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Projeto

PERGUNIE
E
RESPONDEREMOS
ON-LlNE

Apostolado Veritatis Splendor


com autorização de
Dom Estêvão Tavares BeUancourt, osb
(in mamo riam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LINE
Diz Sêo Pedro que devemos
estar preparados para dar a razão da
nossa esperança a todo aquele que no-ta
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperança 8 da nossa fé

... '
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrárias à fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crença católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste sita Pergunte e
Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questOes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristão a fim de que as dúvidas se
.' dissipem e a vtvênda católica se 1011aleça
.-J ... no Brasil e no mundo. Queira Deus
abellÇOar este trabalho aSSim como a
equipe de Verilatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 da julho da 2003.
Pe. Estevlo Bett.ncoUI1, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convênio com d. Estevão BeHéncou rt e


passamos a disponibilizar nesta área, Oexcelente e sempre atual
conteúdo da revista teolOgico • fdosófiea ·Pergunte e
Responderemos·, que conta com mais de 40 anos de publicação.
A d. Estêvão BeHencourt agradecemos a confiaça
depositada em nosso trabalho. bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
lndice
Pâg.

HOMEM DE PALAVRA, HOMEM DA PA LAVRA. HOMEM· PALAVRA 233

" ln,aclavelmlnle .aelldo" IS. Agosllnho)


FI EL CRISTAO, QUE ESPERAS EM DEFINIT lVO?

Fa:o IIIfâl101
CRISE NA IGREJA ... OUE SIGNIFICA?

Respeito' consciência I lhela e ml..,o:


...
A IGREJA AI NDA lO: MISSIONÁRIA ?
PROMOVER OU EVANGELIZAR?
" CRISTÃOS ANÔNIM OS"? 252
Na alu.' renovação (la 19r.la:
ROMARIAS E PEREGR INAçoes JUSTlFICAM'SE?

N~ e,coll da hlsl6rll:
Os ANTI GOS CRISTÃO S DA TtZAVAM CRIANÇAS'? ' 71
CAR TAS AOS AMIGOS .. ... .. 262 271)

COM APROYAÇAO ECLESIASTICA

• • •
NO PROXIMO NOMERO:
A Cris to com Igreio ou sem Igreja? O .terceiro no·
mim ., Evange lho li! d ig nidar!.e do mulher . ('rael.
quem es após o vinrlo de CriJlo? Jetuso lêm, (I; Cidade
do POI, e os nossos d ias.
- - - -x---
" PERGUNTE E RESPONDEREMOS »
Assinatura :anual . . CrS 30.00
Kúmcro o.vulso de qu" lqucr mês . ..... . .... ,.. . . . .. CI~ 1,00

Volumes cncadcrnLldos de 1958 c 1959 {]m.,\'O unlu'u'!ol .... CrS 35,00


Indicl' Geral tlc 1957 Q 1!Ki1 c.~ 10,00
Indice de qualq uN ano . . . .. Cr$ 3,00

EDITORA LAUDES S. A .
RE DACAO DE PR AD:\lINISTUAÇAO
Cnha postal 2 . 666 Run. 5.110 nnrael. 33. ZC-OO
ZCO, 20000 Rio de Janei ro (08)
2000n lUa de Janeiro (OH) T el". : 268.0081 c 268·2796
HOMEM DE PALAVRA
HOMEM DA PALAVR~
HOMEM -PALA VRA
Quando SE" diz 8 alguém cSeja homem !:D, o interpelado ime-
diatamente compreende que se trata de assumir as suas res<-
ponsabilidades e enfrentar problemas e desafios com denodo.
a té as últimas conseqüências . O brio. a honra, a lealdade da
pessoa humana são assim intel'pelados, levando-a a reagir de
pronto.
Quem não responde ao apelo «Seja homem! :., refugiando-
' 5e na covardia, nas semiatltudes, nos c:arranjos:. amblguos ou
traiçoeiros, é vulgarmente tido como «banana, Marla-vai-com-
-as-outras •... (o leitor desculpar! os ecos da giria) .
Estas observações nos ajudam a ver profunda verdade : hé
uma atitude que car acteriza o homem pela base . Tal é o «ir
até o fim., a coerência que não tem medo do sacrlftclo, o amor
à verdade ainda que esta exija renúncia, o horror à Indefinlção
covarde ... Quem cultiva tal atitude, de certo modo reconhece
qu~ existe algo maio I' rio QUe! o próprio .r.u: esse algo é a Ver-
dade e o Bem . Tol pessoa é capaz de se dobrar para servir a
um ideal; ela não se faz centro do universo .
Mais: se tal pessoa tem fé em Deus, ela encontrari mais
e mais a Deus, pois Deus é a VERDADE e o BEM . - Se tal
pessoa não tem fé, sua atitude humana ainda lhe serA. de gran-
de valia: admitindo bens maiores do que o próprio eu. ela se
vai encaminhando para Deus . E ssa pessoa aceita 80 menos,
como ditame superior, a V02 de SUB consciência reta, sincera,
aberta para a verdade . .. : ora a voz da consciência destituida
de preconceitos vem a ser, em última análise, a voz de Deus
para o respectivo Individuo . Diz multo sabiamente Henry
Bordeaux: cUm coração sincero está mais próximo da verdade-
do que o mais rico cérebro, .
A mais lamentável de todas as situações em que se possa
achar alguém, é a de se faze r centro do mundo, ou seja, a de
identificar a Verdade e o Bem com o que serve aos seus Interes-
ses particulares, evitando assim dobrar-se e servir . T al ressoa
é realmente «amorfa:. ou sem definicAo. Esta aus ~n cla df:
compromisso pode talvez parecer cOmoda; todavia vem a ser
motivo .de tormento e angústia . Pode-se afirmar que O relati-
vismo nã o é atitude humana propri amente dita, pois o homem
(qu elra~ ou não) (oi (eito para o Absoluto, para algo maior
do que ele mesma ou, ainda, para sair de si rr..esmo . l!: (!m

- 233 -
Outro, em Deus, que o homem encontra sua verdadeira razão
de ser e sua realização.
f:: na base destus l'erJexões que lIescjamos l'omunicar aos
nossos leitores um feliz jogo de palavras, através do qual se
exprime gradativamente o ideal do homem e - mais amda -
o do crlSlão: HOMEM DI!: PAl.AVRA, HOMEM DA PAl.A-
VRA, HOMEM·PALAVRA.'
HOIUDI DE PALAVRA .. , Estamos no plano básico,
Ho~m de palavra é o homem .de QUe falávamos atrás: sJncero,
Clotado da eoragem devida pal'a tirar as ultimas conseqüências
de suas a.titudes e opções. '. Homem para quem Sim é Sim,
Nao ê Nio (cf. Mt 6,37) .
HOI\IEM DA PALAVUA . '. Geralmente o ul·tig;o definido
anteposto a . Palavra» significa li PALAVRA de Deus, que é
li palavra por excelência., .. aquela que, tendo ressoado atra-
vés dos Profetas e de Jesus Cristo. se acha hoje viva nas Es-
crituras Sagl'8das e na S . Igreja . O homem da Pal avra é aque-
le que, atingido pelo Evangelho e pela regeneL'1l~ão batismal,
se torna arauto dessa Palavra . De modo especial, o apóstolo
_ leigo, Religioso ou Sacerdote - vem a ser homem da Pala-
vra.
HOl\IEl\I-PALAVnA ... Caiu a parUcula intermediária, .,.
parecem coincidir homem c Pa lavra! Esta nova expressão de-
signa o máximo grau possivel de identil'lcação <-'Om a Palavra
de Deus, ... com aquela Palavra. que se fez carne e habitou
entre nôs: Jesus Cl'isto. Homem-Palavra é o cristão (ou a
cristã ) que viva ató as ultir.la5 conse-lü~ncias .. sua filiação
divina , de modo a fedal' I'Calmellte (s~m ufeta(,,'ão co com humil-
dade) por todo o seu too1' de vida. Penetrado profundamente
pela graça divina, tal cristão em tudo irradia o Cristo . - O
sacerdote, que @m sua alma recebeu o caráter (ou a marca sa-
cramental) de Cristo Sacerdote, ê, de modo especial, chamadc.o
a ser HOMEM-PALAVRA.
Ao leitor amigo fica entregue neslas poucas Iinhus todo o
programa de construção do homem (Homem de palavra) e do
cristão (Homem da Palavra e Homem-Palavra) .
O mês de junh o é tradicionalmente devotado ao Cristo
Jesus, cujas riquezas intimas sâo simbolizadas pelo Coração, ...
Coração manso e forte como nenhum outro. Que o Coração de-
Cristo, especialmente celebrado nestes dias. se torne modelo
c penhor de plena realização humano. c cristã para todos quan-
tos nele contemplarem o seu ideal!
E . R.
I Esta trilog ia ja tem ~ido {;~r.olan"óa em Retiros Esplriluais .

- 234-
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV - N' 162 _ Junho de. 1973

" Insaciavelmente saciado" (5. Agol1lnho)

fiel uistão, que esperas em definitivo?


Em .'"Ie .. : Ao Escritura Sagrada apresenta a sorte pOltuma dos }usto.
(puIUle.dos da todo re squlclo dO pecado) como .ando • vida lIerna. Um
dos elementos prlnclpals dasl. é avisA0 dG Deus face-a·'aee, vlalo qUe
"lo se reduz I uma atitude meramente Intelectual ou platOnlea, mu Imptlçt
um Interrelae lonamenlo pessoal al'llre a criatura e o criador . Note.,e, a1l6s,
que Aio o acume da Inl&lIl/'ncll, mas a intensidade do amor I Deus abril'
O olho da menta para a '11510 da Balaza Infinita : o amor dar. 8 med ida
da vlsllo - o que mostra qulo dlstaot. ellA • coneepçlo c,1I11 do pla-
tonismo e do Intelectualismo . Pocle-se, poli, dizer que I vida etarna algol-
Uca • entrega mútua da criatura la Criador , do Criador i!I erlatora, en-
treg. qoe darA resposta IIs asplraçDe! m.ls .spontln •• s do aor homlM,
A posso de Oeos por parte da crlolor. Jl eomeça aqol na lerra, pois
a grlça sanUllcante, exlstenle nos Justos, • dll8 "a lIemenle da ... Ida eterna"
(el. 1 Jo 3,9) , Esta somenll linde. SI dlsenvolvor, levando o crl$llo 1
experlêncla mlsllca - o quo nao quer dizer vls~s e IbIISOS, mas, 111m, o
conhaclmento deleitoso di Ceus que se derive da afinidade dll .Ima com
OoU8, A vida celesle nlo ser' tonao a consumaçlo da vida do unllo com
01118 Iniciada nesl. peregrlnaglo terrestre,
• • •
Comentário: A fê promete ao cristão (purificado de qual-
quer resquicio de pecado) o que se chama «céu ~ (lU a vida
eterna sumamente fe liz , Todavia a maneira de se conceber a
bem-aventurança póstuma e, por vezes, vaga e insuficiente ,
Daí a impressão de que o ceu possa sei' rastidiosa, Quando na.
l-ealidade é a posse deleitosa do Sumo Bem. Faz-se mister, por-
lanto, traçar com clareza as grandes linhas com que a Sagra-
da Escritura e a teologia apresentam a recompensa eterna dos
justos,

1. «Vide ) "C~ páginas bíblicas


A Eseritm'a Sagrada designa enraticamente o estado fi nal
dos justos como evldu ou posse da vida ,
1) No Antigo Testamento, ev icta :. é um dos termos que
m~ i s freq üentemente caracterizam Deus , Este ê o Deus vh'o

- 235-
• .. PERGUNTE E HESPONDE Il E~IOS~ IH21/973

(cC. Dt 5,23; Jos 3.10; Jer 23.36). o eternamente vi\'O (cf. Dl


32, 40; Dt 12,7; Eclo 18.1), em oposição aos jdo las, que são
mortos (cf. SI 134, 15-17. Hab 2,19). O israelita. iura pela
vida de Deus (43 vezes ocorre a. fórmula no Antigo Testa-
mento) e Deus mesmo antropomol'ficDmcntc j ura por sua vida
(cC . Is 49.18).
Em conseqüência, o homem que pro~ura a Deus. vive e
\'ivcrã.. Tenha.se em vista a palavra do profe fa Amôs:
"""Im d i..: o S.nhor • Cu. di "fllll: 'Buscai-Me e viverei,'; . ..
Su.cal o Senhar e vive reis ...
8uec:al (I bam I 1'\ 10 o mal, pala clt/e vivais" (5, 4.6 . 14) .

Vida, neste contexto, tcm se ntido prpgnl nt c: não dcsignl


apen as cx~stê ncia, Ill<lS um C01:j L.:!\to Ú.! ben;;; qu.e tomam i.I
v ida feliz .
Nos últimos escritos do Antigo Testamento OCQl' re mesmo
a Idóia de que os justos ressUSC'itarão para il vida eternA:
"Mullol elos que dormem no p6 ela larra, acordado, un i pera * .,Ida
ltern a. outros p.ra 11 Ignomlnla, plr•• r. ~TO'l.ç3 0 ,'I:n:ll" (O. n 12,2) .

«Vida eterna:-, nesta passagem, não é somente vida s ~m


Cim. mas é vida em plenitude de bens e em intimidade com
Deus . Note-se também a afirm ação do salmista:
"ln.ln.' ·m....la o eMllnho da 'lIda : dlanle de Vós, há plcnUllde de
I I.srll; .. voua dlslra, d,lIcll' Ile,n81" (SI 15,11).

2) Nos Evangc1hO:'i, a c~prcssão -t vida etcl'n,:\:) C freqüente.


Observa.se. porém, que os sinóticos (Mt, Me e Le) a aflrcse nt~m
como algo de fu turo ou póstumo (er . Mt 19,16; 25 ,46 ; Me
10,17), ao passo que São J oão acentua que jâ nct tcrról S~ ir.icia
a vida eterna:
" Quem cri no Filho , ponul li vida I lorn," (Jo 3 ,3$);
"Quem erA, le m a vida el.rna" (Jo 8,47) .

Merccc atenção o comentário de A . Charue:


"Uma vida nova no. Innlllu, prinelp}o pe"unenl. de atlvld3de t(lb,...
nal ur,l. que tende ao cI ••abroeh.,..lnlo e"I. tl , Nuso senhOr tll'a d l la
lIo b o Ilmbolo d. \lma ro"l. eI. Jgua que Jo rr. p.'. a "Ida .tlma Cc! . Jo
4,14) . Joio adoll a Im.gem da &ame"'!' , do ... 'rmen. que 11:11]1'0 " kH,I.
de um. atividade oculta, ai nda r:omprrmlde, embora I' orlent:tda par. o
• • u d...bmd'lar I radle~tmonl. Incapaz d. e ', llos conlrArlas .. s uo na'u.
rir." ("L., Epllra. Cathollql:o,", em "La S.lnl. 8lbla" eI. :?kot.CI. mlr,
t. XII. Pari. 1151, 3' Id . , p . 531) .

- 236 -
A VIDA ETERNA

Ta] é o paradoxo da vida crlstii: a vida eterna jã não é


tutUl"at mas presente; é um começo, porém. que ainda deve
chegar à p1enitude,
A vida etel'na, possuida neste mundo, implica a ressurrei-
ção dos corpos no dia do juizo rinal :
" bt. • • '1onl.de d. m .... Pai: qUI lodo .qulle que vi o FilhO. nl'a
er', ttml ••kf. tttm. . . eu o I'MSUSeltaN' no último dia" (Jo 1,40).
"QU,," come • ",Inl\. carnl a bebi o meu IIngue, lem • vllia atllnl,
e ~o lH.lISclt....' n.o illllmo dia" (Jo S, 55) .

Esta doutrina é ilustrada, em São João, peJa imagem da


semente, A vida eterna, aqui na terra, ê como um gérmen que
se vai desabrochando em árvore :
"Todo aq .... l. qua .. IICIU di DauI, nlo çomlll pec:ldo, porqul • M-
meele da Deu. permanece ..Ia" (1 Jo 3, SI),

Vejamos agora como os autores do Novo Testamento con-


cebem a posse da vida eterna .

2. A vida consumada sagunda o Novo Testamento


Podem-se depreender, no No\'o Testamento, alguns ele-
mentos Que caracterizam a vida eterna consumada.

,I Intimidada com Daus

A vida eterna, no Antigo Testamento, consiste em ser


alTebatado por Deus (cf , SI 72,23·26), No Novo Testamento
é «estar com Cristo:. (Flp 1,23) ou «estar sempre com o
Senhor:. (1 Tes 4,17).

21 ViKio d. Deus foc~o·ftlc.

A Intimidade com o Senhor implica a Intuição direta da


Beleza Infinita . Notem se os dois textos c1ãssicos:
a) 1 Jo 3,2: "Carlsslmos, desde agora somos filhos de
Deus, mas ainda não se manifestou o que seremOS, Sabemos,
porém, que, quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele.
porque O veremos como Ele é".

- 237-
6 -: PERGUNTE E R ESPON DEREMOS~ 162/1973

Os exegetas indagam qual seja o sujeito da frase «quando


se manltestar, : será o mesmo dos dizeres anteriores ( co que
seremoh) ou Cristo? _ Em qualquer hipótese. o texto prediz
exptlcJtamente um «ver a Deus como Ele é" ou seja, sem in-
termediário, sem vêu ,

b) 1 Cor 13,12: "Agora contemplamos através de um espe-


lho. confusamente, mas depois veremos face a face, Agora
conheço em parte; depois conhecerei perfeitamente, da mesma
maneira co mo eu sou conhecido",

Este texto tem sentido nitidamente escatológico (isto ê,


tem em vista uma realidade que s6 se dará no fim dos tempos).
pois opõe duas veres .. agora, e .. depois. , cContemplar por
meio de um espelho . designa o conhecimento de Dcus a que
os homens chegam mediante as criaturas (o mundo vislvel é
como Que um espelho do Criador). A esta contemplação me-
dlata opõe-se a visão fa ce-a-face, ou seja, a visão de Deus em
si mesmo. visão não confusa, mas clara. que pode ser Ilustrada
pela intuição que Deus tem de cada uma das suas criaturas
(ccomo eu sou conhecido por Deus»). - De resto, a expressão
cface-a-face. ocorre já no Antigo Testamento para desl,!;nar
proximidade e intimidade; leve,-s e em conta -ex 33,11: davé
falava com Moisés faee-a-face, co mo um homem conversa com
seu amigo»,

3) Amor o Deu,

A intimidade com Deus serâ possibilitada e nutrida pe!G


a mor a Deus (que supõe na Biblia o amor de Deus ao homem) ,
«A ca ridade jamais acabarb, diz São P aulo (1 Cor 13,8), ao
passo que a fé e a esperança desaparecerão . A fé cederá à
visão ; a esperança , â posse, enQuanto a caridade não mudará
de natureza, Quando atingirmos a glória definitiva.

AI Complocénejo e de lelle

As idéias de felicidade e alegria decorrem dos elementos


a nteriores, Estar unido a Deus é fon te de imenso deleite, se-
gundo a Bíblia , Tenham-se em vista os textos seguintes:
ftlt 25,21: «Entra no gozo do teu Senhor» , Esta expressão
alude provavelmente à imagem das núpcias ou do banquete

- 238 -
A VIDA ETERNA 7

nupcial para o qual são convidados os fiéis servidores do


Senhor .
Em Lc 2.2,295, a Imagem do banquete (símbolo de prazer
e felicidade) ocorre explicitamente: eEu vos preparo o reino,
como o Paj o preparou para mim. INlra. que comals e bebals l
mirrha. mesa. no meu reino» . O banquete, em outros textos, é
banquete de núpcias, como na parábola das dez vir"gens (cf .
Mt 25,1-10) .
A Celicidilde do cristão resultante da união com Cristo deve
comunicar-lhe equanimidade Cace às tribulações que o cercam:
eNão se perturbe o vosso coração. Crede em Deus; crede tam-
bém em MJm » (30 14,1) .

5) Perenidade

A duração, sem fim, dessa felicidade é repetidamente ates-


tada pela Escritura . Além da expressão evida etem8», mere-
cem atenção os dizeres de São Paulo:
"Sabemos ~, .. Mia I.nda, no... morldl tlrrestre, lor desl",'d.,
IlImO! um. c ... que • obre eI. O.u•• morada 'lua nlo , ""a pita mio
dOi hom.,.., ml• • •terna •• ", no c6u" (2 Cor 5,1).

"Todos .qu.I.. qui lomlm parte ftC e.rlame, .b.'........ de tltdo . Eln.
p .... obter um. coro. cOrNpllvelõ n6" 1)110 co"trtrlo, uml core. Incorrup-
11'181" (1 Cor 9,25) .

Vejam·se também 1 Pe 5.4: 1 Tes 4,17; Apc 21.4 e Lc


16,9 (<<moradas etemass) .

A Tradição cristã e a teologia procuraram penetrar os


dados fornecidos pela S . Escritura a respeito da bem-aventu-
rança (lnal . O Magistério da I grejA. fez eco à voz constante
dos cristãos em algumas definições de fé, que passamos a con..
siderar .

3. O testemunho do Magistério
O Papa Bento xn promulgou em 1336 a Constituição
eBenedlctus Deus., em que aflnnava:

UVI
"o. be"......,.nlur.do. viram e vlem I . . . .nel. divina .m v'''o
ou 1ec..I.", sem que I vlalo d. algum. orIlltUra .e Interponhl; •
'"tu'"
...tncla dlYlnl se Ih" inollrar' Imlell.l.... nla • .." VMl, cl.r. e abert.
- 239-
9 'PERGUNTE E RESPONDEREMOS:. 162/ 1973

menl•. V.ndo-., nel. l e del.llem; por t.,viajo 11 fl'\llçto, ., .ua••Ima


.iO' r•• 'm."'. ,.11.1.1; PO'llu.m e vld. • o r.pouso .1.mO''' (O,nzIAS"·
.SçMnm.tz.r, EnqulrlcllO' li! 1.0001).

o Concilio de Florença em 1439 promulgou semelhante de-


claracão, acrescentandoalhe alguns ponncnorcs:
"o. bem-.",nlurackll v"m clar_nte o p1'6prio 0'1,11 e m 11,18 uni-
dade I Trlndad., como Elo 'iun.. por'm, ",um mall pertlll.".,n'" do q»e
OUIrOl, conlolme a diversidade de mérJlos d. ead. qual" (Ib . ~ 1.305) .

Os documentos posterjores do Magistério, ao tratar dQ


assunto, rererem-se a essas duas declarações fundamentais.
Assim, por exemplo, o Concilio do Vatieano n faz eco ao de
Florença:
"AI' que o Senhor v.nha 11m .u. mel'll.cle, ...•Igunl d.ntre o......1
dlst:lpullHl P'",lIIrtnMI nl lerra, GUtro., "rmlnlda esl. vide, lia pudllG.dOl,
enquanto outm••10' gIO'rlllc.dol, vllndo cltuamlinte o prOprlD Deus TrinO' 8
Uno, ...Im como El, '" (Conll. "Lumen G.ntlum" li! 49).

A Idéia de . visão de Deus" tão insistentemente incutida


pelo textos b1bUcos e peJo magistério da Igreja, suscita agora
ulteriores reflexões . .

4. Ver ... : alegria ou tédio?


O desejo de ver .a Deus moveu o homem re1igioso em todos
os tempos ; tanto as tribos primitivas como os povos civilizados
pré·.cristAos manifestaram tal aspiração . Em Israel mesmo,
Moisés pediu certa yez ao Senhor: .Mostra-me a tua glória!,
Ao que o Senhor respondeu: . Faço graça a quem a faço, e faço
misericórdia 8 quem a faço .. ' Não poderás ver meu semblan·
te, pois o homem não me pode ver e permanecer em vida_ (1:)(
33.18-20) .
Eis, [>Orem, Que JL'SU!i Cristo anunciou: ~ Bcm-avcnturados
aqueles Que têm o coração puro, porque verão a Deus!. (Mt
5.8) .
o homem contemporâneo, porêm, nem sempre se deixa
empolgar por tal perspectiva .• Ver a Deus_ parece-lhc ter um
sabor estático e platônico, que bem correspondia ã índole e às
aspirações dos antigos, mas já não satisfaz âs tendências do
homem moderno, Que é dinâmico e dificilmente se contenta com
mera contemplação .
- 240-
A VIDA ETERNA 9

o filósofo espanhoL Miguel de Unamuno fez·se intérprete


desse modo de pensar:
"Uma vlslo beotltlcs, urns conl.mplaçlo amorotJo, no q~.:.1 .li alma e • •
Ja ab.otvlda em DeUs e COMo que ptrdldll. MI., aparece ao nOSlo modo
naJ",.., de l.nUr como o .nlqull8mO'nlo do ler humano ou como um t6dlo
prolongado . 0.1 & .llIud. qus obs.rumOl com Irequtncll e que I' ..
formulou m.'. d. um. '1.:1 em •• prenO. . . .lIric .. , nlo I..m." de Irre'..
r6nc:11 I ",••mo de Impledad., . . . uprus6u legundo M qUIII o c6u d.
gl6t11 elomo. 111 um. mOl'odo do .'Imo aborrecimento. Nlo adllnt. quere'
menosp,ea:.r "Ie. senllm.nto. tio np.oncjMOs e nslu'II". nem p.eteM.'
r.crlmlnA·I.... r'Del sentlmlenlo Irsglco de '" vld." c . 10) .

Diante destas observações deve-se salientar o ~guinte:

Entre os elementos constitutivos da vida eterna, estA a


intimidade com Deus ou a intima posse de Deus por parte da
criatura. Este elemento é de importância capitaJ. - Ora
Deus não é uma coisa ou um enle neutro. mas um Ser pessoal.
Uma coisa, um objeto neutro podem ser -possuldos desde que
encerrados à chave em um aposento ou cub!culo. Quem ten·
tasse possuir desse modo uma pessoa, não a possuiria como
pessoa, mas como coisa. As pessoas SÓ se possuem mediante
um Interrelacionamento, em conhecimento e amor mútuos .
Por conseguinte, Deus há de ser possuído de tal modo na vida
eterna: o conhecimento e o amor que desde toda a eternidade
Deus tem a respeito de cada criatura, suscitam, da parte desta,
uma resposta viva, direta, que envolve toda a personaUdade
do ser humano. Esse interrelaeionamento - QUe é doação mÍl·
tua - é o que possa haver de mais correspondente à estrutura
~ às aspirac6es espontâneas da alma humana.

Ponha-se, pois, de lado o conceito de que a vida eterna,


no sentido cristão, seja algo de enfadonho. Eia não ~ equipara
ao ideal platônico ml!rarnente Intelectual, mas significa plena
realiz.ação do ser humano .
Deve-se mesmo observar o seguinte: a capacidade d(! ver
a Deus face-a·face estará condicionada não pelo acume intel~
tual da criatura (pois. neste CDSO, as criaturas do~adas de
inteligência mais aguda serlam no céu mais premladA,.,<; ~r'I que
outras, de inteligência menos penetrante). O Que habilita &
criatura a entrar em contato face-a·face com Deus, é o grau
de amor a Deus e ao próximo com que essa criatura termina
a presente pcregrinaC',ã o. Onde há mais amor a Deus. hÁ mais
desejo de ver e possuir a Deus, e ê a este desejo que o Senhor
se digna corresponder, manlfestando-se à criatura no céu.
- 241-
1Q . PERGUNTE E RESPONDEREMOS:.. 162/1973

Estas verdades nos habilitam a dizer que no ceu hâ graus


di\lf~rsosde bem-avcn turan!,:a, ou seja, de posse c visii.o de
Deus: aqueles q Ue mOI"l'tm mais ricos de amor, vcrâo a Deus
com mais perspicácia f! nitidez e se deleitarão nessa Intuição,
ao passo que as criaturas menos ricas de amor menos pene-
trarão em Deus, Ê, de resto, o que ensina o Eva ngelho quando
diz: «Na casa de meu Pai, há muitas mansões:. (Jo 14,2) .
De maneira geral, podc--se afirmar: frente a Deus c o
amor que ma is e mais a bre o olho da alma c apura o conhe--
cimento , Homens de capacidades naturais muito limitadas po-
dem chegar a eminente gl'au de intuição de Deus, neste mundo
e na vida celeste, ao passo que criaturas muito talentosas, do
ponto de vista humano, pouco entendem das coisas de Deus:
o grande amor sobrenatural existente naqueles, e não nestas,
abre O olho da mente para os mistérios de Deus .
Estas proposições serão ulteriormente esclarecidas no pa-
rágrafo que se segue:

5. Questões complementares

Restam algumas observações a fazer sobre o assunto.

5.1 , Todo, sim: totalmante, niio I

Deus é W initamente perfeito, por definição , Sendo as-


sim, a Inteligência criada deveria possuir uma capacidade infi-
nita para poder conhecer a Deus t anto quanto Ele pode ser
conhecido. Ora capacidade infinita numa criatura é algo de
contraditório, já que toda criatura é limitada.
Em conseqUêncla, diz a teologia :
Na visão celestial, os justos vêem Deus todo. mas não o
vêem totalmente .
Expliquemo-nos :
Vêem Deus todo... Deus não tem partes (toda parte signi-
fica limitação); é slmplicissimo . Por Isto não se pode ver Deus
~JT\ parte no face-a·face celeste. Vê-se Deus todo .

Não totalmente . '. Deus também é infinitamente perfeito;


por isto é intellglvel em grau infinito . Em conseqüência, ne-

- 242-
A VIDA ETERNA 11

nhuma inteligência criada estA à altura de conhecer a perfeição


divina de manoira Oxaustlv8i somente a inteUgência divina é
apta a conhecer exaustivamente a jnfinita perfeIção de Deus.
Com outras palavras: nada 'h â em Deus que não seja con·
templado pelos justos no céu, mas nada há em Deus que seja
contemplado tio perfeitamente quanto é contemplável, em toda
a sua riqueza de ser , Os bem-aventurados veem o Infinito,
sabem que Ele é o Infinito, mas não O conhecem de maneircl
infmita. Isto quer dizer que Deus só não é novo para Si; para
qualquer criatura Ele ê e será eternamente novo e surpreen-
dente, como insinua S, Agostinho : .Serás insaciavelmente sa-
ciado pela verdade! - lnsatiablU!er satiaberis veritate:t.

5.2. Vida .tema iniciada no tempo

Como foi dito atras, a vida eterna, em seu estado consu-


mado, não é senão a posse de Deus, que se dá à criatura como
objeto imedia to de visão, amor e deleite. Ora a mesma reali-
dade iá ocorre, em (ace Inicial ou embrionário no homem justo
posto em peregrinação na terra; Deus, o dom incriado, se dá a
todo ser humano Que esteja em graça santificante (isento de
pecado grave) .
As virtudes ditas «teológicas:t, Que acompanham a gra~a
santlncante, põem a criatura em contato com Deus de modo
sobrenatural (ou de moo(l que ultraassa as exigências de. na-
tureza):

- a fé eleva a inteligência do homem a ver as coisas


como Deus as vê ;
_ pela esperança, a vontade do homem se dirige para
Deus como objeto de seu desejo;
- pelo amor, a vontad~ se volta para Deus como objeto
de benevolência .
Durante a peregrinação do homem sobre a terra, o gér·
men da graça santificante (com suas virtudes concomitantes)
deve desenvolver-se paulatinamente, de modo que o «possuir a
Deus:t se torne cada vez mais saboroso . Todo cristão é nor-
malmente chamado a fazer a experiência mfstica. de Deus; esta
não significa êxtases, nem visões, mas uma profunda tomada
de consciência de que DeUs 'h abita na alma do justo . Esta

- 243-
12 • PERGUNTE E RESPONDEREMOS.. l G2.' 1973

tomada de consciência e possibilitada pelo amor crescente; e o


.·mor Que dá afinidade com Deus c assim propOI'ciona novo
111000 de conhecer o Senhor' (conlu..'Cim~1l10 ()OI' urinidadc ou
por naturalidadel . Todo este processo terrestre desemboca na
visão celestial race-u-face . Note-se quc entre II bem-aventuran'
ça dos justos no céu e n vida em graça na terra nào há diferen-
ça essencial, pois tanto numa como noutra Deus Co a Grande
Presença, capaz de deleitar e sacia r o c ristão na medida em
que este se converte para Deus e se torna, por sua vez, presente
a Ele mediante a sua fé viva e o seu amor a.rdente l ,
Deve-se, pois, dizer que, para os justos, a vida eterna co-
me.;a no tempo presente , Quando e la estiver consumada, a fé
se converterâ em visão de Deus, a cspel'ança (desejo) se mu-
dal'á em deleite derivado da. plena posse de Deus , Quanto ao
a mOI', permanecerá (intensificado, porém, pols eOfl't!sponderâ
ao con hecimento mais claro que o justo terá de Deus).

5,3, Vida eterno e consciênclo pessool

Hoje em dia, por Influência do budismo c do pantcismo,


põe-se a pergunta: conserva-se a consciência pes.c;oal do indivi·
duo na glõl'ia eterna?
A resposta cristU ê positiva. Se a vida eterna ê comunhão
entre pessoas, ela supõe a realidade das pessoas relacionadas
entre 51, reali.dade que Inclui conscit!ncia. pessoa],
Mais: não ficará apenas um núdeo de consciência pessoal
(ou a alma sô) na eternidade, mas posso dizer que, após a
consumação dos sécUlos, todo o meu eu (tambem com sua par-
te corpórea ou material) entrará em comunhão pessoal com
Deus , O Cristianismo a.rinno que também o eorpo humano -
uma vez ressuscitado, - participará da bem aventurança eter-
na.
o panteismo, aflt'mando qUe a conSCiência individual se
dissolve na substância neutra do universo, deixa de correspon-
der à aspiração mais espontânea do instinto de consel'va-:oão:

'Deus estA presente, de modo próprio, a toda alma em graça santill-


cante, !nletlzmente, p<lrém. multas vezu a criatura nlio lhe de. a atençi!lo
devida; vlv' longe de si mesma, dlstralda , sem Jamais entrar em 51 paio
recolhimento , Reconhend o-se, a c riatura encontra-te consigo me~ma e com
Deu!! .

- 244 -
A VIDA ETERNA 13
permaneça eu! Se me dissolvo em uma realidade neutra «super·
consciente. , nãa permaneço eu, mas deixo de existir eu ,
Conservando sua consciência pessoal, o justo no céu con-
servar-J. os vlnculos de! amor e afin idade! espiritual Que o pren-
dem a seus familiares, amigos, mestres, disclpulos, etc.
Eis, em grandes linhas, o que eorresponde à afirmação de
São Paulo : cO olho não viu, o ouvido não ouviu, jamaIs passou
pelo pensamento .do homem o Que Deus preparou para aqueles
que O amam. (1 Cor 2,9) .
Eal as p6glnas multo de\lem eo estudo de C . Pozo: "Teologia de i m As
ali''', em "Biblioteca de Autores CrbUanos" n9 282 . MilIdrld, 1968, pp .
136- 172 .
Cf. tembém E. Be llancoutt, " A vida q ue comaça com a m or te " . Alo
de Janeiro 1958, pp. 131-79.

x ---

Palavras·delallo de Valéry, Incrédulo, em seul "Carnet''':


"SE DEUS EXISTISSE, SE EU PUDESSE CRER QUE ELE
EXISTE, EU SERIA PERPETUAMENTE FELIZ. EU NAO ME
PODERIA INTERESSAR POR OUTRA COISA QUE NAO ELE.
EU ME SENTIRIA CERCADO DE TERNURA E PROTEÇAO. OS
PRAZERES DO MUNDO NADA SERIAM, A MORTE NADA
SERIA. SE EU SOUBESSE aUE DEUS EXISTE, SE MINHA VIDA
FOSSE APENAS O DIFERIMENTO DO MEU ENCONTRO COM
ELE, MESMO QUE ESSA VIDA FOSSE DOLOROSA, ELA SE·
RIA SUAVE, COMO A LONGA ESPERA DE UMA MULHER
BEM·AMADA, DE QUEM EU ESTARIA CERTO DE QUE ELA
CHEGARIA. SE DEUS EXISTISSE, PARECE·ME QUE EU SERIA
NATURALMENTE BOM PARA TODOS ... SE DEUS EXISTISSE,
PARECE-ME QUE AS MINHAS FALTAS SERIAM ABSORVIDAS
NELE E PERDOADAS DESDE QUE EU AS RECONHECESSE
COMO FALTAS ... MAS TUDO OCORRE NO MUNDO. E
MESMO ENTRE AOUELES QUE CRêEM EM DEUS, COMO SE
DEUS NAO EXISTISSE".

- 245-
Fato Inédito?

crise na igreja .. que significa?

Em ,'nl''': Nlo 6 eS11 I primei" lu e dllicll que a S . Igre ja conhece


na sue longa hlstOrla: os sãc . IVIV, )C, XVt fi Xt)C também loram ' rduo.:
Deus, porém, quis, precisamente ness as flseS, suscitar nume rosos unlos,
q\le, pela sua prece li IUI IçA0, marcaram a ,espectlvI época . Em con-
seqüência, pode-se dizer que atualmente a resposta que a Igreja pode fi
deve dar à sua c rise Inclui ~eua rl am.nta uma 8)(orlaçlo d irigida I seus
!ilhas para que procurem tornar-se mais santos. ESla ellorlílçAo, ilUês, 101
efllatlcamente formulada pelo Concilio do Vaticano 11 . A tgreja precisa de
sa ntos: ,an105 sàblol • I(!cfllcos. ou santos sem Iltulo humano a lgu m . A
s antidade tem suas nolas constltuttvas eonslanlas : es plrlto de oraçao, Imor
• Deus. I a prc)lIlmo, abneglçlo e renúnçla a si mesmo,

• • •
Comentário: São muito freqüentes as observações de
pessoas surpresas em vista da situação religiosa de nossos dias,
:'\'í1O poucas mostra m-se perplexas c acabam por abandonar a
S, Igreja. Outras procuram luz e fOl'Ça para prosseguir no ca-
minho encetado e viver com alegre convicção a sua vocação
cl'islã .
Nas pâginas que se se~ u cm, proporemos algumas conside-
I'a ções ao problema, que poderão contribuir para se configurar
uma resposta à prob lemática religiosa de nossos tempos . Não
pretendemos abord a r o assunto sol' todos os aspectos, mas
apc-nas propor algumas reflexões a ptas a orientar o comporta-
mento dos fiéis católicos ,

1, Uma observação curiosa


Inegavelmente, aS . Igreja passa por uma fase d ificil de
sua hi stória. A crise rcsuJta de fatores diversos e inêditos, que
conCOrrem para tornar mais impressionan te o quadro gel'al.
Todavia note-se que não é esta a primeira crise que a
Igl'eja atravessa. Fale a história :
Nos séculos IV e V a Igreja sofreu o abulo da heresia
ariana', a r espeito da qual dizia S , Jerônimo em termos hiper-
'o çhamado "arianismo" (doutrina de Ario de A le~andrla) negava que
o Verbo ou o Filho de Ceus losse Deus como o Pai; s ubordinava o Filho
ao Pai .

- 246-
CRISE: E SANTIDADE NA IGREJA 15

bóUcos: dngemult totus orbis et arianum se esse mJrntus est.


- O mundo Inleiro gemeu, admirando lse por se ter tornado
llriano~ (cContra Luciterianum» n" 19) •

O sé<: . X foi chamado co século obscuro» ou co sêcu10 de


ferro. da história da Igreja, porque o Papado foi vitima das
famiUas nobres de Roma e dos arredores e o n(vel de vida
moral dos cristãos baixou consideravelmente. O Slnodo de
Trosly, perto de Laon, celebrado em 909 lamentava: cO mundo
está cheio de imoralidade e de adul têl'io, de devastação de
igrejas, de ilSsassinlos e de opressão dos pobrcs ~.
No séc . XVI deu·se a crise do humanismo naturalista e da
Reforma protestante .
Ainda no sêc. XIX a Igreja conheceu a borrasca do ra-
cionalismo e do materialismo ; a ciência parecia estar em con·
fIlto com a fé.
Ora observa-se que a Providência Divina quis suscitar
precisamente nos mesmos períodos um número relevante de
santos. Com efeito, os séculos referidos foram dos mais ricos
em santos na história da Igreja.
Os séculos IV e V, po r exemplo, (oram marcados por gran-
des doutores da Igreja e bispos, como S. Ambrósio, S . Agos-
tinho, S. Jerônimo, S . Hilário, S . Leão Magno, S . Atanãsio,
S . Basllio, S . Gregório de NBzianzo, S . Efrém, S. Cirilo de
Alexandria, S. João Crisóstomo, que deixaram obras teológicas
fundamentais.
No século X Deus quis suscitar grandes vultos Que mantl·
veram viva a consciência MOrai dos cristãos. Tais foram os
bispos S. U1rlco de Augsburgo, S. Conrado e S. Gebardo de
Constança, S. Adalberto de Praga, S . Burcardo de Vórmla, os
abades de Cluny S. Odão, S. Majolo. S . QdJ1ão, S . Hugo .. .
No século XVI foi particularmente notável o surto de san-
tos, entre os Quais figuram S . Carlos Borromeu, S. Filipe Néri,
S . Inácio de Loiola, S . Francisco Xavier, S. Tomas Moro, S.
Pio V. S. João da Cruz, S . Teresa de Ávila, S. Ángela Méricl.
S . Antônio Maria Zacarias .• . Contam-se mais de trinta santos
canonizados nessa epoca .
Tambêm o sec . XIX conheceu grandes figuras como g ,
João Bosco, O Santo Cura D'Ars, S . Ter~ de Lisieux, Frede-
rico Ozanam ...
-247 -
16 . PERGUNTE E RESPONDEREMOS!I 162/1913

Não se poderia dizer que os santos foram a resposta dada


por Deus às angustiosas crises da Igreja? Os santos dão o tes-
temunho de que li fê autêntica e o amor generoso colocado por
Deus em rua Igreja não pereceram, mas, apesar de todos os
obstaeulos, continuam a ex istir e frutificar. Mais ainda: os
santos são os grandes amigos de Deus, aqueles Que pela oração
intima e a renúncia a si mesmos puderam e podem obter de
Deus a graça e os auxi1ios sobrenaturais inatingíveis à sagaci-
dade humana .
Em última análise, as crises da Igreja não são senão as-
pectos da luta entre n linh agem dn mulher e a da serpente (cC.
Gên 3,15), entre o Cristo e o Anticrlsto; por isto elas se resol·
vem, antes do mais, pelo emprego de meios sobrenaturais, entre
os Quais a oração e o sacriCicio ocupam lugar primadal .
Pode-se então dizer que os tempos atuais, justamente por
serem cheios de interrogações, significam para todos os cristãos

2. Um apelo de Deus
1, Precisamente Quando tanto ~ fala de csinais dos tem-
pos:. e de _saber ler os sinais dos tempo$», ~ lícito perguntar se
a crise atual da Isreja (alem de ter outros significados) não
pode ser entendida tambêm como um convite do Senhor não
ao des!i.nlmo e à perplexidade, mas à santidade mais consciente-
mente procurada e vivida .
t; interessante notnr a ênfase com que, justamente nesta
época agitada, o Concilio do Vaticano II quis lembrar a todos
os cristãos o dever de tender à Mntidnde:
"O Senhor Jesus, Mestre e Modelo DivIno de toda pe:telç;io, a lodos
... cad. um dos ...... dlsclpulol da ql.lalquar condlçlo plogOl.l . . . nlld.d ..
de vld., da qU'1 Ela mllmo , o Autor a Consumador. dizendo: 'Sede per·
fellos como '10110 Pai CIlula é perfeito' (Mt 5,45) .. .
Todol os 1161. crl. lios do qualquer ulado ou ordem sio chamado I à
plenllude d. vida Cllstl o • perlelçio da cllldade" (Const o " Lumen 08n-
lIum" "' <CO).

Com vistas aos sucerdoHis em [k'lrlieular, diz o Concilio:


"Seda partellol como YOIIO pai Caleste , pertello (MI 5,45) . O. prel-
bUerOI ellio obrlgadol, • mula .speclal, a tlnder • pot~.rçlo , pois, con·
ug:.dot a DIUI de novo modo pelo sacramento da Ordem, 510 chilmadol
.:'. ser 'nllrum.ntol vlvol da C:1110 Eterno Sacerdota, a 11m de prouegulram
co longo dOI lempos a obról admlrAvel d. Crlllo" (Dec:eto "P:e5byterorum
OrC:lnlt" n9 12).

-248 -
CRISE E SANTIDADE NA IGREJA 17

Referlndo-se aos Religiosos, diz o Concilio:


"O ReligIoso entreg .... todo a Deu • •umemente emado, de 'ai modo
que por novo I peculiar Ululo' ordenedo 110 .ervlço e 1 honra de Deus ...
Pela proflulo do. conselhos .wang6llcol na Ig,e'a, procur. Ilberlar... dOI
Impedll'len'os q"l O pouam "astar do 'eNor da car[dade • de perfeJçio
do culto dlv[no" (Con.t . "Lumen Glnfll,lm" "' 44) .

Donde conclui o Concilio:


"Todo aquI'e que 6 chamado 1 prolls.io dos conselhol Iveng'Ucos,
~Idl dlllg'"',," enll de permonecer e d.staesr""" na voca~o li qual foi
chamado por DeUI parI mais rica lIantldade da 'IiIrlla, para maior gl&rlll
da ..ntl e IM[vl.. TrJndade, qUI .m Crflto I por Ç,lsto 6 fonte e origem
dI toda .entldade" (Ib. n! 47).
2. Pode-se, porém, perguntar: em que consiste hoje em
dia a santidade?
Quais as exigências Que se impõem a quem queira tender
hoje à perfeicão cristã? Parece que princípios, formas e crité--
rjos de santidade tidos como válidos em sécuJos passados hoje
já não o são. A mentalidade do homem moderno jA não os
aprecia nem aceita, pois estão em aparente contraste com a
evolução por Que tem passado o gênero humano . Hoje em dia
a. .descoberta da. psicologia e de valores intimas da personali-
dade, a nova dimensão das problemas sociais, a repulsa de todo
formalismo fazem Que o Ideal da santidade não seja concebido
com as ~aracteristicas qUe outrora tinha. Os homens de hoje
aspiram a ser santos «novos» na I greja, ricos de graça, sim,
mas também ricos de valores humanos, cheios de amor a Deus,
mas também abertos ao mundo e profundamente engajados na
história .
Como resolver o problema?
- Poderia alguém responder: libertemo-nos do ideal de
santidade que os séculos passados acariciaram na Igreja e pro-
curemos inspirar-nos unicamente no Evangelho. ou seja, no
exemplo e nos ensinamentos de Cristo. Encontraremos no
Evangelho as normas neC<!SsárJas para sermos santos hoje.
Tal resposta não estaria exata senão em parte. Não se
pode pretender ficar somente com o Evangelho escrito. pondo
de lado a tradição da santidade ou a linha ascétlco-m.ística da
igreja . Esta tradição é a maneira segundo a qual, sob a inspi-
r arão e a gula do Espirito Santo, o ensinamento de Cristo foi
vivido pelos santos nas sucessivas fases da história . Pode-sc
dizer que Cristo sem a Igrej a é, de certo moda, mutilado. como
-249 _
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 162/1973

uma Cabeça sem COl'pO; Cristo Sem os santos ê empobl-ceido


(!m suas manirestacões, como uma árvore privada de seus ru·
mos, de suas flores e de seus frutos ê cmpobl'Ci:ida na expressão
da sua vltalldllde . Por conseguinte, em vez de rejeitar a tra·
dicão ascético.mislica da Igreja, importa nela distinguh' os
elementos Que são expressão viva do esplrito do Evangelho e,
por conseguinte. têm valia até hoje, dos elementos que são
manifestllcão da ml'nlalid:lde c do gosto de um determinado
periodo da. história c que, por isto, podem ou devem hoje sei'
deixados de Indo .
Para se saber o que é hoje u santidade, é nccessádo, sem
.Iuvidn, indagá.lo no E vangelho, mas no Evangelho como ele
foi compreendido c vivido pelos santos. Descobre--sc então que
a santidade cristã tem ali:"umas conlttantes, sem as quaiS nâo
existe - nem podc existir - a santidade autêntica. Essas
CDnstantes são, Inegavelmenb?, o amor a Deus, o espírito e a
prática .da oração, o dom de si no serviço ao próximo, a luta
contra o egolsmo e as paixões do velho homem mediante a pe~
nitêncla, a pureza de coração, o desapego dos bens deste mun-
do, o exercido da humildade, da paciência, o amor ã Cruz de
Cristo ...
Hoje, -como no passado, a sa.ntldade constitui-se dessas
constantes. Por isto seria Ilusório pretender atingi-Ia pondo de
parte tais elementos a fim de procurar fórmulas Inteiramente
novas.
Insplrando.5e em Cristo e nos seus discípulos - e somente
assim - , os cristãos poderão dar à Igreja os novos santos de
que Ela tem urgen\e necessidade .
3. Ainda uma observação:
A critica e a contestação estão atualmente em voga. E~
traram na Igreja, nem sempre de maneira construtiva e bené-
fica. Na verdade, o diálogo critico pode ser útil à renovação da
face humana da Igreja . A Cim de Que o seja realmente, ou a
fi m de que n crítica seja construtiva, níio degenerando em p0-
lêmica e Irreverência , é para desejar que quem deseje contestar
os outros comece por contestar a si mesmo. Cada membro da
Igreja, por seus méritos ou deméritos, é responsâvel pelo bem
comum do povo de Deus. Somente quem CQntesta a si mesmo,
tem o direito de contestar os outros . 01'8. a santidade e a for-
ma mais autênHca e radical de contestacão de nós mesmos. O
acsejo de reformas na Igre:la deve ser acompanhado pela re-

- 250-
________~C~R~[S~E~~E~S~A~N~T~[D~A~D~E~~N~A~[~C~R~EJ~A~______~[9

(orma da vida de cada mcmbl"O da Igreja; se esta refonna se


der, é de crer Que as outras se darão, de modo a beneficiar
realmente o povo de Deus.
A Igl'eja de Cristo tem promessa de dura;;ão perene; Ela
não acabará enquanto se desenrolar a história da humanidade.
Verdade ~ que, para subsistir em nossos tempos, Ela precisa de
elementos novos, suscitados pela vida moderna: mestres espe-
cializados, têcnicos, psicólogos, plancjadorcs, equipes treinadas
em dinãmica de grupo ... Ela precisa, porém, acima de tudo,
de santos .
Os santos têm gcrulmcnte a reta intui~ão das coisas de
Deus; estão particularmente habIlitados a ver (!OtnO Deus vê
e amar como Deus ama. Por çonseguinte, que os filhos da
Igreja especializados em disciplinas técnicas, procurem ser sã-
bios e também santos, homens e mulheres de doutrina e erudi-
ção. como tamlJém homens de oração e caridade.
4. Por ultimo, note-se: a santidade não chama a atenção
em nossos dias, talvez menos ainda do que outrora. Mais fre-
qUentemente também se contam casos perplexos e escandalosos
do que casos de edificação; aqueles, por sua indole e suas con-
seqUênclas, dão mais na vista .do que estes.
Não é necessário, porem, que ' os homens reconh~m a
santidade. O que ímporta, e que ela exista na Igreja . Também
os alicerC1!S de uma easa são invislveis, mas isto não Importa;
o Que se requer, é Que haja alicerces, e alicerces sólidos, pois da
sua solidez depende a solidez da casa, Algo de semelhante se
pode dizer no tocante à Igreja; allcerçada sobre Cristo e seu
Vigário, Pedro, Deus Quis que tenha também consistência e
eficácia na medida em que Ela inclui santos em seu grêmio.
A Igreja de hOje olha para o seu futuro com serenidade.
Ela tem confiança no Senhor Jesus. Que lhe prometeu Indefec-
tlvel assistência até a consumação dos: séculos (cf. Mt 28,20);
Ela confia também no dom da santidade que Cristo não permi-
tirá venha a lhe faltar. Todavia, dndu a Inclemência dos tem-
pos em Que vive, a Igreja pede a Deus novos Santos e exorta
seus fUhos a que se COloquem generosamente no caminho da
santidade; dir-se·ia que a Igreja sente que deve responder à
sua crIse com um novo surto de santidade.
AI conslderaçOes deslas pAginas 'oram, em grande parle, Inaplradas
pelo artigo "La ChleslI oggl ha blsogno di ,anti" (editorial) de "La Clvlll'*
C&ttoUc .... quo ~B66, d. , S/X1/ 19G9, pp. 3U·318.

- 251-
Re8pelto à consciência alheia a mlssílo:

a igreja ainda é missionária?


promover ou evangelizar?
"cristãos anônimos"?

Em .Inleso: A necessidade de levar a fé crlsllI a lodos os homens tem


pad~cjdo duvide, nOs ul:imos tempos, om pnrte talvez por cause da mal
el\londldas declarações do Concil io do Vaticano 11 so bre a liberdado reli·
giosa li o ocumenlsmo, Todavia Quem l ave em conta altala os documentos
do Concilio, verifica Que es te, 110 lado da proclamaç;1o de respeito às cons'
cie!lclas Individu ais, Incutiu ropelldamonle a íodole missionária da Igreja .
De resto, o amor a Deus o ao próxImo impale. como QUO naturalmente.
todo C:IS1.dO a eV3ngstlzar: quem ama a Daus, solre porque Deus nlo •
contlocldo e amado dovldamente: Quem ama o p rOximo, solre por vê·lo
I~erlo para e Inflnite, sem ~abar cnde encon trar o Bem loll nllo.

o desoovo'vlmenlo h ~ mano fi a evangellzaçlo sio rareias disUn18S uma


d~ o ulra, ombora geralmente devam sar elCercldes simu ltaneamente. Para 8
I~reja. nlo hll autêntico 3tenulmenlO lO próximo Que se preocu;la apenas
O IJ p reponde ran!emeo:e c om i nteressas terrestres; • para levar Daus aos
hcmens quo se exerce toda :I aUvldade mlssionârla da Igreja .

"C ri st~os anOn lmo:" é expressllo amblgua, q ua nao cnconlra baso em


:extos biblicos. Na v~trdade. ser crlsllo tt ma is do que ser homem perfeito
com o nome de cristac : sup6e uma elevaçAo onlológica ou a comunlcaçJo
de uma nova natureza e um nowo ser ê criatura humana . Esla elevaç10 é
normalmente concedida p or Deus mediania a pr8gaçlo da palavra 00 e...
an-
gelho. QlJe suscite no ouvlnle a I. e, conseqiientemenle. o pedidO d e ba·
:i !/TIo.

• • •
Comentário: Tem-se verificado um arrefecimento da têm-
pera missionâ rlR em certos ambientes ou, ao menos, em certos
porta-vozes do Catolicismo. A nova atitude é talvez sugerida
por dec lara ~õC$ (mal interpr etadas) do Concílio do Vaticano II
referentes à liberdade rcli~iOSll e ao ecumenismo; o tão reco-
mt>ndndo respeito à consciência ttlheia possivelmente vem sus-
citando o esmorecimento do zelo missionário católico .
t no problema assim esbo::ado Que dedkaremos as páginas
s"g'~tlntes .

- 252 -
1. A pMblemátiea

Nos últimos anos, a diminuição do Interesse dos fiéis cató-


licos pela evangelização do mundo não cristão pode ser atribuí-
da a três causas:
1) Invoca-se o principio segundo o qual Deus tem nume-
rosas vias para salvar os homens j mesmo que não pertençam
visivelmente à Igreja de Cristo, podem chegar à pãtrla eterna,
caso vivam de boa fé em seus erros filosóficos e religiosos .
Eis, por exemplo, uma passagem do decreto do Vaticano II
sobre a atividade missionária da Igreja:
"St bem q.... OeuI pOIS., por vi.. que 116 Ele conhece, Ilvar • Hf'
hemen. que, .em eulp. da .ua pstte, Ignoram I) E,angelho .. . " ("Ad Oa".
te." "' 7) .
A Constituição .Lumen Gentium::. observa:
"Aquel•• qua sem culpa '"nar'm o E,angelho de edsta e sua Igreja.
ma. bUlcam a Oeu. dI COtoçio _Incero I tentam, IOb c Intluxo di graçe,
cumprir por obra• • lU. vonlade egntllcld, .irav" do cHlaml d. ca ....
ellnel., podem con.egulr I III'Iaçlo Itema A DI,Ina Providência nio "VI
OI aua:lI!ol MuuirlOl 1 _.Ivaçio IftUIIla. qUI 11m eul,. alad. nlc eha-
"a~am lO çonhaclm,,,lo •• p.... to Cfe Oa ... _ e . . . .forçam, nlo um a di-
vina graça, por Ie\lar um. ,Ida ,.t.·'
,'I' 16) .
2) Em continuidade com as idéias acima, tem-se difun-
dido o conceito de t:crlstãos anônimos •. .. Todo homem, dizem,
é um cristão em potencIal ou um cristão Que Ignora o seu no·
me; o papel da evangelização seria apenas o de fazer com que
o homem se encontre <:on5igo mesmo ou o de revelar o nome
a esses cristãos anônimos . Em outros termos: a evangelização
apenas faria chegar à plena consciência cristã esse Cristianis-
mo adormecido e latente; daria a expressão autêntico. à fé Que
todo homem já traz dentro de si.
Quem adota esta tese, não pode deixar de concluir Que a
evangelização perdeu boa parte da sua importã.ncia e necessi-
dade.
3) Os problemas do subdesenvolvimento (miséria, fome,
doenca ... ) às vezes impressionam mais do que a ignorância
religiosa; em conseqUêncln, a promo~ão dos homens tem ,sus-
citado, não raro, mais interesse do que a evangelização pro-
priamente dita ou a pregacão das verdades da fé.
- 253-
ZJ . _._ _ .. ~ERCUNTE E _ RESPONDEREMJS" lG2/197J

O Card . Pignedoli. da Congregação para a Evangcliza-


ç~o dos Povos, escreveu a jlt'Or;::'silO :

"H' plnO<t. lia Inlu,lasta, do dlslnvohllmlnlo QUI 110' elo lenled:'1


li re du:l r lodlll a !!Ioa_Noya (do f yangttlho) unlcP"T!e nte li t-o luçi o dO i pro-
blema••oelal," ("L't nnonct de .'ty_nglle ti le monde tn yole de d6veloppt-
mI ni", tlr.l "Omnl, 'rerra", ab.1I 1970, p . 302).

Um missionátio do Alto Volta (Áfricn), o Pe . Piel'l'e l)c...


(ClOme, escrevia opCll'lunam::mtC':
"Hole o mlnl'''rfo pnloral. .. ' compromllldo porqLlI OI p.abe. que
no. de vem ajudar. parteelh dtlr mlllt Im~rt~nel .' :!Is le311l.:::lç3es soelals e
ma'erlals do que a lJuogllç60 do ev.,ngelho . Vi.Clnl·S com ;e:u,:o' \<10
IUigUOI qUI nio chl gamo. a cumpt1 r noulI. ob. iga ..3e, prlm:\ la..
Quem 1I)udari o mllllonArlo ne." Irabalho prlm ordla' da I Vllngellu_
ç lo'? QUl m o ./",:tar' I former e Inhe ter calo::;ul.ta,,? .. I dotar a. roo-
VI' comunidade, crleti, não d. Ig;eJ:II1 dl ,plnd los~, ma) de lugll:c, de
c ulto ccnYlnllnlls • dlqno l7" (d . " LI Ch~bl 0:(1 moa'.f!!" -:" 9, vol. 4,
n? I , p . 571).

Para justificnr o dcsintQI'Csse pela prer:-a~ão da fé, há quem


di.l{a: «Devemos ajudar os homens a tornar-se home ns por in-
teiro: é preciso a uxiliâ·los sem u'teriol' inlen~ão, Isto ê, sem
procul'ar convertê~ l os s. - A evan~clização propl"iamente dita
é. por vezes, tida como ação constrangedo ra ou como violação
das consciências.
Do scu lado, - aliãs. jã hâ mais dc vinte anos _ Mon-
tuelar d. no livro _Les évênements et la foi s , defendia a seguinte
tese: as massas populures não pode m ntualmentc ser levadns a
Cristo: é preciso não lhes fal emos ele rcligiiin no decorrer de
duas ou três gerac;óes . Para oro, contentar-nos-emos com uma
colnboração que proporcione a essas massas um mais elevado
nível matcrlnl de vida . '
Ora o arrcrcclmenl O do esri rilo n p~tõ1ico npnrccc parti-
culllrmente grave desde que se leve em cemt ... Que cada ano o
número de não católicos no mundo cresce de 23 milhões, ao
passo que o número .de católicos aumenta de 5 milhões.
TDI situação, Imp~ss ion ante como é, tem incitnrio os tcó-
!o~os cSltólicos à renexão . Seri am ren.lmente jusUfi cndns as
três razões acima apontadas para provocar o a r re fecimento do
fenoor católico?
Examinemos cada urna de per si.
' DI panagam diga·" quo as Idólsl dI MO l'l tllclard loram condenadas
pele Sanl.lI Sé em 19S3 .

- 254-
A IGREJA Ê MISSIONÁRIA? 23

2. Igreta e evangelização
1 . O Concilio do Vaticano II r~onh~u Que Deus pode
salvar os homens por vias a nós desconhecidas, de sorte Que
quem vjve tle boa. ré no erro religioso pode estar-se encaml.
nhando para o unico Deus, do qual nos Cala o Evangelho . Note-
-se, porém, que esse encaminhar-se não se faz sem o auxilio da
graça de Deus, como diz o Concilio nos textos citados à p. 353
p. 21 deste lasciculo. Isto quer cJjzer ; . .. não se faz sem aplicação
dos mêl"itos redentores de Cristo; não se faz portanto senão
por Cristo, e não porqUe o homem tenha cm si mesmo os meios
de se salvar.
Tais verdades são de Importância capital. Reconfortam-
-nos quando consideramos os milhões e milhões de homens qtse
hoje em dia não professam a fé catOlica por Ignorarem o Cristo,
enqua'nto outros são educados sob regime ateu .
2, Não obstante, o Concilio do Vaticano 11 Incute Instan-
temente a necessidade de se pregar a te a todos os homens.
Não é licito à Igreja e aos seus membros cruzar os braços
di ante do mundo que não conhece o Evangelho, pois o Evange-
lho e a Eucarist ia são os meios normais que o Senhor instituIu
para a salvação da humanidade , Eis o contexto (quadro com-
pleto) da passagem do decreto cAd Gentes_ atrás cit ada:
" O moU vo da atividade ml•• loNirl. d. Igreja • • vonl.d, da O.us,
q ue quer que todo. OI homaM "Iam ••Ivos • venham .0 cOMe cimento d.
Yllrdade , ,. f: OIIc..drlo que pela pr.gaçlo da IGT'):I todo. rlCOnheç.-n
Crt.to • li E" a. conv.rtam I pilo blllsmo .e' . . Incorporadot nllle • nll
Itl rel" .... Corpo .. , Embora Deu. po•••• por "Ia. qua s6 E" conhece,
I.v.r' ,. o. homeM ~U ••• _ culpe d . lUII patte. Ignoram o En...,lho, .. ,
cabe' Igrela o davlr e 11mb,," o dlrello • • grado de .....nll.llllr. Por Isso
• allvldade mlnlonl "_, hole como . empre. COmlfV. Integra I UI torçl I
neces.ldade" (mo 7) ,

A própria Declaração sobre íl Liberdade Religiosa, embora


reconheça a cada homem o direito de livre opção em matéria
religiosa, não deixa de afirmar;
"Cremol qUI li Ilnlca e verdadelr. Rellgllo .. enco ntra n. '9 e'a Ca-
tólica e APNlóllc •• a qUMI I) Sanhor Jesus eentlou a ta refa de tranemlll-la
li todos OI homens, quando dI ... lO. ApÓltolol : ·Id., po", • • lIIln.1 oa
povo. Iodos. bl lbl ndo-01I e m no me do Pai. do Filho • de Eaplrlto S.nto
e enslnlndo-o. • gua rda, ludo quanto '1'01 mllndel' (Mt 28.19.)" ,

:t por Isto que ca Igreja peregrina é, por sua natureza.


- 255 ...:.
201 cPERGUNrJi:_~ RESPOJ~mEREMOS~ 162/..!º13, -_ _

missionâria. (cAd Gentes» n'!. 2); «a atividade missionária


decorre do IntJmo da natureza mesma da Igreja :t (ib., n9 6).
caso arrefecesse o zelo rnlsslonárlo ela Igreja, poder-se-Ja dizer
que ela entraria em declínjo por ter sido infiel ã sua natureza.
Os métodos de conservação da fé nas regiões já crislianlzadas.
aplicados exclusivamente, seriam incapazl,.'S de manter' 11 Igreja
no seu nivel, pois esta sem missão seria uma Igreja -m utilada ou
privada de algo de essencial . A 19reja nilO é somente uma
otganização, ma$ é lambem um <lrganisnlo \'i\'o c, como todo
('orpo em boa saúde, ela deve tender a crescer .
3. Mesmo em relação aos cristãos separados da Igreja
Católica (protestanles, ortodoxos) existe o dever de lhes pro-
por a ré católica e!11 s ua Integridade. Verdade ê que tais irmâos
jâ possuem muitos e autênticos valores do Evangelho. mas de-
ve-se reconhecer que lhes faltam outros elementos necessários
e que carecem da plena comunhão cOm a única Igreja de Crl.sto. I
Eis por que aos fiéis católicos incumbe o deve-r de não
ocultar aos irmãos separados os bens que os possam levar à
plena comunhão com a Igreja. - Entende-se, porém, que o
ra~ em ocasiões oportunas e sem polêmica.

4. O que o Concilio do Vat:ca~o 11 rcj::-ita. expli::itamente,


é o emprego de meios coercitivos para provocai· a profissão de
fê de alguém. Seja sempre salvaguardado o primado da conS·
ciência, a quem compete definir livremente as suas posições::
religiosas (cf. Declaração sobre a Liberdade Religiosa, n'! 4).
De resto, dev~se dizer que não são os homens que con-
\'crtem seus Irmãos à fé. é Deus quem os converte, servindo--se
do ministério dos arautos do Evangelho. Apznas sabemos que
Deus quer precisar dos homens c, por iSlo, pede aos mensa·
geiros que anunciem 7.e)osa me~te a Bo:t-Nova .

1$60 palavros do Concilio do Vatlceno 11 :


"Os Irmios separadOI de nós ... nlo gozam daquela unidade que
Jesus Cristo qul. prodigalizar a lodos aquel" que régérUlrOU 1& convlvlllcou
num só Corpo. Somenle atrav6s da Igreja CIIÓllca tle Cristo, aUKfllo geral
da salvaç'o. poda .ar atingida loda a plenitude dos melaI da salveçAo.
Cremos que o SenhOl' conllou todos os bens do Novo Tastamento ao
unlco Colégio apostólico. a cuja tesla está Pedro, a 11m de cooslllulr na
lerrll um IÓ corpo de Cristo, ao qual • nacassArlo que .a Incorporem
plenamente todo~ os que da alguma lorma pe: tencem ao povo de Oeus"
(Decreto sobre o Ecumenismo, nl! 3).

-256 -
A IGREJA Ê MISSIONÁRIA? 25

3. A mil: da missão
1. O Concilio nos diz. que a Igreja tem o dever de evan·
gellzar, " Esse dever hA de ser entendJdo como uma necessI-
dade espontânea ou vital, que brota do intimo de todo cristão
que tenha o senso de Deus ,
Com efeito, O cl'istão pal'a quem Deus não seja uma pa-
lavras, mas, sim, urna realldade viva, não pode debcar de amar
a Dcus c de sofrer por verificar qUe Deus não é devidamente
conhecido e amado, O cora~ão Que ama, sofre por ver que o
Amor não é amado. Ê essa dor que suscita e aUmenta o apos-
tolado; era ela que movia São Paulo quando e::.,:clamava: cAi
de mim, se eu não evangelizar! .. (l Cor 9,16) , Foi ela que
moveu Francls(:o de Assis, Francisco Xavier, Vicente de Paulo.
O, Bosco, D, Orione, Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux . "

2 . Não somente o amor a Deus, mas também o amor ao


próximo leva o cristão a querer ser apóstolo, O cristão sabe que
em todo homem existe um apelo para o Bem Infinito; sabe
também que nenhuma criatura humana se realiza definltlv.a-
mente caso não se volte para o Infinito (como a agulha magné-
tica não repousa enquanto nfilo se volta para o seu norte) ,
Por Isto o cristão não pode deixar de sentir o tonnento de
Deus que tantos de seus Irmãos sentem sem saber como o hão
de Bpazlguar , " Isto não pode deixar de Impressionar e mover
o discípulo de Cristo , O cristão deve amar seus semelhantes a
ponto de compreender que eles têm fome e sede do Infinito;
compreendendo-o, o disclpulo de Cristo ê levado a satisfazer a
esta suprema necessidade de seus irmãos ,
Seria errôneo crer que a mensagem do Evangelho, devida-
mente apresentada, não tenha acesso na mente dos homens de
hoje , A neurose, doenCB do século presente .. , é não raro o indi·
cio do desequilíbrio que nossos eontemporAneos padecem por
terem esquecido a Deus. A experiência ensina que mesmo as
pessoas aparentemente mais indiferentes aos assuntos de té se
deixam interessar por estes em ocasiões oportunas que a Provi-
dência Divina náo deixa de suscitar (ocasiões em que o homem
se torna sincero consigo mesmo, pois toca o fundo do seu ser) .
e preciso, pois, tenha o apóstolo cristão confianç1\ no valor e
na eficãcia da Palavra de Deus. que o Senhor QUis confiar a
seu zelo , Ê necessário que não se deixe levar rlo tritL"falismo
para o derrotismo ou para o Que se chamou éO complexo do
antltrlunfalismo:., ' ,
- 257-
2ti cPERCUNTE E RESPONDEREMOS,. 162/ 1973

3 . EstA claro, porém, Que o zelo apostólico do cristão de-


ve ser adaptado â realidade de nossos tempos. Evite rixas,
preconceitos, anatemntizações precipitadas ,. . O cristão deve
saber compreender tudo que haja de vãlido e bom nas novas
formas de vida do século XX . Deve saber despojar-se de coisas
que lhe são familiares e caras, mas em si secundárias, para poder
entrar no mundo de hoje como este é . Diz muito bem o Car-
deal Daniélou em seu estllo um tanto poético:
"Te",ol de nol opor, com uml rlCu,~ Iolal, 31 Itldo que nnle mundo
le'a anlag6nlco a Jaau. Crl.lo; mas, de oulro lado, devemos IlIlamunhar
um amor au" ntlco aludo qua .e'a o da.dobramanlo da c~i.çio da Ja.ua
Cristo M.la mundo, am cuJo coraÇ'o nos compele plantar a crUI" r'Amou.
ch Dle... 1111 ,poslolal", em "Le Ctlrl&l au monde" 1970, vol . XV, ", 4,
p . 303) .

4. Evangeli%oção e desenvolvimento

Além das razões teológicas, devem-Se levar em conta, na


problemática missionária, as preocupações suscitadas pela pro-
moção dos homens subdesenvolvidos . A promocão humana,
pcrgunta~se , não se poderia equiparar à evangelização? A:J
prementes necessidades flsicas de tantas criaturas ainda dei-
xam clima para se lhes falar de Deus?
o Santo Padre Paulo VI tem-se ocupado intensamente
com tais questões, principalmente em suas alocuções anuais
preparatórias do Dia das Missões . Abaixo tentaremos repro-
duzir o pensamento de S . Santidade expresso aos 5/ VI/70 (cf .
SEDOC. vol 3. n' 27, cals . 158-162) .
1. Procuremos, antes do mais, delimitar os conceitos .
Que vem a ser propriamente cevangeIl7.açâoa ?
"Por aY8nOBlluçlo entende-Ie a açlo prtlp~lamenle rellolosa, dedleadl
'0 In"nelo do R.I"" di DI... I, do Evangllho, como revelaqlo do de.lgnJQ
ulwlllco em Crlalo Sanhor, medlanle I açlo do E.plllto Slnlo, q.... encono
Ir. o aeu v.lculo no mlnl."rlo d. IgraJ., I SUl finalidade nl edlflça"io
di me.ml, e o .eu lermo na glória de Deu." (Ib . 159) .
E «desenvolvimento»?
"Por de.envolvlmenlo enlende.,• • prcmoçlo humana, eMI • lempora'
daquele. povo. qUI, em contalo com I clvlllzlçio moda,nl a com I Ilud.
qUI I.ta Itle. podl dar, lomam nova conecllnCla de ai e a. encaminham para
nlvel. luperlor•• de cultur. I prcaperldade" (Ih . 15gs) .

- 258-
A IGnEJA E MISSIONÁRIA? Z7

Como se vê, evangelização e promocão distlnguem-se niti-


damente uma da outra, A primeira é uma atividade propria-
mente religiosa, ao passo que a segunda. se situa no plano
humano, civil e temporal, O cl'istão nâo está evangelizando,
a inda que se encontre em territórIo de missão, caso se contente
cem tl'abalho em ptano meramente humano ,
Embora distintas entre si, evangelização e promoção estão
longe de se excluir mutuamente. Ao contrário, elas se com-
plementam, constituindo um todo sIntético . O apóstolo cristão,
de um lado, não pode deixar de «procurar levar a todos os
homens a luz da fê, regenera-los por melo do batismo, associá-
-los ao Corpo Místico de Cristo, à Igreja, educá-los para a vida
cristã e Infundir-lhes a esperança da vida ult~aterrena :t . De
outro Jado, o mesmo crist,ão «não pode esQu~r a solene !lçáo
do Evangelho sobre o amor ao próximo sofredor e necessitado.
(ib . • col. 160) .

2 . Põe-se, porém, a questão: das duas grandes atividades,


qua l a Que ocupa O primeiro lugar na escala dos valores inten-
cionados por Deus?
- A resposta é assim encaminhada por Paulo VI :
"t md"c:utl,el que. ellvldade ml.,lo",,11 I,"" por fim, an", d. tudo.
• 8vangellllçlo, d .....ndo manle, 1511 p,lorldld., quer 111 concepç&o qUI
I In.plta, qu., nee modos como' organizada. 'lI.rclell" .

E continua de maneira enfãtlca:


"A ,Ilvldlde ml.. lombla perderia a ,"UI! Iu.lo de ' l i .e I••:....... do
.ixo religioso GU' e . u,'enta acima de tudo, o Reino de Deu• . ,. e"lenellde
em sentldo verllcal, leol~glco e religioso, qUI liberta o hol'ftl"' do plcade.
Ihl apretenla o I mor como maMamenlo l upr.mo I a ,Idl el,,,,1 como
destino último" (lb ., colo 159) ,

3 . Acontece, porém, que a prioridade da evangelizacão na


escala dos va.lores não exclui que os primeiros contatos com
uma população não cristã, em alguns casos, se taçam mediante
o emprego rle meios de ordem temporal ou promocional. Este
serviçO humano possibilita wn relacionamento cordial ou fra-
terno entre o apóstolo e os não cristãos, abrindo o caminho
para contatos na linha da fé ,
Deve-se lembrar também - continua oS, Padre - que
a comunlcac.ão do Evangelho de Cristo pode ter lugar não s0-
mente mediante pregac5es, aulas de catequese e a.tos de culto,
- 259-
28 «PERGUN.TE E RESPONDEREMOS. 162/ 1973

mas igualmente através do contato humano Que Se estabelece


em escolas, hospitais, na assistência social e na educação dos
jovens ou adultos para o exercício de determinada -profissão .
De maneira especial, os fiéis leigos são chamados a evangelizai'
através do desempenho de suas funções seculares; o Concilio
do Vaticano II l'eCOrdOU que os leigos são chamados a «pro-
curar o Reino de Deus precisamente através da gerência das
coisas temporais.; «podem e mesmo devem, ainda Quando se
entregam às suas tarefas de ordem temporal, exercer uma acão
preciosa para a evnngellzação do mundo» (Const , cLumer.
Gentlum. n' 31 C 35) .
Requer-se, pois, que o apóstolo de Cristo - sacerdote ou
leigo - avalie devidamente cada uma das situacres em que se
veja colocado e procure atender eficazmente às necessidades
de seus irmãos - necessidades espirituais e materiais . Em
conseqüência, evangellzacão e promoçãc>, em muitos casos, se
exel'Cerão simultaneamente .
4. Observe-se ainda: pode-se crer (fora eventuajs exC€-
çóes) que os homens não tém menOs necessidade de Dc-us e do
pão da Palavra do que do pão do corpO; o ser humano não é
mero anJmal vegetativo e sensitivo, mas é também um vivente
racional, para quem as questões «por Quê! .. , «para que? , «don-
de! " «para onde?», " têm valor capital. Mesmo O indigente
encontra seu eixo ou a razão de ser de sua vida na oração
ao Pai Celeste. O contato com Deus é caracteristico do ho-
mem desde que este ê homem n a 'h istória; elevar-se a Deus
eorresponde a uma das asplracões e necessidades mais genuinas
da natureza humana.
Estas observações se comprovam pelos seguintes fatos : se
os homens subdesenvolvidos não são levados ao Evangelho,
delxam-se facilmente ntrair pelas pseudomistlcss do espiritis-
mo ou das mais recentes seitas protestantes. Os arautos do
protestantismo não hesitam em pregar o Evangelho aos mais
Indigentes dos seus innáos, Que lhes dão acolhida grata e en-
tusiasta (tenha-se em vista a extraordinária propagação do
pentecostalisrno nas classes mais humildes de nossa popula-
cão ) . Os mensageiros catõ!ioos podem apreciar o deslemor na
pregação e a confiança na eficácia da Palavra de Deus que
animam os irmâos separados.
Evangelizar é, pois, elevado a to de caridade . Omitir a evan-
il'elização, sob Qualquer pretexto que seja, vem a ser grave
detrimento ao amOr fraterno.
- 260
A IGREJA Ê MISSIONARIA? 29

5. Cristãos anônimos
Sobre a tese dos «cristãos anOntmos:t, podem·se fazer as
seguintes ponderações:
Tal tese é fruto de equivoco cu de otimismo excessivo: Em
todo homem exIste, sim, uma natureza racional apta a receber
a graça de Deus através do Evangelho (trata-se de mera apti-
dão: a natureza racional ó capaz de receber a graça ou a fUla-
ção dIvina) . A graça, porém, não é simplesmente a natureza
aperfeiçoada ou levada ao seu auge natural; a graça é de ordem
sobrenatural. O Que quer dizer: ela implica uma elevação da
natureza acima de si mesma; ela tprna o homem participante
da vida divina (cf . 2 Pe 1,4) e .desfinado a ver a Deus face--a-
-face (cf. 1 Cor 13,12: 1 Jo 3,2).
De resto, notam os comentadores da tese dos cristãos
anônimOS:t c;uc os seu arautos carecem de base escriturlstlca;
não tentam mes mo fornecer argumentação biblica para as suas
irlélas; partem apenas do que lhes parece ser «principias tecr
lóglcos:t .
Em sumo, pois, pode-sc dizer que evangelização é mais do
que descoberta de um nome, é mais do que . tornar os homens
conscientes de uma realidade que eles jã possuem inconsclente-
mente:t. E'Inn~elizaç50 é um principio de elevação ontológica;
c a comunicação de uma nova natureza ou de um novo ser à
criatura humana : . Vede com que amor nos amou o Pai, ao
Querer que fôssemos chamados filhos .de Deus. E de fato o
somos!~ (1 Jo 3,1) ,

Bibliografia:
A revl~til '·La Çhrlst au monde", que aparece em quatro adições (Ir.o·
cesa, inglesa. aspll nhola e lIallana). vim trala ndo do assunto (mlaslo hoje)
com ~otAvor rlQ uez.a de documontos e dados históricos . Aparece blmes·
tralmente, lendo por endereço: Via G. Nlcolera, 31, 00195 Roma, 116na.
, a llamen te Instrutivo o matlrla' apresentado nos .rtlgos disse p&llód lco
com relo rência tanto aos palses de mlsslo como t.. naçOes tradicional·
men:. crlstDs .
Sobre os ·'crlstlos a nônimos'·. lela'le:
K. Rahne" "Schrlllen IUf Theologle" I. VI. Elnsiedeln 1965 (Iavor'-
vat .. tlsa) .
Hendrlk Nys. "La talul sans t·'v. ngU ... . Paris 1965 {tavor'vtll ... l .
F. X. Durrwall, "La lalut p.r t"vangUe" (réplica ao livro anterior) na
revista "Splrllus" vai . 32, dezembro 1967, pp . 380·395.
P. SI85...', "lei Chrétlanl a nonymos", em "La Chllsl au monde" vai .
XIII, 19118, p . 2545 (o aulor faz reservas A teu dos c. an.).

- 261-
30 " PERGUNTE E RESPONDEREMOS ~ 162/1973

Jean Aennes, em " lhe Internatlonal Re'llew 01 Mlsslons", vol. 57. lan .
1968. p . 128 (recenlio e critica do livro de Nys),
Aqui no Brasil, sej_ mencionada a poslçi o lavorável assumida por
Leon.rdo Bolf no 11"" 0 "Jeaul Cri sto Libertado r " , Petró polis 1972. pp .
2õS-285.

carta aos amigos
Jerusalém, 12 de maio de 1973
uaros leitorc...,
Os amigos permU.lriío 'Iue. em lugar da ha.bitua.1 resenha
de livros que encerra. cada lascícuio de PR, seja. aqui colocada.
uma resenha de Rconteelmcntos e impressões desta. Terra. Santa.,
onde, por graça de Deus, me encontro dcs:tle marco I'P., num
cstâ.gio de reciclagem necessária e altamente profícull.
HeaJmente viver com ealma e profundlda.de na Terl'a em
que se desenrolaram os bFf'andes reitos da Redencão do gênero
humano, é presente (]o céu, I,reeloso, inestlmã.\'el. '. Solldando
as riquezas dess-e presente, va.mos hoje continuar as reflexões
iniciadas em PR de maIo pp. Quatro pontos muito me têm
Impressionado ultimamente:
1) Como ó óbvio, na. Terra Santa. a Bíblia fala. com ênfase
I)artlcular. Os cenários geográficos, os :reinos, as cidades, os
I)ersonagens que ela menciona., tomam-se como que redivivos
30 peregrino e estudioso; os nomes complicados e de sabor orien-
tai que ela encerra? perdem todo possível eolorido mitológico ou
lendârlo, para tornar-se rulidade pujante e pugente: os qua-
dros bibliCOSt com sua mensagem, entram pelos ornos e os sen-
tidos do obsenoador,
Ao norte u. GRlllélD, assinalada. por seu lago grandioso, suas
monta.nhas de traçados suaves, seus monumentos e santuários,
fala. muito da infância. traqüila do Senhor Jcsus em Nu.ré,
onde 1\18.rla e José lhe BS.lõlstlam. como também comunica de
no\'o modo a alegria. que a Boa~Nova. velo despertnr nos homens
I!ua.ndo Jesus a. anunciou em Ca.fa.rnaum, em Caná, em Naím,
(: rn <.:esaréla de FlUpe .. , _ Ao sul, & Judéia, com 8. sua. grande
cidade de Jerusalém, fl\7. contraste, pois se reveste de austeri-
dade . .. O deserto está I)(!rto e, com ele, o lUar Morto, a quase
-t00 m a.baixo do nlvel do mar, região de calor lJe8ado e Inós-
!)ito, JenlsaJém é mnrcn,l& pelos sinais da disputa e dos vai-e·vem
da história. Sente-se bem que os PO\'OS afluíram Incessnntemen~
(ConUnu" nl1 plÍg. Z'ltt)

- 262-
Na atual renovaçio da tgraJa :

romarias e peregrinações justificam-se?

Em .(nle.l: ...s romaria. ou perellrlnlçOol'l 510 uma lorma de piedade


luJalta .. dasvlrtuamantos (exploraçio comerciai, turlamo ... l, em consaqQ'n·
ela dos Quais muitos modernos meSlres da elplrltualldada 11m perdido a
estima por tais formas devoclonals .
Todavia as peregrlnaç!!es têm lorl8 lundamanlo na Escritura Sagrada
(Ienham-H em mente os .antuãrlos de Jerusar'm, Belel, DI ... ) e na Tradl·
çlo crlall . COrrespon.clem a um movimento espolllAneo do homem religioso
e, em particular, do crls t'o . Nlo se deveria. pois. pleitear a extlnçlo dessa
forma de piedade, de que o povo de Oeus tem necessIdade, mil, .Im, dlr
fund amentaçAo teológ ica e mfstJca às romarias, de moela a conHrvé--las
em nlvel estritamente c(lslIo e evitar o seu eles"Ylrtuamenlo . Para ,e obter
essa obJatlvo, recomendam-se algumas alilude. c:arllcterlstlca. cio autêntico
peregrino: amor a Deus e ao próximo, penlt6ncla B oreçAo .
Quanlo aos santuários de origem hoje em dia discutida, a 19raJa nlo
lez que.IA.o de allrmar aua autentlcideda (outrora nAo 81a dlacultde a qulS-
110)_ Poderio deixar d. Nr procurados pelos lIels. O que Importe, por'm,
• que e piedade do cristlo pau" ler &empra suas lormu $enslvels 11 OIto-
doIa. de ellpsnalo.

-. -
Comentário: Após o Concilio do Vaticano n (1962-65). os
mestres têm procurado dar fundamentação maJs sólida à pie-
dade cristã, Em conseqüência, a leitura e meditação da Blblia
têm tomado grande Incremento entre os fiéis católicos. Ao
contrário, as formas de piedade de Indole mais popular t@m sido
postas à margem em alguns ambientes (às vezes, de maneira
um tanto rlrâsUca. de modo a deixar os fiéis mais simples desti-
tuldos de alimento espiritual) _
Entre as expressões clássicas da fé cristã, estão as rama.
rias ou peregrinações . Estas costumam ser realizadas até hoje
com freqüência e notória participação dos riéis; em grande nú-
mero e com fervor as caravanas se dirigem aos principais san-
tuários do Brasil, destacando--se em primeiro lugar- o de Apare-
cida do Norte (SP) _
t: evidente que tais romarias têm beneficiado profunda-
mente os fiéis católicos e poderão continuar a fazê-Io, Todavia,
já que tais atos de piedade hão de ser considerados em pers-

- 263-
:32 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 162/ 1973

pcctiva teológica, a fim de não se desvirtuarem, proporemos


abaIxo algumas reflexões que visam a tornar ainda mais fru-
tuosas as romarIas do povo de Deus.
A respeito já publicamos algo em PR 24( 1959, pp. 521-528.

1. Fundamento doutrinário
A E.'iCritura Sagrada dá a ver Que Deus Quis, desde re-
motas épocas, tornar-se presente de maneira sensivel aos hQoo
mens, assinalando certos lugares com testemunhos de sua
presença e sua misericórdia. Tais foram os santuárIos do
Ant!go Testamento: Jerusalém, Betel, Dã ...
No Novo Testamento ou após a vinda de Cristo, continua
haver lugares em que n ação de Deus parece patentear· se de
fi
maneira mais flagrante: tais são
_ as terras e cidades em que Jesus Cristo realizou sua
obra de Encarnação, pregação e Redenção: a Terra Santa e
<reus santuâl'los;
_ as cidades em que viveram ou labutarnm os grandes
S<lntos: Assis, Ars, Lisieux, Avila ... ;
_ as cidndes em que se n~hem famosos despojos ou reli-
quins dos santos: Roma, Compostela;
_ os locais em que, com <:erto Cundamento (embora não
ccrte7J\ dr fé), se crê que apareceu o Senhor J esus ou a VIl'-
gem SS.: Paray-Le--Monlal, Aparecida do Norte, Fãtima, Lour-
des , La S..... lctte . ..
Em tais lugares (cidades ou santuários) Deus se deu uma
vez. a reconhecer em termos mais evidentes, visto QU~ o hQoo
mem, sendo criatura psicossomática, necessita de maniresta-
ções, a fim de que pela percepção dos elementos visíveis se eleve
a contemplação dos bens Jnvlsl veis, Pode-se crer que Deus con-
tinue a. se patentear ní, derramando graças sobre as pessoas
Que lã vão orar: graças principalmente de ordem espiritual
(conversõ<>s do pecRdo à autêntica vida cristã, afervoramento
de almas tlbias ... ) e também graças de teor material (cura
de doenças, paralisias, êxito em determinado empreendimen-
to ... ) .
- 264-
_ _--"AS PEREGRINACOES NA PIEDADE CRISTA. 33

Ora, desde que alguém julgue dever reconhecer Que real-


mente em tais lugares Deus quer comunicar maJs amplamente
os seus dons aos homens, comprende-se que tal pessoa procure
esses santuários para ai adorar a Deus e impetrar os beneficios
espirituais e temporais de que precise. O Senhor, em sua sabe-
doria, quer assim proporcionar às crIaturas ocasiões de se con-
verterem, emendarem a sua vida e se afervorarem.
Partindo de outro principio, pode-se dizer: «Procurar a
Deus_ sempre foi o programa do homem religioso de qualquer
credo. Essa procura de Deus taz-se. antes do mais, no plano
espiritual, pois o Senhor ê Esplrito e é com o esplrito que o
homem o atinge . Entende-se, porém, que os 'homens procurem
a Deus tam~m no plano fIslco ou visível, pois a criatura hu-
mana esté vinculada aos sinais materiais .
Tais considerações explicam que, desde os primeiros sé-
culos, os cristãos tenham praticado peregrinações: Jerusalém
e os lugares da vida terrestre de Jesus, Roma, lUeso, Tours
(Gâlla) . .. foram lugares em que Deus e os homens se encon-
traram mais sensivelmente nOs antigos tempos •.. Hole estes e
outros locais são ainda marcados pelo testemunho da benevo-
lência divina: por isto merecem :Igua!mente o apreço dos cris-
tãos do séc. XX.
Assim posta a base teológica das chamadas .rromarias, ou
peregrinações, indagamos:

2. Como serei romeiro?


o que hoje talvez lance o descrédito sobre as peregrlno.-
cães, é o Cato de que muitas pessoas não as executam mais em
esp;rito religioso: as peregrinacóes tornaram-se náo raro via-
gens de turismo; junto aos santuãrios, encontram-se comer-
ciantes que procuram explorar ao máximo a oportunidade de
vender suas mercadorias; espalhafatos e exterioridades sufocam
o espírito religioso dos peregrinos . Acontece, de outro lado,
que muito!; empreendem peregrinações levados por Idéias um
tanto supersticiosas, julgando que no santuário serão QUase
magicamente beneficiados pelo Santo ou a Santa de sua de-
voção.
Por isto requer-se, da parte das autoridades religiosas e
dos próprios peregrinos, zelo e vigilância, a fim de que não se
-265 -
34 .cPERGUNTE E RESPONDEREMOS. 162/1973

ciesvirtue a prâUca das pcregrinacõcs, mas, ao contrário, S~


corrobore O espírito religioso dos que as empreendem,
Eis, em conseqüência, algumas das exigências que o autên-
tico peregrino deve impor a si mesmo :

1) Partir em lodo. a aecepção da palavra. Tooa viagem


(qualquel' que seja o seu motivo) predispõe psicologicamente o
homem a ser mais verdadeiramente ele mesmo; fazendo-o mu-
dar de ambiente, liberta-o da rotina ou de hábitos e convenções
que podem ser verdadeiras amarras em seu quadro de ' vida
colldiano .
Ora a percgl'inação, sendo uma viagem, deve ser também
uma libertação, libertação do cristão em relação ao seu esp:-
rito rotineiro , O peregrino deve colocar-se em atitude de fervor
e de disponibilidade par-a Deus e os homens.

Muitas vezes, em peregrinação tem·se observado o seguinte


fato: pessoas Que, dias antes, se mostravam fechadas, prontas
a se defender contra o próximo e a convivência fraterna, mu-
daram por completo; bastou-lhes par a tanto sair de seu habitual
quadro de vIda; tornaram·se surpreendemente generosas em
suas palavras e em seus atos .
2) Uma genuina peregrinaçüo comporta sempre uma. certa
enmlnha-da..
Verdade é Que transportes confortáveis podem levar os
Interessados aos principais santuários da Europa e da América;
não é autêntico peregrino, porém, aquele que se esquece de
fazer parte da estrada 8. pé. Um peregrino é sempre um pouco
viandante, como Cristo Col viandante nas estradas da Palestina
e os medievais eram caminheiros nas diversas vias da Europa,
1!: para desejar. portnnto, que os veículos transportadores de
peregrinos em nos.c;os dias se detenham definitivamente a certa
distância da cidade santa ou do santuãrio, termo da peregri-
nação,
E por que se deve desejar que os romeiros percorram a pé
parte do seu caminho ? .
_ Não porque o caminhar seja finalidade em si, mas por
causa de um terceiro elemento inerente n toda genuina flercgrl~
noção:
- 266 -
AS PEREGRINACOES NA PIEDADE CRISTÁ 35

3) Penitêncl:J.. Quem caminha expõe.se ao cansaco, ao sol,


à chuva, à lome e à sede; desta forma, penitencla-se e purifica-
·se (lsto é, liberta-se dos resquicios de comodismo e covardia
que caracterizam o _velho homem»).
De modo gemi, não hã verdadeira peregrinação sem um
minimo de ascese. Isto quer dizer que carece de espirito pere-
grino o viajante que, de bolsos cheios, procura bons albergues,
pratos finos e bebidas famosas; o genuíno viandante de Cristo
deve dispor-se a comer e beber sobriamente e dormir pobre-
mente, se necessário.
Aliás, as peregrinações suscitam geralmente numerosas
ocasiões de praticar virtudes mortificantes, comO abnegação,
pobreza, simplicidade... Por Isto outrora os novicos da Com-
panhia de Jesus eram obrigados a fazer a cexperiêncla da pe-
regrinação.: durante algumas semanas deviam, em pequenos
grupos, percorrer estradas Que levassem a algum santuário . O
Pe . Mestre lhes entregava uma lista de casas religiosas onde
poderiam pedir hospitalldade ... Assim se exercitavam os jo-
vens no domlnlo de si e na renuncia . No decorrer dos tempos,
porém, as circunstâncias da vida tornaram esse exercido assaz
difícil ou mesmo ine-xeql.livel.
4) Amor fraterno . As peregrinaçõcs nã() são a tos de de-
voção individuaI. mas, sim, comunitária. Os peregrinos devem
constituir uma comunldade coesa entre si. Isto exige que cada
romeiro pense em seus companheiros e procure presta.r a cada
um os oficlo.o; d ~ C9ridade que lhe estiverem ao alcance ,
Em viagem e, mais ainda, nos lugares santos os peregrinos
fazem a experiência viva do que é a Igreja Católica: postos em
presen~a de Irmãos provenientes das mais diversas regiões.
portadores de seus trajes: caracterlstlcos, os fiéis têm a ocasião
de perceber o que é o Corpo Místico de Cristo e tomam cons-
ciência do que é ser filho da S. Igreja Católica . O estimulo e o
exemplo dados ~10 próximo não pode deixar de beneficiar
valiosamente cada um dos peregrinos.
5) Enfim. a exigência máxima Que se impõe ao peregri.no,
ê a. orução .
Os numerosos preparativos de viagem, o inevitável vozerio
e a alegria ruidosa das aglomerações, as grandes solenidades
podem cOnstituir uma ameaça para o espirito de união com
Deus e de contemplação . l: preciso, porém, que cada peregrino
-267-
3G ,P~RÇ~NTE _l-::_-'!ESl~NU.E::HE:MOS.> IG:l/1 973 _ __

se compenetre de que ele se pôs a caminho exclusivamente para


procurar a Deus ; o Que the Interessa. em sua _aventura» reli-
giosa, é converter-se um pouco mais ao Senhor; por isto saberâ.
observar método e disciplina qUe lhe permitam realmente oral',
confessar-se e comungnr por ocasião de sua peregrinação .
Pode um peregrino pôr·se a caminho de algum santuário no
intuito de obter determinada graca temporal como a cura de
uma doença , ~ licito, sim, '8.0S filhos de Deus pedir ao PaI o
pão nosso de cada dia (pão que supõe ou inclui saúde- e bens
temporais) . Todavia é preciso que o cristão saiba apreciar as
graças da alma mais ainda do que 85 do corpo, Ao pedir bens
temporais, peça sempre e ardentemente a maior de todas as
graças, que é a conversão do esplrito, a mudança de vida, o
amor generoso a Deus e ao próximo , A experiência ensina que
o Senhor Deus náo frustra as expectativas daq ueles que O
procuram devotamente através d'a s estradas desta vida .
Assim explanadas as exigências que se Impõem ao genuíno
peregrino, vem a pl'opóslto uma bela passagem de Henrl Enge~­
mann:
"H i, portento, na lerra lugale. privilegiados em que a p:esença do
Deus se lez, li conllnul I Iflzer-'I, m.l. langlvel. Em algunl ponto. do
i!'spaço e do lampo, ... 101 levantad. uma ponta do v.u que nOI encObre
O DeuI Ir., 'Iel" IInto, o Deu. li!'r.'I'Ielmenle 'oculto'. , precllo crelamol
que •• se. lug.re. til) ',anlos' e qUI a InlelaUva, mullo pessoa' e lolal·
mente gr.\!.lIta, di Ceul em demanda do homem nos Incita a pOr-nol 11
caminho par. O Incontrarm" . A pereg.lnttÇ'o • um de.ses lugare. ou um
de,", momentos em que o c'u loea a lerra.

o ,!Ua nOl Imp,do d, c;oloçar-nos a caminho, • la'vll D nOl •• Iilltíl


d. humildade . O. 'e'penos' (mallns) di que 1:11• .,1 peguy (l'Ioje dirl.mos
' OI Inlel8<:lu.I,') caçoam Ilcltmlntl di' peregrlnaç;6ea I da .imploli-.:lada
t:ou. 'conldll aos lugDfes ••nIOS' . T.lvlz loese oportuno lembrar-lhes qua
Oucarte., querendo agndlclr I Deul I de.cober11 do 'Pl!nlO, porllnlo
adllo', 'e.l a pl.eg:inlllçlo di NOIIJD Senhora Oe L.o relo, I l e ajoelhou
multo devolamlnll no mlnno lugar em que, anos antes, .e :ajoelhara
Montalsne .

OI Ino!llaclul" .e benollc l.nlam - nós lodo, nos bellClielallam03


f~lendo o que Madlllm* Pétler no. relere a '~p.lto doa uUlmo. IlnOS d*
Pascal:
'J. que nlo podia Ita!utl har, o IlIa principal dFvel11menlo era o de
Ir ,Isltar ai IgreJas e m quo havia rellqlllh exposla, ou alguma solenidade;
para lan10, ele pOli lula um IlmanaQue rellglolo que o In/armava a propó-
.lto do. lugarel em que hlvla elpecl.13 pr6"caa de devoçio õ ele realiza,.
1110 ludo tio de,otl e .1mpl..",enle que aquelas que o ,Iam flcavl :n aur·
p ...IO_ .. . '

- 268-
E nollt-Ie qu. foi ule Pascal ptregrlno quem procJamou qu. 'Ioda •
de.gr.ç. cios homen, prov6m cI, uma .6 coisa: nio .abem ptrmlnecet em
repoulIG num qUI.,o'" ("Pele,lna;,,", col . "J, .ahoJe crol''' . Parti UI5'.
p . 15) .
Engelmann, no texto acima, sugere a falta de humildade
como uma das causas que detém os homens de empreender pe-
regrinações aos lugares santos . .. Na verdade, o espirlto dos
inte~ectuals (Engelmann cita Pascal, Montaigne, Descartes),
como o esplrito <1a gente simples, precisa de expansões rellglo·
sas viva.c; e espontâneas pois o ser humano quer naturalmente
vibrar diante de Deus com uma afetividade sadia. 1; impossível
(Iuerer reduzir a piedade dos fiéis em geral apenas a atos da
Liturgia oficial da Igreja (sacramentos e alguns sacramentais);
essa redução sufocaria simplesmente a vida de oração de mui·
tos católicos . O que importa, é suprimir os desvios que se
tenham Introdu21do nas peregrinações (entre os quais. uma
comercialização exagerada), e tornar os fiels cada vez mais
conscientes. do prOfundo significado religioso CJue tem uma
au~ritlca romaria. Quem assim Instrui o pOvo de Deus, pode
<!.judâ-lo a ser autêntico peregrino ou a Ir visitar os lugares
sagrados para ai ornr mais devotamente.

3. E os scntu6rios historiccmente duvidosos?


Certos santuãrios tiveram origem em rela tos de fenõm~
nos maravilhosos (aparições ou milagres ... ). Alguns desses
relatos são hoje controvertidos, a ponto que certos historladc;
res os consideram como espúrios ou não históricos. Tal é o
caso do santuârlo da Vi(l{em SS. em Loreto. que teria sido
trasladado do Oriente pelOS anJosj .. . é também o caso da.
«Scala Santu, escada do pretório de Pilatos que ha.veria sido
maravilhosamente transportada para Roma .
Tais relatos foram concebidos pela piedade pOpular dos
medievais com toda a boa fé . Ninguém duvidava de sua auten-
ticidade. Por Isto é qUe surgiram os santuários referentes a
essas CrOnicas .
AS. Igreja incentivou a devoção a tais santuãrios sem
jamais se definir sobre os pretensos feitos mila~sos Que lhes
deram origem . As peregrinações a tais santuários ocasionaram
numerosos beneficios espirituais e corporais para os fiéis; eram
um fator de afervoramento do povo de Deus. O Senhor cor-
respondeu às preces dos fiéis realizadas em tais lugares. Era

-269 -
3K .. PI~!.~ ~~~~T~'; _ .!'!2V"::'I) I'O~!~IU~:IC~.~": _}~~~I !)J~__ _ _

isto o que as autol'i dac.l~ eclesiásticas Unham em vista ao pa,


trocinar as peregrinacôes a Loreto ou a subida da ... Scala
Santa» .
Em nossos dias, quando se lançam serias duvidas sobre a
autencidade dos mencionados santuãrios, a S . Igreja não
oeu lta lul sltuaçõo <tOs seus (ieis, pois a piedade hã de ser ba-
seada na verdade e n50 na vã fantasia . Por conseguinte, se os
fiéis católicos mais esc!nrccldos abo.ndonam a devoção a Loreto
e à eScala santa., ninguém os pod@ censurar; aS. Igreja, po-
rém, até hoje não exti nguiu as peregrinacôes a esses lugares
santos não porque ainda deseje insinuar a autenticidade dos re-
latos controvertidos, mas porque tais peregrinações ainda são
ocasiâo para que se arervore o povo d@ Deus, l: possível que no
decorrer do tempo seja m $upressas tais devoções popul-ares (a
Liturgia oficial da Igreja, aliás, já suprimiu nos últimos anos
fcoStas de origem controve rti.da), O que Interessa à S . Igreja,
não é a aparicâo (como tal) de Nossa Senhora neste ou naquele
santuârio, mas a ora.çii.o e o rervor qUI! têm lugar em tal san-
tuárIo ,
A respeito do santuário de Loreto, veja-se- PR 12/ 1958, pp.
508.514.

A. BeckhiLusI', " Os i5anluêrios, manileSleçOes do Ml$ téllo de CrISlO",


em " REB", '101. 30 (1970), pp . 3g2·395.

H. Engelmll.n n, "P~ la ,i nagas", col. "Ja sais.Je crols" n9 .(3, Paris 195;.

P. Dallonl.lnes, "GAographle ,I Rallgions" . Paris 1948.


R. POlIssel, "lei p'lerinages • traver. les slêcles·'. Paris 1954.

J. Fo lII~t, "li s plrltu.tlt6 de la 'oule". Paris 193; .


J . Medlule, "Pêlerinll c omme nos pêros" . Paris 1959 .

- 270-
Na escola da história:

os antigos cristãos batizavam crianças?

Em Ilnlnl: O presente 1"lgo epresenta OI princlpeis teslemunhos de


blspOI, escritores e epltaJlos dos léc . lI/IV em lavor do Batismo dn.
crianças . Insi nuam que este constltula uma prl)te tio anllga quanto a prO.
prla geraçlo dos Ap6stolos; " pois, a e)técuçio genuln. da mente do
Senhor Jas us, que quis usoerar, via de norma, o ranascer da água e do
Esplrllo com a ulvaçao eterna (el, Jo 3,5). As crianças alo balizadas em
vista de I. da Santa Mie Igreja, luflclente para que nlo fiquem prlvadu
da graça .antlflcante ai. o uso da tazlo.
A titulo de complemento necessário, deve-ae dizer ainda qua os ta~
logos roconhecam hoje em dia o valor aelvlllco do Sallsmo de deselo ou do
desejo (explicito ou apena. Impllclto) de Batismo por parta da pelicas que
nlo poliam racebar o Batis mo de 6;uI.

• • •
Comentário: Jé. em PR 129/ 1970, pp. 382-397 e 140/1971,
pp . 347-356, abordamos a questão da oportunidade de batizar
crianças. Depois de ter exposto os textos do Novo Testamento
concernentes ao assunto, propomos asora os testemunhos dos
antigos escritores da Igreja: têm valor especial, porque fazem
eco imediato a quanto disseram e fizeram os Apóstolos e o
próprio J esus. :e óbviO' que os escritos do Novo Testamento,
referindo 00 primeiro anúncio do Evangelho a judeus e pagãos,
não podiam supor famiUas cristãs e o batismo dos respectivos.
filhos. Somente nas gerações posteriores ao âmbito do Novo
Testamento é que se pode esperar encontrar testemunhos de
ba.~smo de crianças .

Pergunta-se, pois, com grande interesse: Será que real-


mente as famlllas cristãs batizavam outrora os seus fUhos? Ou
será o batismo de crianças uma instituiçã.o tardla e desproposl~
tada da Igreja? .
Os documentos respectivos serão propostos e brevementE"
comentados segundo a devida ordem cronológica.
- 271-
40 " Pf!:!!9 ~ti~E E RESPONDEREMOS~ 162/191'E.3_ __

1J Sá:t Policarpo, bi!po de Esmima na Asia Menor


It 1671
As cAtas do Marlirio de Policarpo» referem o interrogató-
rio que precedeu o martirlo, destacando-se ai o seglImte:
"JIi qUI o proc6n. ul In.lltla dlzlndo: 'Jura, I lU te Ilber1.II; amaldI-
çoa o Crl.IoI', Policarpo respondeu: 'HII oll8nla e ••1. anol que Ilrvo ao
C,I.lo, I ~ nunea me fez algo di mal; como entio poderl. lU ~ •• Iem.r
o meu 'li, aquell que ml ......0"'1· " (At•• n' 9).

Oitenta c seis anos ... Tnl d~vill Sf't' lt idade ;1proximativa


do ancião em 167 . Com efeito, entre 157 e 161, Policarpo em-
preendera uma viagem a Roma paro tratar com o Papa Ani-
ceto do calendário da celebração da paseoa. Ora tal viagem
não lhe teria sido possivcl, se então tivesse 80 anos ou mais.
«Servir a Cristo. ou «ser o servidor de Cristo. são ex-
pressões sinônimas de «ser batizado» na linguagem dos antigos
cristãos. Donde se depreende Que Policarpo recebeu o batismo
em sua primeira infância, ou seja, por volta do ano de 81; foi
discipulo dos Ap6sto:os, como refere S. Ireneu (Adv. Haer. m
3s) . Vê-se assim que a própria geração .dos Apóstolos adminis-
trava o sacramento às crianças.

2) São Justino, apologista cristão It 1651


Em sua «Apolog ia b dirigida em 150 ao Imperador Anto·
nino Pio em rnvor dos crlsl.ãos. dl7. S . JU'ôlino:
"M.Jto. homeM e mulh.r.. , .tualml"ll ••••g.".rIO. I Slptu.genllrlo••
lorem dlsclp",k)s de Cri.lo de.d. I .UI Inflnela e .e com.rv.m caslOI .
Tlnho o lJatbo di \1'0. cU., ....mploa dl.to em todas" cllsMa" .
«Ser discipulo de Crislo. é rórmula cquivnlente a «ser ba-
tizado., conforme S . Justíno mesmo (cf. «Diálogo com TriCão.
39, 2). o qual se baseia no texto de Mt 28.19: «De todos os
povos fazei discípulos, bn.tlmndo-os ...•
Por conseguinte, O depoimento de S. Justino nos atesta o
bntismo de crianças por volta de BO; 90 d. C.

3) Pollcrato, bispo de ~fe5o It cetl~· a de 190) :


Em 190 ou 191 este bispo escrevia ao Papa Vitor:
- 272-
ANTIGOS CRISI'AOS BATIZAVAM CRIANCAS? 41

"Ylyo l.gU&'ldO • Ifadlçlo d, meu. IIIIIIUItet, dOI qude l.,ul alguIII.


S.te membJOl d. minha ., __ ntel. forem bfl~ • •u .ou o oHavo . ..
Qu.1IIo • mim, portento. Innlo., t.nho .......... cinco .nos no 8.nhor'·
(a' "HI.t6rta da Igrefa" d, EUl6II1o Y, 24, ,,7).

Destas palavras pode--se depreender que PoJlcrato devia


descender de famUia profundamente cristã e que a sua adIan·
tada idade Indicava simuJtaneamente a data de seu nascimento
e a de seu batismo . Trata-se de suposição, . .. suposição. porém.
assaz provãvel .

4) S. Ireneu, bispo de liõo, na Gália (t cerca de 202)


Em seu volumoso escrito «Adversus Hacreses", datado de
ISO aproximadamente, diz S . lreneu:
"Crlllo ,lnlHJcou lod..... &d.d'l unindo. I' • rMlU,.u dOi hom'M .
Com .,.lto, nlo u 'v.r lodo. o. hom.nl: lodol aqu,'", cllgo, que renas-
cem (renascunlur, em D.uI por Crltto, paquenlnos • crl'nç". adolnc.nt..,
Ii fu pequenino .,It.
.dul~ • m.11 v.lhos . Foi por Itlo que EI. ptlrc:orntu todas .. Idtel. . .
OI pequlnlno., .. nUII~ o. p.qu.nlnot: crl.nça
,nlf, AI crlUlfU, 1I.lIIle.ndo .qu.re. que Unham a me.me fdlld." (11 U,.),

No verbo «renascuntur» do período acima há uma alusão


ao batismo I . S. Ireneu. portanto. atesta que o batismo se apli-
ca a todas as Idades, tanto à primeira como a todas as outras;
é justamente nessa universalidade do batismo que insiste a
frase: «todos aqueles, digo, qUê renasee'm em Deus por Cristo~ •

.5) «Tradição Apostólico » de Hipólito (redigida antes


d. 2151
Trata-se 00 uma coletânea de preceitos para a celebraçãc.t
do culto sagrado, redigida em grego na cidade de Roma no
inieio do sêc . m. Reproduz usos litúrgico!; anteriores, fa:zendo
o leitor retroceder ate a segunda metade do século n .
No tocante ao batismo, eis o que ai se lê:
"NCI mom.nlo lIfI'I. que o "tio canla, '.r· ••·' .m prlm.lro lug., ort.çl:J
lobre • 'gu ••••,. 'ou. con.nte d. fonla, ..,. 'ou. que desça dQ alio .

I' o que S . lrenlu mesmo Incute qu.ndo 8Icreve alhures: "Oendo a


seus dlselpulo. o poder da luar I8nalCer par. Oeu.s, dlzle·lhes Jesus: 'lde,
ensinai a IOOIS IS n. çoe., batIUlndo-u ... ' .. (11 17,1).

- 273-
42 <:PERCUNTE E RESPONDEREMOS ~ Hi2/1973

Till lIul a ClSa normll . TodlVla, desdi que haja nece.sldade urgente,
ullllzlr·'I·' a i!lua que SI e"cantlL O.. candldalo....e de,poJario de .. UII
" ...1151, e .. rio tlaUudOl prlmetrament.e o .. pequeninos . TodOl lIquelel que
pud.r."" '.Iu por el m..moe. 1.1.,io OUllllo àquele. que nio o pud.,.m.
o

MUI pai. 'a'arlo por e'.', ou algum de aeuI lam llla,.•. " lagulr, Nrio
batlzadOI OI hom.n., e por 11m .. mulher • • o . o"
A «Tradição Apostólica. prevê o batismo de crianças que
ainda não possam falar por não ter O uso da razão. Note-se
também que na cT radição Apo~t6Ilca . se trata do batismo s0-
lene conferjdo na noite de Páscoa e nãG do batismo adminis·
trado em perigo de morte Assim se depreende Que o costume
o

de batizar c rianças já era normal e codificado no $Cc 11. o

6J Sôo Cipriano, bispo de Cartago (f 258)


Em Cins de 211, S Cipriano escrevia uma carta ao bispo
o

Fidus, da Africa Setentrional, que o ~onsultara a respeito do


batismo das crianças.
Fidus ·não rejeitava o pedobatlsmo (batlsmo.de crianças),
mas julgava não poder batizar as crianças desde o primeiro dia
de sua existência Os motivos alegados não eram de índole
o

propriamente doutrinária., mas. sim, assaz secundârioso Com


efeito, Fldus lembrava Que a cirooncisão entre os judeus SÓ era
conferida no oitavo dia: por conseguinte, não se deveria ante-
cipar o batismo ... Mais ainda. dizia Fidus: a criança nos seus
primeiros dias tem aspecto repelente, de modo que ê dülcil os-
culá.la (como mandava o rito batismaJ da época) Donde o

conclula ser melhor protelar o batismo até Que o pequenino to-


masse configuracio mais atraente!
S CiprIano, tendo ouvido a opinião de seus colegas no
o

episcopado reunidos em Slnodo regional, resolveu incutir a Fi-


dus a praxe tradicional. Fazia-lhe ver que nâo se tem o direito
de recusar a quem Quer que seja, a graca de Deus, criando
obstáculo à salvação do próximo; existe entre as criaturas hu-
manas perfeita igualdade diante de Deus, sem preconceito de
idade E. a fim de ajudar a vencer a repugnãncia de Fidus,
o

Cipriano o Incitava a uma visão mais sobrenatural das coisas:


beijar uma criancinha vem a ser o mesmo que beijar as mãos
de Deus Que acabam de formar essa criancinha. Nem sequer é
necessérlo esperar os oito dias prescritos pelo Antigo Testa-
mento para a circuncisão. pois esta foi ab·rogada (como as de-
mais figuras do Antigo Testamento) peja realidade cristã.
Eis as palavras do santo bispo de Cartago:
- 274-
ANTIGOS CRISTAOS BATIZAVAM CRIANCAS? 43

"NO loeanla u erilnl;lS, db:es que nlo devem ser baUZld.. no Mlu~
do ou no t"celfo dia, ma. qua "rill nICl.. ',1o lomar como mod.lo I Itl
'nU;1 di clrcunc"lo e, por ccftHguln'., nlo balizar n..., lanl"lcar o ,ecfrn~
·nascldo InlH do allavo dia. NouI auembl6l1 p.MOU do modo 101allMnt.
dlw.,.o . O procedimento <tu. preconllu, 1110 obtave um lulrllglo; lodol
lomol di oplnl.o d. que Alo le d.vem '.CUI', • mllerlcórdle e • 9~'
dI OIUI I algu6m qUI vInha li .xlstlnell . O Senhor dlJ: no Eu"galho:
'O Filho do homem nlo velo para pelder I. almas. "' .. pll' ••lvé.lu'
eLc 9. SI) . Por consellulnte, n. mldlda em que de nós depende, rtIo da.
V8mOl perder .Ime .fgum• ...

Numl p.I.... ,.. I Escrllufl Otvlna nol motll. qlUl lodos. pequ.nlnos ou
PIIlO.. Idolls. ,.c.bem Igu.lmante o dom de D.uI . . . As dll./enÇII de
Idlld •• de e"alur. corpor.r ....,.m dl.nt. dOI homenl lpen... nlo diante
d. DtuI .. . O Elpirlto Slnlo é dldo IGullment• • lodol, nlo .egundo me.
dld, proporcionai a cado um. r.la~ segundo bondlde e bentvollncla pIler.
nll . Pois Deu. nlo '17. .cçep~lo n.m d. Idade n.m da plaloa (AI 10.34;
1 Pe 1.17). m.s. Ia dl.lrlbulr • gllÇI celea'_ • ., plre todo. ~ Plt que
repa"t de modo Igual.
ACt'.se.ntu, pOltm, que o p' d. um. crlln~., not prLm.lrol di..
::Ip6a o I.U nueimenlo. 1'110 , pUro. CIU"I ,epugnlncl. I quem o OIIcul• .
- N.m l.to d..... .. r obl16culo 11 que le lhe confira a greç. divina . N.
v.rdad•••• Ui .scrllo: 'Tlldo • puro pare OI qu. lia pUlOS' (TI 1.15) , NI,..
gu,," d ..... ler horror .0 que D,u$ se dignou da fazlr . .. A CI'lnçl nlo 6
tal qUe t. deva . . . ter horror dI I oleuler: e::ld. IJm de n6 •••0 belJ., o
Plqu.nlno, de .... pensar ... nu mias d. Deus, cf" qual ••Ie aç.b. d, a."
• que nó. b.tl.mot d. carta modo ne,.. ser humano r.c6m-lormado.
vindo 11 luz.. pai. Ib,Olçamo. li obra de O."s .
Quanto lO r'lo d. qu• • circuncido Judllca . e tdllllnl.tr...,1 no oitavo
di., era IsllO um slmbolo • c:Gmo que 11m esboço. uma IIgura. que s. d ....ia
cumprIr qu.1Ml0 via ... O Crllto .. . E... figura cellOU qUlndo V610 . . . .n·
dadl pl.nl, a qu.1 no. foi .ntr.gu. com e clrcunclllo "plrltull.
Por 1110 cremos que nlo se dav. Impedir e'gu'm d. receb.r a graça
seg.ndo a lei que foi . ,I.b.lecld.; JulGamos que • elrcunelllo .spltllull
nlo deve ser Impedld. pel. clrcuftClslo carnal, "'I' ou • • pr.clso admtttr
todo hom.m .. g'lça d. Cristo, porquanto P.dro ob..rv. nOl Ato. dOI
ApÓllaI4S: '0 Senho, ma di". que homem "gum d.vtl .. r ch.....ado .uJo
• Impuro' (10,21) , . .
EI. por qllO, 1""10 carl,. lmo, nOl' o eoncl1lo tol do alvll,. d. que
nlngdm da.....er por nó. at,slado do balllmo • d. graça de OeuI. que
p.r. com todos • mlse,lcol'd lo.o. b.ntvoto li mlnso" (.plIL 14).

71 Orígenas. mestre. pT"@gador em Alexonáric


(t 253/ 2541
Orígenes de Alexandria, tendo estado em Roma e na Pa-
lestina, é testemunha abalizada do pensamento e da praxe da
Igreja antiga. O depoimento desse escritor vem a ser parti·
culannente importante por afirmar Que o batismo das criancas
-275 -
44 cPERGUNTE_ E RESPONDEREMOSl> 1 ~Llº.73,-_ _

é algo de lnd1scutivel na Igreja, devendo ser atribuído aos pró-


prios Apóstolos . Ademais o mestre alexandrino justifica tal
costwne apelando para a existência de uma mancha original
nos pequeninos.
Eis as palavras do mestre:
"A crlll1lçl rec6nHluctdl podl ler pec.do' TCId.11 h' um p~do ...
do qUII nlnllu6m • ".nIO, mtMlO que ovtv. um CUI 16 (cC. Jó 14,4) . ! IM:
cr., qlM 0 .. 1 'al.1 dl..1 pecado quando dura: ' Minha mie ma concebeu
Im pecldo' (SI 50,n . Ora I hl,16rll nio rlltllr. piCadO I.,um da mie
d. Onl. Foi por CIVIII dH" pecldo qUI a Igreja recebeu dos ApOstolos
a Iflorçao d. dar o Ball:a:mo lOS pequeninos, Com "1110, aqUI'" I quln'l
forlm confll dOl o. mlst'rlo. dl"lnoa, .lbl~ qUI todo hom"" traz. Im ./,
ao nacer, • mlnchl do pecado qUI dl"l .Ir 11"ldo pela '81.11 I pilo
Elplrlto (cf. Jo 3,5)" (In Rom I. $, • pa 14, 1047)•

...... crl.nçu 110 bellllda. para o plrdio dos pecado, . OI qUI PI-
cadoa .. Irltl1 OUlndo pudlrlm 11111. plclr? Como .. podl lu.Ul/ca, o
b.Uamo d.. crll",a.. •• nlo a• •dmlla a InlarprltlçJo que acabamos de
álr: 'Hlngu'm , l'lnto di maneh., mumo qUI a IUI vida na tlrra dure
lpan .. um di.'? (el . J6 14,4). li porque a mancha com qUI nuclmos •
Iplgade pelo "'11I'rlo do bltls",~, que.. bltlzam mesmo IS crllnç.. ,
vlala que 'nlnllu6m podlrA enlr.r no Reino de Deu. s. nlo ren.lce: di
'!lua e do E.plrlto' (Jo 3,5)" (In I.c h . ,.,.

Orígenes assim atesta a consciência que a Igreja tinha no


sêe . III (e teria cada. véz mais claramente no decorrer dos tem-
pos), de que todos OS homens nascem herdeiros da nódoa ou
da perda qUe os primeiros pais contralram para si e todos os
seus descendentes (cf . Gén 3) , Os judeus anteriores a Cristo
sabiam que o mundo foi desordenado pelo pecado; todavia não
lhes era claro até que ponto essa desordem havia penetra.do
dentro do homem .
Os textos de Jó 14.4 e SI 50,7 citados por Origcm$ não
tinham, para os seUs leitores judeus, todo o significado que se
patenteou 80s leitores cristãos . A mancha mencionada por J6
c pelo salmista é entendida, no contexto judaico, em sentida
ritual (cf. Lev 15.19s; 12,25) . Contudo essa mancha ritual
estava, na realidade, associada a uma fraqueza moral e il uma
propensão para o pecado, que se vai manifestando na criança
à medida que cresce .

São Paulo, em Rom 5,12, desenvolveu genuinamente tais


concep: ões dando base explicita à doutrina cristã do pecado
originai, Convicto desta proposição de fé, Origenes ensina a
necessidade do batismo para todas as criancinhas.
-276 -
_ _~~ NTIGOS CRISTAOS BATIZAVAM CRIANCAS?

81 As inscri~ões funerárias dos séc. 111 ~ IV


OS epitáfios dos túmulos de crIanças, freqüentes em Roma
c na ltáila, redigidos tanto em grego como em latim, atestam,
por sua vez, o batismo de crianças, 1:: difícIl assinalar a data
precisa de cada uma dessas inscrições; todavia sabe-se que re-
cobre m os séc . 111 e IV , Não poucos desses epitáfios dizem
claramente. seja e m termos explícitos, seja em termos equiva-
lentes, que a c riança Coi batizada, que é um cfiel., um cne6fjt;o,;
em mais de um caso, pereebe-Se que o sacramento lhe loi
administrado em artigo de morte .
Tenham-se em vista os seguintes dizeres:
"Tlqu6, I IUI"I, vlvlU um ano, diz mo..s, quln.u dia.: recabeu (o
baUsmoJ aos 0110 dar:; CI'al'ldu . .. : entregou la alma) no Mama di,"
(Roma, .6c. 111).
" 4 FlAvia, dulclllln'- mlnlna, qUI recebe u I g raça da fonlo glorio...
d, moclo norma' no dia ,alular d. Piscoa, • •obrll1Jveu cinco IM'H 'PÓ'
o •• nlo batl.mo. VII,.u Ir" ano •• de.!: me ••• , ,.,e di ... . Flavlano e ArqlHto
'1.1,
111. , seus 98nllo .... , ti mui cara tlllllnhl .
Sepultura aos qui",. elas cal.nel" de .. lembro" (SaJona, "c , M ,
liA Jülla Florentina, multo .u....e • lnoeante criança, que .. tomou
,,1.1
Ilel, genltar mandou I.nr [.....pit"IO I. Hncld_ pagl ... ytgllll d.
non.. de março ao de,ponl.,. do dia, , .nelo Zolla co~lor da provlncla .
Tornou-'a na' de.l:Ollo m.... a .,Inta e dob dlll ma" larde, na olla.,. hora
da nalla, allel'ldo a pOl'lla de mOrrllr; SObfallivou ainda quatro horas, de-
IIorte que racebeu de novo o que • co.tumelro ', 5 morreu eln Hlbl~ no
.6l1mo dia da. caland .. da outubro, na primeira Ihora do dia. . . Sau corpO)
101 !IIIpultado com o cald o respectivo no ejllarfo dia da. non., de 01.11111"1-0,
paio . acerdol., lunlo lIOt m'rtlr"" (Calem', na Slcllla, Inicio do .'c . IV) .

"Aqui ra!>ou.. Fortúnla, qlJ8 viveu cerca de quatro anos. Seu-t. genl-
lorn mandaram colocar ( e.ta aplt6flo) em mem6"a da- .ua dulclh lma Inlla.
AacaMlu fo batismo) no elIIO dll . .. • 101 I ltfIuUalla no oItavo, dia di'
ealanda, de a"I,.lo, l ob c con. ullllo de (Jtaclano (t egunda "a1l:) e d4
Probo" (C'pu': ano da 371).

"Aejul Jaz Mauro, menino d. cinco anClI e Irll mesa.; r.C41bou [o ba.
IIsma I nl Idada de doi, GU IrIs anos, .,.., dia dI) nonall do 3,,~IO" (Aoma)_

" Cheia de Inoelnel., d. bortdada 9alNl·0.a a Adml""'al tlla,,'o. 1='16...10


"u"'lo Leo, ne6rrla, vlvau .. r. a_, oUo ma..., onze dia" RepoulClu am
",lU: no ".'0dia das 1'I0na. de Julho, .ob o COMl.lladG da Filipe e 56111.
Lao, .eu pai a ... lua lIanllor. manda -em '.er (elte túmulo) para •• 1.1
dutcllllmo ftlho e pera 'I mesmo," (Roma, ano da 3048).

10 vi4llco ou a S. ComunhAo.

- 277
46
----«PERGUN TE E RESPON DEREMOS.. 11;2/1973

""'qui Jaz Z6tlmo. ill i ln.,ciclo] de ,Inflor" liélt, com a idade de


do i• • no. , um "'i s, qulnZl d I.." (Rom., .ac . lU) .

.....qul Ju Aur'Uo Mal/cio, menino c,l.tio, fiei, pe reg. IPle, que ,,'veu
QUllro InOl fi doi, dl.,. Morreu na nolle de P' lcoa, no decorrer d. '1lfi1i.
lia, durlnte e quinta ora çl o . Entregou a alma e 101 lepult ado no dIa 00
101, .exlo da. ca'and ll de abril" (Chlull, 21 de março d e 3 54 ou 363 0\1
376) .

9) São Sirício, Papa, em 385


Mu ito digno de not a é o seguinte trecho da carta que S.
Siricio dirigiu ao bispo !Hi mé rio, aos 10 de fevereiro de 385:
"Prescrevamos que le Idmlnlstre M m demOli o ba tl,mo 0' cflança,
q UI, por 111110 de . ua Id lMil, ai nda rll o podl m fa 'ar, ou i . plllOU que
le e ncontrem numa necessidade qU l lqul r dI receber o " nto ball.mo .
O..el,,"os asl lm qUI Rio decorra dllrlmanlo par. nOlsa. . /mu le, em
con' tqOlnell de deMlll rmos o batismo . que m o pf!de, cer10s moribundos
"enham a pl rder o Reino I a Vkf a" IPL. 13, ' 134-1135) .

Este t exto su põe, para a salvação eterna, a necessidade


do batismo de âgua. Tal suposição ê válida atê nossos dias; a
Ir,reja a reafinna na base de Jo 3.5 . Todavia, com o decorrer
dos tempos, tal doutrina foi sendo aprofundada; com ercito, os
teólogos, sob a gu ia do magistério da Igreja, fora m reconhe-
cendo que o batismo de desejo ou o desejo de r~bcr o batis-
mo pode bastar para sa lvar él. quem niio possa ter acesso à água
saCl'amen tal.

A doutrina do batismo de desejo fo i ulteriormente desdo-


brada, de modo Que hoje se admite a validade não somente do
desejo c ~l1lícito do batismo (o candidl:tto quer conscien temente
receber o batismo de ligua) , mas também do desejO' implicito
do batismo (tal é o caso de uma pessoa que ignore a existência
e a necessidade do sacr amento do bat ismo, mas viva tão fi el-
mente à sl.la consciência ou lã. voz de Deus que lhe !ala pela
consciência reta, qu<" se soubesse da necess idade do batismo de
;'~ua, Imediatamente o pediria) .

• • •
Eis Quanto se pode coJi~ir de mais eloqüente na documen-
Inçilo cristã dos sé-c. n / IV a respeito do batismo .das crianças.
Tais textos revelam suficiente mente que se t ra ta de costum~
nnti!']U!ssim o, a trlbuivel mesmo à época dos Apóstolos. Não
[XXI.t' !ic:!áo corresponder à mente do Senhor J esus, !']ue. à guisa

- 278-
ANTICOS CRISTAOS BATIZAVAM CRIANCAS? 41

de norma (susceUvel de excecões, sem dúvida), quis associar


batismo e salvacâo eterna, sem distinguir idades: «Se alguém
nâo nascer da água e do Esplrito, não poderá entrar no reino
de DeUS:t (Jo 3,5) .
Os antigos escritores, assim como os teólogos posteriores,
compreenderam e compreendem Que a criança é batizada em
vista da fé da Santa Máe Igreja; esta é suficiente para que os
pequeninos não fiquem privados da graça santiCicante antes do
uso da razão.
Veja.se o desenvolvlmenta teológico da doutrina do batis-
mo das crianças nos artigos de PR citados no início deste artigo
(p . 271) .
Para confeccionar as'. 'rabalho, multo nos "alemos da colel!n.a de
textos apresentada por J.·Ch. Cldler com o titulo "FlUI-li bapU..r IH
enllnls? LI r'pon.. d. 11 Trldlllon". pari. 1967 .
Estevão Bettencourt O.s.B.

(alia aos amigos


(OontlnuDeilo da pll,. 282)
te par& Jerusalém atra.vés dos séculos. movidos por aspirações
aparentemente dIversas, mas no fundo convergentes. pois pro-
curavam a Deus. Na. Cidade Santa., toma-fJe coD!ilciéncla de que
não há. amor nem Ideal sem cruz: Je!US selou a sua Boa-Nova.
com o sangue e. conseqüentemente, todo cristão há de (!ompro~
\'u a sua. autenticidade acompanhando o Senhor em sua PaJxão
e Morte para. participar da. sua Ressurreição.
l\olas não só o texto bibllco fala dei modo próprio na. Terra.
Santa.. Dir-se-i.... mais, que é todo o plano sa.lvifieo de Deus que
o cenário local traz à mente do observador. Com efeito. diz a
Bíblla. que Abraão teve dols filhos: 1saque e Ismael. Do primeiro
procede Israel ou o povo judaico, cujas expeetativa.e: se eonsu-
mam no Cristianismo; do outro, Ismael. filho de Agar, proce-
dem os árabes (ismaelitas, agarenos) muçulmanos. Pois bem;
os filhos de Abraão - uns segundo a. carne, outros seguodo o
espírito - 50 c.ruzam e encaram, !lcrplexos, Interrogativos ou
Interessado" JUl,!J ruas de Jerusalém. Ao vi-los, o visitante é lem-
brado de que ainda. há multo que fazer na. história da humani-
rlD.de: 6 DredSO que 05 homens convirJa.m. entre si não somente
por motivos geográficos ou físIcos (que por vezes são cegos e
brutaIs), mas também pelo a.feto fraterno. O plano de Deus
ainda. se wl desenrolando e apela para a colabo~ã.o de todos
O:~ homens ,. . Mas que poderia fazer um cristão. lndi't.'iduo na
grande masso, diante dos Ingentes problemas que o cenário de
- 279-
Jerusalém propõe ao observador! - Em última anáUso, .. res·
posta que me volta com insistência, é aquela. que a Biblia. mes.
ma faz ressoar tanto na Antiga como na Nova Lei: «Sede sano
tos, porque Eu sou suuto", (Lev 11,44) e «Sede perleltos come
vosso Pai celeste é perfeito", (Mt 5, 48). Como se vê, é esta. a
medula da. mensagem blbllca tomada de ponta a ponta, medula.
que se poderia nssim po.rafrasear: «Faze.l o que o Pai pede de
vós hoje e aqui, sem covardia, com amor, até 88 últimas con·
seqüências, e aulm vos ~tarels configurando ao exemplar que
Ele tem a respeito de cada um de VÓSIf. :8 tle tais instrumentos
que o DIvino Artifioc da. história quer precisar para realizar
Seus designlos. Ele sabe o que 'h á de fazer; todo cristão sabe,
ou procure saber, o que suas possibilidades lhe permitem fazer.
2) No cenário de Jerusalém, li. Semana. Sunta de 19'1S foi
altamente slgnif1cativa. Note-se que esto ano o número de pe-
regrinos esteve parllculannente elevado. Sim. a Páscoa dos ju·
dus caiu no dia 17 de abril (e teve sua oitava); a. Graude Se-
mana de cató1loos e protestantes toi a. de 15 a 22 de abrll, 0.0
passo que os cristOOs ortodoxos tiveram suu Semn.na Santa. de
22 a 29 de abril. As ruelas da Velha. Cidade foram então palmi-
Ihnd.as pelos mais diversos grupos de nél5, que por vezes ora·
"am a.lto em lng:lês, francês, alemão, espanhol, Italiano, 110100ês,
à.rabe, annênloj na sexta-feira sula 20 de abril vários grupos
cnr~gQram a cruz pela 'VJa Dolorosa, percorrendo as quatorze
estações do Pretório de Pila tos 84 Monte Calvário " .
~ntre muitas outras cois&s, o quadro geral lembrava quan-
to a psicologia humana precisa. de slnab sensíveis. Estes lhe são
espontAneos, de tal modo que dessacrnUzação e secularização
no sentido de apagnmento dos sfmbolos reUgiosos são algo de
!\l1tlnaturai e desumano. Aqui no Oriente aprende·se a reva-
lorl7.ar os sinais do transcendental, Que no OcIdente muitos pre-
tendem abolir como se fossem algo de arcnlco ou um obstáculo
à autêntica. mensagem do Evangelho. O homem oriental jamais
se reconhecerJa nwn ambiente despojado das ma.reaa da. fé e da.
eternidade; basta ver, pelas rua8 de Jerusalém, os homens e as
mulheres árabes eom seus turbantes, véus, túnicas. os judeus
ortodoxos com seu., chapéus e .sUQ8 tranças, os monges trlstãos
gregos, ctiopc.!l, copt.." C()m !;UM ooguia.s, pa.ra sentlr O senso
mistico dOs oriental~, dos quais os ocidentais muito podem
apNlnder.
A esta. altura. niio poderia deixar de mencionar o s5.bado
Cm JerUMlém. Desde a sexta·feira, às primeiras horas da UI.I'de,
até o pôr do sol de sábado, cessa o tri.fego de ônibus; poucos
carr01l continuam a circular na cldade, de modo que até os es-
trangeiros são obrigados (por vezcs, a contra·gosto) a parar.
Os judeus se dirigem, na sexta-feira à. tn.rde, pa.ra o Muro das

- 280-
Lamentações, onde vão orar com fervor, a"gitando todo o seu
corpOj no sábado de manhã, pelas ruas tranqüíl8B da. cidade,
veenNle numerosos homem, com a Biblia. envolvida. em bolsa
de veludo bordado, a. dirigir-se para a sinagoga (existem 600
slnagogu em J CMlsaltim ; na.turalmenle muitas são pequenas, são
salões de uma reshlêncla); não raro, pa.i e filho assim caminham
apressados para a assembléia. de ora~o . ' . - O que importa.
LO observador neste contexto, é apreciar a presença viva, mar-
cante, dO!! vnlore." rellgtosos numa. cidade que atingiu o nível de
clvilimção e CORrO Mo de qualquer outra grande cidade cosmo·
palita..
S) Depois de Pã,sCOIl, de 24/ fV a 2/ V, tive a oca.sião de
participar de uma vlngem bíblica. à lIenimuJa do SlnlÚ. ~ramos
42 1)C,<l'WM, qUDSfl todo" esblllio"o."I de S. E~critllr~ que d('~eja­
vam reviver um pouco as etapas da. caminhada do povo de Deus
narradas pela. Biblia. em hodo, Números e Deuteronômio. A
experiência. do deserto é urna escola.. . Entre outra! eolsas,
ensina a Ilpreclar a água (apllrentemente tão banal) como ele-
mento vital, do qual cada. gotB. então se poupa e cobiça; o de-
serto faz sentir também a. neccssldade da solidariedade absoluta
dos homens entre si, pois mostra de !lerto como todos devem
poder contar eom todos; faz outrossim experimentar o perigo
(menCionado pela Blblla) da murmuração, do de1contentamen-
to, da impaciência. (prlncil.almente quando o ônibus atola na.
areía, o que é qUo.lJC lnevitá.,·el; quando o Ilróprio guia hesita.
entre dlvel'SllS passagens lucõnlcs.JI através de areias e monu.
nhos; quando se atrasa o h ~)I'árlo em conseqüência de Impre-
"istos. quando o. poeira se acumula. sobre 85 faces, 88 roupas,
a comido. ... ). lUas, mals partleularn:ente, o deserto fu sentir
11 presença de Deus: o silêncio, a solidão, a pujança das Unhas
de montanhas e e6rregos secos, a luta da mIsera. vegetação que
tenta brotar ou ,"obrcvivcr onde e quando possi\'cl, um ou outro
raro t ronco de l)lllmelra atirado no solo por violenta temTJcstn.de
de verão ... tudo isto eontll:nlamente faz que o espírito do vian-
dante se volte -para. o Eterno, o Definitivo, em suma, para o
flue o rICa depois que se deixam para trás fantasias e varled&-
dcs .. . Deus parece defrontar-se ent§o mais pujante e eloqüen-
temente. ft-Ias por que não dizer também que a face do d~rto
lembra. bastante '" face da. Lua rnhrderl05a., vista em foto~ra­
fias? .. 'No dia 30fIV. as 8 h da. manhã.. concelebramos a S.
J\Dssa. no cume do Djebel ~{OllSa. (Monte de ltloisés) a 2'.200 m
ele altura. on'de se julga que Moisés recebeu as tábuas da Lei;
o. ascensão, em parte por degraus dispostos na. rocha, tôrll. á.r-
dua, mas teve magnIfica compe~o pela vista. ampla, maTCada.
por montanhas ondulantes C jogo de luzes que a. cwnlada. orere-
cio. ao espectador. Durante as preces comunitárias dn Llturftla,
um dos companheiros elevou a V02: pa.ra nos convidar a dar
graças ao Senhor pelM montanhas, pelo sol, pela. luz, pelo de-
serto. em suma. pclM obras de Deus que se expandiam aos nos-
505 olhos . . . l\Ja.ls do que nunca tal III'COO me parecia. ,'ir a. pro-
ImitO! - .Allãs, desde os sec. I11/ 1V o Sinai é um lugar ininter·
ruptamente habitado por monges, cujas ermidas e mansões ,(das
qua1es.a principal ê o ,Mosteiro de S. Catarina;) ainda. se podem
ve~ esparsas na região em pequenos Quis. A história do Cris-
tlan15mo mostra que no Slnai os 'homens sempre Ilrocuraram
ouvir a. voz de Deus (que desenoodeou o povo bíblico) e res-
ponder com generosidade a. essa. voz.
4) Aos 1/ V/ 1973. o Estado de Israel celebrou com solenl·
dade e grande exuJ~o o 25' anh'ersárlo de sua existência:
houve imponente de.,fIIe mlllta.r c suces.o;.lvas demonstrações de
autoattrmação, em meio a fortes tensões no Próximo Oriente.
i\lesmo abstraindo do I,onto d~ vista, politleo, as celebrações da.
ln:delHmdência eram aptas a lembrar no observador a.lguns fa-
tos slgnUlcaUvos do. história passado.. Com efeito, Jerusalém,
eonstltuida. por Da\'1 capital de Israel no séc. X a. C., rol arre-
batada aos judeus em .)81 a. C. por Nabucodonosor da Babilô-
nl~ que destruiu Q cidade. Recoustnóda a Ilartlr de 588 a. C.,
Jerusalém foi de IU)VO arrancatla. 805 judeus, desta vez pelos
romanos, em 70 e 185 d. C. - Ora o povo de Israel sempre viu
nesses reveses ou nas quedas de Jerusalém em mãos alheias um
sinal religioso: de tal maneiro. Deus visitava. o seu I)OVO, ' exor-
tando-o ·1\. conversão. diziam os mestres de lsro.el. .. Em 1973
Israel se sente senhor, de novo, em Jerusalém e o afirma !iole-
nemente. Deus pa.rece sorrir ao seu antigo 1)0\'0, atendendo a
uma. de su85 mai.s proCundas BSl1iraCÔes. Por que niio dar ao
acontecimento tombem um significado religioso? Os judeus te-
rio sua. maneira de intu~retar a data. Nós, cristãos, os acom-
panhamos,' fazendo votos para que Israel possa comllrecnder o
sentido de sua misteriosa história, possa. reoonhecer que o por-
tento de Israel é, em última análise, obra. de DCWI, que quer
assim oroporelonar a Israel mesmo e ao mundo um dos mai~
eloqüentes sinais em (avor do Cristo Jesus, pois, na verdade,
parece que não se pode ent.ender a realidade de Isra(!1 senão
.em (unção do Cristo ,Jesus. 1; ,lIU"'U prr.llanlr a vinda. do !\1e.'t'!Ia,c.;
e pa..... ·dar-Ihe testemUJlho atravé" dos séculos que Israel existe.
Por hoje é preciso terminar aqui uma nR.l'ração que Iria
longe. Pouam ao menos estas linhas ou breves memórlWJ sentir
de lIa.me Craterno entre todos os que labutam em torno de PR!
Aos amigos que me proporcionaram o presente de.lIte contato
com' a Terra. Santa atualmente, mais uma vez a. minha IlroCun-
da. gratidão. A toelos 05 leitores de PR agradecemos a colabora-
ção em prol da J"e\'lsta; pOSSA. ela, por Intermédio de seus amigos,
ajudar ft. multa gentel Aqui ficam 8.S 5aud~ões eCush'U e 8
promessa de ora(!ões deste Irmão, que em julho espera estar de
novo ,no Brasil, levando para aí uma grande porc.ão do céu de
Jerusalém. que é um céu sempre azul, céu d e paz e de sorriso
Il\Jptrn:do pela fé ou' pela consciência de que Deus está. presente
em melo aos homens!
Estê\'ão Bettencourt O.S.B.

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