cama do hospital, não se podia defender, é causal do resultado
(artigo 131º), de acordo com a fórmula habitual da condicio, mesmo que, sem essa
actuação, a morte fosse inevitável e se daria num momento posterior devido à doença
(processo causal hipotético). A morte (note-se: o mesmo resultado) sempre ocorreria,
embora de outra maneira. Se se atender ao decurso causal efectivo, a causalidade não se
exclui nos casos em que intervêm processos causais hipotéticos. Isto significa que não se
pode contar com tais processos. Não é legítimo perguntarmos, por ex., o que se teria
passado se o ofendido não tivesse sido transportado ao hospital: são as circunstâncias
efectivamente realizadas que deverão ser suprimidas in mente, e não as hipotéticas.
8
Cf., a propósito de actos desencadeadores de perturbações psíquicas, Faria Costa, O Perigo, p. 531.
9
Para a fórmula da condicio a atipicidade do processo causal não exclui a causalidade, o que amplia
excessivamente a responsabilidade. Atípicos são todos aqueles casos em que A, com intenção de matar B,
o fere tão ao de leve que este só tem que receber ligeiros curativos no hospital, para onde é transportado,
mas no caminho, por hipótese, a ambulância onde B seguia intervém num acidente, batendo
fragorosamente num automóvel que se lhe atravessa à frente num cruzamento, e B morre, por ter saído
gravemente ferido do acidente..
10
Uma ou mais condições ficam como que "à espreita", de reserva (Reserveursachen). A, que recentemente
entrou a fazer parte de um bando de criminosos, é incumbido de matar B, o que consegue, não obstante ser
novato e se tratar da sua primeira "actuação"; B, porém, sempre teria sido morto por C, outro membro do
bando e velho profissional do crime, bem preparado para estas andanças, que estava pronto para disparar,
se A tivesse falhado o tiro.
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Decisivo é o resultado concreto na sua especial conformação, não uma morte qualquer,
como resulta do artigo 131º, mas a morte ocorrida em Salzburg, no dia 7 de Novembro de
1983, pelas 23h12m, junto à casa do compositor Amadeus Mozart, depois de uma refeição
a que alguém adicionou uma porção de veneno para os ratos. (11)
No caso do automobilista, o resultado mortal —que na sua expressão naturalística,
enquanto acontecimento infausto e infelizmente definitivo, não deixa espaço para
discussão—, fica vinculado à apreciação da relação causal, como qualquer outro
pressuposto geral da punibilidade. Está em causa um comportamento humano e todas as
suas consequências. Utilizando os rigores formais da condicio não é possível excluir a
causalidade mortal do murro dado por C, mesmo que V já estivesse em risco de morrer por
se encontrar extremamente depauperado. Todavia, mesmo para um não jurista, parece
claro que a morte de V não deverá ser atribuída a C, que condições destas não devem
influenciar a causalidade quando tudo não passou de um acontecimento tão invulgar
quanto infeliz.
Também desta feita a adesão à fórmula da condicio leva a uma excessiva ampliação da
responsabilidade.
Todavia, a crítica mais acertada, e ao mesmo tempo a menos justa, que se dirige à teoria
das condições é a do "regresso ao infinito", por se considerarem causais, por ex.,
circunstâncias muito remotas ou longínquas. A morte da vítima foi causada pelo assassino,
mas também se poderia dizer o mesmo dos ascendentes deste, os pais, avós, bisavós. Um
acidente de viação com vítimas terá sido causado não só pelo condutor mas também pelo
fabricante e pelo vendedor do carro. Poderia até ser causa do adultério o carpinteiro que
fez a cama onde os amantes o consumaram. Outra objecção é a de que assim se
responsabilizam pessoas mesmo quando entre o facto e o evento danoso as coisas se
passaram de forma totalmente imprevisível, anómala ou atípica, como no exemplo do
ferido, que não morre da agressão, mas no acidente da ambulância que o transporta ao
hospital: sendo as condições equivalentes, o agressor seria responsável pelo efeito letal,
mesmo que a ferida por si produzida fosse de molde a curar-se em oito dias.
A fórmula da conditio tem ainda outras fraquezas.
Havendo várias condições alternativas, qualquer delas poderá eliminar-se mentalmente
sem que desapareça o resultado na sua forma concreta. Portanto, cada uma delas é causal
do resultado —o que contraria os pressupostos da equivalência das condições. Se A e B
disparam simultaneamente sobre C, atingindo-o, um na cabeça outro no coração, a
11
Triffterer; Öst. StrafR, p. 123.
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probabilidade, por vezes rasante da certeza, para afirmar a existência da relação causal —
embora se não conheça exactamente a totalidade do processo causal. Para o Tribunal
Supremo de Espanha, deve considerar-se que no indicado contexto existe uma lei causal
natural quando, comprovado um facto num número muito elevado de casos semelhantes,
seja possível pôr de parte a hipótese de as consequências se terem produzido devido a
outros factores. (17)
Também se emprega a fórmula da condição conforme ou adequada às leis naturais (dentro
de certas hipóteses probabilísticas, nomeadamente quanto à causalidade concreta) à
interrupção de processos causais de salvamento, por ex., no caso em que A impede B de ir
ao encontro de C, para evitar que se afogue, como a todos parece estar iminente. Não pode
esperar-se uma comprovação certa de que C iria salvar-se, podendo B, por ex., perder as
forças no trajecto que o separava da pessoa a socorrer.
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morte não pode ser atribuída à agressão com o cutelo, pois foi directa e imediatamente
provocada pela mulher — com a particularidade de a acção desta se seguir à acção do
primeiro agressor. De resto, o homem sempre teria morrido uns dias depois, de
irremediáveis problemas de coração, ou poderia ter morrido num acidente quando era
transportado ao hospital.
Caso nº 4 O caso da embolia pulmonar. Quando, em 19 de Agosto de 1993, A seguia conduzindo uma
carrinha começou a descrever uma curva para a direita e encostou demasiado a viatura às
guardas da ponte que se propunha atravessar de tal modo que apertou entre a carroçaria e as
referidas guardas o peão B, de 70 anos, que não teve qualquer hipótese de evitar ser entalado.
B sofreu diversas fracturas, incluindo uma do colo do fémur, vindo a falecer em 5 de Setembro
de 1993, durante o período de tratamento hospitalar, de embolia pulmonar.
O único problema a resolver é o de saber se a morte por embolia pulmonar resultou, directa e
necessariamente, das lesões sofridas por B, em consequência adequada do acidente. Sustentou-se (cf. o
acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ 1998, tomo II, p. 56) que "este tipo de lesões e a
imobilização prolongada são apenas dois dos quarenta factores de risco dos quais pode resultar uma
embolia pulmonar". O relatório da autópsia concluíra que a morte de B foi devida a embolia pulmonar.
Posteriormente o médico que o elaborou esclareceu que não foi possível estabelecer uma relação directa
entre o acidente ocorrido em 19 de Agosto de 1993 e a embolia pulmonar que causou a morte de B em 5 de
Setembro seguinte; pode contudo haver uma relação indirecta (23) já que as fracturas sofridas em
consequência do acidente obrigam a imobilidade prolongada o que, numa pessoa de 70 anos, é um factor
de risco. Solicitado parecer ao Conselho Médico-Legal de Coimbra (artigo 9º, nº 2 do Decreto-Lei nº 387-
C/97, de 29 de Dezembro), concluiu-se: "as fracturas sofridas pela vítima do acidente de viação ocorrido
em 19/8/93 obrigaram a uma situação de imobilização no leito. Em tais situações, a ocorrência de uma
trombo-embolia pulmonar, favorecida pelo processo de imobilização, é uma eventualidade sempre
possível, surgindo mais frequentemente nas primeiras 2 a 3 semanas após o traumatismo." O tribunal
acabou assim por concluir que as lesões traumáticas decorrentes do acidente de viação, devem ser
consideradas causa adequada da morte. Invocou-se na sentença o artigo 127º do Código de Processo
Penal, de acordo com o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do
Tribunal, salvo quando a lei dispuser de modo diferente. Portanto, não se tratou de uma circunstância
extraordinária, a embolia é efeito das fracturas provocadas pelo acidente, e por conseguinte as
consequências estão ligadas a estas lesões e são da responsabilidade de quem as fez. Não se provou, aliás,
ao contrário do que se insinuava, que a vítima não tinha recebido o tratamento adequado.
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5. O método de eliminação
Para a fórmula habitual da condicio, qualquer condição do resultado, mesmo que seja
secundária, longínqua ou indirecta, é causa do mesmo: para efeitos causais todas as
condições são equivalentes. Condição é assim qualquer circunstância sem a qual o
resultado se não produziria. Para decidir se uma situação, conduta ou facto natural é
condição, utiliza-se a "fórmula hipotética" e o método da eliminação: Quando todas as
condições são equivalentes, o que é causa da causa é causa do mal causado"; o processo de
eliminação: "se não tivesses feito o que fizeste não teria acontecido o que aconteceu".
Mas há casos em que a fórmula habitual da condicio falha. Como já anteriormente
notámos, havendo várias condições alternativas (as causas, além de idênticas e
contemporâneas, são aptas a produzir o mesmo efeito independentemente uma da outra),
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qualquer delas poderá ser mentalmente eliminada sem que despareça o resultado na sua
forma concreta.
24
Figueiredo Dias, DP/PG I, 2ª ed., 2007, p. 326.
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Costa Andrade, "As lesões corporais (e a morte no desporto", Liber Disicpulorum Figueiredo Dias. Neste
estudo entende-se que a violação das regras do jogo não tem necessariamente nem sequer normalmente de
realizar o risco proibido capaz de suportar a imputação do resultado típico.
28
Stratenwerth / Kuhlen, AT, 5ª ed., p. 95.
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objecto banal. Em termos naturalísticos, a causalidade, no que respeita à acção daquele que
desvia o golpe, não pode ser negada (eliminando o encontrão, o golpe no ombro não chega
a ocorrer), mas a acção que diminui o desvalor do resultado não integra a realização típica
de um crime de resultado, por este não ser objectivamente imputável ao agente. (29)
Mas nem sempre será fácil isolar as situações de risco permitido.
Suponha-se o médico que inadvertidamente entrega à enfermeira um produto altamente
tóxico, e esta, em vez de o resguardar no lugar próprio, usa-o para matar o amante. Se um
processo causal baseado em acção não dolosa (deixar uma arma carregada ao alcance de
alguém) for aproveitado por outrem que actua dolosamente para directamente provocar o
resultado, o que estará em causa é apenas a responsabilidade por dolo. A intervenção de
um terceiro que comete dolosamente um crime exonera do risco o primeiro causador
negligente. O risco realizado no resultado é unicamente o do crime doloso. São realidades
que têm a ver com a antiga teoria da proibição de regresso e com a actual ideia da auto-
responsabilidade. (30)
O caso do médico e da enfermeira que com ele trabalha convoca igualmente o princípio
da confiança, que encontra a sua razão de ser na repartição de tarefas e na divisão do
trabalho. O que melhor ilustra a situação será porventura o trabalho de uma equipa de
cirurgia operatória. (31) Nestas circunstâncias ninguém terá em princípio que contar que
outro membro do grupo cometa erros e muito menos um facto doloso. O médico não terá
de entrar em conta com tal risco, por se supor que a enfermeira que o auxilia é uma
profissional responsável e em geral poder confiar-se em que as outras pessoas observarão
os deveres que lhes incumbem. A menos que o médico pudesse desconfiar dos propósitos
da enfermeira, já que então nada justificaria que se pusesse nas mãos dela com que
satisfazer ulteriores propósitos de matar alguém.
Cremos poder concluir que se o condutor que goza de prioridade fosse obrigado a parar
por via de uma possível transgressão do condutor obrigado a deter-se o direito de
prioridade seria progressivamente desvalorizado e nunca mais seria possível a correnteza e
a fluidez do tráfego. É uma conclusão inteiramente de acordo com o pensamento do risco
permitido. Quem actua de acordo com as normas de trânsito pode pois contar com idêntico
comportamento por banda dos demais utentes. O princípio da confiança é utilizado ainda
para resolver problemas de imputação quando comcorre um comportamento posterior
negligente de terceiro, seja, por ex., o erro médico que provoca a morte do acidentado na
estrada. É bem duvidoso que o responsável pelo acidente possa neste caso prevalecer-se do
erro médico. Se se pode confiar, em princípio, em que outros, com quem trabalhamos, não
se deixem levar à prática de factos dolosos, já é muito menos de confiar que essas mesmas
pessoas não cometam faltas e erros. Nestes casos deverão configurar-se condutas que se
encontram em acumulação e não em situação de alternatividade.
29
Outra solução passaria pelo consentimento presumido. Se convergirem as regras do estado de
necessidade (artigos 34º e 35º), é nesses moldes que deverá ou poderá justificar-se a conduta do bombeiro
que num prédio em chamas atira pela janela a criança prestes a ficar sufocada, ainda que à custa de
algumas mazelas originadas na queda.
30
Note-se que a "participação negligente" (como favorecimento negligente de uma acção dolosa) não
chega a ser punida (artigos 26º e 27º).
31
Sobre o princípio da confiança em matéria de divisão de tarefas no seio de uma equipa, maxime no que
toca a intervenções médico-cirúrgicas: Jorge de Figueiredo Dias, Conimbricense I, p. 109.
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Caso nº 10 A foi atingido por tiros disparados intencionalmente por um seu inimigo, que o queria
eliminar. A ingressou no hospital com ferimentos muito graves, mas o médico de serviço, com
inteiro conhecimento da situação, sabendo muito bem que isso lhe era exigido (posição de
garante), dolosamente não examinou a vítima que acabou por morrer, embora pudesse ter sido
salvo.
Estas hipóteses, diz H. Otto (32), são problemáticas e "ainda pouco esclarecidas".
Representam a quebra de um nexo causal com origem num agir positivo através de uma
omissão dolosa. A solução é considerar que a responsabilidade do médico se não substitui
à do causador das lesões graves sofridas com os tiros, ficando ambos, lado a lado, quanto a
responsabilidades. A solução já não seria a mesma se os ferimentos graves tivessem sido
causados por negligência de um terceiro e o médico viesse a ser falsamente informado de
que os mesmos eram poucos e ligeiros. As coisas não representariam uma omissão do
médico, mas a interrupção de um processo que, uma vez iniciado, conduziria, com uma
probabilidade rasante da certeza, à salvação da vítima. Também demandariam uma solução
diferente se fosse a vítima a achar supérfluo e desnecessário submeter-se a uma operação.
O princípio da confiança seria então perfeitamente adequado a exonerar o causador do
acidente pela morte que viesse a ocorrer.
Noutros casos, de intensificação da lesão do bem jurídico, a conduta é de molde a impedir
ou a diminuir as hipóteses de salvamento de um bem jurídico já em perigo, como quando o
material de socorro (não chega sequer, ou não chega a tempo, a ambulância ou o carro dos
bombeiros). São elementos que deverão ser levados à conta do incremento / potenciação
do risco já existente.
A teoria do aumento do risco não tem dispensado a fórmula dos comportamentos lícitos
alternativos: a conduta de A levou a um determinado resultado, mas se A agir de outra
maneira é provável que leve também ao mesmo resultado. De acordo com a leitura
tradicional desta fórmula, não haverá lugar à imputação, por ausência de um nexo de
infracção do dever” ou “conexão de ilicitude” (no sentido de que não bastará para a
imputação de um evento a alguém que o resultado tenha surgido em consequência da
conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que tenha sido precisamente em
virtude do carácter ilícito dessa conduta que o resultado se verificou) se a conduta
conforme ao dever não tivesse evitado a produção do resultado. Numa outra formulação,
demonstrando-se que o resultado teria tido seguramente lugar ("sensivelmente no mesmo
tempo, do mesmo modo e nas mesmas condições", ainda que a acção ilícita não tivesse
sido levada a cabo, "parece que a imputação objectiva deve ser negada, seja porque não se
torna possível comprovar aqui verdadeiramente uma potenciação do risco já
autonomamente instalado, seja porque, como acentua Roxin, se não pode dizer sequer que
o comportamento do agente criou um risco não permitido: verificando-se que tanto a
conduta indevida, como a conduta lícita "alternativa" produziram o resultado típico, a
imputação deste àquele traduzir-se-ia na punição da violação de um dever cujo
cumprimento teria sido inútil, o que violaria o princípio da igualdade". (33)
Pode acontecer que se acabe por concluir que a ocorrência do resultado típico era apenas
provável ou simplesmente possível. A doutrina tradicional aplicaria aqui os critérios da
dúvida, portanto, pro reo, mesmo nos casos em que a probabilidade de verificação do
resultado por via de uma conduta ilícita devesse ser entendida como mínima.
32
H. Otto, AT, 5ª ed., p. 67.
33
Figueiredo Dias, DP/PG I, 2ª ed., 2007, p. 338. Veja-se também, por ex., K. Kühl, AT 4ª ed., p. 50.
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— A questão de saber que perigo acabou por se concretizar no resultado exige uma
resposta ex post, com conhecimento de todas as circunstâncias relevantes para a
verificação efectiva do resultado. No caso em exame, uma vez que no primeiro
acidente a vítima saiu apenas ligeiramente ferida, vindo os aspectos trágicos a dar-se
no segundo acidente, não pode imputar-se a morte à conduta defeituosa do condutor
atropelante.
Lançando mão destes critérios, parece desde logo evidente que nos já falados processos
causais atípicos se deverá recusar a imputação do resultado à acção. O caso do matadouro
representa um desses processos. É pertinente inquirir em que medida se pode ou deve
considerar a primeira causa (o acto de ferir ligeiramente) como causal para a produção do
resultado mortal, já que à primeira causa se vem juntar uma segunda. De qualquer forma,
todos estarão de acordo em que A só poderá ser punido por homicídio tentado: quis matar
a vítima e praticou actos de execução do crime que planeou, mas a morte tem outra causa,
diferente da agressão com o cutelo, não ocorreu como efeito da conduta de A, e portanto
não é "obra" deste, já que o perigo criado também aqui não cristalizou no resultado típico.
Caso nº 12 B caiu à água e tudo indica que vai morrer afogado. A, que é bom nadador, prepara-se para
acudir a B, mas é agredido de tal modo por X (inimigo de B), que fica incapaz de levar a cabo
a sua intenção salvadora. B acaba por morrer.
Se a acção de salvamento é interrompida põe-se uma condição do resultado produzido.
Não fora a intervenção de X, o afogado teria sido salvo com uma probabilidade rasante da
certeza. Neste sentido, a conduta de X é causal da morte de B. Trata-se de um autêntico
processo causal anómalo: B morre afogado; a X, que interrompeu um processo causal
dirigido à salvação de uma pessoa em perigo, é de imputar a potenciação / realização do
perigo para a vida do B, que acabou por morrer.
Pode abrir-se outro espaço de dúvidas quando, por ex., um ferido à navalhada é conduzido
a um hospital de província mal equipado, mas ainda com os instrumentos necessários para
operar o ferido, e a luz falta no momento decisivo, obstando à intervenção médico-
cirúrgica adequada, acabando a vítima por morrer. Ou então o ferido morre devido a uma
infecção apanhada no próprio hospital. Poderia ainda prever-se que a morte ocorresse?
Estamos, num caso e noutro, a afastar a hipótese da produção dolosa do resultado mortal,
daí que, se durante o processo de cura surgem complicações, seja por ex., uma trombose, e
o internado morre, as mesmas devem ser levadas à conta de complicações típicas e a morte
imputada ao agente do facto. (35)
35
Não se podem imputar consequências danosas por um tempo indefinido. A conclusão do processo de
cura deverá ser o momento decisivo, dizem alguns autores. E dão como exemplo o acontecido com R.
Dutschke, um dirigente da revolta estudantil alemã de 1968, que foi vítima de um atentado político e
passou a sofrer de deficiência, que permanentemente o afectava. Uns anos mais tarde, por causa disso,
perdeu a consciência, quando se encontrava no banho, e morreu por afogamento. Trata-se de uma situação
de dano permanente com consequências tardias. Cf. Roxin, AT, p. 904; e Problemas fundamentais de
direito penal, p. 287; I. Puppe, p. 626. Num caso de broncopneumonia (acórdão do STJ de 1 de Abril de
1993 BMJ 426, p. 154), o Colectivo deu como provado que, logo que a vítima caiu na calçada granítica o
arguido sujeitou-o enganchando-se nele; e agarrando-lhe a cabeça, embateu-a repetidamente contra o solo,
ocasionando-lhe lesões cranio-meningo-encefálicas, necessariamente causais da sua morte. O tribunal de
recurso confirmou que a conduta agressiva do arguido constitui, objectivamente, causa adequada à
ocorrência daquela morte. Ora, a defesa alegara que, para a morte da vítima, tinha também contribuído
uma broncopneumonia bilateral de que era portador, e que se não tinha verificado o tratamento médico
devido, por inexistência atempada da terapêutica adequada. Perante aqueles factos, o Supremo teve por
irrecusável que nem a falta de assistência clínica em pronto internamento hospitalar nem a eclosão da
broncopneumonia interromperam o nexo que liga a morte da vítima às lesões que o réu lhe infligiu.
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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acidente que levam à morte da vítima; no nosso entender, tais erros não exoneram o
causador do acidente. Já será diferente se o erro médico puder classificar-se de grosseiro,
porque então, na maior parte dos casos, o causador das lesões iniciais deve ver a sua
responsabilidade pelo risco afastada. H. Otto dá um outro exemplo, do A que atropela B,
por desatenção, na passagem para peões, ficando a vítima em perigo de vida. Para se livrar
de complicações, A dá em seguida um tiro no B, intencionalmente, acabando com ele. A
morte aparece apenas como sendo a realização da conduta dolosa do A, já não como a
realização do atropelamento. (37)
Se A deixa uma quantidade de droga ao alcance de B que a ingere por ser toxicómano e
vem a morre de sobredose, a conduta de A mantém-se dentro do risco permitido, a menos
que a conduta posterior da vítima se torne provável em medida excepcional. A conduta de
A criou um perigo que, porém, se não realizou no resultado típico através de um processo
causal tipicamente adequado.
Também não serão imputáveis resultados que não caiam na esfera de protecção da norma
de cuidado violada pelo agente: o ladrão que ao praticar o furto dá lugar à perseguição
pelo guarda, que vem a morrer atropelado, não infringe um dever de cuidado e não é
responsável por essa morte. (38)
37
Podia aliás chamar-se a terreiro o princípio da auto-responsabilidade.
38
A propósito da criação de um risco não permitido dentro do âmbito do tipo, teremos em consideração os
seguintes grupos de casos: colaboração na auto-colocação em risco dolosa (A e B, para ganharem uma
aposta, lançam-se em corrida de motos na estrada, onde B, por erro de condução, perde o domínio da moto
e sofre lesões físicas graves); heterocolocação em perigo livremente aceite (a pedido do passageiro, o
condutor do táxi aumenta de forma proibida a velocidade do automóvel que em consequência se despista,
sofrendo o passageiro lesões físicas graves); e imputação a um âmbito de responsabilidade alheio (E
provoca um incêndio a sua habitação e F, um dos bombeiros, para salvar outro habitante da casa sofre
lesões graves). Cf., sobre isto, F. Dias, DP/PG, 2ª. Ed., 2007, p. 340; e Conimbricense I, p. 278 e ss.
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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6. Conclusão
Ao aplicarmos a teoria do risco, deveremos averiguar:
— Em primeiro lugar, a questão da causalidade, aferindo-a pelos critérios da csqn;
— Depois, indagar se ocorre um perigo (=risco) juridicamente relevante como requisito
relacionado com a conduta do autor, i. é, se o autor criou em geral um novo risco para
a produção do resultado, ou se aumentou um risco já existente;
— Finalmente, se se realizou, i. é, se se materializou ou concretizou o perigo (nexo de
risco).
O perigo típico (perigo juridicamente relevante) poderá afirmar-se, por ex., se A, sabendo
que B sofre de graves problemas cardíacos, dolosamente, lhe dá a falsa notícia de que uma
pessoa muito querida tinha morrido, e com isso B sofre um ataque cardíaco.
O perigo não será tipicamente relevante se a acção não criar um risco adequado e
juridicamente reconhecível para a produção do resultado, como acontece na generalidade
dos processos causais atípicos. A oferece uma viagem de avião ao tio rico esperando que o
avião venha a cair, o que na realidade acontece. A acção não produziu qualquer perigo
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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efectivo para o bem jurídico. Acontece o mesmo quando o perigo se contém no quadro do
risco geralmente permitido. O condutor T causa a morte do peão O, porque este vai de
encontro ao automóvel que T conduzia de acordo com todas as regras de trânsito. A morte
não é de imputar objectivamente ao condutor, porque a participação no tráfego rodoviário
de acordo com as correspondentes prescrições se contém no âmbito do risco permitido.
Inclusivamente, o perigo típico está fora de questão quando a acção não incrementa o
risco, podendo dar-se até uma diminuição do risco.
Quanto à responsabilidade dos entes colectivos, a partir da norma do artigo 11º do CP,
"uma vez imputado ao ente colectivo a acção psico-física da(s) pessoa(s) singular(es), deve
exigir-se, também neste contexto, que o comportamento — activo ou eventualmente, em
certos casos, omissivo — do ente colectivo tenha criado (ou incrementado) um risco não
permitido e que esse risco se tenha vazado no resultado típico". (39)
Hipóteses como as que aqui se apresentam, que arrastam questões de resolução mais difícil ou duvidosa,
costumam aparecer nos textos práticos dos exames e têm que ser identificadas e convenientemente
depuradas e resolvidas. Se não se levantam problemas, se a relação de causa e efeito é evidente, como
quando A dispara sobre B a 3 metros de distância e B morre logo ali por ter sido atingido no coração, só
temos que lhe fazer uma ligeira referência e concluir que, em sede de causalidade (causalidade adequada:
artigo 10º, nº 1, do Código Penal), a agressão a tiro, conduzida por A, é a causa da morte — ou que, em
sede de imputação objectiva, o evento letal é "obra de A". Se tivermos um caso em que A, à paulada,
reduziu a cacos o vaso de flores da vizinha, só teremos que apurar que o vaso é uma coisa que não pertence
a A e concluir: "A partiu o vaso de flores de B — os danos por ele produzidos foram em coisa alheia". Será
perfeitamente desajustado insistir noutro tipo de considerações.
IV. — Exercícios
1º exercício: A partir do caso do cutelo, suponha que i) A, devido a hemorragia, desmaia
na ambulância que o transporta ao hospital, vomita e morre; ii) durante o trajecto para o
hospital, a ambulância choca com um camião que vinha fora de mão e A sofre ferimentos
mortais; iii) após uma operação levada a efeito com êxito, A morre por infecção dos
ferimentos; iv) momentos antes de deixar o hospital, A morre devido a um incêndio que se
declara no quarto em que se encontra.
Tenha-se em atenção que o facto de uma pessoa ferida perder a consciência como consequência da perda
de sangue e vomitar, seguindo-se-lhe a asfixia, não é improvável, é antes previsível. Isto vale também para
a infecção da ferida. A morte de B, provocada por estas circunstâncias, deve imputar-se objectivamente a
A. Nos outros casos, o resultado mortal fica a dever-se a um processo completamente inusitado e atípico, e
nele não chega a concretizar-se o risco criado por A ao atirar o cutelo, mas um risco de outra natureza, que
não tem nenhuma relação com a acção de A. O perigo, correspondente ao risco geral da vida, de ser vítima
de um acidente de trânsito ou de ficar intoxicado pelo fogo não se cria nem aumenta sensivelmente por ter
havido a agressão com o cutelo. Conforme à experiência geral, é improvável, sem mais, que uma lesão
como essa tenha como consequência um resultado dessa espécie. Por conseguinte, a morte por acidente de
B não deverá imputar-se a A como obra sua, mas ao condutor do camião. A só responde por homicídio
tentado. O mesmo critério vale para a intoxicação mortal, a qual deverá imputar-se ao autor do incêndio
como obra sua.
2º exercício: Durante uma festa que meteu bebidas em abundância, A, um dos convidados,
deitou fogo ao andar superior da moradia. Em elevado estado de embriaguez, o filho do
dono da casa subiu ao andar em chamas, para salvar alguém que por ali estivesse sem dar
acordo de si, ou para retirar umas coisas valiosas, mas veio a morrer asfixiado, devido aos
fumos. O primeiro problema que aqui intervém é o da livre e responsável auto-exposição
39
Figueiredo Dias, DP/PG I, 2ª ed., 2007, p. 347.
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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V. — Indicações de leitura
Cf., infra, no capítulo da "Autoria", as causalidades de natureza psicológica, de motivação, portanto, não
de acontecimento para acontecimento, mas de pensamento para acontecimento, como quando o
instigador "determina outrem" (artigo 26º), outro tanto fazendo o burlão (artigo 217º, nº 1) .
O verbo imputare era uma palavra formada por derivação e mantinha, diz Paulo de Sousa Mendes, O torto
intrinsecamente culposo como condição necessária da imputação da pena, Coimbra, 2007, p. 35, uma
relação de sentido com o verbo putare, cujo significado mais frequente era contar, calcular. "No caso
vertente [do aporte por Pufendorf da palavra imputação para o léxico do direito natural], o prefixo
derivado latino in- indicava movimento para dentro e o verbo formado através do emprego desse
prefixo dava então qualquer coisa como meter na conta". No campo do direito penal, os autores
advertem (por ex., Fuchs, p. 93) que o conceito de imputação é por vezes manejado com outros
significados, de forma que se deverá ter isso em atenção. Alguns autores, como Frisch e Jakobs,
distinguem entre a imputação objectiva do resultado e a imputação (objectiva) da conduta. Em sentido
muito alargado, pode falar-se de imputar (atribuir) um acontecimento a alguém, por ex., quando se
atribui o desvalor de resultado a um determinado sujeito ou até o resultado das suas boas acções. Pode,
aliás, imputar-se um determinado resultado (pelo menos) a título de negligência, como o código dispõe
no artigo 18º. No artigo 22º, nº 1, há tentativa quando não existe um resultado atribuível ao agente que
pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer. O resultado decorrente da actuação em
legítima defesa (artigo 32º) pode ser imputado à conduta do defendente, não obstante actuar
justificadamente. Diz Melo Freire, Instituições de Direito Criminal Português, BMJ 155, p. 180, que “a
40
Cf. Fernanda Palma, loc. cit., e Direito Penal do Ambiente — uma primeira abordagem, in Direito do
Ambiente, 1994, p. 431.
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
2007
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ninguém deve imputar-se o que sucede por acaso”. E Levy Maria Jordão, Commentario ao Código
Penal Portuguez I, 1853, que o "acto cometido debaixo de uma força física irresistível não pode ser
imputável porque não é voluntário". O Código de Processo Penal, no nº 1 do artigo 345º, dispõe quanto
a perguntas sobre os factos "imputados" ao arguido.
George Fletcher, Basic Concepts of Criminal Law, Oxford University Press, 1998 (capítulo 4º, nº 3). No dia
a dia não queremos saber a causa dos fenómenos comuns e normais. Perguntamo-nos qual é a causa da
morte, mas não qual a causa da vida. A morte, num dado momento, apresenta-se como um evento
inesperado e é por isso que queremos saber qual a sua causa. De modo diverso, se a pessoa for
saudável, o permanecer viva não desperta curiosidade. Ainda assim, se há ocasiões em que a morte nos
aparece como praticamente inevitável, por exemplo, no caso de um desastre aéreo, temos dificuldade
em compreender por que é que determinado indivíduo foi o único sobrevivente. A que deve ele o tempo
de vida que lhe sobra? Veja-se que até para formular a pergunta em termos de causalidade nos sentimos
embaraçados!
Acórdão do STJ de 29 de Julho de 1932, Col. Of., vol. 31: dando-se como demonstrado que a
impossibilidade de trabalhar por toda a vida do ofendido era efeito de doença de que estava atacado —
sífilis — e não efeito necessário do traumatismo, que simplesmente podia intervir como causa
adjuvante, não deverá o ofensor ser incriminado pela infracção mais grave.
Acórdão do STJ de 15 de Janeiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 37: processo atípico; menor que quando
brincava com outros dois num edifício em adiantado estado de construção, no 2º andar tocou num tijolo
que, caindo, atingiu um deles, que se encontrava no rés-do-chão. A falta de sinalização do estaleiro não
pode considerar-se causa adequada das lesões sofridas pelo menor.
Acórdão do STJ de 22 de Março de 2007, Proc. n.º 4808/06-5, in “Cum grano salis”: A perda da aeronave a
favor do Estado, nos termos do artigo 35.º do DL 15/93, de 22/1, não merece censura, mesmo à luz
daquela jurisprudência mais rigorosa, que exige que entre o objecto e a prática da infracção interceda
uma relação de funcionalidade ou de instrumentalidade em termos de causalidade adequada, dado que
aquela aeronave serviu de instrumento essencial à prática do crime de tráfico de estupefacientes,
transportando a droga do Marrocos para Beja.
Acórdão do STJ de 3 de Dezembro de 1997, proc nº 97P964: Nos crimes de resultado, um dos seus
elementos constitutivos é o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado. O termo "adequada",
inserto no artigo 10º nº 1 do CP, revela expressamente que, em regra, a nossa lei acolhe a teoria da
causalidade adequada, segundo a qual uma acção é causa de um resultado, quando, em abstracto, é
idónea para produzi-lo, como um id quod plerumque accidit; socorrendo-se da experiência de casos
semelhantes, das regras gerais da experiência comum, o tribunal formula um juízo de prognose,
reportado ao momento da realização da acção, sobre a verificação de tal idoneidade. À luz da
experiência comum, a acção de introduzir, sem rodar, uma chave de luneta no sextavado do "taco" do
bujão de um permutador de gás propano, não é adequada a fazer saltar esse "taco" do orifício onde
estava enroscado: o "taco" saltou do orifício, porque estava danificado; igualmente, à luz da experiência
comum, não é normal, não corresponde ao id quod plerumque accidit, que um bujão enroscado salte por
simples contacto, sem qualquer movimento a desenroscá-lo, pois, se o bujão saltou é, porque não estava
enroscado, estava muito deteriorado nos filetes de rosca, que não enroscavam. Não se tendo provado
que o arguido, quando colocou a chave no "taco", tivesse conhecimento ou devesse conhecer tal
deficiência, não lhe podem ser imputadas, ainda que a título de negligência, as consequências da saída
do "taco" (fuga franca de gás, seguida de incêndio, de que resultaram dois mortos), pois aquele evento
não se insere tipicamente no processo causal.
Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Dezembro de 1999, BMJ 492, p. 480: não havendo na lei nada que
faça presumir que a morte ocorrida após um acidente de viação é consequência deste, não tem
cabimento a pretensão de considerar verificado o referido nexo de causalidade por força das disposições
legais relativas à prova por presunção, nomeadamente o artigo 349º do Código Civil. Numa área de
grande melindre, em que são requeridos particulares conhecimentos científicos, a conclusão de que a
morte do ofendido foi causada pelos ferimentos por ele sofridos no acidente há-de resultar da prova que
constar dos autos e não do recurso a meros juízos de normalidade. Se da prova resultarem incertezas
quanto às causas da morte não poderá estabelecer-se o nexo de causalidade por obediência ao princípio
in dubio pro reo. Se o julgador divergir do estado de dúvida do perito (que no fundo afirmou que face
aos elementos técnicos e científicos disponíveis não é possível estabelecer o nexo de causalidade),
M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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optando pela existência do nexo de causalidade, deverá fundamentar a divergência nos termos impostos
pelo artigo 163º, nº 2, do CPP.
Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ 1998, tomo II, p. 56: crime de homicídio por
negligência, prova pericial, falecimento por embolia pulmonar durante o tratamento de fracturas ósseas
sofridas em acidente de viação.
Acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 1988, BMJ 382, p. 276: homicídio qualificado; interrupção do nexo
causal. A adequação a exigir não se deve estabelecer só entre a acção e o resultado, mas em relação a
todo o processo causal.
Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2000, CJ 2000, tomo I, p. 215: artigo 563º do Código
Civil; causalidade indirecta; concurso real de causas.
Acórdão do STJ de 2 de Junho de 1999, BMJ 488, p. 168: causalidade adequada e perda de instrumentos do
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M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de Direito Penal, Elementos da Parte Geral (§ 4 Nexo de causalidade),
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Estrutura fundamental
Caso normal Acção Resultado
(Ex.: A dispara
sobre B)
1. Causalidade alternativa .
Põem-se diversas Acção Resultado
condições, independentes
umas das outras. Cada uma
delas basta, por si só, para
a produção do resultado. Outras
Todas são eficazes para o causas
resultado. Ex.: A e B
ministram, cada um deles
independentemente um do
outro, a C uma dose letal
de veneno, na mesma
altura.
2. Causalidade cumulativa.
Põem-se diversas Acção Resultado
condições, independentes
umas das outras, mas que,
em conjunto, produzem o
resultado. (Ex.: A e B Outras
ministram, causas
independentemente um do
outro, veneno a C sendo as
doses, no seu conjunto,
letais).
4. Causalidade hipotética.
Uma outra causa teria Acção Resultado
produzido o resultado na
mesma altura. (Ex.: A
ministra veneno a B, que é
um doente terminal, mas Outras
este teria morrido na causas
mesma altura, mesmo sem
o veneno).
5. Interrupção do nexo
causal. O resultado é Acção Resultado
produzido por uma outra
causa, que actua sozinha e
de forma inteiramente
independente da acção. (Ex: Outras
A ministra uma dose letal causas
de veneno a B. C dispara
mortalmente sobre B antes
de o veneno actuar).
Estrutura dos casos especiais de causalidade. Adaptado de Fritjof Haft, Strafrecht, AT, p.
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