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REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS

SOBRE FILOSOFIA, CONSTITUCIONALISMO


E DIREITOS HUMANOS.
FERNANDA BUSANELLO FERREIRA
FELIPE MAGALHÃES BAMBIRRA
ARNALDO BASTOS SANTOS NETO
(ORGANIZADORES)
Copyright © 2017 by Fernanda Busanello Ferreira et al

Editora Espaço Acadêmico


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Programação Visual: Marcos Digues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


FER Ferreira, Fernanda Busanello.
Reflexões contemporâneas sobre filosofia, constitucionalismo e
direitos humanos. - Fernanda Busanello Ferreira, Felipe Magalhães
Bambirra, Arnaldo Bastos Santos Neto (orgs.). – Goiânia: / Editora
Espaço Acadêmico 2017

116 p. il. 15x21cm

ISBN:

1. . I. Título.

CDU:

Arielle Lopes de Almeida CRB1/2785


Bibliotecária da PUC Goiás

DIREITOS RESERVADOS

É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem
a autorização prévia e por escrito da autora. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98)
é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2017
59

A GROTESCA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS


HUMANOS NA MODERNIDADE E A
MEDIAÇÃO COMO DIREITO DO FUTURO: IN
MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

Fernanda Busanello Ferreira1


Candice Nunes Bertaso2

Introdução

O presente texto é fruto das anotações realizadas pela autora Fer-


nanda Busanello Ferreira, ainda à época da graduação, referentes
ao “Curso de Mediação3” ministrado pelo Prof. Dr. Luis Alberto Warat,
na Universidade de Cruz Alta (RS), no ano de 2002, e revisadas pela
coautora Candice Nunes Bertaso, que também frequentou o curso. Por
opção das autoras, não há citações no texto, mantendo-se a originalida-
de das falas de Luis - como Warat preferia ser chamado. Inclusive a or-
dem do texto segue a cronologia das falas no curso, havendo momentos

1 Pós-Doutora em Direitos Humanos pela PPGIDH/UFG. Doutora em Direito pela UFPR. Pro-
fessora do PPIGDH/UFG e do Curso de Direito da UFG/REJ. Foi aluna do Curso de Direito da
Universidade de Cruz Alta e conviveu com Luis Alberto Warat durante a tentativa de aprova-
ção do Curso de Direito da SPEI em Curitiba, um sonho que Warat não viu se realizar.
2 Mestre em Direito pela Universidade do Alto Uruguai e das Missões (URI/Santo Ângelo).
Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ). Especialista em Direito
Civil e os Novos Rumos do Processo Civil pela URI/Santo Ângelo.
3 As autoras agradecem de modo especial ao Prof. Dr. João Martins Bertaso que foi Coorde-
nador do Curso à época e orientador de monografia e iniciação científica das autoras, sendo
o responsável pelas idas de Warat à Universidade de Cruz Alta, o que impactou sobremaneira
em suas formações profissionais e humanas.
60 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

de repetição e retomadas, numa lógica pouco linear, como tipicamente


ocorre em um espaço informal de ensino.
Acredita-se que a divulgação dessas notas do curso é uma sin-
gela contribuição à academia brasileira, especialmente, aos atuais es-
tudos sobre a mediação, os quais efervesceram, especialmente, após a
aprovação do novo código de processo civil. Luis, porém, segue ainda
inovador e revolucionário, não tendo o direito alcançado a elevação
que seu pensamento propunha há mais de uma década, quiçá há mui-
to mais tempo.
Recomenda-se a leitura da obra Surfando na Pororoca - O ofício
do Mediador4 para uma dimensão mais completa sobre o tema, versão
essa escrita e revisada pelo inesquecível filósofo do direito, responsável
pela formação de tantos juristas renomados e um dos propagadores da
teoria crítica brasileira, tendo denunciado o senso comum teórico dos
juristas e seus problemas.
Luis não passava incólume aonde quer que fosse. Para diferen-
ciarmos as falas do professor da das autoras, usamos a seguinte meto-
dologia: nossas falas serão escritas em itálico, as de Warat seguirão sem
marcações especiais. Claro que o ideal seria o contrário, mas aí teríamos
um texto um tanto quanto desagradável à leitura. Luis fala praticamente
sozinho no texto. Deixe-se tocar pelo saudoso mestre você também e
saboreie suas palavras!

2. Notas do Curso de Mediação proferido por Luis Alberto Warat em


2002 – parte 1.

Se não nos falha a memória, Luis começou o curso com uma dinâ-
mica. Deveríamos desenhar uma representação sobre nós. Usamos lápis
de cor, canetinha e nos esforçamos na criatividade. Logo após, fizemos
a apresentação aos colegas e Luis foi tecendo comentários sobre cada de-
senho. Quem conheceu o mestre, sabe que ele não nos reconfortou e sim

4 WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação


Boiteux, 2004.
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

problematizou cada uma das gravuras, interpelando por sentidos ocultos,


questionando desejos e pré-compreensões5. E então, as falas começaram:
Como adquirir sabedoria, perguntou Luis? Sabedoria é igual à
Iluminação, interação. O sábio esquece todas as bobagens que aprendeu
em nome do saber. Para ser sábio é necessário desaprender/esquecer
tudo que aprendemos. Para ser bom temos que esquecer a receita.
É um erro pensar que um professor ensine. O que se pode é aju-
dar a aprender a descobrir a si mesmo. O grupo tem que fazer a aula
e não o professor. O amor não é obrigatório. Nada se ensina. Não se
ensina a amar. Não se pode ensinar que a pessoa aprenda a ser sensível,
mas tem-se que ajudar a aprender a amar. Ajudar as pessoas a serem
sensíveis é ajudar a descobrir em si a própria sensibilidade.
O mediador ajuda, não prepara as pessoas para resolverem seus
conflitos. Os juízes estão para resolver conflitos, mas 90% acha que apli-
ca a justiça e aplica a lei. Há uma insuficiência da administração da jus-
tiça, a qual está falida.
Segundo Luis, julga-se conforme a “lógica do terreiro”. Os juízes
acham que estão num ritual em que baixa um espírito ditando a senten-
ça, encarnando nos juízes. Mas isso é uma fuga da realidade.
Na sequencia, Luis indaga: O que é um paradigma? É uma forma
(modelo) de entender o mundo. O modelo da modernidade acabou,
morreu. Estamos vivendo seus efeitos, seus reflexos. Do século XVI ao
XX tinha-se um pensamento e vivemos numa época em que esse para-
digma acabou. A transmodernidade é o barroco do kit da modernidade.
Como a modernidade vive é uma forma grotesca, numa visão de poder
grotesca.
Abaixo, um quadro que consta nas anotações e que as autoras opta-
ram por preservar e incorporar ao texto, por ser autoexplicativo:

5 Nota da autora Fernanda: “Lembro-me que me desenhei subindo numa escada feita de li-
vros, meio que prevendo que os estudos teriam um papel central em minha vida, e também
desenhei minha família, que era acessível por um barco. Expliquei a Luis que minha família
era meu porto seguro, local para o qual sempre eu poderia voltar. Para minha surpresa Luis
imediatamente me advertiu: cuidado! Um porto seguro pode te prender ao invés de te libertar.
O impacto que essas palavras gerou sobre mim foi muito forte. Reputo um pouco a esse mo-
mento a minha coragem para não ficar presa no porto, seja qual ele for”.
62 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

Séc. XVI ao XX Barroco Pós-modernidade Transmodernidade

Devir da Modernidade Modelo decadente da Modernidade Não tem paradigma


(asfixiante) O Barroco do Kit da
Pós-Modernidade
Ponto de Fuga

Para Luis, o Estado hoje é uma forma grotesca do Estado Moder-


no. Quando o Executivo é um apêndice do legislativo, isso é uma paró-
dia, disse. A modernidade é o simulacro da democracia. O modelo de
direitos humanos, a cidadania e a democracia são concepções grotescas
na modernidade. A democracia no Estado Moderno é um simulacro de
democracia, as concepções de democracia e cidadania da Idade Moder-
na são também grotescas.
A modernidade tem uma concepção masculina. A concepção da
modernidade e da razão são masculinas. Acabou-se com o lado femini-
no do desejo. O desejo tem dois componentes articulados, quais sejam:
a) a energia do masculino, da estabilidade, da defesa, do eterno, da pro-
teção, do permanente; e, b) O lado feminino, do incerto, do novo, do
indefinido, do indeterminado. Contudo, a modernidade, em nome da
razão, chutou o feminino.
No Direito não há lugar para o determinado, para o que se
sabe desde sempre. O triunfo desse modelo de compreensão do
mundo foi uma guerra entre masculino (mecanicistas) e o feminino
(latinismo).
Os juristas não veem o feminino. Não há lugar para o amor, só
para o permanente, o que se repete, o que se costuma dizer. Os juristas
necessitam da confirmação do que já sabem, necessitam de certeza.
Os adultos, como as crianças, seguem buscando segurança. Ne-
cessitam da afirmação do que já sabem. Os juristas se comportam como
uma criança porque necessitam de uma certeza. Possuem o desejo in-
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

fantil de segurança. Comportam-se como uma criança que precisa ouvir


sempre a mesma historinha.
Tudo tem que estar previsto porque os juristas têm medo do
novo. Os juristas têm medo e por isso necessitam acreditar que tudo já
vem previsto. São os mais inseguros em relação à vida.
Os juristas tem uma cegueira histérica, eles se negam a enxergar.
Não devemos enxergar o que enxergamos. Isso predomina no Ministé-
rio Público e na Magistratura.
Novamente lançamos mão de um quadro encontrado nas anota-
ções e que será preservado, tal como nas notas:

O Magistrado pensa em O Médico


1°- Instituição 1°- Imagem (dele)
2°- Neles 2°- Hospital
3°- Conflito 3°- Doente

O Ministério Público e a Magistratura são instituições desuma-


nas. As Universidades tampouco se salvam disso. Vivencia-se uma mi-
tomania, isto é, a necessidade de “mentir-se” a si mesmo para poder
sobreviver.
Conta-se um direito que não tem nada a ver com a realidade. Pre-
cisa-se acreditar numa mentira (faz de conta). Vive-se numa bolha de
ficção que se acredita que é uma realidade. Quando se estoura a bolha,
acaba a ficção e é isso que os juristas atuais estão passando. Não pode-
mos acreditar na ficção do direito. Ela não serve mais. Por isso instala-se
a mediação que é a concepção do direito do futuro. Não há mais chance
para a ficção do direito. Uma bolha quando explode não se recompõe
mais. Não há chance de futuro.
A mediação é a saída. É o direito do futuro. Instala-se a mediação
que é a concepção do direito do futuro.
As partes não existem, estão maltratadas no Judiciário. As pes-
soas cansaram de ser maltratadas pela justiça, querem uma justiça para
64 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

o povo. Querem uma justiça comunitária, sem jurisdição. A gente quer


um direito a serviço dela e não do poder.
Isso não significa que tem que acabar com o Ministério Público
ou com a Magistratura, mas sim que se tem que mudar o perfil do ma-
gistrado que tem que entender de gente, que precisa ter sensibilidade
com as partes. Precisa-se “acabar com a macumba dos terreiros”, pois
esse magistrado que ignora as emoções, que não tem possibilidade de
ser sensível, que é masculino, acabou.
Luis, então, nos pergunta o que estamos sentindo. As respostas são
variadas. Ele segue perguntando e algumas pessoas vão respondendo, eis
que ele menciona: Pensar e sentir são duas coisas diferentes. Devemos
sentir e não pensar no que sentimos.
A mediação não possui os mesmos defeitos da administração da
justiça. O mediador tem que ser gente, tem que entender de gente, as
técnicas vêm depois. Tem que usar a ética do coração. O conflito não
tem solução, tem-se que administrá-lo de uma maneira satisfatória.
A mediação é uma nova forma de conceber o direito que está
posta no mundo. No litígio a condição humana se perde, porque as pes-
soas deixam de ser gente e passam a ser partes. O magistrado desuma-
niza o conflito.
Perdemos a dimensão do outro. Coisificamos o outro. Não ve-
mos o doente, vemos a doença. Todas as instituições são desumanas.
Mas não importam as instituições, importam os alunos, os doentes, as
pessoas.
A mediação não tem os defeitos da administração da justiça. A
ética que importa na mediação é a ética dos sentimentos. O mediador
tem que ser gente, tem que entender de gente, as técnicas, frisou, vêm
depois. É a ética do coração que rege a mediação.
A mediação não soluciona litígios, mas conflitos. Nem soluciona,
pois, na verdade, o conflito não é resolvido, ele é transformado. O con-
flito deve ser administrado de uma forma satisfatória. Porém a aceita-
ção de programas de humanização é mais difícil de se conseguir do que
aceitação da mediação preventiva.
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

Ocorre que vivemos tentando forçar limites. A função da norma


é a de pôr limites para que possamos forçá-la. O sentido da norma não
importa. As ideologias fazem-nos atribuir à lei funções impossíveis. O
direito está cheio de esperas impossíveis e promessas impossíveis. As
promessas são feitas porque não se pode cumprir.
Como fazer com que a normatividade deixe de ser promessas?
Luis pergunta e responde: Tem-se que ter orçamento (construído, produ-
zido), vontade política e participação popular. Sem movimento de ação
popular tudo são promessas.
Luis se questiona: Porque pessoas tão espertas, inteligentes, sofis-
ticadas, podem ser tão ingênuas em relação ao direito? Como sendo tão
inteligentes, são tão tontos, tão burros?
Afinal, o que são normas jurídicas? Elas estão numa hierarquia. A
dependência do jurista não é química, é normativa. Para saber o sentido
da sociedade temos que olhar as normas jurídicas. A realidade não diz
nada. Para entender o sentido da ação (conduta) tenho que consultar as
normas jurídicas.
O ato de praticar a administração da justiça é um ato que violen-
ta os direitos humanos. Decidir violenta os direitos humanos. O juiz
quando decide nossa vida nem sabe o que está decidindo. Na mediação
as pessoas sabem o que estão decidindo.
Se não há conflito, não há desejo. Minha identidade é vincula-
da conflitivamente com o outro. Não há vínculo humano que não seja
conflitivo. Somos imunes ao nosso próprio conflito. Não aprendemos
nunca.
Quando você transforma, não está decidindo o conflito, está mo-
dificando para torná-lo mais satisfatório, para aumentar a qualidade de
vida. Sobre os sentimentos não se decide, se modifica, se transforma.
As emoções se trabalham, modificam, transformam. A mediação está
ligada aos afetos, às emoções e às relações das pessoas, e não à interes-
ses. Quando se trabalha emoções, não há acordo. Não se decide afetos,
ninguém decide ser feliz ou infeliz.
O patrimônio que se negocia é o patrimônio afetivo. Afetos, emo-
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ções, sentimentos da pessoa: somente isso o mediador trabalha. A me-


diação é uma forma substitutiva do paradigma da modernidade. É uma
forma diferente de entender o mundo. A mediação preventiva antecipa
o conflito (em potencial) antes que aconteça. Na mediação reparadora
tem-se o conflito instalado e é feita a reparação (grifos no original).
Neste sentido, encontramos mais um quadro nas anotações e o
mantivemos:

MEDIAÇÃO Forma Substitutiva do Paradigma da Moder-


nidade. Forma diferente de entender o mundo.

Mediação Preventiva- antecipa o conflito (em potencial) antes que aconteça


Mediação Reparadora- tem o conflito instalado e é feita a reparação.

Intermediação cultural; paradigma emergente;


Instituto proc. Alternativo; compaixão.

A mediação como paradigma emergente é um antimodelo (para-


digma ecológico). É ecológica a visão de mundo através da mediação. A
mediação é uma forma de ver o mundo.
Os elementos que impulsionavam a modernidade eram a cien-
tificidade e a racionalidade. Logo, o modelo de direito era um modelo
racional. A ciência, a objetividade e a verdade eram modelos de razão.
A arte tinha critérios racionais. A pedagogia dizia que o professor tinha
que ensinar racionalmente.
Contudo, o diálogo e a emoção são substitutos para reorgani-
zar, transformar a realidade. O amor é a permanente negociação de
valores afetivos. Amar é Negociar os Afetos. (grifos da autora no ma-
nuscrito original).
A negociação e a emoção são as maneiras de ver o mundo da
mediação, porém a negociação como diálogo, e não outra forma de ne-
gociação, importa na mediação.
Para dialogar deve haver um desacordo e o diálogo é a capacidade
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

das pessoas de explicitarem as suas diferenças e chegarem a um deno-


minador comum.
Se não se sabe dialogar para dentro, não se sabe dialogar para
fora. O diálogo é um elemento propulsor da mediação. O mediador au-
xilia, instiga o diálogo, tem que ajudar a aprender a dialogar. Ele desloca
o conflito para que as pessoas possam dialogar.
Neste sentido a mediação é um treinamento progressista. É re-
volucionária. Pautada no diálogo. Não tem nada a ver com o modelo
do EUA de expansão e conquista. A mediação é revolucionária para os
oprimidos em diferentes graus.
A consequência fundamental dessa proposta é que o diálogo vai
substituir a razão como forma de ver o mundo. A mediação é um novo
paradigma, um novo modelo para ver o mundo.
Amar não é encontrar a outra metade, não deve ser o espelho.
Amar implica exercer permanentemente o diálogo de forma a chegar a
um denominador comum. O amor é a capacidade de diálogo. O diálogo
é a capacidade das pessoas de explicitarem as suas diferenças e chega-
rem a um denominador comum (Luis repetiu isso muitas vezes no curso,
segundo lembramos). Já a paixão é a incapacidade de diálogo. É uma
dependência.
O professor tem que encontrar a diferença e estimulá-la. Deve ser
um mestre que me auxilia a me encontrar comigo mesmo. Que nos auxi-
lia a sermos autônomos. Temos que nos preparar a vida toda para sermos
mestres. Quanto ao destino, a missão e a função da sala de aula, Luis con-
cluiu que: não é possível ensinar. A sala da aula é uma sessão de terapia.
Deve ter a função de escuta e de pontuar algo que se fala. Deve-se ensinar
a aprender. Temos que ajudar o aluno a encontrar-se com ele mesmo. Au-
mentar sua autoestima para ter capacidade de dialogar com os outros.
A interpretação é a tentativa de aproximação ao inacessível. É a
psicanálise do direito. Assim como o inconsciente é inacessível e só nos
aproximamos dele através de interpretação que o terapeuta faz, o direito
é o rosto de Deus (inacessível, um enigma) e só podemos nos aproximar
das normas através da interpretação.
68 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

O mestre deve ser inacessível. Saber algo sobre sua inacessibili-


dade é aprender. O mediador não pode dar recomendações, não pode
decidir nada, tem que saber trabalhar com o silêncio, com os enigmas,
com a inacessibilidade, tem que ser o “rosto de Deus”. A poesia, por
exemplo, tem um núcleo de mistério que mexe com você. O enigma, o
mistério, isso é tornar-se inacessível. O mediador tem que ajudar que
os outros decidam, tem que ser um mestre. O mediador tem que ser
inacessível, pois seu silêncio deve ajudar os outros.
O terapeuta intervém, faz pontuações e intervenções (inter-
pretações) e é um profissional que sabe fazê-lo. O mediador não
sabe. A mediação é uma estratégia de ajuda. Na mediação não há
comentários, são criadas condições para as pessoas descobrirem.
Quem descobre tudo são as pessoas, o mediador não dá palpites
como o conciliador. É recomendável ter dois mediadores, realizar
uma co-mediação.
A mediação como política cultural é uma ideia que se baseia no
conceito de contágio. Toda cultura, por mais autêntica e genuína que
pareça, é produto do contágio com outra cultura (grifo no original).
Nossa subjetividade é construída com o contágio com o outro.
Nossa identidade está nos outros. Lacan disse que a linguagem está nos
outros. O inconsciente de cada um está nos outros. O inconsciente é
tudo que não sei de mim mesmo. “O que você me espelha, eu encontro
em mim”. O sentido de minhas palavras não estão em mim, está nos
outros. A isso se dá o nome de semiótica da alteridade. O direito a partir
do outro é alteridade.
Já a contaminação é uma forma de ideologia, de alienação. O pro-
fessor costuma contaminar, pois quer impor ideias. Já o contágio (início
do contato com o outro) não é proposital, não se quis contagiar. Apren-
de-se por contágio, ele está na natureza do outro. Não posso obrigar e
tenho que estar disponível para o contágio. Por exemplo, um professor
de capoeira está sendo um mediador cultural, contagiando os alunos
com a cultura da Bahia.
Warat foi um mediador cultural (portador de contágio), trouxe
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

sem querer informações de outro lugar no seu discurso, que já estava


criado, só transformou em outra coisa.
Tem-se, assim, que a fórmula da mediação é: mediação = diálogo
+ contágio.
Quando a possibilidade de contágio está bloqueada, a mediação
deve restabelecer o contágio. A mediação depende de uma condição de
maturidade social. Deve-se desinfantilizar as pessoas. “Acabar” com a
sociedade que dependente dos juristas. Tem-se que estabelecer relações
sociais maduras, que é uma dimensão pedagógica de se resolver os con-
flitos.
Há uma dimensão pedagógica na mediação. Exercitar os compo-
nentes pedagógicos é diferente de castigar e punir que é a ideia do direi-
to atual. Essa dimensão pedagógica dá-se através da mediação. Pode-se
tirar alguma lição do conflito, isto é, aprender e não repetir de novo. É
uma proposta diferente da ciência moderna que foi produto do triunfo
da Inquisição. A revolução do diálogo é a libertação da alienação mo-
derna.
São características da mediação: o diálogo, o contágio, o amor, a
pedagogia, a compaixão e a sensibilidade.
A mediação como compaixão é diferente do cristianismo. A me-
diação vê a compaixão como algo a mais que a religião cristã vê, mais
assemelhada à visão budista. A mediação como compaixão é conseguir
compreender e colocar-se na dor do outro. Sentir a dor do outro. A me-
diação como compaixão quer dizer exercitar a preocupação com o ou-
tro. Significa conseguir compreender e colocar-se na dor do outro.
Temos que sentir a dor do outro para compreender a minha
própria dor. Senão é impossível compreender a dor do outro, exercer
a preocupação com o outro. Temos que ter compaixão para chegar à
sensibilidade. A compaixão é um caminho para a sensibilidade. Tenho
que me espelhar na dor do outro para sentir minha própria dor. Esse é
o caminho da filosofia da alteridade. Temos que sentir a dor do outro
em nós mesmos para nos modificarmos. A compaixão faz com que eu
me modifique.
70 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

A mediação transforma o conflito. O mediador tem que ajudar as


pessoas a sentirem sua própria dor no conflito. Para transformar con-
flitos tenho que sentir a mim mesmo, ver até que ponto eu contribuí no
conflito. A sensibilidade e a compaixão estão relacionadas, mas não são
a mesma coisa.
A(s) criança(s) insatisfeita(s) do(s) juiz(es) é/ são a(s) princi-
pal(is) fonte(s) do direito (Luis às vezes dizia que as fontes do direito
eram as sogras dos juízes, em tom jocoso).
Em suma, as relações humanas são relações de cobrança de afeto.
São demandas de afeto. Todos devem me dar o que eu não tive. É aí que
entra a sublimação: eleição de instituições, movimentos substitutivos
para suprir as carências. Em geral, na convivência com os outros rece-
bemos nutrientes (energias) tóxicas.
Existem várias estruturas adictas de dependência. Elas são
estruturas substitutivas, por exemplo, o álcool, a dependência quí-
mica, o fumo, o trabalho, os amores cinematográficos, o abandono,
o sexo. No fundo, todas as dependências são de índole emocional.
Somos carentes emocionais. Nos falta amor. Há gente dependente
dos dependentes (co-dependência). A pessoa está predisposta a ser
dependente. A sua estrutura de personalidade está disposta a ser
dependente. Ocorre que os vínculos insatisfatórios são uma fonte
enorme de conflitos.
Luis, se nossa memória não nos trai, realizou após essa fala a “Di-
nâmica do Ursinho”. Retomaremos e detalharemos a experiência mais ao
final do texto.
Seguiu Warat dizendo que são exemplos de mediação: a) a media-
ção escolar; b) a mediação ambiental/ ecológica; c) a mediação policial,
que parte da humanização da polícia, da ideia de mediação na seguran-
ça pública.
São tipo de mediação a mediação preventiva que trabalha os vín-
culos afetivos antes que o conflito ocorra e realiza tipos de relação de
ajuda e a mediação reparadora em que o conflito existe, mas tem-se que
repará-lo (grifos no original).
A GROTESCA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NA MODERNIDADE E A MEDIAÇÃO 71
COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

A mediação familiar encontra um forte sentido na família. Atua-


se num processo pedagógico em que as pessoas aprendem a conviver.
Não há solidariedade. Já na mediação comunitária, que é a mediação
dos oprimidos, focam-se nas relações que se produzem nas vizinhanças,
nas comunidades, periferias, favelas. Na favela há solidariedade porque
os problemas lá são de todos.
O direito passou por duas revoluções: a 1ª em 1970 e a 2ª quando
da concepção do direito baseado na cidadania, o que causou uma re-
volução. A segurança passa a ser a segurança cidadã e não a segurança
pública. A cidadania é uma relação com o outro. Está no espaço de rela-
ções. Não está no indivíduo, está na cidade. É uma cidadania dialógica,
da alteridade.
A mediação é o fator constitutivo dessa nova concepção do di-
reito baseado no outro. Trata-se do direito com o outro e não contra o
outro. O direito moderno é individualista. Os direitos subjetivos, contu-
do, estão nos outros. Não como direito ou deveres. É uma visão contra-
dogmática, do direito com o outro. É uma ideia psicanalítica, de não ser
contra, mas com. É contrário ao sentido vigente da cidadania em que eu
tenho, contra os outros.
A cidadania é um processo de produção da diferença, não de
divergência. É a possibilidade de se produzir o novo com o outro. A
diferença (novo) só é produzida com o outro, através do diálogo. Por
exemplo, os filhos são o novo produzido com o outro, são a diferença
produzida que resulta da relação amorosa com o outro.
As novidades, a história, a sociedade são produzidas com o outro.
A cidadania não é a reivindicação da subjetividade. É a necessidade de
que o novo seja inserido na sociedade.
E isso se dá através do diálogo, da mediação.
A mediação é diferente da psicanálise. Dar explicação não é o
objetivo da mediação, mas sim corrigir os problemas. Interessa na me-
diação o como. A mediação se preocupa em como. A psicanálise com o
porque. A mediação é uma técnica de ajuda grupal, é uma terapia, mas
não é psicanálise. Para Marx a realidade se modifica pela construção
72 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

simbólica. Freud disse que a fala revela aspectos ocultos dos aconteci-
mentos.
Quando se fala de um paradigma diferente, a concepção do mun-
do (diferente) está baseada nas características da mediação. O que no
fundo se determina realidade é uma visão do mundo, um critério de
produção de sentido, uma construção. Hoje há outra condição de sig-
nificação em que se dará um novo sentido, uma nova construção da
realidade. Vive-se a saudade do futuro, uma lembrança sem melancolia.
O mediador é um “ajudador”, um facilitador da comunicação
entre as partes. As relações humanas são relações de comunicação, o
conflito pode estar aí, porque somos muitas vezes perversos na comuni-
cação. O maltrato da comunicação humana é um assédio simbólico. Nas
relações familiares há maus-tratos.
O mediador deve cuidar para que haja ternura nas relações de
comunicação. O mediador tem que ajudar as pessoas a aprenderem a
reivindicação. A função da mediação é reeducar as pessoas no modo
meigo e doce de falar e se relacionar. A comunicação é uma ponte, não
um obstáculo.
A mediação deve ajudar as pessoas a serem autônomas. Toda pai-
xão é desmedida e destrutiva. As cidades incas são construções duráveis
porque não existia cimento. Balançam, mas não caem porque cada peça
é autônoma. O mediador tem que ajudar para que as pessoas tenham
movimento próprio.
Luis elencou o rol do mediador da seguinte forma:

ROL DO MEDIADOR
- Facilitar e promover a comunicação;
- Promover a confiança no procedimento e na pessoa (tem que
ser sedutor e ter o comando);
- Estabelecer certo comando com as partes (controlar as situa-
ções);
- Dirigir o procedimento;
- Ajudar as partes a identificarem seus interesses e definirem as
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COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

questões em disputa;
- Ajudar a geração de opções de mútuo benefício;
- Ser agente da realidade;
- Ajudar a conhecer as necessidades do outro;
- Ajudar a pôr as fantasias no futuro;
- Ressaltar o aspecto positivo da negociação;
- Ajudar a manter viva a negociação;

A mediação deve ser guiada pela hospitalidade. O mediador tem


que ajudar as pessoas a serem hospitaleiras com o outro, que é uma con-
dição própria de nossa liberdade. Ser hospitaleiro pelo próprio corpo. Se
não conseguirmos ser hospitaleiros, se não conseguirmos abrir o corpo,
há crueldade. Temos que ser hospitaleiros.
Luis elencou também as características da mediação da seguinte
forma:

CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO
- voluntária (o convencimento é voluntário/ sem coação);
- não adversária (não há ganhador ou vencedor);
- confidencial (sigilosa);
- terceiro imparcial que facilita a comunicação (restabelece o
diálogo);
- as partes compõem o conflito (elas recompõem, solucionam,
autocomposição assistida);
- rápida (comparada à Justiça Comum);
- econômica;
- informal, porém com estrutura (etapas);
- acento no futuro (preocupação com o futuro, o que passou,
passou);
- fomenta (incentiva) a criatividade;

Luis apresentou, por fim, as Etapas da Mediação da seguinte forma


(bem ao estilo dele, há uma mescla de espanhol com português no quadro):
74 Fernanda Busanello Ferreira, Candice Nunes Bertaso

ETAPAS DE UMA MEDIAÇÃO

Dito isso, podemos relatar um dos momentos mais marcantes de


todo o curso. Trata-se da dinâmica do Ursinho.
A GROTESCA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NA MODERNIDADE E A MEDIAÇÃO 75
COMO DIREITO DO FUTURO: IN MEMORIAM A LUIS ALBERTO WARAT

3. A Dinâmica do Ursinho e a Despedida– considerações finais

O curso durou dois dias e no segundo, na primeira parte da tarde,


Luis nos convidou a falarmos sobre nossas dores. Cremos ser importante
retratar a disposição da sala. Luis ordenou uma fileira de cadeiras que
ficava disposta de costas para a plateia (os alunos do curso). Então, ele nos
convidou a irmos lá, um a um. Cada pessoa pegava o urso de pelúcia, bem
pequeno, e o segurava na mão enquanto “conversava” com o bichinho, sen-
tado na cadeira de costas para os demais. No início as falas eram tímidas,
mas logo, sem perceber, falávamos de nossas principais questões.
O efeito psicanalítico dessa atividade é difícil de descrever e recon-
tar. Pelo que lembramos, grande parte das pessoas que realizaram a dinâ-
mica choraram ao confessar ao ursinho aquilo que lhes era mais dolorido.
Luis era muito bom na condução desse tipo de atividade. Ele nos contava
antes de suas experiências no divã e criava um clima de confiança e aco-
lhimento. Apenas quem conheceu o mestre de perto pode compreender a
dimensão que esse momento teve na vida de todos os presentes.
Luis gerou a partir da atividade um clima de diálogo, compaixão e
alteridade. Certamente, ali se estabeleceu o contágio. As sensibilidades foram
afloradas. A possibilidade do amor estava criada. Luis era assim, tocava as
pessoas profundamente. Tinha uma escuta privilegiada e era capaz de se
lembrar de cada história, anos depois de ocorrido o curso. Luis nos ajudou
a aprendermos a descobrir a nós mesmos. Foi um grande professor. Ele nos
mostrou como podemos violentar os demais quando achamos que praticamos
justiça. Ele mostrou todo o grotesco do direito e do Estado Moderno. Falou-
nos das violações aos direitos humanos que os magistrados, mas não só eles,
cometem ao decidir. Ele nos ensinou a ser gente. Nos ensinou o sentido de uma
mediação como direito do futuro. Nos ensinou a termos saudades do futuro
no momento de sua partida. Ao nos despedirmos de Luis, os abraços geraram
uma forte emoção em todos, então ali, naquele exato momento, entendemos o
real significado do sentimento de “saudade futura” que Luis tanto nos tentou
ensinar durante todo o curso. À Luis nossa eterna saudade, admiração e hu-
manidade resgatada. À Luis o nosso amor.

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