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Por que somos


preguiçosos ou
Reflexões sobre a preguiça

© Fabio Blanco, 2017


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Agradecimentos:

À minha esposa, Leticia, que, mesmo diante deste preguiçoso, jamais deixou de
acreditar nele, entendendo que tal estado fazia parte da natureza de sua criativida-
de. Um pouco ingênua, é verdade, mas faz prova de seu amor.

Conheça meu curso Educação da Vontade!

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Índice
Livro I - Introdução
Para quem é este livro
Os motivos para este livro
Meu objetivo
Meu trajeto pelo tema
Livro II - Natureza da preguiça
A preguiça e o preguiçoso
A preguiça é natural
A preguiça é universal
A preguiça é uma prisão
A preguiça é uma reação
A preguiça é um equívoco
A preguiça é uma omissão
A preguiça é uma luta
A preguiça é dispersão
Livro III - Reflexões sobre a preguiça
A rotina
O processo
O trabalho
A associação
Livro IV - Causas da preguiça
Cultura do bem estar
Desatenção
Ambiente estimulante
Inconsciência
Indiferentismo

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Sentimentalismo
Paixão
Fuga da dor
Sacrifício
Imediatismo
Impaciência
Pressa
Superficialidade
Pessimismo
Confusão
Desmotivação
Perfeccionismo
Prazer
Liberdade
Descanso
Planejamento
Hierarquização
Paradoxo das opções
Autoconfiança
Autoconhecimento
Conclusão


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Livro I - Introdução
Para quem é este livro

Este não é um livro para preguiçosos! Não, pelo menos, se estivermos nos
referindo ao preguiçoso como alguém lançado sobre o sofá da sala, com o con-
trole remoto na mão, uma garrafa de cerveja ao lado, com a barriga suja de mo-
lhos usados no último sanduíche devorado, evitando todo tipo de compromisso,
fugindo de suas obrigações, decidindo não fazer nada mais que o necessário para
se manter vivo. Na verdade, em toda minha vida, conheci pouquíssimas pessoas
que se encaixassem nesse perfil. Esse tipo parece mais um personagem de um
romance qualquer, mas que pouco vemos na vida real. Aliás, ainda que existam
pessoas assim, certamente elas não teriam interesse no que escrevo aqui. É que
se alguém decide, conscientemente, que vai evitar, de todas as maneiras, cumprir
com suas obrigações e manter-se deliberadamente no ócio, sequer o chamaria de
preguiçoso, mas de vagabundo.

O vagabundo não quer mudar, já que decidiu ser como é, pois não vê van-
tagens no esforço. Ele acredita que sua atitude de não fazer nada lhe permite
usufruir melhor o tempo, não desperdiçado em atividades cansativas e estressan-
tes. Na verdade, ele acha que quem trabalha demais é bobo e está jogando fora
sua vida, não usufruindo dos prazeres que ela oferece. É por isso que jamais se
interessaria por este meu livro, afinal, o vadio não carrega remorsos, pois sua
postura é um estilo de vida, que ele assumiu por entender ser a melhor forma de
existir. O que ele precisa, de fato, é de uns bons bofetões ou de tratamento psi-
quiátrico, não de um livro. Portanto, corrigindo minha primeira sentença, eu
posso dizer que este não é um livro para vagabundos. É, sim, para preguiçosos,
como somos quase todos nós.

Os motivos para este livro

Este livro também não é um trabalho meramente intelectual, nem apenas o


resultado de uma investigação em relação a um assunto interessante. Ele é, sim,
uma resposta aos meus próprios anseios, o produto da busca que empreendi

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após o impulso dado por uma crise existencial. Isso porque, se este é um livro
para preguiçosos, eu mesmo deveria ser o seu primeiro leitor.
Não me lembro de nenhuma época de minha vida que eu não tenha tido a
percepção de ser um preguiçoso. Apesar de, na maioria das vezes, conseguir
cumprir minhas obrigações, eu sabia que não estava fazendo nisso o melhor que
eu podia. Pelo contrário, tinha plena consciência de que a forma como eu reali-
zava minhas tarefas tangenciava o irresponsável. E apesar de, em geral, conse-
guir cumprir meus prazos, a maneira como eu fazia isso não permitia entregar o
melhor trabalho que eu era capaz de realizar.

Sob a pressão do prazo, eu conseguia realizar as tarefas a mim incumbidas.


No entanto, praticamente só a noção de que o tempo para a entrega do trabalho
estava chegando ao seu termo tinha a força de me impulsionar. O primeiro pro-
blema em relação a isso é que eu acabava fazendo tudo em cima da hora, che-
gando, algumas vezes, a entregar tudo nos minutos finais do lapso temporal
permitido para tanto. A consequência dessa maneira de agir é óbvia: sempre fi-
cava a sensação de que, se eu tivesse me dedicado com mais cuidado, poderia ter
entregue algo melhor. Até porque quando fazemos nossas atividades com pressa,
há maior probabilidade de erros e menos possibilidades de aprofundamento. É
verdade que a pressão também injeta estímulos que fazem a cabeça trabalhar
melhor, mas nem por isso fazer sempre dessa maneira deixa de ser algo arrisca-
do.

Todavia, se com os projetos que possuíam prazos, bem ou mal, eu acabava


executando as tarefas necessárias, o verdadeiro problema ocorria quando eles
não tinham prazo definido.

Quando não havia, sobre o que eu precisava fazer, a pressão do tempo, di-
ficilmente eu conseguia dar andamentos mais contínuos aos trabalhos. A execu-
ção do necessário para o alcance dos objetivos traçados acabavam invariavel-
mente sendo adiados, pois, por ser um preguiçoso, faltava-me disciplina para
manter-me debruçado, constantemente, sobre ele. No fim das contas, os projetos
acumulavam-se e as realizações quase nunca aconteciam. Neste contexto, não
havia como eu me sentir bem. Pelo contrário, a sensação é que se eu continuasse
levando a vida daquela maneira as coisas iriam dar muito errado para mim.

Antes de qualquer coisa, porém, é preciso entender que a preguiça é um


problema que vai além da produtividade ou da vontade. Ela é uma doença espi-
ritual que toma a alma da pessoa e a torna malemolente. Pode ser comparada a
um vício, porque, como tal, faz o indivíduo repetir padrões negativos de condu-

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ta. E tudo isso, obviamente, causa efeitos indesejados na alma humana, afetando
sua forma de viver e sua relação com as pessoas.
Eu mesmo cheguei a um ponto de sentir-me profundamente frustrado com
tudo o que estava acontecendo. Ao mesmo tempo que me via envolto em tarefas
das mais diversas, não conseguia constatar as realizações que deveriam segui-
las. Na verdade, faltava-me constância e persistência. Boa parte daquilo que eu
me dignava a fazer, quase sempre, era abandonado. É verdade que, na maioria
das vezes, esse abandono nem era consciente, sendo percebido apenas algum
tempo depois de ter se tornado inegável. De qualquer forma, era um ambiente
de frustração, pois quando o que fazemos não redunda em nada, não há como
ser diferente.

Além disso, toda essa situação foi me fazendo sentir-me inferiorizado. Prin-
cipalmente, porque acabava observando aquelas pessoas que, apesar de serem
minoria, destacam-se como gente que produz e realiza e via nelas como que um
espelho, que me acusava de ser tão incapaz. Enquanto olhava aquelas pessoas
conquistando seus objetivos, minha vida tornava-se uma sucessão de inícios sem
fins. Obviamente, sentia-me abaixo dos padrões e, apesar disso não ser verdade,
de fato, era essa a minha sensação. Inferiorizado, começava a duvidar inclusive
de minhas capacidades.

Se a regra da minha vida era não conseguir dar andamento ao que me pro-
punha, a conclusão só poderia ser que havia algum problema intrínseco, algo
que me afetava pessoalmente e que me tornava incapaz. Cheguei ao ponto de
querer abandonar tudo e, quem sabe, encontrar um trabalho essencialmente bu-
rocrático e assalariado, apenas para não ter mais de me preocupar com o que eu
fosse realizar. Comecei a cogitar se não era melhor viver sob a égide de uma fun-
ção rotineira e sem objetivos, do que sofrer por ter tantas ideias, mas não conse-
guir colocá-las em prática.

Também me sentia, eu, um homem feito, como um garoto irresponsável. Eu


tinha plena consciência que alguém da minha idade já deveria fazer as coisas
como um homem de verdade. Não era certo resolver tudo em cima da hora, en-
tregando as tarefas apressadamente, não conseguindo, por isso, aprofundar-se o
quanto deveria em cada uma delas. Me sentia irresponsável, principalmente,
porque sabia que tinha capacidade para fazer mais do que estava fazendo. Até
havia boa vontade, grandes ideias, desejo. Faltava-me, porém, força. Tudo arras-
tava-se demais, tudo ficava para depois. E apesar de estar sempre bastante atare-
fado, parecia que eu era alguém que não gostava muito de trabalhar. Se é pelos

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frutos que conhecemos as árvores, quem visse meu real estado poderia concluir
que eu era um verdadeiro vagabundo.
Chegou um momento que até os sonhos começaram a evadir-se. Não me
parecia mais adequado ficar acumulando objetivos sabendo que dificilmente eles
se materializariam. Conforme vamos ficando mais velhos, mais realistas nos tor-
namos. E, assim, estava quase resignando-me com minha condição, aceitando
que as coisas eram para ser mesmo daquela forma, acomodando minha vida de
uma maneira que eu vivesse sem grandes percalços, apesar de sem grandes
perspectivas também.

Porém, como é das grandes crises que normalmente nascem as grandes so-
luções, foi de toda essa sensação de derrota e quase desespero que encontrei as
últimas forças para tentar entender o que estava acontecendo comigo. E foi des-
se último esforço que encontrei aquilo que estava precisando e que mudou a mi-
nha vida e a forma de enfrentar os obstáculo que ela costuma impor.

Meu objetivo

Antes de continuar, preciso alertá-lo, caro leitor, que este não é um livro de
autoajuda, nem propõe qualquer solução para o problema da preguiça. Estou
trabalhando em um projeto maior, que conterá isso, além de oferecer esse tipo
de conhecimento em meus cursos. Porém, neste presente trabalho, me propus
simplesmente a refletir sobre o problema.

Na verdade, meus pensamentos sobre a preguiça compõem-se aqui de uma


filosofia e uma psicologia, pelas quais eu percorro os motivos que nos levam a
ser preguiçosos. É evidente que dessas meditações podem ajudar aos leitores
tomarem suas próprias lições e aplicarem em suas vidas, conseguindo assim su-
perar essa dificuldade. No entanto, não é este meu objetivo - não pelo menos
neste livro.
O que eu pretendo, nestas linhas, é oferecer uma reflexão introdutória às
causas mais ocultas da preguiça, tornando assim mais fácil, para quem for estu-
dar esse tema mais a fundo, enfrentá-la com a consciência mais ampliada.

É que os estudiosos da preguiça e da força de vontade costumam observar


muito os processos mentais e biológicos causadores desse problema, esquecendo
que, aliados a eles, há também fatores culturais e formas de pensar que contri-

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buem para sermos preguiçosos. E são principalmente estes que abordo neste tra-
balho.
Se o leitor tomar essas reflexões e, ele mesmo, pensar sobre quais desses
motivos podem estar afetando a sua própria vida, acredito eu que apenas isso já
será suficiente para começar a mudar sua realidade.

O importante é saber que a preguiça pode até ser uma tendência, mas ja-
mais será uma condição imutável do ser humano. E entender por que ela se dá
pode ser o primeiro passo para dominá-la, definitivamente.

Meu trajeto pelo tema

Depois de um tempo sofrendo com a dificuldade de manter-me constante


em meus planejamentos, chegou um momento que isso se tornara insuportável
para mim. À época, já com mais de 30 anos, vendo esse problema acumular-se e
vendo diversos projetos e sonhos não sendo postos em prática, comecei a inco-
modar-me de verdade e ver-me como alguém irresponsável e fraco. Achava-me
inteligente, mas era uma inteligência pouco produtiva. Sabia várias coisas, mas
não conseguia transformá-las em algo palpável.

Havia muitos planos que eu sonhava realizar e por causa desse problema
não os colocava em prática, como escrever livros, manter uma regularidade na
produção de meus blogs, estudar melhor e com método, seguindo um planeja-
mento de estudos racional, além da vontade de executar um projeto financeiro
que garantisse um futuro mais tranquilo para minha família, manter uma disci-
plina espiritual adequada, conseguir fazer exercícios físicos com regularidade,
além de algo mais prosaico, como conseguir manter minha casa em limpa e ar-
rumada.

Foi então que, em um momento específico, algo me despertou para procu-


rar compreender o que realmente estava acontecendo comigo. Eu decidi que fa-
ria de tudo para entender por que os fatos eram daquela maneira. Confesso que
já era um ato de desespero, de alguém que estava perdendo as esperanças e se
conformando com sua própria deficiência.
Minha atitude, então, foi a mais óbvia para uma pessoa que se considera
inteligente: fui estudar! Fui procurar uma literatura que tratasse do assunto.
Logo, porém, percebi que essa literatura não era muito vasta. Não havia real-
mente muitas pessoas tratando especificamente dessa matéria.

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Por uma questão de afinidade, os primeiros autores com quem me deparei
foram os religiosos. O problema é que eles costumam tratar o assunto desde um
ponto de vista moral. Sua perspectiva é de quem está lidando com um desvio
que precisa ser corrigido. A preguiça, nesse contexto, acaba sendo a ré de suas
acusações e a solução, segundo eles, é tomar consciência da malignidade de sua
presença para, então, abandoná-la.
Ocorre que isso não resolvia o meu problema, pois já havia em mim a cons-
ciência do erro. Aliás, era por isso mesmo que me sentia culpado. Tais autores,
portanto, serviram apenas para tornar-me mais convicto de meu problema, mas
com um agravante: fazendo-me sentir ainda mais culpado. Isto, em vez de me
ajudar, acabou piorando minha situação. Afinal, a culpa é uma grande geradora
de estresse e o estresse é o maior vilão contra a força de vontade.

O segundo tipo de literatura com a qual me deparei foi a motivacional. E


apesar desta não me condenar, continha em seu cerne o mesmo tipo de proble-
ma que a literatura religiosa. Ela tentava me ajudar por meio de uma tomada de
consciência em relação aos meus problemas. Ela dizia que se eu entendesse mi-
nhas dificuldades e soubesse me motivar da maneira correta conseguiria superar
minhas dificuldades. A questão é que, da mesma forma como no caso da litera-
tura religiosa, eu já sabia o que estava acontecendo comigo e já havia tentado
todo tipo de auto-motivação para mudar minha situação. Assim, essas palavras
de provocação acabavam tendo um alcance muito limitado, com um efeito pouco
prático na minha vida.
Não estou dizendo que esse dois tipos de literaturas não me foram úteis de
maneira nenhuma. Pelo contrário! Em ambas, há verdades que ajudam a enten-
der melhor o problema e tomar consciência das consequências envolvidas. Aqui
mesmo, neste livro, há referências dos dois tipos. A única questão é que, como
não atacam a questão central (que, à época, eu não tinha uma noção clara qual
era), a ajuda prática oferecida era muito pequena.

Foi quando, então, ainda nessa minha busca incessante por respostas, en-
contrei, em um sebo do Rio Grande do Sul, um livro que até o momento que es-
crevo estas linhas é considerado uma raridade, do escritor Jules Payot, chamado
Educação da Vontade (achei-o em espanhol, Educación de la Voluntad). O livro
era tão difícil de achar que encontrei apenas essa cópia, de uma edição de 1943.

E foi esse livro que, definitivamente, abriu minha mente para o que real-
mente estava envolvido nesse problema. Apesar dele não abarcar toda a questão
da força de vontade, foi por ele que eu entendi que minha luta não era mera-

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mente uma questão de consciência e de motivação, mas era uma batalha contra
uma natureza, contra uma tendência. E mais ainda: esse adversário contra quem
eu lutava não era apenas meu, mas de todos os homens. Eu estava, na verdade,
batalhando contra o inimigo de toda a humanidade. Não eram defeitos individu-
ais que me atrapalhavam, mas obstáculos intrínsecos a todos os indivíduos.

Essa visão proporcionou-me uma mudança de perspectiva tremenda, afinal,


se o problema era comum, então deveria haver alguma solução que pudesse ser
aplicada a todas as pessoas. Como a dificuldade não era oriunda de um defeito
pessoal, o que eu precisava era encontrar quem houvesse estudado o assunto e
explicado o que havia em todas as pessoas que tornava elas com propensão à
dispersão e à procrastinação.

Este passou a ser o meu desafio. E, apesar de descobrir que estava lidando
com uma dificuldade intrínseca, paradoxalmente isso me deu esperança. Consi-
derando que, na história, os homens, mesmo contendo essa dificuldade dentro
deles, conseguiram fazer grandes obras, isso significava que era possível superar
esse obstáculo que se impunha. Se tudo fosse um defeito pessoal e idiossincráti-
co, talvez não houvesse saída. Como era, porém, um problema comum, é certo
que haveria alguma resposta.
Soube, então, que eu deveria procurar aqueles que estudaram especifica-
mente o assunto, principalmente sob uma perspectiva científica. Era na observa-
ção do comportamento humano e na experiência laboratorial que eu deveria en-
contrar as respostas faltantes. Lembre-se: eu já possuía a consciência moral, a
motivação adequada e o entendimento da natureza do problema. O que faltava
era apenas compreender cientificamente como ele se dava.

Não precisei pesquisar muito para descobrir que havia um grande estudioso
do assunto, o Dr. Roy Baumeister, que, por meio de experiências promovidas por
ele mesmo e com o uso de experiências de cientistas anteriores, apresentou al-
guns trabalhos bastante amplos e completos sobre a questão da força de vonta-
de.

Foi pelo Dr. Baumeister, como por uma de suas alunas, a Dra. Kelly McGo-
nigal, que eu consegui fechar o circuito de compreensão do assunto.

Faltava apenas uma certa análise filosófica, oriunda da observação do ser


humano e do conhecimento da realidade social. E aqui entra a minha contribui-
ção ao tema, que é o que encontra-se nestas linhas. O que eu fiz foi rastrear os
motivos de nossa preguiça e acabei descobrindo que eles encontram-se desde
nossa própria natureza até as influências de nossos tempos e nossa cultura.

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Todo esse conhecimento me permitiu montar toda uma cadeia de enten-
dimentos que me levaram a chegar a uma síntese que me permitiram tomar cer-
tas atitudes, em minha própria vida, com resultados fantásticos, que me tiraram
dos problemas relativos à preguiça que me torturavam, além de poder criar um
curso para ajudar outras pessoas a livrarem-se deles também.

O que eu quero que você entenda é que, antes de tudo, o que aprendi estu-
dando o problema da preguiça surgiu de uma necessidade pessoal, de uma in-
quietação própria, de um anseio íntimo. O que eu desenvolvi não é, portanto,
apenas fruto de um estudo acadêmico, de teorias prontas. Há nisso muito de re-
flexão e de experiência. O que eu quero dizer é que, primeiramente, eu aprendi
a educar a minha vontade, aplicando tudo o que eu aprendi com meus estudos,
para depois poder transmitir isso para quem tivesse a necessidade e o desejo de
aprender.

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Livro II – Natureza da preguiça

A Preguiça e o Preguiçoso

Após toda essa introdução, parece-me que chegou a hora de definir o que é
a preguiça. Afinal, ela é o objeto de nossa investigação.

A preguiça, como eu a defino, não significa ficar sem fazer nada, deixando
a vida passar, no mais profundo ócio improdutivo. Quase ninguém faz isso, na
verdade. O preguiçoso, pelo contrário, às vezes é alguém que até faz coisas de-
mais e acumula diversas tarefas no seu dia. Preguiça, de fato, se refere à insistên-
cia constante de deixar de fazer aquilo que deve ser feito, para fazer uma outra coi-
sa qualquer.

O preguiçoso foge de sua obrigação, mas não com a honestidade do vaga-


bundo, que, pelo menos, deixa claro que escolheu a inatividade, e sim substi-
tuindo o que deveria ser feito por uma outra atividade qualquer, que surge como
uma alternativa aparentemente viável naquele determinado momento. Essas ati-
vidades substitutas podem ser de diversas naturezas, das mais simples às mais
complexas, das mais inúteis às mais úteis, das mais dispensáveis às mais impor-
tantes, do simples passatempo a uma obrigação seríssima. Pode ser a limpeza da
gaveta do escritório ou um relatório a ser entregue daqui a duas semanas, um
email para um amigo para marcar um encontro ou a confecção de um currículo
para ser enviado para uma empresa, a louça que ficou para ser lavada ou a mar-
cação de uma reunião indispensável. Não importa! O que importa mesmo é que
naquele determinado instante o que deveria estar sendo feito não o é, porque foi
substituído por uma outra ação que poderia ser realizada em outro momento
qualquer.

Ainda sim, diferente do que possa parecer, a preguiça não é uma decisão,
mas uma inércia. Geralmente, o preguiçoso não decide substituir a tarefa que
deveria ser realizada, mas deixa-se levar pelas circunstâncias, pelos sentimentos
e pelas tentações que o conduzirão à substituição do que deveria ser feito. O
preguiçoso não planeja ser assim, ele apenas se deixa ser. Não, claro, sem enga-
nar-se.

É que o preguiçoso normalmente só percebe que o é quando as consequên-


cias de sua preguiça começam a ficar tão evidentes que negá-las torna-se impos-
sível. Até esse momento, ele enganava-se, acreditando que suas dificuldades com

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a realização de seus compromissos era apenas uma questão de erro de planeja-
mento ou uma falha de orientação. Não passava pela sua cabeça que seu pro-
blema era muito mais íntimo do que um mero lapso metodológico.

Até porque o preguiçoso costuma viver atarefado, com trabalhos sobrepon-


do-se uns aos outros, o que dá a impressão de intensa atividade. Porém, o que
ele não percebe é que boa parte dessas atividades estão ali apenas fazendo o pa-
pel de obstáculo contra o que realmente deve ser feito.

Se eu pudesse defini-lo, diria que o preguiçoso é uma pessoa que se acumula


de tarefas, com o intuito de não fazer a única tarefa que deveria realizar.

Claro que tudo isso não ocorre de maneira consciente, mas manifesta-se
por meio de atos impulsivos e reações impensadas, ainda que tudo muito bem
justificados por racionalizações engenhosas.

O preguiçoso não é um mentiroso, nem um enganador. Ele apenas está in-


consciente da natureza de seu problema, que se manifesta por razões muito mais
íntimas do que pode imaginar qualquer moralista que trate desse tema.

A preguiça é natural

Ainda assim, não há como negar que ser preguiçoso é natural. E quando
afirmo isso não estou tentando justificar nada, apenas apontando que as ações
que caracterizam o preguiçoso são menos fruto de uma autodeterminação que
respostas espontâneas oriundas de sua estrutura psicológica e fisiológica. Em ou-
tros termos, as ações preguiçosas são movimentos predeterminados pela confi-
guração de sua estrutura humana fundamental.

Francisco Faus define a preguiça como a fuga do ideal - da perfeição, a de-


serção do amor. Realmente, é uma bela definição, porém, não me parece dizer
muito sobre a verdadeira natureza da preguiça. Porque, tal definição dá a enten-
der que a preguiça é uma ação deliberada, uma decisão, ainda que seja de fuga.

Na verdade, porém, o mais comum é a preguiça manifestar-se inconscien-


temente, fingindo ser o que não é, apresentando-se até como algo positivo. O
preguiçoso, por isso, parece-me mais um enganado que um farsante, mais um
perdido que um pecador.

Quando esses autores colocam a preguiça apenas como uma renúncia ao


superior, como uma rejeição do ideal, estão, na verdade, ignorando o verdadeiro
cerne do problema, que não está na decisão, mas no erro. Claro que a falha mo-

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ral tende a aprofundar o problema da preguiça, mas é certo que, se todos pudes-
sem, viveriam a vida de maneira que seus trabalhos e obrigações fossem todos
cumpridos plenamente. Se não vivem isso, apesar de quererem, então se encon-
tram diante de uma luta muito mais profunda.

Diferente dos pecados sensoriais, como a luxúria e a gula, que promovem


um prazer evidente e geralmente são buscados por si mesmos, ninguém é pre-
guiçoso para usufruir da preguiça (lembre-se da diferenciação que fiz entre o
preguiçoso e o vagabundo). As pessoas não querem ser preguiçosas e não veem
prazer em ser preguiçosos. Até porque elas apenas substituem uma atividade por
outra. Não ficam sem trabalhar, mas trabalham errado.
Por isso, considero que, em geral, a preguiça é um equívoco, materializan-
do-se pela escolha errada daquilo que deve ser realizado. Envolve uma fuga, um
autoengano, mas principalmente uma fraqueza.

O preguiçoso é fraco porque simplesmente cede ao seu impulso. Porém,


menos por prazer do que por não atentar para o fato de que sua natureza está
lhe conduzindo para uma direção que ele não gostaria de ir.

Em última instância, dentro de um contexto religioso, a preguiça pode até


ser considerada um pecado, mas não como aqueles pecados deliberados, plena-
mente conscientes, que algumas pessoas praticam por puro prazer e satisfação
própria. É verdade que as próprias Escrituras afirmam que aquele que sabe o
bem que deve fazer e não faz, peca. Porém, para entender bem o que é a pregui-
ça e, com isso, poder enfrentá-la, é bom não confundi-la com um pecado qual-
quer. A preguiça, como pecado, estaria mais para aqueles que se cometem por
omissão, por não pensarem bem sobre o assunto.

O mais importante, porém, é entender que a preguiça é algo natural, pois é


uma resposta da natureza humana, que afeta a todos e da qual ninguém pode
escapar totalmente.

A preguiça é universal

Se a preguiça é uma reação da natureza humana, então é algo que afeta


todo mundo. Pode-se dizer, portanto, que ser preguiçoso é normal, sendo anor-
mal o ter disciplina e força de vontade suficientes para cumprir exatamente tudo
aquilo a que se determina.

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Por isso, antes de continuarmos, eu gostaria de dar-lhe um conselho: pare
de se culpar! Se a preguiça, como vimos até aqui, é algo universal, não há por-
que carregar o peso na consciência por ceder a seus apelos. O que não é delibe-
rado não pode ser punido. Se não houve escolha, não há porque envergonhar-se.

Em uma sociedade forjada sobre bases cristãs, como a nossa, onde a culpa
é parte central de seu imaginário, pois é a consciência dos próprios pecados que
nasce o religioso, é muito comum as pessoas paralisarem-se por sentirem-se res-
ponsáveis pelos seus erros. A percepção de que fazem as coisas de uma maneira
inadequada costuma lançar sobre elas um peso que, não poucas vezes, dificulta a
retomada adequada de seus atos.
Sobre isso, lançando mão de uma interpretação parcial e equivocada das
ideias fundamentais de nossa cultura, muitos experts acreditam que a melhor
maneira de enfrentar a preguiça é lançar por terra todo escrúpulo de consciência
e deixar-se guiar pelos sentimentos e instintos. De fato, o que ensinam é que
ninguém deve se culpar por nada, pois isso seria contraproducente.

No entanto, não poderíamos esperar grandes coisas de uma sociedade que


agisse de forma psicopática, sem consciência de seus erros e ignorando os dita-
mes morais que sempre balizaram as ações humanas. Assim, quando eu digo que
não precisamos nos culpar pela nossa tendência à preguiça, não é dessa atitude
amoral que estou falando.

Apenas quero dizer que, neste caso específico da preguiça, que, como eu
ensinei, refere-se a uma atitude não deliberada e até inconsciente, normalmente
provocada por uma reação da natureza, não há razão para culpar-se. Isso, po-
rém, não significa que seja necessário resignar-se a ela e este é o ponto mais im-
portante que eu desejo tratar aqui. É que, falando em uma linguagem religiosa,
uma tendência não é pecado, até que nos conformemos com ela. Ser uma ten-
dência é apenas uma sugestão, às vezes forte, porém não significa uma determi-
nação inescapável.

Assim, se somos preguiçosos, sabendo que isso é o resultado de uma ten-


dência natural, realmente não precisamos nos culpar, desde que, tomando cons-
ciência dessa realidade e não nos conformando, comecemos a fazer algo para
mudar nossa situação.

Aliás, quando alguém, fundamentado na cultura cristã, culpa-se e paralisa-


se por isso, demonstra que, na verdade, não a compreendeu plenamente. Isso
porque o cristianismo, apesar de enfatizar a culpa como um fator central da
consciência, informa que ela é passageira e deve ser substituída pela confiança

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inabalável em um poder regenerador superior. Em resumo, o cristianismo, mais
que a culpa, ensina sobre o perdão e a redenção. Assim, reter-se na culpa não é
cristão, mas agir sobre ela, de maneira a emendá-la, isso sim é próprio do cristi-
anismo.

Nesse aspecto, vejo muita gente que se sente culpado por perceber que a
preguiça é uma realidade em sua vida, mas faz muito pouco para mudar sua si-
tuação. Alguns, simplesmente, praguejam contra o mal e acabam por acreditar
que a situação é irreversível. Acostumam-se tanto com a preguiça que acabam
incorporando-a em sua personalidade, assumindo que ela faz parte de sua forma
de ser.
O que eu posso dizer é que isso jamais é verdade. A preguiça é uma ten-
dência humana, mas não uma condição inexorável. Pelo contrário, como tantas
outras tendências negativas, ela pode ser superada com consciência e esforço e,
principalmente, com conhecimento.

A preguiça é uma prisão

Pode parecer estranho para algumas pessoas tratar algo natural como um
obstáculo a ser transposto. É que, no imaginário popular, o que é natural costu-
ma confundir-se com liberdade. O selvagem, por exemplo, é visto como alguém
livre das amarras das regras e dos padrões. Normalmente, os rebeldes são vistos
como selvagens exatamente por darem essa impressão de fazerem o que querem,
de não se prenderem às convenções.

No entanto, esta é um concepção completamente equivocada. Se há algo


que mais está submetido a um padrão e a algo predeterminado é o que é selva-
gem. Isso porque o selvagem não faz as coisas segundo uma determinação livre
de seu pensamento, mas responde quase mecanicamente aos estímulos e impul-
sos de sua natureza.
Aquilo que é natural não é livre, muito pelo contrário. O que está submeti-
do à natureza segue normas rígidas e quase imutáveis de comportamento, as
quais, por sua imutabilidade, podem ser previstas e provocadas. O natural não
tem escolha, mas responde, de maneira repetida, aos estímulos que lhe são da-
dos.

Quando, portanto, eu afirmo que a preguiça é algo natural, a primeira coi-


sa que estou tentando realçar é que ela é um tipo de aprisionamento. O pregui-

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çoso não tem liberdade, pois não faz aquilo que quer, mas aquilo que sua natu-
reza lhe impõe.
Também quero dizer que a preguiça, por ser natural, é uma reação absolu-
tamente previsível da estrutura humana. Os atos típicos de quem é preguiçoso
não são voluntários, nem determinados por uma mente livre, mas são meros im-
pulsos, que podem ser perfeitamente calculados e previstos.
Diante disso, somos obrigados a concluir que ninguém é preguiçoso por es-
colha, mas porque está deixando-se conduzir por sua própria natureza. O pre-
guiçoso é um selvagem, mas nos termos como apresentei aqui. Ele, longe de es-
tar livre dos padrões de comportamento e longe de fazer aquilo a que se deter-
mina, está sendo guiado por seus impulsos mais básicos, permitindo que sua na-
tureza seja o timoneiro de sua vida.

O preguiçoso é um prisioneiro. Até porque apenas há liberdade onde há


escolha e quando a pessoa está na posse de suas ações. A sabedoria antiga sem-
pre ensinou que as ações impulsivas são como algemas que aprisionam o indiví-
duo, enquanto a liberdade vem exatamente pela capacidade de usar a razão para
agir de forma diferente ao que a natureza impulsiona.

O problema da preguiça, portanto, refere-se a velha luta interna entre o


que se quer (vontade) e o que seu corpo é impulsionado a fazer (natureza).
Como praguejava o apóstolo bíblico: o que faço não quero, pois o que quero não
faço.

Por tudo isso, não há como tratar o problema da preguiça apenas por seu
aspecto moral, nem somente através de palavras de estímulo. Estamos lidando
com uma luta intrínseca de cada indivíduo - e uma luta inglória, pois trata-se de
contrariar tendências que fazem parte da estrutura primordial de todo ser hu-
mano.
De qualquer forma, somos homens e como maus homens seríamos se não
fôssemos capazes de vencer aquilo que a natureza tenta nos impor. Se sempre
fosse assim, viveríamos ainda nas cavernas, colhendo os frutos dados graciosa-
mente pelas árvores. Porém, desde o início, a humanidade não se resignou a vi-
ver apenas aquilo que a natureza lhe impunha, mas sobrepujou-a formidavel-
mente, chegando à imensidão civilizacional que temos hoje em dia. Isso é a me-
lhor prova de que realmente não estamos sujeitos aos nossos impulsos básicos,
mas quando esforçamo-nos por vencê-los somos capazes disso de maneira sober-
ba.

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Assim, ninguém está condenado a viver preguiçosamente. Apesar de ser
uma tendência, somos superiores a isso e podemos, com inteligência e perspicá-
cia, no uso de nossa razão, vencer o que a natureza tenta nos impor.

A preguiça é uma reação

Há várias maneiras de superar um problema que se impõe. Para o homem,


porém, todas elas passam pelo uso de sua inteligência. É pelo conhecimento que
se encontra as soluções e conhecer significa compreender as razões de algo. Se,
portanto, é pelo conhecimento que iremos vencer a preguiça, nada mais impor-
tante do que entender suas causas, os motivos que levam alguém a agir de ma-
neira preguiçosa.
E, do ponto de vista biológico, podemos dizer que a preguiça é uma reação
e toda reação se dá por causa de uma ação que lhe provoca. No caso da natureza
humana, sua reação acontece por causa de algo que ela interpreta ser uma ame-
aça ao bem estar e incolumidade da pessoa. Quando a natureza faz alguém
abandonar uma tarefa por outra, está, com isso, tentando evitar um mal.

O mal, porém, que a natureza tenta evitar não o é necessariamente. Ela


apenas interpreta assim. Ela, pode-se dizer, acredita que a tarefa a ser feita cau-
sará algum tipo de dano e, por isso, sugere sua substituição por algo menos pre-
judicial.

Mas o que pode haver de tão ruim em uma tarefa cotidiana que a natureza
entende que é um mal? Realmente nada de mais. Porém, ela entende assim. É
que sempre que somos obrigados a executar uma tarefa, isso demanda de nós
atenção e esforço. Normalmente, as tarefas mais importantes são também as
mais estressantes. E, na verdade, só o fato delas precisarem ser feitas já causa
algum tipo de preocupação.

Tudo isso é interpretado pela natureza humana como geradores de tensão e


de estresse e como ela é configurada para evitar o mal estar, faz de tudo para
afastar qualquer coisa que ameace a paz de espírito e cause cansaço.

Por isso, quando temos uma atividade que deve ser realizada, quando mais
complexa e mais atenção ela demandar, mais nossa natureza tenderá a interpre-
tá-la como um elemento indesejável e fará de tudo para desviar-nos dela.

Tal atitude da natureza é uma mera tentativa de proteger-nos. Quando a


natureza impulsiona ao abandono da atividade, está criando um caminho que

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busca preservar nossa paz, manter nossa tranquilidade, evitar que entremos em
um estado de tensão.
E, de maneira interessante, é por isso que ela não nos conduz a não fazer
nada, mas a praticar alguma outra atividade. É que se nossa natureza nos levas-
se ao ócio, criaria outro tipo de tensão, que é a sensação de inutilidade. O puro
ócio não é natural para o ser humano e, por isso, a natureza tende também a
evitá-lo.

O que ela faz é, de uma maneira inteligente, se bem que não sábia, evitar
uma atividade que interpreta como estressante, substituindo-a por outra mais
tranquila e que possa justificar a escolha.
Assim, a substituição da tarefa parece até bastante racional e sempre vem
acompanhada de um motivo razoavelmente plausível. E tais motivos podem ser
os mais diversos: uma pessoa pode deixar de fazer uma tarefa para arrumar os
arquivos do escritório, justificando que não aguenta mais a bagunça; pode adiar
um relatório para conversar com colegas do trabalho, alegando que isso faz par-
te de seu crescimento na empresa; deixar para outro dia uma petição para ler
um livro, afirmando que a obtenção de cultura é também muito necessária; pode
ficar meses para arrumar a porta de casa, substituindo isso por atividades diver-
tidas e entretenimento, falando que faz isso porque trabalha o dia inteiro e pre-
cisa descansar para pode realizar bem suas tarefas no dia seguinte. Seja como
for, a substituição sempre vem acompanhada, de forma ostensiva ou oculta, de
uma racionalização.
O mais importante, porém, é entender que o impulso preguiçoso não é uma
ação desenfreada, uma mera necessidade de descanso, mas um ato provocado
pela natureza para proteger-nos do que ela interpreta ser um mal. Evitar a pre-
guiça é difícil porque ela apresenta-se como uma atitude justificada, como algo
que é para o nosso bem. Quando alguém deixa de fazer o que deve ser feito, di-
ficilmente fará isso afirmando que estava com preguiça, mas dizendo que preci-
sava fazer outras coisas igualmente importantes.

Esta é a característica principal da preguiça e o que torna ela tão sorrateira:


fingir ser algo inteligente, quando não passa de um equívoco da natureza em re-
lação aquilo que ela interpreta como uma ameaça.

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A preguiça é um equívoco

Parece estranho afirmar que a natureza se equivoca, quando temos a ideia


de que tudo o que é natural é perfeito. Aliás, quando observamos a ordem e
harmonia que existem no universo, é impossível não concluirmos que, realmen-
te, há uma perfeição em tudo o que existe.

Como pode então, como eu afirmei, que a natureza se equivoque? Se ela


pode errar, então não há segurança para mais nada e sequer podemos dizer que
o sol nascerá amanhã. No entanto, a experiência deixa claro que não há nada
mais previsível do que a natureza e toda essa perfeição quase mecânica que exis-
te entre os elementos do universo quase nunca é quebrada.
Quando, porém, falamos de algo que envolve o ser humano, estamos li-
dando com aquilo que encontra-se acima e além da natureza, que é a razão. É a
razão que faz sermos o que somos, diferentes e superiores a todos os outros se-
res. É a razão que permite que não vivamos apenas submetidos às exigências da
natureza, mas consigamos suplantá-la, guiando-a e contendo-a.

E estando acima da natureza e propondo soluções que não estão submeti-


das a ela, acabam, por vezes, confundindo-na. Isso porque a natureza está confi-
gurada para reagir a um estado também natural e quando entra em ação a razão
e aquilo criado por esta, não poucas vezes a natureza torna-se incapaz de ler
corretamente os dados que se lhe impõem. Em suma, a razão humana alterou os
dados da realidade e, com isso, confundiu sua própria natureza.

É preciso entender que a configuração da natureza existe para agir em um


ambiente natural, onde não há a interferência da razão, com suas invenções e
artificialidades. Um perigo, para a natureza, é aquele que naturalmente existe,
como um animal que atravessa o caminho, a possível escassez de alimento ou
água ou a ameaça dos elementos naturais. Quando, porém, o homem começa a
alterar esse ambiente, manipulando-o para seu uso, incorporando nele elemen-
tos estranhos, criados pela sua inteligência, nada garante que sua natureza con-
siga espontaneamente entender essas mudanças. Assim, uma mera ameaça à
tranquilidade psíquica, como a de uma tarefa a ser realizada, pode ser interpre-
tada, não como um contratempo ou uma chatice, mas como uma verdadeira
ameaça à sobrevivência.

Imagine essa configuração natural, criada para a busca constante por ali-
mentos em um mundo onde esses alimentos são oferecidos abundantemente!
Imagine, também, essa configuração, criada para reagir rapidamente a qualquer

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ameaça, em um mundo onde estamos expostos a todo tipo de estímulo, de ruí-
dos e de apelos às sensações! É neste mundo que a natureza, que, diferente do
que muitos cientistas acreditam, tem uma dificuldade tremenda de adaptação,
precisa atuar. E, não raro, fará isso interpretando equivocadamente os dados que
se lhe apresentam.

No caso da preguiça, acontece exatamente isso: diante de uma tarefa obri-


gatória, que, certamente, causará algum tipo de tensão ou estresse, porém não
mais que isso, a natureza entende que ela é uma grande ameaça, que precisa ser
detida de qualquer maneira. Assim, para que isto ocorra, provoca na pessoa o
desejo de fazer alguma outra coisa, que normalmente é algo menos estressante e
menos cansativo.

O importante é entender que tudo acontece porque a natureza não se


adapta perfeitamente ao ambiente social criado pelos homens, pois foi criada
para um ambiente completamente diferente, onde os perigos eram mais reais e
as ameaças mais letais. Enfim, a preguiça é uma autodefesa.

Essa inadaptação da natureza ocorre porque ela possui uma configuração


imutável. Diferente do que os evolucionistas costumam proclamar, ainda que o
ambiente mude, a natureza permanece a mesma. Talvez ela alcance um tipo de
adaptação a esse novo ambiente, mas certamente será algo que pouco mudará
de sua constituição original.

A tendência à preguiça não é, portanto, uma falha estrutural. É, antes, uma


característica que existe por determinadas razões que são, em princípio, justas. O
fato é que a tendência, os impulsos, as reações e o processo que são desencadea-
dos no corpo de cada um existem em respeito a princípios naturais invariáveis,
que estão ali por uma razão certa. É por obediência a esses princípios que o cor-
po acaba agindo, muitas vezes, de forma a contrariar aquilo que foi determinado
pela vontade.

O primeiro princípio é o da economia de energia. Isso significa que a natu-


reza sempre tenta evitar, de todas as maneiras, o gasto das energias corporais.
Quando ela identifica que algo é um provável sugador de energia, logo passa a
sugerir saídas alternativas a fim de evitá-lo ou, pelo menos, minimizar seus efei-
tos. É por isso que quando a pessoa se depara com alguma atividade estressante,
que demande dela atenção e, portanto, algo que exige uma gasto enérgico, logo
surgem diversas ideias de como evitar aquilo ou como fazê-lo de uma maneira
menos cansativa. Tais ideias são sugestões que nosso cérebro inventa para nos
tirar do que ele considera ser uma ameaça energética.

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Uma variação desse princípio é o fato de que a natureza não apenas faz de
tudo para evitar atividades que gastem energia, como ela tende a economizar
essas energias, mesmo em situações que, em princípio, não são tão ameaçadoras
a ela. É que o corpo humano funciona da seguinte maneira: como as reservas de
energia são limitadas, ele entende que cada vez que essas reservas ficam mais
baixas, mais necessidade há de economizá-las. Fazendo uma analogia com uma
bateria de telefone celular, seria como se o ideal fosse que a pessoa trabalhasse
sempre com a bateria quase cheia, evitando deixar os níveis baixarem demais.
Pois, de acordo com a configuração da natureza, o corpo, diante das reservas de
energia em cinquenta por cento, por exemplo, vai tender a economizar mais
energia do que quando ele se depara com ela em setenta por cento. Resumindo:
quanto menos energia no corpo, mais a tendência de economizá-la se manifesta-
rá. Diante disso, não é difícil entender porque é tão difícil lutar contra a pregui-
ça. Também fica evidente que uma maneira eficiente de fazer isso é sempre des-
cansar adequadamente e não achar que trabalhar até atingir a estafa física seja
uma boa estratégia. Até porque a natureza age dessa maneira exatamente para
evitar que a pessoa desfaleça. Sabendo que o fim da energia significaria a com-
pleta cessação de qualquer atividade, muito antes de atingi-la o corpo já começa
a trabalhar para levar a pessoa para o descanso, que é o que ela usa para recar-
regar as energias corporais.

Junto a tudo isso, é importante entender que as energias do corpo são limi-
tadas. Quando elas chegam no fim, não há o que fazer. Nem a maior força de
vontade consegue arrancar mais forças de onde já não existe nenhuma. No en-
tanto, é preciso atentar, diante do que expliquei sobre a relação da natureza com
as reservas de energia, para o fato que o corpo vai começar a dar sinais de can-
saço bem antes de chegar aos limites de sua reserva energética. Assim, também
não seria muito produtivo, diante dos primeiros sinais de cansaço, desistir da
atividade, pois esses sinais são apenas os primeiros alertas de que a energia está
baixando, não que elas estão no fim. Lembre-se que o corpo sempre age assim,
tentando fazer a pessoa desistir daquilo que ele está fazendo para economizar a
energia. No entanto, normalmente, há ainda uma boa reserva para gastar antes
de ter de cessar mesmo a atividade.

O segundo princípio que a natureza segue é o da preservação da incolumi-


dade e do bem estar da pessoa. Por isso, tudo aquilo que ela identifica como uma
ameaça, faz com que coloque em movimento um sistema interno de defesa, que
tem como objetivo interceptar o perigo detectado. Por exemplo, quando alguém
está com fome, a natureza faz com que o funcionamento do cérebro se modifi-

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que, a fim de que a pessoa não pense em outra coisa senão em saciar a necessi-
dade por comida. Da mesma maneira, diante do perigo de uma tarefa estressan-
te, o cérebro também sofre alterações, de maneira que a pessoa não reflita sobre
as consequências de não cumprir com o determinado, mas corra para saciar a
necessidade de escape. Esse sistema de proteção, ao mesmo tempo que impede o
raciocínio libera os impulsos. É que diante do perigo é preciso que as reações se-
jam rápidas. Não cabe a reflexão nesse momento. Para quem está prestes a ser
atacado por um animal feroz, pensar demais pode ser fatal. E assim que a natu-
reza “pensa”. Por isso, ela capacitou o homem a reagir impulsivamente, de ma-
neira a encontrar uma solução rápida para o perigo iminente.
Ambos os princípios, portanto, existem para proteger o ser humano. Porém,
como estão inseridos em um ambiente para os quais não foram criados, acabam
exagerando em suas atuações.

De qualquer forma, é importante entender essa maneira de agir da nature-


za, pois é em posse desse conhecimento que a pessoa pode preparar-se para não
ser enganado por ela.

A preguiça é uma omissão

Parece evidente que a preguiça é uma omissão. O preguiçoso é alguém que


fechou os olhos para seus impulsos, permitindo que assumissem o controle de
suas ações. Está no cerne da conduta preguiçosa abrir mão da razão, em favor da
reação irrefletida.
Quando o homem despreza sua capacidade racional, para deixar-se guiar
pela natureza, perde o controle da própria vida. Passa a ser como a madeira
morta lançada na correnteza, guiada pela força das circunstâncias e limitada por
margens insuperáveis.
São os animais que definem-se por suas próprias naturezas e circunscre-
vem-se nelas. Nenhum animal jamais vai fazer algo além daquilo que sua natu-
reza lhe impõe. Um cachorro nunca vai miar, nem um gato piar, nem um cavalo
ler poesias. Nada do que o animal faz contraria sua natureza, nem a supera. O
animal é seu escravo, completamente sujeito ao que ela lhe impõe.

Os homens possuem também sua animalidade. Eles igualmente têm uma


natureza que lhes impõe formas de reação, impulsos previsíveis e aparentes limi-
tações. A diferença crucial, porém, é que o homem, diversamente do restante

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dos animais, não é definido por sua animalidade. Esta infligi-lhe tendências, di-
reciona suas reações, impulsiona seus atos, mas não representa uma limitação
definitiva ao que ele pode fazer.

É verdade que há cientistas que preferem enxergar o homem apenas como


mais uma espécie do reino animal, não muito diferente de um cão pavloviano, de
quem é possível prever todas as reações e mapear todas as escolhas. Para esses
cientistas, o ser humano pode ser totalmente dissecado e completamente discer-
nido, não havendo espaço para o imponderável, menos ainda para razões espiri-
tuais, nem mesmo psicológicas. É uma tendência que tenta enxergar o ser hu-
mano apenas em sua animalidade. Tudo o que lhes parece fora dela é visto como
inútil para a consideração. Para esse tipo de observador, o homem é apenas uma
bicho, ainda que um pouco mais evoluído que os outros.

A realidade, porém, evidencia que o homem é capaz de fazer coisas muito


superiores, realizando muito além do que seu lado animal determina. Esta, aliás,
é a origem de toda tecnologia: a ação humana que submete a natureza aos seus
ditames, subjugando-a segundo seus interesses. Desde a invenção da roda até a
construção da bomba atômica, tudo é prova de como o homem é capaz de mani-
pular a natureza em seu favor.
Todavia, não é apenas sobre os elementos exteriores que o ser humano pos-
sui o poder de engendrar, mas também sobre si mesmo. Se o homem pode der-
rogar a lei da gravidade, criando aeronaves que cruzam os céus de todo o mun-
do, mais ainda deve poder anular a lei da reação impulsiva, determinada pela
natureza a qual pertence.

Portanto, seria uma tremenda estupidez resignar-se diante das dificuldades


impostas pela natureza, especialmente aquelas que configuram a preguiça. É cer-
to que elas existem, se manifestam, dificultam a vida em muitos momentos, po-
rém, não podem ser definitivas como determinadora das ações.

É claro que esta sempre será uma luta inglória! Porque toda vez que nos
dispormos a fazer algo que planejamos, vamos nos deparar com tendências con-
trárias que brotam de nosso interior, com forças naturais que buscam se impor.
Haverá sempre uma oposição interna. Nosso corpo irá lutar contra nossa vonta-
de e nosso cérebro irá tentar nos enganar.

Por isso, nossa única chance é assumir que somos mais do que meros ani-
mais, rebelarmo-nos contra a autoridade da natureza em relação às nossas atitu-
des e alçarmos a razão ao comando, deixando que ela dirija nossos passos e de-
termine nossas ações.

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A preguiça é uma luta

Se há uma luta, antes de tudo precisamos definir quais são as partes que
estão se enfrentando. E se de um lado está a natureza, com suas reações impul-
sivas e irracionalidades, do outro está a vontade, que se configura por aquilo que
queremos e nos determinamos a alcançar. De maneira simples podemos dizer
que o inimigo da preguiça é a vontade ou a força de vontade, como se diz usu-
almente.

No entanto, vontade é uma palavra equívoca que, como tantas outras, pode
significar coisas diferentes, às vezes até antagônicas, dependendo do contexto
como é empregada e da intenção de quem a pronuncia. Portanto, acredito ser
importante deixar claro sobre o que eu estou tratando.

No caso deste trabalho, vontade refere-se aquilo a que nos determinamos,


àquelas decisões que tomamos conscientemente e com um objetivo. É aquilo que
dizemos para nós mesmos que iremos fazer e de que maneira faremos. Vontade,
portanto, significa decisão, determinação.

Vontade se diferencia do desejo puro e simples, pelo fato deste ser desper-
tado sem qualquer determinação anterior. O desejo simplesmente surge. O que é
desejado não é planejado. É um mero sentimento de atração em direção a de-
terminados objetos ou pessoas. O desejo é despertado por razões inconscientes,
por mera reação natural, ou seja, por instinto, sendo algo de nossa estrutura bio-
lógica e cerebral mais básica.

A vontade, por seu lado, se refere àquilo que escolhemos, que decidimos
buscar. Ela é fruto de uma decisão inteligente, não de nossos instintos ou rea-
ções. Ela é algo absolutamente racional. Por isso, os objetos da vontade não são
aqueles que estão à disposição imediata, nem estão ao alcance, não podendo ser
possuídos neste momento. Os objetos da vontade referem-se àquilo que tenta-
mos alcançar, depois de algum tempo e esforço. É aquilo que é visualizado no
futuro e nos determinamos a possui-lo.

Por essa razão, os objetos da vontade não possuem uma atração natural,
não estão perto o suficiente para isso. Nós não somos conduzidos a eles por im-
pulso. Para a comida, a bebida, os objetos de prazer, somos lançados. Sequer
precisamos pensar neles. Nossa estrutura elementar nos empurra na direção de-
les, mesmo contra nossa vontade. Os objetos da vontade, porém, são criações

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mentais, frutos da razão, escolhidos pela inteligência. Por isso, apenas o esforço
consciente conduz-nos até eles.
E a partir do momento que os objetos da vontade são frutos de uma deci-
são inteligente, é certo que se tratarão de coisas superiores. Como ninguém quer
para si algo ruim, ninguém faz planos para prejudicar a si mesmo, conclui-se que
a vontade é a decisão por algo melhor.
Na verdade, em ambos, na vontade e no desejo, nos dirigimos para aquilo
que pressupõe-se melhor. A diferença é que quem toma a decisão no desejo é a
nossa natureza elementar, inconsciente, enquanto que na vontade somos nós
mesmos, com consciência e razão. No desejo trata-se de um desfrute, de um me-
lhor imediato. Na vontade, o melhor é diferido e exige que se faça algo para al-
cançá-lo.

É por isso que a vontade envolve nossos planos, nossos projetos, enfim, os
nossos sonhos. Também envolve aquilo que consideramos mais nobre, mais belo,
que entendemos superior. Na vontade, projetamos os que queremos alcançar e
nos determinamos a empreender o esforço necessário para isso.

A questão, portanto, é saber como fazer com que a vontade se sobreponha


à preguiça ou, em outras palavras, como conseguir com que a razão vença a na-
tureza. Na prática, o que todo mundo quer saber é como fazer para começar a
colocar em prática tudo aquilo que planejou e não deixar-se levar pela vontade
de escapar dessas tarefas fazendo uma outra atividade qualquer.

A preguiça é dispersão

Estando inconsciente dos motivos de suas ações, o preguiçoso é a presa


perfeita daqueles que o provocam para fora de suas obrigações. Como alguém
encantado pelo canto da sereia, lança-se no mar da dispersão, onde muitas coi-
sas acontecem, menos aquilo que deveria estar sendo realizado

Quem, na hora exata de cumprir aquilo que está determinado, não se sente
impulsionado a fazer qualquer outra coisa, antes de começar? Navegar um pou-
co na internet, verificar as redes sociais ou ler um artigo que se lembrou naquele
instante; ou mesmo algum tipo de atividade mais importante, como organizar os
arquivos, ajeitar as pastas do escritório ou mesmo ler um algumas linhas de um
bom livro; pode ser ainda que se lembre de adiantar uma tarefa importante ou
colocar em dia uma obrigação que está atrasada. Não importa! O que caracteriza

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o elemento dispersivo não é sua qualidade intrínseca, nem sua importância ge-
ral, mas seu deslocamento no tempo - ele está sendo realizado no lugar de outra
atividade, sendo que esta sim é que deveria estar sendo feita.

Podemos chamar essas atividades paralelas de elementos dispersivos, pois


eles caracterizam-se principalmente por sua capacidade de tirar-nos da concen-
tração daquilo que realmente devemos fazer. Pode ser um entretenimento ou um
trabalho sério, é dispersivo porque faz-nos perder da tarefa principal, atraindo-
nos para longe do que deve ser executado em um instante definido. É dispersivo
porque faz-nos esquecer de nossa obrigação, ocupando nossa mente com outra
coisa qualquer.
No entanto, tais elementos dispersivos não obteriam tanto sucesso em seu
intento desagregador se apresentassem-se com a natureza que, de fato, possuem.
Para conseguir atrair a pessoa para fora de sua obrigação, eles se mostram bem
mais aceitáveis e até indispensáveis. Acabam vistos como alternativas viáveis,
pois se mostram como algo também importante que precisa ser concluído. Há
um apelo para eles, e pode ser que haja até alguma importância. Tais tarefas al-
ternativas geralmente têm algum valor e, de qualquer maneira, constituem-se
como ocupações. Como elas não são meros ócios ou entretenimentos acabam
tendo um poder de atração muito mais convincente, afinal quem as pratica, de
alguma maneira, sente-se em atividade.

É fato que a mente não suporta atitudes sem motivo. Mesmo quem decide
por nada fazer, encontra nisso boas razões. No caso dos elementos dispersivos
não é diferente. A justificativa ou racionalização sempre os acompanha. Invaria-
velmente, quem cede a eles faz isso utilizando dos melhores argumentos, dando
sobre a necessidade de executá-los boas explicações. O equívoco de sua escolha
normalmente só é percebido bem posteriormente, quando as consequências da
substituição materializam-se. E isto é bem típico de um elemento dispersivo: pa-
recer a melhor escolha no momento, para revelar-se em erro logo depois.

Mas não seria possível, para os elementos dispersivos, atrair com tanta efi-
cácia, se não houvesse, nas pessoas, uma tendência para a racionalização de suas
escolhas. Como o Dr. Leon Festinger descobriu em suas experiências, há uma ne-
cessidade de justificação daquilo que decidimos fazer, adquirir ou assumir em
nossas vidas. No caso da dispersão em relação às nossas obrigações não é dife-
rente. Quando deixamos de fazer algo, substituindo por uma outra atividade
qualquer, imediatamente iremos procurar justificativas que racionalizem essa es-
colha, dando a esta atividade alternativa valores que talvez ela não possua. Se
não fosse isso, os elementos dispersivos não conseguiriam atrair-nos com tanta

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eficácia. São essas justificativas que aplacam a culpa pela escolha dispersiva e
dão caráter de nobreza ao que se decidiu fazer, em lugar do que deveria ser fei-
to.

Parece claro, diante disso, a sutileza dos elementos dispersivos. Para enga-
nar mostram-se como atividades necessárias, fingindo que não são meros esca-
pes, dando a aparência de labor valoroso. Agem, pode-se dizer, diabolicamente,
já que o demônio costuma travestir-se de anjo de luz. Sendo assim, tornam-se
perigosos, pois carregam uma beleza que não lhes pertence, enredando aqueles
que agem inadvertidamente.

Como tudo na vida, levar-se pela impressão imediata pode ser perigoso.
Deixar-se seduzir pelo sentimento momentâneo costuma ser um erro. No caso
das obrigações não é diferente. A cessão em favor de um elemento dispersivo
quase sempre é um impulso, uma resposta imediata a uma provocação pontual.
Não é uma ação prevista, mas uma reação, simplesmente. E como todo ato irre-
fletido, cede ao gosto, à impressão, não à razão. O abandono da tarefa principal
por outra extemporânea geralmente é uma mera concessão ao sentimento mo-
mentâneo e, por isso, quase sempre equivocada.

A única maneira, portanto, de não cair no engodo dos elementos dispersi-


vos é estar atento, tanto para identificá-los como para classificá-los. Só assim é
possível não ser enganado por eles, que costumam apresentar-se não em sua na-
tureza verdadeira, mas travestidos de importância e necessidade. Por isso, quem
deixa-se conduzir pelos impulsos, quem confia apenas nos instintos, tem muita
chance de se perder na dispersão.

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Livro III – Reflexões sobre a preguiça

A rotina

Não são, porém, apenas os fatores ambientais que influenciam as pessoas


de nossos dias a cederem mais aos elementos dispersivos. Há também fatores
culturais e de pensamento, o chamado espírito dos tempos, ou zeitgeist, que
moldam a mentalidade das pessoas e, muitas vezes, acabam influenciando-as a
agirem de determinada maneira.
Por exemplo, parece que os homens a partir do século XX começaram a ter
uma relação com o trabalho bem mais tumultuosa do que qualquer época ante-
rior. Com a impregnação do discurso socialista na mentalidade das pessoas, o
trabalho passou a ser visto como alienação, quase como uma usurpação da força
do trabalhador. E isto, independente da atividade que cada um exerça, parece ter
influenciado a forma como todos encaram o trabalho.

Não é difícil perceber que as pessoas, hoje em dia, veem a rotina do traba-
lho como um peso a ser suportado. O que antes era algo natural, agora é apenas
inevitável. No entanto, se pensarmos bem, vamos perceber que essa relação com
o trabalho não possui muita razão de ser. Inclusive, eu acho estranho quando
vejo alguém reclamando da rotina do seu trabalho. Parece até que ele fica so-
nhando com algo que possa fazer que jamais se repete, que a cada novo ato é
uma novidade, com algo sempre inesperado. Eu fico tentando me esforçar para
imaginar um tipo de trabalho assim. E, sinceramente, pode até ser que eu possua
uma imaginação muito fraca, mas não consigo vislumbrá-lo.

As pessoas costumam ter inveja daqueles que exercem atividades que apa-
rentemente não têm nada de rotineiro, como os artistas e os esportistas. No en-
tanto, só quem nunca foi artista ou esportista pode pensar algo desse tipo. Se as
pessoas soubessem o tanto de rotina, de repetição, de prática de pequenos atos
envolvem a atividade desse pessoal, talvez começasse a valorizar aquilo que eles
mesmos fazem. O que vemos nos campos e casas de espetáculos é apenas o pro-
duto final de um trabalho que envolveu muitos outros pequenos atos anteriores,
a grande maioria deles sem nenhum glamour e prazer.

Todo trabalho é rotineiro. Mais ainda, trabalho e rotina são praticamente


sinônimos. Afinal, não existe trabalho que não busque um resultado e não existe
resultado que não se obtenha por meio de diversos e repetidos atos. Portanto,

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quem quer algo precisa trabalhar e isso significa que precisa repetir algumas coi-
sas diversas vezes até atingir aquilo porque o seu trabalho existe.
Mas eu entendo a aversão que as pessoas têm em relação à rotina. Se ela
existe em função de um resultado, a percepção que temos em relação a ela de-
pende da percepção que temos também do resultado. O problema é que, muitas
vezes, o resultado está tão distante e tão oculto que a rotina acaba perdendo
qualquer significação. Quando isso acontece, a rotina torna-se apenas um enfado
sem sentido, uma obrigação que se cumpre apenas por causa de uma recompen-
sa paralela que ela proporciona. Nela mesma, porém, não vê-se nada de atrativo.

Não vou ser hipócrita, falando algo apenas para agradar os leitores. Eu pre-
ciso aceitar que, realmente, há algumas atividades que são desestimulantes. Há
trabalhos que realizá-los parece não ter sentido algum, senão apenas cumpri-los
para receber o salário no final do mês. Por isso, é absolutamente compreensível
que algumas pessoas tenham verdadeira ojeriza ao cotidiano de seu trabalho.
De qualquer forma, boa parte daqueles que se dispõem a ler um livro sobre
a preguiça, não se encontram nessa categoria. Em geral, são pessoas que gostam
do que fazem ou, no mínimo, entendem a importância de suas atividades. Tam-
bém são pessoas que possuem objetivos e estão preocupadas exatamente porque
não estão conseguindo alcançá-los, por causa da preguiça.

Vale dizer, então, que o problema com a rotina está no fato de não a acei-
tarmos em sua verdadeira natureza. Sendo que a rotina nada mais é do que par-
te de um processo maior e inescapável e só tem sentido dentro desse contexto.
Se enxergarmos a rotina isoladamente, veremos nela apenas uma repetição en-
fadonha de atos, o que obviamente é insuportável. Se a observarmos, porém,
como parte da natureza do processo, então ela começa a tomar um sentido mai-
or e é este sentido que vai nos dar força para executá-la com alegria.

O processo

É óbvio que todo mundo gostaria de poder bater palmas três vezes e ver as
coisas se materializarem na sua frente. A fábula do gênio da lâmpada é fascinan-
te porque mexe com uma fantasia agradável e quando lembramos dela imagi-
namos o que faríamos se nos fosse concedida a possibilidade de fazer três pedi-
dos.

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Mas voltemos à nossa vida verdadeira e cresçamos. Gênios da lâmpada não
existem e se queremos obter qualquer coisa precisamos trabalhar. Com exceção
dos pouquíssimos agraciados com a fortuna que lhes caiu no colo, quase todo
mundo precisa exercer atividades que lhe possibilitem obter as coisas. E mesmo
os milionários por herança precisam fazer algo se quiserem ter o que desejam.

Estou falando, portanto, de processo. Se repararmos bem, tudo o envolve.


Quase nada nessa vida é possível obter com um ou dois atos. Quase tudo exige
uma sequência de ações a fim de alcançar o resultado. E o ordinário é que exija
diversas ações, pequenas e repetidas.

Trabalho é processo e processo é rotina. Quem não percebe que esses ele-
mentos são quase a mesma coisa acaba tendo uma visão equivocada da realida-
de. Não existe trabalho sem rotina, e toda rotina faz parte de um processo. As-
sim, se alguém quer obter algo deve preparar-se para fazer várias coisas repeti-
damente e para realizar diversas atividades pequenas e, aparentemente, sem re-
lação com o todo.

Isso é trabalho! E isso faz parte da vida! Não adianta fugir, não adianta se
iludir, não adianta ficar sonhando com um mundo onde as coisas se obtém ins-
tantaneamente. No mundo real, o esforço precede o resultado, da mesma manei-
ra que o impulso precede o movimento. Querer algo sem rotina, sem trabalho,
sem processo é apenas a demonstração de uma consciência imatura, como de
uma criança que acredita em gênios da lâmpada. Se bem que, pelo que me pare-
ce, nem as crianças têm acreditado nisso. Há, porém, alguns adultos que recla-
mam de suas rotinas, que sentem-se amaldiçoados em seu cotidiano, como se
fosse possível viver de outra maneira. São pobres de espírito! Não entendem que
o trabalho e a rotina que os envolve não é um azar, nem uma opção, mas parte
intrínseca da vida, aceitem isso ou não.
O mais saudável, portanto, é entender que tudo faz parte de um processo e
cada ato é um pequeno elemento desse processo. Melhor ainda é tomar consci-
ência que cada pequena atividade pode ser vista como um parafuso em uma
grande engrenagem. Talvez, olhando para ele assim, isoladamente, em sua pe-
quenez, seja difícil entender o valor que tem. Quando, porém, entende-se que
não há parafuso que não tenha uma função e que retirá-lo pode comprometer o
todo, talvez fique um pouco mais fácil de enxergá-lo em sua importância.

É preciso entender o processo como algo absolutamente natural e necessá-


rio. É preciso também vê-lo não apenas em seu conjunto, mas separando ideal-

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mente cada uma de suas partes, para, assim, entender que cada uma delas tem
sua importância diante de todo e até tornam-se imprescindíveis para ele.
Ao fazer isso, quem sabe o relógio que desperta nas primeira horas da ma-
nhã não seja mais o prelúdio de uma tortura anunciada, mas passe a ser visto
como o despertar para mais um dia quando um pouco mais será feito em favor
de algo realmente importante.

O trabalho

É absolutamente normal valorizar o trabalho conforme os resultados que


ele persegue. Mais ainda, não há nada de estranho em uma pessoa motivar-se
para o trabalho conforme o resultado a ser alcançado, afinal, o trabalho existe
para isso mesmo.

O trabalho, por definição, é um meio. Todo trabalho pressupõe um resulta-


do para o qual ele se dirige. Trabalhamos para realizar algo que não é o próprio
trabalho, mas um produto qualquer que é a sua consequência.

O único problema é que, muitas vezes, os próprios resultados não são lá


muito altos, consistindo, em boa parte das vezes, em meras satisfações temporá-
rias, quando não exigências burocráticas ou outras nada superiores.
Nesse panorama, realmente torna-se impossível enxergar o trabalho como
algo mais além de uma obrigação tormentosa que deve ser suportada. Ainda as-
sim, porque ele traz algum tipo de outro benefício, que é a remuneração corres-
pondente.
A situação transforma-se em um beco sem saída: não há como ver o traba-
lho além de um meio, bem mesquinho de conquistar um resultado, normalmen-
te, imediato.

Diante disso, qual a possibilidade de alguém por-se a trabalhar constante e


permanentemente, firme para resistir às tentações dispersivas e disposto a sacri-
ficar outros momentos agradáveis, se não for pela imposição de um superior hie-
rárquico que lhe ameace cortar seu salário ou demiti-lo?

Mas o grande problema de muitos leitores deste livro reside exatamente no


fato deles não possuírem esse tipo de ameaça que os faça trabalhar mais. Quem
mais sofre com a preguiça são exatamente aqueles que precisam responder a si
mesmos, que sofrem diretamente as consequências de seus atos. Os outros, ain-

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da que sejam igualmente preguiçosos, possuem a motivação infalível da ameaça,
o que não lhes permite manter-se inertes.
Muitos estudiosos do assunto vão, neste ponto, ensinar nossos pobres pre-
guiçosos a visualizar os objetivo que buscam, a mantê-los em suas mentes, a fa-
zer um exercício de meditação qualquer e, com isso, esperam que eles consigam
manter-se firmes no trabalho.
Ocorre que a preguiça não obedece esses ditames. Ela é sorrateira e surge
em um momento que pega a pessoa desprevenida. E, normalmente, ela carrega o
argumento infalível de que aquilo que não se está fazendo agora pode ser feito
amanhã, sem grandes prejuízos. Por isso, essa tática dos gurus da psicologia difi-
cilmente funciona.

Eu mesmo não tenho nenhuma fórmula para esse problema, senão tentar
fazer você entender que só há uma maneira de trabalharmos com afinco, com
constância e com persistência: por meio da santificação do nosso trabalho.
E apesar dessa expressão parecer um tanto religiosa - e o é!, ela revela exa-
tamente aquilo que quero dizer aqui. Quando eu falo em santificação, estou refe-
rindo-me àquele significado exposto na literatura cristã, que é de tornar a coisa
separada, como algo especial.
Algo santificado não é mais visto em sua utilidade, nem como mero meio,
mas passa a ter valor por si mesmo, não porque possui qualidades intrínsecas,
mas porque algo externo e superior assim lhe tornou.

No caso das coisas religiosas, elas são santificadas porque Deus assim as
fez. De alguma maneira, por sua vontade soberana, transformou-as em instru-
mentos úteis para seus propósitos.

No caso do trabalho, se quisermos torná-lo não apenas suportável, mas até


estimulante, precisamos, à semelhança de Deus, também santificar o que faze-
mos. E, para isso, precisamos enxergá-lo não mais como um mero instrumento
para obtermos o que desejamos, mas como parte mesmo de uma missão e uma
vocação.

O trabalho é, de fato, parte integrante da vida do homem. Só o fato de pos-


suir uma atividade, seja ela qual for, já lhe oferece dignidade e respeito. Alguém
que não faça nada de produtivo, que não possua nenhuma atividade que tenha
um objetivo definido, ainda que seja rico, não passa de um pobre coitado.

O trabalho possui um valor intrínseco, porque é o desdobramento natural


da capacidade criativa do ser humano e de sua racionalidade. Não existe vida

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humana minimamente digna sem trabalho e, portanto, o valor do trabalho não
depende unicamente de sua utilidade, mas sobrevive independe dela.
Ao entender isso, é possível começar a vislumbrar o trabalho como algo
que possui valor próprio. Assim, ao levantar de manhã não é preciso praguejar
contra os céus, reclamando de mais um dia quando precisará cumprir obrigações
sem sentido e valor. Pelo contrário, deve agradecer a Deus a possibilidade de ex-
pressar sua humanidade no que ela tem de nobre, que é sua capacidade de em-
preender esforços racionais e úteis, para o bem de si mesmo, dos seus e de toda
a sociedade.

A associação

O fisiologista russo, Ivan Pavlov, mostrou como os animais respondem a es-


tímulos por associação. Bastava ele proporcionar a experiência de, por exemplo,
sempre tocar um sino antes de oferecer comida para, em pouco tempo, o animal
começar a salivar com o mero toque do sino, sem nem mesmo ver o alimento.
Experiências posteriores mostraram que isso acontece também, em certo grau,
com os seres humanos. Estes também respondem a estímulos por associação.

A associação é muito poderosa e todos nós a fazemos. Relacionamos diver-


sas áreas de nossa vida com sensações, ideias e sentimentos específicos. Quando
fazemos isso de forma racional - o que é bem possível, encontramos uma grande
arma para tornar algo que, inicialmente, poderia ser desagradável em agradável.
Basta o associarmos a um bom sentimento ou ideia.
A associação consciente, quando bem direcionada, é o caminho para a li-
berdade do ser humano. Por outro lado, a associação inconsciente, como aconte-
ce na maioria das vezes, é um perigo. Grande parte das doenças psíquicas ocor-
rem por uma associação feita pelo inconsciente. Síndromes desenvolvem-se por-
que a mente associa determinada situação a um sentimento ligado a uma expe-
riência negativa. Assim, a associação inconsciente configura-se uma verdadeira
prisão, que impede o desenvolvimento do indivíduo e o impede de desfrutar ple-
namente de suas possibilidades.
E esta é uma das causas de nossa preguiça. Principalmente porque associ-
amos o trabalho, invariavelmente, a sensações negativas. O trabalho, na cabeça
de muita gente, não passa de um interregno de sua vida verdadeira, que é expe-
rimentada fora dele. Como se o trabalho fosse uma suspensão do gozo da exis-
tência, o qual deve ser suportado, por necessidade. As pessoas costumam olhar o

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trabalho apenas em relação ao esforço que ele exige e não suas outras caracterís-
ticas que podem ser mais positivas. Assim, o trabalho transforma-se em algo que
é preciso exercer, mas por obrigação e sem prazer. É apenas o preço que se paga
para a sobrevivência e para se obter o que deseja.

Aliado a isso, houve ainda, no imaginário popular, a impregnação do dis-


curso socialista do século XIX, que criticava o capitalismo nascente, por conta de
sua exploração do trabalhador proletário. E apesar das mudanças ocorridas nas
condições laborais tenham sido imensas, alterando completamente, para melhor,
o ambiente e a forma como o trabalho é exercido hoje, o discurso da exploração
permaneceu intacto na mentalidade das pessoas. Então, ainda hoje, é comum
associarem o trabalho com um tipo de escravidão ou exploração, fazendo com
que, no íntimo de cada pessoa, o trabalho seja percebido como algo negativo.
Tanto que é bem normal ver trabalhadores se referindo a seus patrões como ini-
migos, que apenas querem obter o máximo de lucro possível de seus empreen-
dimentos, com o desejo de tirar o máximo de cada funcionário. Com um pensa-
mento assim, não há como dirigir-se para o trabalho feliz.

Falta um pouco, talvez, daquela dimensão em relação ao trabalho que ha-


via nos puritanos protestantes, fundadores dos Estados Unidos da América. Se-
gundo Max Weber, em seu livro "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo",
um dos motivos que fez aquela nação prosperar tanto foi a noção de missão que
aqueles homens e mulheres tinham, o que envolvia, diretamente, o próprio tra-
balho deles. Eles viam seus ofícios como chamados divinos, que deveriam exer-
cer com todo zelo e alegria. Viam-se vocacionados para as atividades que exerci-
am e isso lhes dava motivação suficiente para dedicar-se com afinco a seus afa-
zeres.

Para as pessoas de nosso tempo, muitas vezes, falta esse tipo de associação,
de ver o trabalho não apenas como um instrumento, mas como algo que tem a
ver com nossa missão neste mundo. Acontece que, não raro, elas não se identifi-
cam com o que fazem, não entendem seu labor como uma parte de sua missão.
Sequer conseguem ver a função de seus trabalhos na sociedade, restringindo-se
apenas aos atos imediatos deles, apenas ao exercício cotidiano e rotineiro das
tarefas.

A preguiça, portanto, manifesta-se porque fugir do peso desse trabalho re-


pleto de associações negativas torna-se um desejo constante e, na verdade, quase
ininterrupto. Assim, basta uma insinuação, ainda que sutil, de algo que sirva
para escapar da tarefa, para a pessoa deixar o que está fazendo ou deveria fazer
e ir fazer o que não deveria.

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Parte IV - Causas da preguiça
Cultura do bem estar

Não adianta nada entender perfeitamente a natureza do trabalho e sua ro-


tina se houver na pessoa a ideia de que o lazer e o entretenimento são os fatores
centrais de sua existência.

Por quase toda a história, as pessoas viveram com a clara noção que a vida
não era um parque de diversões. Não que não houvesse prazeres e festas, mas
ninguém esperava que elas se tornassem o aspecto mais importante de suas vi-
das. Como os carnavais medievais, a diversão servia mais como uma válvula de
escape necessária, para que a vida cotidiana e as obrigações rotineiras pudessem
ser melhor suportadas.
Não há nem de falar-se em resignação, mas assim era a vida e revoltar-se
contra essa situação de nada adiantaria mesmo. De qualquer forma, a noção de
esforço e trabalho eram comuns, não havendo sequer algum tipo de indignação
quanto a isso.
Apenas em tempos mais modernos é que começou a haver uma crítica ao
trabalho, que passou a ser visto não mais como algo natural e necessário, mas
como uma obrigação imposta e inescapável, da qual deve-se aceitar mais por ne-
cessidade do que por natureza.
E também é destes tempos a ideia de lazer e diversão como aspectos impor-
tantes e apreciáveis em si mesmos, o que gerou uma sociedade que tem o prazer
como algo a ser buscado, muitas vezes de forma desenfreada e desmesurada-
mente.
Assim, se antes o trabalho fazia parte da vida, como algo inescapável e na-
tural, agora ele passou a ser apenas um interregno, muitas vezes enfadonho e
cansativo, entre os momentos de prazer e descanso.

Sendo assim, não estando mais no centro da vida do homem, ainda que
ocupe sua maior parte do tempo, não é de se estranhar que as pessoas tenham
mais dificuldades em manter-se firmes em suas atividades. O tempo todo, suas
mentes e corpos são instadas a buscar aquilo que lhes é mais importante, como o
prazer, o entretenimento e o descanso.

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Fica muito difícil, para o homem de nossos tempos, manter-se concentrado
no trabalho, absorto em seus afazeres, sem que brote dentro dele a provocação
que o desejo pela diversão e o lazer fazem.

Além do mais, o culto do entretenimento impregnou-se na mentalidade das


pessoas, de tal forma, que quando alguém é visto dedicando-se com mais afinco
a seu trabalho, logo surgem vozes piedosas alertando-o que ele não deve fazer
isso, mas separar bons momentos para seu lazer.

Vivemos no tempo da cultura do bem-estar e, sem entrar no mérito se ela é


mais positiva ou negativa, o fato é que tal cultura dificulta ainda mais as pessoas
a entregarem-se a seus afazeres em um espírito de dedicação e sacrifício.
A vitória contra a preguiça passa por dizer não, incessantemente, aos cha-
mados que os elementos dispersivos fazem. Quando, porém, esses elementos
dispersivos constituem-se aquilo que consideramos demasiadamente importan-
tes, como aquilo que causa-nos bem estar, nossas defesas tendem a desguarnece-
rem-se, permitindo que o trabalho seja substituído por algo mais agradável e
prazeroso.

Desatenção

É da característica de quem segue apenas os impulsos não prestar muita


atenção ao que faz. Simplesmente deixa seu corpo responder às provocações ex-
ternas e obedece os sentimentos que afloram. Faz isso porque é mais fácil, por-
que não demanda esforço. E é este tipo, portanto, o mais suscetível às sugestões
dos elementos dispersivos. Como ele não presta atenção ao que acontece em seu
corpo, ou seja, como não usa a razão como julgadora de seus atos, não consegue
identificar os perigos que corre.

Exatamente nele que os elementos dispersivos conseguem impor-se com


mais eficácia. Isso porque é alguém que se não se acostumou a observar o que se
lhe apresenta com o devido cuidado. Como segue o fluxo da natureza, não tem
sua atenção presa a nada.

Prestar atenção em algo é concentrar-se nele. E todo ato de concentração


mental exige que a consciência esteja desperta e a razão em atividade. Tal atitu-
de cansa e, por este motivo, as pessoas evitam fazer isso.

Porém, se alguém quer identificar a ação de um elemento dispersivo preci-


sa estar atento a ele. Quando ele se apresentar, o primeiro impulso será ceder a

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suas sugestões. Só a atenção pode identificá-lo e possibilitar a anulação de sua
movimentação.
Mas, para isso, é preciso aprender a observar o que acontece, a direcionar o
pensamento para uma coisa de cada vez. Até porque quem não sabe olhar para
uma coisa de cada vez, na verdade, não vê nada. Diante de sua vista há apenas
uma confusão de objetos, em sua mente reside somente um turbilhão de pensa-
mentos e sua memória não passa de um acúmulo de imagens turvas e disformes.
O pior é que é assim que normalmente as pessoas se colocam diante do cotidia-
no. Com suas cabeças contendo apenas um amontoado de pensamentos, elas
costumam manter-se na superficialidade das coisas. E ainda que arrisquem-se
em sonhos e novas ideias, não vão além de rascunhos que logo se apagam.

Estar atento é manter-se em algo exclusivamente, deixando de fora o que


não interessa no momento, fechando-se para o que não for o objeto escolhido.
Dar atenção é, de fato, um elogio e revela o valor que o objeto tem para a pes-
soa. Por isso, a atenção é uma virtude, pois ela permite fixar-se naquilo que deve
ser executado e também no que tenta desviá-lo do planejado.

Até porque, quando algo é planejado, as tarefas necessárias para sua con-
quista são, nos momentos previstos para sua execução, o que há de mais impor-
tante. Tudo o que atravesse em sua frente e impeça que sejam realizadas é, de
alguma maneira, uma agressão, uma forma de desrespeito. Quem, portanto não
executa suas tarefas com a devida atenção oferece claras evidências de que não
dá uma verdadeira importância para aquilo. O desatento é como o mau adminis-
trador, que não cuida bem dos bens que lhe pertencem.

A atenção é necessária porque os elementos dispersivos são sutis e o desa-


tento não consegue captá-los. O desatento não capta o que não é evidente, não
percebe aquilo que não for claro o suficiente para ser percebido de pronto. Isso
porque ele só captura as primeiras e mais gerais impressões, fazendo um apa-
nhado amplo e rápido sobre aquilo que está diante dele. Dessa maneira, torna-se
impossível para o desatento ver mais do que aquilo que é patentemente óbvio.

Há, nos elementos dispersivos, muitas intenções ocultas. Quase nunca eles
se apresentam com sua verdadeira natureza. Mas como o desatento não reflete,
mas age praticamente por automatismo, jamais consegue capturar o que há por
trás daquilo que aqueles elementos apresentam. Até porque o desatento não se
esforça por compreender, resignando-se com aquilo que lhe é aparente. Sendo
assim, nenhuma razão escondida lhe é revelada.

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A desatenção, portanto, é amiga da preguiça, servindo-lhe de facilitadora.
Por isso, quem quiser vencer essa dificuldade precisa começar a olhar as coisas,
não apenas de relance, não superficialmente, mas com o devido cuidado, procu-
rando entender o que cada uma é e porque ela está ali.

Ambiente estimulante

Agora, imagine toda essa incapacidade de atenção, de compreensão dos


motivos de cada atividade, ou seja, essa facilidade de ceder aos elementos dis-
persivos em um ambiente altamente estimulante, onde todo tipo de sugestões se
oferecem constantemente. Pode-se dizer que manter-se firme nessas circunstân-
cias torna-se quase impossível.
Quem conhece as obras dos grandes pensadores do passado, como Platão,
Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero, Leibniz e outros, não tem
como, pelo menos uma vez na vida, não ter se perguntado como eles foram ca-
pazes de escrever tanto, de deixar para a posteridade obras tão imensas, man-
tendo ainda algum tipo de vida social e realizando outros afazeres.

Quando me comparo a esses gigantes, realmente parece-me que eles não


eram normais. A impressão que se tem é que eram super-humanos, capazes de
produzir muito mais do que qualquer um poderia em uma vida limitada a ape-
nas alguns anos.

Ao comparar, então, todas as facilidades materiais que possuímos hoje em


dia, como os computadores e a internet, com a escassez daqueles tempos, o mo-
numental trabalho feito por eles parece-nos ainda maior, ao mesmo tempo que
nossa dificuldade parece expor, ainda mais, nossa mediocridade.

Porém, eu não me contento com explicações fáceis, menos ainda com as


absurdas. Portanto, sabendo que aqueles homens eram pessoas comuns e que,
naturalmente, possuíam as mesmas dificuldades que todos nós, com as mesmas
tendências paralisantes e a mesma necessidade de fuga, não era neles que en-
contraria o motivo para a diferença colossal de produtividade.

Poderia ser que a diferença estivesse na cultura e, realmente, há alguma


diferença de percepção que pode afetar a forma como as pessoas encaram suas
obrigações. Eu falo sobre isso também, mas, tenho certeza, que não é esse o fa-
tor preponderante.

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O que realmente diferencia-nos é o ambiente. Sim! Aqueles homens, apesar
de possuírem condições materiais para o trabalho bem inferiores que as nossas,
eram bem menos assediados por elementos dispersivos do que nós somos.

Não que não houvesse situações que poderiam afastá-los do trabalho. Na


literatura encontramos diversas narrativas em que isso acontece. No entanto, a
quantidade de situações que poderiam afetar alguém que se dispusesse a traba-
lhar com afinco era bem menor que hoje.

Naqueles tempos, um escritor, por exemplo, poderia ser interrompido por


amigos que o visitassem, por um livro que ele quisesse ler, por uma refeição que
tivesse vontade de fazer e uma ou outra atividade que lhe aparecesse na frente.
Hoje, mesmo o mais simples trabalhador possui as diversas formas de entreteni-
mento que invadem até mesmo seu escritório, como a tv, o rádio, o computador,
o vídeo game; há os aparelhos de comunicação que facilmente fazem as pessoas
entrarem em contato com ele, como os telefones, os celulares e as mídias sociais;
há ainda a própria internet que, muitas vezes, dentro do próprio aparelho onde
ele está trabalhando, sugestiona-o a navegar sem rumo, indefinidamente, em
busca de algo que sequer ele sabe; sem contar as redes sociais com suas infinitas
notificações e possibilidades de interação; há ainda os emails sempre prometen-
do trazer algo novo; existem também as diversas facilidades para se obter ali-
mentos, dos mais diversos tipo, às vezes a alguns passos de onde se está traba-
lhando; além de todo o marketing que o intoxica por todos meios, criando nele
todo tipo de necessidade e vontade que nem ele mesmo conhecia que existiam.
Com tantas possibilidades de desvios, não é de surpreender que hoje te-
nhamos muito mais dificuldades de nos manter firmes dentro da rotina de traba-
lho que nos propomos. Há provocações demais que nos chamam para fora, que
nos provocam para abandonarmos a chatice do trabalho repetitivo para gozar-
mos de coisas mais agradáveis e interessantes.

Não que sejamos piores que aqueles antigos. Pelo contrário! A natureza
humana não mudou muito desde sua criação. O ambiente em que o ser humano
vive, porém, alterou-se profundamente e o que antes era uma mera sugestão,
hoje tornou-se quase uma irresistível provocação.

Para finalizar este capítulo, é possível, e com razão, que alguns leitores le-
vantem uma objeção ao que apresentei aqui, afirmando que cometi o erro de
comparar pessoas comuns com os grandes mestres do passado e que isso real-
mente não é justo, afinal, hoje também haveria alguns superdotados que conse-
guem produzir tanto ou mais do que aqueles antigos. Tal objeção, porém, é qua-

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se correta. Realmente, se eu comparar as pessoas comuns de um tempo com os
grandes de outro tempo, estarei sendo injusto. No entanto, se observarmos bem,
os tempos modernos não forjaram mais ninguém que conseguisse produzir como
aqueles. Isso não é mero sinal de uma decadência cultural, mas informa algo
também das condições ambientais destes novos tempos. No passado, não foram
apenas alguns poucos mestres que criaram obras colossais, mas uma infinidade
de escritores, artistas e trabalhadores que fizeram coisas impensadas para qual-
quer mortal de nosso tempo.

Inconsciência

Quem não presta atenção ao que faz costuma também esquecer os motivos
porque faz as coisas. E como agindo por instinto, de maneira automática, apenas
conduzido por sua inconsciência, não costuma lembrar da importância do seu
trabalho, tornando-o, assim, uma vítima fácil dos elementos dispersivos. Quando
o valor de uma coisa não vêm constantemente à consciência, a todo instante
qualquer outra coisa estará apta a substituí-la.

Quem não lembra porque está fazendo algo, por não reavivar as razões de
suas ações, costuma encher-se de outros pensamentos. Fazendo isso, perde a ca-
pacidade de dar prioridade ao que realmente importa, pois, em sua cabeça, to-
das as coisas acabam ocupando o mesmo espaço. De fato, a mente dele caracte-
riza-se por confusão.

São os motivos do trabalho que fornecem a ele sentido. Lembrar desses


motivos é como um escudo que se levanta contra a dispersão. Esquecê-los dimi-
nui sua importância e dificilmente nos esforçamos por aquilo que não conside-
ramos importante.

Mas não apenas os motivos próprios do trabalho, ou seja, a razão específica


porque eles são realizados precisam ser lembrados, mas as consequências nega-
tivas de sua não realização precisam ser rememoradas sempre. Se alguém pre-
tende não deixar-se seduzir pelas tentações dispersivas, uma das principais ati-
tudes a ser tomadas é trazer isto à memória. Pensar sobre o mal que pode advir
por conta do abandono da obrigação é uma forma de manter-se nela.
Entender o que acontece conosco nessa relação entre os elementos disper-
sivos e nosso corpo é essencial para vencer a batalha contra a preguiça. E aqui
estamos falando de uma relação dos mecanismos corporais com o ambiente. As
tentações dispersivas apenas obtém sucesso porque encontram, na natureza hu-
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mana, uma resposta adequada aos seus intentos. Os instintos humanos abraçam
as propostas de dispersão, porque isso corresponde com suas necessidades fun-
damentais. Quem não entende essas coisas, porém, jamais vai perceber isso e
ficará impossibilitado de proteger-se. Para ele, que já se acostumou a seguir as
demandas irracionais do seu corpo, tudo é bastante evidente e deixar-se levar
pelos movimentos instintivos lhe parece algo justo. Não vai represar qualquer
atitude, porque tudo lhe parece óbvio e correto. Ele não se prende a minúcias e
os detalhes lhe passam desapercebidos. Como esperar dele, então, que compre-
enda a complexa relação da natureza humana com o ambiente? Para ele, é mais
fácil deixar-se levar, sendo conduzido pelas circunstâncias, os desejos momentâ-
neos e os impulsos. Tentar entender como as coisas funcionam demanda energia
e observar cuidadosamente o que acontece cansa. Parece-lhe, então, mais inteli-
gente conduzir-se reativamente, pois assim, acredita, poderá manter-se forte por
mais tempo.
Está claro, portanto, que a luta contra a preguiça envolve a razão em um
sentido bastante amplo. Para prevenir-se contra os ataques das tentações disper-
sivas, é preciso compreender muito bem os motivos de tudo o que está aconte-
cendo. É a inteligência sendo posta em movimento, a consciência em vigília,
apreendendo todos os fatores que se apresentam para não ser enredado pelas
promessas vãs da dispersão.

Indiferentismo

Atenção direcionada, concentração, foco, ação baseada em motivos, tudo


isso refere-se, no fundo, a uma e mesma coisa, que é a posse plena do instante
presente. Ater-se somente aquilo que interessa, dedicando a isto todo o cuidado
e respeito, é a melhor atitude contra a preguiça.
Mas para aquele que não se debruça com o devido cuidado sobre nada, to-
dos os momentos são iguais e tudo parece circunstancial. Dessa maneira, não há
diferença substancial entre o que deveria ser feito e qualquer outra atividade que
se interponha à frente. Quando nada é especial, tudo pode ser importante e, no
final, nada é realmente importante.

A pessoa que age dessa maneira não é capaz de perceber que há momentos
que são únicos, que merecem uma entrega total e a exclusividade dos esforços.
Para ela, que não ultrapassa a superficialidade das coisas, todos os instantes são
iguais. Ela não se aprofunda, pois isso lhe requer dedicação. Assim, parece sem-

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pre agir como se atuasse desde fora, sem jamais se envolver de verdade com o
que está fazendo. Para ser o guardião de algo, é preciso colocar-se diante dele,
até dar a vida por ele. Mas quando a pessoa apenas age segundo seus impulsos,
não se compromete e deixa desguarnecido o que deveria cuidar.

Somos preguiçosos porque não aprendemos a valorizar o instante. Não fo-


mos orientados a enxergar cada momento como único e insubstituível. Não en-
tendemos que para cada coisa há um tempo debaixo do sol e quando chega o
momento dela nada mais tem importância.

Somos preguiçosos porque nos acostumamos a não nos entregarmos de


corpo e alma a quase nada. Queremos, sim, ser fluidos, passando de algo a outro
sem nos comprometer. Não desenvolvemos a capacidade de olhar para uma coisa
só. Somos infiéis! Somos como madeiras levadas pela correnteza. Somos maus
defensores daquilo que nós mesmos decidimos ser nosso tesouro.

Tudo tem seu próprio espírito, que é o sentido de sua existência. No entan-
to, muitas pessoas contentam-se em viver apenas as aparências exteriores, ape-
nas aquilo que apresenta-se aos olhos. Por isso cansam-se rápido e por isso são
facilmente desvirtuados.

Apenas o mergulho incondicional naquilo a que se compromete pode salvar


do desdém. Somente a entrega total ao que se está fazendo pode impedir que
provocações externas obtenham sucesso em seu intento desagregador.

A vida está repleta de momentos, mas seu valor reside no quanto cada um
deles manifestou-se em toda sua força. Pode-se passar a existência fazendo mi-
lhões de coisas, sem fazer nada que realmente seja marcante. Há a possibilidade
também de transformar cada atividade em uma pequena história, que se consti-
tuirá um fragmento importante da narrativa final de uma vida cheia de sentido.

Sentimentalismo

Nós aprendemos a ouvir a voz do coração, a deixar nosso sentimento falar


mais alto. Quem não se permite aflorar as sensações e prioriza razão acaba por
ser tachado como insensível e frio. Dizem que os tempos da racionalidade passa-
ram e hoje devemos deixar nossos sentimentos mais profundos guiarem a nossa
vida.

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O problema é que com um pensamento assim é impossível vencer, não
apenas a preguiça, mas diversas outras dificuldades que encontramos em nossa
vida, exatamente por darmos vazão exagerada ao nossos sentimentos.

Lembro-me do filme sobre a ex-primeira ministra inglesa, Margareth Tat-


cher, quando a personagem, ao ouvir de seu médico a pergunta "como a senhora
está se sentindo?", passa a discorrer, de forma exortativa, contra essa mania que
as gerações mais novas têm de preocuparem-se apenas com o que as pessoas es-
tão sentindo e não atentarem para o que elas estão pensando.

O sentimentos tornaram-se o ponto mais alto da personalidade humana e o


que é mais valorizado por todos. Tanto que ninguém reclama de uma pessoa
considerada sensível, mas não é incomum terem as maiores reservas em relação
a alguém que seja tido por racional.

Não que eu acredite que a razão deva ser a única a ser considerada em
nossas vidas. Somos seres completos e a emoção e os sentimentos fazem parte de
nossa estrutura, sem as quais não somos totalmente humanos. No entanto, sou
convicto de que o que deve nos guiar é aquilo que nós temos de superior e nada
nos torna mais superiores do que nossa capacidade de pensar.

Diante disso, me pergunto: como vencer a preguiça se estamos tão acostu-


mados a dar vazão às nossa sensações e obedecer acriticamente nossos senti-
mentos? Lembremos que boa parte de nossos atos preguiçosos são fruto de uma
reação inconsciente, de uma resposta a um estímulo. Sendo assim, apenas a
atenção consciente e a razão têm condições de intervir nesse processo e dar uma
direção inteligente às nossas atitudes.

Somos preguiçosos, portanto, porque aceitamos que as emoções nos guiem.


De verdade, somos meio que escravos delas. Aceitamos suas imposições e não
estamos acostumados a desafiá-la. Se estamos tristes, não trabalhamos; se esta-
mos preocupados, também não; se estamos dispersos, não conseguimos retomar
a atenção; se o cansaço nos toma, não lutamos para vencê-lo.

No fim das contas, esse vício de permitir que os sentimentos direcionem


nossos atos acaba por impedir que as coisas mais importantes sejam feitas. Até
porque estas costumam ser as que exigem mais do cérebro que do coração.
Quando nos dispomos a fazer algo maior, tal objetivo exige muitos atos conscien-
tes e direcionados e as emoções costumam atravessá-los apenas para atrapalhar
o desempenho.
O que eu quero dizer é que não precisamos negar nossas emoções para fa-
zer tudo o que nos dispomos a fazer. Pelo contrário, os bons sentimentos, as ins-

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pirações e os desejos costumam ser úteis como auxiliares na busca por nossos
objetivos. Eles apenas não podem se tornar os senhores dos nossos atos.

Paixão

Nós louvamos as pessoas apaixonadas e nos inspiramos nelas. Os gurus da


motivação sempre dizem que devemos ser apaixonados em tudo o que fazemos e
que sem a paixão não conseguiremos alcançar nossos objetivos. Ficamos compa-
decidos ainda daqueles que dedicam-se a trabalhos metódicos, considerando a
vida deles miserável. Queremos a paixão! Queremos o fogo ardendo em nós! Só
há sentido quando estamos apaixonados.
O problema é que a paixão é brasa que arde, mas logo se apaga. Ela pode
explodir em muitas ações, mas estas em pouco tempo já não serão mais executa-
das. Essa explosão pode levar alguém a construir um muro, mas nunca um edifí-
cio. As grandes obras exigem constância e coordenação, o que é bem diferente
do ato apaixonado. Para realizá-las, exige-se muito mais uma capacidade de tra-
balhar, mesmo quando o desejo não quer, do que arroubos de vontade.

Aprendemos a esperar que a paixão nos insufle, e ela costuma oferecer


aquele impulso inicial que faz-nos mergulhar de cabeça no que buscamos. O
problema é que, por ser um furor repentino, não dura. Logo, a paixão arrefece-se
e a empolgação foge. E nossos projetos exigem muito mais que detonações de
atividades impulsivas, mas de dedicação insistente, e muitas vezes monótona,
naquilo que nos determinamos a fazer.
Temos, ainda, uma cultura da força que confunde-nos, porque acreditamos
que as coisas devam ser conquistadas como que agarrando-as. O fato é que con-
fundimos esforço com força, sendo que aquele refere-se mais à capacidade de
manter-se firme em algo do que aplicar todas as energias de uma vez só nele. A
verdadeira força está na autodeterminação, na capacidade de permanência, não
no mero esforço físico. Lembrando que as grandes obras da humanidade foram
frutos de trabalhos constantes e metódicos e pouca coisa de valiosa se fez apenas
com o emprego da força dos músculos.
Se queremos fazer algo maior, isso depende de planejamento, de progra-
mação. Não basta esperar de um sentimento que surge repentinamente, sem avi-
so e sem previsão. Os projetos duradouros exigem método e persistência. Espe-
rar a inspiração ou o desejo só podem trazer frustração.

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Se dependermos, portanto, da paixão, estaremos certamente sujeitos à pre-
guiça, pois quem pode garantir quando estaremos apaixonados para executar as
tarefas que precisamos fazer? Se confiarmos demasiadamente nas paixões, é cer-
to que seremos apenas aqueles que quase fazem muitas e grandes coisas, mas
que, no final, não constróem nada de mais importante.

Fuga da dor

Ninguém gosta de sentir dor, a não ser que seja um masoquista. Evitar a
dor é um impulso de sobrevivência, pois a dor está relacionada, normalmente,
com um perigo ou um mal. Portanto, é absolutamente natural tentarmos evitar
aquilo que nos causa desconforto e incômodo.

Por outro lado, não há nada que possamos fazer de importante que não exi-
ja de nós esforço, que acarrete algum tipo de penosidade. E quanto maior for o
objetivo a ser alcançado, quanto mais importante ele pareça ser, a regra é que
exija ainda mais esforço e, portanto, mais dor.

Os estóicos da antiguidade, como qualquer ser humano normal, não queri-


am a dor, mas tentavam, por meio da negação dos sentimentos, anulá-la. O obje-
tivo deles era, com o abandono das paixões, não ter mais necessidade de nada, a
ponto de nada mais os ferir, ou seja, até fazer com que mesmo a dor não tivesse
mais efeito sobre eles.

O estoicismo passou e a humanidade percebeu que é impossível negar as


paixões para fugir da dor. Porém, isso não significa que ela aceitou a dor de ma-
neira resignada, mas assumiu as paixões como seu maior aliado. Com isso, pre-
tendeu não negar a dor, mas fugir dela obsessivamente.

As pessoas de hoje tentam afastar tanto a dor de suas vidas que o menor
indício de sua aparição já lhes causa terror. Na verdade, elas fingem que a dor
sequer existe e quando ela aparece assustam-se como se diante de um fantasma,
de um monstro.

Quando a dor se torna inevitável, porque assim muitas vezes o é, a única


resolução que lhes acomete é de fazer de tudo para expulsá-la e do modo mais
rápido possível.

Agora, imagine pessoas que fingem que a dor não existe, pensando nela
apenas quando encará-la é inevitável e despendendo todos os esforços para li-
vrar-se dela o mais rápido possível. Pessoas assim acabam absurdamente fragili-

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zadas e completamente despreparadas para enfrentar as dificuldades do cotidia-
no. Mais ainda, tornam-se inaptas para encarar de frente os desafios mais difí-
ceis. Basta um contratempo e sucumbem.

Vencer a preguiça passa muito por estar disposto a encarar a dor, por acei-
tar sofrer um tanto, pois todo trabalho demanda esforço e sacrifício. Nada se re-
aliza sem suor e às vezes sangue. E quanto maior o empreendimento, mais so-
frimento provavelmente será necessário.

Quando nega-se a dor, quando o maior objetivo da vida é fugir dela, pouco
é possível realizar. Quem vive assim, o tempo todo, cederá às tentações dispersi-
vas que têm como principal objetivo, exatamente, fazer escapar do que cansa e
causa incômodo.

Para vencer a preguiça é preciso aceitar que a dor faz parte da vida. Que o
sacrifício é algo inerente a ela. Que a inércia não oferece nada e apenas a dispo-
sição para submeter-se ao desagradável possibilita construir alguma coisa.
Quem apenas quer escapar do problema, cria outros problemas ainda mai-
ores.

Sacrifício

É verdade que a busca da felicidade é tão natural ao ser humano que pode-
se dizer que faz parte de sua própria estrutura psíquica. Não há quem não queira
ser feliz, por mais que os conceitos de felicidade possam variar indefinidamente.
O fato é que todos querem o melhor para si mesmos e não há quem, em posse de
sua sanidade, queira infligir contra si algum tipo de prejuízo.

O único problema em relação a isso é que, normalmente, essa felicidade


não se situa no tempo presente, mas encontra-se como algo a ser achado em um
estado futuro, depois de todos os sacrifícios exigidos para isso. É por isso que as
pessoas costumam dizer que estão atrás da felicidade e dificilmente afirmam
com convicção que são felizes.

Com o tempo e com a ajuda da experiência e da observação, quando o


amadurecimento chega e as ilusões desaparecem, é comum a pessoa perder as
esperanças quanto ao encontro com essa tal felicidade que ela sempre acreditou
um dia poder alcançar. Tal frustração, porém, nem sempre causa melancolia ou
depressão, mas, geralmente, desperta uma certa forma de cinismo.

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Quando não há mais a expectativa da felicidade, o que a substitui não é a
tristeza, mas a busca constante do prazer, como um simulacro da alegria que
acreditava antes poderia ser alcançada pela plenitude do estado feliz. Então, o
que anteriormente era visto como necessário para um dia alcançar a felicidade,
agora torna-se perda de tempo. A noção do sacrifício, portanto, desaparece e
tudo o que se faz exige alguma recompensa, se não imediata, ao menos não dis-
tante.

Assim, com a perda da noção do sacrifício, todos os atos deixam de ser uma
entrega abnegada por uma recompensa possível, mas apenas tem valor se apre-
sentarem um resultado palpável. Ninguém mais está disposto a entregar-se por
algo futuro e maior, mas todos precisam saber que o que fazem é realmente útil -
imediatamente útil.

O sacrifício, por definição, é uma entrega e nada garante que será recom-
pensado. O sacrifício, na verdade, envolve mais a doação do que o serviço. Nes-
te, o que se faz tem o intuito de ganhar algo como contraprestação, enquanto no
sacrifício faz-se tudo por algo, sem expectativa de retorno.

Mas para um mundo onde tudo tem seu preço e os valores superiores já
não importam tanto, senão dentro de uma esfera muito privada e subjetiva, o
sacrifício restringe-se para pouquíssimas situações e pouquíssimas pessoas.

Diante disso, encontramo-nos em uma sociedade que olha cada ato segun-
do sua utilidade e segundo a eficácia que promete alcançar. As pessoas, então,
acostumam-se a trabalhar muito mais pela recompensa do que pelo valor intrín-
seco do próprio labor.

Nessa situação, torna-se muito mais difícil manter-se dentro de qualquer


planejamento, principalmente se os resultados esperados forem remotos e sutis.
E assim, a preguiça encontra muito mais oportunidades para se manifestar.
Quando a recompensa pelo esforço está logo ali, quando é palpável e facilmente
materializável, é verdade que a maioria os homens é capaz de fazer grandes es-
forços. Basta, porém, que essa recompensa se afaste no tempo e se torne duvido-
sa para que a disposição para as tarefas caia consideravelmente.
Sendo assim, as chances da pessoa ir substituindo o que deve ser feito por
outras coisas é muito grande. Como ela não possui mais o senso de sacrifício,
não há nada que dentro dela que lhe dê força para suportar os ataques dos ele-
mentos dispersivos, que sugerem o tempo todo que não vale a pena o esforço
naquele momento e que é melhor ocupar-se com outras coisas mais úteis e me-
nos cansativas.

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O trabalho, assim, não é visto mais como uma missão ou vocação, mas
apenas em seu aspecto de utilidade. E, dessa maneira, pouca energia sobra para
lutar, principalmente, por aqueles resultados que encontram-se no futuro, onde
há apenas a expectativa remota de usufruir de seus frutos.

Imediatismo

A preguiça envolve exatamente a incapacidade de pensar no futuro. Melhor


dizendo, ela é o vício de olhar apenas para o momento presente, pensando em
gozá-lo plenamente, deixando para pensar nas coisas que virão apenas quando
elas apresentarem-se, quando o futuro tornar-se presente.
O preguiçoso cega-se para as consequências, vivendo apenas a experiência
do momento. Por isso, abandona o que precisa ser feito, pois encontra algo me-
lhor a fazer naquele instante.

Muito do sucesso na vida acontece como resultado dessa capacidade de es-


perar, de sacrificar o momento presente por um ganho futuro. Algumas pessoas,
porém, não conseguem fazer isso, e entregam-se a tudo o que se lhes insinua.

Houve uma experiência envolvendo crianças que observou essa realidade.


Foram colocados à disposição delas dois marshmallows, com a seguinte determi-
nação: poderiam comer, imediatamente, um deles, abrindo mão do outro ou es-
perar quinze minutos e ficar com os dois. Algumas crianças não se aguentavam e
logo pegavam um, mesmo sabendo que não teriam direito ao outro, enquanto
outras crianças lutavam contra seu desejo e esperaram até poder ficar com os
dois marshmallows. O mais interessante da experiência é que as mesmas crian-
ças foram monitoradas em suas vidas escolares e profissionais posteriores, e
constatou-se que entre aquelas que obtiveram maiores conquistas estavam, prin-
cipalmente, as que, na experiência, esperaram para ganhar os dois doces.
Tal experiência sempre é citada quando fala-se de força de vontade. Porque
ela indica que um fator crucial para o sucesso na vida é saber esperar. E esperar
representa abrir mão dos prazeres do presente e rejeitar as tentações que se
apresentam, aguardando por uma recompensa posterior.
O preguiçoso não consegue fazer isso, porque o mais importante para ele é
o que ele sente agora. No fundo, sabe que sofrerá alguma consequência por isso,
mas o que importa? Vale mais o prazer de agora do que a satisfação futura.

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Pensando bem, a preguiça é um tipo de imaturidade, como de uma criança
mimada que não aceita um não como resposta, que exige de seus pais o brin-
quedo que viu na prateleira e faz de tudo para obtê-lo, naquele momento, do
que jeito que for.

O preguiçoso, de forma semelhante, não consegue dizer não para a tenta-


ção de escapar de sua obrigação. Seja a forma como ela se apresenta, ele consen-
te com seu convite.

É que o preguiçoso não aceita o não como resposta. Ele não pensa que tal-
vez seja melhor deixar para depois tais prazeres. É-lhe inconcebível não gozar do
que está à disposição para ser usufruído.
Para o preguiçoso nenhuma oportunidade pode ser perdida, mas só as pen-
sa de acordo com o que se apresenta diante dele. Sua maior dificuldade é pensar
que no futuro poderá usufruir de muitas coisas e evitar muitos problemas. Ele,
na verdade, só tem olhos para o agora e vive como seus dias sempre como se
fossem os últimos.

Os preguiçosos, na verdade, têm o espírito da cigarra, que se importava


mais em viver o prazer do momento do que cuidar da provisão para o futuro.
Com a diferença que o inseto do conto era, de fato, um vagabundo, um bon vi-
vant, que não escondia sua escolha pela vida de ócio e diversão, enquanto a
maioria dos nossos preguiçosos escondem de si mesmos sua condição, passando
nela um verniz de múltiplas atividades e compromissos que sobrepõem-se.

Impaciência

Preguiça é impaciência, pois se manifesta naqueles que não conseguem es-


perar para usufruir do que desejam. Se a preguiça nada mais é do que abando-
nar um trabalho que deve ser feito, por uma tentação dispersiva qualquer, ela
não é nada mais do que a cessão a um anseio do momento, típica de quem não
pode aguardar para satisfazer-se.

Para vencer a preguiça, portanto, é preciso ter força para renunciar um de-
sejo presente, ou melhor, a uma satisfação atual em favor de algo futuro. Mas,
sejamos sinceros, quem tem força para isso hoje em dia? Não estamos nos tem-
pos quando a entrega para o sentido é quase uma obrigação e a negação do pra-
zer vista como estupidez?

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Em um mundo assim, aprendemos que usufruir do que nos é oferecido é
um direito e um direito não deve ser negado. Pelo contrário, a cultura dos direi-
tos permeou nossa sociedade de tal forma que não há quem não acredite que
eles vêm antes de quaisquer obrigações e responsabilidades. Todo mundo está
pronto para reivindicar aquilo que acredita ser seu e aprende que renunciá-lo é
ingenuidade. Poucos estão dispostos a abrir mão do que pensam lhes pertencer,
enquanto muitos estão bem alertas para o que devem reclamar. Nesse ambiente,
as pessoas aprendem a não rejeitar nada e a estarem sempre prontos para gozar
do que está disponível. Sendo assim, torna-se quase impossível negar os prazeres
que se apresentam, o bem estar prometido pelas tentações dispersivas, quando o
costume é o de nunca renunciar a algo que pode ser usufruído.

Quando lembramos que a vitória sobre a preguiça constitui-se, principal-


mente, pela rejeição das provocações feitas pelos elementos dispersivos, então
fica fácil concluir como é difícil para as pessoas do nosso tempo vencerem-na.
E há ainda o fato da tecnologia ter aprofundado o problema, fazendo com
que toda essa incapacidade de rejeição do prazer venha acompanhada de uma
necessidade do imediato. Estamos viciados nisso e nos tornamos cada vez menos
dispostos a sacrificar o presente por um ganho que será usufruído apenas no fu-
turo. A tecnologia nos acostumou assim, pois ela tem encurtado as distâncias e
abreviado o tempo. Com isso, tem nos ensinado que por nada é preciso esperar e
tudo pode ser adquirido imediatamente. Vivemos em mundo instantâneo e au-
tomatizado e como tudo o que facilita a vida, reduzindo o esforço, é rapidamen-
te assimilado, nos habituamos a viver dessa maneira. A impaciência, então, nos
assalta e, cada vez menos, estamos dispostos a esperar por algo que nos satisfa-
ça. Pelo contrário, queremos nos satisfazer já.

Junto a tudo isso há também o fato de ter sido desenvolvida em nós a ideia
que tudo o que permanece constante durante algum tempo está, na verdade, pa-
ralisado. Toda a louca velocidade do mundo moderno tem nos ajudado a desen-
volver esse pensamento. Para os olhos contemporâneos, só é bom o que muda,
só tem valor aquilo que vemos melhorando. Todavia, é comum que trabalhos
importantes sejam compostos de vários atos sucessivos, que podem ter uma lon-
ga duração, que não apresentem nenhum resultado aparente durante um tempo.
Para a percepção atual, porém, se não há mudança, se os resultados não podem
ser vistos então não há valor e provavelmente trata-se de algo sem importância.
Não é por acaso que temos tanta dificuldade em permanecer constantes, pois
aquilo que não se mostra imediatamente nos parece estagnado e o que não evo-
lui não tem força para estimular o nosso esforço.

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Todas essas coisas nos tornam impacientes demais para aguentarmos a ro-
tina do trabalho repetitivo e constante durante muito tempo. Queremos tudo rá-
pido e agora, mas as grandes coisas não são conquistadas assim.

Somos preguiçosos porque a paciência passou a ser um artigo de luxo, que


pouquíssimas pessoas possuem. A grande maioria delas apenas quer aproveitar o
que está disponível hoje, pois amanhã está muito longe para se esperar.

Pressa

Estamos na era da comunicação instantânea e dos computadores super-rá-


pidos. Há clientes que, se eu não respondo em alguns segundos seus requeri-
mentos, sentem-se abandonados, chegando alguns até a ficar chateados comigo.

Eu sou do tempo que o computador pessoal era um luxo e o telefone móvel


estava ainda começando a ser usado. Era comum esperarmos bastante tempo
para obter uma resposta e era preciso aguardar muito até ter alguma solução,
seja do que fosse. E olhe que eu não sou tão velho assim. Uma geração antes da
minha possuía apenas o telefone fixo como forma de comunicação mais imedia-
ta. E se voltarmos, ainda mais, no tempo, apenas as cartas faziam essa função.

A verdade é que conforme a tecnologia vai oferecendo soluções maravilho-


sas, encurtando o espaço, diminuindo o tempo, facilitando os trabalhos, ao
mesmo tempo vai criando em nós uma dependência dessa velocidade que, de
maneira indireta, acaba atrapalhando outras áreas de nossa vida.

E quando nos referimos à preguiça, estamos falando de algo que impede,


principalmente, que permaneçamos firmes e pacientemente fazendo as mesmas
coisas até conseguir alcançar um resultado determinado. Veja, não há como al-
cançar resultados duradouros sem muita paciência. Mas como tê-la se tudo a
nossa volta nos provoca ao imediatismo?
Essa pressa, essa necessidade de ter tudo pronto, acaba atrapalhando-nos,
pois cria em nós a tendência de buscar sempre aquilo que nos oferece uma res-
posta imediata às nossas demandas. Perdemos, assim, aquela capacidade de es-
perar, de passar um período sem desfrutar do que queremos, para obter isso
apenas depois de um longo tempo.

Com esse vício impregnado em nossa alma, fica muito difícil resistir as su-
gestões dos elementos dispersivos. Quando estes aparecem, insinuando-se, como
é de seu costume, tendemos a nos entregar a eles, porque é isso que estamos

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acostumados a fazer. Entre permanecer firme em um trabalho que não traz qual-
quer resposta factível e sensível e pular para algo que oferece imediatamente,
como alívio, o prazer, o corpo, que está tão acostumado a ter tudo que quer na
hora, vai possuir pouca força de resistência.

Nos tornamos preguiçosos porque somos apressados e quem tem pressa


costuma aceitar qualquer coisa que se lhe oferece. Mas quem tem a determina-
ção de fazer algo superior, precisa saber que não existe respostas imediatas, nem
soluções instantâneas. Tudo é fruto de um trabalho constante e paciente, que vai
dar seus frutos apenas algum tempo depois. Às vezes, muito tempo depois.

Dessa forma, quem deseja mudanças reais precisa mudar a perspectiva em


relação à própria vida, entendendo que toda essa velocidade do mundo moderno
e toda promessa de soluções imediatas é, em algum sentido, uma artificialidade.
Se há, de fato, algumas áreas que conseguem impor isso como realidade, muitas
outras não poderão jamais. Sempre haverá trabalhos que demandarão tempo
para ser realizados e sempre haverá a necessidade de executar tarefas constantes
e repetitivas para alcançar alguns resultados. Os próprios aplicativos que funcio-
nam para tornar a vida instantânea são fruto de trabalhos laboriosos e pacientes.
A própria tecnologia não nasce do dia para a noite.
Quem quiser vencer a preguiça, portanto, precisa estar atento para essa re-
alidade. Deve rejeitar essa proposta pós-moderna de instantaneidade.

Eu mesmo tomei, já há algum tempo, algumas decisões quanto a isso. Por


exemplo, prometi que não reclamaria mais de ficar em filas de caixas, nem de
aguardar a resposta de um email que houvera enviado. Tomei essa decisão por
entender que se me deixasse levar pela onda imediatista, desenvolveria em mim
algum tipo de doença psíquica.

Assim, resolvi que apesar de não rejeitar as soluções que a tecnologia me


oferece e até de tentar fazer o melhor uso delas, não deixaria que elas moldas-
sem meu caráter, permitindo-me viver como se, de uma hora para outra, caso
toda essa tecnologia sumisse, eu não sentisse tanto a falta dela.

Superficialidade

A preguiça é também efeito de nossa superficialidade, dessa mania que te-


mos de observar tudo por cima, olhando apenas para o que há de epidérmico e
não atentando para o que existe de profundo e mais verdadeiro nas coisas. Al-

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guém superficial cede facilmente à boa aparência dos elementos dispersivos,
porque é assim que acostumou-se reagir quando algo se insinua a ele.
E somos superficiais porque valorizamos as sensações exteriores, aquelas
que podemos sentir na pele e nada mais profundo que isso. Na verdade, vivemos
em um mundo de sensações, de cheiros, de explosões visuais, de cores artificiais
que o tornam excessivamente estimulante. Isso faz-nos menos propensos à inte-
riorização, desacostumando-nos da prática do olhar interior, do vasculhamento
de si mesmo. Sem contar que nossa sociedade tem reconhecido as aparências e
premiado o supérfluo. Tudo nela, portanto, leva-nos à superficialidade e preci-
samos lutar muito para fugir desse destino.
Assim, acabamos por não nos aprofundar em nada, fazendo tudo com pres-
sa e sem a devida reflexão. Processamos milhares de informações inúteis, con-
sumimos imagens e notícias irrelevantes e, com isso, sobra-nos muito pouco
tempo e energia para o que realmente importa. Acabamos, dessa maneira, por
nos acostumarmos a responder a tudo rapidamente, de maneira que não há es-
paço para a devida reflexão.

E não havendo reflexão, principalmente sobre si mesmo, não ocorrendo a


necessária busca das razões que nos conduzem, simplesmente vivemos um dia
após o outro, repetindo os mesmos erros, tropeçando nos mesmos obstáculos.
Com isso, nos acomodamos em nossos papéis sociais, que já estão prontos, nos
quais podemos simplesmente encaixar-nos, sem pensar demais sobre qual a nos-
sa verdadeira missão como indivíduo.
Somos superficiais também porque aprendemos a identificar o prazer com
as sensações físicas, que são epidérmicas. Tanto que, em nossa cultura contem-
porânea, praticamente sexo tornou-se sinônimo de prazer, como se este se refe-
risse apenas às sensações físicas. Não é à toa que as indústrias pornográfica e do
entretenimento são as maiores que existem, pois fornecem exatamente aquilo
que a maioria das pessoas busca. Há uma completa dissociação do prazer do que
é superior, intelectual e espiritual. As pessoas simplesmente desconhecem esses
tipos de prazeres mais elevados. O que não causa arrepios e sensações e o que
não sacia o corpo é tido apenas como algo a que se deva suportar, não gozar.

O fato é que, para a maioria das pessoas, intelecto e razão são tidos como
algo frio e insensível. O erudito é visto como alguém sem sentimentos e o ho-
mem de cultura como quem não tem emoções. Tudo o que envolve esforço inte-
lectual é tido por sacrificante e o que exige raciocínio como enfadonho e cansati-
vo. Se alguém passa mais tempo lendo do que se divertindo, se envolve mais

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com interesses intelectuais do que com as diversões disponíveis, é tachado rapi-
damente de excêntrico. O que importa mesmo é o que causa respostas sensíveis,
sensações corporais gostosas e satisfações físicas.

Toda essa superficialidade, obviamente, faz-nos mais suscetíveis à primei-


ras impressões, o que torna-nos vítimas perfeitas dos elementos dispersivos. E
como essa superficialidade leva-nos a escolher o prazer do momento em detri-
mento do prazer desconhecido da realização, que é superior, acabamos por ceder
aquilo que parece interessante em um primeiro instante, e fechamos os olhos
para os ganhos superiores que nos aguardam mais a frente.

Pessimismo

Se alguém pretende que algo dê errado deve começar preocupando-se com


o fato dele poder dar errado. Pense negativamente e as chances das coisas acon-
tecerem da maneira como seu pensamento está indicando são enormes.

Isso ocorre dessa forma não por causa de alguma força invisível que vai
carregar seus pensamentos e fazer com que eles se materializem, mas porque o
pessimismo é talvez o maior gerador de obstáculos internos que alguém pode
carregar em sua própria vida. Muita gente é preguiçosa, simplesmente, porque é
pessimista.

O pensamento negativo tem, como principal característica, a antecipação


do problema. Isso até seria bom, se essa antecipação significasse um método es-
tratégico, útil para planejar-se diante dos obstáculos. No entanto, o pensamento
negativo apenas antecipa o problema pelo vício de sempre achar que as coisas
têm grandes chances de darem errado. Assim, essa forma de pensar acaba ge-
rando um espírito vacilante e termina por tirar o ânimo de quem pretende fazer
alguma coisa.

Lembrando que as grandes ações nunca são totalmente certas. Há sempre o


risco do imponderável e há sempre um grau de incerteza que deve ser suporta-
do. Quando uma pessoa costuma pensar negativamente, acaba lhe faltando
aquela força necessária para enfrentar situações que não são totalmente seguras,
como é a maioria dos projetos que tentamos realizar.

Sem contar que o pensamento negativo cria monstros. Sua maneira de ra-
ciocinar não apenas antecipa o problema, como torna-o, invariavelmente, maior
do que ele realmente é ou mesmo imagina um obstáculo onde talvez ele nem

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exista. Com isso, tudo fica mais difícil, mais pesaroso, mais cansativo do que de-
veria ser, na verdade.

Assim, querer cumprir tudo o que deve ser cumprido raciocinando dessa
maneira torna-se uma ilusão. O que acontece é que quem pensa negativamente
dificilmente consegue realizar muitas coisas, pois, se elas já possuem algum grau
de dificuldade, diante deles tornam-se verdadeiras fortalezas a serem transpos-
tas.

O que muita gente não percebe é que o pensamento negativo bloqueia o


bom raciocínio. Uma mente, para pensar direito, precisa estar arejada, livre de
grandes preocupações e concentrada naquilo que realmente importa. O vício da
negatividade, porém, cria confusão, fazendo com que o medo domine a cabeça,
os maus pensamentos tomem quase todo o espaço e, assim, não sobre muito
para o raciocínio livre e acurado. Quem é pessimista não pensa direito, porque
seu pensamento gira apenas em torno do que acredita que não vai dar certo. E
sem pensar direito não consegue fazer o que deve ser feito. Não, pelo menos,
com a qualidade e a desenvoltura necessárias.

E é preciso ressaltar também que o pessimismo é um grande sugador de


energia. Quem é viciado em pensar negativamente é tomado por medos e preo-
cupações que lhe tomam as forças, fazendo com que tudo gire em torno deles.
Todavia, os atos importantes exigem o máximo de energia possível, porque exi-
gem esforço, concentração e um ânimo firme. Com as forças porém exauridas
pela preocupação, pouco sobre para o trabalho bem feito.

Toda pessoa pessimista, no fim das contas, acaba se tornando um tanto


preguiçosa. Se as chances das coisas darem errado são tão grandes, de que vale
o esforço? Se é provável que não deem certo os planos, para que dedicar-se para
eles? Ser pessimista pode até ter um charme, pode até livrar de alguns proble-
mas, às vezes, mas o mais certo é que vai impedir de permanecer firme, princi-
palmente naquilo que exige persistência e paciência.

Confusão

A preguiça não é, como já vimos, um ato deliberado. Pelo contrário, costu-


ma manifestar-se como um impulso inconsciente. Assim, a melhor maneira de
combatê-la é permitir que a razão assuma a frente e a consciência esteja alerta.

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Porém, como fazer isso quando estamos desnorteados, sem entender o que acon-
tece a nossa volta, sem compreender como realmente as coisas são?
Estamos confusos e não sabemos bem o que queremos. Vivemos um dia
após o outro, em uma sequência de rotinas sem sentido. Somos conduzidos, in-
variavelmente, pelas sensações, deixando com que as circunstâncias da vida nos
carreguem. Há nisso pouca deliberação e muito abandono. Faltam-nos objetivos
superiores, para os quais possamos nos dirigir, sobrando apenas as pequenas me-
tas diárias, que são pobres e vazias de significado.

Na verdade, acabamos nos desapegando de toda referência superior, esque-


cendo que há princípios maiores que poderiam dar direção a nossa existência.
Acabamos por apegarmo-nos às nossas percepções e tentamos seguir nossas
ideias como se fossem suficientes para nos guiar. Desprezamos a sabedoria dos
antigos e negamos o conhecimento adquirido de nossos ancestrais, como se tudo
começasse a partir de agora. O resultado disso é que, acreditando poder orien-
tarmo-nos por nós mesmos, acabamos desorientados.

Até porque o mundo de hoje é um aglomerado de informações que se acu-


mulam sem fim. Com isso, precisamos processar uma infinidade de dados desco-
nexos, o que é uma tarefa hercúlea. No fim, nos perdemos nessa busca do rarís-
simo ouro em meio a tanto lixo, o que nos faz acumular estresse e nos leva, no
fim das contas, a desistir de qualquer coisa que esteja acima da linha do natural.

São tantas possibilidades, consistindo em um grande menu de opções, que


acabamos mais confusos que certos do que iremos fazer. Na verdade, esse exces-
so acaba por dificultar nossa vida. Experiências já foram feitas que mostram que
diante de muitas opções as pessoas tendem a não ficar com nenhuma delas, pa-
ralisando-se de fato.

E por sermos assim confusos, ficamos fragilizados diante das tentações que
nos provocam a abandonar o que devemos fazer por algo mais palpável. Como
não sabemos o que queremos, cedemos para aquilo que primeiro se nos apresen-
ta.

Além disso, toda essa confusão que nos acomete impede de nos mantermos
constantes em um trabalho, persistentes em uma direção. Se nada nos é claro,
não há força, nem motivação, para empreendermos os esforços necessários. Fi-
camos assim impedidos de usar as armas que nos ajudariam a vencer a preguiça,
armas que nos dariam o devido foco e uma definida direção.

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Desmotivação

O que faz alguém levantar cedo, encarar a luta cotidiana, enfrentar as bar-
reiras que se impõem, ter razões para fazer algo mais que o normal e até ultra-
passar limites é possuir uma boa motivação. Uma pessoa motivada é incontrolá-
vel e supera até aquilo que parece insuperável. Tanto que os gurus da produtivi-
dade e quase todo tipo de literatura de autoajuda estabelecem alguma maneira
de inocular motivações das mais diversas nas mentes de seus leitores e ouvintes.

O problema é que os objetos de motivação têm sido apenas aquelas coisas


mais palpáveis e visíveis. Pode ser a melhoria da renda, a compra de uma casa
ou até uma boa aposentadoria, no entanto, quase sempre trata-se de incentiva-
dores temporais, que são fáceis de ser visualizados, mas que não têm o condão
de preencher as necessidades mais profundas do ser humano.

E por serem meros motivadores mundanos, podem até provocar à ação,


mas não são tão fortes a ponto de boa parte das pessoas se entregar totalmente
por eles. Se fossem, não haveria tantas pessoas sofrendo com o problema da
preguiça e tão poucos realmente se entregando de corpo e alma ao que fazem.

O que acontece é que não amamos nada devidamente. Nosso relaciona-


mento com quase tudo que nos envolve é muito fugaz. Vivemos no tempo dos
descartáveis, quando tudo pode ser jogado fora. Assim, torna-se muito difícil ver
sentido em algo que o torne digno de ser amado. E se não amamos, não ficamos
dispostos a dar-nos de uma maneira mais completa e profunda.

Acabamos, então, por não acreditar em quase nada absolutamente. Tudo,


em nosso mundo contemporâneo é relativo. Herdeiros que somos do utilitaris-
mo, temos quase tudo por descartável e substituível. E ninguém, em sã consciên-
cia, se disporá em sacrifício por coisas que não permanecem.

Assim, nada vale a entrega. Se não vemos valor eterno em nada, para nada
nos dispomos a doar-se plenamente. Menos ainda seremos capazes de nos anular
pelo outro ou por algo. É a nossa satisfação que está em primeiro lugar, somente
a nós mesmos expressamos verdadeiro amor, porque somente em nós encontra-
mos algo duradouro.
Como vencer a preguiça assim, se para isso é preciso deixar de lado nossos
desejos mais imediatos e dedicar-se por algo que será colhido apenas em um fu-
turo, muitas vezes, remoto? Como negar a ação dos elementos dispersivos, se
para manter-se firme em algo que é, muitas vezes, enfadonho e tedioso, é preci-

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so amá-lo quase que incondicionalmente? Se nos falta amor então não temos a
principal arma para deixarmos de ser preguiçosos.

Perfeccionismo

Há verdades que parecem um contrassenso. Nem por isso, deixam de ser


verdades. Quando eu afirmo que o perfeccionismo é, muitas vezes, apenas uma
forma, não de melhor acabar as coisas, mas de jamais terminá-las, algumas pes-
soas torcem o nariz. Realmente, em um cultura, como a nossa brasileira, que
sempre privilegiou o improviso, essa afirmativa parece mais uma desculpa para
não fazer as coisas com esmero. Porém, se observarmos bem, o perfeccionismo,
geralmente, revela mais um tipo de auto-sabotagem do que cuidado com o tra-
balho.

Na verdade não fui eu quem inventou isso. Diversos psicólogos detectaram


que as coisas acontecem desse jeito. E foi uma psicóloga quem me alertou sobre
esse problema em mim. Ela percebeu que meus constantes adiamentos dos livros
que eu estava escrevendo pouco tinham a ver com a necessidade de uma pesqui-
sa mais aprofundada ou de uma busca por em estilo mais vigoroso de escrita. É
verdade que eu usava esses argumentos como justificativas e, por uma certa
perspectiva, essas preocupações realmente existiam. No entanto, o maior motivo
para eu adiar as tarefas, refazer os textos, recomeçar os trabalhos era, princi-
palmente, um certo medo, inconsciente, é claro, de finalizá-los. É difícil identifi-
car que tipo de medo é esse. Porém, havia realmente algo em mim que impedia
de eu encerrar aquilo que estava realizando.

Quando ela me falou, realmente suas palavras não puderam ser contradi-
tadas por mim. Porque elas confirmavam algo que, apesar de não tê-las expres-
sado e nem sequer pensado claramente, vieram ao encontro daquilo que eu, lá
no fundo, sabia que era verdade. Não havia razão alguma para eu refazer tantas
vezes os meus trabalhos, nem motivos convincentes que justificassem tantas mu-
danças. As próprias pessoas que os liam afirmavam que estava tudo bem feito.
Mas eu, em meu perfeccionismo, sempre encontrava uma desculpa para começar
tudo de novo, de uma maneira que nunca terminava o que deveria fazer.

Casos como esse podem bem ser confundidos com preguiça. E, por uma
certa perspectiva, principalmente aquela que estou apresentando aqui neste li-
vro, o é. Na verdade, é mais uma das maneiras que nossa natureza usa para evi-
tar aquilo que ela entende que deve evitar. No caso, não é fácil saber o que ela

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está querendo afastar - pode ser o medo de enfrentar a crítica pública, pode ser o
receio de encarar o mercado, depois que a obra está pronta, ou qualquer outra
razão que a natureza invente para evitar que o trabalho finalize. Seja como for, o
perfeccionismo, longe de ser a característica daqueles que sempre buscam o me-
lhor, geralmente é apenas uma forma de continuar não realizando aquilo que
deve ser feito.
O pior é que mesmo depois que tomei consciência dessa realidade, ainda
me vejo sendo provocado por esse desejo louco de recomeçar os trabalhos que já
comecei, principalmente quando eles já encontram-se em estágios avançados de
produção. Este livro mesmo, pode ter certeza, passou por algumas revisões que
provavelmente não eram necessárias.

De qualquer forma, se você está lendo este trabalho é porque eu consegui


superar, ainda que em parte, esse problema. E isto deveu-se à simples tomada de
consciência de que ele existia, com a compreensão de suas razões e, assim, po-
dendo enfrentá-lo de frente.

O prazer

O ser humano é impulsionado pela busca do prazer e, diferente do que


muitas pessoas podem pensar, isso não é um mal em si mesmo. A sensação de
prazer é como um motivador para nossos atos. Se não tivéssemos prazer, não
comeríamos, não beberíamos, nem faríamos sexo devidamente. O prazer existe,
portanto, como uma forma de garantir de que não deixemos de fazer aquilo que
é essencial para nossa existência.

No entanto, quando as pessoas pensam em prazer costumam imaginar


apenas aquelas sensações mais primordiais, que envolvem principalmente nossa
estrutura biológica. Elas esquecem que tudo na vida envolve prazeres, e estes
existem em diversos graus. Isso porém é muito difícil de ser entendido em um
sociedade que tem apenas o sexo e talvez a comida como fontes indiscutíveis de
prazer.

De qualquer forma, além dos prazeres fisiológicos básicos, há prazeres em


graus superiores e mais sutis. Aqui, eu posso elencar dezenas deles, mas basta
citar alguns para que você entenda. Há o prazer da amizade, de uma boa con-
versa, da leitura, da admiração de uma obra de arte, dos jogos, da religião, da
vitória, do reconhecimento, do orgulho, da fama e tantas outras que nossa exis-
tência possa oferecer.

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Há, ainda, um prazer que muitas vezes é esquecido como tal e relegado
apenas como uma obrigação a ser suportada: o trabalho. Sim! O trabalho é tam-
bém um prazer e talvez um dos maiores entre eles. Só que, para entendê-lo as-
sim, é preciso desapegar-se de algumas ideias que povoam a mente das pessoas e
que apenas afastam-nas de sua verdadeira natureza.

Trabalhar é produzir, é criar, é desenvolver algo. Não há trabalho sem obje-


tivo e não há trabalho em vão. Portanto, trabalhar é tornar a própria existência
útil, porque faz dela um instrumento de produção, de criação e desenvolvimen-
to. Quem não trabalha pode até encontrar outras satisfações, mas certamente
serão mesquinhas, pois apenas o trabalho torna-nos úteis para os outros.
O encontro com esse sentido, portanto, deve ser a fonte de um dos maiores
prazeres que o homem pode gozar, pois faz ele sentir-se vivo e útil para a socie-
dade. O ato de executar qualquer tipo de trabalho, por si só, já deveria proporci-
onar a sensação de gozo, de vida, de alegria, por tornar o homem algo mais do
que um mero indivíduo isolado e sem função.

As pessoas costumam praguejar contra suas ocupações porque veem nelas


apenas um meio de remuneração. Costumam reclamar do trabalho porque en-
xergam nele um peso que precisam carregar para conseguir outras coisas que
desejam e precisam. Sendo assim, tornam-se frágeis contra os apelos da pregui-
ça. Se esta atua principalmente em nossa necessidade de fugir do que nos desa-
grada, e se o trabalho é tido dessa maneira tão negativa, fugir dele será quase
irresistível.
Quem, portanto, pretende vencer a preguiça precisa começar a buscar no
trabalho em si um motivo de prazer. Para isso, porém, precisa entender que há
prazeres mais duradouros do que aqueles diretamente relacionados ao corpo.
Que há prazeres psíquicos e espirituais que, ainda que sejam menos intensos fisi-
camente e mais sutis, permanecem mais e realizam mais.

O trabalho é um prazer em si mesmo. Independente do que ele produz e do


valor de seus produtos, apenas o fato de ocupar-se com algo que ajuda a suprir
as necessidades e os desejos das pessoas já é motivo para enxergar nele um meio
de realização e alegria.

Não quero aqui parecer artificial e dar a ideia de que não percebo que há
trabalhos onde as chances de realização são maiores que dos outros. De qual-
quer forma, independente do que você faça, não existe nenhuma atividade que
não proporcione algum tipo de benefício para a sociedade. Sendo assim, tente

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entender bem a natureza do que você faz e encontre nisso a razão para trabalhar
cada vez com mais afinco e alegria.

Liberdade

A liberdade é cantada, em verso e prosa, em todos os lugares e por todo o


tipo de pessoas. Buscam-na como se fosse o tesouro mais precioso que poderiam
obter, Ninguém aceita a falta dela e a consideram como um direito natural. As-
sim, despendem todos os os esforços para conquistá-la. Ser livre é um anseio
universal e repelir o que ameaça essa liberdade apresenta-se como a obrigação
primeira de qualquer pessoa.

Realmente, não há nada de errado em querer ser livre. Até porque, todos
precisam de alguma liberdade para poderem viver suas vidas, desenvolver sua
existência e procurar aquilo que desejam. O que não podem, sob pena de frus-
tração, é iludir-se, acreditando que a liberdade é um bem absoluto.

Quem quiser manter a sanidade deve entender que ao mesmo tempo que
ansiamos pela liberdade, nunca a teremos plenamente. A ideia quase anárquica
de liberdade plena e absoluta é um equívoco. A vida, por definição, possui limi-
tações intrínsecas, que jamais serão superadas. Conviver com isso, portanto, é o
princípio da sabedoria.

Mesmo aqueles que louvam a liberdade e tentam comportar-se como os se-


res mais independentes que existem, como os artistas, estão sujeitos à limitação
de sua própria arte. O pintor, se quiser ser pintor, precisa pintar dentro da mol-
dura, o poeta, se quiser ser poeta, precisa escrever segundo a gramática de sua
língua, o músico está preso às harmonias possíveis e o escultor às formas que os
objetos lhe permitem.

Por isso, só a consciência de limitação é que tem o poder, paradoxalmente,


de libertar o homem. Porque aquele que pensa que é absolutamente livre acaba
escravo das circunstâncias, dos seus próprios desejos, das limitações que são im-
postas inexoravelmente e das quais ele, que vive como se fosse totalmente livre,
não consegue libertar-se. O consciente, por seu lado, sabendo de suas limitações,
prepara-se para elas, aproveitando o espaço de liberdade que lhe sobrou. Com
isso, consegue direcionar-se com mais inteligência e não acaba paralisado pelos
obstáculos que se impõem.

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Como diz Jules Payot, a liberdade não é um direito, mas uma conquista. Ser
livre não é viver sem qualquer limitações - o que jamais acontecerá, mas aceitá-
las como parte da existência e aproveitar os espaços permitidos, direcionando-se
com inteligência por eles.

Quem quer ser livre, de verdade, em vez de se rebelar contra as impossibi-


lidades e obstáculos que lhe acometem, toma posse de sua própria vida, deter-
minando para si mesmo o que deve fazer, como fazer e de que forma fazer. Não
reclama dos limites, mas movimenta-se dentro deles com inteligência.

Quem não faz isso, mas apenas fica se debatendo, como um animal selva-
gem enjaulado, contra as grades impostas pela vida, nada conquista, menos ain-
da qualquer liberdade. Pelo contrário, tende a machucar-se, por não saber acei-
tar como as coisas são, desenvolvendo frustração e tristeza.

Muito da preguiça vem disso. Crendo-se livres por direito, muitas pessoas
acham que não podem impor sobre si mesmas qualquer regramento, qualquer
direcionamento. Acham que devem seguir seus desejos e fazer as coisas quando
tiverem vontade de fazer, afinal, são livres.

Assim, acabam por, ainda que não queiram, serem tomadas por um outro
tipo de aprisionamento, que é aquele gerado pelas suas próprias fraquezas e sua
própria tendência ao inferior. Por não se prepararem, acabam engolidas pelas
circunstâncias e aquela liberdade que deveria gerar mais ação, acaba se tornan-
do a causa da inércia.

Liberdade sem método é o prenúncio da confusão, e a confusão não permi-


te que as coisas sejam feitas corretamente. De que adianta ser livre, se isso não
gera nada de produtivo? Para que serve a autonomia, se ela torna as pessoas
apenas mais sujeitas aos ataques da dispersão.

Aceitar que a liberdade é apenas um aspecto parcial de nossa existência é a


base para a ação coordenada e bem direcionada. E o homem verdadeiramente
livre não é aquele que não encontra limitações em sua vida, mas dentro do espa-
ço permitido por elas, faz o melhor que pode fazer.

E, sejamos claros, apesar das limitações, o espaço que há para a criativida-


de e o movimentos é imenso. Basta esquecer o pouquinho o anseio por liberdade
absoluta e aprender a apreciar e usar aquilo que a vida oferece.

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Descanso

Quando lazer e o prazer assumem a posição no topo da lista de bens dese-


jáveis, atraem para junto deles aquele que, ainda que se caracterize pela inércia,
proporciona tanta alegria quanto eles: o descanso. Se o objetivo é gozar do que
faz sentir-se bem e faz esquecer dos problemas cotidianos, o descanso então
transforma-se em bem supremo.
Se o descanso não fosse considerado um bem em si e não fosse tão cobiça-
do pelos homens, eles não se acumulariam, como sardinhas enlatadas, nos va-
gões de metrô, nos chamados horários de pico, apenas para chegar em casa, tirar
os sapatos e lançar-se no sofá para nada mais fazer até o dia seguinte. Se o des-
canso não fosse um deus a quem todos prestam reverência, não contariam os
dias apara o próximo feriado, apenas para louvá-lo o dia inteiro, usufruindo ple-
namente do ócio que ele concede.

Assim, quando o descanso torna-se um bem em si mesmo, passa a ser dese-


jado e assume formas de tentação. Transforma-se então em um fantasma, a as-
sombrar aquele que precisa trabalhar, sussurrando em seus ouvidos que abando-
nar-se em seus braços é o melhor que ele pode fazer.

Assim, em um mundo hedonista, que privilegia o bem estar, está previa-


mente justificada a opção de deixar-se levar pelo descanso. Negar-lhe, mesmo
quando ele não é tão necessário, soa até como estupidez, afinal, quem nega para
si um bem?

É preciso considerar ainda que o mundo ocidental viveu séculos de valori-


zação absoluta do trabalho. Principalmente nos países onde a cultura puritana
forjou sua mentalidade, o trabalho sempre foi visto como um valor em si mesmo,
como algo a ser buscado e querido por suas próprias virtudes. O trabalho, sob
esta mentalidade, não está vinculado a sua utilidade social, mas deve ser visto
como um bem independente.

Essa mentalidade de valorização absoluta do trabalho impulsionou, obvia-


mente, a prosperidade. Não é por acaso que o Ocidente conduziu o mundo às
riquezas e elevou consideravelmente o padrão de vida das pessoas. No entanto, a
consolidação da abundância trouxe com ela a reflexão sobre os meios que con-
duziram até ela e também uma certa culpa por ter valorizado o esforço para
produzi-la em detrimento de outras coisas também importantes. O mundo oci-
dental começa a rever seus conceitos e a criticar, por vezes acidamente, aqueles
que esforçaram-se demais no trabalho. O resultado disso é o surgimento de uma

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cultura sobressalente, que passa a julgar o trabalho em excesso como ganância e
a tratar o descanso como um bem a ser buscado, com o fim de proporcionar
saúde física, psíquica e espiritual.

Quando há o deslocamento da percepção sobre o descanso, tornando-o um


bem, e do trabalho excessivo, fazendo-lhe um mal, é bem mais provável que a
pessoa sinta-se mais culpada por trabalhar do que descansar. Assim, haverá nela
bem menos disposição para lutar contra os apelos do descanso, mesmo quando
eles se apresentam em momentos inconvenientes e em prejuízo do andamento
do trabalho.

Quando lutamos contra uma tentação, que aqui eu chamo de elemento dis-
persivo, várias sugestões surgem em nossa cabeça, tentando convencer-nos que
ceder a ela não é algo ruim. Por isso, é importante ter bem claro, antecipada-
mente, qual é a verdadeira natureza desse elemento, para não deixarmos con-
fundir-nos. Se, porém, não entendermos o descanso como ele verdadeiramente
é, a saber, apenas uma pausa entre trabalhos e não um bem em si, ficará mais
difícil negar seus apelos.

E acabei antecipando o que queria dizer sobre o que é verdadeiramente o


descanso. Diferente do que a cultura moderna entende, vendo nele um valor in-
dependente e digno de ser gozado por si mesmo, o descanso é meramente uma
pausa entre as atividades que praticamos. O descanso deve ter apenas um objeti-
vo: recarregar as energias para que a próxima atividade seja feita com mais qua-
lidade e eficiência.
Quem quiser vencer a batalha contra a preguiça precisa perder essa obses-
são pelo descanso e começar a enxergá-lo como algo necessário, porém não ab-
soluto. É preciso vê-lo apenas como um intervalo, exigido pelo corpo e pela men-
te, quando eles reabastecem suas energias, para voltar às suas atividades com
plena capacidade.

Por isso, o descanso não deve ser almejado, mas planejado como parte das
atividades que praticamos. Muita gente erra ao pensar seu dia de trabalho sem
considerar a necessidade das pausas. Elas devem fazer parte da jornada, porque
possuem sua utilidade e função.

No entanto, é preciso também refletir sobre essa cultura do bem estar, que
valoriza demasiadamente os prazeres inferiores, tornando assim o descanso
como algo a ser almejado desesperadamente. Ninguém vence a preguiça se não
fizer isso. Apenas é capaz de trabalhar com afinco e com persistência quem en-

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tende que o valor maior está nos trabalhos que realiza e não nos intervalos entre
eles.

Planejamento

É muito fácil chegar aqui e falar que muito dos problemas enfrentados pe-
las pessoas em relação à capacidade de manter-se firmes em seus trabalhos é a
ausência de um plano bem feito. Diversos especialistas no assunto vão, então,
oferecer métodos de planejamento que prometem ajudá-las a enfrentar o pro-
blema de não conseguirem fazer aquilo a que se propõem.

Não serei leviano em dizer que tais métodos não funcionam. Pelo contrário,
muitos deles são realmente muito bons. Até porque este capítulo pretende real-
çar exatamente isso: que a falta de planejamento é um dos motivos principais
que levam as pessoas a agiram de maneira preguiçosa.

No entanto, em vez de oferecer algum método, é melhor entender porque


isso acontece e, quem sabe, assim, você começa a dar um jeito nessa sua dificul-
dade.

Muitas vezes, deixamos para decidir o que fazer apenas no momento de


executar as tarefas. Entre as diversas atividades possíveis, não definimos previa-
mente o que devemos fazer naquele momento, mas deixamos para escolher o
que iremos realizar apenas no momento de realizá-las.

Fazemos isso como uma forma de manter as opções abertas, imaginando


que, com isso, acabaremos escolhendo fazer aquilo que nosso espírito está mais
propenso naquele determinado momento, o que, teoricamente, tornaria a ativi-
dade mais fácil de ser executada e, por isso, mais produtiva.

O problema é que essa acaba sendo um erro estratégico, já que a natureza


humana não é tão gentil, e nem tão inteligente, a ponto de decidir por uma ati-
vidade conforme as reais necessidades das pessoas. Pelo contrário, só de ser co-
locada sob a pressão da escolha, ela já irá despertar o desejo de escape, que
sempre procura por aquilo que é menos estressante e menos trabalhoso.

Assim, quem deixa para decidir o que fazer apenas no momento de fazer
vai, invariavelmente, escolher aquelas atividades menos chatas, que exijam me-
nos concentração, que são mais fáceis de ser executadas.

No entanto, geralmente, são as atividades mais trabalhosas, mais árduas,


que exigem mais paciência e esforço aquelas mais importantes. Dessa maneira, o

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que vai acontecer é o que ocorre com todo preguiçoso: o que deve ser feito, de
verdade, vai sendo adiado indefinidamente, fazendo com que o resultado que se
busca também seja lançado para um futuro remoto, até que, de uma vez por to-
das, se perca.

Planejar o que deve ser feito não é apenas uma questão gerencial, mas é
uma maneira de antecipar-se contra o maior amigo da preguiça: a provocação
dos elementos dispersivos. Quem planeja tem maiores chances de não ceder
porque delibera, antecipadamente, sobre o que vai fazer, não abrindo brechas
para que as tentações dispersivas lhe sugiram saídas alternativas.

Como é possível ver nisso tudo, o planejamento pode não ser a solução
para todos os problemas e, muitas vezes, é verdade, caem por terra no primeiro
momento que é testado. Porém, de qualquer forma, sua existência é um passo
importante na luta contra os ataques dos elementos dispersivos.

De qualquer forma, a ausência de um plano de ação é como ir para o com-


bate sem armadura e escudo. Se elas não garantem que você saia perdedor, sua
ausência é a garantia de que isso vai acontecer de qualquer maneira.

Hierarquização

Se todas as coisas fossem igualmente importantes não haveria nada de im-


portante nesta vida. O fato de algumas coisas serem mais importantes é que faz
com que as queiramos, que precisemos delas, que as busquemos com mais esfor-
ço.
Mas existe a importância intrínseca de cada coisa, ou seja, seu valor como
obra acabada e final, mas também há a importância relativa, que é aquela refe-
rente a determinado tempo.

Principalmente quando nos referimos às atividades, dificilmente podemos


enxergar nelas uma importância absoluta. Se as atividades são parte de um pro-
cesso em busca de um resultado, a importância que possuem também está inti-
mamente ligada a esse resultado. Se o resultado tornar-se impossível ou indese-
jado, a atividade morre juntamente.
Por outro lado, ao fazer parte do processo, não haveria como dizer que algo
não tem importância alguma, ou mesmo uma importância pequena. Ainda que
seja um ato simples, se for imprescindível, torna-se absolutamente importante.
Basta ver que se for retirado do processo todo o conjunto sofrerá.

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O fato é que se algo for passível de ser excluído do processo em direção ao
resultado final, é sinal que, na verdade, não tem importância, ou, pelo menos,
possui uma importância muito relativa e dependente de outros fatores.

Todavia, o mais importante aqui é entender que cada pequeno ato dentro
do processo tem quase que uma importância vital, independente de ser algo
grande ou uma pequena tarefa.
Porém, sua importância não pode ser medida apenas pela sua contribuição
ao conjunto, mas uma outra forma de entendê-la que é crucial para bem realizá-
la. Para isso, as perguntas que devem ser feitas são: o que deve ser feito neste
exato momento? Qual das atividades necessárias para obter-se o resultado deve
ser realizada agora?

A resposta a essas perguntas torna a atividade escolhida como a mais im-


portante neste determinado instante. Não há nada, independente do tamanho,
da complexidade e da relação com o produto final que seja mais importante do
que fazer aquilo que deve ser feito no presente momento.

Entender isso é de suma importância para a boa realização de tudo. E é


este tipo de hierarquização das tarefas que torna-se requisito imprescindível para
quem quer bem fazer todas as coisas.
Apenas quem entende a importância relativa de cada atividade, segundo
sua imprescindibilidade no tempo, pode bem fazer as suas coisas. E o mais im-
portante é que apenas essa hierarquização previne ceder ao impulso de fazer
aquilo que, ainda que seja importante em outro contexto, não é o que deve ser
feito agora.

Assim, saber decidir, para cada momento determinado, o que deve ser fei-
to, pensando no bem do conjunto e na necessidade temporal, é uma antídoto
importante contra o veneno da tentação de fazer qualquer outra coisa que não
vai contribuir em nada para o resultado buscado.

Paradoxo das opções

Temos a tendência de louvar o mundo contemporâneo, principalmente


porque nos oferece uma infinidade de opções, como em um cardápio, apenas es-
perando que escolhamos o que mais nos convém.

O que, porém, deveria ser objeto de estímulo e impulso à ação, pelo contrá-
rio, tem levado as pessoas à indecisão. E este paradoxo tem feito com que, em

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vez de acharem mais fácil a escolha, se paralisem diante da diversidade com a
qual se deparam.
A razão para que isso ocorra, porém, não é nenhum mistério. Acontece as-
sim: quando nos deparamos com diversas opções e precisamos escolher uma de-
las, imediatamente entramos em um tipo de estado de tensão, que anseia por ser
solucionado. O problema é que, em estado de tensão, não conseguimos pensar
direito. Daí, com a mente entenebrecida, não é mais a razão consciente que atua,
mas a natureza inconsciente toma a dianteira do ato. E, neste estado, a tendên-
cia sempre vai ser pela busca do mais fácil, do mais agradável, daquilo que apa-
rentemente resolverá mais rapidamente a tensão.
Assim, a chance de fazer a escolha correta, diante do leque de opções que
se apresenta, é mínima. O mais comum, de fato, é acabar escolhendo por aquela
que é menos estressante e, provavelmente, menos importante para aquele de-
terminado momento, ou, então, por alguma outra coisa que não estava no car-
dápio inicial, mas que vai servir como algo aliviador naquele instante.

Por isso, a diversidade de opções não é garantia de nada. Pelo contrário, se


ela não for precedida de uma hierarquização temporal e uma decisão anterior, só
servirá para causar paralisação e fuga.
Uma gama de opções só se torna positiva quando, prevendo-a, a pessoa es-
colhe, antecipadamente, o que deve ser feito em primeiro lugar, em determinado
instante. Fazendo isso, sua escolha não será mais exercida em um momento de
tensão, quando tudo precisa ser resolvido imediatamente, mas poderá ser reali-
zada com calma e de maneira racional.

Ao fazer isso, o que ela precisa é apenas a força de vontade adequada para
cumprir aquilo a que se determinou, segundo a hierarquização feita previamen-
te.
Por outro lado, é exatamente a falta dessa hierarquização que faz muitas
pessoas não conseguirem executar as tarefas necessárias para encontrar seus ob-
jetivos. Como não preveem o que vão enfrentar, deixando para apenas em cima
da hora decidir o que fazer, sofrem os efeitos da tensão da escolha, deixando,
assim, de agir de uma maneira consciente e racional.

Portanto, a hierarquização e a determinação pela execução conforme uma


ordem inteligente é uma arma imprescindível contra a preguiça. Ignorar isso é
colocar-se à mercê das circunstâncias, e estas costumam ser implacáveis contra
quem quer fazer as coisas direito.

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Autoconfiança

Confiar em si mesmo tem sido a regra cantada em todos os lugares. Quem


não a segue é tido por fracassado, por acreditarem que quem não confia em si
mesmo não tem a menor chance de vencer na vida. É como se a confiança em si
mesmo fosse um pressuposto do sucesso e desconfiar das próprias capacidades
uma fraqueza repreensível.
Foi Chesterton quem dedicou boas linhas ao tema da autoconfiança, cha-
mando de loucura a ideia de que confiar em si mesmo era imprescindível, dizen-
do que homens que acreditam em si mesmos estão todos em hospícios.

Mas o mundo de hoje promove essa insanidade e exige que cada um confie
em si mesmo de maneira incondicional. Isso gera nas pessoas, obviamente, uma
imagem distorcida, supervalorizada, que ignora as dificuldades inerentes e ines-
capáveis.

Não que eu seja um pessimista inveterado e ache que os homens são inca-
pazes e impossibilitados de grandes conquistas. No entanto, também tenho plena
consciência das limitações intrínsecas que todos possuímos e, ainda mais impor-
tante, das tendências que temos.

Sendo assim, seria até ingênuo acreditar que vencer a luta contra a pregui-
ça é algo fácil, que basta um pouco de força de vontade e esforço e isso vai acon-
tecer de qualquer maneira. Pensar assim é demonstrar desconhecimento de
quem somos e das dificuldades intrínsecas que possuímos.

O fato é que essa autoimagem distorcida faz crermos que temos mais per-
sistência do que realmente temos, que somos mais atentos do que realmente so-
mos, de que temos mais força do que realmente temos e que possuímos mais ca-
pacidade de concentração do que realmente possuímos. Esse erro de avaliação
acaba levando-nos a olhar para nossas capacidades e natureza de maneira exces-
sivamente otimista, o que é prenúncio certo de frustração.

O que acontece é que, quando fazemos planos, quando pensamos em como


realizaremos nossas tarefas, costumamos esquecer de todas essas nossas caracte-
rísticas, além de ignorar as circunstâncias que nos cercam. Temos muito boa von-
tade conosco e não consideramos nossas variações de humor, nosso cansaço,
aqueles dias que não conseguimos nos concentrar, a falta de vontade que vez ou
outra nos acomete e diversas outras situações que dificultam que façamos aquilo
a que nos determinamos.

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Quando pensamos em nós no futuro, idealizamos nosso eu, visualizando
alguém, normalmente, muito melhor do que somos de fato. Também idealizamos
o ambiente, pensando nele como perfeito, sem distrações, sem surpresas, sem
incômodos.

A chance disso dar errado, obviamente, são imensas e não é por acaso que
caímos tão facilmente nas armadilhas da preguiça. A realidade costuma ser mui-
to mais difícil, complexa e variável do que a imaginamos quando estávamos de-
cidindo como faríamos as coisas e, por isso, acabamos ficando desguarnecidos
ante a forma como ela se impõe.

Isso faz querermos "abraçar o mundo", nos comprometendo com muito


mais tarefas do que podemos dar conta, assumindo muito mais responsabilida-
des do que podemos realizar. Então, atarefados, estressados e incapacitados de
fazer as coisas direito, acabamos nos tornando presas fáceis dos elementos dis-
persivos, que são muito mais eficientes naqueles que perderam o controle de
suas próprias vidas.

Autoconhecimento

Dizem que conhecer a si mesmo é a característica marcante do homem sá-


bio. O "conhece-te a ti mesmo" da sabedoria antiga grega é cantado, em todas as
épocas, como o lema de quem pretende ser mais do que alguém que é levado
pelas circunstâncias, inconsciente de sua realidade e de tudo que o cerca.

Conhecer a si mesmo, porém, é algo complexo. Em geral, as pessoas vivem


apenas na superfície de suas consciências, movendo-se quase instintivamente pe-
los meandros da existência, tendo parado pouquíssimas vezes para refletir sobre
sua real condição e sentido de estarem vivas.

Sendo assim, poucas pessoas se conhecem de verdade, tendo sobre si mes-


mas quase apenas percepções epidérmicas, baseadas meramente em seus gostos
e desejos mais imediatos. Por isso, mal sabem o que querem e costumam agar-
rar-se a promessas de conforto e diversão que lhes parece suficientes para supor-
tá-las até o dia final de suas vidas.
Tal falta de autoconhecimento tem diversas consequências negativas. Po-
rém, para o caso específico que estou tratando aqui, ela afeta de maneira especi-
al.

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Como eu já disse, é importante planejar antes de agir. Deixar para escolher
em cima da hora o que deve ser feito é a fórmula para a má escolha, é o cami-
nho mais fácil para ceder às tentações dos elementos dispersivos.

Tal planejamento, porém, contém também seus perigos. E estes residem


principalmente na falta de conhecimento de si mesmo, que leva a pessoa a espe-
rar de si algo que não condiz com seu verdadeiro temperamento e realidade.
Não é incomum, no afã do planejamento, quando a atividade é apenas uma
expectativa, as pessoas verem a si mesmas quase como super-homens, capazes
de cumprir uma carga de trabalho extensa, fortes o suficiente para se manterem
concentradas durante um período grande de tempo. Dificilmente, elas conside-
ram as circunstâncias, mesmo aquelas que lhe são mais comuns, como o mau
humor matinal, o cansaço após o almoço, a depressão do fim de tarde, além dos
fatores externos que comumente lhes acometem, como as intervenções de tercei-
ros, os interesses que são despertados, os desejo que lhes são provocados.
Temos a tendência de idealizarmos a nós mesmos, principalmente quando
olhamos para o futuro. Não costumamos nos ver como realmente somos, mas,
sim, em uma versão melhorada de nós mesmos, normalmente desprendida de
nossos defeitos, fraquezas e necessidades.
Então, mesmo quando planejamos nossas atividades, isso não garante que
nos tornaremos mais eficientes e de que não cederemos aos elementos dispersi-
vos. Simplesmente, porque muitas vezes esse planejamento não é feito para nós
mesmos, de carne e osso, mas para uma versão que idealizamos e que de manei-
ra alguma corresponde com a realidade.

E isso acaba sendo uma das causas mais comuns da preguiça, pois, quando
chega o momento de cumprir a tarefa, não temos a energia que esperávamos ter,
nem a concentração que achávamos que teríamos, mas tudo parece bem mais
difícil e complicado do que quando estávamos planejando as tarefas.

A decepção que isso desencadeia é evidente e torna-se um passo para desis-


tirmos de fazer aquilo que esperávamos, pois se transformou em algo grande
demais, deixando-nos à mercê da primeira proposta de desvio que se apresente
em nossa frente.

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Conclusão
De fato, a preguiça não é algo a ser combatido de frente. Até porque, sorra-
teira que é, sua forma de atuação é sempre sutil e quase imperceptível. Quem
quiser vencê-la, portanto, precisa mais de percepção que de força, mais de sensi-
bilidade que de músculos.

A força de vontade, o autodomínio e a perseverança são importantes, mas


servem como elementos complementares de algo mais decisivo, que é a inteli-
gência. Sem esta, aquelas tendem a darem n'água e sucumbirem diante da esper-
teza da preguiça.

Toda reflexão que fiz aqui, apesar de não abarcar todos os motivos que le-
vam as pessoas a serem preguiçosas, ao menos levanta algumas razões que, se
bem observadas, podem ser suplantadas pela consciência. Assim, quem começar
a prestar atenção em si mesmo vai detectar muitos dos motivos que tracei e, a
partir daí, estará apto a combatê-los com inteligência.
A última coisa que eu espero, porém, é que as pessoas deixem de, em al-
guma medida, serem preguiçosas. Às vezes, sair do planejado, deixar-se levar
pelo impulso ou por um desejo momentâneo é saudável. No entanto, o que eu
pretendo ter ajudado é em fazer as pessoas refletirem sobre as razões porque a
preguiça se manifesta e, assim, colaborado para que elas possam superar essas
dificuldades.

Podemos tratar a preguiça como algo prosaico e até sem importância. Po-
rém, os efeitos de uma vida preguiçosa podem ser muito mais sérios do que, à
primeira vista, podem se apresentar.

Se, portanto, minhas reflexões puderem contribuir para que as pessoas


pensem um pouco mais a fundo sobre esse problema e consigam, com isso, ven-
cer esse obstáculo na vida delas terei cumprido o meu objetivo.
Seu eu pude deixar um conselho, digo apenas o seguinte: viva suas experi-
ências, por mais chatas que elas pareçam, com intensidade. O que fica de nossa
existência são as lembranças de nossas sensações e acredito que não vale a pena
passar por esta vida com a sensação de que nada foi feito de verdade.

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