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O que é falso sobre fake news

Otavio Frias Filho


Arte sobre foto de Marcos Santos
resumo abstract

Este texto limita-se a apontar alguns This text focuses on pointing out some
aspectos do debate sobre as fake news aspects of the debate on fake news which,
(notícias falsas disseminadas pela according to the author, have remained
internet), que permanecem, na opinião poorly discussed or not well clarified. It
do autor, pouco esclarecidos e mal does not aim much, as we will not try to
iluminados. Sua pretensão é pouca – come up with solutions here, but at the
não se tentará esboçar soluções aqui – e same time it aims a lot, as it seeks to look
ao mesmo tempo muita, já que se trata through all that has been discussed about
de submeter o terreno da discussão a it in order to organize it better.
uma varredura preliminar que possibilite
organizá-lo melhor. Keywords: fake news; journalism; internet.

Palavras-chave: fake news; jornalismo;


internet.
Marcos Santos/USP imagens
O
problema das fake news, presidente eleito Tancredo Neves, em abril
notícias falsas que mui- de 1985, divulgou-se que na realidade ele
tas vezes se dissemi- fora vítima de um atentado, no qual teria
nam pela internet, tem sido ferida uma conhecida repórter de tele-
sido bastante debatido visão, tudo devidamente dissimulado pelas
nos meios especializa- autoridades para fazer a população acreditar
dos e fora deles. Este na mistificação da doença alegada.
texto estará limitado a É provável que o estudo dessas versões
apontar alguns aspectos fantasiosas, das quais se mencionam aqui
desse debate que perma- apenas dois exemplos ilustrativos, capazes
necem, na opinião do de embair a credulidade de muita gente por
autor, pouco esclarecidos muito tempo, revele seus fatores desencade-
e mal iluminados. Sua adores e mecanismos de propagação. O que
pretensão é pouca – não se tentará esboçar elas parecem ter em comum é a propriedade
soluções aqui – e ao mesmo tempo muita, de se alastrar de modo principalmente oral
já que se trata de submeter o terreno da entre camadas da população de menor ins-
discussão a uma varredura preliminar que trução e informação, além de obedecer a
possibilite organizá-lo melhor. roteiros em geral conspiratórios e delirantes.
O primeiro desses aspectos é que sempre A maioria das pessoas, em todas as
houve, evidentemente, fake news. Quando épocas, tem vivido na obscuridade de um
os americanos puseram homens a caminhar conhecimento precário, incipiente, manie-
sobre a Lua, em 1969, surgiu uma célebre tado por todo tipo de preconceitos, cren-
e persistente onda de boatos segundo os
quais aquelas imagens haviam sido for-
jadas em algum estúdio secreto e toda a
expedição não passava de um embuste. No OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de redação
do jornal Folha de S. Paulo e autor dos livros
âmbito doméstico, quando uma septicemia de ensaios Queda Livre (Companhia das Letras)
derivada de provável falha médica matou o e Seleção Natural (Publifolha).

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dices e superstições. Desde o Iluminismo,

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uma camada crescente – uma classe média
ilustrada – vem sendo formada sob influên-
cia do método científico e do racionalismo
moderno, o que tende a resultar numa ati-
tude mais criteriosa em face das informações
disponíveis. Mas essa camada está longe de
se tornar maioria.
Pode-se argumentar, e com razão, que
a novidade não está nas fake news em si,
mas na aparição de um instrumento capaz
de reproduzi-las e disseminá-las com ampli-
tude e velocidade inauditas. Ainda aqui o
ineditismo é relativo, pois algo parecido
pode ser dito sobre o advento da imprensa
de tipos móveis. Ao escrever sobre o fervi-
lhante ambiente panfletário das publicações
impressas do século XVIII, o historiador
Robert Darnton mostrou como era infestado
de falsidades, plágios, imposturas e calú-
nias – de fake news, enfim –, cujos autores
ficavam protegidos sob anonimato ou por
pseudônimos. De forma semelhante ao que
acontece hoje, era comum que os responsá-
veis por tais abusos escapassem a qualquer
punição por estarem fora das fronteiras em
que seus escritos haviam sido incriminados.
Um segundo aspecto que merece ser cla-
rificado é a necessidade de especificar o que
se entende por fake news. O termo vem sendo
utilizado para efeitos de esgrima retórica,
ou seja, para desqualificar versões diferen-
tes daquela abraçada por quem o emprega.
Nesse sentido mais permissivo, fake news
passam a ser tudo aquilo que me desagrada,
não apenas fatos que contemplo de maneira
diferente da exposta, mas interpretações das
quais discordo com veemência e opiniões
que me parecem abomináveis. O que é fake
news para um fanático é verdade cristalina
para o fanático da seita oposta.

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Um entendimento assim permissivo poria falsas e sua emissão reiterada, sistemática,
em risco o próprio cerne da liberdade de a fim de configurar a má-fé.
expressão, que consiste afinal na tolerância Um terceiro aspecto a merecer reparo é a
para com a livre circulação de noções detes- facilidade com que se aceita que ao duopólio
táveis, versões distorcidas, enfoques parciais, que hoje controla a internet – Google e Face-
sentimentos odiosos – seja porque nos pare- book – seja delegada a tarefa delicada de sele-
cem assim, seja porque o são de fato. Tho- cionar e censurar fake news. Nenhuma dessas
mas Jefferson escreveu que o preço a pagar organizações tem compromisso ou interesse
pelos benefícios da liberdade de imprensa é de sustentar a liberdade de expressão, nem
ter de tolerar a existência de maus jornais. sequer a expertise necessária para discernir
De todas as liberdades, faz sentido que seja entre jornalismo de qualidade melhor ou pior.
aquela que comporta menos restrições, por Seu único propósito é aumentar o tempo
ao menos dois motivos. de estadia do maior número possível de
As ideias formam um tecido contínuo, pessoas em suas respectivas redes e extrair
de tal forma que é difícil estabelecer linhas delas todo tipo de informação que sirva a
divisórias entre o que é legítimo e o que é fins publicitários. O jornalismo é atividade
indevido expressar. Sua livre manifestação irrelevante para essas empresas gigantescas,
garante à sociedade dispor de um amplo seja porque propicia receitas comparativa-
estoque de opções cuja utilização seletiva mente irrisórias, seja porque o exercício
compõe a própria linha evolutiva dos costu- da independência editorial gera atritos com
mes e da história – o que antes era inaceitá- governos, especialmente os autoritários, atri-
vel, amanhã poderá se tornar imperativo, e tos que essas empresas se apressam a evitar.
vice-versa. Quanto mais vigorosa a prática Seu comportamento tem sido quase sem-
da liberdade de expressão numa sociedade, pre de docilidade em relação a autocracias
quanto mais densa a controvérsia entre opini- como a chinesa e a russa. Por questões de
ões variadas, mais livres e conscientes serão imagem, docilidade semelhante prevalece
as decisões que ela vier a tomar. sempre que surge algum lobby bem orga-
Por isso, convém tipificar, como se diz nizado de usuários clamando por alguma
em linguagem jurídica, o sentido da expres- causa politicamente correta.
são. O termo fake news deveria ser compre- O que faria sentido exigir seria que o
endido como toda informação que, sendo duopólio fosse compelido a adotar uma ver-
de modo comprovável falsa, seja capaz de dadeira política de transparência que per-
prejudicar terceiros e tenha sido forjada e/ mitisse ao menos alguma supervisão sobre
ou posta em circulação por negligência ou suas atividades, hoje inexistente. E que a
má-fé, neste caso, com vistas ao lucro fácil Justiça fosse dotada de mecanismos mais
ou à manipulação política. É prudente, tudo ágeis que possibilitassem punir os respon-
indica, isolar a prática, diferenciando-a da sáveis pela divulgação mal-intencionada de
mera expressão de pontos de vista falsos noticiário inverídico e monitorar as exclu-
ou errôneos, assim como do entrechoque de sões determinadas pelas próprias empresas
visões extremadas. Cabe também discernir digitais. Um longo trajeto a percorrer, como
entre a divulgação ocasional de notícias se pode deduzir.

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Grandes contingentes de pessoas conti- acesso) e nem sempre se mostra capaz de


nuarão expostas, enquanto isso, a fake news. distingui-lo de outras fontes suspeitas ou
A imprensa profissional, que adota critérios simplesmente mentirosas.
rigorosos para apurar e publicar notícias, Em última análise, o mais eficiente ante-
continua sendo o farol a iluminar as fron- paro contra as fake news – a melhor bar-
teiras, sempre fluidas, entre o falso e o ver- reira de proteção da veracidade – continua
dadeiro. Mas a maioria das pessoas ainda sendo a educação básica de qualidade, apta
tem pouco acesso a esse tipo de jornalismo a estimular o discernimento na escolha das
(mesmo que a era digital tenha multiplicado leituras e um saudável ceticismo na forma
em várias vezes o público que desfruta desse de absorvê-las.

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