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LEANDRO JOSÉ DA SILVA

O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte.

CURITIBA
2011
2

Dados da Catalogação na Publicação


Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central

Silva, Leandro José da


S586i O tempo da justiça e seus impactos socioeconômicos / Leandro José
2011 da Silva; orientador, Francisco Carlos Duarte. – 2011.
172 f.; 30 cm

Dissertação (Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná,


Curitiba, 2011
Bibliografia: f. 157-172

1. Justiça – Aspectos econômicos. 2. Poder Judiciário. 3. Tutela


jurisdicional. I. Duarte, Francisco Carlos. II. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

Dóris 4. ed. – 340.14


3

TERMO DE APROVAÇÃO

LEANDRO JOSÉ DA SILVA

O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de


Mestre em Direito Econômico e Socioambiental perante o Programa de Pós-
Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (Orientador – PPGD)

Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska (Convidado – UniBrasil)

Prof. Dr. Alvacir Alfredo Nicz (Membro – PPGD)

Curitiba, 22 de março de 2.011.


4

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sebastião e Albertina, que me geraram e me


educaram com carinho, dedicação e respeito.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte, pela
disposição em orientar-me na tarefa de elaboração do presente trabalho.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelas brilhantes aulas ministradas.
À Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelo auxílio e esclarecimento
prestados nos momentos de dúvida.
À Marcela, em especial, pela paciência, compreensão e incentivo
que sempre me dispensou.
Aos meus amigos, cujo convívio foi fundamental para suportar o
estresse presente em determinados momentos.
A Deus, pelo dom da vida, e por ter-me dado saúde, disposição e
discernimento para a elaboração deste trabalho.
5

RESUMO

A questão do tempo da justiça sempre foi um problema a desafiar a


argúcia de juristas e legisladores na maior parte do mundo, pois justiça tardia
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, conforme observação de
Rui Barbosa. A lentidão da justiça prejudica, ou mesmo impede, a pacificação
social, pois o retardo na entrega da prestação jurisdicional causa uma
intranquilidade na sociedade, além de desacreditar o Poder Judiciário. O direito
à pronta e efetiva entrega da tutela jurisdicional representa suporte
imprescindível ao exercício da cidadania, razão pela qual a denegação de uma
justiça ágil e eficaz fere a própria dignidade do ser humano. A lentidão da
justiça não prejudica somente o direito dos litigantes, mas traz também
inúmeros reflexos na economia e na sociedade, que prejudicam o
desenvolvimento do país, bem como o ingresso do Brasil na categoria de país
desenvolvido.

PALAVRAS-CHAVE: sistema judiciário; tempo da justiça; impactos


socioeconômicos; desenvolvimento.
6

ABSTRACT

The issue of time of justice has always been a problem to challenge


the acumen of lawyers and legislators in most of the world, because justice
delayed is not justice, but injustice and expresses qualified, as noted by Rui
Barbosa. The slowness of justice without prejudice, or even prevent, the social
peace, since the delay in delivery of the jurisdiction issue an uneasiness in
society, and discrediting the judiciary. The right to prompt and effective delivery
of judicial support is essential to the exercise of citizenship, which is why the
denial of a swift and effective justice strikes at the very dignity of human beings.
The slowness of justice not only harms the rights of litigants, but also brings
many reflections on the economy and society that hinder the development of
the country, as well as Brazil's entry into the category of developed country.

KEYWORDS: judiciary; time of justice; socioeconomic impacts; development.


7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7
1 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E SUAS CAUSAS ..................................... 10
1.1 A estrutura do Poder Judiciário...................................................... 18
1.2 O comportamento dos sujeitos processuais .................................. 25
1.3 A inflação legislativa ...................................................................... 28
1.4 A legislação processual ................................................................. 30
1.5 O aumento da litigiosidade ............................................................ 35
1.6 As demandas repetitivas ............................................................... 41
1.7 A postura do Poder Público ........................................................... 42
2 AS CONSEQUÊNCIAS DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA........................... 47
2.1 O descrédito na justiça .................................................................. 50
2.2 A impunidade ................................................................................. 53
2.3 A insegurança jurídica ................................................................... 58
2.4 A violação do direito de acesso à justiça ....................................... 64
2.5 O desrespeito ao direito à razoável duração do processo ............. 76
2.6 A denegação da justiça ................................................................. 83
2.7 A responsabilidade do estado........................................................ 86
2.8 Os prejuízos para a economia ....................................................... 96
3 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO ..................................................................................... 101
3.1 A atuação do Poder Judiciário ..................................................... 106
3.1.1 O embate entre constitucionalismo e democracia ............ 107
3.1.2 O ativismo judicial ............................................................ 111
3.1.3 A autolimitação judicial ..................................................... 115
3.1.4 O controle das políticas públicas ...................................... 117
3.2 A morosidade da justiça e o desenvolvimento social................... 124
3.2.1 A tutela jurisdicional do meio ambiente ............................ 134
3.3 A morosidade da justiça e o desenvolvimento econômico .......... 138
CONCLUSÃO ................................................................................................ 152
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 156
8

INTRODUÇÃO
Um dos grandes problemas dos sistemas judiciários do mundo todo
é a morosidade1, que impede a prestação tempestiva da tutela jurisdicional,
causando o descrédito da população na justiça.
De fato, há muito Rui Barbosa proclamava que justiça tardia não é
justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, pois a dilação ilegal nas mãos
do julgador contraria o direito escrito das partes, lesando-as no patrimônio,
honra e liberdade, sendo que os juízes tardinheiros são culpados, com a
terrível agravante de que o lesado não tem meios de reagir contra o
delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.2
A lentidão da justiça sempre foi um problema a desafiar a argúcia e
o talento dos juristas e dos legisladores, já que desde a bula Clementina Saepe
a questão afligia a todos, tal como ocorre na atualidade, mas a solução da
mazela não depende somente de lei, devendo mesmo se arredar tal enfoque
que constitui marca de subdesenvolvimento, qual seja, o de se pensar que
problemas marcadamente econômicos possam ser resolvidos apenas com
mudanças legislativas.3
A morosidade da justiça é um problema que existe há muito tempo,
inclusive não só no Brasil, mas que precisa ser enfrentado e solucionado.4 A
gravidade da questão levou o legislador, inclusive, a promulgar a Emenda
Constitucional nº. 45, de 08.12.04, que introduziu mais um direito fundamental
no art. 5º da Constituição da República, qual seja, o direito à razoável duração
1
CALMON, Eliana. Tutelas de urgência. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar
Saraiva, Brasília, v. 11, n. 2, p. 159-168, jul./dez. 1999, p. 159.
2
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa,
1999. p. 40.
3
ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo, São Paulo, v. 31, p. 171-182, 1989, p. 172-173.
4
Segundo dados existentes no relatório sobre administração da justiça, publicado no ano de
1998, na Itália girava em torno de quatro anos a duração média dos processos em primeiro
grau de jurisdição; no Japão, antes da entrada em vigor do novo código, em 1998, não era raro
que os feitos se arrastassem por mais de dez anos até decisão final da Suprema Corte; na
Inglaterra, o descontentamento com a morosidade é tamanho que, em 1999, rompeu-se com a
multissecular tradição da common law, adotando-se um código de processo civil, com prazos
bem fixados, mas igualmente bem descumpridos; nos Estados Unidos, há relatos no sentido de
que os feitos costumam durar, na primeira instância, de três a cinco anos; na França, os
processos levam, em média, 21 meses para ser julgados em primeira instância e 20 meses
para julgamento em grau de apelação. Cf.: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do
tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil
brasileiro e europeu). Revista de Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 103.
9

do processo, notadamente com o objetivo de instigar a discussão do tema e


obrigar o estado e a sociedade a buscarem mecanismos para otimizar a justiça.
O novo dispositivo constitucional tem como destinatário o legislador,
incumbido de criar normas que assegurem a rápida solução do litígio, bem
como incide também sobre o Poder Judiciário, obrigando-o a prestar a
adequada tutela jurisdicional.5
A morosidade existe em todo o sistema judiciário brasileiro. No
campo da justiça cível, não são poucos os problemas. De fato, as corporações
empresariais reclamam que o tempo da intervenção judicial não acompanha o
ritmo dos negócios imposto pelo mercado, bem como problemas decorrentes
de morosidade judicial têm sido igualmente apontados em disputas fiscais,
indenizações e cobranças de toda sorte. No âmbito penal, a sociedade
brasileira vem verificando o crescimento de todas as modalidades de crimes e
de conflitos interpessoais que resultam em desfechos fatais, sendo que uma
das principais causas desse cenário social é a impunidade penal, causada
pelos trâmites processuais, altamente ritualizados e burocratizados, que
deixam a apuração da responsabilidade penal esvair-se no tempo.6
A demora na entrega da prestação jurisdicional compromete os
escopos sociais da jurisdição e do processo, uma vez que ninguém
desconhece que justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta, não
sendo capaz de produzir a pacificação social.
Portanto, é inegável que o tempo de tramitação processual
prejudica, ou mesmo impede, a pacificação social com justiça, uma vez que o
retardo na entrega da prestação jurisdicional significa descumprimento da
função social do estado. De fato, não há justiça social quando o estado, por
meio do Poder Judiciário, não consegue oferecer uma pronta e efetiva resposta
às questões que lhe são apresentadas. O direito à pronta e efetiva entrega da
tutela jurisdicional representa suporte imprescindível ao exercício da cidadania,

5
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 33.
6
ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wânia. A justiça no tempo, o tempo da justiça. Revista
Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 131-155, nov./2007, p. 131-132.
10

razão pela qual a denegação de uma justiça ágil e eficaz fere não só o direito
do cidadão, mas também a própria dignidade do ser humano.7
A análise do tempo no processo, portanto, é deveras importante,
especialmente porque a demora na entrega da prestação jurisdicional, além de
causar prejuízos aos litigantes, prejudica também o desenvolvimento social e
econômico do país, cumprindo ao legislador e aos operadores do direito buscar
reformas processuais que garantam não só o direito à tutela jurisdicional
efetiva, mas também o direito à dignidade da pessoa humana, que somente
será atingido, processualmente falando, quando o estado prestar a tutela
jurisdicional de forma tempestiva.
Por outro lado, quando o sistema de justiça funciona mal, a
corrupção, o abuso de autoridade, a falta de respeito pelas normas legais e a
utilização de meios de ação direta para resolver problemas, na cultura de
aceitação da impunidade, são inevitáveis. Ademais, um país com melhor justiça
será mais justo, mais livre, mais forte, menos arcaico e economicamente mais
desenvolvido.8
O objetivo do presente trabalho consiste, portanto, no estudo do
problema do tempo da justiça, que impede a pacificação social, bem como
afronta o direito constitucional à razoavel duração do processo.
O objetivo específico consiste na análise das consequências sociais
e econômicas da morosidade da justiça, notadamente dos prejuízos que ela
traz para o desenvolvimento do país, já que o problema da ineficiência da
justiça não atinge somente as partes litigantes, mas a sociedade como um
todo.

7
DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda
constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba:
Juruá, 2005. p. 22-23.
8
COIMBRA, Arménia. Os Custos da justiça: quem os suporta ou deve suportar. In: DIAS, João
Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina,
2005. p. 62.
11

1 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E SUAS CAUSAS


No mundo globalizado, as decisões têm de ser tomadas de maneira
urgente, pois vivemos em uma sociedade regida pelo tempo. Hoje, existe uma
verdadeira cultura do fast food, onde tudo deve apresentar-se de modo
fragmentado e com a maior rapidez possível, sendo a marca de nosso tempo.9
A sociedade de risco exige uma decisão judicial célere, em face da
possibilidade gravosa da não-decisão, que é um risco depositado no direito,
razão pela qual não basta a simples enunciação de direitos por parte do estado
para que se legitime a operabilidade do sistema judiciário.10
O processo é um instrumento destinado a conferir eficácia às
relações jurídicas ineficazes, ou seja, destina-se a conferir eficácia forçada a
direitos materiais espontaneamente ineficazes, uma vez que somente no
ambiente da relação processual tal efetivação será possível, pois é vedada a
prática da justiça com as próprias mãos, sendo indispensável a figura da
jurisdição para possibilitar a composição da lide.11
A demora na prestação jurisdicional, assim, constitui uma afronta ao
direito das partes, pois a relação processual não se realiza apenas entre dois
polos particulares, mas o dissenso dá-se também entre as partes e o estado,
de sorte que, existindo ausência de decisão estatal sobre a questão no tempo
oportuno, o próprio organismo estatal concretiza uma lesão às partes,
frustrando suas legítimas expectativas sociais pautadas nas garantias que o
direito deveria outorgar.12
Portanto, um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça
brasileira é o tempo da tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional

9
RAMOS, Carlos Henrique. Processo civil e o princípio da duração razoável do processo.
Curitiba, Juruá, 2008. p. 47. Para saber mais sobre a influência do tempo nas sociedades ver:
DUARTE, Francisco Carlos; ROCHA, Leonel Severo. CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart.
A Constitucionalização do tempo. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 12, p.
141-157, jul./set. 2010.
10
DUARTE, Francisco Carlos. Tempo e decisão na sociedade de risco: um estudo de direito
comparado. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, p. 99-110, jun./2007, p. 106.
11
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. A Jurisdição como elemento de inclusão social:
revitalizando as regras do jogo democrático. Barueri: Manole, 2002. p. 51.
12
DUARTE, Francisco Carlos. Tempo e decisão na sociedade de risco: um estudo de direito
comparado. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, p. 99-110, jun./2007, p. 106.
12

efetiva e significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o


processo “será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.13
A importância do tempo na relação processual é tão relevante que a
tutela jurisdicional prestada a destempo é inefetiva, pois o decurso do tempo
aplaca a finalidade da prestação jurisdicional, que é a verdadeira solução da
controvérsia.14
O tempo do direito é diferente do tempo da sociedade, mas os
juristas não têm se preocupado com a relevância do tema para o Direito:

O tempo é um tema realmente fascinante, mas os juristas têm se


esquecido de sua relevância para o Direito. Em outras áreas do
conhecimento, como na literatura, o tempo é algo sempre presente,
como na obra do escritor francês Marcel Proust, que se intitula
exemplarmente, Em Busca do Tempo Perdido, que conta a história
da sociedade francesa de sua época, a partir de uma noção original
de Tempo; ou nos livros de escritores brasileiros, como Érico
Veríssimo, que, inspirado em Proust, escreveu O Tempo e o vento.
15
Na economia já se falou há muito tempo que time is money.

Assim, “a inquietação com o tempo empreendido no processo é,


portanto, preocupação constante não só da doutrina do direito, mas também
das partes que litigam em juízo, caracterizando a morosidade o maior tormento
daqueles que anseiam pela busca da tão emblemática justiça social e
jurídica”.16
De fato, o tempo realmente figura como um dos poderosos inimigos
do processo civil, na medida em que, quando a demanda leva muito tempo
para terminar, aumentam as angústias e frustrações das partes, bem como
aumenta o descrédito na justiça. Ademais, em razão do decurso do tempo, os

13
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 183.
14
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 147.
15
ROCHA, Leonel Severo. A Construção do tempo pelo direito. In: ROCHA, Leonel Severo;
STRECK, Lenio Luiz. Anuário do programa de pós-graduação em direito. São Leopoldo:
Edições Portão, 2003. p. 311. (Grifo do autor)
16
ROCHA, César Asfor. A Luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 85.
13

direitos perecem, acordos desfavoráveis são celebrados e transações


comerciais deixam de ser concretizadas.17
Assim, na pendência do processo tudo pode acontecer, razão pela
qual a morosidade da justiça não prejudica apenas as partes que figuram no
processo, mas causa uma intranquilidade social e econômica para todos:

Pendente o processo, e até que entregue em definitivo a prestação


jurisdicional, o bem objeto do litígio pode sofrer danos ou
desaparecer; a marca de comércio pode continuar a ser
indevidamente usada, com perda de prestígio e clientela ao seu
legítimo titular; o credor permanece sem receber o que lhe é devido e
o proprietário não pode reaver o que lhe pertence; a propaganda
enganosa continuará embaindo consumidores; a manutenção do
‘statu quo’ implicará quiçá no perecimento do próprio direito afirmado
18
pelo demandante, e assim por diante.

O processo ideal consiste no mecanismo capaz de propiciar a justiça


em curto espaço de tempo, devendo cessar o quanto antes o conflito social
apresentado ao Poder Judiciário. Todavia, é comum ver as lides se eternizarem
nos meandros das varas judiciais, o que caminha no sentido inverso dos
anseios da sociedade, que modernamente objetiva o máximo aproveitamento
do tempo.19
Decorrente do princípio do devido processo legal, o princípio da
efetividade estabelece que os direitos devem ser não só reconhecidos, mas
também efetivados.20 Assim, o princípio da efetividade garante o direito
fundamental à tutela executiva, devendo ser oferecidos meios capazes de
pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva.21
De fato, o direito de acesso à justiça significa muito mais do que o
simples direito de ação, devendo o estado garantir a efetividade da tutela, de

17
DUARTE, Ricardo Quass. O Tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr,
2009. p. 15.
18
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de tutela no processo civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p. 2-3.
19
SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado.
São Paulo: Pillares, 2004. p. 31-32.
20
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 68.
21
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 102.
14

sorte que não basta a simples entrega da prestação jurisdicional, mas sim que
ela seja prestada em tempo oportuno.
Assim, o direito à duração razoável do processo deve ser entendido
como significativo do direito à tutela jurisdicional efetiva do estado, que para ser
realmente efetiva deve ser prestada em tempo razoável.
Todavia, nem sempre o tempo será inimigo do processo, pois ele
também é importante para propiciar melhor qualidade dos julgamentos, em
homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa:

Isso significa que todo movimento de agilização encontra limites


legitimamente intransponíveis, que levam o construtor do sistema a
conformar-se com o racional equilíbrio possível entre duas exigências
antagônicas, a saber: de um lado a celeridade processual, que tem
por objetivo proporcionar a pacificação tão logo quanto possível; de
outro, a ponderação no trato da causa e das razões dos litigantes,
endereçada à melhor qualidade dos julgamentos. São dois valores
conhecidos o da segurança das relações jurídicas, responsável pela
tranqüilidade que sempre contribui para pacificar (e isso aconselha a
celeridade); e o da justiça nas decisões, que também é inerente ao
próprio escopo fundamental do sistema processual (pacificar com
22
justiça).

Com efeito, o tempo não é sempre um inimigo do processo, pois há


também o tempo benéfico, necessário ao exercício pleno das garantias
processuais-constitucionais, que visam à adequada instrução da demanda e à
prolação de uma decisão justa e segura.23
Assim, “se é verdade que um processo que se arrasta assemelha-se
a uma negação de justiça, não se deverá esquecer, inversamente, que o prazo
razoável em que a justiça deve ser feita entende-se igualmente como recusa
de um processo demasiado expedito”.24
Diante disso, lançando aqui o impacto psicológico do processo, o
consumidor dos serviços estatais aguarda a presteza do estado para por fim ao
dissabor do conflito de interesses levado ao Judiciário, não bastando, pois, que

22
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 160. (Grifo do autor)
23
DUARTE, Ricardo Quass. O Tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr,
2009. p. 19.
24
OST, François. O Tempo do direito. Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget,
1999. p. 382-383.
15

simplesmente seja resolvido o problema entregue ao estado, é preciso também


a sua resolução de maneira célere e eficaz.25
Com efeito, os problemas da justiça brasileira são inúmeros e
variados, mas a morosidade é o seu mal maior, pois a justiça está praticamente
esclerosada26, razão pela qual “o mais grave dos problemas é a duração dos
processos, responsável pela eternização dos litígios e prolongamento das
angústias dos litigantes”.27
O problema da duração excessiva do processo também já foi
apontado por Luigi Paolo Comoglio, que assim escreveu:

Que a duração excessiva do processo seja o “defeito congênito” (ou,


se preferir, o “pecado original”), dos principais modelos de
procedimento, nos quais, com a necessária provisão de estruturas e
de formas mais ou menos solenes, administra-se a justiça humana
perante os tribunais de qualquer ordenamento estatal, é constatação
bem antiga – no plano histórico – a velhas tradições e agora quase
comum – em perspectiva comparativa (veja abaixo) – a quase todas
as civilizações do direito moderno. Em outras palavras, a difícil
relação entre tempos processuais longos e as falhas institucionais da
justiça pública, cuja inexorável consequência é muito frequentemente
aquela de converter uma justiça tardia em uma substancial injustiça
(ou, para além da hipocrisia verbal, em uma verdadeira e própria
“denegação da justiça”), é, portanto, uma característica já habitual do
sistema judiciário de qualquer latitude (e, infelizmente, em qualquer
28
época), e também, em particular, do nosso sistema judiciário.

25
SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado.
São Paulo: Pillares, 2004. p. 35.
26
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (Coord.) O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 94.
27
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 160.
28
COMOGLIO, Luigi Paolo. Durata ragionevole del giudizio e forme alternative di tutela.
Revista de Processo, n. 151, p. 72-98, set./2007, p. 72-73. (Tradução nossa). No original: Che
l’eccessiva durata dei processi sia il “vizio congenito” (o, se si preferisce, il “peccato originale”)
dei principali modelli di procedimento, in cui, con il necessario corredo di strutture e di forme più
o meno solenni, si amministra l’umana giustizia dinanzi agli organi giurisdizionali di qualsiasi
ordinamento statale, è constatazione ben risalente – sul piano storico – a vetuste tradizioni ed
ormai pressoché comune – nella prospettiva comparatistica (cfr. infra) – a quasi tutte le civiltà
giuridiche dell’era moderna. In altre parole, il difficile rapporto fra tempi processuali lunghi e
disfunzioni istituzionali della giustizia pubblica, la cui inesorabile conseguenza è molto spesso
quella di convertire una giustizia tardiva in una sostanziale ingiustizia (o, al di là delle ipocrisie
verbali, in una vera e propria “giustizia denegata”), è, dunque, un connotato ormai abituale degli
apparati giudiziari a qualsiasi latitudine (e, purtroppo, in qualsiasi epoca), nonché, in particolare,
del nostro sistema giudiziario.
16

Embora o problema da morosidade processual seja inequívoco,


cumpre prevenir contra a tendência de supor que a mazela da demora
excessiva é peculiar à justiça brasileira, ou que o Brasil, no particular, ocupa
posição ainda pior do que a que lhe toca em matéria de distribuição de renda,
pois o problema, na verdade, é universal e multissecular, já que “em passado já
longínquo, no início do século XIV, tornou-se necessária a intervenção do Papa
Clemente V para criar um procedimento sumário para determinadas causas,
tão alto era o grau de insatisfação com a morosidade do processo”.29
A justiça brasileira, assim como os demais órgãos do estado,
apresenta inúmeros problemas, que vão desde a organização do Poder
Judiciário até o âmbito das leis processuais.
Até mesmo o sistema civil law, de origem romano-germânica,
adotado pelo estado brasileiro, por ter sua fonte na lei e em função da
velocidade com que atuam os agentes econômicos, gera insegurança e
ineficiência, provocando perda da credibilidade e da legitimidade do sistema
judicial e do próprio estado. Ao contrário, o sistema do common law, de origem
anglo-saxônica, adotado pelos Estados Unidos, funda-se no precedente
jurisprudencial, na liberdade individual e na defesa do direito de propriedade,
proporcionando maior previsibilidade e segurança jurídica aos agentes
econômicos.30
A morosidade da justiça pode ser considerada o problema maior do
Judiciário brasileiro, pois gera descrédito na prestação da justiça. As causas da
morosidade são inúmeras, mas é possível destacar entre elas duas principais,
a saber: o desaparelhamento dos órgãos judiciários e o excessivo formalismo
que decorre das normas procedimentais vigentes.31
Outras causas podem ser apontadas, tais como o crescimento das
demandas (aumento da litigiosidade), o excesso de recursos aos tribunais, a
inflação legislativa, o exercício da advocacia por profissionais mal formados e

29
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A duração dos processos: alguns dados comparativos.
Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 32, n. 98, p. 151-159, jun./2005, p. 152.
30
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 23.
31
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p.
94.
17

dedicados mais à chicana que ao direito e a legislação complexa e anacrônica,


dando origem a querelas, a manobras das partes, revestidas todas elas de
alegada proteção de direitos constitucionais.
Para Sálvio de Figueiredo Teixeira, além da deficiência legislativa e
da insuficiência de recursos, há outras causas para o problema da lentidão da
justiça, a saber: o modelo reinol das nossas organizações jurídicas, com
magistrados mais como detentores de cargos do que prestadores de serviços
públicos; a ausência de um planejamento científico e constante; a má
qualidade do ensino jurídico; a inexistência de verdadeiras escolas de
formação e aprimoramento de magistrados.32
Com efeito, as causas da morosidade da justiça são várias, entre
elas estão o anacronismo da organização judiciária, a falta de recursos
financeiros, as deficiências da máquina judiciária, a burocratização dos
serviços, a ausência de infraestrutura adequada, o baixo nível do ensino
jurídico e o aviltamento da remuneração dos servidores.33
Segundo Rui Stoco, inúmeras são as causas da lentidão, tais como
a legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal, a penúria
imposta ao Poder Judiciário, diante da quase inexistência de verba
orçamentária para sua dinamização, modernização e crescimento; o excessivo
número de recursos previstos na legislação processual e nas inúmeras
medidas protelatórias postas à disposição das partes, a inexistência de
magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores da República e do
Estado para atender à enorme quantidade de feitos em andamento.34
Todavia, conforme pesquisa realizada entre os membros da
magistratura, a maioria dos problemas estaria ligada mais a questões externas
que internas:

32
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 50-51.
33
LOPES, João Batista. Efetividade do processo e reforma do código de processo civil: como
explicar o paradoxo processo moderno – justiça morosa? Revista de Processo, São Paulo, a.
27, v. 105, p. 105-128, jan./mar. 2002, p. 128.
34
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 1021.
18

A maioria dos juízes entende que os problemas enfrentados pelo


Judiciário decorrem muito mais da falta de recursos materiais, ou de
questões relacionadas à legislação, do que de deficiências internas à
instituição ou do comportamento de seus próprios membros. Ou seja,
os obstáculos ao bom funcionamento do Judiciário localizam-se,
sobretudo em fatores externos à magistratura, problemas sobre os
quais os juízes têm pouco controle ou responsabilidade. Assim, entre
as deficiências apontadas, aparece em primeiro lugar a falta de
recursos materiais, com 86% de indicações como extremamente
importante. Afirmam os juízes que as carências materiais afetam
dramaticamente a aplicação da justiça, e que a solução desse
problema não depende do Judiciário, visto que reflete conhecidas
restrições orçamentárias. Muitos juízes frisaram que o Executivo
aloca verbas irrisórias no Judiciário, o que impede a existência de
uma justiça mais ágil e eficiente. Inversamente, a extensão das
comarcas, a curta permanência dos juízes nas comarcas e as
insuficiências de sua formação profissional – fatores, estes sim, de
responsabilidade direta do Judiciário –, aparecem entre os itens
35
menos problemáticos.

Segundo referida pesquisa, a morosidade da justiça está relacionada


aos seguintes fatores:36

Causas da morosidade da justiça (em porcentagem)


Fatores Importância (*)
Alto número de recursos 73,2
Interesse dos advogados 58,4
Interesse das partes envolvidas no processo 53,5
Lentidão dos tribunais de justiça 49,1
Interesse do Poder Executivo 48,2
Comportamento da polícia/delegacia 43,7
Comportamento dos cartórios 40,7
Morosidade dos juízes 35,6
Intervenção excessiva da promotoria 17,9
(*) Soma das respostas “extremamente importante” e “muito importante”.

35
SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa
quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 19.
36
SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa
quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 21.
19

Assim, embora decorra de inúmeros fatores, a crise vivenciada pela


justiça oficial, caracterizada pela sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização
burocrática, comprometimento com os “donos do poder” e falta de meios
materiais e humanos, nada mais é que sintoma indiscutível de um fenômeno
mais abrangente, que é a própria falência da ordem jurídica estatal:37

O descontentamento em relação à Justiça não é, porém, um


fenômeno recente ou restrito ao Brasil, mas um sentimento antigo e
amplamente disseminado. Por toda parte, severas críticas são feitas
ao modo de funcionamento da Justiça, inclusive pelos próprios
magistrados. No caso do Brasil, é consensual que as deficiências do
Judiciário decorrem de causas profundamente arraigadas – isto é, de
um perfil institucional e administrativo historicamente sedimentado. E
também que os problemas decorrentes dessa matriz histórica são
acentuados pela instabilidade do arcabouço jurídico do país, pelo
arcaísmo e excessivo formalismo dos códigos de processo e pela má
formação de boa parte da magistratura e daqueles que, mais
amplamente, poderiam se designar como “operadores do direito”:
procuradores, advogados e funcionários dos diferentes órgãos do
38
sistema de justiça.

Há causas internas da morosidade, entendidas como aquelas cujo


enfrentamento esteja a cargo da competência ou iniciativa exclusiva do Poder
Judiciário, e causas externas, que são aquelas que têm os meios e as
providências necessárias para a sua solução fora da ação direta e exclusiva do
Poder Judiciário.39 Todavia, não se pretende, aqui, esgotar as causas da
morosidade, que é problema complexo que envolve inúmeros fatores, mas
simplesmente apontar as causas mais importantes para o problema da lentidão
da justiça.

1.1 A estrutura do Poder Judiciário

37
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no
direito. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Alfa Omega, 2001. p. 99-100.
38
PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In:
ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005. p. 246-247.
39
STUMPF, Juliano da Costa. Poder judiciário: morosidade e inovação. Porto Alegre:
Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009.
p. 16.
20

A estrutura do Poder Judiciário compreende o número e qualidade


de juízes e servidores designados para prestar a função jurisdicional, a
respectiva administração e a estrutura material dos órgãos judiciários.
A relação existente entre a quantidade de processos e o número de
juízes interfere diretamente na eficiência do Poder Judiciário, já que deve existir
adequação entre a carga de trabalho e a capacidade laborativa dos
trabalhadores:

A questão da morosidade da prestação da tutela jurisdicional está


vinculada também e precipuamente à estrutura e composição do
Judiciário, bem assim com as verbas que lhe são atribuídas. Com
efeito, considerando-se que o processo é a única via de acesso à
tutela jurisdicional e que o juiz é o sujeito fundamental do processo,
impende verificar qual é a correlação existente entre o número de
processos e o número de juízes, para aferir uma elementar condição
para a celeridade da prestação daquela tutela. Isto porque a
adequação da carga de trabalho à capacidade laborativa daquele a
quem foi ela atribuída é pressuposto inarredável de um desempenho
40
célere e perfeito desse mesmo trabalho.

A carga de trabalho “representa o conjunto de esforços


desenvolvidos para atender às exigências das tarefas. Esse conceito abrange
os esforços físicos, os cognitivos e os psicoafetivos (emocionais).”41
Assim, “as cargas de trabalho são definidas como exigências ou
demandas psicobiológicas do processo de trabalho, gerando ao longo do
tempo as particularidades do desgaste do trabalhador”,42 especialmente
quando excessivas.
O bom funcionamento da justiça depende da proporção adequada
entre o número de juízes e o número de processos, sendo que na Alemanha
essa proporção era de 1:4000, no Uruguai 1:5000, enquanto no Brasil era de
1:25000 (dados de 1996).43

40
ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo, São Paulo, v. 31, p. 171-182, jun./1989, p. 173.
41
SILVA, Edith Seligmann. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Cortez,
1994. p. 58.
42
FACCHINI. Luiz Augusto. Uma contribuição da epidemiologia: o modelo de determinação
social aplicado à saúde do trabalhador. In: BUSCHINELLI, José Tarcísio Penteado; ROCHA,
Lys Esther; RIGOTTO, Raquel Maria. (Orgs.). Isto é trabalho de gente? Vida, doença e
trabalho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 180.
43
OTEIZA, Eduardo. Abuso de los derechos procesales em américa latina. Revista de
Processo, São Paulo, a. 24, n. 95, p. 152-170, jul./set. 1999, p. 165 (em nota de rodapé).
21

Assim, em relação ao indicador de número de magistrados por 100


mil habitantes, o Brasil pode ser considerado abaixo da média, especialmente
se levarmos em conta que a Organização das Nações Unidas recomenda, no
mínimo, 7 (sete) juízes para cada grupo de 100 mil habitantes, ou seja, um juiz
para cerca de 14.300 pessoas:44

Em comparação com outros países, o indicador de número de


magistrados por 100 mil habitantes, no Brasil, pode ser considerado
ligeiramente abaixo da média. A título de comparação, a Espanha
possuía 10,1 magistrados por 100 mil habitantes, a Itália possuía 11
magistrados por 100 mil, a França possuía 11,9 magistrados por 100
45
mil e Portugal possuía 17,4 magistrados.

Atualmente, a justiça federal conta com cerca de 0,8 magistrado por


grupo de 100 mil habitantes; a justiça do trabalho possui 1,7 magistrado para
cada grupo de 100 mil habitantes; a justiça estadual possui 5,6 magistrados por
grupo de 100 mil habitantes46, o que demonstra que as cargas de trabalho são
extremamente elevadas.47
Aparentemente, como a justiça estadual conta com um número mais
elevado de magistrados por grupo de 100 mil habitantes, os processos lá em
andamento deveriam tramitar mais rapidamente, mas não é isso que ocorre,
pois as justiças do trabalho e federal, a despeito de terem menos magistrados,
contam com um efetivo maior de servidores e estagiários, que muitas vezes
funcionam como juízes de fato, prestando um auxílio indispensável aos juízes

44
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 129.
45
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2009: indicadores do poder
judiciário. Brasília, setembro de 2010. p. 177.
46
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2009: indicadores do poder
judiciário. Brasília, setembro de 2010. p. 27, 75 e 133.
47
Segundo Armando Castelar Pinheiro, todavia, o número de juízes no Brasil é comparável à
média internacional e ao de países em que o Judiciário é mais bem avaliado. Além disso, o
gasto com o Judiciário aumentou muito nos últimos 20 anos e há indicações de que ele não é
pequeno em relação aos padrões internacionais. Por outro lado, há indícios de que os recursos
aplicados na Justiça são mal aproveitados. Cf.: PINHEIRO, Armando Castelar. Reforma do
judiciário: um novo estágio. In: LEVY, Paulo Mansur; VILLELA, Renato (Orgs.). Texto para
discussão n.º 1234: uma agenda para o crescimento econômico e a redução da pobreza: Rio
de Janeiro: Ipea, 2006. p. 106. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1234.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2010.
22

de direito48, o que acaba compensando a carência. Ademais, a maior parte dos


processos na justiça federal trata de matéria de direito, que dispensa dilação
probatória, agilizando, em termos, o trâmite processual.
Portanto, percebe-se que no Brail sempre existiu carência de mão
de obra para o julgamento dos processos, o que também contribui para o
agravamento do problema da lentidão da justiça:

Assim, a primeira e grande causa da morosidade da Justiça no Brasil


é a relação população por número de juízes. Enquanto não baixar
esta relação para algo em torno de 8.000 habitantes por juiz, longe
estará a solução para este grave problema. O combate às outras
causas da demora na jurisdição ameniza, mas não resolve em
49
definitivo este gravíssimo problema.

Logo, embora existam outras causas para o problema da


morosidade da justiça, mostra-se inegável que o reduzido número de juízes
contribui sobremaneira para o agravamento da crise:50

Enquanto a problemática reside na falta de estrutura para a prestação


da função jurisdicional e no reduzido número de juízes para atender
às demandas existentes em um país gigantesco como o Brasil, os
canais de comunicação de massa, controlados pelos detentores do
poder, apressam-se em afirmar que toda problemática reside no fato
de que alguns procedimentos seriam ultrapassados, apresentados
como fórmulas milagres. Muito poucos são os que têm questionado a
escassez de recursos destinados à estruturação da função resolutiva
de conflitos. Igualmente raras são as vozes que têm apontado para o
deficitário número de julgadores para atender à elevada quantidade
51
de demandas existentes na sociedade brasileira.

Efetivamente, o número de juízes, tanto em primeira como em


segunda instâncias, é insuficiente para atender às necessidades dos
jurisdicionados, razão pela qual é impossível pretender-se agilidade do
48
Segundo José Renato Nalini, o juiz não trabalha sozinho, mas assistido por um número
razoável de servidores. Cf.: NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium,
2006. p. 85.
49
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 130.
50
O conceito de crise não parece adequado para a maioria dos integrantes da magistratura,
pois o problema do Judiciário estaria ligado mais a questões externas do que a deficiências
internas da instituição ou do comportamento de seus próprios membros. Ver, a respeito:
SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa
quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 19.
51
TASSE, Adel El. A “crise” no poder judiciário. Curitiba: Juruá, 2001. p. 66.
23

magistrado que tem sob sua responsabilidade 4.000, 5.000, 6.000 processos
ou mais.52 A essa conclusão também chegou Sálvio de Figueiredo Teixeira:

Enquanto no Brasil, para uma população superior a 150 (cento e


cinqüenta) milhões de habitantes, o número de juízes em atividade
chega aproximadamente à casa dos 8.300 (oito mil e trezentos), com
uma estimativa de 25% (vinte e cinco por cento) de cargos vagos,
não sendo raras as Varas nas quais tramitam mais de 10.000 (dez
mil) feitos por juiz, na então Alemanha Ocidental, para uma
população correspondente mais ou menos a um terço da nossa, e
sob a disciplina, desde 1977, de um processo bem mais racional e
sem os preconceitos jurídicos que cultuamos, herdados do
formalismo latino, sem falarmos na infra-estrutura mais aparelhada,
havia 17.500 (dezessete mil e quinhentos) juízes, com uma média de
53
350 (trezentos e cinqüenta) feitos para cada um.

Portanto, não é possível desprezar, em qualquer consideração que


se faça em relação às diversas causas determinantes da intempestividade da
prestação jurisdicional, a significativa desproporção entre o número de
processos em tramitação e o número de juízes, que são os maiores
responsáveis pela prestação do serviço.54
Por outro lado, a magistratura, apesar de bem apetrechada, pelo
menos do ponto de vista da dogmática jurídica e processual, não consegue
abarcar, através da normal vivência de seus membros, uma substancial parte
da realidade sobre a qual deve agir, privilegiando uma decisão formal e
evitando tomar conhecimento do fundo das causas.55
Tal se deve à insuficiente preparação dos operadores judiciários,
incluindo os magistrados, que geralmente são mais detentores de cargos do
que prestadores de um serviço público56, razão pela qual a solução do
problema da morosidade mostra-se tão difícil:

52
LOPES, João Batista. Efetividade do processo e reforma do código de processo civil: como
explicar o paradoxo processo moderno – justiça morosa? Revista de Processo, São Paulo, a.
27, n. 105, p. 128-138, jan./mar. 2002, p. 136.
53
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 50.
54
DIAS, Rogério A. Correia. Administração da justiça: a gestão pela qualidade total.
Campinas: Millenium, 2004. p. 18.
55
CLUNY, António. Formação de magistrados e advogados: custos financeiros baixos: custos
económicos elevados. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio
internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 39.
56
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 51.
24

Nesta perspectiva, parece ainda errado pensar que a simples dotação


das magistraturas de assessores e de peritos de formação diversa
poderá colmatar aquela inicial deficiência vivencial. É que, até para se
poder obter uma boa utilização dos assessores e dos conhecimentos
especializados dos peritos é preciso ter alcançado antes uma
aproximação aprofundada aos problemas que se querem resolver. Os
peritos respondem, em regra, a perguntas e, para deles retirar o
necessário rendimento, é necessário saber formular a questão
adequada. Quem nada sabe não tem dúvidas; pelo menos dúvidas
57
concretas e suficientemente dirigidas.

O número de auxiliares judiciários também é insuficiente, existindo


cada vez menos funcionários de carreira e mais estudantes estagiários
contratados temporariamente, que quando conseguem dominar o fluxo
processual têm de abandonar o estágio porque o contrato chegou ao fim.58
Por outro lado, a baixa remuneração dos auxiliares da justiça e
estagiários dificulta a contratação de profissionais competentes,
comprometendo o bom andamento processual, o que é agravado pela
ausência de cursos de treinamento e incentivos para a progressão funcional ou
ascensão na carreira, junto com perspectivas de melhoria salarial.59
A prestação satisfatória da função jurisdicional também é
prejudiciada pela carência de estrutura do Poder Judiciário, que em algumas
regiões do país tem precárias intalações:

A tudo isso contabilizem-se as precárias instalações que, em várias


regiões do país, inclusive nas mais privilegiadas, albergam
dependências do Poder Judiciário. Notícia recente, estampada na
revista Isto é, edição de 25 de junho de 1997, dá conta do alvoroço
ocorrido na próspera comarca de Santos, no litoral paulista, em
virtude do desentendimento entre juízes e promotores acerca da
instalação do Tribunal do Júri, sobretudo nos casos de clamor
público, em estabelecimento de ensino particular, uma vez que o
plenário do Fórum de Santos encontrava-se interditado para reforma
60
urgente.

57
CLUNY, António. Formação de magistrados e advogados: custos financeiros baixos: custos
económicos elevados. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio
internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 40.
58
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 131.
59
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 132.
60
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
105-106. (Grifo do autor)
25

Portanto, a deficiente estrututa do Poder Judiciário, tanto no aspecto


humano quanto material, prejudica o desempenho da função jurisdicional, já
que o andamento dos processos depende da existência de recursos
necessários, que geralmente estão ausentes, conforme observa Dalmo de
Abreu Dallari:

Na realidade, não poucos magistrados são constrangidos a exercer a


judicatura em dependências improvisadas ou com instalações muito
precárias, com deficiência de espaço e sem o mínimo conforto
necessário para o eficiente desempenho de suas tarefas. Desse
descaso dos tribunais acabam sendo vítimas também os demais
participantes indispensáveis das atividades judiciárias, como os
advogados, os membros do Ministério Público e os funcionários
forenses. O grande sacrificado por essa discriminação contra a
primeira instância, motivada sobretudo pela acomodação ou
indiferença das cúpulas judiciárias, é o povo, em nome de quem o
Poder Judiciário decide e que é quem paga a despesa para a
61
instalação e manutenção dos serviços judiciais.

De fato, embora o aumento no quadro de magistrados e servidores


não gere, necessariamente, um ambiente mais eficiente de administração da
justiça, sem ele mostra-se bastante difícil melhorar a eficiência do Judiciário:

É importante ressaltar que muitos magistrados na América Latina


recebem uma tremenda carga de processos. Devido a esse fato,
talvez justifique-se o aumento do número de juízes. As decisões
relativas ao aumento do quadro de servidores e juízes deve (sic) se
basear em tendências estatísticas do volume processual.
Obviamente, isso requer das Cortes a manutenção de relatórios e
indicadores estatísticos para que se possa realizar previsões
acuradas. Freqüentemente, como forma de lidar com os problemas
relacionados ao acúmulo de processo as Cortes tem proposto
soluções baseadas no aumento do quadro de servidores e
magistrados. No Brasil, 81% dos magistrados apontam o insuficiente
62
quadro de pessoal como causa da ineficiência do Judiciário.

Assim, embora o problema da duração excessiva do processo não


se resolva apenas multiplicando o pessoal, melhorando as estruturas ou
adaptando os ritos, certo é que por meio desses caminhos se obterá, pelo
61
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 156-157.
62
DAKOLIAS, Maria. O Setor judiciário na américa latina e no caribe: elementos para
reforma. Trad. Sandro Eduardo Sardá. Washington: Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento/Banco Mundial, 1996. (Documento técnico nº 319). Disponível em:
<http://www.anamatra.org.br/downloads/documento318.pdf>. Acesso em: 19 out. 2010.
26

menos, alguns resultados positivos, com a melhora do funcionamento do


serviço da justiça e a redução de esperas e tempos de decisão.63
Ademais, “o aprimoramento da prestação jurisdicional reclama, a par
da modernização da lei processual, uma profunda mudança em nossa atual
organização judiciária, ultrapassada pelos avanços alcançados pela ciência e
pela tecnologia, insuficiente, especialmente pela carência de recursos materiais
e humanos, para atender aos reclamos da sociedade em que vivemos e do
século que se aproxima”.64
Portanto, em face das enormes deficiências, “o Poder Judiciário
encontra-se deslocado no tempo, isso é, mesmo trabalhando muito produz
pouco, impedindo assim que se produza justiça e tendo como ponto fúnebre a
total falta de celeridade e equidade na resolução dos conflitos”.65

1.2 O comportamento dos sujeitos processuais


Os sujeitos principais do processo são o estado-juiz e as partes. Ao
juiz cabe dirigir o processo, razão pela qual a solução do litígio também
depende de sua postura como condutor da causa.
A morosidade, assim, pode estar na pessoa do próprio juiz, que
pode ser preguiçoso ou desmotivado, mas há também casos de juízes
honestos, cultos e justos, mas, por outro lado, lerdos, pensadores ou
perfeccionistas demais, o que poderia ser uma qualidade para os juízes da
Suprema Corte Norte-Americana – que julga aproximadamente cem processos
por ano –, mas que é um defeito no juiz brasileiro, obrigado a realizar uma
produção em massa e julgar vários processos anualmente.66
As partes, por sua vez, têm papel decisivo no andamento do
processo, uma vez que podem, por meio de chicanas processuais dos
respectivos procuradores, retardar a solução do litígio.

63
VIGORITI, Vincenzo. Notas sobre o custo e a duração do processo civil na Itália. Revista de
processo, São Paulo, a. 11, n. 43, p. 142-148, jul./set. 1986, p. 146.
64
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 49.
65
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 81.
66
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-
62, nov./dez. 2004, p. 41.
27

Embora a lei preveja a aplicação de sanções pela má-fé processual,


na maior parte das vezes a sanção não é aplicada, seja pela dificuldade de
comprovação, seja pela benevolência dos julgadores, que não costumam
aplicar as punições previstas em lei.
De fato, o Código de Processo Civil prevê que as partes, bem como
todos aqueles que participam do processo, têm os seguintes deveres: expor os
fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não
formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de
fundamento; não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários
à declaração ou defesa do direito; cumprir com exatidão os provimentos
mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de
natureza antecipatória ou final (art. 14).
Contudo, mesmo que a parte pratique as condutas vedadas pela lei,
a única consequência certa é a procrastinação do processo, já que a aplicação
de sanções processuais excepcionalmente acontece.
Por outro lado, condutas simples e perfeitamente legais podem
prejudicar o andamento do processo, como a apresentação de recursos,
petições e documentos desnecessários, a solicitação de audiências inúteis, a
vista frequente dos autos, que não trazem resultados benéficos para o
desfecho do processo.
De fato, a lei “exige que as partes, através de seus advogados, não
criem incidentes desnecessários, procurem cumprir os prazos, juntar
documentos no momento adequado e pleitear tão-somente a realização
daquelas provas indispensáveis à comprovação de fatos relevantes”.67
Por outro lado, a boa-fé exigida pela lei é de natureza objetiva, ou
seja, não se relaciona ao desejo do sujeito no processo, mas simplesmente
impõe ou proíbe condutas, independentemente das boas ou más intenções do
agente.68

67
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil
pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 72.
68
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 60.
28

Assim, as condutas incompatíveis com a boa-fé objetiva devem ser


coibidas no processo, pois além de procrastinar o andamento do feito,
prejudicam a parte que tem razão, que geralmente é aquela que tem uma
conduta ética.
Com efeito, muitos processos poderiam ser encerrados e liquidados
definitivamente se não houvesse a utilização abusiva de recursos e tantos
outros meios de procrastinação pelas partes, sendo que os culpados pelo uso
dessas armas desleais são tanto os advogados quanto os juízes que não
reconhecem e não punem a má-fé, assim como os procuradores dos órgãos
públicos que recorrem contra os fatos e o direito, mesmo sabendo que a causa
está perdida.69
Embora a responsabilidade pela condução do processo de má-fé
seja da parte, uma vez que o advogado apenas a representa em juízo, os
advogados também têm a sua parcela de culpa:

A forma de atuação dos advogados é percebida pelos magistrados


como um fator muito importante para explicar a lentidão da Justiça
(Tabela 10.10). Destaca-se como prejudicial nessa forma de atuação
a tendência dos advogados a estender a duração dos litígios e a sua
falta de preparo técnico, a qual, na visão de vários magistrados
entrevistados, por vezes causa também a má representação de seus
clientes. Juízes dos três ramos do Judiciário mostraram uma
avaliação semelhante sobre a relevância da preferência dos
advogados por dilatar a duração das disputas como explicação para a
morosidade da Justiça, enquanto os juízes estaduais se mostraram
mais críticos em relação à falta de treinamento adequado dos
advogados e os juízes federais deram maior importância à sua atitude
70
excessivamente antagonista.

Ademais, embora criticada por todos, a morosidade da justiça é o


que, aparentemente, pretende a maior parte dos litigantes, pois no país há
mais devedores que credores:

Demora, pura e simples, é o que pretende a maioria dos clientes. Há,


obviamente, mais devedores do que credores no país. Para cada
banco credor há centenas de devedores. Para não perder o bom

69
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 156.
70
PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In:
ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005. p. 259.
29

cliente, espécime cada vez mais raro porque houve um


empobrecimento geral da classe média, o advogado precisa atender
ao seu desejo de morosidade, do contrário o cliente simplesmente
desaparece, muda de advogado. E o novo patrono não terá qualquer
escrúpulo de, por exemplo, embargar a execução de um título de
crédito perfeitamente regular, recorrendo sempre contra qualquer
decisão porque, afinal, a obrigação primordial do advogado é
defender os interesses do cliente, utilizando a legislação em vigor. O
profissional sempre poderá se defender da censura moral
perguntando, com certa razão: “O que há de errado em defender o
interesse de meu cliente utilizando a legislação processual
disponível? E por que só eu e meu cliente devemos agir como
‘santinhos’ quando todos os outros, inclusive o poder público, usam e
71
abusam do direito de recorrer?”

Assim, a morosidade da justiça agrada aos próprios procuradores


das partes, que percebem na lentidão da justiça um meio de cobrar mais
emolumentos de seus clientes, até porque, geralmente, a lentidão dos
processos não prejudica parcela significativa dos advogados, razão pela qual a
própria OAB nacional não encampe campanha para “endurecer” a sistemática
dos recursos processuais.72

1.3 A inflação legislativa


O emaranhado de leis existente no país prejudica a compreensão do
ordenamento jurídico, incentivando o seu questionamento no âmbito judicial. A
legislação que precisa ser contida e/ou simplificada não é somente a
processual, mas também a material, pois ambas são confusas e complexas:

Nosso Direito é freqüentemente complicado e, se não em todas, pelo


menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim.
Precisamos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setores
nos quais a simplificação é tanto desejável quanto possível. Se a lei é
mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas
73
comuns.

71
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-
62, nov./dez. 2004, p. 44.
72
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-
62, nov./dez. 2004, p. 46.
73
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 156.
30

De fato, a vontade estatal de arrecadar recursos a todo custo faz


com que a legislação material tributária, por exemplo, não seja elaborada de
forma correta, o que dá ensejo a inúmeras ações judiciais.
Em outros campos do direito, igualmente, a legislação é feita de
forma afobada e com desleixo, o que abre a possibilidade de variadas
discussões judiciais, sem contar o volume excessivo da produção legislativa:

Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o


número de matérias, atividades e comportamentos regulados por
textos legais, essa desenfreada produção legislativa culmina, assim,
na ruptura da organicidade, da unidade lógico-formal e da
racionalidade sistêmica do ordenamento jurídico e, por conseqüência,
na perda da própria capacidade de predeterminação das decisões
concretas por meio do direito positivo. Essa disfuncionalidade
crescente tanto do Estado “social” ou regulador quanto de seu
instrumental normativo configura um processo que tem sido chamado
de “ingovernabilidade sistêmica” ou “crise de governabilidade” pelos
cientistas políticos. E de “inflação legislativa”, “juridificação” (ou
“sobre-juridificação”) e “trilema regulatório”, pelos sociólogos e
74
teóricos do direito.

Com efeito, a profusão legislativa é outra causa ponderável,


inclusive porque as leis, em geral, são mal feitas, provocando incertezas
jurídicas e ensejando, com isso, aumento de demandas e de dificuldades na
solução interpretativa, seja pela Administração, seja pelo Judiciário.75
A exuberância de leis demonstra a desorganização do estado
brasileiro, já que “um número muito pequeno de leis será suficiente em um
estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as
coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente”.76
De fato, de nada adianta um amontoado de leis, porque uma lei
substantiva e positiva sem um bom juiz vale pouco, ou seja, um bom
julgamento é melhor que uma boa lei.77

74
FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 117.
75
MACIEL, Adhemar Ferreira. Dimensões do direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
p. 277.
76
ROTERDÃ, Erasmo de. A Educação de um príncipe cristão. In: ISÓCRATES et al.
Conselhos aos governantes. Brasília: Senado Federal, 1988. p. 387. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/1026/4/207084.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2010.
77
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. p. 215.
31

Ademais, em um sistema jurídico inflacionado por “leis de


circunstância” e “regulamentos de necessidade”, condicionados por conjunturas
específicas e transitórias, a velocidade e a intensidade na produção de normas
constitucionais, leis, portarias, instruções normativas e decretos leva o estado a
perder a dimensão exata do valor jurídico tanto das regras quanto dos atos que
disciplina, legislação essa que acaba sendo passível de um contínuo trabalho
interpretativo.78
Assim, tal qual ocorre com a inflação econômica, a inflação
legislativa, conhecida também como “anomia jurídica” ou “explosão legal”,
costuma acirrar conflitos, inviabilizar o cálculo racional e disseminar uma
insegurança generalizada na vida sociopolítica e no mundo dos negócios,
implodindo os marcos normativos fundamentais da vida social.79

1.4 A legislação processual


A legislação processual anacrônica também contribui para a
morosidade da justiça. Com efeito, além de a legislação ser antiquada, ela
parece uma colcha de retalhos, já que inúmeras alterações vêm sendo feitas
ao longo do tempo no texto original, ainda que com o propósito de modernizá-
la.
Todavia, tais alterações acabam por prejudicar a sistemática da
legislação, pois as alterações levadas a efeito alcançam apenas parte dela,
tornando a aplicação das novas regras, às vezes, incompatível com a
legislação não modificada.
A legislação atual precisa ser simplificada, não por meio de
alterações pontuais, mas por meio de nova legislação processual como um
todo:

A justiça brasileira necessita, com urgência, de normas processuais e


procedimentais que tornem expedita a prestação jurisdicional. Essas

78
FARIA, José Eduardo. Inflação legislativa e a crise do estado no Brasil. Revista da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 42, dez./1994, p. 165-182.
Disponível em: <http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/socio13.htm>. Acesso em: 06 jan.
2011.
79
FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 129.
32

normas deverão ser elaboradas pelo Congresso Nacional, no que diz


respeito ao processo propriamente, e pelos Estados, no que diz
80
respeito ao procedimento.

A legislação processual é tida como uma das principais causas da


morosidade da justiça, uma vez que as formalidades nela existentes e os
inúmeros recursos atravancam sobremaneira o andamento do processo:

Há no Direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já faz tempo,


remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem
não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos
(creio não haver fora do Brasil trama recursiva tão grande e
complicada), e pouca gente hoje crê que isso ajude mesmo a apurar
81
melhor a verdade para melhor fazer justiça.

De fato, a crise mais aguda da justiça é a duração dos processos,


cuja lentidão está ligada principalmente à preferência dos litigantes por vias
judiciais, à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos,
sendo que o problema é agravado pelo formalismo excessivo das leis e pelo
sistema irracional de recursos:

A mais aguda crise da justiça é, sem dúvida, a duração dos


processos. A lentidão do processo judicial é deficiência ligada
principalmente à preferência dos litigantes por vias judiciais, à
estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. (...)
Um procedimento que não considera o que se passa nos planos de
direito material e da realidade social, obviamente, não pode propiciar
uma tutela jurisdicional efetiva. O devido processo legal continua a
ser concebido como mera garantia de formas, indiferente à realidade
no qual se opera, preservando privilégios. Esse fato é ainda agravado
pelo formalismo excessivo às leis, às formas processuais e por um
82
sistema de recursos irracional.

O Poder Judiciário está manietado por uma legislação processual


anacrônica e ingênua, especialmente por presumir que todo recurso seja
motivado pelo anseio de justiça, o que não é verdade, pois o anseio é pelo

80
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In:
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p.
109.
81
REZEK, Francisco. O direito que atormenta. Jornal Folha de São Paulo, caderno 1, Edição
de 15 nov. 1998, p. 3.
82
SAKO, Emília Simeão Albino. Direitos humanos e acesso à justiça. In: RIBEIRO, Maria de
Fátima; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (coords.). Direito internacional dos direitos
humanos: estudos em homenagem à Prof.ª Flávia Piovesan. Curitiba: Juruá, 2004. p. 132.
33

enorme ganho econômico-temporal, conseguido pelo simples ato de redigir


uma petição dizendo ter ocorrido um erro de julgamento e pedindo outro, e
depois mais outro.83
Pesquisas realizadas indicam que o ordenamento jurídico
processual contribui para o problema da morosidade, tanto no que se refere ao
formalismo quanto ao número de recursos:

O grande problema com o ordenamento jurídico cível vigente no país


está na legislação processual, tanto em relação aos muitos meios de
protelar decisões como no que respeita à possibilidade de recurso a
um número excessivo de instâncias, considerados por quase 80%
dos magistrados causas muito importantes da morosidade da Justiça
no Brasil (Tabela 10.7). Assim, ainda que uma parcela importante dos
magistrados tenha indicado que problemas com a legislação
substantiva são relevantes para explicar a morosidade do Judiciário,
particularmente no que concerne ao seu anacronismo e à sua
instabilidade, esses problemas são percebidos como secundários
quando comparados às falhas existentes na legislação processual.
Essa conclusão é reforçada pela constatação de que a maioria dos
respondentes (51,1%) considera o excessivo formalismo processual
do Judiciário brasileiro uma causa muito importante da morosidade
84
judicial.

Considerando que em qualquer tipo de processo existe a


possibilidade de interposição de inúmeros recursos, as partes podem percorrer
quatro instâncias recursais antes de obter o julgamento definitivo do processo:

A grande quantidade de recursos processuais, tais como agravos e


diversos institutos processuais, dentre outros, aliada à possibilidade
de uso de até quatro instâncias recursais (Primeira instância, Tribunal
de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal),
entre outras causas, provocam a morosidade da solução de litígios
submetidos à tutela jurisdicional, o que inibe investimentos na
economia, uma vez que, dentre outras consequências, impede o uso,
pelos agentes econômicos, a curto e médio prazos, dos valores
85
depositados judicialmente.

83
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-
62, nov./dez. 2004, p. 43.
84
PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In:
ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005. p. 257-258.
85
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 23.
34

De fato, a grande abundância e diversidade de recursos existentes


em nosso ordenamento jurídico configura uma causa muito importante para o
aumento da morosidade da justiça, devendo ser criticada a existência de tantas
formas e possibilidades de procrastinação para evitar a coisa julgada e a
aplicação da sentença ou do acórdão, sem com isso pretender-se eliminar a
possibilidade de recurso.86
O sistema recursal é tão irracional que o despejo de um botequim
pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal,
sendo que aquele tem decidido processos sem nenhuma relevância jurídica ou
social, como, por exemplo, recursos em que se discute se é possível a criação
de cães em condomínios de apartamentos.87
Assim, a manutenção de dispositivos legais antiquados e ineficientes
na legislação processual impede a tempestiva solução do litígio, já que as
partes utilizam-se dos recursos previstos em lei para retardar a solução da
demanda:

Além de excessivo número de recursos, como se a sua quantidade


significasse boa distribuição da justiça, existe um formalismo
exacerbado no estatuto processual, retardando a prestação
jurisdicional. De nada adianta assegurar "n" recursos, que interpostos
por milhares, através de sistema computadorizado, não terão
possibilidade material de serem lidos, analisados e apreciados
adequadamente por poucos julgadores que compõem os tribunais. É
preciso, pois, enxugar os recursos. É preciso, também, que as leis
processuais assegurem direito a um processo justo, priorizando este
ou aquele tipo de processo, estatuindo procedimentos específicos
para aqueles casos que devem merecer atenção especial do Estado.
Finalmente, impõe-se a gradativa deformalização do processo,
privilegiando o aspecto da sumariedade do processo com vistas à
efetividade da jurisdição, assim como aperfeiçoar os mecanismos
processuais que conduzam à rápida implementação da sentença. Do
contrário, o processo constituir-se-á em fonte permanente de
88
insatisfação do vitorioso na demanda.

86
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 140.
87
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico.
Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, p.
75-87, abr./jun. 1998, p. 77.
88
HARADA, Kiyoshi. Controle externo do judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 31,
maio/1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/211>. Acesso em: 07 dez. 2010.
35

Portanto, uma das razões do acúmulo de causas que geram as


consequências da morosidade, além de outros defeitos ou omissões
estruturais, está na interposição de recursos abusivos, protelatórios e/ou
injustificados por agentes de toda qualificação, nos vários campos do direito,
principalmente os estatais, quando visam exclusivamente a retardar
pagamentos de sua obrigação ou deixar de reconhecer direitos
constitucionais.89
Por outro lado, o formalismo processual exagerado teima em
permanecer enraizado no núcleo dos sistemas processuais latinos, sendo que
na Suíça há notável reação doutrinária e jurisprudencial contra o formalismo
excessivo, que é considerado violação da garantia de jurisdição constante do
art. 4º da Constituição Federal daquele país.90
Segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira, a preocupação da legislação
processual deveria centrar-se na sociedade e na efetividade da prestação
jurisdicional:

Vive-se, com efeito, uma nova fase, a da instrumentalidade, que


descortina o processo como instrumento da jurisdição imprescindível
à realização da ordem jurídica material, à convivência humana e à
efetivação das garantias constitucionalmente asseguradas,
apresentando-se como tendências atuais do processo, dentre outras,
a sua internacionalização e a preocupação com o social e com a
91
efetividade da tutela jurisdicional.

Assim, na busca de um processo de resultados, visto como um meio


e não como um fim, é necessário eliminar as dificuldades arraigadas na
legislação processual extremamente formalista, onde a discussão do direito
material, frequentemente, perde espaço para o direito processual:

89
CASTRO, Honildo Amaral de Mello. O Abuso do direito e a litigância de má-fé no novo
agravo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 19, p. 130-136,
abr./jun. 1997, p. 133.
90
THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Execução de sentença e a garantia do devido
processo legal. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 64. Eis o teor do art. 4º da referida Constituição:
“En matière de procédure, le formalisme constitue un déni de justice quand il n’est imposé pour
la protection d’aucun intérêt et qu’il complique d’une manière insoutenable l’applicacion du droit
matériel”.
91
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma da legislação processual no contexto de uma
nova justiça. In: PAULA, Adriano Perácio de (Coord.). Modificações no CPC. Belo Horizonte:
Del Rey, 1995. p. 69-91. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/431>. Acesso
em: 07 dez. 2010.
36

Entre as causas, geralmente apontadas, do mau desempenho do


Judiciário brasileiro podem ser destacadas o exíguo número de juízes
por habitante e o grande número de recursos permitidos por nossas
leis processuais. Essas causas são significativas, mas acima delas,
com muito maior significação, está o processualismo, entendido como
tal o exagerado formalismo com que os julgadores de um modo geral
tratam as questões.
Em qualquer tribunal brasileiro, com certeza bem mais de metade do
tempo das sessões de julgamento é gasto no debate de questões
processuais. E um número significativo de “julgados” não faz mais do
que deixar de julgar, na medida em que não é apreciado o mérito das
questões postas, que ensejam a renovação dos pleitos por outras
vias processuais. E não são raros os casos nos quais triunfa quem
não tem razão, mas tem o patrocínio de advogado hábil no manejo
92
dos ritos.

É verdade que a legislação processual antiquada e formalista não


pode ser tida, exclusivamente, como responsável pelo problema da morosidade
da justiça, mas não é menos verdade que a simplificação da legislação poderá
acarretar melhorias no campo da administração da justiça.

1.5 O aumento da litigiosidade


Segundo Habermas, “as crises surgem quando a estrutura de um
sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que
são necessárias para a contínua existência do sistema”.93
A crise da justiça brasileira, ou do Poder Judiciário, que é o órgão
encarregado da função jurisdicional, provoca a insatisfação dos jurisdicionados
e significa a denegação da própria justiça:

A crise da Justiça está na ordem do dia: dissemina-se e serpenteia


pelo corpo social, como insatisfação dos consumidores de Justiça,
assumindo as vestes do descrédito nas instituições; atinge os
operadores do direito e os próprios magistrados, como que
impotentes perante a complexidade dos problemas que afligem o
exercício da função jurisdicional; desdobra-se em greves e protestos
de seus servidores; ricocheteia, enfim, pelas páginas da imprensa e
ressoa pelos canais de comunicação de massa, assumindo

92
MACHADO, Hugo de Brito. O processualismo e o desempenho do poder judiciário. Revista
do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 31-44, dez./mar. 1998, p. 32.
Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20155/O_Processualismo_e_o_Desempenh
o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 16 dez. 2010. (Grifo do autor)
93
HABERMAS, Jürgen. A Crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Trad. Vamireh
Chacon. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. p. 13.
37

dimensões alarmantes e estimulando a litigiosidade latente. A Justiça


é inacessível, cara, complicada, lenta, inadequada. A Justiça é
94
denegação de Justiça. A Justiça é injusta. Não existe Justiça.

Todavia, a crise não tem apenas aspectos negativos, mas indica um


fenômeno próprio da evolução e transformação da sociedade. As crises levam
– ou ao menos deveriam levar – à renovação, segundo os esquemas
adequados à realidade emergente.95
A ideia de crise do Supremo Tribunal Federal [ou do Judiciário como
um todo] está ligada ao aumento do número de demandas ajuizadas sem que
haja a conclusão daquelas já em andamento, ocasião em que ocorre um
acúmulo de demandas pendentes de solução, resultando daí um
congestionamento, porque de ano para ano o remanescente aumenta a
pirâmide de autos, chegando a um ponto em que ela não pode mais ser
removida.96
Assim, um dos responsáveis pela crise é o aumento da litigiosidade,
que vem ocorrendo ao longo dos tempos. Esse aumento está ligado à maior
conscientização dos direitos por parte da população, verificada especialmente
após a Constituição Federal de 1988, que foi pródiga na atribuição de direitos,
sendo, inclusive, chamada de Constituição cidadã:

É imperativo irrecusável da consciência de constitucionalista, porém,


reconhecer o sadio efeito, nesse campo, de uma Constituição
denominada cidadã e tida por todos como o texto fundante que mais
prestigiou o Judiciário do Brasil. A Constituição de 1988 foi aquela
que mais acreditou na solução jurisdicional dos conflitos. Natural o
fato de que, despertada pelo seu texto, a cidadania viesse a
multiplicar as demandas e evidenciasse a sua crença na solução
97
judicial dos problemas humanos.

Ademais, a consolidação do estado-providência significou a


expansão dos direitos sociais, bem como a integração das classes
trabalhadoras nos circuitos de consumo anteriormente fora de seu alcance,

94
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 1998. p. 20-21.
95
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 1998. p. 21.
96
BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 144.
97
NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 80.
38

fazendo com que os novos conflitos emergentes dos novos direitos sociais
fossem constitucionalmente conflitos jurídicos, cuja solução caberia aos
tribunais, entre os quais litígios sobre a relação de trabalho, segurança social,
habitação, bens de consumo etc.98
Essa explosão de litigiosidade, todavia, aumentou já na década de
70, num período em que a expansão econômica terminava e começava a
época de recessão, resultando na redução progressiva dos recursos do estado
e na consequente incapacidade de cumprir os compromissos assistenciais e
providenciais assumidos com as classes populares na década anterior:

De tudo isto resultou uma explosão de litigiosidade à qual a


administração da justiça dificilmente poderia dar respostas. Acresce
que esta explosão veio a agravar-se no início da década de 70, ou
seja, num período em que a expansão económica terminava e se
iniciava uma recessão, para mais uma recessão com carácter
estrutural. (...) Uma situação que dá pelo nome de crise financeira do
Estado e que, por isso, se repercutiu também na incapacidade do
Estado para expandir os serviços de administração da justiça de
modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura
99
entretanto verificada.

O extraordinário aumento da litigiosidade decorre de alguns fatores,


entre os quais podemos apontar os seguintes: a evolução da sociedade e do
direito, em especial do direito do consumidor; o crescimento da atividade
econômica; a insegurança jurídica causada pela proliferação de leis; o aumento
do salário mínimo e a criação de programas de transferência de renda.
Assim, a partir dessa maior consciência dos direitos, bem como da
garantia de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito, as pessoas passaram a utilizar com maior frequência a
função jurisdicional, a fim de ver resolvidos os respectivos conflitos de
interesses, o que causou – e ainda causa – congestionamento do Poder
Judiciário.
O surgimento de novos direitos também pode ser apontado como
causa do aumento da litigiosidade:

98
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da justiça. In: FARIA, José Eduardo
(Org.). Direito e justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 43-44.
99
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice: o social e o político na pós-
modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 166.
39

A ampliação dos direitos fundamentais com o reconhecimento de


novos direitos faz surgir também no panorama jurídico novas formas
de conflito, especialmente as decorrentes dos direitos de segunda e
terceira geração, que trazem à baila questões relativas a relações de
emprego, habitação, educação, transporte, consumo, meio ambiente,
entre outros, aumentando sobremaneira o número de demandas
levadas à apreciação do Poder Judiciário.
O surgimento desses novos conflitos é indicado por alguns autores
como o principal fator responsável pela chamada ‘explosão da
litigiosidade’, que deflagrou a crise na administração da justiça,
apontando a necessidade premente de desburocratização do sistema
100
e de simplificação dos procedimentos.

Todavia, o sistema incentiva as pessoas a demandar em juízo nem


sempre por razões tão nobres, a saber: as pessoas e as empresas levam
processos aos tribunais não para lutar por um direito, mas para explorar a
lentidão da justiça e adiar o cumprimento de uma obrigação; as pessoas
naturais e as empresas não encontram outros caminhos para a solução das
suas disputas; os governos utilizam o sistema para arrecadar impostos e fazer
cumprir obrigações, mas também pra postergar o cumprimento de suas
próprias obrigações; os advogados, públicos e privados, são remunerados e
prestigiados por demandar e recorrer.101
Com efeito, há hoje uma cultura à litigância, de sorte que as pessoas
acorrem ao Poder Judiciário tanto quando têm razão quando não têm nenhum
direito:

Hoje, o brasileiro padece de demandismo. Sintoma proveniente de


distintas origens. Para os otimistas, o brasileiro tem noção mais clara
de seus direitos. Para os realistas, a litigância sugere uma sociedade
egoísta, inflexível quando se trata de transigir, infensa a acordos e
beligerante. O fato é que todos acorrem ao Judiciário. Ricos e pobres.
Pessoas físicas e pessoas jurídicas. Empresas e ONGs. Sindicatos e
Bancos. Associações de classe e Escolas. Particulares e Governo.
Até mesmo grupos nem sempre dotados de personalidade jurídica.
Invoca-se o Judiciário quando se tem razão e, principalmente, quando
não se tem nenhum direito. A razão de tantas ações é a
complexidade do processo, concausa de uma lentidão insuportável
para o Judiciário. A injustiça consegue uma sobrevida com a longa

100
MAURO, Adalgiza Paula Oliveira. Direitos individuais e coletivos: novos direitos, novos
conflitos e a busca do efetivo acesso à justiça. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência,
Ribeirão Preto, a. 6, n. 65, p. 11-22, maio/2005, p. 17.
101
MOSCOGLIATO, Marcelo. Demanda e oferta de decisões judiciais. In: Instituto Brasileiro de
Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77-78.
40

duração das demandas, que podem se prolongar por mais de uma


102
década, até vencer as quatro instâncias.

Assim, a causa principal da lentidão da justiça é o aumento do


número de processos, que decorre do fato de que, à medida que se acentua a
cidadania, as pessoas procuram mais os tribunais, pois a Constituição de 1988
deseja que a cidadania seja exercida por todos, convocando os cidadãos a
fiscalizar a coisa pública, que se efetiva mediante o ajuizamento de medidas
judiciais.103
Em razão disso, ocorre o problema da morosidade da justiça, onde
não se consegue evitar o acúmulo de processos pendentes de decisão:

No que se refere à demanda, o crescimento nos índices de procura


por justiça oferecida pelo Estado está altamente relacionado às taxas
de industrialização e ao processo de urbanização. O crescimento
nestes indicadores provoca aumento no número e no tipo de conflitos
e, consequentemente, há uma maior probabilidade de que estes
litígios convertam-se em uma maior demanda pelos serviços do
Judiciário. A potencialidade de conversão de litígios em demanda por
serviços judiciais depende, por sua vez, da consciência de direitos e
da credibilidade na máquina judicial. Desta forma, a mera
transformação estrutural por que passou a sociedade brasileira, de
predominantemente agrária e rural para industrial e urbana, num
intervalo de menos de 50 anos, tomando como ponto de partida o
início da década de 1930, justificaria a multiplicação dos conflitos.
Esta potencialidade de conflitos foi, no entanto, em grande parte,
contida pela ausência de vida democrática e pelo descrédito na
104
justiça.

Roger Perrot, referindo-se ao aumento da litigiosidade na França,


esclarece o seguinte:

O acontecimento processual marcante deste último meio século terá


sido sem dúvida, e não só na França, o considerável aumento da
massa litigiosa. Foi esse dado primeiro que pesou muito fundo nas
transformações do processo civil francês.
(...)

102
NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 78.
103
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico.
Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, p.
75-87, abr./jun. 1998. p. 76.
104
SADEK, Maria Tereza. Poder judiciário: perspectivas e desafios. Opinião Pública,
Campinas, v. 10, n. 1, p. 01-62, maio/2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762004000100002>. Acesso
em: 19 dez. 2010.
41

Quando se evoca tal problema, logo se pensa no crescimento


quantitativo do volume das causas. As demandas apresentadas aos
tribunais multiplicam-se em condições inquietantes. Na França, foi
possível verificar que, no espaço de 20 anos, o número de causas
triplicou, e por motivos fáceis de compreender. Numa sociedade que
evolui rapidamente, as leis sucedem-se em ritmo acelerado e
fatalmente geram um contencioso mais abundante, tanto mais quanto
os nossos contemporâneos, mais bem informados de seus direitos
que no século passado, já não hesitam em dirigir-se aos tribunais
ante a menor dificuldade e, se necessário, percorrendo todos os
degraus da hierarquia judiciária, desde o juiz de primeiro grau até a
Corte de Cassação. Mas não existe milagre. Com um pessoal
judiciário que praticamente não aumentou em número, o resultado
mais claro de semelhante situação consiste em que nossos tribunais,
que já não conseguem deter essa maré montante, só podem proferir
seus julgamentos ao fim de muitos meses, quando não de muitos
105
anos.

Assim, o crescente aumento da litigiosidade causa uma sobrecarga


de trabalho nos tribunais, gerando um verdadeiro colapso do sistema judiciário
de muitos países.106
Por outro lado, nem sempre as demandas ajuizadas têm chances de
êxito, já que o Poder Judiciário está abarrotado de causas temerárias:

Processos referentes a causas absurdas, irrelevantes, repetitivas,


movidas por modismo, por interesses psicológicos ou satisfação
pessoal, colaboram, significativamente, para o acúmulo de processos
que aguardam julgamento. Pesquisas revelam que tais causas
abarrotam o Judiciário, favorecendo a morosidade, criando opinião
crítica na maioria das pessoas de que a Justiça continua lenta e sem
107
agilidade.

A grande quantidade de processos, assim, está diretamente


relacionada à morosidade da justiça no país, que é uma das críticas mais
contundentes que se faz ao Poder Judiciário, razão pela qual, diante de tantos
processos, chega-se a uma conclusão de que entrar no Judiciário não
compensa, salvo se for para extrair as vantagens da morosidade.108

105
PERROT, Roger. O Processo civil francês na véspera do século XXI. Trad. José Carlos
Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, v. 91, p. 203-212, jul./set. 1998, p.
204.
106
BERIZONCE, Roberto O. Recientes tendencias en la posición del juez. Revista de
Processo, São Paulo, a. 24, n. 96, p. 125-149, out./dez. 1999, p. 141.
107
SVEDAS, Andréia Mendes. Morosidade da justiça: causas e soluções. In: SVEDAS, Andréa
Mendes [et al.]. Morosidade da justiça: causas e soluções. Brasília: Consulex, 2001. p. 18.
108
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
50-51.
42

1.6 As demandas repetitivas


As demandas repetitivas são aquelas titularizadas por um grande
número de pessoas e que versam sobre a mesma questão de direito. Tais
demandas são, geralmente, resolvidas por meio de processos individuais, o
que pode causar insegurança jurídica em face da possível existência de
decisões contraditórias.
Tal se deve porque a legislação processual sempre esteve
preocupada com a solução das demandas individuais, até porque a
coletivização das lides não fazia parte do contexto social pretérito.
A existência de ações repetitivas demonstra a irracionalidade do
sistema judicial, já que inúmeras demandas são ajuizadas para discutir a
mesma questão de direito, inclusive com a possibilidade de decisões
contraditórias, servindo, também, para desacreditar o Poder Judiciário.
De fato, não é razoável que o Poder Judiciário seja acionado para
julgar inúmeras demandas cujo objeto seja a mesma questão jurídica, sem que
o sistema preveja um mecanismo para simplificar o julgamento dessas ações:

Todos os dias multiplicam-se, especialmente na Justiça Federal,


causas que tratam da mesma matéria de direito. O que nelas varia
são apenas as partes. Qualquer juiz, membro do Ministério Público ou
advogado, devidamente atento ao que se passa no dia-a-dia da
justiça civil brasileira, sabe que tais demandas exigem um único
momento de reflexão, necessário para a elaboração da primeira
sentença ou do primeiro acórdão. Mais tarde, justamente porque as
ações são repetidas, as sentenças e os acórdãos, com a ajuda do
109
computador, são multiplicados em igual proporção.

Seria mais racional que, uma vez identificada a demanda repetitiva,


as demais ficassem paralisadas até que fosse julgada definitivamente a “causa
piloto”, aplicando-se para as demais a mesma solução jurídica, o que diminuiria
o número de recursos e evitaria decisões contraditórias, em homenagem ao
princípio da isonomia, bem como diminuiria a quantidade de ações em trâmite
no Poder Judiciário.

109
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de direito processual Civil:
processo de conhecimento. v. 2. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 524.
43

Ademais, um número excessivo de recursos em demandas


repetitivas (com o mesmo objeto) também significa retardo na prestação
jurisdicional e, portanto, prejuízo à parte que tem razão, bem como um
aumento de custos e acúmulo intolerável de processos em segundo grau de
jurisdição, resultando em lentidão do serviço jurisdicional:

No caso de demandas múltiplas, isto pode significar milhares de


recursos. O que significa, entretanto, milhares de recursos? Significa,
antes de mais nada, retardo na prestação jurisdicional e, portanto,
prejuízo à parte que tem razão. Significa, ainda, mais custos e,
também, um acúmulo intolerável de processos em segundo grau de
jurisdição. Ora, é óbvio que a interposição exagerada de recursos
resulta na lentidão do serviço jurisdicional e, portanto, aprofunda-se a
crise do Poder Judiciário, que tem o grave compromisso de atender
ao Direito Constitucional de todo cidadão a uma resposta jurisdicional
110
tempestiva.

Assim, as demandas repetitivas causam uma grande sobrecarga de


serviço no Poder Judiciário, sem que isso seja necessário, já que a
interpretação dada pelo tribunal poderia servir de parâmetro obrigatório para os
demais julgamentos.111
Pensando nisso, o projeto do novo Código de Processo Civil, em seu
art. 895, traz um mecanismo para simplificar o julgamento dessas ações, qual
seja, o incidente de demandas repetitivas.
Segundo a futura norma, admitido o incidente, o presidente do
tribunal determinará a suspensão dos processos pendentes até o seu
julgamento, devendo a tese jurídica adotada ser aplicada a todos os processos
que versem idêntica questão de direito.

1.7 A postura do poder público

110
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução
imediata da sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 181.
111
Segundo pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná a pedido do
Conselho Nacional de Justiça, coordenada pela Prof.ª Claudia Maria Barbosa, o sistema de
concessão e tomada de crédito é o principal responsável pelo progressivo aumento de
demandas judiciais de massa, no que diz respeito às demandas repetitivas cíveis no país. Cf.:
CARVALHO, Luiza de. Agência CNJ de notícias. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13097:concessao-de-
credito-lidera-o-aumento-de-demandas-judiciais&catid=1:notas&Itemid=675>. Acesso em: 17
dez. 2010.
44

O Poder Público, tanto na esfera federal quanto estadual e


municipal, tem contribuído sobremaneira para o problema da morosidade da
justiça, já que a maior parte das causas em tramitação no Poder Judiciário tem
a fazenda pública como parte.
O Poder Público contribui para o problema da morosidade da justiça
ao não reconhecer espontaneamente o direito dos administrados (ou do
servidor público) e ao utilizar recursos judiciais em excesso, mesmo que sejam
inviáveis, o que traz uma série de consequências prejudiciais ao próprio
estado:

As conseqüências desse comportamento ilícito são bastante óbvias: a


desmoralização do processo administrativo como instância, menos
formal e mais célere, de resolução de controvérsias; e o
abarrotamento do Poder Judiciário com demandas que já poderiam
ter sido resolvidas. Chega a ser surreal a quantidade de processos
envolvendo servidores públicos na Justiça Federal, uma vez que, em
boa parte deles, não há séria controvérsia judicial. Portanto, bastaria
à Administração Pública verificar a questão probatória (certeza a
respeito do fato objeto do litígio) e a questão jurídica (matéria
pacificada nos tribunais superiores). É evidente que as decisões
judiciais somente são obrigatórias para as partes (autor e réu) do
processo (com exceção das ações de controle concentrado de
constitucionalidade e das súmulas vinculantes). Porém, decidir de
forma contrária à jurisprudência pacífica é, simplesmente, protelar o
recebimento do benefício pelo demandado, que, mais cedo ou mais
tarde, terá o direito assegurado pelo Poder Judiciário. Trata-se, no
112
mínimo, de visível ofensa ao princípio constitucional da eficiência.

De fato, demandas envolvendo a fazenda pública são responsáveis


em grande parte pelo abarrotamento do Poder Judiciário, uma vez que ela
utiliza todos os meios processualmente legítimos para evitar a derrota.
O grande problema é que a fazenda pública tem relações com um
grande número de pessoas, razão pela qual as demandas ajuizadas contra si
também são de grande volume.
Segundo Ricardo Levandowski, ministro do Supremo Tribunal
Federal, está-se caminhando para um caos absoluto, pois o estado não

112
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Como a administração pública contribui
para a morosidade do poder judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2075, 7 mar. 2009.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12420>. Acesso em: 7 jan. 2011.
45

contribui para acabar com o problema da morosidade, já que ele é o maior


litigante e reluta em pagar seus débitos, atravancando o Judiciário.113
Pesquisas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal indicam que o
acesso à justiça no Brasil é restrito a um pequeno número de atores, formado
principalmente pelo Poder Público e por um grupo diminuto de serviços
públicos privados, sendo que os maiores usuários do Poder Judiciário são o
INSS, a União e a Caixa Econômica Federal, do lado público, e os serviços de
telefonia, do lado privado.114
Ademais, pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça
concluiu que o setor público (Federal, Estadual e Municipal), bancos e
telefonia representam 95% do total de processos dos 100 maiores
litigantes nacionais, sendo que desses processos, 51% têm como parte
ente do setor público, 38% empresas do setor bancário, 6% companhias
do setor de telefonia e 5% de outras empresas.115
Portanto, o poder público é campeão no número de processos em
tramitação nos tribunais brasileiros, prolongando indefinidamente o desfecho
da demanda, sob a justificativa de defender o interesse público, sem se
preocupar com o custo do abarrotamento da justiça, que recai sobre seus
próprios ombros:

Aliás, o setor público é mestre consumado nesta ‘arte’ da litigância de


má-fé. E como setor público entenda-se o poder executivo da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mais as autarquias
e as fundações públicas de cada esfera administrativa. Seus
procuradores são obrigados a recorrer mesmo sem qualquer razão ou
possibilidade de sucesso. 79% dos recursos no STF e um pouco
menos do STJ envolvem o setor público como parte ativa ou passiva,
o que, convenhamos, explica em parte o acúmulo processual nos
tribunais superiores, além de demonstrar a má-fé em relação ao
116
cidadão. Outros 40% atolam a Justiça do Trabalho.

113
Apud: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 65.
114
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
50.
115
Conselho Nacional de Justiça. 100 maiores litigantes. Brasília, março de 2011. p. 15.
Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/52058724/Pesquisa-100-Maiores-Litigantes-Cnj>
Acesso em: 15 mar. 2011.
116
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 156.
46

Todavia, o interesse público defendido, geralmente, é o interesse


público secundário (do estado), que não se confunde com o interesse público
primário (da coletividade), conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Também assim melhor se compreenderá a distinção corrente da


doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários –
que são os interesses da coletividade como um todo – e interesses
secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos)
poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente
de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da
coletividade. Poderia, portanto, ter o interesse secundário de resistir
ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de
denegar pretensões bem-fundadas que os administrados lhe
fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exagerados.
Estaria, por tal modo, defendendo interesses ‘seus’ enquanto pessoa,
enquanto entidade animada do propósito de despender o mínimo de
recursos e abarrotar-se deles ao máximo. Não estaria, entretanto,
atendendo ao interesse público, ao interesse primário, isto é, àquele
que a lei aponta como sendo o interesse da coletividade: o da
observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o
117
interesse de todos.

Assim, em grande parte das ações envolvendo o poder público, há


apenas a defesa do interesse público secundário (do estado), uma vez que ele
prolonga o desfecho do litígio, por meio de inúmeros recursos, apenas para
postergar o reconhecimento do direito da parte, especialmente nos casos em
que a jurisprudência já se firmou em sentido contrário à tese defendida por ele
em juízo.
De fato, segundo o interesse público primário (da coletividade), seria
mais sensato que o poder público reconhecesse e seguisse a jurisprudência
consolidada dos tribunais, passando a cumprir a lei tal qual interpretada por
eles, com o consequente reconhecimento dos direitos dos interessados, sem
abarrotar o Poder Judiciário de recursos inúteis e simplesmente protelatórios,
apenas com o propósito de postergar o pagamento do débito.
Ademais, em caso de ilícito praticado pelo estado, ele tem o dever
de promover espontaneamente a liquidação do dano, até porque, uma vez
configurados os pressupostos de sua responsabilização civil, a remessa do
interessado à via judicial configurará uma segunda infração pelo estado a seus

117
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 32.
47

deveres. Com efeito, a primeira infração consumou-se quando o estado deu


oportunidade à concretização do dano e a segunda ocorre quando ele se
recusa a arcar com a responsabilidade daí derivada.118

118
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. e atual. Belo
Horizonte: Fórum, 2010. p. 1.222.
48

2 AS CONSEQUÊNCIAS DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA


O tempo de tramitação processual é um dos grandes problemas
enfrentados pela justiça brasileira, impedindo a tutela jurisdicional efetiva e
significando um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o
processo “será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.119
A lentidão da justiça fere substancialmente o dispositivo
constitucional do devido processo legal, bem como é um fator agonizante para
os que esperam uma decisão, na medida em que estrangula os canais de
acesso à justiça, diminuindo seu valor perante o jurisdicionado, que prefere ter
sua litigiosidade contida ou solucionada por seus próprios meios, a ter de
recorrer à justiça e enfrentar sua deficiência e a própria ansiedade.120
A morosidade processual produz uma série de efeitos, entre os
quais podem ser apontados os seguintes: os direitos e as garantias deixam de
estar assegurados; as partes lesadas aceitam frequentemente acordos injustos
(porque o ingresso em juízo não lhes garante uma solução melhor); quando a
justiça é lenta, o valor esperado do ganho ou da perda das partes reduz-se
substancialmente; os custos de recorrer à justiça aumentam.121
Conforme adverte Nicolò Trocker, uma justiça realizada com atraso
é, sobretudo, um grave mal social, pois provoca danos econômicos
(imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência e
acentua a discriminação entre os que podem perder e os que não podem.
Ademais, um processo que se desenrola por longo tempo torna-se um cômodo
instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos do mais
forte para ditar ao adversário as condições da sua rendição.122

119
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 183.
120
VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do estado pela demora na
prestação da tutela jurisdicional. 1. ed. 5. tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 59.
121
CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as
empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do
colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 371-372.
122
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano.
Milano: Giuffrè, 1974. p. 276-277. No original: “Una giustizia realizzata a rilento è soprattutto un
grave male sociale; provoca danni economici (imobilizzando beni e capitali), favorisce la
speculazione e l’insolvenza, accentua la discriminazione tra chi ha la possibilità di attendere e
chi nell’attesa ha tutto da perdere. Un processo che si trascina per lungo tempo diventa anche
un cômodo strumento di minaccia e di pressione, un’arma formidabile nelle mani de più forte
per dettare all’avversarioa lê condizioni della resa”.
49

De fato, os danos sociais e econômicos advindos da morosidade da


justiça são facilmente perceptíveis, já que justiça tardia nada mais é que
injustiça qualificada e manifesta.
A relação entre direito e economia apresenta-se mais intensa após o
processo de globalização, que tem como seus principais atores economistas e
profissionais do direito, especialmente porque a globalização é um processo de
integração econômica internacional cada vez mais regulamentado e
dependente de contratos, conforme esclarece Armando Castelar Pinheiro:

Dentro de cada país, também, a busca de um modelo econômico


capaz de produzir uma integração competitiva na economia mundial
tem levado à crescente interação entre o direito e a economia, como
refletido no aumento da regulação e no uso mais intenso dos
contratos como forma de organizar a produção, viabilizar o
financiamento e distribuir os riscos. Em particular, as reformas dos
anos 90 – privatização, abertura comercial, desregulamentação e
reforma regulatória, na infra-estrutura e no sistema financeiro – deram
grande impulso tanto à integração do Brasil na economia mundial
123
como ao volume de regulação e à utilização de contratos.

Contudo, apenas recentemente começou-se a analisar e a


compreender as relações entre o funcionamento da justiça e a economia, tanto
em relação ao crescimento quanto no tocante às magnitudes envolvidas, muito
embora o debate sobre as reformas tenha ficado restrito aos operadores do
direito, a despeito da sua importância também para a economia.124
A morosidade da justiça prejudica a economia, pois o tempo da
economia não é o mesmo que o do direito. De fato, esse tempo do direito, da
forma como está, torna a sua aplicação anacrônica e defasada, prejudicando o
desempenho econômico das empresas e dos países.125
É por isso que organizações como o Banco Mundial e o BID
defendem que a melhora do Judiciário, tornando-o mais ágil e eficiente, deve

123
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 19.
124
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21.
125
WALD, Arnoldo. Os efeitos e desafios da economia globalizada. In: WALD, Arnoldo et al.
(Coord.). O Direito brasileiro e os desafios da economia globalizada. Rio de Janeiro:
América Jurídica. p. 3-4.
50

ocupar um papel de destaque na rodada de reformas que devem dotar as


economias em desenvolvimento de instituições que sustentem o bom
funcionamento do mercado, uma vez que ele é responsável pelo sucesso do
novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior
parte da América Latina, especialmente pelo seu papel de garantir direitos de
propriedade e fazer cumprir contratos.126
Por outro lado, o bom funcionamento do sistema judiciário também
depende da boa qualidade das leis, as quais podem propiciar a evolução
social, acelerando as transformações e provocando as reformas necessárias:

A relação entre economia e direito não se reduz a causalidade


simples, mecânica, porém manifesta-se de maneira dialética. Se é
exato que a vida econômica aparece como anterior aos sistemas
jurídicos, não é menos exato que a realização do contrôle e de
direção que os fatos sociais, inclusive os econômicos, comportam,
pela lei, é que melhormente tem de ser conseguida. Eis por que o
direito não é apenas, exclusivamente, reflexo da constituição
econômica. O legislador, o governante, por intermédio das leis,
podem dirigir a evolução social, acelerar transformações, provocar
reformas oportunas, em suma, incorporar à vida civil as energias
127
exuberantes e mesmo revolucionárias.

Todavia, conforme adverte George Stigler, o economista e o jurista


vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas, pois enquanto o
problema dos economistas é a eficiência, a preocupação dos operadores do
direito é a justiça.128
Por outro lado, “o cumprimento ineficaz da legislação nos países
pobres estreita a esfera de cooperação em tempo e espaço. Direitos
contratuais fracos empobrecem a nação por manter o comércio

126
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 20-21.
127
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 25. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1977. p. 240.
128
STIGLER, George Joseph. Law or economics. Journal of Law and Economics, v. 35, n. 2,
oct./1992, p. 463. Disponível em:
<http://www.competitionlaw.cn/upload/temp_09020618515094.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2010.
No original: “The difference between a discipline that seeks to explain economic life (and,
indeed, all rational behavior) and a discipline that seeks to achieve justice in regulating all
aspects of human behavior is profound. This difference means that, basically, the economist
and the lawyer live in different worlds and speak different languages.”
51

excessivamente local e por manter empresas não suficientemente


129
especializadas”.
Efetivamente, o defeito mais destrutivo e fundamental na estrutura
jurídica de países pobres está na execução inadequada de direitos de
propriedade e de contratos, que são violados sem que as vítimas tenham
acesso aos remédios jurídicos adequados:

Os tribunais mexicanos avaliam juros de mora em cobranças de


dívidas com taxas abaixo do mercado. Devedores,
conseqüentemente, ganham ao usar a lei para retardar pagamentos.
Um dos homens de negócios mais ricos do México, Ricardo Salinas,
começou a construir sua fortuna ao descobrir como evitar tribunais e
ainda cobrar dívidas de pessoas pobres que compram produtos
duráveis de consumo. Para cobrar as dívidas, ele alistou a ajuda dos
parentes dos mutuários. A situação é pior na Índia, onde cobrar uma
dívida através dos tribunais demora anos ou mesmo décadas. Em
alguns países os juízes regularmente aceitam propinas para decidir
um caso. Por exemplo, um amigo indonésio me disse que ao invés de
130
julgar casos, os tribunais de instância inferior os “leiloam”.

Portanto, várias são as consequências da morosidade, tanto de


natureza econômica quanto social, uma vez que a atuação do Poder Judiciário
produz impactos significativos em todos os setores, que devem ser
considerados na análise do problema na lentidão da justiça.

2.1 O descrédito na justiça


O Poder Judiciário é um poder autônomo, de enorme significado
para o panorama constitucional das liberdades públicas, sendo que a chave do
sistema republicano de estados democráticos está na sua autonomia e
independência, porque a ele incumbe assegurar a consolidação dos princípios
supremos da Nação, dos direitos fundamentais, da certeza e segurança das
relações jurídicas.131

129
COOTER, Robert. Direito e desenvolvimento: inovação, informação e a pobreza das
nações. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 5, n. 17, p. 165-190,
jan./mar. 2007, p. 180.
130
COOTER, Robert. Direito e desenvolvimento: inovação, informação e a pobreza das
nações. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 5, n. 17, p. 165-190,
jan./mar. 2007, p. 180-181.
131
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 3. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 847.
52

De fato, a importância do Judiciário vem sendo cada vez mais


reconhecida, não só pela tarefa de administrar a justiça, mas, principalmente,
como guardião da Constituição, conforme ensina Alexandre de Moraes:

O Poder Judiciário é um dos três poderes clássicos previstos pela


doutrina e consagrado como poder autônomo e independente de
importância crescente no Estado de Direito, pois, como afirma
Sanches Viemonte, sua função não consiste somente em administrar
a Justiça, sendo mais, pois seu mister é ser o verdadeiro guardião da
Constituição, com a finalidade de preservar basicamente os princípios
da legalidade e da igualdade, sem os quais os demais se tornariam
vazios. Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado
democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário
autônomo e independente para que exerça sua função de guardião
das leis, pois, a chave do poder do judiciário se acha no conceito de
132
independência.

Assim, embora seja desnecessário discorrer sobre a importância de


um Poder Judiciário que decida com relativa rapidez as questões a ele levadas,
a lentidão nas decisões faz com que não se acredite na sua eficiência, daí
porque é necessário que ele seja rápido e operativo, garantindo principalmente
às classes menos favorecidas os seus direitos, bem como que seja qualificado
e confiável.133
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, em abril de
1999, 58% dos entrevistados consideravam a justiça brasileira incompetente,
contra apenas 34% que a julgavam competente. Por outro lado, 89% afirmaram
ser a justiça morosa, contra apenas 7% que a tinham como rápida. Em uma
pesquisa anterior, realizada pelo IBGE em 1990, concluiu-se que dois em cada
três brasileiros envolvidos em conflitos preferiam não recorrer à justiça.134
Mais recentemente, pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que ouviu a opinião de 2.770 pessoas
de todos os estados, revelou que, de 0 a 10, o brasileiro deu nota 4,55 para o
Judiciário. O quesito que recebeu a pior nota foi “honestidade dos magistrados”

132
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1276.
133
BARBOSA, Júlio César Tadeu. O que é justiça. 6. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p.
59.
134
PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In:
ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005. p. 246.
53

(1,17), seguido de “rapidez na decisão dos casos” e “imparcialidade dos


magistrados”, que tiveram nota 1,18.135
Segundo a pesquisa, entre os fatores que provocaram a avaliação
negativa está a demora na resolução dos casos e a grande quantidade de
processos acumulados, o que atrai a nota geral para baixo:

Um esforço adicional pode ser orientado para quantificar o impacto


que essas dimensões específicas produzem sobre a nota geral.
Nesse sentido, conforme síntese da Tabela 6, é possível observar
que as dimensões de rapidez na decisão dos casos e de produção de
decisões boas são as que têm maior impacto. Melhorando-se a
percepção sobre essas dimensões de 0 (muito mal) para 4 (muito
bem), aumenta-se, em média, 2,50 e 2,00 pontos na nota geral,
respectivamente. Assim, os dados parecem indicar que, para a
avaliação geral que o conjunto da população brasileira faz da justiça,
tão importante quanto o rápido trâmite dos processos é a produção
de resultados que ajudem na resolução dos conflitos e afirmem um
136
sentido de justiça nos casos concretos.

O principal efeito da morosidade é o desgaste na imagem do Poder


Judiciário como instituição responsável pela resolução dos conflitos existentes
na sociedade, bem como para garantir o estado democrático de direito, uma
vez que se a justiça não é efetiva em tempo certo, toda a lesão ou ameaça de
lesão acaba tendo um aval implícito decorrente dessa disfuncionalidade.137
O que se espera do Poder Judiciário brasileiro é que ele produza
justiça, garantindo os direitos de todas as pessoas do povo e resolvendo
rapidamente e com equidade os conflitos de direito, mas o que se vê é que ele
está fora do tempo e mesmo trabalhando muito produz pouco. As enormes
inadequações e insuficiências vão desde a formação dos juízes, que devem ser
debitadas aos cursos jurídicos, mas que são agravadas pela acomodação dos
próprios juízes e por seu método de trabalho, até os vícios institucionais do

135
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Sistema de indicadores de percepção social.
Brasília, 2010. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_justica.pdf>. Acesso
em: 09 jan. 2011.
136
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Sistema de indicadores de percepção social.
Brasília, 2010. p. 12. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_justica.pdf>. Acesso
em: 09 jan. 2011.
137
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 165.
54

Poder Judiciário, que lhe dão a imagem de lento, formalista, elitista e distante
da realidade social, tudo isso compõe um quadro desfavorável ao prestígio da
magistratura.138
A consequência primordial da lentidão da justiça é o descrédito e
desgaste do Poder Judiciário, cuja imagem fica, cada vez mais,
desprestigiada.139
O Poder Judiciário, em razão da morosidade, tende a perder o
reconhecimento da sociedade e a sua própria legitimidade, conforme adverte
José Eduardo Faria:

No caso específico do Judiciário, sua legitimidade depende da


certeza de toda a sociedade de que suas sentenças serão
pronunciadas, da disposição das partes de acatá-las e da confiança
generalizada de todos os setores e segmentos sociais na firmeza da
instituição como um fator impeditivo da multiplicação dos conflitos.
Ora, diante do esvaziamento de muitas de suas prerrogativas, em
face aos múltiplos centros normativos emergentes, dos diferentes
processos de negociação paraestatal e dos mecanismos auto-
regulatórios comuns ao fenômeno da globalização econômica, bem
como da timidez revelada até agora pela magistratura na aplicação
dos direitos sociais, o judiciário, evidentemente, tende a perder o
reconhecimento da sociedade; a confiança dos atores sociais em sua
atuação tende a se exaurir; e as partes, no âmbito de um processo
judicial, tendem a acatar seletivamente as sentenças, cumprindo-as
quando lhe são favoráveis ou negociando sua execução, quando
140
desfavoráveis.

De fato, a consequência primordial da lentidão da justiça é o notório


descrédito do Poder Judiciário, cujo acúmulo de serviço tende a diminuir em
considerável proporção à qualidade e o acerto dos pronunciamentos judiciais,
de sorte que a cada momento fica mais desprestigiada a sua imagem.141

2.2 A impunidade

138
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 77-78.
139
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
110.
140
FARIA, José Eduardo. O Poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas.
Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995. p. 57.
141
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
110-111.
55

A morosidade, além de desacreditar o Poder Judiciário, também


causa a impunidade, uma vez que justiça que tarda é falha e não é justiça, na
medida em que justiça significa dar a cada um o que é seu, o que se mostra
prejudicado se a prestação jurisdicional não se der em tempo razoável.
Impunidade significa a ausência de punição ou falta de sanção penal
em face da imputação criminosa feita à pessoa, podendo ocorrer tanto em
razão da ausência de aplicação da pena quanto por força do não cumprimento
da pena declarada ou aplicada.142
Para Myriam Mesquita, impunidade é o gozo da liberdade, ou de
isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de
haver cometido alguma ação passível de penalidade, bem como o não
cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou
algum delito.143
Impunidade, assim, significa a ausência de punição, apesar de a
pessoa ter cometido algum fato punível, seja pela não aplicação da lei a
determinado caso concreto, seja pela impossibilidade de punição em face da
demora na aplicação da lei penal. Portanto, a impunidade está, em grande
parte, relacionada ao problema da morosidade da justiça, que prejudica todas
as esferas do direito, inclusive a criminal.
A impunidade estimula a delinquência, pois a certeza da não
aplicação da lei penal incentiva a prática delitiva, conforme de há muito
perceberam os romanos ao formular o brocardo jurídico impunitas peccandi
illecebra.144
Ademais, a impunidade estimula a violência e a corrupção porque
difunde a ideia de que vale a pena cometer ilícitos, já que os infratores da lei
penal geralmente são punidos, não raras vezes em razão da morosidade da
justiça.
Segundo Rui Stoco, há causas legais, ilegais e supralegais de
impunidade. Entre as causas supralegais de impunidade, podem ser citadas as

142
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 418.
143
MESQUITA, Myriam. Violência, segurança e justiça: a construção da impunidade. Revista
de Administração Pública, Rio de Janeiro, v 32, n. 2, p. 109-134, mar./abr. 1998, p. 110.
144
Em vernáculo: a impunidade estimula a delinquência.
56

seguintes: desaparelhamento do Poder Judiciário; número insuficiente de


Juízes; insuficiência de recursos para o Poder Judiciário; lentidão da justiça,
provocando a prescrição retroativa ou intercorrente, em razão dos prazos
prescricionais curtos.145
A impunidade conturba o estrato social ao transitar em todas as suas
camadas, permeando, trespassando e rompendo sua formação moral e
enfraquecendo sua estrutura. Gera, ainda, corrupção, violência, bem como
incentiva a tortura, o desrespeito ao ser humano, conduzindo ao
recrudescimento da criminalidade, à desordem social e à insegurança,
fazendo-nos todos prisioneiros em nossas próprias casas.146
Segundo as teorias mistas ou unificadoras, mais aceitas atualmente,
os fins da pena devem ser agrupados em um conceito único. Assim, a
prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e
complexo fenômeno chamado pena, a qual tem a dupla função de punir o
criminoso e prevenir a prática do crime.147
Por outro lado, não é a crueldade das penas um dos maiores freios
dos delitos, senão a infabilidade delas e, por conseguinte, a vigilância dos
magistrados, e aquela severidade inexorável do juiz, que para ser virtude útil
deve estar acompanhada de uma legislação suave. A certeza do castigo, ainda
que moderado, fará sempre maior impressão que o temor de outro mais
terrível, unido com a esperança da impunidade.148
De fato, não é a crueldade da pena que tem um efeito dissuasório
sobre a delinquência, mas sim a rapidez e a certeza de sua aplicação. Assim, a
morosidade da justiça contribui para o problema da impunidade, já que a
entrega da prestação jurisdicional penal tardiamente não pune o criminoso e
não previne a prática do crime de forma adequada.

145
STOCO, Rui. Impunidade - razões e formas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 86, v.
742, p. 466-475, ago./1997, p. 471.
146
STOCO, Rui. Impunidade - razões e formas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 86, v.
742, p. 466-475, ago./1997, p. 473.
147
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. v. 1. 6. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 82-84.
148
BECCARIA, Cesare. Tratado de los delitos y de las penas. Buenos Aires: Heliasta, 1993.
p. 116.
57

Segundo Luiz Flávio Gomes, um dos filtros da impunidade no Brasil


é o filtro da comprovação legal e judicial do delito, exigência do princípio da
presunção de inocência, uma vez que nem todos os casos denunciados são
provados, especialmente porque vítimas e testemunhas desaparecem em
razão da morosidade e do atraso tecnológico da justiça. Há, ainda, o filtro da
prescrição, pois a morosidade da justiça causa a multiplicidade de prescrições
(prescrição pela pena máxima em abstrato, prescrição retroativa, prescrição
intercorrente, prescrição da pretensão executória, prescrição antecipada ou em
perspectiva).149
Rogério Lauria Tucci esclarece que entre as causas da impunidade
está a investigação criminal, que se dá de forma totalmente desordenada,
acarretando não apenas a insuficiência de elementos de convicção como
também a delonga na conclusão de sua colheita, de sorte a propiciar uma
demora de anos, até mesmo de décadas, na tramitação de procedimentos
atinentes ao processo penal de conhecimento, além da morosidade ínsita à
atuação dos órgãos da justiça criminal, agravada por incidentes de toda
ordem.150
A multifariedade de promulgação de leis, com disposições não
poucas vezes conflitantes e até contraditórias, representa um incentivo à
impunidade, mostrando-se indispensável uma consolidação legislativa coerente
e efetiva. Ademais, mostra-se imprescindível, também, o aperfeiçoamento do
sistema procedimental penal, revigorando-o e desburocratizando-o com o
saudável propósito de sua realização em prazo razoável, na forma
universalmente exigida pelos diversos pactos e convenções preocupados com
a garantia e a preservação dos direitos humanos.151

149
GOMES, Luiz Flávio. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? (esboço de um decálogo
dos filtros da impunidade). Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-38, set./dez. 2001. p. 36-37.
Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/433/614>. Acesso em: 05
jan. 2010.
150
TUCCI, Rogério Lauria. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Como combatê-la?
Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-39, set./dez. 2001. p. 36. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/431/612>. Acesso em: 04 jan. 2010.
151
TUCCI, Rogério Lauria. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Como combatê-la?
Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 39-42, set./dez. 2001. p. 37. Disponível em:
<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/431/612>. Acesso em: 04 jan. 2010.
58

A responsabilidade pela existência da impunidade deve ser


partilhada entre o estado e a sociedade. Em relação à atuação do estado, está
em questão a responsabilidade institucional pelo descrédito/desigualdade nos
procedimentos de distribuição da justiça e ineficácia/morosidade dos órgãos
encarregados da administração da justiça e garantia da ordem. Por sua vez, a
sociedade acredita que a impunidade está na insuficiência ou ausência de
legislação, passando a reivindicar a elaboração de leis mais do que seu efetivo
cumprimento:

A população, desesperada, totalmente incrédula, sem ter a mínima


idéia da quantidade enorme de fatores que contribuem para a
impunidade e sem ter a mínima idéia de como combatê-los, pede o
irracional (pena de morte), o inconstitucional (prisão perpétua), o
absurdo (agravamento de penas, mais rigor na execução) e o
aberrante (diminuição da maioridade penal). Percebe a anomia e
pede mais leis! Percebe que o Direito penal não funciona, mas crê
que o problema está na pena anterior fixada (que foi insuficiente). O
Poder Político (muitas vezes demagogicamente), por seu turno,
atende (Lei dos Crimes Hediondos, p. ex.) ou faz gestos de que vai
152
atender todos ou alguns desses atávicos reclamos.

Assim, a certeza da impunidade favorece o aumento da


criminalidade e dos desvios de conduta, pois na área penal e processual penal
existem vários filtros que dificultam a condenação ou o cumprimento das
penas, sem falar na impunidade cível, cujo processo desenvolve-se de forma
muito mais lenta e burocratizada.153
Todavia, tal impunidade privilegia as classes mais abastadas, pois o
poder econômico e político está habituado a apropriar-se do estado para fins
particulares e escusos, usando a máquina policial e contando com a conivência
do sistema judiciário, este também em situação de precariedade funcional
extrema, sendo raro, ou quase improvável, que algum criminoso de elite vá
para a cadeia.154

152
GOMES, Luiz Flávio. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? (esboço de um decálogo
dos filtros da impunidade). Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-38, set./dez. 2001. p. 37.
Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/433/614>. Acesso em: 05
jan. 2010.
153
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 192.
154
MARIANO, Benedito Domingos. Por uma nova política de segurança e cidadania. São
Paulo: Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, 1994. p. 9-10.
59

Por outro lado, não somente a sociedade é prejudicada com a


morosidade, já que todas as “adversidades que afloram da tutela jurisdicional
intempestiva são, com toda a certeza, ainda mais graves e danosas no âmbito
penal, em virtude da restrição à liberdade do acusado determinada pela
persecutio criminis”.155
De fato, quando a duração de um processo supera o limite do
razoável, o estado se apossa ilegalmente do tempo do particular, de forma
dolorosa e irreversível, pois o processo em si já é uma pena, mesmo que ainda
inexista uma prisão cautelar.156

2.3 A insegurança jurídica


O artigo 2º, inciso XXXVI da Constituição da República preceitua
que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”. A proteção a esses três institutos configura a mola mestra do princípio
da segurança jurídica, que pode apresentar-se sob duas formas, ou seja, de
maneira objetiva ou subjetiva.
A segurança jurídica, em seu enfoque objetivo, também conhecido
como segurança jurídica em sentido estrito, significa a existência de
ordenamento jurídico estruturado por meio de normas e instituições
plenamente vigentes, viabilizando a todos o acesso às regras jurídicas, tanto
ativa quanto passivamente.
Já em seu aspecto subjetivo, conhecido também como princípio da
proteção da confiança, segurança jurídica significa a certeza do direito, isto é, a
possibilidade de conhecimento do direito pelos respectivos destinatários,
oportunizando a ciência precisa e inequívoca daquilo que lhes pertence.
A regra constitucional segundo a qual a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada apresenta o princípio em sua
faceta subjetiva, pois seu objetivo é garantir a certeza do direito.

155
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
114.
156
LOPES JR. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. I. 4.
ed. rev. e atual. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 143.
60

Assim, a segurança jurídica nada mais significa do que a existência


de um ordenamento jurídico estruturado e em perfeito funcionamento, que
permita a todos o pleno conhecimento dos direitos e obrigações, bem como
garanta a segurança objetiva nas situações pessoais.157
Portanto, “toda sociedade deverá possuir uma ordem jurídica,
estando o Princípio da Segurança Jurídica, implícito ao seu valor justiça. Tal
princípio é composto por diversos institutos, tais como, respeito aos direitos
adquiridos, o devido processo legal, irretroatividade da lei, entre outros”.158
A segurança jurídica significa que as normas e regras de
determinado estado serão cumpridas tanto pelos agentes do estado quanto
pelos entes privados que atuam em seus limites, devendo o estado instituir
órgãos especiais para a criação e implementação dessas regras, pois é através
delas que o estado regula as relações entre as pessoas que fazem parte dele e
as de outros estados.159
O bom funcionamento da economia depende, cada vez mais, de
instituições formais e informais, sejam elas normas, leis, usos e costumes, que
forneçam os estímulos e garantias adequados para a atividade econômica e o
crescimento, sendo que os elementos mais importantes para o bom
funcionamento de uma economia de mercado são os seguintes: a garantia ao
direito de propriedade; o respeito aos contratos; um mecanismo isento de
resolução de conflitos.160
Assim, justiça morosa causa insegurança jurídica, já que o Poder
Judiciário não aplica o direito ao caso concreto em tempo razoável, causando
uma intranquilidade para toda a sociedade pela indefinição sobre a validade ou
não de determinada norma jurídica.

157
SILVA, Bruno Boquimpani. O Princípio da segurança jurídica e a coisa julgada
inconstitucional. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=183>. Acesso em: 29 dez.
2010.
158
CHACON, Paulo Eduardo de Figueiredo. O Princípio da segurança jurídica. Disponível
em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4318>. Acesso em: 30 dez. 2010.
159
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 43.
160
MONTORO FILHO, André Franco. Convite ao diálogo. In: Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. xii.
61

De fato, com instabilidade jurídica não existe democracia nem


estado de direito, prejudicando a sociedade como um todo, bem como as suas
atividades, as suas organizações e instituições, a economia, a produção e o
consumo, trazendo riscos para a existência do próprio estado e da
sociedade.161
A segurança jurídica configura uma característica essencial do
estado democrático de direito, uma vez que é o sustentáculo das relações
jurídicas, pois é a garantia de que uma determinada situação de direito não
será alterada. Tal afirmação ganha especial relevo “à medida que o
pronunciamento judicial acerca de uma questão posta à apreciação deve ser
respeitado, sob pena de inversão de valores e desestabilização nas relações
jurídicas”.162
Todavia, no Estado de Direito a segurança jurídica não decorre
apenas da estabilidade, certeza, previsibilidade e calculabilidade do
ordenamento jurídico positivo, mas também do respeito a esses preceitos
gerais na sua interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário, de sorte que a
segurança jurídica requer que esses preceitos sejam respeitados em quatro
dimensões da atuação da justiça: a) na informada, fiel e imparcial aplicação da
lei pelos magistrados; b) na própria construção da norma, que ocorre quando o
Judiciário interpreta as regras gerais e abstratas criadas pelo legislador,
formando jurisprudência que ajuda a estabilizar a sua aplicação e
interpretação; c) na uniformidade da interpretação e aplicação da norma pelos
diferentes tribunais; d) no controle do arbítrio estatal, freando as ações da
administração pública que vão contra a norma ou que sejam voltadas para
rever, modificar ou invalidar seus atos pretéritos, bem como atuando como
guardião maior do princípio da segurança jurídica.163

161
BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p. 193-194.
162
BARROS, Evandro Silva. Coisa julgada inconstitucional e limitação temporal para a
propositura da ação rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo,
a. 12, n. 47, p. 55-98, abr./jun. 2004, p. 83-84.
163
PINHEIRO, Armando Castelar. PIB potencial e segurança jurídica no Brasil. In: SICSÚ,
João; MIRANDA, Pedro. (Orgs.). Crescimento econômico: estratégias e instituições. Rio de
Janeiro: Ipea, 2009. p. 33-34.
62

Por outro lado, segurança jurídica não se confunde com certeza


jurídica, pois esta expressa o estado de conhecimento da ordem jurídica pelas
pessoas, enquanto aquela significa a garantia dada a um indivíduo, a seus
bens e a seus direitos, de que sua situação não será alterada senão por
procedimentos regulares previstos na legislação.164
Segundo Evandro Silva Barros, o princípio da segurança foi inserido
na Carta Magna de 1988 como gênero, subdividindo-se em várias espécies,
entre as quais se encontra a segurança jurídica.165
Em um estado democrático de direito como o nosso, a previsão
constitucional do princípio da segurança jurídica justifica-se na medida em que
“o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas
incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de
acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos
duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”.166
A segurança jurídica, entendida como direito fundamental a um
conjunto de regras jurídicas razoavelmente estruturadas, bem como a um
mínimo de estabilidade nas relações jurídicas, notadamente quando já
confirmadas pelo Poder Judiciário, configura-se alicerce do estado democrático
de direito.
Com efeito, em estados de Direito que não sejam democráticos, tal
previsão constitucional de direito à segurança jurídica resta inócua, na medida
em que em estados autoritários as regras constitucionais podem ser
desrespeitas sem maiores consequências, o que tornaria sem efeito qualquer
previsão constitucional nesse sentido.
Por outro lado, em Estados Democráticos de Direito, onde as regras
jurídicas são democraticamente discutidas e só então inseridas na
Constituição, a inobservância das normas positivadas acarreta sanções desde

164
WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. p. 31-32.
165
BARROS, Evandro Silva. Coisa julgada inconstitucional e limitação temporal para a
propositura da ação rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo,
a. 12, n. 47, p. 55-98, abr./jun. 2004, p. 85.
166
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina,
1992. p. 377.
63

logo previstas pela própria Constituição, de modo a não incentivar o seu


descumprimento.
Assim, o princípio da segurança jurídica garante a aplicação das
regras jurídicas previamente elaboradas, bem como o respeito aos direitos
subjetivos regularmente constituídos, especialmente quando já homologados
pelo Poder Judiciário, dando uma especial proteção da confiança ou
tranquilidade do espírito.
Aliás, os institutos da prescrição e da decadência também existem
para resguardar a estabilidade das relações jurídicas, de sorte que o decurso
do prazo pode significar mais um incremento em prol da segurança jurídica.
Todavia, embora geralmente os direitos possam extinguir-se pela prescrição e
decadência, vale lembrar que existem situações em que tais institutos não
operam em face da relevância dos direitos imunizados pela lei.
O princípio da segurança jurídica é um dos pilares sobre os quais se
assenta o estado de Direito, que é aquele em que o poder é limitado pela
ordem jurídica, que deve ser firme para assegurar a estabilidade das relações
jurídicas.
Por outro lado, tão importante quanto a existência de regras jurídicas
previamente elaboradas é a existência de instituições – no caso, o Poder
Judiciário – que garantam a segurança jurídica, sem as quais a própria
democracia resta prejudicada.
A insegurança jurídica aumenta a incerteza e, consequentemente, o
custo de fazer negócios. De fato, o proprietário de um terreno que não tenha a
garantia de posse é obrigado a ficar por perto, na falta de um contrato eficaz,
de maneira que a sua presença evite a expropriação. Todavia, tal obrigação
representa um custo, consubstanciado naquilo que ele deixa de ganhar para
fazer valer um direito já adquirido.167 O mesmo acontece quando não há
instituições jurídicas firmes para garantir os contratos, quando existentes.
Assim, não há duvida de que a morosidade da justiça prejudica a
segurança jurídica, pois a demora na aplicação das leis e na solução dos

167
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
14.
64

conflitos torna as relações jurídicas instáveis, comprometendo a indispensável


confiança no ordenamento jurídico vigente.
A segurança jurídica é fundamental para a eficiência dos sistemas
judicial e econômico, englobando uma série de elementos essenciais para a
sua caracterização, sendo que a falta de segurança jurídica é um dos maiores
problemas da governabilidade.168
Segundo Klaus Leisinger, decisões sobre investimentos ou outros
projetos são facilitadas diante de cinco condições básicas: o conjunto de leis
existente deve ser conhecido de antemão, ou seja, não pode haver leis
retroativas; o conjunto de regras precisa vigorar na realidade, não podendo
haver divergências entre o texto e a realidade da lei; a aplicação das regras
precisa ser flexível, mas não arbitrária; conflitos devem ser dirimidos por
decisões proferidas por um judiciário independente ou órgão de arbitragem;
deve haver a possibilidade de adaptar novos conteúdos para regras que se
tornaram sem sentido ou inadaptadas.169
A tempestiva aplicação das leis por parte do Poder Judiciário, como
guardião da segurança jurídica, contribui sobremaneira para a estabilidade das
relações jurídicas, bem como para o desenvolvimento da economia.
Por outro lado, a segurança jurídica é um dos pilares do
desenvolvimento, abrangendo a estabilidade legislativa e a estabilidade
judiciária:

3. Não se deu, todavia, a devida atenção a um outro ingrediente


necessário e indispensável ao desenvolvimento que é a segurança
jurídica, abrangendo duas vertentes que são, respectivamente, a
estabilidade legislativa e a estabilidade judiciária.
4. Numa fase na qual sociólogos e economistas superaram a sua
anterior posição de relativa ignorância do direito e dos seus efeitos
sobre a evolução da sociedade, generalizou-se o entendimento de
acordo com o qual a boa, coerente e racional aplicação da lei é
condição básica do desenvolvimento. Na medida em que os
economistas modernos, ultrapassam os estudos meramente
quantitativos para, voltando a algumas das suas antigas tradições,
examinar as repercussões da ética na economia, estão
reconhecendo, também, a importância da prevalência do Estado de

168
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 47-48.
169
Apud: CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 48.
65

Direito. E é possível que, com o decorrer do tempo, admitam que a


função do direito consiste justamente em subordinar a economia à
170
ética.

Assim, a insegurança jurídica é uma das consequências da


morosidade da justiça, já que o sistema judiciário ineficiente e lento causa
intranquilidade a respeito da aplicação ou não de determinada norma jurídica
quando questionada em juízo.

2.4 A violação do direito de acesso à justiça


Um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça brasileira é
o tempo de tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional efetiva e
significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o processo
“será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.171
Segundo Rogério Nunes de Oliveira, a ideia de efetividade do
processo impõe “a conclusão de que o acesso à Justiça e a noção de razoável
duração de um processo judicial não se limitam ao simples reconhecimento de
um direito, mas à efetiva e rápida concretização material da pretensão do
jurisdicionado”.172
A demora na entrega da prestação jurisdicional compromete os
escopos sociais da jurisdição e do processo, uma vez que ninguém
desconhece que justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta, conforme
feliz observação de Rui Barbosa, não sendo capaz de produzir a pacificação
social.173
Para Cândido Rangel Dinamarco, a função jurisdicional e a
legislação estão ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambos, a paz
social. Ainda segundo o autor, espera-se que o Estado chegue efetivamente

170
WALD, Arnoldo. A Estabilidade do direito e o custo Brasil. Revista Jurídica da
Presidência, Brasília, v. 1, n. 6, out./nov. 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_06/Estabilidade_direito.htm>. Acesso em: 30
nov. 2010.
171
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 183.
172
OLIVEIRA, Rogério Nunes de. A Morosidade da entrega da jurisdição e o direito à razoável
duração do processo judicial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos, ano IV,
n. 4, p. 609-644, 2003, p. 615.
173
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa,
1999. p. 40.
66

aos resultados propostos pela jurisdição, como expressão do poder político,


uma vez que, “saindo da extrema abstração consistente em afirmar que ela
visa à realização da justiça em cada caso e, mediante a prática reiterada, à
implantação do clima social de justiça, chega o momento de com mais precisão
indicar os resultados que, mediante o exercício da jurisdição, o Estado se
propõe a produzir na vida da sociedade”.174
Por outro lado, o direito de acesso à justiça significa muito mais do
que o simples direito de ação, devendo o estado garantir a efetividade da
justiça, uma vez que não basta a entrega da prestação jurisdicional, mas,
principalmente, que ela seja prestada de maneira tempestiva.
Tanto é assim que se o acesso à justiça significasse apenas o
ajuizamento de ações e a apresentação de defesa, o Brasil não estaria mal, já
que as custas processuais não são tão altas, se comparadas ao custo do
processo alemão, para cuja sucumbência deve-se fazer seguro. Ademais, é
fácil litigar no Brasil, pois não se exige declaração prévia de crença na
sinceridade da demanda, o advogado não jura sob a Bíblia a respeito de sua
atuação, como na Inglaterra, bem assim o acusado não precisa dizer a
verdade, sob pena de perjúrio, como ocorre nos Estados Unidos.175
Portanto, o direito de acesso à justiça significa não só o direito à
qualidade dos serviços jurisdicionais, mas também o direito à tempestividade
da tutela jurisdicional e à sua efetividade, razão pela qual “não basta alargar o
âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também
indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a
oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo”.176
A expressão “acesso à justiça”, embora de difícil compreensão,
serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: propiciar às

174
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 193.
175
BENETI, Sidnei Agostinho. Demora judiciária e acesso à justiça. Revista dos Tribunais,
São Paulo, a. 84, v. 715, p. 377-378, maio/1995, p. 377.
176
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 133.
67

pessoas o direito de reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os
auspícios do estado e produzir resultados individual e socialmente justos.177
Por meio do direito de acesso à justiça, ou direito de acesso à ordem
jurídica justa, que não significa apenas a possibilidade de ingresso em juízo,
deve-se permitir a maior gama de pessoas e causas ao processo, a
observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, o direito
ao contraditório, a efetividade de uma participação em diálogo, tudo com vistas
a viabilizar uma solução justa e capaz de eliminar todo o resíduo de
insatisfação.178
O direito de acesso à justiça fez-se perceber, definitivamente, no
pós-guerra, com a consagração constitucional dos novos direitos, ocasião em
que o acesso à justiça passou a ser um direito garantidor de todos os demais
direitos.179
Ademais, modernamente, ninguém mais duvida de que a amplitude
da garantia constitucional de acesso à tutela jurisdicional do estado significa
também o direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, que é um direito
fundamental instrumental, pois a sua não efetividade compromete todos os
outros direitos fundamentais.180
Com efeito, sem o acesso à justiça, os novos direitos sociais e
econômicos seriam meras declarações políticas, apenas de caráter
mistificador:

Foi no entanto no pós-guerra que essa questão explodiu. Por um


lado, a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e
sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar
transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneira,
um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez
destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os
novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações

177
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 8.
178
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 33.
179
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 25.
180
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A Efetividade do processo e a nova regra do art. 14 do CPC. In:
CALMON, Eliana; BULOS, Uadi Lammêgo (Coords.). Direito processual (inovações e
perspectivas): estudos em homenagem ao ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 356.
68

políticas, de conteúdo e função mistificadores. Daí a constatação de


que a organização da justiça civil e em particular a tramitação
processual não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica,
socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela teoria
processualista, devendo investigar-se as funções sociais por elas
desempenhadas e em particular o modo como as opções técnicas no
seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais
divergentes ou mesmo antagônicos (interesses de patrões ou de
operários, de senhorios ou de inquilinos, de rendeiros ou de
proprietários fundiários, de consumidores ou de produtores, de
homem ou de mulheres, de pais ou de filhos, de camponeses ou de
181
citadinos, etc. etc).

O direito de acesso à justiça pertence a todos quantos aleguem


lesão a direitos, pessoas físicas, jurídicas e até algumas entidades
despersonalizadas e entes formais (condomínio, massa falida etc.) e deve ser
entendido não apenas como o direito de ação:

O conteúdo desta garantia era entendido, durante muito tempo,


apenas como a estipulação do direito de ação e do juiz natural.
Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua
efetiva concretização. É necessário ir-se além. Surge, assim, a noção
de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a simples garantia formal
do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta
182
prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada.

A rapidez significa que o processo deve tramitar sem dilações


indevidas, devendo demorar apenas o tempo necessário para garantir o
contraditório e a ampla defesa. Já o processo efetivo é “aquele que, observado
o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o
resultado desejado pelo direito material”.183
Ainda, o estado tem o dever de prestar não só a tutela efetiva do
direito, mas também adequada, sob pena de ofensa ao direito de acesso à
justiça:

O legislador tem o dever, diante do direito fundamental à tutela


jurisdicional efetiva, de instituir as técnicas processuais idôneas à

181
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In:
FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática,
1989. p. 45-46.
182
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 107.
183
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual.
São Paulo: Malheiros, 2006. p. 49.
69

tutela jurisdicional das diversas situações de direito material. Essas


situações de direito material, ou as necessidades de tutela dos
direitos, devem ser compreendidas pelo legislador, pois de outra
forma o direito material certamente não encontrará resposta efetiva
184
na jurisdição.

Todavia, somente haverá tutela jurisdicional efetiva e,


consequentemente, direito de acesso à justiça, se a tutela jurisdicional for
prestada pelo estado em tempo razoável, já que processo moroso significa,
quase sempre, processo não efetivo, notadamente porque o tempo impede o
titular do direito de obter, por meio da jurisdição, tudo aquilo que lhe pertence.
Tanto é assim que o tempo é considerado um dos obstáculos ao
acesso à justiça, pois a delonga do processo tem efeitos devastadores para a
parte que tem razão:

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial


precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão
exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados
os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os
custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a
abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito
inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para
Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º que a Justiça que
não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ é, para
185
muitas pessoas, uma Justiça inacessível.

Assim, a duração excessiva do processo contrapõe-se à sua


efetividade, pois não há dúvida de que um dos temas recorrentes na história do
processo e sua evolução é o problema da relação entre a certeza, alcançável
por meio de meditação e ponderação da decisão, a fim de evitar a injustiça, e a
exigência de rapidez na conclusão do processo.186
De tanta importância, o direito de acesso à justiça, juntamente com a
tramitação do processo em tempo adequado, enquadra-se na categoria de
direito humano, já que indispensável para garantir a dignidade da pessoa
humana:

184
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 33.
185
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 20-21.
186
CARPI, Federico. La provvisoria esecutorietà della sentenza. Milano: Giuffrè, 1979. p. 11.
70

A tramitação dos processos em um tempo adequado é acima de tudo


um direito de dignidade, que impõe o respeito às carências de uma
qualquer pessoa obrigada (até mesmo involuntariamente!) a passar
pelo incômodo de servir-se da Jurisdição para o resguardo de uma
posição jurídica. Que o direito seja respeitado não só pela
necessidade de dar eficácia à decisão, mas por uma questão humana
de consideração pelas inquietações – inclusive emocionais, angústias
mesmo – que a expectativa de uma ação judicial pendente
187
provoca.

Segundo De Plácido e Silva, direito humano é a “designação dada a


todo Direito instituído pelo homem, em oposição ao Direito que se gerou das
revelações divinas feitas ao homem”.188
Esse conceito singelo, todavia, não serve para explicitar
satisfatoriamente a dimensão do direito humano, razão pela qual se mostra
conveniente analisar, pormenorizadamente, o conceito de direito humano.
Flávia Piovesan fala na chamada concepção contemporânea de
direitos humanos, que dá primazia ao valor dignidade humana, verdadeiro
superprincípio do constitucionalismo contemporâneo.189
Assim, dentro do conceito de direito humano, encontra-se
principalmente a preocupação com a dignidade humana, que é valor e princípio
subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, razão pela qual a sua
transposição para o domínio do Direito não é tarefa singela, conforme
esclarece Luís Roberto Barroso:

O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade


a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no
mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se
professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a
liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de
subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos
estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um
símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância,
da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade

187
ARRUDA, Samuel Miranda. Direito fundamental à razoável duração do processo.
Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 81.
188
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 274.
189
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos
sistemas regional europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11-12.
71

de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser,


190
pensar e criar.

No âmbito de abrangência da dignidade humana inclui-se a proteção


do mínimo existencial, ou seja, um conjunto de bens e utilidades básicas para a
subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. O elenco
das prestações que compõem o mínimo existencial comporta variações
conforme a visão subjetiva de cada um, mas certamente engloba um elemento
instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e
efetivação dos direitos.191
Assim, o direito de acesso à justiça pode ser considerado o mais
importante dos direitos, na medida em que dele depende a concretização dos
demais direitos:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente


reconhecido como sendo de importância capital entre os novos
direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é
destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva
reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como
o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de
um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não
192
apenas proclamar os direitos de todos.

Na verdade, não é fácil a definição de direito humano, pois qualquer


tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à
exatidão, a sua especificidade de conteúdo e abrangência.193
Para Alexandre de Moraes, “o conjunto institucionalizado de direitos
e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua
dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o
estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da

190
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 252.
191
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.
192
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 11-12.
193
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à constituição federal:
princípios fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 211.
72

personalidade humana pode ser definido como direitos humanos


194
fundamentais”.
Portanto, a finalidade principal dos direitos humanos é manter a
dignidade da pessoa humana, protegendo-a contra o arbítrio do estado ou de
qualquer particular.
O início da existência dos direitos humanos aparece num período
denominado “período axial”, compreendido entre os séculos VIII e II A.C, o qual
formaria o eixo histórico da humanidade, época em que se enunciaram os
grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida que
vigoram até hoje.195
Por outro lado, cumpre fazer uma distinção entre direitos humanos e
direitos fundamentais, que são direitos diversos, embora normalmente
utilizados como sinônimos.
A expressão direitos humanos tem relação com os documentos de
direito internacional, pois se refere às posições jurídicas que reconhecem o ser
humano como tal, sem vinculação à determinada ordem constitucional de um
estado, razão pela qual são universalmente válidos e têm caráter
supranacional.
Os direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos humanos
reconhecidos e positivados na esfera constitucional de um determinado
estado:196

Os direitos fundamentais correspondem hoje aos direitos da tradição


liberal clássica acrescidos dos novos direitos, os econômicos, os
sociais, os culturais, etc. Estes são direitos fundamentais por
constarem na Constituição, na Lei Magna de um país. São
fundamentais por terem uma relação direta com a Constituição, por
gozarem de uma supremacia constitucional que decorre do fato de se
encontrarem estabelecidas no âmbito do próprio texto da Lei Maior.
São direitos fundamentais por estarem constitucionalmente
consagrados dentre os direitos dos membros da comunidade política

194
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002. p. 39. (Grifo do autor)
195
COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 11.
196
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 35-36.
73

frente ao Estado. São direitos que se contrapõe entre a pessoa, o


197
indivíduo e o grupo de um lado e o Estado do outro.

Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais


está ligada à fonte das quais esses direitos provenham: os direitos humanos
são aqueles reconhecidos pela ordem internacional, enquanto os direitos
fundamentais são reconhecidos pela ordem interna (direito positivo) de
determinado estado.
Em face do grau de relevância dos direitos humanos em uma
sociedade democrática, algumas características peculiares podem ser
apontadas, entre as quais podem ser destacadas as seguintes:198
a) Imprescritibilidade: os direitos humanos não se perdem pelo
decurso do prazo, isto é, podem ser exigidos em qualquer tempo;
b) Inalienabilidade: não pode existir a transferência dos direitos
humanos, nem a título gratuito, nem a título oneroso;
c) Inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações
infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de
responsabilização civil, administrativa e criminal;
d) Efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de
garantir a efetivação dos direitos, com mecanismos coercitivos para tanto;
e) Interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de
autônomas, possuem diversas intersecções para atingir as suas finalidades;
f) Complementariedade: os direitos humanos fundamentais não
devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta, com a
finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte;
g) Irrenunciabilidade: os direitos humanos não podem ser objeto de
renúncia, uma vez que são indispensáveis para garantir a dignidade humana;
h) Universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os
indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção
político-filosófica.

197
NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 77.
198
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002. p. 41.
74

Em relação à universalidade, cabe aqui uma digressão, uma vez que


não pode ser desconsiderada a questão do universalismo e do relativismo
cultural, ou multiculturalismo.
Com efeito, para alguns autores, os direitos humanos são
universais199, pois há uma moral universal que não pode ser objeto de
renúncia, enquanto que para outros tais direitos são relativos, pois sua
aceitação pode variar de acordo com a cultura de cada povo.200
Segundo Flávia Piovesan, “a concepção universal dos direitos
humanos sofreu e sofre, entretanto, fortes resistências dos adeptos do
movimento do relativismo cultural. O debate entre os universalistas e os
relativistas culturais retoma o velho dilema sobre o alcance das normas de
direitos humanos: podem eles ter um sentido universal ou são culturalmente
relativas?201
Assim, para os relativistas, a noção de direito está ligada ao sistema
político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade,
de forma que cada cultura possui um conceito de direitos humanos e de
dignidade, que está relacionado às questões históricas de cada povo.
Ademais, a pretensão de universalidade dos direitos humanos
simboliza a arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidental, que tenta
universalizar suas próprias crenças.202
Esse pluralismo cultural, também conhecido como multiculturalismo,
impede a formação de uma moral universal, já que cada cultura tende a
acreditar que seus valores são os melhores e mais justos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, os direitos humanos têm de
ser reconceituados como multiculturais, porque o multiculturalismo é pré-
condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a

199
Nesse sentido: DONNELLY, Jack. Universal human rights in theory and practice. 2. ed.
Ithaca: Cornell University Press, 2003. 290p.
200
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos.
Revista Crítica de Ciência Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, junho/1997.
201
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 152-153.
202
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 156.
75

competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de


uma política contra-hegemômica de direitos humanos no nosso tempo.203
Por outro lado, a corrente universalista defende que o valor
dignidade humana exige normas universais, argumentando que a doutrina
relativista presta-se mais para justificar graves casos de violação dos direitos
humanos, uma vez que determinadas práticas ficariam imunes ao controle da
comunidade internacional e seriam justificadas por motivos históricos, culturais,
morais etc.
Assim, seria imprescindível estabelecer valores universais protetores
da pessoa humana, que sirvam de parâmetros mínimos para as relações entre
as pessoas, ou entre elas e o estado, sob pena de permitir-se a violação dos
direitos humanos que se pretende salvaguardar.
Todavia, parece que as doutrinas universalistas ou relativistas não
lograram êxito na tarefa de responder de modo suficiente à quantidade de
violações dos direitos humanos que existe na atualidade, pois a justiça
necessita tanto de princípios abstratos como de elementos de juízo concreto
que levem em conta as demandas de contexto.204
Talvez a solução esteja no chamado “universalismo de confluência”,
sustentado por Joaquín Herrera Flores, para quem deve existir um
universalismo de ponto de chegada e não de ponto de partida, fundado na
abertura de um diálogo entre as culturas, de sorte que ao universal deve-se
chegar depois de um processo conflitivo e nunca antes dele.205
De fato, “a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à
diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de
dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos

203
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos.
Revista Crítica de Ciência Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, junho/1997, p. 19.
204
FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos humanos: teoria e práxis na cultura
de tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 233.
205
FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de
resistência. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15330/13921>. Acesso: em
14 dez. 2010.
76

humanos, inspirada pela observância do mínimo ‘ético irredutível’, alcançado


por um ‘universalismo de confluência’.”206
Portanto, resta inegável que o direito de acesso à justiça enquadra-
se na categoria de direito humano, pois foi concedido ao homem em face da
proibição da autotutela, isto é, da impossibilidade de realizar a justiça com as
próprias mãos.
Com efeito, a fim de garantir a ordem interna desde o momento em
que as pessoas passaram a viver em sociedade, restou vedada a autotutela
como solução de conflitos por meio da ação direta do homem, com a imposição
da vontade de um sobre a do outro, geralmente por meio da força, mas em
compensação foi outorgado o direito de acesso à justiça.
A solução dos conflitos passou, então, a ser oferecida pelo estado,
que em contrapartida garantiu a todos o acesso à justiça, que se não for feita
em tempo razoável significa, na prática, a negação do próprio direito, até
porque justiça tardia é injustiça qualificada e manifesta.
Efetivamente, “a duração indefinida ou ilimitada do processo judicial
afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como
compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na
medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos
processos estatais”.207
Daí porque o direito de acesso à justiça está umbilicalmente ligado
ao direito à razoável duração do processo, pois de nada adianta o acesso à
justiça sem a garantia de uma solução efetiva e em tempo razoável.
Portanto, a questão do acesso à justiça – bem assim a questão do
direito à razoável duração do processo – deve ser tratada sob o prisma dos
Direitos Humanos porque objetiva valorizar a pessoa humana, especialmente
nas situações mais periclitantes, quando necessita de provimento jurisdicional
do estado para resolver conflitos de interesses. Ademais, as bases do acesso à
justiça repousam nos Direitos Humanos e, como é sabido, o valor da pessoa

206
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 160.
207
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito constitucional.
4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 545.
77

humana é fundamento desses Direitos, razão pela qual o tema encontra-se


plenamente abarcado pelos Direitos Humanos, uma vez que a própria definição
de Direitos Humanos traz consigo fundamento para tal afirmativa.208
Tanto é assim que a Convenção Americana de Direitos Humanos e
a Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelecem o direito de acesso à
justiça, com a necessária razoável duração do processo, conforme previsto em
seus artigos 8º e 6º, respectivamente.209
A demora na prestação jurisdicional significa, assim, violação ao
direito fundamental de acesso à justiça, traduzindo-se na própria denegação da
justiça.

2.5 O desrespeito ao direito à razoável duração do processo


Com o propósito de incentivar os operadores do direito a buscar
soluções para o problema da lentidão da justiça, a Emenda Constitucional n.º
45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu mais um direito fundamental no art.
5º da atual Constituição da República, qual seja, o direito à razoável duração
do processo.
Segundo o novel inciso LXXVIII do art. 5º, “a todos, no âmbito
judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

208
LOUREIRO, Caio Márcio. O Acesso à justiça e os direitos humanos. In: RIBEIRO, Maria de
Fátima; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (coords.). Direito internacional dos direitos
humanos: estudos em homenagem à Prof.ª Flávia Piovesan. Curitiba: Juruá, 2004. p. 90-91.
209
Art. 8.º – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na
determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.
Art. 6.º – Direito a um processo equitativo
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente,
num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual
decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre
o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve
ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público
durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou
da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a
proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade
pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
78

Assim, “poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental


de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à
cognição judicial ou administrativa: é, assim, direito ao processo eficiente,
muito além do simples direito ao processo.”210
Não se trata de regra inédita, uma vez que a Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, já previa
regra semelhante, conforme disposto em seu art. 113, item 35.211
O direito à razoável duração do processo também se encontra
previsto no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
San José da Costa Rica) e no art. 6º da Convenção Europeia de Direitos
Humanos, já transcritos.
Assim, como os direitos e garantias expressos na Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte
(CF/88, art. 5º, § 2º), pode-se concluir que o direito à razoável duração do
processo já fazia parte de nosso ordenamento jurídico, apenas agora sendo
incorporado expressamente na atual Constituição da República.
Embora as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
tenham aplicação imediata, segundo o § 1º do art. 5º da CF/88, o disposto no
novo inciso trata-se de norma programática, ou idealista, revelando um
propósito que dependerá da existência de mecanismos para proporcionar a
celeridade dos atos processuais, alcançando assim a razoável duração do
processo.212
Com efeito, a Constituição escrita não passa de uma simples folha
de papel quando ela não se coaduna com os fatores reais de poder, cuja soma

210
SLAIBI FILHO, Nagib. Reforma da justiça. Niterói: Impetus, 2005. p. 19.
211
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a
comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que
estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais,
ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às
últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva.
212
BERMUDES, Sérgio. A Reforma do judiciário pela emenda constitucional n. 45. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 11.
79

representa a Constituição real e efetiva do país, pois “de nada serve o que se
escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e
efetivos do poder”.213
Assim, a simples previsão na Constituição do direito à razoável
duração do processo não significa qualquer melhoria no sistema judiciário
brasileiro, já que não basta a simples garantia formal de um direito para que ele
exista:

De fato, o acesso à justiça só por si já inclui uma prestação


jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado –
mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava – daí criar-
se mais essa garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar
novas frustrações pela sua ineficiência, porque não basta uma
declaração formal de um direito, ou de uma garantia individual para
214
que, num passe de mágica, tudo se realize como declarado.

Talvez o direito à razoável duração do processo tenha sido incluído


na Constituição com o propósito de orientar a ação governamental do estado
no sentido de estabelecer uma política de otimização da função jurisdicional,
nos moldes da constituição dirigente, pregada por Canotilho.215
Portanto, o dispositivo constitucional restaurado tem como
destinatário o legislador, incumbido de criar normas que assegurem a rápida
solução do litígio, bem como o aplicador do Direito, que deve conduzi-lo da
forma mais eficiente possível, a fim de prestar a tutela mais adequada do
direito.216
A fim de extrair o máximo de utilidade da novel regra Constitucional,
mostra-se necessário definir o que seja a razoável duração do processo, uma
vez que o legislador reservou ao intérprete essa missão.
De início, cumpre dizer que o direito à razoável duração do processo
não significa, necessariamente, a solução rápida do litígio, pois a partir do

213
LASSALE, Ferdinand. O Que é uma constituição? Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo
Horizonte: Líder, 2002. p. 48.
214
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 432.
215
Ver, a respeito do tema, a obra: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição
dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas
constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. 539p.
216
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 33.
80

momento em que se reconhece o direito ao devido processo legal, está-se


também reconhecendo, implicitamente, o direito ao cumprimento de uma série
de atos processuais obrigatórios, como o direito ao contraditório, à produção de
provas e aos recursos, que certamente atravancam a celeridade, mas são
garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas.217
Segundo Moacyr Amaral Santos, processo é uma série continuada
de atos, que se sucedem no espaço e no tempo, e sua finalidade é a
composição de conflitos, para satisfação da paz jurídica, donde resulta que o
processo deve encerrar-se o mais breve possível, razão pela qual a lei regula o
tempo destinado à realização dos atos processuais.218
Nos termos do artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil,
compete ao juiz velar pela rápida solução do litígio, o que significa, na lição de
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, que o juiz não deve ensejar
nem permitir o retardamento injustificado da prestação jurisdicional. O
magistrado deve determinar a prática de todos os atos necessários ao
julgamento da demanda, deve buscar o ponto de equilíbrio entre rápida solução
do litígio e segurança na decisão judicial, nem sempre fácil de ser encontrado,
até porque dar solução rápida ao litígio não significa solução apressada,
precipitada.219
Carnelutti já dizia que o slogan da justiça rápida e segura que anda
na boca dos políticos inexperientes contém, infelizmente, uma contradição
essencial: se a justiça é segura não é rápida, se é rápida não é segura.220
Assim, a celeridade processual significa que o processo deve ter um
andamento contínuo, sem paralisações indevidas, mas desde que isso não
ocorra em detrimento das demais garantias processuais, como a segurança
jurídica, o contraditório, a ampla defesa etc.
A exigência de um processo sem dilações indevidas não significa
justiça acelerada, até porque a diminuição de garantias processuais e materiais

217
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 59.
218
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 1. 20. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 295.
219
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 3.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 433.
220
CARNELUTTI, Francesco. Diritto processo. Napoles: Morano, 1958. p. 154.
81

pode representar uma injustiça. Por outro lado, a existência de processos


céleres, especialmente no direito penal, mas também extensível a outros
ramos, é condição indispensável de uma proteção jurídica adequada.221
Conforme assinalou Fernando da Fonseca Gajardoni, “o grande
desafio do processo civil contemporâneo reside no equacionamento desses
dois valores: tempo e segurança. A decisão judicial tem que compor o litígio no
menor tempo possível. Mas, deve respeitar também as garantias da defesa
(due processo of law), sem as quais não haverá decisão segura. Celeridade
não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser
confundida com eternização.222
Portanto, o processo pode não ser célere, mas mesmo assim ter
uma duração razoável, o que irá depender da natureza da lide e da
complexidade da causa, razão pela qual “a duração razoável do processo,
assim, será aquela em que melhor se puder encontrar o meio-termo entre a
definição segura da existência do direito e a realização rápida do direito cuja
existência foi reconhecida pelo juiz”.223
Cândido Rangel Dinamarco, ao analisar o direito à razoável duração
do processo, assim se manifesta:

Os reformadores estiveram conscientes de que a maior debilidade do


Poder Judiciário brasileiro em sua realidade atual reside em sua
inaptidão a oferecer uma justiça em tempo razoável, sendo
sumamente injusta e antidemocrática a outorga de decisões tardas,
depois de angustiosas esperas e quando, em muitos casos, sua
utilidade já se encontra reduzida ou mesmo neutralizada por inteiro.
De nada tem valido a Convenção Americana de Direitos Humanos,
em vigor neste país desde 1978, incorporada que foi à ordem jurídica
brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92); e foi talvez por isso que
agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal
cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

221
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina,
1993. p. 652-653.
222
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do tempo no direito processual civil
(anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). Revista de
Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 102.
223
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia.
Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 29.
82

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua


224
tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de 8.12.04).

Assim, o objetivo da norma consiste em criar regras que possibilitem


a rápida solução do litígio, algumas delas já trazidas pela própria Emenda
Constitucional nº 45, como a supressão de férias coletivas no Poder Judiciário,
o automatismo judiciário e a distribuição automática dos processos em todos os
juízos e tribunais225, a fim de que o processo acabe em tempo razoável.
Pela supressão das férias coletivas, pretendeu-se dar maior
agilidade ao trâmite de processos judiciais, uma vez que a atividade
jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e
tribunais de segundo grau. Pelo automatismo judicial, os servidores poderão
receber delegação para a prática de atos de administração e atos de mero
expediente sem caráter decisório, o que já estava previsto no art. 162, § 4º do
Código de Processo Civil.226 Já pela necessidade de distribuição automática
dos processos nos juízes e tribunais objetiva-se evitar que os processos fiquem
parados aguardando distribuição ao juiz ou relator, o que angustiava
advogados, partes e até mesmos alguns juízes.227
A propósito do tema, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal
Federal, cita o jurista alemão Günther Dürig, em comentários ao art. 1º da
Constituição alemã, o qual afirma que a submissão do homem a um processo
judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta
contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o
princípio da dignidade humana.228
Assim, é inegável que o tempo de tramitação processual prejudica,
ou mesmo impede, a pacificação social com justiça, uma vez que o retardo na

224
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 44. (Grifo do autor)
225
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-49.
226 o
§ 4 Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de
despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando
necessários.
227
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-49.
228
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito constitucional.
4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 545.
83

entrega da prestação jurisdicional significa descumprimento da função social do


estado.229
Fernando da Fonseca Gajardoni, citando Francisco Ramos Mendez
e Cristina Ribas Trepat, entende que é tempestiva a tutela jurisdicional quando
os prazos legalmente prefixados para o trâmite processual são cumpridos pelas
partes e pelo órgão jurisdicional, conforme a seguinte passagem de seu
estudo:

Apesar deste não ser um conceito absolutamente seguro, a nosso


ver, em sistemas processuais preclusivos e de prazos
majoritariamente peremptórios como o nosso (infelizmente!), o tempo
ideal do processo é aquele resultante da somatória dos prazos
fixados no Código de Processo Civil para o cumprimento de todos os
atos que compõem o procedimento, mais o tempo de trânsito dos
autos. Eventuais razões que levem a uma duração que exceda o
prazo fixado previamente pelo legislador, com base no direito a ser
protegido, deve se fundar em um interesse jurídico superior, que
permita justificar o quebramento da previsão contida na norma
processual, no qual não se inclui a alegação de excesso de
230
demandas”.

Portanto, os prazos processuais previstos em lei, tanto próprios


quanto impróprios, devem ser respeitados. O problema são os prazos
impróprios, aplicados principalmente aos órgãos judiciários, que mesmo que
descumpridos não impedem a realização do ato. Todavia, nem por isso devem
ser desrespeitados, uma vez que a lei não contém palavras inúteis, de sorte
que se há previsão de prazos é porque eles são importantes e devem ser
observados.
Ademais, o caráter razoável da duração de um processo deve levar
em conta o caso concreto em julgamento, devendo ser observados três pontos
principais: a complexidade das questões de fato e de direito discutidas no

229
Do ponto de vista da teoria dos sistemas, a função de solucionar conflitos não pertence ao
sistema processual, já que o conflito social não é eliminado na realidade, razão pela qual o
sistema só produz operações jurisdicionais, sendo impotente para agir na realidade. Cf.:
DUARTE, Francisco Carlos. O Direito processual como sistema. Revista de Estudos
Jurídicos, Curitiba, v. IV, n. 1, p. 179-185, ago./1997.
230
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do tempo no direito processual civil
(anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). Revista de
Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 115.
84

processo, o comportamento das partes e de seus procuradores e a atuação


dos órgãos jurisdicionais.231
De fato, a complexidade da causa pode explicar a demora na
instrução do processo, daí porque eventual lentidão pode ser plenamente
justificada.
Portanto, pode-se “concluir que o conceito de ‘razoável duração do
processo’ constitui uma cláusula em branco, aberta, que a jurisprudência
deverá caracterizar com conteúdos concretos, a fim de definir em cada
processo, singularmente, se a respectiva duração foi razoável ou excessiva e,
assim, se o direito assegurado pelo inciso LXXVIII, do art. 5°, da Constituição
Federal foi violado ou não”.232

2.6 A denegação da justiça


A excessiva dilação temporal das controvérsias judiciais vulnera o
direito a um processo sem atrasos injustificados, ocasionando uma série de
gravíssimas consequências para os integrantes do processo. Para o juiz, a
morosidade provoca o descrédito do Poder Judiciário, sendo que o acúmulo de
processos tende a diminuir a qualidade dos pronunciamentos judiciais. Para as
partes, a intolerável duração do processo constitui fenômeno que propicia a
desigualdade e é fonte de injustiça social.233
A função do processo é servir de instrumento para a realização do
direito material, razão pela qual ele não cumpre o seu papel sempre que há
uma distância muito grande entre o seu resultado e aquilo que produziria a
atuação espontânea das normas substantivas:

Noutras palavras: toma-se consciência cada vez mais clara da função


instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar
de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é

231
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do estado pela função
jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 200.
232
ANDRIGHI, Fátima Nancy. A Ordem constitucional e o novo código civil. Palestra
proferida no CEPAD, Hotel Glória, Rio de Janeiro, 03 de junho de 2005. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/729/Ordem_Constitucional_Novo.pdf?seque
nce=4>. Acesso em: 16 dez. 2010.
233
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
110.
85

que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde


impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir
níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer universal, com o
234
rendimento do mecanismo da justiça civil.

Assim, há injustiça sempre que o processo não cumpre a contento o


seu papel, de sorte que um julgamento tardio vai perdendo progressivamente o
seu sentido reparador, sendo que qualquer decisão proferida depois de
transcorrido o tempo razoável para resolver a causa será injusta, pois para que
haja injustiça não precisa a decisão estar errada, basta que não se julgue
quando deva julgar.235
Por outro lado, como valor referente, a justiça mudou de significado
na sociedade, pois o direito não tem satisfeito as expectativas que os
indivíduos têm sobre a resolução de conflitos.236
A morosidade do processo prejudica mais aqueles que possuem
menos recursos, convertendo-se em um custo econômico adicional,
principalmente para os mais pobres, conforme adverte Luiz Guilherme
Marinoni:

A lentidão pode favorecer a parte economicamente mais forte em


detrimento da menos favorecida; a demora da justiça pode pressionar
os economicamente mais débeis a aceitar acordos nem sempre
razoáveis. O que ocorre na Justiça do Trabalho é extremamente
expressivo, já que, não raro, o trabalhador, por não poder suportar a
espera daquilo que lhe é devido, aceita conciliar em condições
237
favoráveis à parte reclamada.

A morosidade da justica estrangula os direitos do cidadão, já que “o


processo é um instrumento indispensável para a efetiva e concreta atuação do
direito de ação, mas também para a remoção das situações que impedem o

234
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: terceira série. São Paulo:
Saraiva, 1984. p. 3.
235
BIELSA, Rafael A.; GRAÑA, Eduardo R. El Tiempo y el proceso. Disponível em:
<http://www.argenjus.org.ar/publi/publicacion/granabielsa.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2010.
236
DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI,
Sérgio Urquhart. Governança sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional.
Curitiba: Juruá, 2007. p. 134.
237
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 35.
86

pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos os


trabalhadores na organização política, econômica e social do país”.238
O volume de processos existentes no Poder Judiciário, além de ser
uma das causas da morosidade, compromete a qualidade das decisões
judiciais, já que a possibilidade de erros aumenta drasticamente, sendo mais
uma fonte de injustiça.
Ademais, em razão do tempo exagerado de tramitação processual,
Italo Andolina e Giuseppe Vignera advertem que alguns jurisdicionados
acabam preferindo fugir da justiça, procurando uma outra forma de satisfazer
seus direitos subjetivos, ou até mesmo renunciando a estes, dando lugar a um
velho ditado popular: “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”.239
Com efeito, uma demora patológica na tramitação dos feitos pode
também servir de instrumento para o achaque do titular do direito material
controvertido, sempre que ele não possuir meios para aguardar até que se dê a
heterocomposição do conflito de interesses, razão pela qual a realização da
justiça reclama, além de uma decisão materialmente justa para o caso
concreto, que a solução venha dentro de um prazo adequado.240
Em algumas ocasiões, uma das partes do processo aceita
barganhar seus interesses somente para evitar o ônus da demora imposta pelo
pronunciamento do judiciário, que se reflete por todos os ramos do direito:

Salvo melhor juízo, encontramos tais episódios em várias transações


realizadas na Justiça do Trabalho, onde em algumas das chamadas
audiências “iniciais” é possível constatar a indução dos obreiros para
aceitar ínfimas propostas em nome de uma aceleração do
recebimento da quantia proposta pela empresa figurante no polo
passivo da demanda. Assim, nesses casos, a celeridade ou lentidão
do termo do processo fica a critério da situação financeira da parte
241
mais fraca no litígio – o trabalhador/reclamante.

238
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 33.
239
Apud: TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 112.
240
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
p. 209.
241
SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado.
São Paulo: Pillares, 2004. p. 33.
87

De fato, Cappelletti já alertava que a demora excessiva é fonte de


injustiça social, porque o grau de resistência do pobre é menor que o grau de
resistência do rico, de tal sorte que este pode, e não aquele, sem dano grave,
esperar uma justiça lenta.242
Assim, a denegação da justiça ocorre na medida em que o povo está
cada vez mais distante da justiça por causa do grande número de feitos
submetidos à mesma justiça, uma vez que o congestionamento de demandas –
sinal mais evidente da crise – impede que qualquer processo tenha andamento
normal.243

2.7 A responsabilização do estado


Durante muito tempo, prevaleceu a teoria da irresponsabilidade do
estado, baseada na ideia de que o estado não erra, de que ele atua no
interesse de todos e não pode ser responsabilizado e de que a soberania do
estado configura poder irrecusável, não passível de responsabilização. Num
segundo momento, houve a responsabilização do estado pelos chamados atos
de gestão, em contraponto aos atos de império, insuscetíveis de indenização.
Posteriormente, passou-se a admitir a responsabilidade do estado somente se
fosse comprovado o dolo ou a culpa de seus agentes, nas modalidades de
negligência, imprudência ou imperícia.244
Em outra fase, admitia-se a responsabilidade do estado desde que
fosse comprovada a falha da Administração, ou seja, o não funcionamento ou
mau funcionamento do serviço público. Atualmente, formulou-se a teoria do
risco administrativo, segundo a qual o estado responde pelos danos causados
por ação ou omissão de seus agentes, independente da demonstração de dolo

242
CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad. Trad. Santiago Sentis Melendo y
Tomas A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. p. 133-134.
243
CENEVIVA, Walter. Afastamento entre o judiciário e o povo: uma reavaliação. In: TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo (Coord.). O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p.
259.
244
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. 4. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 429-430.
88

ou culpa, pois como todos se beneficiam da atividade administrativa, todos


devem compartilhar o ressarcimento dos danos causados a alguns.245
Todavia, não há que se confundir a teoria do risco administrativo
com a teoria do risco integral, uma vez que aquela admite a isenção do dever
de indenizar nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa da vítima,
enquanto esta obriga o estado a indenizar todo e qualquer dano relacionado a
suas atividades, sem possibilidade de isenção, muito embora existam autores
que admitem a exclusão do dever de indenizar nas hipóteses de força maior e
culpa da vítima, mesmo em se adotando a teoria do risco integral, em face do
rompimento do nexo causal, de sorte que, em assim sendo, parece inexistir
diferença substancial entre uma e outra teoria (risco integral e risco
administrativo).246
Portanto, hoje, o dever de indenizar do estado decorre do artigo 37,
§ 6º da Constituição da República, segundo o qual “as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de
dolo ou culpa”.
Trata-se da responsabilidade objetiva do estado, que tem o dever de
reparar os danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
independentemente da existência de dolo ou culpa.
Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, a
responsabilidade do estado por omissão é subjetiva, devendo o prejudicado
demonstrar a culpa do agente estatal para ver configurado o dever de
indenizar:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do


Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou
ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade
subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente,
ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-
lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é, só faz sentido

245
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. 4. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 430.
246
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1995. p. 40-41.
89

responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar


247
ao evento lesivo.

Assim, nem toda omissão configurará o dever de indenizar, pois


somente quando o estado se omitir diante do dever legal de impedir a
ocorrência do dano é que será responsável por ele e obrigado a repará-lo:

A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos


seus pressupostos – o fato administrativo, o dano e o nexo causal.
Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso
distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da
responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata
um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não
se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado
se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que
será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A
conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil
do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando
presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa
origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído
ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por
conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade
objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas
248
comissivas.

A responsabilidade do estado, baseada na teoria do risco


administrativo, depende da presença de alguns requisitos, imprescindíveis para
a sua configuração, quais sejam: a ação ou omissão, o dano e o nexo causal.
A ação ou omissão corresponde à conduta humana, em nome do
estado, causadora de dano ou prejuízo a outrem. Segundo Maria Helena Diniz,
“a ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano,
comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do
próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que
cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.249
O dano deve ser reparado em toda a sua extensão, devendo
abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que, razoavelmente,

247
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999. p. 672. (Grifo do autor)
248
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 489.
249
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 9. ed.
aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 32.
90

deixou-se de lucrar, ou seja, deve ser reparado tanto o dano emergente quanto
o lucro cessante.250
O dano passível de reparação não precisa ser econômico, podendo
ser única e exclusivamente moral, mas deve ser certo, ou seja, não apenas
eventual ou possível. Por outro lado, pode ser atual ou futuro, desde que seja
certo, real.251
Para configurar o dever de indenizar, além da ação ou omissão e do
dano, deve estar presente o nexo causal, indispensável para justificar a
responsabilização do estado. Assim, deve-se demonstrar que o prejuízo da
vítima foi o efeito necessário de eventual ação ou omissão na prestação do
serviço público. Caio Mário da Silva Pereira, sobre a necessidade da existência
do nexo causal, afirma:

Cabe, todavia, não levar ao extremo de considerar que todo dano é


indenizável pelo fato de alguém desenvolver uma atividade. Aqui é
que surge o elemento básico, a que já acima me referi: a relação de
causalidade. Da mesma forma que, na doutrina subjetiva, o elemento
causal é indispensável na determinação da responsabilidade civil,
também na doutrina objetiva fenômeno idêntico há de ocorrer. A
obrigação de indenizar existirá como decorrência natural entre o dano
e a atividade criada pelo agente. O vínculo causal estabelecer-se-á
entre um e outro. Num dos extremos está o dano causado. No outro,
252
a atividade do agente causadora do prejuízo.

Por outro lado, a responsabilidade do estado inexiste na hipótese de


caso fortuito ou de força maior, porque estranho à atuação humana, o que
afasta o dever de indenizar pelo rompimento do nexo causal, consoante lição
de Alexandre de Moraes:

Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de


força maior, caso fortuito, ou, ainda, se comprovada a culpa exclusiva
da vítima, pois nessas hipóteses estará afastado um dos requisitos
indispensáveis para a aplicação do art. 37, § 6º, da Constituição

250
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed., rev. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 529.
251
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999. p. 680.
252
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994. p. 289.
91

Federal: nexo causal entre a ação ou omissão do Poder Público e o


253
dano causado.

O caso fortuito e a força maior constituem hipóteses, largamente


aceitas pela doutrina e jurisprudência, excludentes de responsabilidade, tanto
objetiva quanto subjetiva, muito embora a doutrina não seja concorde na
definição e compreensão desses fenômenos, conforme lição de Sílvio de Salvo
Venosa:

Trata-se aqui de mais um grande tema em sede de responsabilidade


contratual e extracontratual. José de Aguiar Dias (1979, v.2:361)
reforça a idéia de que as expressões são sinônimas, e é inútil
distingui-las. Na verdade, não são, mas atuam como tal no campo da
responsabilidade civil. A doutrina, na realidade, não é concorde sobre
sua definição e compreensão desses fenômenos, havendo certa
divergência. O caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-
saxão) decorreria de forças da natureza, tais como o terremoto, a
inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior
decorreria de atos humanos inelutáveis, tais como guerras,
revoluções, greves e determinação de autoridades (fato do príncipe).
A doutrina costuma apresentar as mais equívocas compreensões dos
dois fenômenos. Ambas as figuras equivalem-se, na prática, para
afastar o nexo causal. Para alguns autores, caso fortuito se ligaria
aos critérios de imprevisibilidade e irresistibilidade. Assim, o caso
fortuito seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da
natureza ou fato humano. A força maior seria caracterizada por algo
também natural ou humano a que não se poderia resistir, ainda que
254
possível prever sua ocorrência.

Portanto, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, inviável a


responsabilização do estado, até porque o dano não ocorreu em virtude de
atuação comissiva ou omissiva de seus agentes, sendo o evento danoso uma
mera fatalidade, decorrente do imponderável.
Outro caso de inexistência de responsabilidade é a culpa de terceiro,
conforme esclarecimento de Marçal Justen Filho:

Se o dano foi acarretado por conduta antijurídica alheia, não cabe a


responsabilização civil do Estado pela inexistência da infração ao

253
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p.
235. (Grifo do autor)
254
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 46.
92

dever de diligência – exceto quando a ele incumbia um dever de


255
diligência especial, destinado a impedir a concretização de danos.

Em tema de responsabilidade civil do estado por erro ou dano


decorrente da atividade jurisdicional, a jurisprudência vem se posicionando no
sentido de associá-la à responsabilidade civil do juiz (pessoal), pelos atos
mencionados no art. 133 do Código de Processo Civil, incisos I e II, que
apontam a prática de prevaricação, a intenção de causar o dano e a fraude,
como hipóteses passíveis de reparação de dano. Note-se, contudo, que só em
casos extremamente graves cogita-se da responsabilidade do estado, ou
pessoal do juiz, por erro judiciário.
No âmbito do direito penal, segundo o artigo 5º, inciso LXXV da
Constituição Federal, o estado indenizará o condenado por erro judiciário,
assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, sendo outra
hipótese prevista em lei de responsabilização do estado por erro judiciário.
Segundo a melhor doutrina, não há como considerar o juiz – ou o
estado – responsável, em qualquer hipótese, por danos decorrentes de atos
judiciais, salvo nas hipóteses previstas no próprio texto legal, conforme redação
do art. 133 do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz responderá por
perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou
fraude, ou quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência
que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Além disso, as decisões do Poder Judiciário são manifestações
inerentes ao funcionamento estatal, hipóteses em que se revela a própria
instituição política do estado, de sorte que falar em ressarcimento por ato
judiciário vai contra a concepção de estado em que vivemos, pois entra em
choque com o conceito de soberania estatal.
As decisões emanadas do Poder Judiciário, em regra, quando
prejudiciais aos interesses da parte, devem ser atacadas por meio dos recursos
previstos em lei, daí porque eventual dano causado decorrerá do regular

255
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. e atual. Belo
Horizonte: Fórum, 2010. p. 1.214.
93

exercício da função jurisdicional, que simplesmente aplica o direito ao caso


concreto, sendo insuscetível de indenização:

Os atos legislativos e os atos jurisdicionais típicos são, em princípio,


insuscetíveis de redundar na responsabilidade civil do Estado. São
eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é o da
soberania do Estado: sendo atos que traduzem uma das funções
estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania. O
segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um
ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos
recursais e até mesmo outras ações para postular a sua revisão.
Assegura-se ao interessado, nessa hipótese, o sistema do duplo grau
256
de jurisdição.

Todavia, recentemente, a responsabilidade do estado pelos atos


judiciais vem sendo reconhecida cada vez mais, até porque soberania não se
confunde com irresponsabilidade, conforme advertência de Carlos Roberto
Gonçalves:

Durante muito tempo entendeu-se que o ato do juiz é uma


manifestação da soberania nacional. O exercício da função
jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais desacertos do
juiz não poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No
entanto, soberania não quer dizer irresponsabilidade. A
responsabilidade estatal decorre do princípio da igualdade dos
encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização
toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do
257
serviço público.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que a jurisprudência, em


regra, não aceita a responsabilidade do estado por atos jurisdicionais, o que se
mostra lamentável porque podem existir erros flagrantes, não somente na
seara criminal, onde a Constituição expressamente admite a responsabilidade,
mas também nas áreas cível e trabalhista. Também é admitida a
responsabilidade no caso de culpa ou dolo do juiz, mas mesmo fora dessas

256
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 495.
257
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 206.
94

hipóteses a responsabilidade deveria ser admitida, se comprovado o erro da


decisão.258
Portanto, a responsabilidade do estado pela morosidade da justiça,
como não estava prevista em lei, não podia ser admitida pela jurisprudência,
que aceitava a responsabilidade apenas nas hipóteses expressamente
previstas em lei. Todavia, com a inclusão do direito à razoável duração do
processo na Constituição Federal, é possível que a jurisprudência passe a
admitir a responsabilidade, pois agora há um direito previsto em lei, cujo
desrespeito deve merecer uma sanção, pena de ineficácia da norma.
De fato, a atividade do Poder Judiciário, na condução do processo,
não está imune a causar prejuízos, a exemplo da prestação jurisdicional tardia,
sendo inquestionável que em tal caso o estado deve responder por essa
deficiência.259
No caso de responsabilidade do estado por desrespeito ao princípio
da razoável duração do processo não se está diante de responsabilidade por
conduta do agente do estado, mas sim diante de sua eventual omissão que,
segundo pacífica lição da doutrina e da jurisprudência, deixa de ser objetiva e
passa a ser subjetiva, tendo o interessado que comprovar a existência de
omissão dos agentes do estado para ver-se ressarcido.
Portanto, quando existe demora na entrega da prestação
jurisdicional, ou seja, quando a duração não razoável do processo causar
prejuízos ao jurisdicionado, o estado deve ser chamado a indenizar, mas o
prejudicado deverá demonstrar que a conduta culposa omissiva do agente
estatal foi responsável pelo dano.
Segundo Lucia Valle Figueiredo, “quanto aos atos judiciais, impende
remarcar que, mesmo difícil sua aferição, será possível a responsabilização do
Estado por prestação jurisdicional a destempo e denegatória da justiça, bem

258
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.
607.
259
BITTENCOURT, Gisele Hatschbach. Responsabilidade extracontratual do estado. Belo
Horizonte: Fórum, 2010. p. 123.
95

como por decisões totalmente desconcertadas de standarts mínimos de


razoabilidade”.260
Assim, o estado deve responder pelos atos judiciais quando
produzirem prejuízo aos jurisdicionados, especialmente nas hipóteses
reconhecidas pela legislação, como no caso do descumprimento do direito à
razoável duração do processo.
A doutrina tem caracterizado a atividade jurisdicional como
defeituosa quando: a) o juiz, dolosamente, recusa ou omite decisões, causando
prejuízo às partes; b) o juiz não conhece, ou conhece mal, o direito aplicável,
recusando ou omitindo o que é de direito; c) o atuar do Poder Judiciário é
vagaroso, obrigando ao acúmulo de processos, o que impossibilita o
julgamento dentro dos prazos fixados pela lei.261
Portanto, “a demora na prestação jurisdicional cai no conceito de
serviço público imperfeito. Quer ela seja por indolência do Juiz, quer seja por o
Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça”.262
Ademais, “enquanto no erro judiciário o dano é oriundo da atividade
jurisdicional e, portanto, de ato do Juiz, nas hipóteses de anormal
funcionamento da atividade jurisdicional, este pode ser causado também pelos
auxiliares do judiciário que colaboram com o juiz para que o processo tenha um
desenvolvimento regular”.263
Assim, o particular que sofreu as angústias e os prejuízos
patrimoniais em razão da excessiva duração de um processo deve ser
ressarcido pelos danos que lhe foram causados, na medida em que foi vítima

260
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2001. p. 281.
261
DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional:
responsabilidade do estado: indenização. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/9548/A_Demora_na_Entrega_da_Presta%E
7%E3o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 dez. 2010.
262
DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional:
responsabilidade do estado: indenização. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/9548/A_Demora_na_Entrega_da_Presta%E
7%E3o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 dez. 2010.
263
LASPRO, Orestes Nestor de Souza. A Responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 226.
96

de algo mais grave que o erro judiciário, pois a omissão significa a própria
denegação da justiça.264
Segundo Horácio Wanderlei Rodrigues, quando a demora na
prestação jurisdicional decorrer da forma de atuação do órgão encarregado de
prestar a jurisdição, não cumprindo os prazos legais de forma efetiva, ou
possuindo comportamento profissional ou ético incompatível com a função
pública exercida, ocorrerá desrespeito à garantia da prestação jurisdicional em
um prazo razoável. Tal demora, para ferir a garantia constitucional, deve
decorrer de inércia ou omissão do órgão jurisdicional, quer seja ela voluntária,
isto é, quando o órgão jurisdicional propositalmente não cumpre os prazos
estabelecidos, ou involuntária, ou seja, quando decorre do excesso de trabalho,
da falta de material humano e de estrutura e de problemas contidos na própria
legislação processual. Tanto no caso de demora voluntária como involuntária a
culpa é do estado, pois no primeiro caso ele responde pelos atos de seus
agentes e no segundo ele responde pela incompetência na gestão pública.265
Todavia, a simples demora na entrega da prestação jurisdicional não
tem o condão de configurar a responsabilidade do estado, que para estar
presente precisa da constatação de todos os requisitos legais, quais sejam, a
conduta ativa ou omissiva do estado, o dano e o nexo causal.
Assim, se a morosidade decorre da omissão dos agentes do estado,
não imputável às partes ou terceiros, se está configurado o dano certo e se
esse dano foi causado pela morosidade da justiça (nexo causal), deve-se
admitir a responsabilidade estatal, mas no caso ela é subjetiva, devendo a
comprovação da culpa ficar a cargo da parte lesada.
O dano, para gerar o dever de indenizar pela duração não razoável
do processo, precisa ser comprovado pela vítima, devendo ser certo, uma vez
que não se admite a responsabilidade pelo dano eventual ou possível, de sorte
que simples prejuízos financeiros, em regra, não admitem indenização, já que

264
LASPRO, Orestes Nestor de Souza. A Responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 232.
265
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: Acesso à justiça e prazo razoável na prestação
jurisdicional. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim et at. (Coord.). Reforma do judiciário:
primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 290.
97

durante o curso do processo há incidência de juros legais, sendo que outros


ganhos financeiros serão apenas eventuais ou possíveis.
Ademais, a responsabilização do estado pela morosidade da justiça,
embora necessária, deve ser aplicada com prudência, já que o erro ou omissão
estatal, na prática, acabam sendo pagos pela própria sociedade:

Muitas vezes nos esquecemos de que o Estado, apesar da abstração


jurídica, somos todos nós! É com nossos esforços e com o que
pagamos de impostos que o governo forma sua arrecadação a
cumprir suas obrigações sociais e atender as necessidades básicas
da população. “Punir” o Estado com a obrigação de indenizar o
cidadão prejudicado com a duração exagerada do processo significa,
em última análise, penalizar a todos nós indistintamente por um erro
266
ou omissão estatal, sem eliminar a razão do problema.

2.8 Os prejuízos para a economia


Um Judiciário moroso, além de aumentar o custo do processo,
acarreta vários prejuízos para a economia, causando a diminuição de
investimentos, a restrição ao crédito, o aumento dos juros etc.
De fato, “a segurança proporcionada pelo judiciário eficiente serve
de regulador da atividade econômica, viabilizador dos instrumentos da ordem
econômica, protegendo o mercado do ataque de especuladores, da competição
desleal, dos cartéis e monopólios; situações cada vez mais comuns em razão
da globalização”.267
Assim, sob o aspecto econômico, um judiciário moroso inibe e até
bloqueia investimentos, afetando o desenvolvimento econômico, pois “a
lentidão, reconhecida por juízes e empresários como o principal problema no
âmbito do Judiciário, impacta a economia e afeta o crescimento econômico do
País como um todo porque o progresso tecnológico, a eficiência das firmas, o
investimento e a qualidade da política econômica dependem da firmeza e

266
HOFMANN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. In:
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim et at. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões
sobre a emenda constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 585.
267
FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & Economia: equalização desejada e necessária.
Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível
em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/86/75>. Acesso em:
10 jan. 2011.
98

rapidez de atuação do Poder Judiciário quando surgem conflitos nessas


áreas”.268
Efetivamente, a questão do tempo no processo possui reflexos
econômicos, pois é sabido que a ineficiência do serviço público judiciário
prejudica o crescimento da economia do país, consoante bem advertem
Francisco Carlos Duarte e Adriana Monclaro Grandinetti:

O mau funcionamento do aparelho judiciário é devastador para a


economia. Um estudo publicado na Revista Veja do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada, constatou que um sistema jurídico
ineficiente reduz a taxa de crescimento de longo prazo em 25%. Isso
significa que, se o Brasil tivesse uma justiça eficiente, teria condições
de crescer 0,8% a mais todo ano. O custo da ineficiência e da
lentidão não pára por aí: a produção nacional poderia aumentar 14%,
o desemprego cairia quase 9,5%, e o investimento saltaria 10,4%. E
tudo isto porque cabe à Justiça garantir o cumprimento de contratos
em um tempo razoável, dado basilar para qualquer economia de
mercado. Por exemplo, se um Banco acredita que terá dificuldade
para fazer uma cobrança em caso de descumprimento de contrato, e
não contará com uma justiça ágil a seu lado, irá cobrar juros mais
altos para compensar o risco, e em certos casos, não concederá o
269
empréstimo.

Um dos problemas que a morosidade da justiça causa para a


economia, além da indignação da parte que tem razão, são os juros bancários
altíssimos, que são exigidos também em face dos entraves existentes em caso
de eventual exigência judicial de contratos não cumpridos:

Os bancos, sabendo que o seu devedor pode, eventualmente, não


pagar o empréstimo e ‘esticar’ a cobrança anos e anos, pagando no
decorrer do processo juros moratórios de 0,5% – ou, se aplicado o
novo CC, a Taxa SELIC – exigem, no contrato, juros elevadíssimos.
Uma prova desse liame entre o percentual dos juros e a morosidade
da justiça está no fato de os bancos, recentemente, cobrarem juros
bem mais baixos quando o pagamento do empréstimo é descontado
no holerite do mutuário empregado. Sendo o desconto feito ‘na fonte’,
com alta probabilidade de rápido retorno, os juros baixam
270
significativamente.

268
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 44.
269
DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda
constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba:
Juruá, 2005. p. 28.
270
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano VI, n. 32, p.
40-62, nov./dez. 2004, p. 47.
99

Com efeito, a morosidade da justiça é uma das causas do aumento


do spread bancário, que corresponde à diferença entre o custo do dinheiro para
o banco e a taxa cobrada do tomador de empréstimo:

Com discutido (sic), entre outros, por Aith (2000), Pinheiro e Cabral
(2001) e Laeven e Majoni (2003), a ineficiência judicial – envolvendo
a morosidade das decisões, o custo de uso da Justiça e o risco
embutido na falta de imparcialidade e previsibilidade – é uma causa
importante desses altos spreads. Aith estima que de 10% a 30% do
spread bancário no Brasil se deve à ineficiência do judiciário. Pinheiro
e Cabral mostram que, controlando para o efeito da legislação e de
diferenças de renda per capita, obtém-se que a qualidade do
judiciário afeta significativamente a quantidade de crédito bancário na
economia, medida pela razão crédito/PIB. Laeven e Majoni mostram
que, controlando para um conjunto de características de diferentes
países, a eficiência do judiciário é, junto com a inflação, o principal
determinante das diferenças de spreads de juros entre os 106 países
271
analisados.

Os elementos que compõem a taxa de juros (spread bancário) são


os seguintes: despesas administrativas do banco; impostos indiretos incidentes
sobre a taxa; custos da inadimplência; imposto de renda e contribuição social
sobre o lucro. Uma parcela relevante que se considera é o que se denomina
custos da inadimplência, que são provisões para o caso de não pagamento por
parte de determinados contratantes.272 Um sistema judiciário moroso, assim,
faz aumentar a taxa de juros porque eleva os custos da recuperação do crédito
em caso de eventual inadimplência.
Portanto, a morosidade judicial, ao dificultar o recebimento de
valores contratados, reprime a atividade de crédito e provoca o aumento dos
custos dos financiamentos por meio de dois canais, quais sejam: a insegurança
jurídica aumenta as despesas administrativas das instituições financeiras,
inflando em especial as áreas de avaliação de risco de crédito e jurídica; reduz

271
PINHEIRO, Armando Castelar. O Componente judicial dos spreads bancários. In: Banco
Central do Brasil. Economia bancária e crédito: avaliação de 4 anos do projeto juros e spread
bancário. 2003. p. 34. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010.
272
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 159-160.
100

a certeza de pagamento mesmo numa situação de contratação de garantias,


pressionando o prêmio de risco embutido no spread.273
Em relação aos empréstimos internacionais, os juros são cobrados
de acordo com a nota obtida pelo país nas avaliações de riscos, feitas por
agências internacionais, levando-se em conta a solidez institucional,
estabilidade econômica, credibilidade do governo, bem como o grau de rapidez
e eficácia do Poder Judiciário. Como a justiça brasileira é lenta, os credores
internacionais elevam os juros dos empréstimos feitos ao Brasil, tanto para os
particulares quanto para o governo, em prejuízo do desenvolvimento do país,
que fica estagnado, obrigando o governo a pagar juros altos em vez de aplicar
mais recursos na área social, inclusive na justiça.274
Outra consequência da morosidade da justiça é a ausência de
proteção da propriedade intelectual, que é um dos aspectos mais importantes
para o desenvolvimento e a difusão da tecnologia, uma vez que países que não
têm postura firme e positiva do Judiciário nesse ramo sentem os efeitos da
pouca dispersão geográfica dos negócios, da pouca produção de
conhecimento e baixo investimento na aquisição de tecnologias avançadas de
outros países.275
Assim, a morosidade da justiça produz impactos significativos na
economia, implicando a diminuição de investimentos, a redução da produção e
da oferta de empregos, a restrição ou aumento do custo do crédito, o aumento
dos preços, entre outras consequências negativas.
Tais impactos são sentidos não só no Brasil, mas também em outros
países, como no caso de Portugal, onde uma pesquisa demonstrou que o
desempenho do sistema judicial tem uma avaliação bastante negativa por parte

273
FACHADA, Pedro; FIGUEIREDO, Luiz Fernando; LUNDBERG, Eduardo. Sistema judicial e
mercado de crédito no Brasil. Notas Técnicas do Banco Central do Brasil, Brasília, n. 35,
maio/2003, p. 10. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2003nt35sistemajudicialmercadocredbrasilp.pdf
>. Acesso em: 05 jan. 2011.
274
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e
remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano VI, n. 32, p.
40-62, nov./dez. 2004, p. 48.
275
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 45.
101

dos empresários portugueses, sendo causa de contração do investimento, bem


como de obstáculo ao crescimento do país.276

276
CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as
empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do
colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 396.
102

3 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O DESENVOLVIMENTO


SOCIOECONÔMICO
É praticamente impossível estabelecer, com precisão, quais são e
em que medida atuam os males da lentidão da justiça, mas inexiste dúvida,
contudo, de que o prejuízo é sempre enorme. Por meio de dados empíricos
colhidos na praxe forense e na literatura especializada, pode-se admitir que a
intempestividade da prestação jurisdicional acarreta consequências prejudiciais
de ordem endoprocessual, bem como outras consequências que vão além do
processo judicial.277
O custo da justiça morosa para o desenvolvimento é muito grande,
já que o Poder Judiciário é o órgão responsável pela efetivação de direitos
fundamentais e pela estabilidade das relações econômicas.
De acordo com o art. 1º da Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, aprovada em 1986 pela Organização das Nações Unidas, “o
direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual
toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele
desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
possam ser plenamente realizados.” No mesmo sentido, a Declaração e
Programa de Ação de Viena, de 1993.278
O desenvolvimento, em sua concepção mais ampla, assim como a
busca da dignidade humana, são objetivos principais da sociedade brasileira, e
nesta condição devem ser perseguidos pelas ações governamentais, pela
sociedade civil e também pelo Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo
respeito e observância das normas constitucionais, de sorte que lutar por eles

277
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
110.
278
Art. 11. O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer
equitativamente as necessidades ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e
futuras. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que a prática de
descarregar ilicitamente substâncias e resíduos tóxicos e perigosos constitui uma grave
ameaça em potencial aos direitos de todos à vida e à saúde.
103

não é, nem deveria ser, uma opção política, mas sim uma obrigação
constitucional.279
Segundo Eros Roberto Grau, a ideia de desenvolvimento significa a
elevação não só do nível econômico, mas também do nível cultural-intelectual
comunitário:

O desenvolvimento supõe não apenas crescimento econômico, mas,


sobretudo elevação do nível cultural-intelectual comunitário e um
processo, ativo, de mudança social. Daí porque a noção de
crescimento pode ser tomada apenas e tão-somente como uma
parcela da noção de desenvolvimento. [...] De outra parte, embora o
dado econômico apareça como extremamente relevante em todos os
conceitos de desenvolvimento, ainda assim é forçoso observar que o
conceito de desenvolvimento não é apenas econômico. O processo
de desenvolvimento – vimos já – implica mobilidade e mudança
280
social; realiza-se em saltos de uma estrutura social para outra.

O desenvolvimento também pode ser encarado como um processo


de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, em contraste
com visões que identificam desenvolvimento apenas com crescimento do
Produto Nacional Bruto, aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço
tecnológico e modernização social.281
De fato, se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, “o
desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de
liberdade: pobreza e tirania, carências de oportunidades econômicas e
destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância
ou interferência excessiva de Estados repressivos”.282
Por outro lado, o desenvolvimento que se pleiteia, consagrado no
preâmbulo da Constituição Federal de 1988, só pode ser o sustentável, de
sorte que a melhoria dos índices de desenvolvimento social que se pretende
deve levar em consideração o respeito ao meio ambiente, que se encontra

279
BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um Judiciário socioambientalmente responsável.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 48, p. 107-
120, 2008, p. 111.
280
GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1981. p. 7-8.
281
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17.
282
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17-18.
104

ameaçado em face de modelos econômicos insustentáveis adotados por


países desenvolvidos e em desenvolvimento.283
O desenvolvimento sustentável consiste na exploração equilibrada
dos recursos naturais, nos limites das necessidades da presente geração, sem
comprometer os interesses e as necessidades das gerações futuras.284
Significa a utilização racional dos recursos naturais não renováveis, procurando
conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico
para a melhoria da qualidade de vida do ser humano.285
Portanto, uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico a
longo prazo e ecologicamente equilibrada deve aspirar à diminuição das
retiradas sobre os estoques de recursos não renováveis, que são limitados,
procurando não colocar em risco os equilíbrios térmicos do planeta, ou seja,
deve haver uma gestão ecologicamente prudente dos recursos que não se
renovam. Por outro lado, deve tirar o máximo proveito possível do fluxo de
energia solar e de recursos naturais renováveis, mas sem prejudicar o
desencadeamento normal dos ciclos ecológicos, que são responsáveis pela
renovação desses recursos.286
De qualquer sorte, o desenvolvimento ideal deve resultar do
crescimento econômico acompanhado da melhoria na qualidade de vida,
devendo incluir “as alterações da composição do produto e a alocação de
recursos pelos diferentes setores da economia, de forma a melhorar os
indicadores de bem-estar econômico e social (pobreza, desemprego,
desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e moradia)”.287
A ausência de desenvolvimento, ou subdesenvolvimento, tem as
seguintes características: baixa renda per capita; desigualdade da distribuição
da renda, onde parte dela é detida por reduzida parcela da população; altas
taxas de natalidade e mortalidade; alta participação do setor primário da
283
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 66.
284
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 26-27.
285
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 30.
286
SACHS, Ignacy; VIEIRA, Paulo Freire (Org.). Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática
do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. p. 77-78.
287
VASCONCELOS, Marco Antonio; GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de economia.
São Paulo: Saraiva, 1998. p. 205.
105

economia na formação da renda, que está relacionado à produção através da


exploração de recursos da natureza; baixa produtividade da mão de obra;
baixos padrões médios de consumo e de qualidade de vida; inexistência ou
mau funcionamento de instituições políticas mais aprimoradas.288
Já o desenvolvimento econômico “tem sido definido como um
processo autossustentado, que leva a renda per capita a se elevar
continuamente ao longo de um dado período. Em outras palavras, é um
processo contínuo pelo qual a disponibilidade de bens e serviços cresce em
proporção superior ao do incremento demográfico de uma dada sociedade”.289
Na verdade, a expressão desenvolvimento econômico serve para
qualificar todas as formas de expansão da economia de uma nação, sendo que
um dos indicadores do desenvolvimento é o Produto Nacional Bruto (PNB), que
é a somatória do Produto Interno Bruto (PIB) com os ganhos de operações
realizadas no exterior pelos residentes no país. Outro indicador de
desenvolvimento é a renda per capita, que é a divisão do PNB pela população
do país, a qual demonstra a existência de desenvolvimento econômico pelo
seu aumento em comparação com período anterior.290
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mede a qualidade de
vida dos cidadãos, segundo critérios de longevidade, saúde, educação,
habitação etc. Assim, não há desenvolvimento se um país tem um PIB per
capita alto, mas um IDH baixo, pois aí há má distribuição de renda e a riqueza
concentra-se na mão de poucos:291

Não foi por acaso que o mais legítimo indicador do desenvolvimento,


lançado em 1990 pelo respectivo Programa das Nações Unidas
(Pnud), optou por uma combinação da renda com a expectativa de
vida e o grau de acesso à educação, em vez do exclusivo PIB per
capita. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a média
aritmética de indicadores dessas três dimensões do desenvolvimento
por considerar que esse é o tripé sine qua non para a obtenção de

288
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6. ed. rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 350-351.
289
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6. ed. rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 353.
290
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 126-127.
291
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 127.
106

todos os demais aspectos da qualidade de vida inerentes ao ideal


desenvolvimentista. E a melhor maneira de se perceber que não é
linear a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento é
292
dar um mínimo de atenção às suas discrepâncias.

Portanto, o crescimento econômico não pode ser considerado um


fim em si mesmo, pois não é adequado adotar como objetivo a simples
maximização da renda ou da riqueza:

Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode


sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O
desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora
da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as
liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida
mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos
seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições,
interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse
293
mundo.

De fato, o desenvolvimento deve significar não só o crescimento


econômico, mas também transformações qualitativas na vida das pessoas, de
ordem humana e social:

O desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo


de mudanças e transformações de ordem econômica, política e,
principalmente humana e social. Desenvolvimento nada mais é que o
crescimento (incrementos positivos no produto e na renda)
transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do
ser humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte,
294
alimentação, lazer, dentre outras.”

Assim, crescimento ou desenvolvimento econômico não


proporcionam, necessariamente, desenvolvimento social, por falta de canais
democráticos que representem a vontade dos mais pobres, tendo a conjuntura
econômica mostrado que, mesmo em períodos de crescimento econômico

292
VEIGA, José Eli da. A Emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 21.
293
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 29.
294
OLIVEIRA, Gilson Batista de. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Revista
da FAE, Curitiba, v.5, n.2, p. 37-48, maio/ago. 2002, p. 40.
107

vividos pelo Brasil em passado recente, não houve alterações proporcionais


dos indicadores de concentração de renda.295

3.1 A atuação do Poder Judiciário


Antes de discorrer sobre os impactos da morosidade da justiça no
desenvolvimento socioeconômico, cumpre esclarecer qual o papel que o Poder
Judiciário deve desempenhar em um estado democrático de direito, como
guardião das leis e garantidor de direitos fundamentais.
É certo que a pronta e efetiva atuação do Poder Judiciário, quando
provocado, produz reflexos na ordem social e econômica, muito embora a sua
atuação, em algumas questões, seja objeto de grandes polêmicas. O debate
polariza-se entre aqueles que defendem a sua atuação, livre e sem limites, e
outros que pregam a sua autolimitação.
O ativismo, entendido como “uma postura a ser adotada pelo
magistrado que o leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento
fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional”,296 tem
sido objeto de resistências em face da possível ofensa ao princípio da
separação de poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição da República.
O ativismo judicial é uma atitude, ou seja, a escolha de um modo
específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e
alcance.297
A separação ou divisão de poderes significa que cada órgão é
especializado no exercício de uma função, cabendo às assembleias
(Congresso, Câmara, Parlamento) a função legislativa, ao Poder Executivo a
função executiva e ao Poder Judiciário a função jurisdicional.298

295
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 451.
296
DELGADO, José Augusto. Ativismo judicial: o papel político do poder judiciário na sociedade
contemporânea. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira
Terra. Processo civil novas tendências: homenagem ao professor Humberto Theodoro
Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 319.
297
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.
Revista Atualidades Jurídicas, Brasília, n. 4, jan./fev. 2009, p. 6. Disponível em:
<http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em:
30 nov. 2010.
298
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2001. p. 113.
108

Outro problema atualmente em debate é a judicialização de


questões políticas, ocasião em que o Poder Judiciário decide controvérsias de
natureza política, o que, aparentemente, também ofende o princípio da
separação de poderes.
É verdade que a judicialização, ainda que excessiva, é fenômeno
inerente ao nosso estado democrático de direito, onde a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, conforme disposto
no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República.
Assim, com base no princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, a judicialização faz parte do amadurecimento da sociedade, que
está cada vez mais ciente de seus diretos e não poupa esforços em recorrer ao
Judiciário quando eles forem desrespeitados.
O problema não está na judicialização excessiva, que até pode ser
considerada benéfica do ponto de vista da conscientização dos direitos, mas
sim na judicialização de questões que não deveriam ser levadas à esfera do
Poder Judiciário. Na verdade, o problema reside na aceitação dessas
controvérsias pelo Judiciário, bem assim na assunção da responsabilidade de
resolvê-las.
Conforme frisou Canotilho, “os juízes devem autolimitar-se à decisão
de questões jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas”.299
As questões políticas, atinentes à competência do Poder Executivo, devem
ficar fora do controle jurisdicional.

3.1.1 O embate entre constitucionalismo e democracia


A polêmica entre constitucionalismo e democracia remonta ao
século passado, oportunidade em que o filósofo alemão Carl Schmitt escreveu
a obra “Der Hüter der Verfassung” (O Guardião da Constituição), defendendo
que somente o Presidente do Reich, em conformidade com o artigo 48 da
Constituição de Weimar, teria legitimidade para representar os desejos do povo
alemão.300

299
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1309.
300
SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998. p. 213-251.
109

Em desacordo com a tese sustentada por Schmitt, o filósofo austro-


americano Hans Kelsen publica o ensaio intitulado “Wer soll der Hüter der
Verfassung sein?” (Quem deve ser o Guardião da Constituição), onde defende
a ideia da necessidade de um Tribunal Constitucional para exercer a guarda da
Constituição.301
Kelsen defende a existência de um tribunal constitucional
independente dos demais Poderes do estado, uma vez que “seria naturalmente
necessário, porém, exigir que o tribunal constitucional a que caberia julgar as
leis e regulamentos da União e dos estados federados proporcionasse, por sua
composição paritária, garantias de objetividade suficientes, e se apresentasse
não como um órgão exclusivo da União ou dos estados federados, mas como o
órgão da coletividade que os engloba igualmente, da Constituição total do
Estado, cujo respeito seria encarregado de assegurar.”302
Ao polemizar com Schmitt, Kelsen “procura demonstrar o caráter
ideológico das teses do Professor de Berlim, resultante da confusão entre
ciência e política e, em um sentido mais circunscrito, entre teoria jurídica e
teoria política. Kelsen se ocupa de resguardar a defesa da Constituição ante o
defensor proposto por Schmitt, pois segundo afirma ‘nadie puede ser juez de
su propia causa’”.303
Schmitt, ao defender a legitimidade do Presidente do Reich para
representar o povo e defender a Constituição, entende que a atribuição de
soluções judiciais a problemas políticos apenas traz prejuízos ao Poder
Judiciário, pois representa mais uma “politização da justiça” do que uma
“judicialização da política”, sendo que a política nada tem a ganhar e a justiça
tem tudo a perder.304
Assim, em conformidade com o artigo 48 da Constituição de
Weimar305, o único que teria legitimidade para representar o povo seria o

301
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 239-298.
302
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 184-185.
303
MALISKA, Marcos Augusto. Acerca da legitimidade do controle da constitucionalidade.
Justitia, São Paulo, v. 63, n. 193, p. 81-96, jan./mar. 2001, p. 83. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/23783>. Acesso em: 09 jun. 2010.
304
SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998. p. 57.
305
Texto do artigo 48 da Constituição de Weimar:
110

Presidente do Reich, que significaria a confluência dos anseios sociais do povo


alemão.
Para Kelsen, todavia, reservar a defesa da Constituição ao
Presidente do Reich ou ao Parlamento seria inconveniente, “uma vez que
justamente nos casos mais importantes de violação constitucional Parlamento
e governo são partes litigantes, é recomendável convocar para a decisão da
controvérsia uma terceira instância que esteja fora desse antagonismo e que
não participe do exercício do poder que a Constituição divide essencialmente
entre Parlamento e governo”.306
Segundo Luís Roberto Barroso, “a idéia de Estado democrático de
direito, consagrada no art. 1º da Constituição brasileira, é a síntese histórica de
dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os de
constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência,
limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law,
Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em
soberania popular e governo da maioria”.307
O constitucionalismo é a teoria que, baseada em uma constituição
rígida, busca resultados garantísticos, ainda que isso importe em limitação dos
demais poderes, possuindo, como pedra angular, “os direitos fundamentais
que, por sua vez, representam os valores substantivos escolhidos pela
sociedade no momento constituinte – de máxima manifestação da soberania
popular – que garantem o funcionamento da democracia, isto é, quando os
direitos fundamentais impõem limites materiais aos atos de governo, estão na
verdade, a proteger o povo como um todo e não apenas maiorias eventuais. E

Quando um Estado (Land) não cumpre os deveres que lhe são impostos pela Constituição ou
pelas leis do Reich, o Presidente do Reich pode obrigá-lo com ajuda da força armada.
Quando, no Reich alemão, a ordem e a segurança públicas estão consideravelmente alteradas
ou ameaçadas, o Presidente do Reich pode adotar as medidas necessárias para o
restabelecimento da segurança e ordem públicas, inclusive com ajuda da força caso
necessário. Para tanto, pode suspender temporariamente, em todo ou em parte, os direitos
fundamentais consignados nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153.
De todas as medidas que adote com fundamento nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, o
Presidente do Reich deverá dar conhecimento ao Parlamento”.
306
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 275.
307
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87-88.
111

quem está incumbido de proteger estes valores é o Poder Judiciário, conforme


determinação do próprio poder constituinte”.308
A democracia procedimental funda-se na defesa do procedimento
democrático, privilegiando os direitos que garantem participação política e
processos deliberativos justos, independentemente do resultado a ser
alcançado.309
A tensão existente entre o princípio democrático e a jurisdição
constitucional encontra-se, assim, na medida em que o primeiro privilegia a
vontade popular, independentemente dos resultados obtidos, enquanto a
segunda defende a prevalência da norma constitucional, ainda que em
detrimento da vontade do povo. “As perguntas que desafiam a doutrina e a
jurisprudência podem ser postas nos termos seguintes: por que um texto
elaborado décadas ou séculos atrás (a Constituição) deveria limitar as maiorias
atuais? E, na mesma linha, por que se deveria transferir ao Judiciário a
competência para examinar a validade de decisões dos representantes do
povo?”310
Todavia, a guarda da Constituição pelo chefe estatal não garantiria a
imparcialidade, uma vez que “a eleição do chefe de estado, que se dá
inevitavelmente sob a alta pressão de ações político-partidárias, pode ser um
método democrático de nomeação, mas não lhe garante particularmente a
independência”.311
Ademais, conferir legitimidade para a guarda da Constituição ao
chefe de estado ofenderia o princípio segundo o qual ninguém pode ser juiz em
causa própria, especialmente porque nos casos mais importantes de violação
constitucional parlamento e governo são partes litigantes.
Assim, ambos os regimes apresentam inconvenientes, uma vez que
a democracia procedimental não respeita a vontade das minorias, enquanto o
constitucionalismo pode gerar decisões destituídas de legitimidade.

308
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre
constitucionalismo e democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 50.
309
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre
constitucionalismo e democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 25.
310
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 88.
311
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 283.
112

Por outro lado, ambos apresentam qualidades, pois somente no


constitucionalismo podem ser respeitadas as decisões das minorias, em face
da possibilidade de decisões contramajoritárias, sendo que na democracia
procedimental respeita-se a vontade do povo.
A verdade é que, “sobre a jurisdição constitucional já se disse
praticamente tudo, seja para defendê-la, seja para criticá-la. Para o bem ou
para o mal, parece que não podemos viver sem ela, pelo menos enquanto não
descobrirmos nenhuma fórmula mágica que nos permita juridificar a política
sem ao mesmo tempo, e em certa medida, politizar a justiça”.312
Embora a tese de Kelsen tenha sido a vencedora, no sentido de a
guarda da Constituição caber a um tribunal constitucional, sendo adotada tanto
no Brasil quanto na maior parte dos países, é possível compatibilizar a
jurisdição constitucional com a democracia procedimental, bastando que seja
observado o princípio da autolimitação judicial.

3.1.2 O ativismo judicial


Segundo Luís Roberto Barroso, “a idéia de ativismo judicial está
associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no
espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por
meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição
a situações não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração
de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base
em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da
Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público,
notadamente em matéria de políticas públicas”.313
No plano prático, “o ativismo do juiz atua sobre o comportamento
deste no processo, em busca de um direito judicial, menos submisso às leis ou

312
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 155.
313
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 283-284.
113

à doutrina estabelecida e às convenções conceituais. Não importa numa


simples, embora ágil, aplicação da norma e que a deixe inalterada. Nem é
atitude voluntariosa, mas tomada de consciência no presente e diretriz de
decisões futuras”.314
Entre as causas do ativismo judicial, pode-se destacar o incremento
progressivo dos Poderes Legislativo e Executivo, justificando a necessidade de
crescimento do Judiciário, para balanceamento do sistema, bem como a
insatisfação do povo em relação à atuação dos outros ramos do Poder.315
A atuação insatisfatória dos Poderes Executivo e Legislativo talvez
seja o principal motivo do ativismo judicial, oportunidade em que o juiz faz as
vezes do legislador ou do administrador público. Outro problema que fomenta o
ativismo judicial é a crise por que passam os demais Poderes, frequentemente
envolvidos em escândalos dos mais variados tipos, o que aparentemente
legitima a interferência do Poder Judiciário.
Essa interferência, todavia, causa um círculo vicioso, pois o Poder
Executivo e o Legislativo não cumprem a contento suas funções, exigindo a
interferência do juiz, o que estimula a negligência dos Poderes faltantes, que
encontram no Judiciário a solução para as suas incúrias.
O risco que corremos com o ativismo judicial é o desrespeito ao
princípio democrático, pois a legitimidade do Poder Judiciário é apenas indireta,
na medida em que os juízes atuam e decidem de acordo com aquilo que foi
previsto pelo legislador. Ademais, o vácuo deixado pelo administrador ou pelo
legislador, ou a sua atuação desastrada no campo político, não garantem uma
atuação acertada do juiz, que também apresenta as mesmas imperfeições,
pois integrante da mesma sociedade.
O ativismo judicial também pode comprometer o princípio da
separação de poderes, segundo o qual as funções do estado devem ser
exercidas por órgãos distintos, de forma independente e harmônica.

314
LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial, Brasília, maio/2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/16980/Ativismo_Judicial.pdf?sequence=1>.
Acesso em: 25 set. 2010.
315
LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial, Brasília, maio/2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/16980/Ativismo_Judicial.pdf?sequence=1>.
Acesso em: 25 set. 2010.
114

Embora a separação de poderes tenha como pressuposto a ideia de


limitação e controle, “cada órgão de poder realiza uma atividade,
especializando nela de forma a melhorar a sua eficácia”.316
O objetivo dessa separação é preservar a autonomia e
independência de cada órgão de poder no exercício de suas funções, sem
interferência de um sobre o outro, mas com controles recíprocos, a fim de
evitar o arbítrio.
Esse controle recíproco, todavia, somente se justifica para evitar
abusos, jamais com o propósito de usurpação de poder:

A flexibilização da regra-parâmetro, fato indisputável no direito


constitucional contemporâneo, encontra, pois, limites na idéia-fim do
princípio: limitação do poder. De outro lado, a interferência de um
poder sobre o outro somente será admissível, em tese, quando vise
realizar a idéia-fim, seja para impedir abusos de poder, seja para
propiciar real harmonia no relacionamento entre os poderes, seja
ainda para garantir as liberdades e assegurar o pleno exercício das
317
funções próprias.

Assim, apenas em caráter excepcional será possível a interferência


de um Poder sobre o outro, já que a ideia de separação de poderes justifica-se
especialmente para prevenir abusos, o que nem sempre ocorre nas situações
de ativismo judicial.
De fato, a justiça não pode regular todos os problemas e dizer,
simultaneamente, a verdade científica histórica, definir o bem político e
responsabilizar-se pela salvação das pessoas. Ela não o pode nem o deve, sob
pena de nos fazer afundar a todos num inferno processual frustrante, estéril e
destruidor que não é desejável por ninguém.318
O ativismo decorre da constitucionalização do direito, que significa o
efeito expansivo das normas constitucionais, cujas regras e princípios se
irradiam por todo o sistema jurídico.

316
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 129.
317
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar
atos normativos do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 14.
318
GARAPON, Antoine. O Guardador de promessas: justiça e democracia. Trad. Francisco
Aragão. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 283.
115

A constitucionalização é fenômeno positivo, pois é compatível com o


estado democrático e com a maior realização dos direitos fundamentais.
Todavia, a constitucionalização exacerbada pode trazer consequências
negativas, entre elas o esvaziamento do poder das maiorias, pelo
engessamento da legislação ordinária, bem como em face do decisionismo
judicial, potencializado pela textura aberta e vaga das normas
constitucionais.319
Esse estado de constitucionalismo contemporâneo, ou
neoconstitucionalismo, convive com um conflito de caráter geral, que diz
respeito ao próprio papel da Constituição, consubstanciado em duas ideias
antagônicas, quais sejam, o substancialismo e o procedimentalismo:

A primeira delas sustenta que cabe à Constituição impor ao cenário


político um conjunto de decisões valorativas que se consideram
essenciais e consensuais. Essa primeira concepção pode ser
descrita, por simplicidade, como substancialista. Um grupo importante
de autores, no entanto, sustenta que apenas cabe à Constituição
garantir o funcionamento adequado do sistema de participação
democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico,
a definição de seus valores e de suas opções políticas. Nenhuma
geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções materiais.
Esta segunda forma de visualizar a Constituição pode ser designada
320
de procedimentalismo.

Assim, pode-se perceber que uma visão fortemente substancialista


tenderá a justificar um controle de constitucionalidade mais rigoroso e
abrangente dos atos e normas produzidos no âmbito do estado, ao passo que
uma percepção procedimentalista conduzirá a uma postura mais deferente
acerca das decisões dos Poderes Públicos.321

319
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 391.
320
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de
políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 7.
Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso
em: 02 set. 2010. (Grifo do autor)
321
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de
políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 9.
Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso
em: 02 set. 2010.
116

Na visão substancialista, o estado democrático de direito depende


muito mais de uma ação concreta do Judiciário do que de procedimentos
legislativos e administrativos, especialmente porque os Poderes Executivo e
Legislativo não cumprem os programas especificados na Constituição, visando
a uma sociedade mais justa, a erradicação da pobreza etc., razão pela qual, na
falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do estado democrático,
surge o Judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não
realizados.322
Todavia, em um estado democrático, não se pode pretender que a
Constituição invada o espaço da política em uma versão de substancialismo
radical e elitista, em que as decisões políticas são transferidas, do povo e de
seus representantes, para os juristas e operadores do direito em geral, uma
vez que a definição dos gastos públicos é um momento de deliberação político-
majoritária, ainda que essa deliberação não esteja livre de alguns
condicionantes político-constitucionais.323

3.1.3 A autolimitação judicial


Segundo Canotilho, “o princípio da autolimitação judicial é outro dos
princípios importados da jurisprudência norte-americana e fundamentalmente
reconduzível ao seguinte: os juízes devem autolimitar-se à decisão de
questões judiciais e negar a justiciabilidade das questões políticas. O princípio
foi definido pelo juiz Marshall como significando haver certas ‘questões
políticas’ da competência do Presidente, em relação às quais não pode haver
controlo jurisdicional.”324
Barroso esclarece que “o oposto do ativismo é a auto-contenção
judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir ao mínimo sua
interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i)
322
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 38.
323
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de
políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 13-14.
Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso
em: 02 set. 2010.
324
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1308-1309. (Grifo do autor)
117

evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu


âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador
ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na
definição das políticas públicas.”325
Todavia, a autolimitação ou autocontenção judicial (self-restraint)
cada vez é menos praticada pela justiça brasileira, pois a tendência é no
sentido de se alargar o âmbito de atuação do Judiciário em nome da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, com a consequente restrição do
exercício da política pelos verdadeiros titulares, em desprestígio ao princípio
democrático.
A atuação do Poder Judiciário pode advir de três situações distintas,
a saber: quando não há manifestação do legislador/administrador; quando há
manifestação, mas em desacordo com norma constitucional; quando há
manifestação, mas moralmente questionável.
Como guardião da Constituição, o Judiciário pode analisar a
constitucionalidade das leis, atos normativos e administrativos, mas somente
quando em flagrante desacordo com norma constitucional. Nas demais
hipóteses, deve remeter a matéria ao foro apropriado, em homenagem ao
princípio democrático, uma vez que não lhe cabe exercer preferências políticas.
Com efeito, a postura de autolimitação decorre da falta de
legitimidade democrática do julgador para decidir sobre escolhas feitas pelo
povo, na pessoa de seus representantes legais, os quais foram
democraticamente eleitos para defender os interesses da sociedade.
A lógica própria do ordenamento jurídico brasileiro indica um
crescente movimento de limitação dos tribunais, motivado pelo bom
funcionamento dos arranjos institucionais, pois se o “funcionamento dos
poderes é adequado, não há por que promover a intervenção do Judiciário na
atuação do Executivo ou do Legislativo, não há por que proporcionar a

325
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 285.
118

supremacia do poder eminentemente jurídico sobre as manifestações típicas


da política”.326
Assim, ainda que sob a égide da jurisdição constitucional, em que é
dado ao Poder Judiciário analisar a constitucionalidade das leis e atos
normativos, não é possível ao juiz apreciar algumas matérias sujeitas ao juízo
do administrador ou legislador, sob pena de ofensa ao princípio da separação
de poderes.
A fim de compatibilizar a jurisdição constitucional com o princípio
democrático, deve o Judiciário compreender que existem matérias que não
devem ser judicializadas, pois atinentes à competência dos demais Poderes.

3.1.4 O controle das políticas públicas


Alcindo Gonçalves apresenta uma série de definições de políticas
públicas, esclarecendo que elas constituem-se em ações de governo e tendem
a focalizar o estado como agente central de sua promoção. Traz o conceito
formulado por Fábio Konder Comparato, para quem política pública significa
um conjunto de normas tendentes à realização de um objetivo determinado.
Apresenta, ainda, o conceito formulado por Paulo Renato Flores Durán,
segundo o qual política pública é a busca explícita e razoável de um objetivo
graças à alocação adequada de meios onde a utilização razoável deve produzir
consequências positivas.327
Como agente encarregado de implementar políticas públicas, o
estado passou a ter um papel assistencialista, de promotor do bem-estar social.
É o chamado Welfare State, construção europeia desenvolvida principalmente
após a segunda guerra mundial, cuja responsabilidade é no sentido de garantir
o bem-estar básico dos cidadãos.328
Eros Roberto Grau esclarece que “a expressão políticas públicas
designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção

326
HORBACH, Carlos Bastide. Controle judicial da atividade política: as questões políticas e os
atos de governo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 46, n. 182, p. 7-16, abr./jun.
2009, p. 16.
327
GONÇALVES, Alcindo. Políticas públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 75.
328
GONÇALVES, Alcindo. Políticas públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari
(Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77.
119

do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o


próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública
– o direito é também, ele próprio, uma política pública”.329
Por outro lado, de acordo com a clássica teoria da separação de
poderes, adotada pela maior parte das Constituições, inclusive a brasileira, a
função de administrar a coisa pública cabe ao Poder Executivo, que deve
implementar as políticas públicas para promover o bem-estar social, muito
embora não se negue ao Judiciário o direito de, excepcionalmente, interferir na
sua execução por meio do julgamento das ações que lhe são endereçadas.
Quer-se aqui dizer, apenas, que compete ao Poder Executivo,
primordialmente, a função de administrar a coisa pública e, consequentemente,
implementar as políticas públicas em benefício da coletividade.
Assim, considerando que a função de implementar políticas públicas
pertence ao Poder Executivo, bem como que tais políticas constavam – ou
deveriam constar – em um programa de governo previamente elaborado, que
foi inclusive a causa do sucesso nas eleições, pode-se concluir que somente
nos casos em que as políticas públicas prometidas não estiverem sendo
executadas deverá o Judiciário interferir.
Em princípio, o acerto ou desacerto da política pública adotada não
poderá ser objeto de controle judicial, especialmente porque o governante foi
eleito e representa a vontade popular, sob pena de afronta ao princípio
democrático, salvo nos casos de políticas públicas teratológicas ou em
flagrante contrariedade à Constituição.
Portanto, a jurisdicidade das políticas públicas deve ser analisada
com cautela pelo Poder Judiciário, conforme adverte Gustavo Franco:

Levar as políticas públicas para o Judiciário, buscando nelas


identificar algum ângulo geralmente fictício de “irregularidade”, é
questionar as escolhas do eleitor, levando o resultado das urnas para
o “tapetão” e criando, desta forma, a tão perniciosa insegurança
jurídica. Trata-se aí de servir-se do Judiciário para criar embaraços às
políticas do adversário político de forma a constranger, denegrir e
procrastinar. Democracia é diversidade, temperada por tolerância,

329
GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e pressuposto. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
p. 26. (Grifo do autor)
120

esta, por sua vez, deve ser administrada com sabedoria pelo
330
Judiciário.

Portanto, o controle judicial sobre as políticas públicas seria


impróprio, uma vez que a formulação das políticas públicas cabe, em regra, ao
Poder Executivo, dentro de marcos definidos pelo Poder Legislativo, conforme
lição de Canotilho:

O relevo modesto da inconstitucionalidade por omissão prova as


dificuldades do controlo das políticas públicas. Estas reconduzem-se
fundamentalmente a um conjunto de decisões e ações adoptadas
pelo Governo para influir sobre o problema. Os juízes não se podem
transformar em conformadores sociais, nem é possível, em termos
democrático processuais, obrigar juridicamente os órgãos políticos a
cumprir um determinado programa de ação. Pode censurar-se,
através do controlo de constitucionalidade, actos normativos
densificadores de uma política de sinal contrário à fixada nas normas-
tarefa da Constituição. Mas a política deliberativa sobre as políticas
331
da República pertence à política e não à justiça.

A polêmica sobre o controle judicial de políticas públicas pode ser


sintetizada na seguinte indagação: “uma vez que a política pública é expressão
de um programa de ação governamental, que dispõe sobre os meios de
atuação do Poder Público – e, portanto, com grande relevo para a
discricionariedade administrativa, amparada pela legitimidade da investidura do
governante no poder –, como pode, e até que ponto, o Poder Judiciário
apreciar determinada política pública sem que isso represente invasão indevida
na esfera própria da atividade política de governo?”332
A resposta a tal indagação foi dada por Luís Roberto Barroso, ao
tratar do tema concernente ao direito à saúde, que pode ser atendido por meio
de variadas políticas públicas, a cargo dos respectivos representantes eleitos
pelo povo:

330
Ao prefaciar a seguinte obra: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev.
e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 17.
331
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 946.
332
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria
Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 23.
121

Esse primeiro parâmetro decorre também de um argumento


democrático. Os recursos necessários ao custeio dos medicamentos
(e de tudo o mais) são obtidos através da cobrança de tributos. E é o
próprio povo – que paga os tributos – quem deve decidir
preferencialmente, por meio de seus representantes eleitos, de que
modo os recursos públicos devem ser gastos e que prioridades serão
atendidas em cada momento. A verdade é que os recursos públicos
são insuficientes para atender a todas as necessidades sociais,
impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões
difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar
de investi-los em outros. A decisão judicial que determina a
dispensação de medicamento que não consta das listas em questão
333
enfrenta todo esse conjunto de argumentos jurídicos e práticos.

Com efeito, o acerto ou não da política pública adotada deve ser


resolvido na seara apropriada – nas urnas ou por meio da manifestação
popular, por exemplo, em respeito ao princípio democrático –, sob pena de o
Judiciário transformar-se em administrador público, em afronta ao princípio da
separação de poderes.
De fato, nos estados democráticos, a escolha dos governantes, bem
como dos respectivos programas de governo, cabe ao povo, que os elege – ou
deveria elegê-los – com base no perfil do candidato, que inclui a sua propensão
a desenvolver determinadas políticas públicas, conforme o programa do partido
do qual ele faz parte.
Assim, por meio do voto, o povo elege o governante levando em
conta também a política pública prometida, de sorte que a execução daquela
determinada política pública representa a opção popular, que não deve ser
afastada, salvo quando em flagrante confronto com a Constituição.
A interferência do Judiciário somente pode ser considerada legítima
quando o administrador deixa de executar as propostas de governo e as
políticas públicas por ele prometidas ou quando as políticas públicas adotadas
afastam-se flagrantemente da Constituição.
Ademais, o ato de gerir a coisa pública exige do administrador
escolhas difíceis, pois a escassez de recursos obriga-o a privilegiar
determinadas políticas públicas em detrimento de outras, mostrando-se inviável

333
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurídica
UNIJUS, Uberaba, v. 11, n. 15, p. 13-38, nov./2008, p. 31. Disponível em:
<http://www.uniube.br/publicacoes/unijus/arquivos/unijus_15.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2010.
122

censurar ou responsabilizar a Administração Pública por situações que


escapam da sua capacidade orçamentária.
A ideia da reserva do possível está incorporada na tradição
ocidental, assentando-se na constatação de que a obrigação impossível não
pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185), de
sorte que a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada
uma mera falácia.334
Realmente, a reserva do possível representa um óbice a uma
perfeita implementação de políticas públicas, cuja limitação decorre da
insuficiência de recursos para a realização de todas as prestações materiais a
cargo do estado, de sorte que o atendimento de determinados direitos sociais
acabaria por impedir a realização de outras prestações materiais.335
Portanto, a plena eficácia dos direitos sociais deve ser analisada à
luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face
do estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que
existam condições financeiras para o cumprimento de obrigações por parte
dele, de nada adiantando ordem judicial que não possa ser cumprida pela
Administração por falta de recursos.336
Contudo, não basta por parte do estado a simples alegação de
insuficiência de recursos, mas a comprovação de sua real inexistência, também
chamada de exaustão orçamentária.
Conforme esclarece Eros Roberto Grau, a exaustão orçamentária “é
a situação que se manifesta quando inexistirem recursos suficientes para que a
Administração possa cumprir determinada ou determinadas decisões judiciais.
Não há, no caso, disponibilidade de caixa que lhe permita cumpri-las”.337

334
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 1185474/SC, Relator: Ministro
Humberto Martins, Brasília, 2010, julgado em 20/04/2010, Diário da Justiça eletrônico de
29/04/2010.
335
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Estudos de direito público. Belo Horizonte:
Fórum, 2008. p. 101.
336
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º
28.962/MG, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Brasília, 2009, julgado em 25/08/09, Diário
de Justiça eletrônico de 03/09/2009.
337
GRAU, Eros Roberto. Despesa pública: conflito entre princípios e eficácia das regras
jurídicas: o princípio da sujeição da administração às decisões do poder judiciário e o princípio
da legalidade da despesa pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 2, p.
130-148, 1993, p. 144.
123

Todavia, existindo o problema da escassez de recursos, para a


definição do patamar mínimo a permitir a superação da limitação imposta pela
reserva do possível, o parâmetro demarcatório é o princípio da dignidade da
pessoa humana, o qual representaria o verdadeiro limite à restrição dos direitos
sociais, de sorte que na esfera das condições existenciais mínimas encontra-se
um claro limite à liberdade de conformação do legislador.338
Por outro lado, conforme entendeu o tribunal alemão, “a prestação
reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da
sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo
poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que
não se mantenha nos limites do razoável”.339
Assim, se por um lado a aplicação da teoria da reserva do possível
implica reconhecer a inexistência de supremacia absoluta dos direitos
fundamentais em toda e qualquer situação, por outro pode-se afirmar a
inexistência da supremacia absoluta do princípio da limitação orçamentária
como óbice à efetivação dos direitos fundamentais.
Com efeito, as políticas públicas destinam-se a promover, também,
os direitos sociais, que demandam uma atuação positiva do estado, razão pela
qual devem ter um desenvolvimento progressivo em face das limitações
impostas pela ideia da reserva do possível:

Estes direitos sociais prestacionais que são de cunho programático,


não gozam da máxima efetividade, sujeitando-se, portanto, ao limite
da reserva do possível, uma vez que só podem ser concretizados
através de condições econômicas, sociais e culturais que fogem a
alçada do constituinte e, também do legislador ordinário. Muitas
vezes necessitam, inclusive, também da presença do Executivo para
sua efetividade, em especial, indicando as fontes de recursos que
irão fazer frente às despesas decorrentes da execução de tal
programa.
Assim, de nada adianta apenas haver uma lei ou uma norma
constitucional que pretenda declarar o direito ao trabalho, à
educação, para que todos possam alcançar tais direitos, para que

338
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 323.
339
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 265.
124

todos possam ter trabalho, escola, emprego. Os direitos econômicos,


340
sociais e culturais dependem de uma realidade.

Tanto é assim que a própria Convenção Americana Sobre Direitos


Humanos, em seu artigo 26, preconiza que os estados signatários
comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como
mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim
de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem
das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,
constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo
Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via
legislativa ou por outros meios apropriados.
Portanto, as políticas públicas adotadas pelo administrador podem
não atender satisfatoriamente os direitos sociais, mas nem por isso devem ser
afastadas e substituídas por outras pelo Poder Judiciário, sob a simples
alegação de seu desacerto, salvo quando, vale a pena repetir, forem
teratológicas ou fragrantemente contrárias à Constituição Federal.
Assim, quando a política pública adotada for razoável, não é lícito ao
Judiciário afastá-la para atender interesses individuais, em prejuízo do coletivo,
semeando a anarquia nas contas públicas.
De fato, a título de exemplo, em quatro anos, os gastos do Ministério
da Saúde foram multiplicados 138 vezes, cujo salto não se deve somente à
maior atenção para com o setor, mas também é o resultado de ações
judiciais341, o que não significa melhora no sistema de saúde como um todo,
mas mostra que a interferência do Judiciário nas políticas públicas deve ser
feita com cautela, sob pena de inviabilizar o orçamento público.
Todavia, nas hipóteses em que o Poder Judiciário está legitimado a
agir, após a provocação da parte interessada, a sua atuação deve ser eficaz e
tempestiva, já que um direito fundamental pode estar sendo desrespeitado.

340
NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 80.
341
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
56.
125

Nesses casos, eventual morosidade da justiça causará sérios


prejuízos ao desenvolvimento social, especialmente porque o Poder Judiciário
não funcionará como garantidor de direitos fundamentais. Ao contrário, ele
próprio será o responsável pela ofensa a um direito fundamental, qual seja, o
direito à razoável duração do processo.

3.2 A morosidade da justiça e o desenvolvimento social


Desenvolvimento social é o processo pelo qual se desenvolve o fator
humano na sociedade, incluindo “a promoção dos direitos humanos
fundamentais, a participação no processo de decisão política e em todos os
esforços que objetivem um desenvolvimento global visando alcançar justiça e
bem-estar para todos, sem que nenhum segmento social seja marginalizado
desse processo”.342
Ele decorre da melhora da qualidade de vida da população, a partir
da constatação da melhoria de índices de saúde, trabalho, educação,
expectativa de vida, que indicam a existência de vida digna para as pessoas:

A palavra desenvolvimento possui dois significados: refere-se a


qualquer processo de crescimento ou mudança e, ao mesmo tempo,
significa um especial tipo de crescimento semelhante ao modelo dos
países desenvolvidos. Assim, no segundo sentido, alguns países são
subdesenvolvidos, mas, no primeiro, todos os países vêm se
desenvolvendo de alguma forma. Por sua vez, desenvolvimento
compreende mais do que considerações materialistas, econômicas
ou quantitativas, é mais do que mera acumulação de capital, porque
tem uma dimensão qualitativa que, embora difícil de mensurar, é
importante reconhecer. A busca do desenvolvimento pelos países
implica mais do que uma mera luta pela melhoria das condições
materiais dos seus cidadãos, porque além de um ambiente que
garanta bens e serviços aos nacionais, os Direitos Humanos e o
desenvolvimento sustentável devem ser implementados, bem como a
busca da identidade cultural e de relações externas, através do
comércio internacional, investimentos nacionais e estrangeiros, que
incluam na atividade produtiva os setores excluídos da população, de
forma digna e sustentável. São requisitos, portanto, que colaboram
para a melhoria dos índices de saúde, educação, habitação e
343
trabalho.

342
FULGENCIO, Paulo Cesar. Glossário vade mecum: administração pública, ciências
contábeis, direito, economia, meio ambiente: 14.000 termos e definições. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2007. p. 201.
343
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 98.
126

Segundo o IBGE, diz-se que um país é socialmente desenvolvido


quando a sua população tem um ótimo nível de qualidade de vida. Mas o
"ótimo" é sempre relativo a um "menos ótimo", o que significa que só a
comparação entre duas ou mais populações é que permite avaliar o nível de
desenvolvimento social de um país. Então, o que deve ser considerado para se
fazer a avaliação? Em primeiro lugar, a proporção de pessoas que têm as suas
necessidades básicas satisfeitas (alimentação necessária para atender aos
requisitos nutricionais mínimos, trabalho, escola, hospital e assistência médica,
moradia servida de água tratada, esgotamento sanitário, energia elétrica e
coleta de lixo). Em segundo lugar, a comparação dessas proporções entre
países, ou entre regiões de um mesmo país.344
De acordo com o pensamento econômico ortodoxo, todos os
esforços devem ser voltados para o crescimento econômico, ou seja, para o
aumento do produto bruto e do produto per capita, uma vez que alcançando as
metas de crescimento, todo o restante resolve-se.345
Todavia, embora o crescimento econômico seja fundamental, não é
verdade que ele sozinho seja capaz de produzir desenvolvimento social, já que
se estaria transformando um meio fundamental em um fim último.346
De fato, economias do Leste Asiático, a começar pelo Japão,
buscaram mais cedo a expansão em massa da educação e saúde mesmo
antes de romper os grilhões da pobreza generalizada.347
José Eli da Veiga contesta a relação do desenvolvimento com o
crescimento econômico, já que tudo vai depender de como o crescimento
raquítico será utilizado pela sociedade, de sorte que se mostra errado deduzir
de forma simplória que não há desenvolvimento sem crescimento econômico:

344
Extraído do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/duvidas/desenvolvimentosocial.html>. Acesso em: 15 dez.
2010.
345
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez,
2001. p. 21-22.
346
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez,
2001. p. 24.
347
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. de Laura Teixeira Motta.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 58.
127

Chocante ilustração desse fenômeno está na trajetória de elevação


da expectativa de vida na Inglaterra no século passado. Não há
característica mais elementar do processo de desenvolvimento do
que a capacidade das pessoas sobreviverem em vez de sucumbirem
à morte prematura.
Ora, contrariamente ao que diriam os que supõem que o
desenvolvimento seja diretamente proporcional ao crescimento, a
longevidade dos ingleses aumentou bem mais em períodos de
crescimento medíocre.
A expectativa de vida aumentou 6,5 anos no período 1911-21 e 6,8
anos no período 1940-51, mais do que o dobro do que aumentou nas
décadas de 1920 e de 1950.
Ou seja, um dos melhores indicadores de desenvolvimento avançou
mais em duas circunstâncias bem adversas, com racionamento
alimentar, dificuldades higiênicas e morticínio.
Bastam rápidas consultas aos já clássicos "Phases of capitalist
development", de Angus Madison, e "Causes of death", de S. Preston
et al., para perceber que as décadas de mais rápida expansão da
expectativa de vida na Inglaterra do século XX foram esses dois
períodos de crescimento muito lento do PIB per capita.
E a explicação desse aparente paradoxo está no fato de que foram
conjunturas de alta coesão social entre os britânicos. Períodos que
exigiram intensa solidariedade no enfrentamento das dificuldades
348
impostas pelas duas guerras mundiais.

A ideia de desenvolvimento sempre esteve atrelada à de aumento


da produção, porém hoje ninguém mais confunde aumento da produção com
melhoria do bem-estar social:

O conceito de desenvolvimento surgiu com a idéia de progresso, ou


seja, de enriquecimento da nação, conforme o título do livro de Adam
Smith, fundador da Ciência Econômica. O pensamento clássico, tanto
na linha liberal como na marxista, via no aumento da produção a
chave para melhoria do bem-estar social, e a tendência foi de
assimilar o progresso ao produtivismo. Hoje, já ninguém confunde
aumento da produção com melhoria do bem-estar social. Mede-se o
desenvolvimento com uma bateria de indicadores sociais que vão da
mortalidade infantil ao exercício das liberdades cívicas. Desse ponto
de vista, o Brasil apresenta um quadro muito pouco favorável, pois é
um dos países em que é maior a disparidade entre o potencial de
recursos e a riqueza já acumulada, de um lado, e as condições de
vida da grande maioria da população, de outro. O crescimento
econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças
do mercado, mas o desenvolvimento social é fruto de uma ação
política deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de
promover essa política, o desenvolvimento se inviabiliza ou assume
349
formas bastardas.

348
VEIGA, José Eli da. A Emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 20.
349
FURTADO, Celso Monteiro. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro;
COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed.
São Paulo: Editora 34, 1996. p. 64.
128

A atuação do sistema judicial provoca efeitos positivos ou negativos


no desenvolvimento social. De fato, muitos países em desenvolvimento
possuem sérios problemas de segurança jurídica, frequentemente combinados
com corrupção e impunidade, tornando os ambientes social e econômico
bastante inseguros.350
O Direito apresenta-se e vale como um instrumento de organização
social, que deve ser colocado a serviço da sociedade e dos homens que a
compõem, para facilitar e viabilizar uma forma de estrutura e relações sociais
que assegurem a todos os indivíduos o seu pleno desenvolvimento humano,
dentro de uma sociedade capaz de promovê-lo e assegurá-lo.351
O desenvolvimento, dentro do contexto Direito e Desenvolvimento, é
um eufemismo para o progresso social, onde em função do desenvolvimento
possam existir melhorias nos índices de saúde, educação, habitação e
trabalho.352
Por outro lado, o Direito reflete o estágio histórico vivido pela
sociedade, razão pela qual o normal seja a sociedade reformar a lei, pois
conforme adverte Jean Cruet, se “vê todos os dias a sociedade reformar a lei;
nunca se viu a lei reformar a sociedade”.353
Todavia, é possível a lei mudar a sociedade, pois o Direito pode ser
visto também como um instrumento de transformação social, não se podendo
desprezar a influência das decisões judiciais, especialmente quando
impregnadas de inegável ativismo:

Certo é que a vontade impulsiona predominantemente a evolução


social. Mas é de ter-se igualmente por inegável que o Direito pode
mudar ou apressar o curso dessa evolução, a exemplo do que ocorre,
verbi gratia, com as mutações de natureza constitucional e com as
leis que modificam substancialmente o direito positivo. E igualmente
não se pode desprezar a influência das decisões judiciais,
notadamente quando estas são tocadas pelo ativismo, como

350
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 370.
351
MONREAL, Eduardo Novoa. El Derecho como obstáculo al cambio social. 14. ed.
México: Siglo Veintiuno, 2002. p. 17.
352
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 63.
353
Apud: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008. p. 127.
129

exemplifica a Suprema Corte dos Estados Unidos, com notória


354
repercussão naquele País.

Pesquisas realizadas pelo Banco Mundial indicam que a falta de um


sistema judiciário é vista como o terceiro maior obstáculo para o
desenvolvimento do setor privado, depois da inflação e da falta de
infraestrutura básica, sendo que os requisitos para um sistema judicial eficaz
incluem: resultados relativamente previsíveis dos tribunais; acessibilidade da
população aos tribunais, independentemente do nível de renda; prazo razoável
para o julgamento; remédios jurídicos adequados.355
Ademais, um sistema judicial eficiente possibilita maior controle e
fiscalização das relações do mercado, bem como maior efetividade na
aplicação das normas de direito econômico, penal e administrativo em caso de
ilícitos dessa natureza. Por outro lado, a ineficiência do sistema judicial provoca
um clima de insegurança jurídica na sociedade e na economia, inibindo a
atividade econômica e o desenvolvimento social.356
A relação entre desenvolvimento social e sistema judicial e jurídico é
relevante para aferir-se o grau de desenvolvimento, pois quanto mais ordenado
e uniforme forem tais sistemas, maior será a coincidência da aplicação da lei
com a realidade do cotidiano da sociedade, de sorte que quanto mais
desenvolvidos forem os sistemas jurídico e judicial de uma nação, maior será o
seu desenvolvimento econômico, social e político.357
Por sua vez, o Poder Judiciário assume a função de guardião da
cidadania, por meio de uma postura compatível com a evolução do direito e da
sociedade, na busca do desenvolvimento social e da preservação da dignidade
humana:

354
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 128.
355
BUSCAGLIA, Edgardo; RATLIFF, William. Law and economics in developing countries.
Stanford: Hoover Institution, 2000. p. 56-57.
356
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 33.
357
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 104-
105.
130

Um Judiciário, enfim, mais próximo dos nossos ideais: dinâmico, ágil,


responsável, eficaz, eficiente, impregnado de humanismo, que veja
na norma mais a sua legitimidade que o aspecto formal da legalidade,
que priorize os princípios fundamentais no confronto com os
preceitos, que entenda que o Direito, como qualquer obra humana,
como lembrava no passado Radbruch, só pode ser compreendido se
358
vinculado a valores.

O Judiciário deve estar sintonizado com a evolução da sociedade,


ou seja, com a “constante preocupação pelas aspirações sociais, pelos fatos e
valores que devem se integrar na unidade harmônica da norma jurídica”.359
Ademais, o processo é o mecanismo pelo qual o estado entrega a
tutela jurisdicional, sendo o conjunto de atos tendentes à composição da lide,
do ponto de vista científico, e o instrumento de efetivação das garantias
constitucionalmente asseguradas, sob o ponto de vista da cidadania.360
Portanto, um sistema judicial eficiente produz subsídios para o
desenvolvimento social, pois propicia uma eficaz arrecadação tributária, bem
como melhores serviços públicos e de infraestrutura, gera empregos, incentiva
investimentos, tanto internos como externos, produzindo o crescimento
econômico e a redução das taxas de juros.361
Uma das variáveis do desenvolvimento social é o trabalho, que para
existir precisa de investimento, o qual depende de um ambiente institucional
que possibilite a segurança jurídica.362
Todavia, a descrença nas instituições do sistema judicial tem
provocado repercussões negativas no desenvolvimento social e econômico, em
razão da consequente inibição dos investimentos, impedindo a redução das
taxas de desemprego.363

358
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 129.
359
REALE, Miguel. Miguel Reale na UnB: conferências e comentários de um seminário
realizado de 9 a 12 de junho de 1981. Brasília: Editora UnB, 1981. p. 139.
360
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. p. 40.
361
FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & economia: equação desejada e necessária.
Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível
em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/86/75>. Acesso
em: 13 dez. 2010.
362
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 372.
363
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 32.
131

Com efeito, segundo o Consultor Internacional de Justiça Robert


Sherwood, autor de uma pesquisa mundial sobre o impacto econômico do
funcionamento da justiça, se o Poder Judiciário funcionasse bem no Brasil os
investimentos estrangeiros aumentariam em 12% e o emprego cresceria
18%.364
Assim, a ineficiência do sistema judicial é uma das causas do
subdesenvolvimento social, mas não a única, pois há outras variáveis, como as
de natureza política, a saber: sistema político clientelista; sistema eleitoral com
sub-representação dos estados-membros mais populosos; sistema partidário
complexo e inibidor de vínculos dos representantes com os representados; falta
de independência e democratização do Poder Judiciário. Também há causas
de natureza econômico-institucional para o subdesenvolvimento social, quais
sejam: sistema tributário ineficiente e irracional; burocracia excessiva; juros
exorbitantes; infraestrutura de serviços cara e precária; falta de competitividade
sistêmica, que dificulta o desenvolvimento da atividade econômica ao inibir os
investimentos.365
Uma das contribuições que o Poder Judiciário eficiente pode dar
para o desenvolvimento social é a guarda dos direitos humanos, pois o
problema atual não é a sua fundamentação, mas simplesmente a sua proteção:

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas
jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber
quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu
fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
366
continuamente violados.

364
Apud: LEAL, Rogério Gesta. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais:
aspectos introdutórios. Brasília: ENFAM, 2010. p. 41. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1768>. Acesso em: 05
jan. 2011.
365
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 31.
366
BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campos, 1992. p. 25.
132

Portanto, o Poder Judiciário tem um papel fundamental na guarda


dos direitos do homem, já que não basta simplesmente declará-los, mas
principalmente garantir que tenham efetividade.
Por força do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,
todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou
reparatória de direito individual, coletivo, difuso ou até individual homogêneo,
constituindo um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de
administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação
jurisdicional, relativamente ao conflito de interesse qualificado por uma
pretensão irresistível.367
Assim, a judicialização faz parte do amadurecimento da sociedade,
que está cada vez mais ciente de seus direitos e não poupa esforços em
recorrer ao Judiciário quando eles forem desrespeitados, tendo o Judiciário o
poder-dever de garantir a efetivação dos direitos do homem, quando houver
desrespeito por quem quer que seja:

O Judiciário é o poder naturalmente encarregado de cumprir essa


missão de concretizar, densificar e realizar praticamente as
mensagens normativas da Constituição. E o constituinte brasileiro de
1988 o proveu de condições para bem se desincumbir da empresa.
Dotou-o de independência frente aos demais poderes, de autonomia
administrativa e financeira e cometeu ao órgão máximo da Justiça a
guarda precípua da própria Constituição.
Além de todos os direitos fundamentais assegurados na Constituição
dependerem do Judiciário para sua efetiva concretização, a exata
compreensão do papel dos princípios fará com que o Juiz possa
implementar todas as mensagens normativas da Carta. A adoção de
um texto fundante principiológico é eloqüente prova de que o Estado-
Nação brasileiro pretendeu confiar ao intérprete da Constituição a
368
missão de adensar, aprimorar e concretizar a vontade constituinte.

O desenvolvimento social passa pela concretização dos direitos


assegurados na Constituição, sendo que somente um Judiciário efetivo pode
garantir que tais direitos sejam respeitados.

367
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 3. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 178.
368
NALINI, José Renato. Ética em tempos de crise. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 88,
n. 760, p. 461-471, fev./1999, p. 466.
133

De fato, cabe ao Poder Judiciário garantir e efetivar o pleno respeito


aos direitos humanos fundamentais, como guardião das leis, não podendo a lei
excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça de direito.369
Conforme já visto, existe uma diferenciação entre direitos humanos e
direitos fundamentais. A expressão direitos humanos tem relação com os
documentos de direito internacional, pois se refere às posições jurídicas que
reconhecem o ser humano como tal, sem vinculação à determinada ordem
constitucional de um estado, razão pela qual são universalmente válidos e têm
caráter supranacional. Os direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos
humanos reconhecidos e positivados na esfera constitucional de um
determinado estado.370
Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais
está ligada à fonte das quais esses direitos provenham: os direitos humanos
são aqueles reconhecidos pela ordem internacional, enquanto os direitos
fundamentais são reconhecidos pela ordem interna (direito positivo) de
determinado estado.
A doutrina classifica os direitos fundamentais em três categorias,
com base na ordem cronológica de seu reconhecimento constitucional. Os
direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais e políticos
clássicos (liberdades públicas), surgidos a partir da Magna Charta. Os direitos
fundamentais de segunda geração compreendem os direitos econômicos,
sociais e culturais. Já os direitos fundamentais de terceira geração (direitos de
solidariedade ou fraternidade) englobam os direitos difusos, como o direito ao
meio ambiente equilibrado, saudável qualidade de vida, progresso, paz,
autodeterminação dos povos.371

369
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002. p. 52.
370
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p. 35-36.
371
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002. p. 45. Segundo Paulo Bonavides há, ainda, os direitos fundamentais de
quarta geração, que compreendem o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo. Cf.: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 524.
134

O direito a um ambiente saudável e o direito ao desenvolvimento


foram incluídos como terceira geração de direitos humanos, tendo sido
inclusive reconhecidos na declaração adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas de 1986, bem como na Declaração da Conferência Mundial de
Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, que ratifica o direito ao
desenvolvimento e ressalta a importância do ambiente institucional para a sua
implementação.372
Por outro lado, os direitos fundamentais podem ser divididos em dois
grupos, a saber: direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações
(positivos). Os direitos de defesa pressupõem a abstenção do estado frente às
liberdades dos indivíduos, enquanto os direitos prestacionais reclamam a
prática de atos concretos por parte do Poder Público.373
Todavia, os direitos de defesa não demandam apenas a atuação
negativa do estado, pois ele precisa garantir a manutenção da ordem pública e
a segurança da sociedade para que as liberdades públicas sejam exercidas,
razão pela qual em alguns direitos de liberdade o estado tem obrigações
específicas de caráter positivo:

No tipo constitucional de Estado Social de Direito, direitos de


liberdade e direitos sociais são direitos fundamentais, pois constando
da Constituição, não ficam mais à mera vontade do legislador
ordinário. Entretanto, são direitos de estrutura diversa e de eficácia
bem diferentes. Os direitos de liberdade são direitos negativos, mas
não são puros direitos negativos, uma vez que em relação a muitos
desses direitos de liberdade há consciência de que não basta ao
Estado respeitar ou abster-se ao não fazer para que a liberdade
possa ser exercida ou garantida. O Estado tem uma obrigação de
manutenção de ordem pública, de dar segurança à sociedade. Esta é
uma obrigação positiva do poder público. Quando o Estado afirma
que garante direitos de liberdade deve o mesmo garantir condições
374
de segurança para que a liberdade seja exercida.

Assim, enquanto a tutela dos direitos de defesa demanda atuação


negativa do estado, ou seja, apenas um não fazer, a tutela dos direitos

372
CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e
desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 105.
373
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 194-210.
374
NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 78.
135

prestacionais realiza-se por meio da atuação positiva do Poder Público, através


de prestações, que geralmente demandam dotação orçamentária específica,
como no caso da implementação de direitos sociais:

Ao contrário dos direitos individuais, civis e políticos e das garantias


fundamentais desenvolvidos pelo liberalismo burguês com base no
positivismo normativista, cuja eficácia requer apenas que o Estado
jamais permita sua violação, os direitos sociais não podem
simplesmente ser “atribuídos” aos cidadãos. Como não são “self-
executing” nem muito menos fruíveis ou exeqüíveis individualmente,
esses direitos têm sua efetividade dependente de um “welfare
commitment”. Em outras palavras, necessitam de uma ampla e
complexa gama de programas governamentais e de políticas públicas
dirigidas a segmentos específicos da sociedade; políticas e
programas especialmente formulados, implementados e executados
com o objetivo de concretizar esses direitos e atender às expectativas
375
por eles geradas com sua positivação.

A tutela dos direitos de defesa pelo Poder Judiciário é


tranquilamente aceita pela doutrina e jurisprudência, mas a tutela dos direitos
prestacionais encontra algumas resistências, já que demanda atuação positiva
por parte do estado.
A proteção dos direitos prestacionais pelo Poder Judiciário,
normalmente, exige a interferência nas políticas públicas, o que encontra certa
resistência em face do princípio da separação de poderes, conforme já
analisado, mas é certo que um sistema judiciário eficiente pode contribuir
sobremaneira para o desenvolvimento social, notadamente em razão de sua
função de garantidor de direitos.

3.2.1 A tutela jurisdicional do meio ambiente


A intervenção intempestiva do Poder Judiciário nas questões
ambientais também prejudica o desenvolvimento social, já que a demora na
prevenção e a reparação tardia do meio ambiente prejudicam o exercício do
direito ao ambiente saudável, uma vez que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

375
FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 272-273.
136

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de


defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A tutela do meio ambiente pelo Poder Judiciário, assim como ocorre
em relação às políticas públicas, também encontra alguma resistência
doutrinária e jurisprudencial, uma vez que a intervenção judicial nas políticas
públicas ambientais faz com que os órgãos ambientais passem da função de
agentes da política ambiental para simples executores de decisões judiciais.
Todavia, como direito fundamental de terceira geração, o direito ao
meio ambiente equilibrado pode e deve ser objeto de controle judicial, pois a
natureza vem sendo paulatinamente destruída pelo homem:

Morador insensato de um planeta de recursos escassos, o homem


tem sido o mais eficiente destruidor da natureza. Usa dela como se
diante de um supermercado gratuito. A começar pelos bens mais
preciosos, água e ar, o balanço da atividade humana sobre a Terra
evidencia uma tendência suicida. A humanidade despeja na natureza,
todos os anos, 30 bilhões de toneladas de lixo! Quem mais sofre com
376
isso é a água. Bem que não se multiplica, nem se reproduz.

Portanto, a outorga ao Poder Judiciário da tutela dos interesses


difusos – no caso, o meio ambiente equilibrado –, não representa atribuição de
uma tarefa que não lhe caiba, mas sim o exercício de uma função típica, qual
seja, a entrega da prestação jurisdicional a quem pleiteia. De fato, quando
custodia interesses difusos, não está o Judiciário invadindo seara alheia, mas
simplesmente cumprindo o papel preordenado pela própria ordem
constitucional, de modo que se mostra legítima a interferência para suprir
omissão do Poder Público, incapaz de satisfazer integralmente a todos:377

A atuação do Judiciário para a defesa e proteção dos direitos


socioambientais deixa neste contexto de ser apenas uma questão
política para tornar-se um dever deste Poder com toda a sociedade
brasileira, e é neste quadro que deve inserir-se a preocupação com
378
as reformas do Poder Judiciário no Brasil.

376
NALINI, José Renato. A Cidadania e o protagonismo ambiental. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, n. 35, p. 56-64, jul./set. 2004, p. 57.
377
NALINI, José Renato. O Juiz e a proteção dos interesses difusos. Revista dos Tribunais,
São Paulo, ano 81, v. 680, p. 260-275, jun./1992, p. 265.
378
BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um Judiciário socioambientalmente responsável.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 48, p. 107-
120, 2008, p. 116-117.
137

Todavia, nem sempre o Poder Público é o responsável pela lesão ou


ameaça de lesão ambiental, ocasião em que a tutela jurisdicional deverá ser
dirigida contra o particular responsável pela conduta danosa.
Assim, para evitar lesão ao meio ambiente, o Poder Judiciário tem o
poder-dever de impedir que o dano seja causado, o que pode ser feito por meio
de tutelas inibitória e de remoção do ilícito, tão logo haja provocação da parte
interessada.
Após a ocorrência do dano, a tutela adequada será a ressarcitória,
na forma específica ou pelo equivalente em dinheiro, já que o objeto da ação
não será mais a prevenção do dano, mas sim a sua necessária reparação.
Portanto, para que o direito fundamental ao meio ambiente sadio
seja respeitado, é necessária uma ação – bem assim uma tutela jurisdicional
tempestiva – que seja capaz de impedir, preferencialmente, a ocorrência do
dano:

Para que o direito fundamental ao meio ambiente e as normas que


lhe conferem proteção possam ser efetivamente respeitados, é
necessária uma ação que i) ordene um não fazer ao particular para
impedir a violação da norma de proteção e o direito fundamental
ambiental; ii) ordene um fazer ao particular quando a norma de
proteção lhe exige uma conduta positiva; iii) ordene um fazer ao
Poder Público quando a norma de proteção dirigida contra o particular
requer uma ação concreta; iv) ordene um fazer ao Poder Público para
que a prestação que lhe foi imposta pela norma seja cumprida; v)
ordene ao particular um não fazer quando o estudo de impacto
ambiental, apesar de necessário, não foi exigido; vi) ordene ao
particular um não fazer quando o licenciamento contraria o estudo de
impacto ambiental sem a devida fundamentação, ressentido-se de
vício de desvio de poder; vii) ordene ao particular um não fazer
quando o licenciamento se fundou em estudo de impacto ambiental
incompleto, contraditório ou ancorado em informações ou fatos falsos
379
ou inadequadamente explicitados.

Na hipótese, a justiça morosa comprometerá a efetiva tutela do


direito, já que o ambiente não pode esperar o tempo do processo, de sorte que
a demora na entrega da prestação jurisdicional fatalmente causará prejuízos

379
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 375.
138

irreparáveis ao meio ambiente, cuja prevenção e reparação deve ser a mais


rápida possível.
As ações mais comuns para a tutela do meio ambiente são a ação
popular e a ação civil pública, que deveriam tramitar sem delongas para evitar
maiores danos ao meio ambiente, mas não é o que normalmente acontece,
pois a morosidade da justiça prejudica todo e qualquer tipo de ação, ainda que
a lei fale que algumas ações tenham preferência sobre outras.
De fato, quando um processo em que se discute lesão ao meio
ambiente tem duração demasiadamente longa, a reparação do dano
determinada em sentença será postergada para momento futuro, ocasião em
que as consequências do dano causado não serão mais passíveis de
reparação, especialmente porque a lesão ambiental tende a aumentar com o
passar do tempo, daí porque necessária a pronta reparação.
Assim, a lentidão da justiça contribui sobremaneira para agravar o
dano ambiental, uma vez que a tutela jurisdicional ofertada após vários anos
não terá o condão de reparar o dano.
Por outro lado, a lentidão da justiça incentiva condutas danosas ao
meio ambiente, já que os poluidores têm consciência de que eventual punição,
na pior das hipóteses, demorará anos e anos para ser imposta, sendo, às
vezes, mais lucrativo colher os frutos da poluição ou do desmatamento e
somente depois realizar eventual reparação do dano.
Segundo Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, há dois
fatores que impedem o acesso à justiça em relação aos direitos difusos e
coletivos, como no caso dos danos em matéria ambiental, quais sejam: a)
barreiras objetivas (também chamadas de práticas ou econômicas); b)
barreiras subjetivas (denominadas, por igual, psicológicas ou culturais):

As barreiras objetivas relacionam-se, basicamente, com os custos


inerentes ao processo, o valor muitas vezes ínfimo (quando apreciado
isoladamente) do dano ambiental ou de consumo, a distância entre o
órgão de tutela (seja judicial ou administrativo) e o local da residência
do sujeito tutelado, a disponibilidade de tempo deste, a lentidão da
justiça, os riscos do processo, enfim.
Já as barreiras subjetivas dizem respeito aos óbices psicológicos
inerentes à posição de inferioridade do sujeito tutelado perante o todo
poderoso fornecedor ou degradador (desigualdade econômica,
139

informativa ou tecnológica); nessa categoria também se inclui o


desconhecimento da lei e dos direitos dela decorrentes, sem falar da
ignorância acerca do próprio juízo competente; agregue-se a isso o
esoterismo da linguagem processual forense, o formalismo do
tratamento pessoal, o caráter solene da prestação jurisdicional, tudo
380
contribuindo para o aviltamento psicológico do autor-potencial.

Portanto, a morosidade da justiça é uma das barreiras que impedem


a defesa do meio ambiente em juízo e, por consequência, o desenvolvimento
social, já que o direito fundamental ao ambiente sadio, uma vez desrespeitado,
exige a intervenção tempestiva do Poder Judiciário.
Segundo Vladimir Passos de Freitas, “o Poder Judiciário brasileiro
situa-se em boa posição no trato da questão ambiental. Boas iniciativas e
resultados positivos devem ser divulgados, reconhecidos e valorizados. As
deficiências também devem ser apontadas. Não para ressaltar omissões ou
ações negativas, mas sim para orientar no sentido de que sejam evitadas ou
corrigidas”.381

3.3 A morosidade da justiça e o desenvolvimento econômico


O conceito de desenvolvimento econômico nem sempre é
satisfatório, mas é possível defini-lo de uma forma concisa: “o desenvolvimento
econômico é um processo pelo qual a renda nacional real de uma economia
aumenta durante um longo período de tempo. E, se o ritmo de desenvolvimento
é superior ao da população, então, a renda real per capita aumentará”.382
A ideia de desenvolvimento distingue-se da de crescimento
econômico, pois enquanto esta refere-se ao simples aumento da riqueza ou do
produto per capita, aquela abrange um sentido de aperfeiçoamento qualitativo

380
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o
processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio
ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 –
reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995. p. 108.
381
FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. Justitia,
São Paulo, v. 65, n. 198, p. 95-107, jan./jun. 2008, p. 102.
382
MEIER, Gerald M; BALDWIN, Robert E. Desenvolvimento econômico: teoria, história e
política. 1. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1968. p. 12.
140

da economia, através da melhor divisão social do trabalho, do emprego de


melhor tecnologia, recursos naturais e do capital.383
O crescimento econômico não só eleva as rendas privadas, mas
também possibilita ao estado financiar a seguridade social, expandindo os
serviços sociais, mas a recíproca também é verdadeira, ou seja, a criação de
oportunidades sociais, como educação e saúde, também pode contribuir para o
desenvolvimento econômico.384
Para André Lara Resende, o desenvolvimento econômico pode ser
visto como um processo essencialmente educacional, sendo que depois vem a
capacidade de mobilização de poupança, a organização institucional, jurídico-
contratual, a democracia, a organização política etc., mas a educação é
condição para tudo.385
Por outro lado, não se pode considerar o desenvolvimento
econômico de maneira isolada, de forma autônoma ao processo social global,
pois ele é um processo de desenvolvimento da sociedade como um todo, seja
espontâneo ou programado.386
De fato, o desenvolvimento não pode ser só econômico, mas deve
ser também social e político ao mesmo tempo, de sorte que um conceito
completo de desenvolvimento tem de abranger crescimento, democracia,
justiça social e autonomia nacional.387
A garantia principal de uma democracia de mercado é um Judiciário
forte que aplique bem o direito positivo, pois qualquer país que tenha um direito
positivo modelar, uma lei substantiva extraordinária, mas cuja aplicação for
débil, estará fadado ao atraso, de sorte que um Poder Judiciário sólido,

383
JAGUARIBE, Hélio. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político: uma
abordagem teórica e um estudo do caso brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. p. 13.
384
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. de Laura Teixeira Motta.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 57.
385
RESENDE, André Lara. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro;
COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed.
São Paulo: Editora 34, 1996. p. 297.
386
JAGUARIBE, Hélio. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político: uma
abordagem teórica e um estudo do caso brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. p. 14.
387
BATISTA JR., Paulo Nogueira. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro;
COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed.
São Paulo: Editora 34, 1996. p. 352.
141

operante, independente, técnica e que faça com que as leis sejam cumpridas é
um elemento indispensável para o desenvolvimento econômico.388
O Judiciário impacta os agentes econômicos (os investidores) por
meio da atuação em seu aspecto decisório a respeito de como, quando, quanto
e onde investir, já que o objetivo principal desses agentes é obter lucro.389
De fato, quanto mais eficiente e independente for o sistema
judiciário, maior será o desenvolvimento econômico do país:

Quanto mais independente é um Judiciário, mais os mercados de


crédito e de capitais se desenvolvem, em especial para as pequenas
e médias empresas. Se as leis forem boas e o Judiciário as aplicar
correta e equitativamente, há ambiente favorável para maior
investimento. O impacto de um Judiciário deficiente na economia é
retratado como um dos fatores mais importantes para obstruir o
390
desenvolvimento em razão da confiança dos agentes econômicos.

Todavia, os juízes parecem não conhecer as repercussões


macroeconômicas de suas decisões e os economistas parecem desconhecer a
realidade sobre os microfundamentos institucionais que alicerçam suas
estratégias de desenvolvimento. Portanto, não é apenas a morosidade da
justiça que tem implicações importantes para a economia, sendo necessário
que economistas e juristas, se não puderem falar a mesma língua, que pelo
menos passem a viver no mesmo mundo, o que fará com que toda a sociedade
seja beneficiada.391
Segundo Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal
Federal, o princípio da razoável duração do processo tem sido invocado para
superar alguns formalismos processuais, já que o Judiciário que não é célere
pode ser um entrave para o desenvolvimento econômico, não apenas pela

388
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 211.
389
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 87.
390
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São
Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 218.
391
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 45.
142

questão da morosidade, mas também em razão dos custos que ele representa,
como taxas e honorários advocatícios.392
De acordo com Armando Castelar Pinheiro, três aspectos podem ser
considerados para avaliar como sistemas judiciários eficientes podem
beneficiar o crescimento econômico, quais sejam: o progresso tecnológico, a
eficiência e o investimento.393
O progresso tecnológico pode ser encorajado pelo funcionamento
eficiente da justiça, que pode proteger efetivamente a propriedade intelectual.
De fato, a proteção à propriedade intelectual facilita a compra de tecnologia de
países industrializados, bem como encoraja as empresas situadas no país a
investirem em pesquisas de desenvolvimento.
Por outro lado, a implementação com rapidez e eficiência dos
contratos privados reduz os custos de transação e estimula os agentes
econômicos a aumentar o número de transações em que se engajam e a
dispersar-se geograficamente.
Contudo, como os contratos não são suficientemente garantidos, “as
firmas podem decidir não executar determinados negócios, deixar de explorar
economias de escala, combinar insumos insuficientemente, não alocar sua
produção entre clientes e mercados da melhor forma, deixar recursos ociosos,
etc.”394, bem como tendem a se verticalizar, trazendo para dentro da empresa
atividades que poderiam ser melhor desenvolvidas por outras firmas.
A eficiência da economia também pode ser acelerada pelos
sistemas judiciários, pois o mau funcionamento deles atrapalha o crescimento
ao estimular o uso ineficiente de recursos e de tecnologia, fazendo com que os
altos riscos e custos das transações no país afastem-se dos padrões
internacionais, distorcendo a alocação de recursos e segmentando o mercado
a ponto de reduzir significativamente a competição.

392
Apud: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 63.
393
PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 39-50.
394
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 29-30.
143

Assim, quanto mais eficientes os tribunais, menos os pactuantes irão


ganhar ao desrespeitar os contratos, desencorajando outros a fazê-lo, o que
aumenta a eficiência econômica ao favorecer o sistema de preços e reduzir o
prêmio de risco. Com efeito, se o sistema judicial for ineficiente, os custos das
transações aumentarão de forma significativa, já que eventuais litígios terão
difícil e demorada resolução:

Talvez a melhor forma de pensar nos benefícios de uma melhoria da


eficiência do sistema judicial seja recorrendo a um raciocínio
contrafactual: se o sistema for ineficiente, os custos de transacção
entre os indivíduos aumentam significativamente uma vez que os
litígios terão mais difícil resolução, quanto mais não seja por esta ser
mais prolongada, o que desencorajará os agentes económicos a
aceitar contractos sem pesadas cláusulas penais em caso de
incumprimento com o objectivo de desincentivar condutas
fraudulentas de uma parte incumpridora. Este simples facto
desincentiva o estabelecimento de contratos com agentes com os
quais ainda não tenha havido negócio e em quem não se tenha
estabelecido uma relação de confiança, dada a impossibilidade de
resolução rápida de possíveis conflitos emergentes, o que retardará
395
receitas e aumentará custos.

Outra forma de um bom sistema judiciário acelerar o crescimento é


estimulando a acumulação de fatores de produção, pois os agentes
econômicos investem mais em capital físico e humano quando os direitos de
propriedade são garantidos por bons sistemas judiciais e legais.396
O Judiciário aparece como um componente importante justamente
por ser uma instituição que promove garantias, cujas mais importantes para o
empresariado são as seguintes: a observância do pacta sunt servanda, ou seja,
os contratos devem ser cumpridos; a proteção aos direitos de propriedade,
especialmente a intelectual, que abrange marcas, patentes e descobertas
científicas; o controle dos abusos por parte do Governo na condução e
implementação da política econômica, nas concessões e permissões de

395
CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as
empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do
colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 372-373.
396
PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 41.
144

serviços públicos; a rapidez com que vai solucionar contendas que envolvam
essas garantias.397
Um bom Judiciário, com efeito, pode reduzir a instabilidade das
políticas econômicas, estimulando com isso o investimento e a produção:

Por outro lado, o judiciário, em particular, tem uma importante função


enquanto protetor do cidadão e do investidor privado da expropriação
estatal. Quando o judiciário exerce esse papel adequadamente, a
política e os compromissos públicos passam a ser mais críveis, e
mais latitude pode ser dada ao gestor público, para que adapte a
política econômica às condições do momento, sem receio de que
essa liberdade seja abusada. O judiciário também pode estimular o
crescimento reduzindo a instabilidade da política econômica. Políticas
econômicas voláteis e altamente arbitrárias, ao desestabilizarem as
“regras do jogo”, desencorajam o investimento e a produção. Um bom
sistema judicial contribui para reduzir a instabilidade das políticas ao
garantir o cumprimento de compromissos legislativos e
398
constitucionais e ao limitar o arbítrio governamental.

Em face de sistemas judiciários disfuncionais, a precária


observância de direitos de propriedade e o risco de expropriação, tanto por
agentes públicos quanto privados, inibem a propensão a se fazerem novos
investimentos, pois reduzem o valor dos ativos e o retorno esperado do capital
empregado, desencorajando a poupança e estimulando a evasão do capital.399
Ademais, ao contrário de regimes de proteção com maior
credibilidade, países com judiciários problemáticos irão gerar menores
quantidades de investimento especializado e durável. De fato, regimes que dão
poucas seguranças ao investimento e à contratação não são capazes de
fornecer garantias seguras aos direitos de propriedade intelectual, sendo que
indústrias de alta tecnologia irão abandonar regimes marcados pela
insegurança por portos mais seguros.400

397
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 88-89.
398
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 31.
399
PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 41-42.
400
WILLIAMSON, Oliver E. The Mechanisms of governance. New York: Oxford University
Press, 1996. p. 332-333.
145

Em uma pesquisa realizada com diretores de bancos, verificou-se


que as deficiências do Poder Judiciário aumentam o risco nas operações de
crédito, já que o mau funcionamento da justiça limita a expansão das atividades
de intermediação financeira, aumentando consideravelmente os spreads
bancários – diferença entre o custo do dinheiro e o valor cobrado do tomador
de empréstimo – em até 30%, dependendo da situação.401
De fato, é muito comum que devedores utilizem a demora dos
processos judiciais para meramente adiar o cumprimento de suas obrigações,
sendo que uma das formas de se fazer isso é questionar aspectos menores
relacionados à cobrança dos encargos financeiros devidos, já que normalmente
é muito difícil ao devedor justificar irregularidades quanto ao principal.402
Além disso, os problemas verificados dentro do Poder Judiciário
levam os bancos a não realizar ou reduzir negócios em alguns estados e a não
realizar investimentos que poderiam ter sido implementados não fosse o
problema da morosidade da justiça brasileira.403
Assim, pode-se perceber que há uma relação entre segurança
jurídica e desenvolvimento econômico, de sorte que a insegurança jurídica,
causada pela morosidade da justiça, prejudica sobremaneira o
desenvolvimento:

Nunca será demais insistir na conexão entre segurança jurídica e


desenvolvimento econômico. Nos exemplos citados, uma construtora
certamente irá preferir concentrar seus negócios em países que
possam garantir que a estrada construída não será expropriada. Da
mesma maneira, uma pessoa, se puder, comprará imóvel em lugares
onde este não lhe será tomado pelo inquilino ou pelo Estado. Em
outras palavras, a insegurança jurídica incentiva a migração da

401
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 170.
402
LUNDBERG. Eduardo; RODRIGUES, Eduardo. Ações e medidas – avaliação e propostas.
In: Banco Central do Brasil. Economia bancária e crédito: avaliação de 4 anos do projeto
juros e spread bancário. 2003. p. 34. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010. p.
32.
403
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 171-172.
146

poupança, que é canalizada para regiões ou países em que se tenha


404
a expectativa de que leis não virarão pó.

O problema da morosidade da justiça causa um círculo vicioso,


conforme apontado por Marcio Aith:

Como resultado do impacto desses problemas nas atividades dos


bancos, percebe-se um aumento dos juros cobrados nos
empréstimos, talvez o impacto mais nocivo do mau funcionamento do
judiciário, não só para os bancos (que usam esse aumento como
defesa) mas para a economia. Percebe-se que esse aumento faz
parte de um círculo vicioso assim resumido: para compensar e diluir
as perdas financeiras causadas pela morosidade da justiça
(dificuldade de cobrar, por meio de processos judiciais demorados,
empréstimos não pagos), os bancos aumentam os juros; aumentando
os juros, elevam a inadimplência e dependem cada vez mais da
405
justiça morosa.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada, a ineficiência do serviço público judiciário prejudica o
desenvolvimento econômico do país, reduzindo a taxa de crescimento de longo
prazo em 25%, ao passo que se o país tivesse uma justiça eficiente teria
condições de crescer 0,8% a mais todo ano. De fato, com um Judiciário
eficiente a produção nacional poderia aumentar 14%, o desemprego cairia
quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%.406
Os problemas causados pela morosidade da justiça também
impedem que o crédito financeiro atinja uma determinada camada da
população, incapaz de fornecer garantias e de pagar juros altíssimos. Ademais,
para escapar do mau funcionamento da justiça, os bancos procuram canalizar
seus investimentos para setores da economia mais saudáveis, bem assim
404
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
15.
405
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 172.
406
DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda
constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba:
Juruá, 2005. p. 28. Contudo, conforme adverte Maria Tereza Sadek, é preciso cautela ao falar
sobre o peso do Judiciário na economia, pois os economistas argumentam que o PIB poderia
aumentar “tantos por cento” se a justiça fosse mais eficiente, mas quando se olha mais de
perto a questão, percebe-se que não são as grandes questões econômicas que estão na
justiça, de sorte que o judiciário tem um peso, mas não é tão grande quanto os economistas
imaginam, nem tão pequeno quanto pensam os juízes. Apud: Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 58.
147

diversificar seus investimentos, ingressando em projetos que não guardam


relação com a concessão de empréstimos.407
Assim, pode-se afirmar que o mau funcionamento do Judiciário
causa impacto negativo nas atividades do sistema financeiro, elevando os
spreads bancários entre 10% e 30% e limitando as atividades realizadas pelos
bancos, além de impedir a entrada de novos investimentos.408
Realmente, além das injustiças que causa, de forma mais acentuada
para as pessoas mais carentes, a ineficiência do Poder Judiciário resulta em
custos econômicos elevados, pois em razão do risco jurídico que produz, os
custos aumentam, como medida de proteção, sendo que os percentuais de
juros são determinados pelo risco jurídico produzido, de sorte que quanto mais
temerárias as decisões, quanto mais demorado for o litígio, mais altos serão os
juros, exatamente como compensação para o custo financeiro extra.409
Por outro lado, o mau funcionamento da justiça prejudica o
julgamento de irregularidades praticadas por bancos, impedindo a condenação
de banqueiros fraudulentos, tanto no campo civil como no criminal. De fato,
uma pesquisa conduzida pelo Ministério Público Federal em Brasília concluiu
que, de aproximadamente 400 (quatrocentos) casos de irregularidades
praticadas no sistema financeiro e levadas ao Judiciário, apenas 4 (quatro)
acabaram em condenação em primeira instância, mostrando ser praticamente
impossível a condenação de fraudadores do sistema financeiro nacional, bem
como que o mau funcionamento dos serviços judiciários também pode
beneficiar os bancos.410

407
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 177.
408
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 181. Embora o autor identifique no mau funcionamento do Judiciário sérios problemas
para os custos, operações e investimentos dos bancos, ele noticia que o maior problema
apontado pelos empresários consultados é a elevada carga tributária.
409
FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & Economia: equalização desejada e necessária.
Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível
em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/86/75>. Acesso em:
10 jan. 2011.
410
AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 180-181.
148

A ineficiência do sistema judiciário também provoca consequências


negativas para a economia de outros países, conforme se verifica na tabela
abaixo, elaborada após estudos realizados no exterior:411

Impacto Estimado do Aumento da Eficiência do Sistema Judicial (%)


Aumento médio em cada variável Portugal Brasil Peru Argentina Canadá
Volume anual de investimento 8,33 13,7 9,5 28,0 2,0
Volume de negócios 7,7 18,5 20,5 19,0 2,0
Número de empregados 5 12,3 8,2 18,0 -
Investimento em outros estados n.a. 6,2 n.a. 23,0 -
Volume de negócios em outros n.a. 8,4 n.a. - -
estados
Proporção de atividades - 13,9 13,8 15,0 -
terceirizadas
Volume de negócios com o setor - 13,7 17,5 23,0 1,4
público
Redução de preços 2,4 - - - -
Fontes adicionais: Pinheiro (2000), Eyzaguirre, Andrade e Salhuana (1998), e (Foro para la
Administración de Justicia, 2000), Lippert (2001).

Em relação ao comércio internacional, uma pesquisa realizada entre


empresários do setor concluiu que o Poder Judiciário é ignorado, pelo menos
em relação aos negócios de importação/exportação, pois não é contado como
fator competitivo/de risco no planejamento e na realização desses negócios. A
pesquisa mostrou a tendência natural à negociação dos empresários do setor,
que preferem evitar litígios judiciais pelos efeitos econômicos e comerciais que
eles acarretam, parecendo que tanto no Brasil como no exterior o Judiciário é o
caminho mais longo para a solução de problemas.412
No Brasil e no mundo, os meios extrajudiciais para resolver disputas
locais e internacionais são utilizados cada vez com maior frequência, pois são
mais rápidos e econômicos, sendo que a arbitragem merece destaque,

411
CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as
empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do
colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 394.
412
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 132-133.
149

principalmente em nosso país, no qual se evidenciou um relevante crescimento


da utilização desse mecanismo nos últimos anos.413
Assim, a justiça não é importante no comércio exterior, sendo o
Judiciário ignorado e desaconselhado por consultores e advogados na maior
parte das vezes porque tem fama de caro e demorado, sendo que a
preferência na solução de litígios é pela negociação na esfera cliente-
fornecedor ou por outros meios mais eficazes de solução de controvérsias:

Juízes não fazem parte das preocupações de quem lida com


negócios internacionais. Empresários e executivos experientes em
comércio exterior, via-de-regra, não têm experiência em lidar com a
justiça de outros países. O poder judiciário é distante do mundo das
exportações e importações porque há uma série de mecanismos que
não deixam o problema chegar até ele. São desde cartas de crédito
que garantem o negócio do fornecedor caso o comprador não queira
ou não possa pagar, até a ampla adoção das câmaras de mediação e
arbitragem que agilizam a solução de controvérsias. Juizados e
tribunais não têm agilidade suficiente para acompanhar o ritmo dos
414
negócios, e até por isso surgiram com força os tribunais arbitrais.

Para a maioria dos empresários do ramo de negócios internacionais,


a solução dos litígios por meio da justiça é muito mais demorada e onerosa,
sendo preferível utilizar um velho chavão, segundo o qual é melhor uma má
negociação do que um bom processo, que exige muito tempo e dinheiro.415
A solução rápida de uma disputa comercial tem reflexos na
economia, portanto, pois garante de forma eficiente o direito das partes
envolvidas, ao passo que a resolução do conflito de forma lenta e ineficaz
exerce um efeito desestimulador sobre as relações comerciais. A título de
exemplo, caso determinada empresa exporte para o Brasil, sem garantias
bancárias, e surjam problemas com o recebimento desses valores, ela terá que
se deparar com um Judiciário lento e ineficiente, no qual a recuperação de
créditos é extremamente difícil e complicada, além do fato de que tal demanda
poderá se arrastar por vários anos, razão pela qual as empresas optam, cada
413
CUNHA, Ricardo Thomazinho da; BORGES, Karla Christina Martins. Negociação e
arbitragem: como tornar as soluções de disputas privadas internacionais mais rápidas. Revista
de Economia & Relações Internacionais, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 21-28, jul./2004, p. 22.
414
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 136-137.
415
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 144.
150

vez mais, por soluções alternativas, diante da morosidade e ineficiência do


Judiciário.416
Uma das preferências é pela carta de crédito, que dependendo do
grau de risco é condição para a realização do negócio, o que acontece com
novos clientes ou clientes localizados em países que têm tradição de calote.417
Alguns países são um verdadeiro terror para os empresários do
comércio internacional, pois em caso de inadimplência sem carta de crédito
não existe a quem recorrer, o que acontece, por exemplo, com países como a
Nigéria e o Paquistão.418
Portanto, o Poder Judiciário aparece como um componente
importante na economia por ser a instituição que promove garantias para o
empresariado. Se essas garantias não são tornadas efetivas quando chegam
sob a forma de litígios, o investimento torna-se de risco, com todas as
consequências daí decorrentes:

O risco em um investimento, quando não o desestimula de plano,


geralmente incrementa os custos com salvaguardas de outra
natureza, como a não terceirização, a não contratação, a consulta a
serviços de “listas negras”, a seleção meticulosa e limitada de
parceiros (com a exclusão de outros agentes, cuja conduta é
desconhecida ou considerada dúbia) e a não expansão dos negócios.
(...) E não se trata de suposição teórica, o Brasil já sente na prática
todos esses efeitos e a imprensa veicula nos cadernos de economia
de diversos jornais as dificuldades em investir no país e a estagnação
419
do desenvolvimento econômico daí decorrente.

Por outro lado, as empresas exportadoras tendem a enviar os


produtos problemáticos para os países que têm má qualidade de sistemas
judiciários, onde são mais difíceis eventuais problemas com responsabilização
civil:

416
CUNHA, Ricardo Thomazinho da; BORGES, Karla Christina Martins. Negociação e
arbitragem: como tornar as soluções de disputas privadas internacionais mais rápidas. Revista
de Economia & Relações Internacionais, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 21-28, jul./2004, p. 22.
417
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 140.
418
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 148.
419
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos
econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 89.
151

Quando o mercado, as leis e a justiça de um país são menos


exigentes, via de regra ele acaba servindo de destino para lotes de
produtos problemáticos – que muitas vezes tinham como destino
exatamente a Europa ou os Estados Unidos. Essa desova geralmente
é feita no Mercosul. “É muito mais fácil exportar para a Argentina do
que para a Alemanha. No Mercosul é raro se enfrentar problemas
com produtos fora das especificações ou de responsabilidade civil”,
420
diz uma fonte ligada ao setor têxtil.

Segundo os empresários do setor de comércio internacional, o Brasil


tem um sistema processual bem estruturado, mas peca quanto ao cumprimento
dos prazos pelos juízes, promotores e outros auxiliares da justiça, bem como
está totalmente divorciado da realidade atual no que diz respeito à atividade
econômica e à dinâmica em que atuam os seus agentes. Além do problema da
morosidade, do excesso de formalismo, do desaparelhamento e de tantas
outras falhas, há também um problema cultural, de mentalidade que envolve
juizados e tribunais, completamente distanciados da realidade em que se
desenvolve a atividade econômica, de sorte que as dificuldades são
intransponíveis e a justiça fatalmente não será realizada quando se necessita
de uma decisão rápida.421
Portanto, a ineficiência da justiça prejudica o desenvolvimento
econômico do país, conforme alertou Adam Smith há muito tempo atrás:

O comércio e as manufaturas raramente podem florescer por muito


tempo em um país que não tenha uma administração de justiça
normal, no qual as pessoas não se sintam seguras na posse de suas
propriedades, no qual a fidelidade nos contratos não seja garantida
por lei e no qual não se possa supor que a autoridade do Estado seja
regularmente empregada para urgir o pagamento das dívidas por
parte de todos aqueles que têm condições de pagar. Em suma, o
comércio e as manufaturas raramente podem florescer em qualquer
país em que não haja um certo grau de confiança na justiça do
422
Governo.

Embora seja difícil dimensionar quanto se poderia vender a mais se


existissem sistemas judiciários mais eficientes e que dessem mais segurança

420
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 146.
421
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 152-154.
422
SMITH, Adam. A Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. v.
II. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 360.
152

aos negócios, quando foi regulamentado o seguro de crédito à exportação, o


Ministério da Indústria e Comércio informou que, graças ao seguro, as vendas
poderiam crescer US$ 500 milhões, razão pela qual é possível concluir que
esse valor não estava sendo vendido por falta de segurança, não só no Poder
Judiciário, mas também em clientes e países.423
Assim, o mau funcionamento do Judiciário tem impactos
significativos no desempenho da economia, já que as instituições estão entre
os principais fatores do desenvolvimento econômico. Países com boas
instituições são duas vezes mais eficientes e crescem três vezes mais, em
termos per capita, do que países pobres em “capital institucional”, sendo que
os sistemas jurídico e legal ocupam um papel de destaque entre as instituições
que mais influenciam o desempenho econômico das nações.424

423
BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar
(Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 149.
424
PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In:
PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré,
2000. p. 13.
153

CONCLUSÃO
A sociedade globalizada é regida pelo tempo, onde tudo deve
apresentar-se de modo fragmentado e urgente, razão pela qual o fator tempo
tem um papel muito relevante em todas as áreas do conhecimento.
Todavia, os operadores do Direito não têm dado ao tema a
importância que ele merece, especialmente porque o tempo do direito é
diferente do tempo da sociedade, que urge por respostas no menor prazo
possível.
O processo ideal consiste no mecanismo capaz de propiciar a justiça
em curto espaço de tempo, devendo cessar o quanto antes o conflito social
apresentado ao Poder Judiciário.
O tempo figura como um dos maiores inimigos dos sistemas
judiciários, pois quando uma demanda leva muito tempo para terminar ocorre o
aumento do descrédito na justiça, bem como aumenta a angústia e a frustração
das partes.
Um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça brasileira é
o tempo de tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional efetiva e
significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o processo
será tanto mais efetivo quanto mais rápido.
A morosidade da justiça é um problema que aflige os sistemas
judiciários há muito tempo, caminhando no sentido inverso dos anseios da
sociedade, que atualmente exige o máximo aproveitamento do tempo.
A lentidão da justiça não é um problema exclusivamente brasileiro,
mas universal e multissecular, pois desde o Papa Clemente V já era alto o grau
de insatisfação com a morosidade dos processos.
O problema da morosidade existe em todo o sistema judiciário
brasileiro, tanto no âmbito da justiça civil quanto criminal. Na área cível,
reclama-se que a intervenção judicial não acompanha o ritmo dos negócios
imposto pelo mercado, causando sérios prejuízos à economia, bem como a
morosidade frustra as legítimas expectativas das partes de obter justiça por
meio do processo judicial. No âmbito penal, a sociedade brasileira vem
percebendo o crescimento de todas as modalidades de crimes e de conflitos
154

interpessoais que resultam em desfechos fatais, incentivados também pela


certeza da impunidade penal, que decorre da incompetência da justiça criminal
em apurar e responsabilizar os autores de crimes.
As causas da morosidade da justiça são inúmeras e variadas,
podendo ser tanto externas quanto internas ao Poder Judiciário. Entre elas
podemos apontar as seguintes: o desaparelhamento dos órgãos judiciários; o
comportamento dos sujeitos processuais; a inflação legislativa; a legislação
processual, recheada de formalismos e recursos; o aumento da litigiosidade; as
demandas repetitivas; a postura do Poder Público.
É praticamente impossível estabelecer, com precisão, quais são e
em que medida atuam os males da demora da justiça, mas inexiste dúvida,
contudo, de que o prejuízo é sempre enorme, pois a intempestividade da
prestação jurisdicional acarreta consequências prejudiciais de ordem
endoprocessual, bem como outras consequências que vão além do processo
judicial.
A morosidade da justiça traz inúmeras consequências, tanto para a
economia quanto para a sociedade, sendo que as principais são as seguintes:
o descrédito na justiça; a impunidade; a insegurança jurídica; a violação do
direito de acesso à justiça; o desrespeito ao direito à razoável duração do
processo; a denegação da justiça; a responsabilização do estado; os prejuízos
para a economia.
O desenvolvimento, entendido como a melhoria do nível social e
econômico das pessoas ou como o processo de expansão das liberdades reais
que as pessoas desfrutam, depende do bom funcionamento dos sistemas
judiciários, ou seja, a morosidade da justiça prejudica o desenvolvimento
socioeconômico do país.
No campo social, os sistemas judiciários eficientes ajudam na
promoção dos direitos humanos fundamentais, em quaisquer de suas
gerações, bem como impedem o cometimento ou a perpetuação de injustiças.
A atuação do sistema judicial ineficiente provoca efeitos negativos
no desenvolvimento social, já que muitos países em desenvolvimento possuem
sérios problemas de segurança jurídica, frequentemente combinados com
155

corrupção e impunidade, tornando os ambientes social e econômico bastante


inseguros.
A morosidade da justiça prejudica o desenvolvimento social, que
decorre da melhora da qualidade de vida da população, a partir da constatação
da melhoria de índices de saúde, trabalho, educação, expectativa de vida, que
indicam a existência de vida digna para as pessoas.
O mau funcionamento da justiça também prejudica o julgamento de
irregularidades praticadas por bancos, impedindo a condenação de banqueiros
fraudulentos, tanto no campo civil como no criminal.
A intervenção intempestiva do Poder Judiciário nas questões
ambientais prejudica o desenvolvimento social, já que a demora na prevenção
e a reparação tardia do meio ambiente prejudicam o exercício do direito ao
ambiente saudável.
A morosidade da justiça também prejudica o desenvolvimento
econômico do país, que abrange um sentido de aperfeiçoamento qualitativo da
economia, através da melhor divisão social do trabalho, do emprego de melhor
tecnologia, recursos naturais e do capital.
O sistema judiciário impacta os agentes econômicos (os
investidores) por meio da atuação em seu aspecto decisório a respeito de
como, quando, quanto e onde investir, já que o objetivo principal desses
agentes é obter lucro, pois quanto mais independente e eficiente for o
Judiciário, mais os mercados de crédito e de capitais se desenvolvem, em
especial para as pequenas e médias empresas.
O Poder Judiciário funciona como componente importante para o
desenvolvimento econômico justamente por ser uma instituição que promove
garantias, cujas mais importantes para o empresariado são o cumprimento dos
contratos, a proteção aos direitos de propriedade, o controle dos abusos por
parte do Governo na condução e implementação da política econômica, bem
assim em relação à rapidez com que vai solucionar contendas que envolvam
essas garantias.
Sistemas judiciários disfuncionais inibem a propensão a se fazerem
novos investimentos, pois reduzem o valor dos ativos e o retorno esperado do
156

capital empregado, desencorajando a poupança e estimulando a evasão do


capital.
Os problemas verificados dentro do Poder Judiciário levam os
bancos e as empresas a não realizar ou reduzir negócios em alguns estados e
a não realizar investimentos que poderiam ter sido implementados não fosse o
problema da morosidade da justiça.
O mau funcionamento do Judiciário causa impacto negativo nas
atividades do sistema financeiro, elevando os spreads bancários entre 10% e
30% e limitando as atividades realizadas pelos bancos, além de impedir a
entrada de novos investimentos.
Em relação ao comércio internacional, a maioria dos empresários do
ramo prefere outras formas de solução de conflitos, pois a solução dos litígios
por meio da justiça é muito mais demorada e onerosa, sendo preferível utilizar
um velho chavão, segundo o qual é melhor uma má negociação do que um
bom processo.
As empresas de exportação tendem a enviar os produtos
problemáticos para os países que têm má qualidade de sistemas judiciários,
onde são mais difíceis eventuais problemas com responsabilização civil.
A ineficiência do serviço público judiciário prejudica, portanto, a
economia do país, reduzindo a taxa de crescimento de longo prazo em 25%, ao
passo que se o país tivesse uma justiça eficiente teria condições de crescer
0,8% a mais todo ano, bem como a produção nacional poderia aumentar 14%,
o desemprego cairia quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%.
Portanto, a morosidade da justiça não atinge somente aqueles que
se utilizam dos serviços judiciários ineficientes, mas também toda a sociedade,
já que o problema da lentidão atua como óbice ao desenvolvimento social e
econômico do país, de sorte que incumbe a todos a tarefa de, ao mesmo
tempo, exigir e buscar soluções para otimizar o sistema judiciário, sob pena de
o sonho de viver em um país desenvolvido jamais se tornar realidade.
157

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