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NA CONCEPÇÃO DE DEFICIÊNCIA
The eugenics’ assumptions and their impacts
on the conception of disability
Abstract This article was based on researches developed by the Group of Studies and
Research on Education, Disabilities, and Technology (GEPEDTEC) of State University
of Londrina. It discusses some aspects of the concept of eugenics, its assumptions and the
influences on the conception about man and education in the early twentieth century. This
analysis is necessary because the eugenic discourse is gaining ground and new contours.
Called liberal eugenics, this discourse presents both the propositions of a better quality of
life for people with disabilities, and projections that point to the disappearance of dysfunc-
tions with the development of biotechnologies, more specifically genetic engineering and
the possible search for an ideal human being.
Keywords education, disability, eugenics.
Comunicações • Piracicaba • Ano 19 • n. 1 • p. 101-113 • jan.-jun. 2012 • ISSN Impresso 0104-8481 • ISSN Eletrônico 2238-121X 101
Introdução
A eugenia nasceu com a pretensão de ser uma ciência que permitiria promover o me-
lhoramento da raça humana em nome do desenvolvimento e busca por uma sociedade de
homens ideais.
Em nome do “progresso”, a política eugênica propunha a regeneração da raça, pau-
tando-se na tese da inferioridade racial, no fim da miscigenação e na não reprodução dos
indivíduos considerados geneticamente inferiores, sendo incluídos nesta classificação os
deficientes (cf. STANCIK, 2006).
A eugenia1 advém do darwinismo social de Galton, que acreditava que, pela seleção
natural e sobrevivência dos mais adaptados, ocorreria o fortalecimento de uma “raça su-
perior”, solucionando, assim, gradativamente, os problemas sociais (cf. DIWAN, 2007).
Assim como a sociedade, com o passar do tempo, foi-se modificando, também a eu-
genia foi acompanhando tais mudanças, apoiando as novas tecnologias e abraçando-as para
colocar em prática seus objetivos. Na contemporaneidade, podemos observar o desenvol-
vimento da engenharia genética e a utilização, inclusive, de seres humanos como instru-
mentos para o alcance do progresso em busca de um homem perfeito, que possa ser curado,
consertado, manipulado geneticamente.
Com esta visão, a presente investigação justifica-se pela necessidade de se fazer uma
retrospectiva acerca dos pressupostos da eugenia como ferramenta ideológica, na medida
em que, na atualidade, tal discurso vem ganhando novos contornos. Importa a este estudo
pontuar tanto as proposições de melhor qualidade de vida para as pessoas que apresentam
algum tipo de deficiência quanto as projeções que sinalizam o desaparecimento de disfun-
ções com o desenvolvimento das biotecnologias, mais especificamente, com a engenharia
genética, na busca por um humano ideal.
Desenvolvimento
O período entre os séculos XVI e XVII é considerado uma época de transição, caracteri-
zada pela indefinição epistemológica (em relação à concepção de ciência a se seguir), na qual
se tornou mais visível a crise da ciência escolástica. Esta indefinição propiciou o surgimento
de muitas alternativas de ciências para substituí-la. Dentre elas, destacou-se uma concepção
de ciência mecanicista e racionalista com o objetivo de alcançar os conhecimentos da natu-
reza buscando o melhor método, de forma a contrapor-se à visão mística/ocultista medieval,
com uma nova linha de pensamento intimamente marcada pelas concepções humanistas, re-
fletida nas atitudes e entendimentos dos “cientistas pioneiros” (cf. SOARES, 2001).
Este novo pensamento proporcionou diversos avanços no desenvolvimento científico,
entretanto, concomitantemente a ele, surgiram também algumas contradições que, segundo
Garrafa (2003), precisam ser refletidas. Neste sentido, ele afirma que:
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Os avanços alcançados pelo desenvolvimento científico e tecnológico nos cam-
pos da biologia, da saúde e da vida, de um modo geral, principalmente nos úl-
timos trinta anos, têm colocado a humanidade diante de situações até há pouco
tempo inimagináveis. […] Se, por um lado, todas essas conquistas trazem na sua
esteira renovadas esperanças de melhoria da qualidade de vida para as sociedades
humanas, por outro, criam uma série de contradições que necessitam ser anali-
sadas responsavelmente, visando não só ao equilíbrio e ao bem-estar futuro da
espécie como à própria sobrevivência do planeta. (GARRAFA, 2003, p. 213).
Capra (1982) reconhece que a ciência teve um papel imprescindível para a consoli-
dação das mudanças de concepção ocorridas na idade da revolução científica (séc. XVI-
-XVII), alterando, assim, os objetivos da ciência, que anteriormente visavam à harmonia
com a natureza.
As diversas concepções de mundo existentes na Idade Média não causaram efeitos
mais devastadores à natureza por conceberem o homem como parte inerente dela (cf. SO-
ARES, 2001). Mas isso mudou com o surgimento desta nova concepção de homem, re-
sultando em uma busca constante de compreendê-la, dominá-la e controlá-la com atitudes
“antiecológicas”, como classifica Capra (1982).
Segundo Santos (2005), as concepções dos estudiosos da época foram de grande in-
fluência para os cientistas posteriores, que se utilizaram dos pressupostos da ciência como
base para suas pesquisas e justificativas para seus métodos, muitas vezes cruéis e destruti-
vos. Após essa grande euforia, causada pelas mudanças de concepções supracitadas, a ciên-
cia passou a ser extremamente valorizada. É interessante observar uma situação vivenciada
por Rousseau, na qual lhe são feitas algumas perguntas, dando destaque à sua resposta:
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sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer,
entre a teoria e a prática? Perguntas simples a que Rousseau responde de modo
simples, com um redondo não (SANTOS, 2005, p. 1-2).
Nossa sociedade é fruto dessas concepções que surgiram na Idade Moderna, concep-
ções que por vezes nos são intrínsecas, de forma que o mundo e nós somos o resultado
dessas novas visões chamadas por alguns de progresso. Será que realmente podemos consi-
derar positivas as mudanças ocorridas, principalmente agora que suas consequências para o
mundo estão mais visíveis? Elas foram importantes, mas também trouxeram, muitas vezes,
retrocessos e destruição.
Segundo os eugenistas, a solução para os problemas sociais era eliminar todos os que
afastavam a sociedade do seu ideal de homem, seja por degeneração física ou moral. Para
tanto, impedia-os de procriar e desaconselhava o auxílio assistencial do governo a eles.
Medições de crânios e corpos, testes de quociente de inteligência (QI) e esterilizações
obrigatórias em vários países, como Estados Unidos e Suécia, foram algumas das consequ-
ências visíveis da prática eugenista, com auge no genocídio de Hitler na Segunda Guerra
Mundial (cf. DIWAN, 2007). É importante, atentar para o fato de que:
No início do século XX, a América Latina era marcada pelo discurso de defesa da igual-
dade e cidadania, abolição da escravatura, rápido crescimento urbano, agravamento da misé-
ria e intolerância em relação às diferenças étnicas. Cresceu a preocupação com o futuro das
nações e o apoio à tese de inferioridade racial que condenava a miscigenação, justificando
a situação latino-americana da época e defendendo a eugenia para alcançar o progresso (cf.
STANCIK, 2006). Contudo, a América Latina não aderiu à eugenia como “consumidora de
ideias importadas”, adequando-a à sua realidade e anseios, não tendo sido tão radical quanto
as demais regiões: ao invés de utilizar esterilizações compulsórias, incentivou o controle ma-
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trimonial, “restringindo ‘uniões inadequadas’ como entre indivíduos portadores de doenças
consideradas hereditárias e ‘vícios sociais’” (STEPAN, 2007 p. 517).
Renato Kehl, um dos maiores representantes do movimento eugênico brasileiro, afir-
mava que, para salvar o País, seria necessário adotar alguns procedimentos tais como:
esterilização compulsória e permanente, controle de casamentos e educação eugênica. Inte-
ligência, vocação, talentos e demais características são hereditários (cf. BOARINI, 2003).
“O ensino, a educação e a instrução higiênica somente teriam pleno êxito se dirigidos a
indivíduos superiores em termos eugênicos” (VILHENA apud STANCIK, 2006, p. 28).
Logo, a educação não teria a capacidade de superar uma genética considerada fraca.
Esta de nada adiantaria para corpos biologicamente inferiores, cabendo ao Estado zelar
pelos mais aptos e não desperdiçar seu tempo com os demais (cf. STANCIK, 2006), pois a
educação e as influências do meio não seriam suficientes para superar a genética. A influên-
cia da educação e do meio serve tão somente para despertar características genéticas exis-
tentes, “não fazem o milagre de criar ‘bons caracteres’, apenas revelam ‘bons caracteres’,
quando estes existem” (KEHL apud STANCIK, 2006, p. 27).
Pessoas que não se enquadravam no padrão de aprendizagem seriam descartadas, a
diversidade humana seria ignorada e desrespeitada e os problemas de aprendizagem seriam
resumidos à incompetência. “Kehl parece reduzir toda a diversidade humana aos fatores
biológico-evolutivos, principalmente aqueles que se referem diretamente à hereditarieda-
de” (BOARINI, 2003, p. 171). Para tanto, pretendia combater a miscigenação e a imigra-
ção, pois inviabilizavam a proposta de política de purificação racial.
A eugenia científica foi desacreditada por conta das grandes atrocidades nazistas, de
maneira que tal termo foi tirado de circulação, mas continuou presente com outros nomes
e com caráter liberal (cf. GUERRA, 2006).
Há tempo a biologia não mais é considerada uma ciência do destino, quer dizer,
não se entende mais como caudatária da natureza, à revelia do conhecimento e
de suas virtualidades tecnológicas. Nossa constituição genética começa a ficar
ao alcance da mão. As fatalidades oriundas de tempos imemoriais dão lugar a
opções; essas não mais necessitam de aceitação, mas exigem que sejam pon-
deradas. Aquilo que há pouco tempo crescia sem nossa ajuda pode agora ser
feito por nós e assume as configurações que lhe concedermos, o que pode dar,
erroneamente, a impressão de que os humanos terão em breve um genótipo ri-
gorosamente determinado pelos pais, mantido inalterável vida afora, ininfluen-
ciável a qualquer ambiente e resistente a toda forma de interação com o meio.
(HECK, 2006, p. 43).
A ciência tem sido utilizada como base para seleção artificial, que busca fortalecer a
seleção natural. Esta seleção, enquanto se restringe ao reino vegetal, não tem causado po-
lêmicas, mas quando chega ao animal, em especial no humano, a situação muda, o impacto
passa a ser grande diante da recombinação gênica de DNA humano. Surgem, então, ques-
tões éticas e morais que vão contra tais pesquisas e atitudes, destacando a possibilidade de
que tais ações tornem-se práticas eugênicas.
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II
A natureza humana seria um “bem disponível” (cf. FEIO, 2010)? Habermas manifes-
tou “oposição à clonagem humana, à eugenia liberal, à pesquisa com células embrionárias
meramente especulativas, e ao diagnóstico genético de pré-implantação (DGPI)2 […] tanto
a técnica genética quanto a escravidão, são incompatíveis com os direitos humanos e com a
dignidade humana” (FELDHAUS, 2007, p. 94-95). Neste sentido, Habermas concentra sua
crítica na instrumentalização e redução da vida humana à qualidade de objeto manipulável
(cf. SALVETTI, 2008, p. 86).
Habermas defende que se deve preservar o direito do ser humano, do indivíduo, de de-
cidir a respeito de seu próprio corpo e o direito de “poder-ser-si-mesmo”, devendo ser este
um direito inalienável. Logo, “não podemos supor o que seria mais ou menos ‘vantajoso’
para as gerações futuras […], não é possível obter-se um consenso presumido para operar
no corpo de outrem em objeto de uma intervenção anterior ao nascimento” (PONTIN,
2007, p. 54).
Podemos pensar na suposição de que um dos embriões analisados em um DGPI seja
percebido com uma determinada deficiência. O que será feito com ele? Implantado ou
eliminado? E os exames que detectam a síndrome de Down no ventre, por exemplo; o que
será feito com esse feto se possuir a síndrome? Conservado ou eliminado?
Enquanto com os métodos usuais de inseminação só é possível torcer para que
as condições saudáveis e os traços tidos como vantajosos do esperma do doador
escolhido sejam transmitidos ao embrião, o diagnóstico genético pré-implan-
tacional [DGPI] oferece a possibilidade de avaliar distintos cromossomos com
vistas a anomalias, como a trissomia que leva à síndrome de Down e a hemofilia
na determinação do sexo, e permite registrar, com um crescente grau de segu-
rança, a presença de alelos gênicos relacionados à atrofia espinhal progressiva,
às distrofias musculares e à fibrose cística. Embora as intervenções de cará-
ter eugênico negativo, terapêutico, clínico ou curativo, subseqüentes ao diag-
nóstico genético pré-implantação, alterem a presumida ordem preestabelecida
2
“O chamado DGPI (diagnóstico genético de pré-implantação) é uma técnica capaz de fornecer informações ge-
néticas aos futuros pais sobre embriões de seus filhos ainda no estágio de oito células” (AYMORÉ, 2006, p. 1).
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do patrimônio genético natural do feto, há um consenso generalizado de que
estão a limine justificadas pelo assentimento posterior da prole, uma vez que
é sensato admitir que seres humanos desejam não ter disposições patológicas
monogenéticas. Em relação à eugenia negativa não há, assim, controvérsias
maiores quanto ao uso das técnicas disponíveis que impedem o nascimento de
seres humanos onerados com deficiências graves, ou seja, aqui como alhures
não há muita celeuma quando se trata de evitar o pior, o defeituoso, o que
causa sofrimento e/ou traz infelicidade. (HECK, 2007, p. 47-48; grifo meu).
Essa invenção e disseminação dos novos testes visa reconhecer que a síndrome de
Down, deficiências físicas e intelectuais no feto ou no embrião em situação de pré-implan-
tação, mesmo que neguem tal assertiva, foram criados no intuito de calcular os riscos de
existência da deficiência e evitar a gestação destes, utilizando-se do argumento de defesa de
direitos individuais, corroborando as ideias dos eugenistas liberais de ter tais informações
para poder posteriormente decidir sobre que atitude tomar.
Ainda a respeito do DGPI de embriões, surge a questão da pré-seleção das caracte-
rísticas do indivíduo a ser formado (cf. PONTIN, 2007). Surge, então, a questão sobre os
critérios para esta seleção, de maneira a buscar que a criança esteja dentro dos ideais de
homem tidos pela sociedade atual (escolhendo, assim, características como pele, cabelo,
cor de olhos etc.) e consequente eliminação dos embriões ou fetos que não correspondam
a tais expectativas.
Estes procedimentos acabam por trazer, como consequência, a eliminação dos embri-
ões ou fetos que não correspondam a tais expectativas, pois se almeja um ideal de homem,
e o distanciamento possível deste ideal causaria uma diferença significativa que deveria ser
evitada. A respeito destas diferenças Amaral afirma que:
a diferença significativa, o desvio, a anomalia, a anormalidade, e, em conse-
qüência, o ser/estar diferente ou desviante, ou anômalo, ou anormal, pressu-
põem a eleição de critérios, sejam eles estatísticos (moda e média), de caráter
estrutural/funcional (integridade de forma/funcionamento), ou de cunho psicos-
social, como do “tipo ideal”. (1998, p. 13).
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O segundo caráter, o estrutural/funcional, diz respeito ao que Amaral define como “[…]
integridade da forma quanto à competência da funcionalidade” (AMARAL, 1998, p. 13), ou
seja, a presença ou ausência de características no indivíduo que causem um não funciona-
mento, ou mau funcionamento, de determinadas atribuições do organismo (“deficiências”).
O último, e não menos importante, é o psicossocial que, na maioria das vezes, abarca
os dois primeiros e consiste na construção social de um padrão, um ideal de homem. O
exemplo destacado por Amaral é um ser “jovem, do gênero masculino, branco, cristão,
heterossexual, física e mentalmente perfeito, belo e produtivo” (1998, p. 14).
Segundo o pensamento da Escola de Frankfurt, a sociedade busca uma homogeneiza-
ção. Neste sentido,
III
(Jürgen Habermas über die Vergangenheit des Nationalstaates und die Zukunft der Natur, p. 87. Ibidem.
3
“Das Menschenrecht wird wieder zum Naturrecht; und reproduktionsmedizinische und gentechnische Hand-
lungen gewinnen die Qualität von peccata contra naturam”).
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Um atleta poderia argumentar que um dos competidores de uma determinada
modalidade esportiva teve seu genoma alterado e, por isso, está em franca van-
tagem. Um filho poderia culpar os pais por não terem alterado o seu genoma
de forma que ele pudesse aprender matemática com mais facilidade. Uma con-
quista pessoal já não seria tão “pessoal” assim, seria uma conquista da pessoa e
de seu “programador”. A pessoa geneticamente modificada poderá sofrer com
a consciência de ter de partilhar com outrem a autoria do destino de sua própria
vida. (FEIO, 2010, p. 762).
Muitas outras questões podem surgir em relação a essas modificações genéticas. Su-
pondo que uma mulher seja mãe de aluguel de seu neto, a criança é filha de quem? Da por-
tadora dos genes que ela recebeu, ou da avó que a carregou no ventre? Ou ainda, digamos
que um casal realize uma fertilização in vitro e congele os embriões não utilizados (óvulos
fecundados, ou seja, já possuem seu próprio DNA e estão vivos), e depois decida não mais
ter filhos: o que será feito desses seres em formação? Serão descartados? São questões éti-
cas que circulam nas discussões acerca da engenharia genética.
O medo que temos daquele que nos é diferente, ou desconhecido, leva-nos a concei-
tuá-lo como inferior, excluindo-o, considerando-o indigno de viver em sociedade, pois
esse não se encaixa na padronização almejada. Esse fato reflete os tipos de indivíduos que
a sociedade deseja, pois a estrutura social requisita pessoas fortes, saudáveis e eficientes
para o mercado de trabalho. A ausência destas características causaria redução da produção,
logo, a pessoa com deficiência poderia passar a ser considerada um obstáculo ao desenvol-
vimento da sociedade.
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O corpo fora de ordem, a sensibilidade dos fracos, é um obstáculo para a produ-
ção. Os considerados fortes sentem-se ameaçados pela lembrança da fragilida-
de, factível, conquanto se é humano. As pessoas com deficiência causam estra-
nheza num primeiro contato, que pode manter-se ao longo do tempo a depender
do tipo de interação e dos componentes dessa relação. (SILVA, 2006, p. 426).
Isso é preconceito e
o preconceituoso afasta esse “outro”, porque ele põe em perigo sua estabi-
lidade psíquica. Assim, o preconceito cumpre também uma função social:
construir o diferente como culpado pelos males e inseguranças daqueles que
são iguais. (Ibid.).
Nesta direção, Nussbaum afirma que alguns intelectuais defendem que não existe
motivo para permitir a continuidade das deficiências, na medida em que as tecnologias
poderiam superá-las. Nesta perspectiva, a autora questiona:
Certamente não ambiciono um mundo em que pais consertem seus filhos para
que ninguém se sinta deslocado, ainda que todos saibamos que as vidas dos des-
locados não são fáceis […] “Eles desejam que eu nunca tivesse nascido”, disse
minha filha, ao ouvir que autores […] eram a favor de tratamentos genéticos de
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defeitos que se desviam do funcionamento humano normal. Sim, realmente eles
o desejam. Mas quem, dada a opção de poder poupar o sofrimento de um filho,
poderia seguramente discordar deles? É que só o fato de ter tal escolha já parece
ameaçador e, de algum modo, trágico. (NUSSBAUM, 2004, p. 33).
a tarefa urgente que se apresenta, pois ao contrário do que muitos pensam sobre
os acontecimentos e avanços tecnológicos como algo que se está acontecendo,
acontece fora de nossos quintais, deveríamos ao menos repensar se não estarí-
amos nós significando “isto” e “eles” como prenúncio de uma nova forma de
barbárie: a indiferença. (2007, p. 55).
Tal reflexão nos inquieta, pois estamos vivendo em uma sociedade marcadamente
tecnológica, que invade não apenas as instâncias públicas, mas, sobretudo, as privadas,
inscrevendo-se no corpo e nas concepções que há muito buscam a ideia do homem ideal.
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