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Anete B. L.

Ivo

O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO: do mito fundador ao


novo desenvolvimento

DOSSIÊ
Anete B.L. Ivo*

Este artigo busca historicizar contextos que reorientaram a noção de desenvolvimento, no


Brasil, desde os anos 30-80, passando pelo ajuste neoliberal dos anos 90, até inflexões atuais
que indagam se o novo intervencionismo massivo e estratégico do Estado em políticas sociais
para os mais pobres aponta para um novo modelo de desenvolvimento. A análise apresenta
inflexões do modelo cepalino de 50-60 e tenta priorizar dimensões sociais na mediação das
contradições entre a economia, a política e o institucional. O fio condutor toma dois vetores
analíticos: o tema do conflito (redistributivo) e o da integração. O primeiro é assentado nas
coalizões das classes e confronto entre atores nacionais e agências multilaterais; e o da integração,
na contraface do conflito, considera a abertura das políticas públicas e, também, a inovação de
atores sociais e políticos em novos arranjos voltados para os objetivos do bem-estar social e da
cidadania, de uma perspectiva mais sustentada.
PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento, modernização, ajuste estrutural, Estado, políticas sociais, po-
breza.

A noção de desenvolvimento aparece no nização nacional urbano-industrial para o país.


horizonte da economia e da política e no campo Esse “mito” atualiza o ideário iluminista1 do “pro-
das práticas dos atores políticos e institucionais gresso” adaptado à singularidade da formação da
no Pós-Segunda Guerra. Constitui-se num “mito sociedade brasileira, que articula, de forma com-
fundador”, no sentido antropológico do termo, pelo plexa e contraditória, o regime de acumulação às
qual a narrativa e os sentidos associados a essa condições de reprodução das classes, e os proces-
ideia representam “uma solução imaginária das sos de dominação que mobilizam grupos e poder
tensões, conflitos e contradições” (Chaui, 2000) político, e, ao mesmo tempo, forças externas do

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enfrentadas pela sociedade brasileira, em relação regime de acumulação. A problemática clássica da
aos dilemas e desafios da modernização econômi- sociológica do desenvolvimento, entendida por
ca, política e institucional. Para Chauí, referindo- Cardoso e Faletto (1970), na crítica ao modelo es-
se à nação, “[...] este mito impõe um vínculo inter- truturalista de desenvolvimento cepalino, envol-
no com o passado como origem, isto é com um via o estudo das “estruturas de dominação e das
passado que não cessa nunca.” (p.9). Da perspec- formas de estratificação social que condicionam os
tiva do desenvolvimento, abrange um repertório mecanismos e tipos de controle e decisão do siste-
de problemas de interpretação da nação brasileira ma econômico em cada caso particular.” (p.37).
e se projeta no futuro, como “solução possível”, Os debates atuais discutem as possibilida-
mas também deliberada, no sentido de ser promo- des e contornos da emergência de um “neodesen-
vida pelo Estado, com vistas a superar os óbices volvimentismo” (Boschi; Gaitán, 2008; Bresser
da tradição e implementar um projeto de moder- 1
Aqui entendido não como a era da Razão, que acompa-
nhou o pensamento de filósofos até o século XVIII, em
* Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós- países da Europa, mas pela ênfase nos valores do pro-
Graduação em Ciências Sociais da UFBA e pesquisadora gresso e na tese do aperfeiçoamento do homem com
do Centro de Recursos Humanos/UFBA. base num conhecimento racional e científico, capaz de
Estrada de São Lázaro, 197. Federação. Cep: 40210-730. superar o poder e as ideologias tradicionais a serviço da
Salvador – Bahia – Brasil. anetivo@hotmail.com. melhoria da sociedade.

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Pereira, 2004, 2006) na agenda pública de países orientado para a competitividade, estabilidade e
da América Latina e no Brasil, pelo novo crescimento, ou de retomada do protagonismo do
intervencionismo do Estado. Diante da crise es- Estado nacional. A segunda parte sintetiza as te-
trutural do capitalismo contemporâneo e os resul- ses do desenvolvimento dos anos cinquenta até o
tados apresentados pelas economias de países la- início dos anos setenta. Abrange tanto a formula-
tino-americanas – que combinam crescimento com ção do ISEB como a crítica ao paradigma do de-
distribuição, com base num papel ativo e central senvolvimento periférico, com base na coalizão das
do Estado –, pretendo trazer, neste artigo, uma classes, formulado pela escola paulista
contribuição de natureza mais sociológica, afinada [F.H.Cardoso; E. Faletto (1970), F. Oliveira [1972]
com a historicidade de processos de longo prazo, 1976]. Na sequência, o artigo apresenta as inflexões
em vista de retraçar um fio condutor de inflexões e dos anos oitenta, marcadas, no âmbito internacio-
rupturas do pacto prevalecente entre Estado, bur- nal, por um diagnóstico conservador da
guesia e trabalhadores assalariados (que sustentou governabilidade, que fundamentou a ruptura do
o projeto nacional-desenvolvimentista dos anos pacto distributivo do Estado de Bem-estar pela tese
trinta aos setenta). Tais inflexões possibilitam ob- do déficit fiscal. Tal diagnóstico conflitou, interna-
servar novos arranjos, atores e dimensões entre mente, com o processo de redemocratização das
Estado, mercado e sociedade, no encaminhamen- instituições jurídicas e políticas do país, orienta-
to da questão social, no contexto pós-consenso de do por diversos e novos atores sociais em luta por
Washington. Esse resgate ultrapassa abordagens direitos da cidadania, como um novo projeto de
exclusivamente econômicas (objetivos da estabili- Estado, mais próximo de um regime de bem-estar
dade e da capacidade competitiva do país), ou res- assentado numa concepção de universalidade do
tritas ao papel intervencionista do Estado brasilei- direito social. A esse diagnóstico conservador das
ro, de uma perspectiva exclusivamente agências multilaterais seguem-se, nos anos noven-
institucional, privilegiando dimensões sociais nas ta, mudanças do ajuste estrutural do Estado, vol-
temáticas do conflito e no seu contraponto, ou seja, tadas para a estabilidade e em favor de uma
a temática da integração social, que envolve, de desconcentração do Estado nacional pela via da
um lado, a justiça redistributiva e, de outro, o ho- descentralização das políticas e dos objetivos do
rizonte da política voltada para o objetivo de bem- desenvolvimento endógeno, local e sustentável. A
estar social e da cidadania, sustentadas por coali- quarta parte discute o tema da “integração social”,
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zões e contradições de classes. A sequência não é orientado pela agenda do pós-consenso de Wa-
linear, mas mediada por contradições, avanços e shington e por organizações multilaterais, restrito
recuos entre historicidades de atores internos, lo- a um consenso ampliado de combate à pobreza e
cais e nacionais, e os agentes externos, nem sempre dissociado da dimensão estruturante do mercado
convergentes com os objetivos nacionais e os proje- de trabalho (Ivo, 2001). A conclusão do artigo in-
tos mais singulares de diferentes atores locais. daga se a intervenção estratégica do Estado em
O artigo se estrutura em quatro partes e uma políticas sociais massivas pró-pobres, como via de
conclusão. A primeira resgata algumas linhas enfrentamento das desigualdades estruturais, so-
interpretativas sobre os dilemas entre tradição e ciais e territoriais, aponta para um novo modelo
modernidade no Brasil, expressas no sistema agrá- de desenvolvimento de caráter mais redistributivo
rio colonial, no patrimonialismo e nas relações ra- e voltado para objetivos de bem-estar. Ou seja,
ciais e escravistas. Voltar a esses antecedentes aju- destaca o debate atual do novo desenvolvimento
da a requalificar interpretações críticas sobre a na implantação de políticas sociais focadas “sobre
dualidade estrutural e a discussão do os mais pobres”, como políticas de integração so-
“neodesenvolvimentismo” hoje, ultrapassando cial, as quais estariam condicionando padrões de
perspectivas que entendam o desenvolvimento um crescimento sustentado pelo mercado interno,

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segundo as novas teses das agências oficiais e mul- relações primárias de proteção, sem o filtro da
tilaterais. Até que ponto esses fatores distinguem racionalidade moderna –, era incompatível com o
um novo papel do Brasil na nova ordem mundial? funcionamento da burocracia e das regras demo-
cráticas do Estado moderno. Robert Wegne (2009)
considera que Sérgio Buarque de Holanda não
O LEGADO: antecedentes da noção do desen- enxerga possibilidades de que “a cordialidade se
volvimento, entre tradição e modernidade2 transformasse em civilidade. [...] que exige algum
tipo de racionalidade e abstração.” (p.218).
Diferentes interpretações da sociedade bra- Na linha de discussão sobre os óbices à
sileira antecederam o debate sobre o papel estraté- modernização brasileira, incluem-se, também, in-
gico do Estado nacional, orientado pelo pensamen- terpretações e estudos relativos à herança das rela-
to “desenvolvimentista” da década de 50-60. A tra- ções escravistas, patrimoniais e agrárias, próprias
dição das ciências sociais buscava entender os fun- ao sistema colonial, que seriam impeditivas da
damentos da sociedade brasileira, a relação entre a plena adoção de atributos racionais da sociedade
tradição e a modernidade, que impedia o projeto capitalista. A interseção entre raça e classe, no Bra-
racional civilizador, no sentido de assimilação de sil, foi objeto de pesquisas da escola paulista so-
atributos de uma sociedade com traço fortemente bre relações raciais, liderada por Florestan
iluminista, assentada no triunfalismo da Razão e Fernandes e alguns dos seus discípulos: Fernando
influenciada pelo “desejo do outro” europeu. Henrique Cardoso, Otávio Ianni, Maria Sylvia de
Nessa linha, o retorno a algumas das teses Carvalho Franco, entre outros.4
de Gilberto Freire, em Casa Grande & Senzala Do ponto de vista sociológico, as preocupa-
[1933] e de Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes ções e os diagnósticos sobre a tradição traziam
do Brasil [1936] ajuda a recompor algumas linhas implícita a perspectiva de “mudança provocada”,
desse dilema.3 Freire analisa as origens do expressão usada pelos sociólogos dos anos 50, o
patriarcalismo da família brasileira, base de orga- que, segundo Villas Boas (2006), “traduzia o dese-
nização e dominação da estrutura fundiária e jo de intervir [...] para mudar a feição das institui-
escravocrata colonial, centrado no domínio do ções, das mentalidades, da distribuição de poder,
patriarca sobre parentes, filhos, esposa, escravos impondo a regularidade nova à conduta cotidiana
etc., destacando a integração de tais elementos, de homens e mulheres” (p.13). Tal racionalização

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mesmo em condições de subalternidade, e apon- pode ser observada no livro de Florestan Fernandes
tando para a singularidade do processo de miscige- Mudança social no Brasil (1960), que mostra a
nação entre brancos, negros e indígenas, no Brasil. participação ativa de Florestan em prol da educa-
Em Raízes do Brasil [1936], Holanda discu- ção universal e pública, ao final dos anos 1950, da
te traços da cultura política brasileira, sintetizados campanha em defesa da escola primária, quando
na representação do “homem cordial”. Para ele, a da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
sociedade brasileira, influenciada pela tradição ibé- cação (Arruda, 2009, p.316). Para Arruda (p.316),
rica – patrimonial e autoritária, mas mediada por Florestan Fernandes entendia que “o sistema edu-
2
cacional brasileiro não respondia aos imperativos
Aqui distingo as noções de modernidade e moderniza-
ção. A primeira entendida da perspectiva de pensar o de uma sociedade em processo de modernização,
tempo presente à luz de uma ruptura com o passado. A
segunda, a modernização, como um processo representando um obstáculo às mudanças em cur-
racionalizador impulsionado pelo Estado, em vista do so, caracterizando o fenômeno de “demora cultu-
progresso técnico e do crescimento econômico. Ambas
as noções influenciam a mudança e a transformação da ral” (p.317). Do mesmo modo, ao criticar a
sociedade brasileira na implantação de uma sociedade
urbano-industrial capitalista.
3
Este resgate tem função indicativa, apenas para apontar 4
Thales de Azevedo introduziu esse debate em Les élites
dilemas enfrentados no debate clássico, com a consciên- de couleur dans une ville brésilienne originalmente
cia dos limites e riscos implícitos aos esforços de síntese. publicada pela Unesco [1953].

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heteronomia presente na “situação de castas”, que para o consumo interno e que, de acordo com o
impedia o negro de assimilar suas condições de autor, tem papel subalterno. Para ele é a esse “se-
“classe”, Fernandes destacava os processos de tor inorgânico” e subalterno e a essa grande maio-
“desajuste estrutural” e o “isolamento sociocultural” ria “desqualificada” que a nação brasileira “deve
dos traços da tradição e da discriminação em rela- seguir” no futuro, conforme analisa Ricúpero
ção às conquistas civilizadas. (2009, p.235). Talvez esteja em Caio Prado Junior
a síntese das principais contradições da sociedade
Resulta deste processo o “desajustamento estru- brasileira, entre as instituições políticas coloniais
tural”, a “desorganização social” típicas dos des-
cendentes dos africanos, relegados a viver um e a estrutura socioeconômica do país. Tais contra-
estado de marginalidade social, verdadeiros pros- dições vão fundamentar os dilemas futuros do
critos das conquistas civilizadas. O preconceito
encaminhamento da questão social brasileira, ca-
e outras expressões de discriminação exerceram
a função “de manter a distância social” e de re- racterizada pelo enorme contingente de trabalha-
produzir o “isolamento sociocultural”, tendo em dores empobrecidos e desprotegidos de direitos
vista a preservação das “estruturas sociais arcai-
cas”. (Arruda, 2009, p.317-318). sociais do mercado informal e por uma sociedade
profundamente desigual no acesso aos direitos. Na
Diferentemente dessas interpretações, que sua análise, Caio Prado destaca “um desacordo
discutem as relações socioculturais e políticas da fundamental entre o sistema econômico legado pela
modernidade brasileira, Caio Prado Junior [1933] colônia e as novas necessidades de uma nação livre
constrói uma interpretação histórica singular da e politicamente emancipada”. Suas interpretações
sociedade brasileira, orientada pela categoria suscitaram debates nos círculos da esquerda brasi-
marxiana de “formação social”. Enfatiza a relação leira, exatamente porque confrontavam com a tese,
entre a colônia e a nação, ou a passagem entre a então predominante, de que a revolução econômica
condição de colônia para a formação da nação, e e nacional brasileira implicava a superação dos con-
reconhece, nessa relação, impasses para a transi- siderados traços “feudais”, como etapa necessária,
ção5 modernizadora. e viam, na burguesia nacional, o ator central do pro-
Com base numa abordagem econômica da jeto de desenvolvimento nacional.6
ordem colonial brasileira, Caio Prado Júnior anali- Caio Prado Junior, no seu livro A Revolu-
sa o “sentido do projeto colonial” que orienta a ção Brasileira [1966], considera equivocada a trans-
formação da colônia na direção de uma constru- posição de um processo de transição de épocas
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ção da nação. Para ele, a formação brasileira só pode passadas, ocorrido em outras sociedades europeias,
ser entendida pelo “sentido da colonização” volta- do feudalismo para o capitalismo, para países como
do para fora, cujo objetivo era fornecer produtos o Brasil. Para ele, a burguesia nacional não existia
para o mercado externo e atender aos interesses da e nem poderia ser um ator central do projeto de
coroa portuguesa. Esse “sentido colonial” forma- desenvolvimento e modernização nacional, porque
va a totalidade entre as partes constitutivas da eco- estava bloqueada internamente pelas estruturas de
nomia e da política colonial brasileiras, articula- dominação tradicionais, e, externamente, pela de-
das à metrópole. Prado Junior reconhecia também pendência do capital internacional. Com essas te-
uma desarticulação entre a produção voltada para ses, Caio Prado Junior deixa um lastro histórico
fora, que ele chama de setor orgânico da sociedade sobre os vínculos da dependência dos processos
colonial agroexportadora, e o setor inorgânico, de acumulação no país que, certamente, constitu-
constituído pela maior parte da população voltada íram-se em referenciais importantes para a crítica

5
O uso da categoria marxiana “formação social” busca 6
Parte da esquerda brasileira, sob a liderança do Partido
apreender a complexidade das sociedades históricas onde Comunista Brasileiro (PCB), acreditava que as classes
sobrevivem diferentes modos de produção que, articu- empresariais, aliadas aos trabalhadores, poderiam adotar
lados, produzem uma totalidade histórica complexa e posições nacionalistas e produzir, ao mesmo tempo, uma
contraditória. revolução burguesa e nacional.

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da escola paulista às teses do desenvolvimento base no progresso técnico, e da revolução nacionalis-


propostas pelo ISEB.7 ta brasileira, a exemplo das teses defendidas pelos
As interpretações desses autores (e outras intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasi-
que aqui não foram tratadas) revelam que uma das leiros (ISEB), na década de cinquenta, da tese sobre a
principais contradições do país estava entre o sis- modernização da CEPAL e das críticas posteriores
tema produtivo, voltado para fora, e os óbices para formuladas por intelectuais da escola paulista9 a es-
se criar uma organização jurídica e política que sas teses sobre o subdesenvolvimento.
adotasse plenamente instituições liberais. Ou seja,
os limites da modernização estavam, em grande
parte, na “modernidade possível”, como formula A noção estratégica de desenvolvimento do ISEB
Faoro (1992). Para ele, entre as duas: “A oposição
pode, uma vez que não chega à contradição, e daí, Segundo os intelectuais do ISEB, a noção do
à superação, conciliar-se e acomodar-se num qua- desenvolvimento referia-se a um regime de acumu-
dro sem afirmação e sem superação” (p.18). Nesse lação capitalista baseado em industrialização, cres-
sentido, Faoro expressa a limitação de um projeto cimento econômico e progresso técnico, e moderni-
de modernização realizado pelo alto e pelas elites zação das relações produtivas, com base no traba-
e considera que a via central dessa transição pas- lho assalariado e na elevação do padrão de vida da
sa pela expansão da cidadania. população, sob a liderança do empresariado nacio-
nal.10 A esse conjunto de mudanças costumou-se
chamar de “modernização brasileira”. Em termos
TESES DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTO: do político-institucionais, a perspectiva nacional-
mito fundador do pós-guerra aos anos setenta desenvolvimentista supunha um papel central, deli-
berado e planejado do Estado nacional, de longo prazo,
A noção de desenvolvimento adquiriu um voltado para dar suporte e impulsionar as transfor-
lugar hegemônico nas ciências sociais latino-ame- mações da base técnica e econômica, bem como as
ricanas, no período Pós-Segunda Guerra. À luz de transformações das instituições políticas e jurídicas.
um horizonte epistemológico da economia políti- A articulação entre o econômico e o político
ca e associada a um projeto de modernização naci- sustentava uma coalizão entre a burocracia Estatal,
onal pela via da industrialização e da urbanização as elites empresariais e os trabalhadores assalaria-

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capitalista, a noção é paradigmática de um projeto dos. O Estado nacional assumiu o papel de ator
nacional de “substituição de importações”8 com estratégico do desenvolvimento, visando a gerar
7
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), ór- as condições institucionais e de infraestrutura para
gão criado em 1955, era dotado de autonomia adminis- alavancar a economia. Tais condições incluíam as
trativa, mas vinculado ao Ministério de Educação e Cul-
tura, cuja missão era o ensino e o estudo das ciências ações protecionistas aos empresários da indústria
sociais. Constituiu-se num núcleo difusor das ideias do
desenvolvimentismo e das ações do Estado no governo nacional (o modelo de “substituição das importa-
Juscelino Kubitschek, visando a orientar a burguesia em
relação a seu papel nas transformações econômicas, so- ções”, desde Vargas) e a criação de infraestrutura,
ciais e culturais do país. Participaram desse grupo inú- de modo a gerar as condições para esses investi-
meros intelectuais brasileiros com formação e orienta-
ções distintas, como: Miguel Reale, Sergio Buarque de
Holanda, Hélcio Jaguaribe, Roland Corbisier, Guerreiro nômica baseada no processo de industrialização capitalis-
Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antônio Cândido, ta, voltado para o mercado interno e dependente de polí-
Candido Mendes, Inácio Rangel, Alvaro Vieira Pinto, ticas protecionistas do Estado à indústria nacional. A ado-
Carlos Estevam Martins, Abdiais Nascimento, entre ção dessa política acarretou uma mudança do centro di-
outros. Foi infleunciado pelas ideias da Cepal (Comissão nâmico da economia brasileira, pelo estímulo às manufa-
Econômica de Estudos para a América Latina e o Caribe), turas. A Cepal considerava que essa política permitiria a
tendo também como colaboradores Celso Furtado e acumulação de capitais internos, o que poderia gerar um
Heitor Villa Lobos. O ISEB foi extinto após o golpe de desenvolvimento autossustentável e duradouro.
1964. Ver Bresser Pereira (2004) e CPDOC- FGV 9
Refiro-me à teoria da dependência (Cardoso; Faletto, 1970)
cpdoc.fgv.br na parte relativa a JK. e a tese da dualidade da sociedade brasileira (Oliveira, 1972).
8
O modelo de substituição de importações refere-se à pro- 10
Ver Bresser Pereira, 2004 e os textos CPDOC- FGV
posta da CEPAL, aplicada a países como Brasil, México e cpdoc.fgv.br parte relativa à JK de Alzira Abreu.
Argentina e outros, de um planejamento da política eco-

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mentos, indicados no Plano de Metas (1956-1961) Inerente à tese sobre a singularidade do sub-
de Juscelino Kubitschek. O Plano contemplou um desenvolvimento latino-americano, multiplicaram-
conjunto integrado de investimentos com metas se argumentos sobre a persistência de uma “cultu-
para o setor público e privado e pouco estímulo ao ra da pobreza”, que se constituía em freio para o
setor agrário, tendo sido bem sucedido, do ponto desenvolvimento. A tese do “círculo vicioso da
de vista do crescimento econômico, à custa de alto pobreza” de Nurkse (1963), por exemplo, argumen-
endividamento público. Bresser Pereira (2004) as- tava que os países subdesenvolvidos tinham uma
sim define a noção estratégica de desenvolvimen- renda per capita muito baixa e voltada totalmente
to formulada pelos intelectuais do ISEB: para o autoconsumo, o que impossibilitava a capa-
cidade de inversão, fazendo com que a pobreza se
É o processo de acumulação de capital; acumula- perpetuasse.14 Considerava que a via para romper
ção de progresso técnico e elevação do padrão de
vida da população de um país, que se inicia com a tal “ciclo vicioso” seria a atração de investimentos
revolução capitalista e nacional; é o processo de estrangeiros, empréstimos no exterior e assistên-
crescimento sustentado da renda dos habitantes
cia técnica de organismos internacionais. A hipó-
de um país sob a liderança estratégica do Estado
nacional e tendo como principais atores os em- tese era a de que, uma vez estabelecido o polo
presários nacionais. O desenvolvimento é nacio- moderno, seus efeitos positivos se expandiriam, e
nal porque se realiza nos quadros de cada Estado
nacional, sob a égide de instituições definidas e a produção, o consumo e os valores se moderniza-
garantidas pelo Estado. (p.57-58). riam. Ou seja, o progresso técnico e econômico
liquidaria os vínculos da tradição, e o país se ins-
talaria num processo de mudanças que acabaria
A teoria da modernização e a noção de por estabelecer e consolidar a democracia repre-
marginalidade da Cepal11 sentativa (Nun, 2001, p.12-13).
A literatura sociológica brasileira dos anos
O paradigma da modernização, no pós-guer- sessenta e setenta discutiu a natureza e a
ra, converteu-se numa referência central do pensa- especificidade do “desenvolvimento capitalista
mento latino-americano. Segundo Nun (2001, periférico” e seus efeitos sobre a matriz das rela-
p.10), para os economistas, essa modernização sig- ções sociais excludentes, a exemplo das teorias da
nificava a busca do crescimento sustentado do “massa marginal” [Nun, 1969], da “teoria da de-
produto per capita. Para os cientistas políticos, a pendência” [Cardoso; Faletto, 1970], e da crítica
institucionalização de uma democracia represen-
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às “teses dualistas”, formulada por Oliveira [1972]


tativa e, para sociólogos, a difusão de valores para e implícitas nas noções de “subdesenvolvimento”
a racionalização, o universalismo, o desempenho, e de “modernização” da Cepal, etc.
a secularização.12 A tese cepalina apoiava-se no Reconhecendo a heterogeneidade e a coe-
conceito de “subdesenvolvimento” entendido xistência de diferentes modos de produção na for-
como uma formação histórica singular que opu- mação histórica de sociedades latino-americanas e
nha um setor “atrasado” a um setor “moderno”, sustentado na interpretação marxiana do materia-
uma forma específica de as economias pré-indus- lismo histórico, Nun, no artigo “Superpopulación
triais, penetradas pelo capitalismo, passarem para 14
Posição hoje superada pelas teses liberais, e de caráter
formas mais avançadas.13 normativo – do “empreendedorismo“ (Joseph
Shumpeter), do empoderamento, empowerment (John
Friedmann), ou da tese de “capacitação dos pobres” na
11
Apresentei essa discussão de forma mais detalhada em luta contra a pobreza (Amartya Sen) –, entendidas como
Ivo (2008) capítulo IV. promotoras de emancipação e autonomia dos sujeitos
12 na promoção do desenvolvimento local alternativo, ao
Esse entendimento de Nun, no entanto, não contem- mesmo tempo também articulado ao desenvolvimento
pla a crítica da economia política e a abordagem socioló- nacional. Significa identificar oportunidades e
gica marxiana da dominação de classes, como o fizeram transformá-las em negócio lucrativo. Shumpeter popu-
Cardoso e Falleto (1970) e Oliveira (1972). larizou o conceito do empreendedorismo como central
13
Ver a crítica central de Francisco de Oliveira (1976, p.9) na sua teoria de “destruição criativa“ do capital, pela
à perspectiva dualista da CEPAL. capacidade de inovação dos agentes.

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relativa, ejército industrial de reserva y masa mar- No livro Dependência e desenvolvimento na


ginal” (1969)15 distingue a “superpopulação relati- América Latina [1970], Fernando Henrique Car-
va”, como um fenômeno existente em todos os doso e Enzo Faletto constroem uma perspectiva
modos de produção, da noção de “exército indus- sociológica sobre o desenvolvimento na América
trial de reserva”, restrita ao capitalismo. Para Nun, Latina, visando a estabelecer a natureza social e
na fase do capitalismo monopolista, a política desse processo, em diálogo com a econo-
superpopulação relativa, em sua totalidade, deixa mia política. “A problemática sociológica de trans-
de ter essa “funcionalidade”. Assim, ele distingue formação econômica requer a análise das situações
a parte funcional da superpopulação relativa ao em que a tensão entre grupos e classes sociais re-
capital, que considera como “exército industrial vele as bases de sustentação econômica e políti-
de reserva”, e outra, considerada por ele “não fun- ca.” (p.37). No capítulo sobre “Subdesenvolvimen-
cional” à acumulação capitalista, a qual ele chama to, periferia e dependência”, esses autores retornam
de “massa marginal”.16 à questão das “etapas” da transição, discutidas por
Fernando Henrique Cardoso [1969]17 criti- Prado Junior [1966], com a seguinte formulação
ca as teses de Nun pela ambiguidade metodológica “[...] entre as economias desenvolvidas e as subde-
da noção de “funcionalidade” dos sistemas de pro- senvolvidas não existe uma simples diferença de
dução, cujo patamar analítico se distingue da no- etapa ou de estágios, do sistema produtivo, mas de
ção de exército industrial de reserva, reveladora posição dentro de uma mesma estrutura econômica
da natureza contraditória entre acumulação e ex- internacional de produção e distribuição.” (p.38-
ploração do trabalho, e não da “funcionalidade” 39). Os autores abrem um novo esquema de inter-
[adaptação] entre a produção capitalista e as pré- pretação para o desenvolvimento, à época, articu-
capitalistas. Para Cardoso, a noção de “massa mar- lando variáveis econômicas às políticas, ou seja, as
ginal” de Nun seria mais um conceito heurístico e estruturas de dominação de classes, os conflitos de
operacional do que uma “contradição necessária” interesses e as instituições sociopolíticas.
histórica, inerente às relações entre as classes soci- Francisco de Oliveira (1976), na crítica às
ais. Ao se referir à “contradição necessária”, Car- concepções dualistas e estruturais da CEPAL, dis-
doso considera que a proposta de Nun deixou à tingue a contribuição de Cardoso e Faletto (1970)
margem o caráter conflitual das classes, que diz das outras análises sobre a dependência e a domi-
respeito às condições de exploração e pobreza dos nação externa.

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trabalhadores, inerente ao regime de acumulação.
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto ela-
Ele admite que esse procedimento poderia se jus- boram uma teoria da dependência cuja
tificar em contextos em que não existam empre- postulação essencial reside no reconhecimento
que a própria ambigüidade [sic] confere
gos suficientes para todos, ou de expansão do
especificidade ao subdesenvolvimento, sendo a
sistema econômico. “dependência” a forma em que os interesses in-
ternos se articulam com o resto do sistema capi-
15
talista. Assim, [esses autores] afastaram-se do
Texto publicado originalmente na Revista esquema cepalino que vê nas relações externas
Latinoamericana de Sociología, v.5, n.2, p.178-236, 1969.
Nesse texto as referências seguem a republicação do ar- apenas oposição a supostos interesses nacionais
tigo em Nun (2001). globais, para reconhecerem que, antes de uma
16
Para Nun (2001, p.24-25), o conceito de exército indus- oposição global, a “dependência articula os inte-
trial de reserva foi utilizado por Marx para designar os resses de determinadas classes e grupos da Amé-
efeitos funcionais da superpopulação relativa na fase do rica Latina com os interesses de determinadas
capitalismo que ele estudou. Nun propõe chamar de mas-
sa marginal a parte da superpopulação relativa que, em classes e grupos sociais de fora da América Lati-
outras situações, não produz esses efeitos funcionais. na”. (Oliveira, 1976, nota 4, p.70-71)
17
No trabalho “Comentario sobre los conceptos de
sobrepoblación relativa y marginalidad”, Revista
Latinoamericana de Ciencias Sociales, Santiago do Chi- Sintetizando o debate sobre os limites da
le, ELAS-ICIS, n.1/2, p.57-76, 1970. Baseamo-nos na teoria da modernização – que opunha o setor mo-
sua republicação sob o título de “Crítica de F.H. Cardo-
so”, em Nun (2001, p.141-183). derno ao setor tradicional, atrasado –, um conjun-

193
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

to de estudos avançou no sentido de perceber e to ou o crescimento é um problema que diz res-


peito à oposição entre classes internas (p.9).
explicar a heterogeneidade dos mercados de traba-
lho brasileiros. Duas perspectivas orientaram essa
Para o autor, essa discussão teve importân-
análise crítica: a primeira é tributária de reflexões
cia decisiva, desconsiderando a indagação princi-
de caráter histórico-estrutural dual, voltada para
pal: “a quem serve o desenvolvimento econômico
entender a natureza da dominação sobre os países
capitalista no Brasil?” (Oliveira, 1976, p.10). As-
periféricos, o caráter da dependência e a natureza
sumindo uma interpretação marxiana sobre a for-
da burguesia nacional em relação aos centros de
mação do exército industrial de reserva, Oliveira
produção do capitalismo, a exemplo de Nun; a
critica o modelo de substituição de importações.
outra tomou como eixo analítico a tese relativa às
“contradições fundamentais” inerentes às condi- O fato de que o processo tenha desembocado num
ções de classe, de exploração da força de trabalho modelo concentracionista, que numa segunda
etapa de expansão vai deslocar o eixo produtivo
e a concentração da renda na formação da popula-
para a fabricação de bens de consumo duráveis,
ção excedente, como exército industrial de reser- não se deve a nenhum fetiche ou natureza dos
va, e o entendimento da dinâmica de estruturação bens, a nenhum “efeito-demonstração”, mas à
redefinição das relações trabalho-capital, à enor-
do mercado de trabalho nos países de capitalismo me ampliação do exército industrial de reserva”,
periférico, como categoria crítica do processo de ao aumento da taxa de exploração, às velocida-
des diferenciais de crescimento de salários e pro-
modernização brasileiro (Cardoso; Faletto 1970;
dutividade que reforçam a acumulação (p.22,
Oliveira, [1972] 1976). grifos do autor).
Na crítica de Francisco de Oliveira [1972]
(1976) às concepções cepalinas, ele esclarece que a Assim, Oliveira (p.8) considerava que os
perspectiva dualista induzia a uma visão ético- conhecidos opositores da CEPAL, no Brasil e na
finalista de satisfação das necessidades da popu- América Latina, tinham quase sempre a mesma
lação, desconhecendo que a finalidade do sistema filiação teórica marginalista, neoclássica e
é a sua própria reprodução. Considera que o pen- keynesiana, comprometidos com o status quo eco-
samento socioeconômico latino-americano, ao pro- nômico, político e social da miséria e do atraso
curar romper com as teses cepalinas de caráter dual- secular latino-americano. E, a respeito da
estruturalista, e entender a problemática latino- especificidade da expansão do capitalismo, no
americana mediante a utilização de um arsenal te- Brasil e na América Latina, produz uma nova sín-
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órico e metodológico, deu largas margens à utiliza- tese sobre os dilemas da tradição e do capitalismo:
ção das abordagens marginalista e keynesiana.
Segundo Oliveira, os estudiosos da depen- A originalidade consistiria talvez em dizer-se que
[...] a expansão do capitalismo no Brasil se dá
dência latino-americana – orientados segundo a introduzindo relações novas no arcaico e repro-
relação entre centro e periferia e pela constituição duzindo relações arcaicas no novo, um modo de
compatibilizar a acumulação global [...]. Essa
de um “modo de produção subdesenvolvido” –, à
forma parece absolutamente necessária ao siste-
exceção da tese de Cardoso e Faletto, deixaram de ma em sua expansão concreta no Brasil, quando
tratar aspectos relativos às contradições de classes se opera uma transição tão radical de uma situa-
ção em que a realização da acumulação dependia
e às estruturas de dominação que conformam o quase que integralmente do setor externo, para
processo de acumulação próprio a países periféri- uma situação em que será a gravitação do setor
interno o ponto crítico da realização, da perma-
cos, como o Brasil:
nência e da expansão dele mesmo. Nas condi-
ções concretas descritas, o sistema caminhou
[...] toda a questão do desenvolvimento foi vista inexoravelmente para uma concentração da ren-
sob o ângulo das relações externas e o problema da, da propriedade e do poder. (p.28-29, grifos
transformou-se, assim, em uma oposição entre do autor).
nações, passando despercebido o fato de que,
antes de oposição entre nações, o desenvolvimen- Para Oliveira, a conversão de enormes con-

194
Anete B. L. Ivo

tingentes populacionais em “exército industrial de políticas e os custos desse crescimento, do ponto


reserva” era pertinente e necessária, do ponto de de vista da qualidade do bem-estar dos cidadãos.
vista da reprodução do capital, porque atendia, de Portanto, a modernização conservadora e
um lado, ao cálculo econômico empresarial num excludente contém dimensões sociais, políticas e
horizonte médio, enquanto, de outro, a legislação institucionais legitimadoras do regime de concen-
trabalhista igualava, reduzindo o preço da força de tração de riqueza, o que, no caso brasileiro, pro-
trabalho, ao invés de incrementá-la. duziu uma massa de excluídos e padrões de desi-
As características assumidas pelo modelo gualdade de renda extremamente elevados entre
de desenvolvimento brasileiro, especialmente no trabalhadores, grupos e (ou) regiões.
contexto da modernização autoritária realizada no A modernização conservadora, que marca
período militar, envolveram intensos debates e crí- a sociologia do desenvolvimento até os anos oi-
ticas sobre o caráter conservador dessa moderni- tenta, aponta um conjunto de fatores
zação. Esse caráter se vincula e se restringe ao pro- determinantes da iniquidade no Brasil:19 a longa
gresso técnico e ao crescimento econômico altamente história do escravismo e do latifúndio, que
concentrador, sem mudança significativa da distri- sedimentou relações profundamente verticais e
buição da renda e das relações políticas e sociais desiguais, hierarquizadas; o caráter centralizador,
assentadas numa cultura política patrimonial e au- patrimonialista e autoritário da cultura política
toritária. Essa crítica singulariza a questão social brasileira, permeado por relações clientelistas que
em países caracterizados por extrema pobreza, al- se alternam e (ou) se complementam com o cír-
tos índices de desigualdades sociais e por um Es- culo burocrático (Nunes, 1997); o caráter depen-
tado de Bem-estar incompleto, como o Brasil, que dente do capitalismo periférico; a natureza res-
deixou à margem da cidadania a maioria dos tra- trita da política de seguridade social, decorrente
balhadores brasileiros, fora da proteção dos direi- de uma inclusão imperfeita da massa trabalha-
tos do trabalho, reduzidos à condição de reprodu- dora aos empregos protegidos com a persistên-
ção da vida no nível de pura sobrevivência.18 cia de amplos contingentes de trabalhadores in-
formais, excluídos com suas famílias de um sis-
tema de proteção e de Direitos sociais; e o enor-
A herança da modernização conservadora: me volume da pobreza, como fenômeno de mas-
ampliação das desigualdades socioeconômicas sa (Lautier, 1995). São fatores que, articulados,

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e culturais contribuem para a formação de um massivo e
histórico processo de exclusão das famílias de tra-
O debate sociológico do modelo de desen- balhadores, dos benefícios do desenvolvimento
volvimento diz respeito ao tema da distribuição, brasileiro (Ivo, 2001, 2008).
ou da justiça distributiva, o que implica pensar As razões da persistência da iniquidade da
como os resultados da economia são apropriados estrutura social brasileira não são, portanto, ex-
socialmente, questionando “como” se está crescen- clusivamente econômicas, mas se referem ao pa-
do e “para quem” se dirigem os resultados dessas drão altamente concentrador da renda e do poder,
esse último garantido por uma herança lusitana
18
Acompanha esse processo todo um debate sobre a nature-
za do excedente social de trabalhadores. A crítica a algumas de relações políticas e sociais autoritárias, que,
categorias, como desocupação, subemprego e subocupação,
19
setor informal, renda inadequada etc., permitiu avançar no Nunes (1997), na Gramática Política do Brasil, destaca
reconhecimento de indivíduos submetidos a essas ocupa- quatro fatores: o clientelismo, o patrimonialismo, o
ções como “trabalhadores”: trabalhadores por conta pró- corporativismo e o insulamento burocrático. Esse últi-
pria, autônomos e independentes. Essa nominação tem mo é encaminhado pelo Estado autoritário. Jessé de
efeito simbólico de reconhecimento deles como sujeitos Souza (2003, p.97) critica o uso das categorias
do trabalho e permite, metodologicamente, ultrapassar as- personalismo, familismo e patrimonialismo para expli-
pectos duais e atributos ou designações negativas, implíci- car as mazelas sociais nos países periféricos, porque,
tos nas anteriores. Essa análise foi objeto do capítulo IV do segundo ele, elas expressam uma visão “cultural
livro de Ivo (2008). essencialista”.

195
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

desde a época colonial, mantiveram à parte “ho- gênero; de ambientalistas, entre outras) em redes
mens livres”, moradores do campo e das cidades, também nacionais e pontos da agenda local, que
considerados como “desocupados”, “vadios”, “va- se entrecruzam com as condições de classe e de
gabundos”, “marginais” ou “resíduos”, frente aos reprodução das camadas populares trabalhadoras,
setores hegemônicos da economia. em níveis de extrema pobreza.
José Murilo de Carvalho (2000) aproxima a tran- A transição brasileira, nesse contexto dos
sição da questão social brasileira à experiência conser- anos 80, orientou-se pelas lutas para expansão dos
vadora da Alemanha, “onde houve aliança dos se- direitos da cidadania, num contexto de mobilização
nhores de terra com o Estado e os industriais” (p.28). nacional por democratização da sociedade e das
instituições políticas de um Estado de direitos e
liberdade de expressão. A sociedade civil se dife-
INFLEXÕES DO PARADIGMA DO DESENVOL- renciou sob a influência de novos atores sociais: o
VIMENTO NOS ANOS OITENTA E NOVENTA: a novo sindicalismo, os novos movimentos sociais
democracia e os ajustes estruturais e as pressões de organizações não-governamentais,
que se expandem desde 1986, os intelectuais, a
O projeto de democratização nacional e a emer- Igreja, os partidos de esquerda de oposição ao re-
gência de novos atores sociais gime militar, a imprensa, e, também, a formação de
um novo empresariado paulista moderno, produ-
A década de oitenta, considerada a “década tor de bens de capital. Esse segmento de classe
perdida” da perspectiva do projeto modernizador, constituiu-se especialmente no governo Geisel, e
pela estagnação econômica dos países da América começa a se autonomizar na formulação crítica de
Latina – com retração da produção industrial, políticas e defesa de interesses “nacionais”.20 O
volatilidade dos mercados e redução do ritmo do Estado desloca-se do seu papel racionalizador da
crescimento –, expressa uma crise do modelo e a mudança e do progresso técnico-industrial para
emergência de novos atores no cenário nacional, atuar prioritariamente como mediador dos confli-
orientada por um processo de resistência política tos dos distintos interesses da sociedade civil, (em-
e pressões para reconhecimento de direitos da ci- presários, trabalhadores e movimentos sociais), que
dadania. Do ponto de vista político, o período ca- pressionam por direitos civis, políticos e sociais.
racterizou-se por um alto nível do conflito social, A alta mobilização dos atores sociais e partidos en-
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quando o modelo nacional desenvolvimentista mos- caminhou mudanças institucionais do Estado de


tra sinais de esgotamento, e o projeto nacional é direito, que se consolidaram na Constituição Brasi-
reapropriado pela cidadania mobilizada, com a emer- leira de 1988, especialmente na universalidade de
gência de novos atores sociais numa sociedade cada direitos sociais e de participação da cidadania.
vez mais diferenciada. A dívida social do país com a
grande maioria excluída se expressa na persistência
de um mercado de trabalho informal, integrado pela Na contramão do projeto nacional: o diagnós-
maioria dos trabalhadores que sobrevivem em pata- tico conservador da reforma do Estado dos
mares mínimos de reprodução social e fora dos di- anos noventa
reitos à proteção social. Por outro lado, articuladas a
essas desigualdades socioeconômicas e políticas, Na contramão da historicidade dos atores
observam-se discriminações e desigualdades sociais em luta, no Brasil como em outras socieda-
socioculturais (de gênero, étnicas, etárias, religio-
20
sas, etc.), herança da “tradição”, com pautas polí- Um exemplo seria da Gazeta Mercantil e do Pensamento
Nacional das Bases Empresariais, criado em 1987, cuja
ticas reatualizadas na escala internacional pelas missão é articular empresários para tornar o país econo-
micamente mais desenvolvido, socialmente mais justo
lutas por direitos civis das minorias (étnicas; de e politicamente mais democrático.

196
Anete B. L. Ivo

des, observa-se, no âmbito internacional, uma rup- formulado em meados da década de setenta pelas
tura do pacto redistributivo que sustentou o Esta- agências multilaterais, aponta como fatores
do de Bem-estar em muitos países e cujos efeitos determinantes da crise: a crise fiscal provocada por
sociais, nos anos 90, mostraram-se mais graves nas demandas crescentes; excesso de democracia,
sociedades latino-americanas, devido ao caráter provocando crise de autoridade; e o
ainda incompleto dos regimes de bem-estar social provincianismo dos Estados nacionais, fatores
nesses países. que, da perspectiva neoliberal, dificultavam a
A oposição dos liberais ao pacto livre circulação de capitais. Esse diagnóstico cons-
redistributivo dos regimes de bem estar não é ta do relatório de Michel Crozier,24 Samuel
nova e expressa tensões clássicas entre forças li- Huntington e Joji Watanuki The Crisis of
berais e socialistas, que postulam por maior ou Democracy, encomendado pela Comissão
menor liberalização de mercados, maior ou me- Trilateral em 1975, voltado para orientar interes-
nor grau de interferência do Estado na regulação ses do capitalismo global, articulando os interes-
do capital e em favor da “desmercadorização”21 ses dos países do Norte (especialmente Estados
da força de trabalho, questões que integram o Unidos e Europa) e Ásia (Japão). Ele orientou as
conflito distributivo (Ivo, 2007). recomendações do Consenso de Washington e as
A crítica liberal ao modelo de bem-estar, na reformas e ajustes do Estado, em diversos países,
década de 50, considerava que as políticas nos anos 90. Os autores desse relatório consideram
redistributivas eram incompatíveis com o crescimen- a incontrolabilidade da crise fiscal nos centros do
to econômico estável e representavam pressão infla- capitalismo avançado como fator inflacionário e de
cionária de difícil controle para os Estados nacio- ingovernabilidade dos Estados nacionais, provoca-
nais (Perrin, 1969). O crescimento acelerado da eco- do pelo welfare. Sugerem medidas restritivas à de-
nomia até os anos setenta neutralizou essas criticas. mocracia pela reforma das instituições políticas sob
Na contramão da crítica dos liberais, na década de hegemonia do mercado, em favor da estabilidade
sessenta, setores da esquerda, dos trabalhadores e econômica e do combate à inflação.
das diversas minorias organizadas em matéria de Em 1981, a Organização para a Cooperação
“igualdade” e direitos, criticavam o regime, exigin- e o Desenvolvimento Econômico – OCDE
do expansão de benefícios e cobertura de direitos (Organization for Economic Co-operation and
civis e sociais, pela pressão dos movimentos soci- Development – OECD),25 que representa interesses

CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 187-210, Maio/Ago. 2012


ais. No Brasil, a expansão desses movimentos ocor- dos países ricos, reforça a tese original que opõe
reu especialmente nas décadas de 70 e 80.22 políticas redistributivas (de bem-estar) aos objeti-
O diagnóstico conservador da governabilidade vos do crescimento econômico, entendendo que a
para a América Latina23 (Achard; Flores, 1997), estagnação do crescimento dos anos 80, as altas ta-
xas de inflação e o crescente desemprego resulta-
21
Corresponde à expressão “decommodification“ usada vam diretamente da crise fiscal pelo excesso de de-
por Gosta Esping-Andersen (1990), que significa o aces-
so dos trabalhadores a seguros e prestações sociais, ba- 24
O capítulo sobre os Estados Unidos foi escrito por Samuel
seados em direitos e políticas sociais, que representam Huntington, um economista americano conservador. O
uma socialização parcial da economia. capítulo sobre a Europa Ocidental é da autoria do soció-
22
Essa tendência teve efeitos sobre países em desenvolvi- logo francês Michel Crozier formulador das bases da ação
mento e se expressou em intensas mobilizações sociais na estratégica da Sociologia das Organizações; e o capítulo
década de 70 e 80. A ação desses movimentos traduziu-se sobre o Japão é da autoria do sociólogo japonês Joji
na expansão de direitos sociais básicos de cidadania inscri- Watanuki, autor de reflexões sobre a natureza do regime
tos na Constituição Brasileira de 1988, como a Previdência de acumulação na sociedade japonesa.
especial rural e o Benefício da Prestação Continuada, além 25
Organização que articula o “grupo dos ricos”, ou seja, 37
de benefícios dirigidos aos direitos das minorias. países de alta renda e índices de desenvolvimento hu-
23
Sobre o detalhamento do diagnóstico da governabilidade, mano que se orientam segundo princípios da democra-
ver: Valladares e Coelho, 1995; Melo, 1996; Achard e cia representativa e da economia do livre mercado. Foi
Flores, 1997; Diniz, 1997; Boschi, 1999; Ivo, 2001. A criada em 1960, sucedendo à Organização Europeia para
perspectiva “conservadora” refere-se à tradução política a Cooperação Econômica (OECE), responsável pela
da liberação econômica (mercados livres) com redução a implementação do Plano Marshall (1947) de reconstru-
intervenção do Estado no âmbito da economia. ção do continente europeu, no pós-guerra.

197
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

mandas sociais, sem capacidade de processamento na aplicação de políticas de austeridade e ajustes


pelos Estados nacionais. fiscais, e de reforma do Estado, sob o argumento da
O esgotamento do regime de acumulação administração da dívida externa (Osmond, 1998).
fordista no centro do capitalismo mundial reper- Na década de noventa, o conflito se expres-
cutiu sobre as formas de regulação econômica e sa, portanto, entre os interesses do projeto de de-
política, especialmente sobre o papel do Estado mocratização nacional – formulado e conduzido
nacional como indutor do desenvolvimento e res- pelos diversos atores nacionais na década de oiten-
ponsável pela proteção social universal, ta, em favor dos direitos da cidadania brasileira – e
priorizando mudanças institucionais nos Estados os atores internacionais, agências financeiras e de
em defesa da estabilidade, nos anos noventa, com desenvolvimento associadas aos Bancos Centrais e
ênfase em ações estratégicas empreendidas por a setores comprometidos com a política monetarista,
corpos intermediários, tais como família, a reforma e o ajuste institucional do Estado.
associativismo e desenvolvimento local, como ca- Essa reforma, em prol de um modelo de Es-
minho para enfrentar as crises cíclicas do mercado. tado gerencial, assentado em critérios institucionais
O efeito dessas mudanças, do ponto de vista social, de eficiência e competitividade, representa, na rea-
foi mais grave em países como o Brasil, dadas as lidade, um rearranjo interno de atores e instâncias
enormes e históricas desigualdades sociais e o cará- de decisão e interesse, sob a hegemonia de políticas
ter incompleto das políticas de bem-estar social. monetaristas, e envolveu aplicação rigorosa do ajuste
Essa transição alterou as responsabilidades do fiscal, sobretudo nos governos dos países latino-
Estado nacional como promotor e regulador do de- americanos. Tal orientação aprofundou a ruptura
senvolvimento, observando-se uma desconcentração do pacto nacional-desenvolvimentista (entre Esta-
do poder do Estado nacional, reorientado por re- do, elites empresariais e trabalhadores assalariados
formas em favor do mercado, através das urbanos), que vigorou até os anos 70, e neutraliza o
privatizações, e operando a descentralização de papel do Estado nacional como processador de con-
políticas sociais com ênfase nas dinâmicas locais, flitos, esvaziando parte das lutas encaminhadas na
na passagem de responsabilidades públicas para a década de oitenta por atores da sociedade civil or-
esfera da sociedade civil, com base no modelo de ganizada e expandindo a pauta de políticas sociais
“parcerias público e privado”, e, em termos de orientadas também para o reconhecimento de direi-
Seguridade e proteção, reorientando o princípio tos civis. O Estado nacional reformado, que se
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do Estado (social) protetor de caráter universalista reestrutura na década de 90, reforça a função coer-
para um Estado de assistência focalizada sobre os citiva do Executivo como gestor do ajuste fiscal e
mais pobres, etc. reconverte os princípios universalistas da Consti-
No plano econômico, priorizaram-se políti- tuição de 88, relativo às políticas de seguridade de
cas monetárias voltadas para garantir estabilidade e direitos básicos universais, em ações de combate à
condições necessárias à liberalização e mobilização pobreza pela via de programas estratégicos de assis-
de capitais, especialmente financeiros. Um dos ato- tência social focalizada.
res internacionais centrais dessa mudança é o Fun- Essa transição desloca a “temática do con-
do Monetário Internacional (FMI),26 que, na década flito” (redistributivo) relativo às classes e ao pa-
de noventa, orienta e controla os Estados nacionais drão da integração social para “o tema dos proce-
26
dimentos gerenciais” da eficácia da alocação de
O Fundo foi criado em 1944 para evitar desequilíbrios no
balanço de pagamento dos países membros, atuando na benefícios, transferindo princípios estratégicos do
formulação de uma política monetarista e no
monitoramento dos programas de ajustes estruturais, na mercado (eficiência e competitividade) para o Es-
assistência técnica e treinamento aos países membros. tado-gerente reformado, executor das metas de es-
Nos anos noventa, transformou-se em ator internacional
central da nova ordem neoliberal no monitoramento e tabilidade e controle das contas públicas, exercido
controle das contas públicas nos diversos países, em fun-
ção da administração da dívida externa. por uma burocracia estatal moderna e eficiente, que,

198
Anete B. L. Ivo

nesse contexto, passa a se constituir como um dos escala e temporalidade específica.


atores fundamentais dessa transição. O Presidente do Banco Mundial, numa fala
A concepção do governo federal, no final da de agosto de 1991 (World Bank, 1992), considerava
década de 80, considerava que o dilema da que a estabilidade política e econômica não era sufi-
redistribuição e da “inclusão social” fora sustenta- ciente para o desenvolvimento. Sugere um conjunto
da, no Brasil, com base em políticas monetaristas e de dispositivos normativos de “bom governo” e “boas
planos anti-inflacionários,27 realizados indiretamente práticas”, de caráter moral (luta contra a corrupção,
pelo Plano Real. Esse Plano significou aumento real contra o familismo amoral, o corporativismo e o
do Salário Mínimo, o que favoreceu especialmente clientelismo, etc.), tendo em vista a construção de
pessoas com renda mais baixa, facultando sua mai- um novo consenso de Estado eficiente. Tais dis-
or integração aos mercados e em melhores condi- positivos implicam medidas institucionais de trans-
ções de seguridade econômica, em termos reais. À parência das contas públicas, eficiência adminis-
sociedade civil, nessa nova ordem, coube a respon- trativa e competitividade, afastando as “más con-
sabilidade pública do controle social, a fiscalização dutas” e o legado da ordem tradicional das rela-
das contas públicas e a corresponsabilidade na im- ções políticas corporativas e protecionistas do Es-
plantação de políticas sociais através dos diversos tado com setores do empresariado e dos trabalha-
conselhos e arenas públicas, além da busca de opor- dores.
tunidades competitivas no âmbito produtivo. Com base nas normativas das agências mul-
tilaterais, formulam-se orientações práticas e trans-
mitem-se novas modalidades de arranjos para ato-
A local governance (anos 80-90): uma nova res públicos e privados, como as parcerias públi-
categoria normativa da ação prática para o co-privadas, a criação de arenas públicas, a
desenvolvimento descentralização das ações, accountability, etc. Tais
arranjos são formadores de consensos parciais,
Diante dos efeitos perversos da aplicação destacando as (supostas) virtudes do Estado refor-
das políticas de ajuste fiscal e da crise de repre- mado na construção de ações preventivas contra
sentação dos atores, especialmente urbanos, o Ban- “condutas indesejáveis”, resultantes da herança de
co Mundial, desde 1989, introduziu, em seus re- uma cultura política autoritária, patrimonialista,
latórios sobre o desenvolvimento, a noção de local clientelista e corporativa.

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governance (World Bank, 1992). Trata-se de um O grande equívoco situa-se na tradução de
espaço estratégico de intermediação e ação concer- questões políticas em problemas de gestão. Ao assen-
tada de interesses contraditórios entre os diversos tar-se sobre princípios morais de “boa conduta” e não
atores da sociedade civil, do mercado e do Estado, em valores universais da democracia e da política, rei-
através de conselhos, comissões e fóruns. Essa ação tera-se um raciocínio binário e dual entre velhos e
concertada constitui-se num espaço aberto à cons- novos atores, desconhecendo-se a permeabilidade e a
trução de arranjos entre diferentes agentes sociais, capacidade de adaptação dos atores da “tradição e da
privados e públicos, na formulação de projetos de
modernidade”, no campo institucional. No âmbito das
desenvolvimento. Esse modelo reconhece que as
práticas, os agentes são sujeitos com capacidade estra-
possibilidades competitivas dos projetos de de-
tégica para pactuar e atualizar seus interesses, com
senvolvimento, em distintas escalas, dependem da
permeabilidade dos velhos atores em “novas práti-
coalizão e do acordo entre os atores. Por outro lado,
cas”, como a adesão à luta contra a pobreza por setores
considera a possibilidade de projetos de desen-
de oligarquias tradicionais,28 e a adoção das “velhas
volvimento pela capacidade de coordenação entre
práticas”, envolvendo também partidos de esquerda.
Estado, mercado e sociedade, em cada situação,
27 28
Ver entrevista de Fernando Henrique Cardoso, publicada A criação do Fundo Nacional de Combate à Pobreza pelo
por Achard e Flores (1997, p.80-90) então senador do PFL, Antônio Carlos Magalhães.

199
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

A epistemologia emancipatória e participativa Nancy Frazer (1997), da teoria social crítica reno-
para um novo paradigma de desenvolvimento vada da Escola de Frankfurt, encaminham a supe-
ração da polarização das pautas redistributivas,
Esse movimento de desconcentração do inerente à noção marxiana da classe social, com as
Estado e de emergência desses novos atores e mo- lutas por reconhecimento, associadas à dimensão
vimentos, na década de oitenta, é acompanhado, weberiana do status. A. Honneth, fazendo das
também, de uma crítica epistemológica ao caráter normas implícitas do reconhecimento o fundamen-
dedutivo e estrutural da noção de desenvolvimen- to dos vínculos sociais, produz as bases de uma
to como “um modelo universal” e único, regido legítima crítica social (Géguen; Malochet, 2012,
pelo mercado e pela democracia liberal (ou mode- p.46). Nancy Fraser considera que o retorno à teo-
los autoritários), como se só existisse um tipo de ria do reconhecimento ocorreu pela ênfase cultu-
regulação para os conflitos sociais em todas as so- ral das sociedades contemporâneas (cultural turn).
ciedades e em todos os seus segmentos. Para a autora muitas reivindicações de justiça não
Essa crítica buscava superar a perspectiva exigem apenas melhorias econômicas, mas o reco-
homogeneizadora do desenvolvimento das déca- nhecimento de identidades e diferenças culturais.
das de 50 e 60, como modelo universal, e é pensa- Ela, no entanto, critica as teorias do reconhecimento
da também por alguns “[...] como um projeto de restritas às dimensões culturais, morais e
humanidade solidária inerente a todos os atores identitárias, por desconhecerem a dimensão
sociais com capacidade autotransformadora para redistributiva da justiça. Frazer considera que a
o desenvolvimento” (Prieto, 2010, p.82). Na reali- questão da justiça, nas sociedades contemporâne-
dade, parte dessa epistemologia se constitui nas as, caracteriza-se pela articulação de dois tipos de
lutas por emancipação dos novos movimentos so- “injustiça”: a do tipo socioeconômico, manifesta
ciais (NMS) por igualdade e reconhecimento das pela exploração do trabalho e pelas condições de
diversidades, frente às múltiplas formas de exclu- reprodução material; e as do tipo cultural e simbó-
são social e cultural (de gênero, de raça, de reli- lico, submetidas a formas de dominação cultural,
gião, de gerações etc.), associadas às lutas sindi- desqualificação e invisibilidade social (1997).
cais e dos trabalhadores por justiça redistributiva. A construção dos Fóruns Mundiais na luta
Essas lutas pressionaram por políticas públicas de antiglobalização, nos anos 2000, aparece como
acesso a bens públicos e fundiários (movimentos arena ampla e emblemática de articulação de redes
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dos sem-terra, movimentos urbanos pela moradia, de atores sociais em escala internacional. As
sem-teto, etc.), por melhoria das condições de vida organizações não governamentais e outros
(movimentos contra a carestia, entre outros) e por movimentos sociais comprometidos com a
acesso a serviços públicos urbanos, etc. (Gohn, formulação de novos entendimentos e alternativas
1985; Jacobi, 1989; Sherer-Warren, 2000, 2003). ao desenvolvimento transnacionalizam as redes de
A superação dessa polarização tem sido inúmeros movimentos sociais na crítica ao regime
encaminhada, ao menos, por duas perspectivas. de acumulação globalizado e ao “modelo único”
Primeiramente, encaminha-se para um esforço (Sherer-Warren, 2000, 2003; Gohn, 1985, 2008).
metodológico de transversalidade, no sentido de Uma segunda dimensão da transversalidade
articular as dimensões de trabalho e classe, que é observada a partir da dimensão do território, dos
envolvem redistribuição, com dimensões agentes e dos destinos locais nas suas interfaces e
estratificadas das desigualdades e vulnerabilidades arranjos no âmbito das escalas produtivas dos gran-
sociais, em termos de atributos socioculturais (esco- des projetos ou de políticas locais. Para outros, as
laridade, raça, gênero gerações e território), na dinâ- alternativas do “modelo” visam a considerar a
mica de conformação dos mercados de trabalho. permeabilidade de arranjos entre atores na cons-
Os autores Axel Honneth [1992] 2002 e trução de pautas políticas locais ou regionais, em

200
Anete B. L. Ivo

cada país, de acordo com suas singularidades his- territorial de base rural, Wanderley (2000) mostra
tóricas, tal como analisaram Danielle Leborgne e como a opção prioritária por políticas agrícolas
Alain Lipietz para os contextos pós-fordistas na gerou problemas de exclusão de áreas e grupos
Itália (Leborgne; Lipietz, 1991a, 1991b), e José socialmente marginalizados, e a necessidade
Ricardo Ramalho (2005), que discute a formação consequente de integração de espaços e popula-
de novos padrões de participação e a formação de ções na dinâmica econômica e social, assegurando
redes sociopolíticas que se constituem nas locali- a preservação dos recursos naturais como
dades onde ocorrem as atividades industriais. patrimônio de toda a sociedade, além da supera-
Esses arranjos mobilizam atores distintos, ção das desigualdades e da pobreza.
quer se considerem áreas metropolitanas, quer se Assim, do ponto de vista político, o territó-
trate das tipicamente rurais. Nas áreas metropoli- rio incorpora um movimento de mão dupla. De
tanas, o desenvolvimento local contempla arran- um lado, ele se constitui como um espaço de reali-
jos e interesses entre empresas industriais, traba- zação de projetos coletivos e, do outro, ele é o lu-
lhadores e agentes locais. Boschi e Gaitán (2008) gar de intervenção das políticas, dos poderes pú-
destacam que alguns acordos têm grande impor- blicos e dos agentes produtivos. Dessa perspecti-
tância na geração de bem estar para os assalaria- va, um projeto de desenvolvimento local, resulta
dos, a exemplo dos “[...] acordos institucionais do da convergência das demandas e iniciativas locais
mercado de trabalho [...] por meio das negociações e da interferência dos grandes projetos nacionais e
entre os diversos atores envolvidos, no desdobra- supranacionais (Wanderley, 2000). É na tensão
mento de estratégias de qualificação da mão de desses arranjos e escalas entre diferentes agentes
obra.” A singularidade e inovação desses acordos que se conformam e constroem as tendências e
explora a dimensão participativa de empresários e possibilidades do (novo) desenvolvimento, no
trabalhadores “além da fábrica” (Ramalho e âmbito dos lugares e do território. O modelo de
Santana, 2003), considerando os destinos regio- desenvolvimento territorial oficial, promovido pelo
nais, a exemplo da análise sobre a experiência da Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
Comissão Tripartite do ABC paulista (Ramalho; à Fome (MDS), concilia combate à pobreza, segu-
Jacome, 2010) e dos distritos automotivos da bai- rança alimentar e nutricional, proteção ambiental
xada Fluminense (Jacome; Cunha; Ramalho; e geração de renda. O território torna-se, portanto,
Santana, 2006). Por outro lado, o impacto de gran- “um novo espaço de construção de projeto e arti-

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des projetos nacionais tem efeito no âmbito local e culação de políticas públicas em parceria com es-
regional, em relação à estruturação econômica e à tados, municípios e sociedade civil” (MDS, 2012).
questão social e ambiental, mobilizando agentes O processamento dos conflitos em escala global ope-
(econômicos, sociais e políticos) em diversas esca- ra a passagem dos projetos de desenvolvimento lo-
las de governança, que passam por arranjos em cal e dos interesses particulares de múltiplos atores
diferentes níveis. Esses espaços contêm a para escalas e entendimentos mais globais. Essa pas-
superposição de interesses contraditórios de atores sagem não significa que o desenvolvimento nacional
nos limites do território e constituem campos alter- se constitua do somatório de iniciativas locais, mas
nativos de discussão e construção de projetos de da capacidade de prevalência e força de agentes de
desenvolvimento sustentado, em diferentes escalas orientar esses projetos e as forças em escalas mais
(local, nacional e global), que envolvem movimen- ampliadas. Depende, portanto, da capacidade do
tos contraditórios de integração ou exclusão, ou seja, Estado na relação com países, mas também da interface
o destino das populações tradicionais e locais da rede de atores sociais nacionais e globalizados. O
preexistentes e a emergência de novos atores de gran- desafio posto pelas novas epistemologias é de ultra-
deza e força distintas sobre um mesmo território. passar dimensões particularistas na direção de
Do ponto de vista do desenvolvimento questões universais e globais, sem o risco da capi-

201
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

tulação dos sujeitos pelo universalismo econômi- redistributivo, podem induzir uma perspectiva
co liberal do mercado, ou pelo essencialismo dos “comunitarista romântica”, afastada da dimensão do
movimentos identitários. conflito e das instituições do Estado. Ao considerar
A perspectiva reformista do Estado, dos o mercado como a via principal da integração social,
anos 90, orientada para a desconcentração do Es- os processos cooperativos podem ocultar relações
tado em benefício de políticas descentralizadas, assimétricas, de atores hegemônicos do financiamento,
também reforça o papel do local e da transferindo os riscos dos empreendimentos e do
microeconomia na sustentabilidade de um desen- fluxo financeiro para os setores populares.
volvimento endógeno, econômico e social, local e A ideia de sustentabilidade associada ao
regional, como possibilidade inovadora e de desenvolvimento endógeno anuncia uma nova
governança local. utopia de equilíbrio entre crescimento econômico,
Essa dupla matriz – que caminha em para- equidade social e proteção do meio ambiente
lelo e segundo marcos políticos e ideológicos dis- (Lebauspin, 2010), mas mostra também a comple-
tintos, ou seja, aquela dos novos movimentos so- xidade e a polissemia implícitas nesses processos,
ciais emancipatórios e a dos dispositivos que podem “fetichizar o lugar do conflito dos agen-
normativos da reforma institucional – produz uma tes, em favor do mercado.
“convergência contraditória”, que expressa movi- Para alguns (Veiga, 2005; Sachs, 2002, 2004),
mentos de hegemonia e contra-hegemonia, nos a sustentabilidade do desenvolvimento, combina-
quais a polissemia inscrita nas categorias interme- da ao paradigma da igualdade e da proteção social,
diárias de governança, capital social, capital hu- anuncia uma nova utopia da sustentabilidade, ca-
mano, redes sociais, inovação, etc. expressa um paz de agregar projetos coletivos. Assim, a noção
“giro linguístico” (Ianni, 1999) pelo qual essas de “desenvolvimento sustentável”, desde fins do
noções são mediadoras da transformação das rela- século XX, vem se constituindo num paradigma
ções sociais e de poder. aglutinador de projetos críticos ao modelo de cres-
Na linha institucional, na década de noventa, cimento econômico, associando a ele a defesa do
alguns autores (Coleman, 1990; Putnam [1994] meio-ambiente e o princípio da equidade social, e
1996; Baas, 1997; Joseph, 1998; Bullen; Onyx, recolocando o tema da integração social pela via
1998, etc.) destacam os determinantes culturais e da luta contra a pobreza como condição fundamen-
societários como lastro para o desenvolvimento tal do novo desenvolvimento sustentado.29
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institucional, a inovação econômica e o desempe-


nho das políticas públicas. Eles reconhecem que
aspectos da cultura local e populações tradicionais, A AGENDA DA INTEGRAÇÃO SOCIAL VIA
como as redes de confiança e sociabilidade – capi- MERCADO NO PÓS-CONTEXTO DE WA-
tal social – geram solidariedades que fomentam a SHINGTON
inovação, podendo estimular o empreendedorismo
local e fortalecer a democracia. Esta parte analisa as vias de encaminhamento
Outros autores (Le Galès, 1995; Diniz, 1997; da integração social no contexto dos anos dois mil,
Préteceille, 1999; Ivo, 2001, 2004b; Barba; orientadas pela agenda internacional do combate à
Ivo;Valencia; Ziccardi, 2005), no entanto, apon- pobreza, que considera dois processos: a mobilização
tam para alguns limites dessa tese e das categorias dos pobres na luta contra as suas condições de po-
de alcance médio, como capital social, local
29
O documento final da Rio+20 O Futuro que Nós Que-
governance, e redes sociais. Essas categorias, mui- remos reafirma esses princípios, que enfatizam promes-
tas vezes, assumem um caráter normativo e difuso. sas para avançar para uma “economia verde”, que freie a
degradação do meio ambiente, combata a pobreza e re-
Por outro lado, os arranjos societais, longe das duza desigualdades, que não atendeu às expectativas
das ONGs por faltar comprometimentos reais sobre os
condições econômicas que estruturam o conflito meios e recursos para viabilizar essas transformações.

202
Anete B. L. Ivo

breza, com base num empreendedorismo social, e a vo” para a de “sujeito ativo”, protagonista da mu-
via compensatória da transferência de renda a famí- dança social [mobilidade]. Isso implica, para Sen,
lias em condições de extrema pobreza. Qual o al- o acesso e o desenvolvimento de capacidades es-
cance do ponto de vista da desmercadorização, ine- tratégicas das camadas populares.
rente à regulação do Estado com base nas políticas Essa tese orienta os relatórios das Nações
sociais? Unidas (PNUD, 1997) quanto a uma nova pers-
pectiva do desenvolvimento social e humano, e
dá base para a construção de metodologias de
A agenda para os “pobres viáveis”: o mensuração da pobreza segundo “Necessidades
empreendedorismo como via de superação da Básicas”,30 o Índice de Desenvolvimento Humano
pobreza nos anos 2000 (IDH), induzindo políticas públicas que enfatizam
o acesso dos “pobres” a capacidades básicas (edu-
A inserção dos países na dinâmica da acu- cação, saúde, poder, etc.). Acompanhando a pers-
mulação globalizada dificultou a conciliação das pectiva de Sen, o PNUD definiu, na década de 90,
tarefas regulatórias do Estado nacional como pro- o “desenvolvimento humano” como um processo
vedor do desenvolvimento com equidade, num de: alargamento das escolhas pessoais em termos
ambiente democrático. Os efeitos dessocializadores de acesso à vida longa e saudável; aquisição de
(desemprego, precarização, insegurança e empo- conhecimentos; e acesso a recursos necessários a
brecimento de setores médios urbanos) gerados pela um padrão de vida adequado. Agregou a essas es-
reestruturação produtiva e a aplicação rigorosa do colhas valores políticos e humanitários, como: li-
ajuste fiscal pressionaram os liberais para uma re- berdade política, direitos humanos e oportunida-
visão crítica quanto à temática da integração. Aí se des dos indivíduos e cidadãos serem criativos,
insere o que estamos chamando de pós-consenso fomentando a “inovação”.
de Washington, priorizando a agenda internacio- Esse paradigma assenta-se na perspectiva li-
nal “da luta contra a pobreza”, nos anos 2000. Ela beral de autonomia do sujeito “empoderado” – o
integrou os Objetivos do Milênio (2000) formula- “pobre” – e não se refere às condições estruturais
dos pelo Programa das Nações Unidas para o De- determinantes da pobreza. Ele tem influenciado a
senvolvimento (PNUD), que estabeleceu metas para concepção das políticas sociais contemporâneas, com
os países membros de: acabar com a extrema po- base nos paradigmas de capital humano, do capital

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breza, promover a igualdade entre os sexos, social, local governance, que operam o mito do de-
erradicar as doenças e fomentar as bases de um senvolvimento exclusivamente pela individualização
desenvolvimento sustentável até 2015, entre ou- da capacitação dos “pobres” na luta para a superação
tros objetivos. de sua própria condição de pobreza.
As agências multilaterais no combate à po- Essa tese traz uma tautologia implícita: con-
breza têm se orientado segundo as teses liberais de verte a inserção individual dos pobres no merca-
Amartya Sen. Na crítica à abordagem economicista do (como produtores e consumidores) em “virtu-
da pobreza restrita à insuficiência de renda, ele de emancipatória”. Reorienta os precários bens
propõe a definição da pobreza como “privação de disponíveis das famílias populares (casa, terra e
capacidades”. Seu diagnóstico sugere a mobilização
30
e o poder dos “pobres” no enfrentamento da sua O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) agrega
indicadores sintéticos de educação, saúde (expectativa
própria condição de pobreza. Essa tese reforça a de vida ao nascer) e renda, possibilitando comparação
entre países e regiões. Ele classifica os países segundo o
perspectiva emancipatória de autonomia e res- grau de desenvolvimento humano, em três blocos: aque-
les com alto desenvolvimento humano (países desen-
ponsabilidade individual dos sujeitos em condi- volvidos); os de médio desenvolvimento humano (paí-
ção de pobreza, supondo a transformação dos in- ses em desenvolvimento) e os que apresentam baixo
desenvolvimento, situação típica dos países subdesen-
divíduos “pobres” da condição de “sujeito passi- volvidos, segundo o PNUD.

203
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

trabalho) em “ativos” e “bens de capital” do em- senso de Washington orienta-se pela aplicação dos
preendimento, orientados para superar sua con- programas focalizados de transferência de renda,
dição de vulnerabilidade social e pobreza. Se- como “assistência aos mais pobres”. A reorientação
gundo o Banco Mundial, à mobilização desses da política social centrada no combate à pobreza,
“ativos” (propriedades) – que, em realidade, se por essa via, busca reduzir os efeitos adversos dos
constituem em recursos de sobrevivência dos ajustes estruturais e da reestruturação produtiva,
trabalhadores do setor informal –, agregam-se institucionalizando-se à margem do campo da pro-
outros “capitais” sociais e culturais, segundo teção social.31
Moser (1996), como a solidariedade familiar e O desenho da nova política, no contexto
as redes comunicativas, consideradas pela eco- de hegemonia neoliberal, implicou distensão da
nomia popular como “oportunidades” no enca- relação pilar entre proteção social e emprego,
minhamento das soluções para as condições de rompendo o modelo que caracterizou a constru-
pobreza. Ou seja, as formas de resistência dos tra- ção parcial do Estado social.32 Essa mudança se
balhadores autônomos da economia informal são fez através de um novo modelo de focalização
ressignificadas como “virtudes do capital”. da política social, que envolve responsabilida-
A estratégia orientada para a microeconomia é des partilhadas entre Estado e sociedade, no en-
a via liberal para os “pobres viáveis”, aqueles com caminhamento da assistência aos mais pobres.
possibilidade de se transformar em “cidadãos em- A ideia é fortalecer a capacidade dos pobres de
preendedores e consumidores”, pela via de integração lutar contra pobreza, integrados à dinâmica do
ao mercado. Sem desconhecer a potencialidade dos mercado, potencializando, ao mesmo tempo, o
empreendimentos solidários e da microeconomia consumo interno. Essa mudança obedece a al-
no fomento ao mercado interno e mesmo a supera- guns princípios: o estratégico (flexibilidade e
ção de situações de pobreza, a tese da auto-organi- segmentação da focalização); o societário, de ca-
zação estratégica do setor popular ativo transforma ráter local (partilha de responsabilidades entre
“os pobres viáveis”, aqueles inseridos no mercado, público e privado via sistemas de governança lo-
em agentes financeiros e consumidores no âmbito cal); o da racionalidade econômica do mercado
local, pelo acesso ao crédito e ao consumo, assu- (mediante a transferência direta de renda aos
mindo também os riscos do endividamento no beneficiários dos programas, que se transformam
médio prazo. Portanto, a mobilização das variáveis em consumidores).
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societais e culturais como fontes de desenvolvimento O centro da política social, no contexto atu-
pode ocultar o caráter conflitual do mercado em fa- al, desloca a dimensão mais universalista de direi-
vor das “virtudes morais” da “cooperação”, tos e redistribuição da riqueza nacional para o trata-
reconvertidas, então, em bens do mercado. Trata-se mento compensatório da assistência a partir dos seus
de reorientar a sociabilidade do setor popular, trans- efeitos – a pobreza, a miséria –, aprofundando o
formando quaisquer tipo de “inserção” em “bem” conflito redistributivo na base da pirâmide da ren-
de mercado e em supostas virtudes da “integração 31
O campo de atuação das políticas sociais, no Brasil, após a
social” [pelo mercado]. Constituição de 1988, estrutura-se em torno de três núcle-
os de direitos (IPEA, 2003): (i) aquele dos direitos sociais
básicos estruturados no aparelho do Estado; (ii) os vincu-
lados constitucionalmente, que respondem pela garantia
dos direitos sociais básicos constitucionais, mas não estão
protegidos de cortes orçamentários (Ex. Programa de Re-
A agenda pública para os “pobres não-viá- forma Agrária; Fome Zero); e (iii) e os programas
veis”, na luta contra pobreza dos anos 2000: emergenciais dirigidos a atenuar situações de vulnerabilidade
social de segmentos específicos (Ivo, 2004a).
os programas de transferência de renda 32
Esse Estado foi apenas parcialmente implantado no
Brasil. Os direitos sociais restringiam-se à camada de
trabalhadores assalariados do mercado de trabalho for-
A segunda via que encaminha a temática da mal. A Constituição de 88 universalizou o direito à as-
sistência como política securitária de proteção a todos os
integração social no contexto da agenda pós-Con- cidadãos.

204
Anete B. L. Ivo

da, entre “pobres” e “quase pobres”, ou seja, pesso- mínimo e a recuperação de postos de trabalho pro-
as em condição de pobreza e trabalhadores assalari- tegidos, juntos, influenciaram a queda dos indica-
ados. Como indica Lautier (1999), “desvinculando dores de desigualdades de renda. Isso teve impac-
a pobreza dos seus determinantes estruturais, se- to político e simbólico, especialmente no ambiente
param-se os indivíduos submetidos a essa condi- internacional, consolidando a “prova da eficácia”
ção dos seus lugares no sistema produtivo”. do modelo de transferência de renda em favor do
Assim, o encaminhamento da integração soci- mercado, o que estaria favorecendo a mobilidade
al com base na erradicação da pobreza desvincula os social e a expansão de uma nova classe média,
“pobres” do sistema de proteção social, e da festejada pelos agentes do mercado.
estruturação do mercado de trabalho, passando a as- Do ponto de vista analítico, no entanto, é
sistência a constituir-se como um atributo individual importante considerar o illusio que reafirma o mer-
“moral” dos “mais” necessitados. Essa reconversão cado como instância justa e autorregulável. Em pri-
transforma o princípio da universalidade dos direi- meiro lugar, a renda, apesar de relevante, não é su-
tos sociais em programas e medidas técnicas e es- ficiente para determinar mudança de classe social.
tratégicas de selecionar, controlar e atribuir benefí- Nos setores populares, ela é extremamente variável,
cios a grupos de famílias, não se constituindo em em função da incerteza e da vulnerabilidade do
direitos (Ivo, 2001, 2004a), ainda que operem o alí- trabalho informal. A incorporação de capital cul-
vio das condições de extrema pobreza. tural constitui-se também, segundo Bourdieu, em
A responsabilidade do Estado no provimen- fundamento da hierarquia social, definindo as con-
to do bem-estar é reorientada para a norma da efi- dições distintas de apropriação de bens materiais
ciência na seletividade e acompanhamento das e ideais, como analisa Souza (2010). Do ponto de
condicionalidades. Institui-se, assim, um novo vista da relação de trabalho, a renda não explicita
paradigma da “justiça social com eficácia” (Ivo, a precarização das relações de trabalho, os déficits
2011), pelo gerenciamento da distribuição dos de educação e o capital cultural, valorizando mais
mínimos sociais para os que realmente precisam, o aumento do consumo. O triunfalismo do “con-
evitando-se, de acordo com essa tese, supostos sumo dos pobres” reproduz outra illusio, a que
desvios nos gastos sociais. No caso do Brasil, o considera que a nova “classe média” formaria ago-
Programa Bolsa Família manteve, nos últimos anos, ra a espinha dorsal da estrutura social brasileira.
um patamar de 0,4 % do PIB, e a expansão e o

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crescimento do programa foi possível pelo cresci-
mento da renda nacional.33 Para os desamparados CONCLUSÃO
da proteção pública, desenvolvem-se também po-
líticas de proteção civil (Castel, 2004) da “ordem”, Este trabalho buscou historicizar os contex-
voltadas para conter as máfias e o crescimento da tos que alteram a natureza dos atores, do Estado e
violência, especialmente nas periferias urbanas. das políticas, com ênfase nos vetores do conflito
Substitui-se, portanto, a política do welfare por nas relações internas e externas, e o das desigual-
políticas coercitivas de proteção civil na constitui- dades e da integração, da perspectiva da regulação
ção de um aparato de segurança pública para os das políticas sociais do Estado em vista dos objeti-
setores populares. vos de bem-estar e de cidadania. As alternativas
A aplicação massiva desses programas de de encaminhamento da integração social, no perí-
transferência de renda, a valorização do salário odo pós-consenso de Washington, nos anos 2000,
33
O programa Bolsa Família se expandiu rapidamente e mostram como as políticas sociais, ajustadas ao
hoje atinge 12,8 milhões de famílias com um gasto de
14,8 bilhões, o que representa 0,4 % do PIB desde 2009 . mercado e orientadas segundo princípios de ges-
Entre 2003 e 2010, ele incorporou 9 milhões de famílias, tão estratégica da focalização do Estado “eficien-
passando de 3,6 milhões de famílias beneficiadas em 2003
para 12,8 milhões, em 2010. te”, apresentam limites no padrão da distribuição,

205
O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

nos direitos da cidadania e nos objetivos mais ar a relevância da agenda social do desenvolvimen-
amplos da seguridade econômica e alimentar, sem to hoje implica analisar um padrão decisivo do
desconhecer as melhorias no alívio das famílias Estado na distribuição e no enfrentamento da di-
em condição de pobreza.34 mensão estruturante e qualificada de inserção pelo
Diante da intervenção do Estado em políti- mercado de trabalho e na proteção sustentada em
cas massivas dirigidas aos segmentos mais pobres direitos sociais, ou na regulação das relações não
– o que resultou num padrão de crescimento com mercantis (base de que tratam as políticas sociais).
redistribuição, em países da América Latina –, al- Conquanto se reconheçam resultados positivos no
guns autores e agências (CEPAL, 2010; Delacourt, alívio à pobreza, políticas vigorosas de proteção e
2009) indagam se estamos voltando a políticas integração social não se restringem a programas
keynesianas centradas num papel central e governamentais de transferência de renda, mas
intervencionista do Estado como indutor de um dependem das condições estruturais da distribui-
desenvolvimento sustentado na consolidação do ção, da qualidade das políticas públicas e da qua-
mercado interno. Nesse caso, as políticas massivas lidade de inserção dos indivíduos na esfera do
de transferência de renda teriam fomentado a eco- trabalho, eixo fundamental da integração social.
nomia popular na constituição de um processo de Os dispositivos normativos das agências multila-
desenvolvimento endógeno. terais e dos agentes dos governos, relativos à tese
Bresser Pereira35 (2006) e Renato Boschi e da “eficiência do gasto social”, geraram uma “co-
Flávio Gaitán (2008),36 como outros economistas, munidade epistêmica” (para usar expressão de
reabrem o debate sobre um neodesenvolvimentismo Palier; Prévost, 2006), que reforça a eficácia da
no Brasil, que articula instituições de governo e “focalização” na sustentação de um desenvolvimento
instituições econômicas na coordenação de um “moralmente” mais justo, uma vez que orientado
acordo nacional para crescimento e distribuição. para os que mais precisam. A aplicação massiva
Boschi e Gaitán (2008) advertem que esse acordo das políticas de transferência de renda e seus efei-
“[...] não significa subsumir a política ao domínio tos sobre o mercado interno e sobre indicadores de
da economia, senão [...] reclamar a necessidade de desigualdades, ainda que tenham resultado também
cada sociedade de estabelecer acordos mínimos que e, sobretudo, da ação de outras políticas (como a
permitam o desenvolvimento e o bem-estar” (p.313). aplicação de direitos básicos constitucionais, a apo-
Nesse sentido, eles reconhecem que a agenda so- sentadoria rural e o aumento do salário mínimo),
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cial ocupa um plano relevante no modelo de um consolidam um convencimento generalizado sobre


neodesenvolvimentismo em formação. um novo Estado social “eficiente” pró-pobres, con-
Da minha perspectiva, considero que avali- siderado, dessa perspectiva, como socialmente mais
justo, porque redistribui renda a aqueles que “efeti-
34
Sobre a perspectiva das políticas sociais e do padrão das vamente” dela mais precisam. Alguns sociólogos
desigualdades como elementos de sustentabilidade para
o Brasil na crise, ver Ivo e Laniado (2012). (Dowbor, 2008) destacam a potencialidade dos pro-
35
Bresser Pereira (2006) defende um “novo
desenvolvimentismo” para países de desenvolvimento gramas de transferência de renda e do microcrédito
médio, como o Brasil, que deve expressar um novo acor- como dinamizadores de um “círculo virtuoso” da
do entre as classes sociais e um Estado forte, voltado
para a construção de uma estratégia nacional de desen- microeconomia e da inserção social, estímulo ao
volvimento (p.10-11), que contemple a manutenção da
estabilidade macroeconômica, o fortalecimento do mer- mercado interno, o que pode impactar positivamente
cado e do Estado, com ênfase numa política industrial, e
a promoção de poupança interna e inovação[p.19]. sobre a mobilidade social mais ampla. Outros
36
Boschi (2008) considera que as mudanças operadas no (Asseburg; Gaiger, 2007) reconhecem esses valores,
capitalismo, em âmbito global, impedem retorno a mo-
delos desenvolvimentistas clássicos. Para ele o mas advertem sobre os seus alcances limitados em
“neodesenvolvimentismo” constitui “um modelo em
formação, que postula a construção de um espaço de relação às condições estruturais da distribuição, à
coordenação entre as esferas públicas e privadas, com o qualidade das políticas públicas e à natureza
objetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetros
de bem estar social.” (p.306). precarizada das relações de trabalho.

206
Anete B. L. Ivo

BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. O conceito de desenvol-


Essas mudanças exigem retorno a um deba- vimento do ISEB rediscutido. Dados: revista de ciências
te sociológico sobre um novo modelo de desen- sociais, Rio de Janeiro, IUPERJ, v.47, n.1, p.49-84, 2004.
volvimento em formação e sobre as perspectivas _________. O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia con-
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O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO ...

THE PARADIGM OF DEVELOPMENT: from the LE PARADIGME DU DÉVELOPPEMENT: du


founding myth to the new development mythe fondateur au nouveau développement

Anete B.L. Ivo Anete B.L. Ivo

This paper aims at historicizing the Cet article cherche à historiciser les contextes
contexts that reorient the concept of qui réorientent la notion de développement au
development in Brazil, from the 30s to the 80s, Brésil, des années 30 aux années 80, en passant
going through the neoliberal adjustment of the par l’ajustement néolibéral des années 90 pour en
90s, to the current inflections that question if arriver aux inflexions actuelles qui se demandent
the new massive and strategic interventionism si l’interventionisme massif et stratégique de l’État
of the State in social policies for the poorest points au sein des politiques sociales en faveur des plus
to a new model of development. The analysis pauvres est le signe d’un nouveau modèle de
presents inflections of the cepalino model, développement. L’analyse montre des inflexions
Cepal’s theory (Economic Commission for Latin du modèle cépalien des années 50-60 et essaie de
America) of the 50s and 60s, in order to prioritize donner la priorité à des dimensions sociales dans
the social dimensions to mediate contradictions la médiation des contradictions entre l’économie,
amongst economics, politics and institutional la politique et l’institutionnel. Le fil conducteur
affairs. The leading thread adopts two analytical suit deux vecteurs d’analyse: le thème du conflit
vectors: the topic of conflict (redistribution) and (redistributif) et celui de l’intégration. Le premier
integration. The former is established on class se base sur les coalitions de classes et les conflits
coalitions and confrontation between national entre les acteurs nationaux et les agences
actors and multilateral agencies; integration, in multilatérales; et celui de l’intégration, à l’opposé
the counterface of the conflict, takes into du conflit, qui considère l’ouverture des politiques
consideration the opening of public policies as publiques, mais aussi l’innovation acteurs sociaux
well as the innovation of social and political et politiques dans de nouveaux arrangements qui
actors in new arrangements oriented to the visent des objectifs de bien-être social et de
objectives of the social welfare and citizenship, citoyenneté de manière plus soutenue.
from a more supported perspective.

K EY WORDS : development, modernization, M OTS- CLÉS : développement, modernisation,


structural adjustment, State, social policies, ajustement structurel, État, politiques sociales,
poverty. pauvreté.
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 65, p. 187-210, Maio/Ago. 2012

Anete B.L. Ivo - Socióloga. Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da UFBA. Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos da UFBA. Titular da Cátedra Simon Bolivar
(Université de Paris III, 2000). Professora visitante da Université Paris XII (2006). Pesquisadora visitante do
CREDAL-CNRS (1991). Editora do Caderno CRH (1996 a março de 2012). Seus trabalhos tratam sobre
modernidade, questão social, Estado, espaço público e local governance. Publicou, entre outros, Metamorfo-
ses da Questão Democrática (Buenos Aires, 2001) e Viver por um fio [...] (Annablume, 2008). Em co-autoria
com Ruthy Laniado, The Brasilian Approch to Crisis: [...] In: U. Schuerkens. Socio-economic Outcomes of the
Global Financial Crisis (Routledge, 2012) e The Transformation of the Social Issue: [...]. In: U. Shuerkens.
Globalization and Transformations of Social Inequality (Routledge, 2010).

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