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Hildegard Taggesell Giostri

Erro Médico - À luz da jurisprudência comentada

IMPRENSA BRAILLE
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Volume Único

Outubro - 2001

Índice geral:
Primeira Parte - Doutrina
1 - Breve Histórico da Evolução da Responsabilidade Civil do Médico 10
2 - Culpa e Responsabilidade Médica 25
3 - Dimensões e Projeções do Vínculo Obrigacional 82
4 - O Normal e o Patológico 130
5 - A Cirurgia Plástica 138
6 - Risco e Erro 154
Segunda Parte - Jurisprudência Comentada
Considerações Gerais
1. Anestesia 173
2. Cirurgia Plástica 195
3. Código do Consumidor 236
4. Culpa Configurada e não Culpa 243
5. Exames 297
6. Imperícia 302
7. Médico como Chefe de Equipe 328
8. Negligência 332
9. Nexo Causal 355
10. Ofensa à Honra do Médico 387
11. Responsabilidade Médico-Hospitalar 391
12. Seguros de Saúde 437
Terceira Parte - Advertências
1 - Advertências de alguma utilidade 457
Referências Bibliográficas 483

<3>
ERRO MÉDICO - À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA COMENTADA
1ª edição - 2ª tiragem
<4>
ISBN 85-7394-175-8
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Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco
Giostri, Hildegard Taggesell.
G499
Erro médico à luz da jurisprudência comentada./ Hildegard Taggesell Giostri./ 1ª ed., 2ª
tir./ Curitiba: Juruá. 1999.
378 p.
1. Erro Médico. I. Título.
CDD 346.0332
CDU 346.141:61
<5>
HILDEGARD TAGGESELL GIOSTRI
Bioquímica e advogada. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Doutoranda
pela mesma Universidade. Pós-graduada em Filosofia e Língua Portuguesa pela
PUC/PR. Diretora do Instituto de Direito Médico.
ERRO MÉDICO - À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA COMENTADA
1ª edição - 2ª tiragem
1999
Juruá Editora
Curitiba
Para Eduardo, médico exemplar e companheiro de uma vida.
<9>
À GUISA DE APRESENTAÇÃO
Por Dra. Ana Zulmira Diniz Badin
Médica. Cirurgiã-plástica.
Conselheira do CRM/PR.
A presente obra nos brinda com uma retrospectiva de julgados, aliados à teoria
da área jurídica e apresentados em linguagem extremamente acessível à classe médica,
ao mesmo tempo em que informa à classe jurídica sobre aquele tipo de problemas que p
odem ocorrer, independentemente do preparo do profissional ou da possibilidade
de previsibilidade que possa ter o médico.
A classe médica, e em especial a área da cirurgia plástica (à qual pertenço), vem send
o profundamente atingida nos dias que correm, em razão daquele tipo de
paciente que visa se beneficiar financeiramente às custas de seu médico e, muitas ve
zes, sem que tenha sequer consciência da extensão danosa do ato que está cometendo.
Tal postura entristece o nosso trabalho e faz com que cada vez mais tenhamos
que nos precaver contra incidentes como estes, resultando disso o fato de que c
ertos
pacientes, que eram vistos anteriormente como amigos, passem a ser encarados com
o possíveis ameaças.
Fatores endógenos, psicológicos - e até do meio de onde provém o paciente - podem in
fluir sobre um resultado cirúrgico, independentemente de ter sido usada a
técnica correta e usual, dentro dos mais rígidos critérios de conduta cirúrgica.
<10>
A importância desse livro reside, primeiramente, no alerta que faz à classe jurídi
ca no sentido de estender o seu olhar (e o seu julgamento), para mais além
de um simples resultado. Há que ser analisado todo o complexo sistema que envolve
um restabelecimento clínico-cirúrgico: organismos debilitados metabólica ou emocionalm
ente,
a interação mente/corpo, a possibilidade de reações adversas e doenças auto-imunes, que a
cada dia estão sendo descobertas, estudadas e apontadas pela Medicina,
em especial nas áreas da Psico-neuro-endocrinologia, entre outras.
Todo este UNIVERSO rege e comanda uma recuperação clínica ou cirúrgica, o que, ao me
u ver, torna inadequado e obsoleto um compromisso de resultado. Por conta
da particularidade individualista de cada organismo é impossível a vinculação a um resul
tado determinado, pois este estará sempre atrelado, de maneira específica
e personalíssima, a cada caso em si.
Para os médicos, também, a presente obra mostra-se valiosíssima, pois serve como u
m alerta no sentido de nos fazer refletir sobre a melhor maneira de conduzir
o relacionamento médico-paciente, bem como a própria administração de nossa clínica, vez q
ue nos informa e esclarece sobre problemas que poderão surgir na labuta
diária de qualquer um de nós. E seu maior valor reside exatamente nessa orientação preve
ntiva, pois, como todos nós sabemos, a profilaxia foi sempre o melhor remédio.
Como médicos, aprendemos a conhecer as patologias, a bem indicar um tratamento
e a realizar procedimentos dentro das mais altas tecnologias, todavia, isto não
nos imuniza do surgimento de problemas, e é por tal razão que um relacionamento médico
-paciente de excelente qualidade serve de suporte para a boa resolução daqueles,
bem como pode vir a contribuir para harmonizar o organismo do paciente e equilib
rar seu emocional. E é este relacionamento que, na maioria da vezes, quando desest
abilizado
pode, não só levar à ruína um resultado que poderia ter sido bom, como comprometer a própr
ia vida do paciente, comprometendo, igualmente, o conceito profissional
do médico.
<11>
Na relação médico-paciente assenta-se a pilastra mestre de todos os conflitos.
Prevenir-se, rejeitando casos, contra-indicando e evitando situações desagradáveis
e danosas deve ser a meta dos médicos, que agora têm - através dessa obra
-, o alerta e as informações de quem já é mestre na área do Direito Médico; de quem tem o c
nhecimento e a sensibilidade, tanto na área jurídica quanto médica e,
por tal razão, procura informar, alertar e prevenir ambos os lados.
A Dra. Hildegard Taggesell Giostri tem o grande mérito de conseguir ser a medi
adora entre juristas e médicos, conseguindo assim, compilar em uma obra tão bela,
informações valiosíssimas para as duas áreas.
E são essas informações que nos fazem refletir no sentido de que temos o poder de
mudar o rumo de certos acontecimentos, antes que se tornem nefastos, para que
haja mais tranqüilidade e segurança para a nossa prática médica e mais justiça e paz de es
pírito para aquele que julga.
<13>
PREFÁCIO
A caminho do estatuto jurídico na responsabilidade civil da atuação médica
Por Luiz Edson Fachin
Mestre e Doutor em Direito
Professor de Direito Civil da UFPR e do IBEJ
Uma obra importante vem à lume sob a preciosa lavra de Hildegard Taggesell Gio
stri, versando sobre erro médico à luz da jurisprudência comentada. Teoria e prática
se entrelaçam num texto claro e corajoso, o qual chamou para si o desafio de singr
ar turbulentos mares e enfrentar tempestades na doutrina e na jurisprudência.
Autora e editora merecem felicitações pela iniciativa de trazer à comunidade jurídic
a livro desse teor, cuja direção é uma opção de sentido, que procura, na
investigação teórica comprometida com um certo ponto de vista, superar o hiato clássico
entre a reflexão e o direito civil em movimento. Tal "décalage" não se faz
presente nesse estudo que merece encômios.
Oportuna análise que ao final deste século abre as portas de novos horizontes pa
ra a instância jurídica, sensível à vida, sua dinâmica, origem e desenvolvimento.
No equilíbrio entre a redação técnica e a informação às vezes quase coloquial, o texto que
elevada honra nos coube prefaciar, é fruto de um esforço profundo
e elogiável que soube, com zelo, captar as lições de história na perspectiva que se dispôs
a sustentar.
<14>
O exame foi em busca daquilo que alimenta a essência da própria vida, e almejou
transitar na instabilidade do chamamento contínuo para os desafios. Partindo
do erro e da culpa médica, aprofundou a responsabilidade que desse binômio nasce à luz
das obrigações de meio e de resultado, especialmente na cirurgia plástica
e na anestesiologia. Afastando-se de uma dualidade maniqueística captou, com maest
ria, a lição de DUPIN: o estatuto jurídico da responsabilidade tem seu assento
no equilíbrio da verificação dos casos concretos. Aí está a gênese informativa de um corpo
e princípios e normas em formação.
O singular trabalho põe ainda em realce o papel construtivo da jurisprudência e
procura arrimo na melhor fonte bibliográfica, trazendo à colação clássicos e
contemporâneos para suscitar, como fez, com amparo nas obras de Alberto BUERES e A
ntunes VARELA, temas e questionamentos pertinentes.
Paradoxos e inexistência de soluções prêt-a-porter delimitam o objeto de sua investi
gação, a qual abre espaço para preocupações do presente e indagações do futuro,
ainda por descortinar, sob o outro "olhar", o do destinatário. Sem embargo, escapa
ndo da discutível pureza conceitual, toma partido e define posições com ousio.
A seu modo e sob os valores que defende, submete-se ao debate, à exposição para o apre
ndizado, do qual nos fala Michel SERRES em sua travessia. Mesmo se não houver
concordância com o rumo apontado, é imperioso reconhecer a força apaixonante do argume
nto que não permanece na sombra da neutralidade jurídica nem mesmo da linguagem
hermética.
Aqui há mais que um ponto de partida: há um espelho lúcido de uma longa caminhada
de pesquisa que, mesmo na divergência, defende e adverte, sem medo de submeter-se
ao debate. Um exemplo de fio a pavio.
<15>
Está na seiva desse estudo que ora prefaciamos a lição de Milton SANTOS, segundo o
qual "o tropel dos eventos desmente verdades estabelecidas e desmancha o saber"
.
Nesta seara também somos todos aprendizes de um chamamento em construção. No mundo con
temporâneo cambiante, enriquecem o Direito obras corajosas que com os pés no
presente miram para o futuro, ciente da esperança que ainda guia mentes e corações.
Nesta obra, a vida e o ser humano não são meros instrumentos e sim um fim que se
justifica, no plano ético, por si mesmo. Sem receio, o exame que se coloca ao
debate circunvaga num terreno próprio para quem carrega sempre consigo a semente q
ue ilumina, na juventude de suas idéias, os horizontes do porvir.
<25>
PARTE PRIMEIRA
DOUTRINA
1. BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
SUMÁRIO: 1.1 O Código de Hammurabi e outros. O Egito - 1.2 A situação dos médicos na R
oma antiga - 1.3 A prática da medicina e a responsabilidade nas Idades
Média e Moderna - 1.3.1 A influência do direito canônico - 1.3.2 Conseqüências nefastas do
empirismo - 1.4 Influência do direito francês na determinação da responsabilidade
civil do médico - 1.5 O direito esposando o fato social - 1.5.1 O Parecer do Procu
rador-Geral DUPIN - 1.5.2 A responsabilidade moral dos médicos - 1.6 A noção de
imprudência e negligência associada ao ato médico.
O presente e o futuro são construídos sobre os alicerces resultantes dos fatos s
ociológicos que a História propicia. Por tal razão, entendemos ser importante
tomar conhecimento, ainda que superficial, do andamento e das modificações sofridas
ao longo dos séculos pela responsabilidade médica.
Em especial, uma tal informação se faz necessária para aqueles que insistem em afi
rmar que só agora os profissionais da saúde estão sendo cobrados por algum
eventual dano que venham a causar por intermédio do exercício de seu mister. Ledo en
gano.
Dentro das diferentes nuanças acordes com a época e com a evolução da medicina, os méd
icos tiveram de suportar as conseqüências prejudiciais de suas falhas e
de seus erros, assim, a responsabilidade civil daquele profissional surgiu, hist
oricamente, com as mais primitivas legislações.
<26>
Na Antigüidade, a prática da medicina mostrava-se muito restrita, além de estar in
timamente ligada à religião. A maioria dos fatos era atribuída às divindades:
saúde, doença, riqueza, pobreza, o sucesso ou não nas colheitas e, até, o destino da pátri
a.
Imbuídos de uma tal religiosidade, os povos norteavam por ela a sua conduta e,
muitas vezes, dentro desse universo místico, o médico era visto como intérprete
dos deuses. Todavia, tal posição não impediu que, em certos períodos da História, a respon
sabilidade médica chegasse a ter um caráter particularmente rigoroso, em
função da consideração mínima que passou a desfrutar a profissão naquelas interfases.
1.1 O código de HAMMURABI e outros. O Egito
O Código de HAMMURABI (1686-1750 a.C.) já previa penas para médicos ou cirurgiões qu
e cometessem lesões corporais ou matassem um homem livre ou um escravo. Dedica
nove artigos à atividade médica e às obrigações dela decorrentes.
Bastante severas, as normas instituídas pelo referido código previam que se o médi
co não tivesse sucesso em sua intervenção cirúrgica e o paciente viesse a morrer
ou ficar cego e esse paciente fosse um awilum, seria aplicado contra o órgão conside
rado culpado - a mão do médico -, a pena de Talião. Era, sem dúvida, uma maneira
drástica de evitar outras intervenções desastrosas daquele médico.
<27>
Pelo trabalho dos arqueólogos e historiadores sabe-se, hoje, que o código de HAM
MURABI não é a mais antiga codificação de que se tem notícia; bem assim, que
ele porta não apenas sentenças concretas ditadas por aquele rei, mas, também, formulações
legais recebidas por tradição de outros ordenamentos que lhe precederam.
O Corpo de Leis do rei URUKAGINA de Lagos, no terceiro milênio da era pré-cristã;
a coleção de Leis do rei UR-NAMU (2111-2084 a.C.), que no seu artigo 625, referia-se
à responsabilidade médica; o código de LIPSIT ISTHAR de Isin (1934-1924 a.C.) e, por últ
imo, as Leis de Eshnumma, do rei DADUSHA (1875-1787 a.C.), são ricos exemplos
que precederam a codificação de HAMMURABI e, com certeza, lhe serviram de base compi
latória para posterior desenvolvimento.
Quanto ao Egito, informa PANASCO, lá os médicos gozavam de alta posição social, porq
ue se confundiam as suas funções com as de sacerdote mas, ainda assim, deviam
nortear-se por regras básicas constantes de um livro. Respeitadas as regras, mesmo
que o paciente viesse a falecer, não sofreriam punição, o que não ocorria em caso
da não observância àquelas.
<28>
1.2 A situação dos médicos na Roma antiga
Em Roma, nos tempos mais primitivos, era comum que médicos fossem escravos ou
libertos e suas funções tinham um caráter servil, já que todas as grandes famílias
possuíam um médico dentre o numeroso quadro de servidores, da mesma maneira como dis
punham de um poeta, de um gramático ou de um músico.
Foi por intermédio da Lei das XII Tábuas, adotada em Roma por volta do ano 452 a
.C. (Tábua VII - Dos Delitos) que alguns princípios gerais de responsabilidade
foram introduzidos e, mais tarde, no império de Augusto (27 a.C.) a profissão médica c
omeçou a ser vista de uma maneira diferente, alcançando já algum prestígio,
consoante informação de Hélio GOMES.
Admitia-se, então, ser a relação médico-paciente uma forma de arrendamento de serviços
, um contrato consensual. Quando, posteriormente, surgiu a Lei Aquília,
vieram com ela os primeiros rudimentos da responsabilidade médica, prevendo a pena
de morte ou a deportação do médico culpado pelo cometimento de um erro profissional.
É interessante notar que são coetâneas as admoestações de PLÍNIO, no sentido de reclama
de impunidades médicas, tendo em vista a dificuldade da tipificação
legal de uma falta.
1.3 A prática da medicina e a responsabilidade nas Idades Média e Moderna
Da Idade Média, o documento mais antigo de que se tem notícia data do séc. XIII e
consta de uma sentença do Júri dos Burgueses de Jerusalém, a qual declarava
que um determinado médico devia uma indenização pela morte de um doente.
<29>
Em termos de legislação, conforme comenta GOMES, são também dessa época dados que reve
lam que o médico era solicitado a ter uma participação mais direta em matéria
jurídica. Assim, a lei sálica, a lei germânica e as Capitulares de Carlos Magno contêm i
tens onde constam detalhes anatômicos de ferimentos, sendo a reparação devida
às vítimas analisada conforme o local e a gravidade daqueles.
Com base nas informações que a História oferece, convém recordar que a medicina, ini
cialmente, era exercida por sacerdotes, feiticeiros, escravos, curandeiros,
magos e, mais tarde, por barbeiros, sendo que dentre eles, como é fácil concluir, mu
ito poucos possuíam reais conhecimentos sobre a matéria ou estavam realmente
habilitados a exercer tal profissão. Foi somente em 1335, por edito do rei de França
, JEAN I, que o exercício da medicina restringiu-se aos diplomados em Universidade
s.
1.3.1 A influência do direito canônico
Na análise da evolução da responsabilidade civil do médico pode-se aduzir que o dire
ito canônico (1200 a 1600) trouxe benéficas influências, já que sob a égide
do Cristianismo modificaram-se tanto o direito civil quanto o criminal.
Provas diretas eram exigidas contra os acusados e o exame minucioso dos fato
s era julgado necessário sob a óptica das investigações médico-legais.
<30>
Em uma Carta patente de FELIPE, o Audaz, datada de 1278, é feita alusão a cirurg
iões juramentados junto à pessoa do rei. Crescia, portanto, a responsabilidade
daqueles profissionais.
O fato, porém, mais importante deste período, assinala GOMES, foi o aparecimento
do Código Criminal Carolino, de EDUARDO V, promulgado pela Assembléia de Ratisbona,
em 1532, e constituindo-se numa espécie de constituição do império germânico.
Por força de tal código, passou-se a exigir o exame e o parecer de cirurgiões e pa
rteiras, antes de os juízes emitirem suas decisões em casos de ferimentos,
assassinatos, abortos e infanticídios. Intentava-se com isso uma mais conveniente
e justa aplicação da pena.
O exercício prático da medicina legal estava inaugurado em caráter oficial.
<31>
1.3.2 Conseqüências nefastas do empirismo
Com o decorrer do tempo, o exercício de uma profissão baseada apenas em conhecim
entos empíricos trouxe como conseqüência um descrédito para a classe: os profissionais
eram julgados severamente por seus erros, especialmente pela opinião pública. O refe
rencial mítico e místico do médico encontrava-se diluído por conta dos resultados
nem sempre exitosos advindos das tentativas de tornar a medicina uma ciência não div
inatória.
Em contrapartida, a partir do século XVII, começaram a surgir algumas manifestações
no sentido de proteger os médicos: os tribunais mostravam-se menos rigorosos,
mas os praticantes da "arte", salvo poucas exceções, ainda não eram merecedores de gra
nde consideração. Era a época quando os cirurgiões, os barbeiros e os boticários
formavam uma mesma "família científica".
1.4 Influência do direito francês na determinação da responsabilidade civil do médico
Na época moderna, pode-se dizer que foi no direito francês que se estabeleceram
as primeiras normas codificadas da responsabilidade médica, assentando as bases
de uma jurisprudência e de uma doutrina que se substanciariam com o decorrer do te
mpo, servindo de parâmetro para um grande número de países, inclusive o Brasil.
<32>
O famoso aresto de 20.05.36, da Corte de Cassação francesa, influiu de maneira e
xpressiva para que, a partir de então, o trabalho médico fosse visto como uma
obrigação de cunho contratual, ainda que sob as vestes de um contrato sui generis.
De igual modo, o não menos famoso parecer do Procurador-geral DUPIN veio igual
ar os atos nefastos dos médicos aos de qualquer outro cidadão, no que concerne
à responsabilização pelos mesmos.
1.5 O direito esposando o fato social
Os fatos, na sua dinamicidade, se sucedem, alterando a História e os costumes
do homem. Atrás lhes segue o direito, a lentos passos, normatizando e regulando
o novo mundo fático criado.
A evolução da idéia de responsabilizar o médico não se deu de maneira nem rápida, nem o
denada pois, conforme se tem notícia, os casos de responsabilidade médica
eram escassos; vez por outra punia-se o médico faltoso, outras vezes declarava-se
a sua irresponsabilidade. Porém, em 1596, o Parlamento de Bordeaux condenou um
médico a pagar 150 francos de indenização por dano a um cliente.
Em 1696, o Parlamento de Paris declarou que os médicos e cirurgiões não eram respo
nsáveis por faltas decorrentes do exercício profissional, mas, em contrapartida,
novamente o Parlamento de Bordeaux responsabilizou um cirurgião, imputando-lhe pag
amento de pesada indenização.
<33>
Em 1768 o Parlamento de Paris, submetendo-se aos fatos, mudou seu parecer pr
onunciando-se, então, pela interdição do exercício da profissão para os médicos incriminado
por falta profissional.
Por fim, no período que compreendeu os anos de 1825 a 1833, ocorreram casos de
erros médicos, a tal ponto graves, que tiveram o poder de mobilizar a opinião
pública e, com ela, o legislador.
1.5.1 O Parecer do Procurador-Geral DUPIN
Em 1832, o eloqüente enunciado de um parecer do Procurador-Geral DUPIN, da Cor
te Civil do Tribunal de Cassação de Paris, motivou uma revisão do que se pensava
até então, acabando por constituir-se em um marco e abrindo novos rumos para a corre
nte jurisprudencial.
Destarte, o parecer de DUPIN tem para a questão da responsabilidade civil médica
, não só da França, mas para todo o direito comparado, um extraordinário valor
doutrinário, tanto histórico como jurídico, insinuando-se como o pioneiro de todos os
julgados e arestos posteriores.
No entender de DUPIN, os atos médicos deveriam ser submetidos aos tribunais da
mesma maneira que o eram os atos dos demais cidadãos, no sentido de fugir da into
cabilidade
e de procurar dar uma garantia contra a imprudência, a negligência e a ignorância de c
onhecimentos técnicos, conhecimentos esses que um médico - como qualquer outro
profissional -, deveria ter.
<34>
1.5.2 A responsabilidade moral dos médicos
Em 1829, todavia, a Academia de Medicina de Paris proclamou que a responsabi
lidade dos profissionais da arte de curar deveria ser exclusivamente moral. A pa
rtir
daí e por um bom tempo, a doutrina, em sua maior parte, e a jurisprudência francesa,
passaram a aderir a essa tese, sustentando, entre alguns pontos, os seguintes:
Porque nas questões médicas há uma pluralidade de critérios, tais como diagnóstico, pr
ognóstico, tratamento, intervenção cirúrgica, tudo se tornando opinável
ou conjectural:
<35>
a) O médico só poderia se responsabilizado com base em uma culpa material - não em um
a culpa médica - ou seja, ele responderia quando cometesse falta igual àquela
cometida por um homem comum, mas não por uma especificamente decorrente do agir médi
co;
b) A culpa médica seria escusável devido às dificuldades existentes no exercício da med
icina;
c) Poderia haver responsabilidade desde que ocorresse culpa grave, inescusável, u
m erro grosseiro ou elementar;
d) Incumbiria ao doente provar os erros ou os descuidos do médico;
e) O laudo dos peritos médicos deveria ser decisivo no assunto, pois que conheced
ores da ciência médica, podendo emitir uma opinião autorizada.
Mesmo ficando patente que o enfoque da responsabilidade estava voltado mais
para o lado moral da questão, já se vislumbrava um progresso mais lógico e racional
no sentido de responsabilizar o profissional faltoso.
1.6 A noção de imprudência e negligência associada ao ato médico
Em 1850, o Tribunal de Colmar e, em 1861, o de Metz empregaram pela vez prim
eira as expressões "imprudência e negligência" e "esquecimento das regras gerais
de bom senso e prudência".
<36>
Como conseqüência desse novo enfoque, o Tribunal de Dijon, em 1868, considerou q
ue "fora umas questões profissionais exclusivamente reservadas pela sua natureza
às dúvidas e às controvérsias da ciência, o médico é - como todo cidadão -, responsável pel
o causado pela imprudência, leviandade ou imperícia notória,
numa palavra, por sua falta pessoal."
Como é de fácil constatação, houve um recrudescimento gradativo na conceituação da resp
nsabilidade médica pelos tribunais, em face do aumento do número de processos,
número este que se avolumava a cada ano. Com tal postura, a França não só saiu na frente
dos demais países quanto à responsabilidade civil e penal daquele profissional,
como serviu de escola e parâmetro para o direito comparado de muitas nações, que foram
buscar na sua experiência e pioneirismo o direcionamento para seus respectivos
julgados e doutrinas.
A responsabilidade civil médica, nos dias atuais, está assente na culpa, sendo s
uas modalidades a imperícia, a imprudência e a negligência, conforme se verá
em capítulo próprio. Poderão ser verificadas, ainda, as responsabilidades penal e ética,
sendo esta última julgada nas searas dos Conselhos Regionais e Federal de
Medicina, órgãos supervisores da ética profissional, enquanto julgadores e disciplinad
ores da classe médica (Lei nº 3.268/57, art. 2o).
<37>
2. CULPA E RESPONSABILIDADE MÉDICA
SUMÁRIO: 2.1 Tipos de culpa médica - 2.2 Peculiaridades da culpa médica - 2.3 Aval
iação da culpa médica - 2.4 Modalidades de aparecimento da culpa médica - 2.5
A responsabilidade médica - 2.5.1 A responsabilidade civil do médico pelo fato de ou
trem - 2.5.1.1 Substituição entre profissionais - 2.5.1.2 Relação médico-anestesio-logista
- 2.5.2 Obrigações do anestesiologista - 2.5.3 Responsabilidade pelo fato da coisa -
2.6 Natureza jurídica da responsabilidade médica - 2.6.1 Tipos de contrato médico
- 2.6.1.1 Contrato sui generis - 2.6.1.2 Contrato de assistência médica - 2.7 Casos
em que a responsabilidade médica pode ser tida como extracontratual - 2.8 Caracterís
ticas
gerais do contrato médico - 2.9 Irresponsabilidade médica: casos de excludência da res
ponsabilidade - 2.9.1 Considerações gerais - 2.9.2 Excludentes da responsabilidade
médica - 2.9.3 Previsibilidade e imprevisibilidade - 2.10 Nexo causal entre a cond
uta do médico e o dano - 2.10.1 A influência do estado do doente na análise da
causalidade.
Todo o profissional, independentemente da área à qual pertença, deve possuir os co
nhecimentos básicos, tanto práticos quanto teóricos, de sua profissão, no intuito
de exercê-la de acordo com os princípios de uma conduta cautelosa, perita e eficient
e. Isso lhe será útil no sentido de não prejudicar seus futuros clientes, bem
como seu próprio nome, sua carreira e a classe profissional que representa.
<38>
Do profissional médico é exigida uma conduta bastante rigorosa, vez que trabalha
diretamente com bens cujo valor vai além da própria possibilidade de aferição,
quais sejam, a vida, a saúde, a integridade psicofísica. Se, contudo, lhe é pedido zel
o maior, nem por isso está ele inserido em algum tipo de derrogação do princípio
unitário de individualização da culpa, nem é sua prática profissional considerada inimputáv
l.
A culpa do profissional médico, perante o direito, é uma culpa comum e não uma cul
pa especial, como querem alguns, o que diferenciaria sua conduta dos demais
indivíduos. Também a responsabilidade que lhe é atribuída é aquela idêntica para todos; dif
rente, apenas, é a natureza de ocorrência da culpa, pois esta resulta
do exercício de uma profissão, da profissão médica.
A responsabilidade médica, depois de passar pelos diferentes estágios, comentado
s no capítulo anterior, rege-se hoje pelos mesmos princípios da responsabilidade
civil em geral, segundo a qual, quem pratica um ato em estado de sã consciência e ca
pacidade, com liberdade, intencionalidade ou por mera culpa, tem o dever de repa
rar
as conseqüências danosas do seu proceder.
Todavia, ao determinar a responsabilidade médica, mister se faz um tipo de cui
dado específico e, este, diz respeito a uma verificação efetiva se o dano ocorrido
foi causado pelo ato do facultativo ou se adveio por evolução natural da enfermidade
. Tal diferenciação é de extrema importância, já que evita que se confunda progresso
do estado mórbido com erro médico.
2.1 Tipos de culpa médica
As conhecidas divisões das quais resultam os mais diversos tipos de culpa não se
rão aqui analisadas, vez que interessam apenas aqueles inseridos na categoria
denominada culpa médica.
<39>
Admitem alguns autores a existência de dois tipos: a culpa comum - que recebe
igual tratamento que a culpa em geral, qualquer que seja o ato praticado -, e a
culpa profissional, que consistiria na infração aos deveres médicos, ou seja, cometida
no exercício da medicina.
Culpa profissional, portanto, no entender de ORSI é aquela particular qualific
ação que a culpa civil (mas, também, penal) assume no âmbito das atividades profissionai
s,
ocorrendo ou configurando-se quando o profissional descumpre com as obrigações inere
ntes a seu mister, agindo sem o cuidado, a diligência e a perícia que lhe impõem
as regras de sua profissão.
Vista sob essa perspectiva, a culpa médica seria, então, uma espécie de culpa prof
issional, dela resultando a responsabilidade civil profissional que, como toda
responsabilidade, emerge da transgressão de um dever jurídico preexistente, consisti
ndo na obrigação de ressarcir, por meio de uma indenização, o prejuízo causado
a outrem, advindo de uma conduta antijurídica.
Se no campo teórico essa divisão é plausível, no campo prático entendemos não ser possí
distinguir-se, na responsabilidade civil dos médicos, a culpa profissional,
da culpa comum, sendo os princípios gerais relativos à individualização da culpa aplicávei
s - na íntegra - à atividade profissional dos médicos.
A natureza de uma profissão não a faz diferente das outras no que tange aos dita
mes legais de violação do dever genérico - neminen laedere - de não causar danos
a outrem; a culpa é uma só, apenas o que poderá variar são as classificações feitas de acor
o com o modo como aquela se manifesta, ou por quem foi praticada, seja
por um profissional médico, advogado, engenheiro ou tabelião; daí dizer-se culpa médica,
culpa de advogado e outras tantas.
<40>
2.2 Peculiaridades da culpa médica
A culpa médica apresenta peculiaridades decorrentes das características técnicas d
as quais se reveste, o que a torna, muitas vezes, de difícil comprovação.
Os principais obstáculos que se antepõem a que ela possa ser determinada de mane
ira clara e acessível repousam nos seguintes fatores:
a) Natureza confidencial das relações médico-paciente:
Via de regra, o relacionamento entre profissional e cliente dá-se no recinto f
echado de um consultório, sendo de natureza estritamente confidencial, sem testemu
nhas
ou documentos. Quando o paciente pretende apresentar alguma prova material do se
u descontentamento, dispõe apenas de uma receita, na qual foram prescritos alguns
medicamentos e a maneira de usá-los.
b) Silêncio por parte daqueles que presenciaram ou que participaram do ato médico:
Em um trabalho de equipe é bastante comum a existência de uma discrição solidária fren
te a um erro eventualmente cometido por um dos integrantes daquela. Uma
sala de cirurgia, por exemplo, é um espaço fechado, freqüentado apenas pelos que estão j
untos num determinado propósito, podendo haver entre eles, não só laços de
hierarquia, que os há, como de amizade também.
c) Aspecto técnico da culpa médica:
<41>
Os juristas têm, muitas vezes, que se servir dos préstimos de um perito médico, o
que pode trazer à tona o problema conhecido como esprit de corps, ou corporativism
o,
por conta do qual imagina-se que o laudo pericial possa vir a ser dado com um ce
rto favorecimento, por se tratar de um colega de profissão. Não se pode dizer que
esta seja a regra mas, de igual maneira, seria inverídico dizer que tal não ocorre,
ainda que a tendência de semelhante postura seja entrar em declínio, até por
força de seu código de ética (Vide arts. 19 e 79). Um laudo favorecido unilateralmente
, sem dúvida, vai dificultar sobremaneira a caracterização do erro e, por conseguinte,
a aferição da culpa a ser responsabilizada, ainda que a ele o julgador não esteja adst
rito. Mas, a bem da verdade, não há como negar que, não raro, encontram-se
laudos bastante severos, apontando claramente o erro do colega.
2.3 Avaliação da culpa médica
Em matéria tão controversa, como fazer para definir se o médico agiu ou não com culp
a? Entendemos que uma das possibilidades mais justas diria respeito à análise
de seu comportamento comparado ao de outro médico, da mesma categoria e em idênticas
situações, ou seja, perquirir a culpa in abstrato.
Em tal apreciação, três fatores seriam de extrema relevância, a saber: não se esperar,
ou exigir, que um médico radicado no interior tenha o mesmo conhecimento,
o mesmo desempenho e se utilize das mesmas técnicas e práticas atualizadas, que seri
am exigidas de um seu colega que - vivendo em grande centro urbano - pudesse
dispor de moderno e completo aparato hospitalar.
<42>
Em segundo, o erro de diagnóstico, visto de uma forma genérica, não se constitui e
m culpa e uma forte razão para tanto reside no fato de que apenas uma pequena
porcentagem da etiologia das doenças é conhecida. Também, porque, um mesmo sintoma pod
e estar ligado a várias etiologias, propiciando, assim, a possibilidade de
ocorrer um falso primeiro diagnóstico. Entendemos que agiria o médico com culpa se a
companhando o caso de seu paciente e constatando que o tratamento não estava
adequado, visto a sua não melhora, continuasse a insistir no mesmo. Do que se conc
lui que erro de diagnóstico não enseja culpa, mas erro de conduta, sim.
Por terceiro, uma situação de emergência é uma atenuante de um certo valor, podendo
modificar a avaliação de uma presumida culpa. É diversa a posição do médico
que teve tempo para refletir sobre o problema de seu paciente e erra, daquele qu
e comete um erro ao atender um acidentado com grave hemorragia, com uma parada r
espiratória
ou outra situação emergencial.
2.4 Modalidades de aparecimento da culpa médica
A postura culposa do médico caracterizar-se-ia quando o seu agir estivesse imb
uído de falta de diligência e da inobservância das normas de conduta. Essa falta
de diligência, de prevenção e de cuidado seria, então, o elemento dinâmico essencial a car
acterizar a culpa, dando nascença às suas três modalidades, a saber, a
imperícia, a imprudência e a negligência.
<43>
Imperícia é a falta de habilidade para praticar determinados atos que exigem cer
to conhecimento. "É a ignorância, incompetência, desconhecimento, inexperiência,
inabilidade, imaestria na arte ou na profissão". Os autores ora citados compartilh
am da controvérsia existente quanto ao fato de imputar-se imperito o médico, já
que o mesmo tem em mãos diploma que lhe confere um grau superior e uma habilitação pro
fissional e legal.
De igual parecer é Aníbal BRUNO: "há um erro escusável, e não imperícia, sempre que o p
ofissional, empregando correta e oportunamente os conhecimentos e regras
da sua ciência, chega a uma conclusão falsa, podendo, embora, advir daí um resultado d
e dano ou perigo".
A nosso ver, não se trata exatamente de imperícia, mas de incapacidade, pois se
o médico está habilitado por um diploma, não quer dizer que o mesmo esteja capacitado
para todas as demandas de uma profissão tão ampla quanto a medicina. Dispõe ele, sem dúv
ida, de um habilitação, mas anexada a uma presunção de capacidade.
<44>
Se, antigamente, um profissional da saúde tinha condições de ser cardiologista, or
topedista, obstetra, ginecologista, otorrinolaringologista e pediatra a um
só tempo, hoje, com o afunilamento cada vez maior das especialidades médicas, tal po
ssibilidade não mais se concebe, a não ser em pequenas comunidades, onde o médico
tem, por necessidade, de exercer a profissão em todas as áreas.
Entendemos que o profissional, ao se sentir incapacitado frente a um quadro
clínico, seja por problemas pessoais, seja por falta de equipamento ou condições
técnicas, deverá encaminhar o cliente para outro colega - habilitado como ele, porém m
elhor qualificado -, ao menos na especialidade que se faz necessária para resolver
o problema do momento. Em não agindo assim e advindo erro, sem dúvida, terá ele incorr
ido em uma atitude recriminável e à qual convencionou-se chamar imperícia.
Portanto, imperícia é um tipo de culpa - por ação -, que pode ocorrer quando o médico
faz de maneira errada ou equivocadamente aquilo que deveria fazer, seja
por falta de experiência, despreparo técnico ou incompetência.
Imprudência, por sua vez, consiste na precipitação, na falta de previsão, em contrad
ição com as normas do procedimento sensato. Conforme ensina Aguiar DIAS,
é a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que cada qual deve tomar com seus at
os.
É uma modalidade de culpa por ação, quando o médico faz o que não devia, seja por uma
má avaliação dos riscos, por impulsividade, por falta de controle e, até,
por leviandade.
No campo prático, poder-se-ia usar como exemplo o caso de um cirurgião que opera
sem o preparo adequado do paciente, ou o faz premido pela pressa, frente a outr
os
compromissos que o aguardam, advindo, tanto num caso como no outro, um mau resul
tado para o paciente.
<45>
Negligência, no parecer do mestre supra citado, é a omissão daquilo que razoavelme
nte se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a
conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam agir
com atenção, com capacidade, solicitude e discernimento. Relaciona-se, no
mais das vezes, com a desídia, ocorrendo por omissão de precauções às quais o agente dever
ia se obrigar.
É, pois, um tipo de culpa por omissão, efetivando-se quando o profissional não fez
o que deveria ter feito, seja por inércia, passividade, indiferença, desleixo,
descuido, menosprezo, preguiça ou, mesmo, cansaço.
Como exemplo prático, a falta dos devidos cuidados com a assepsia ou com a esc
olha do material cirúrgico adequado, o que pode resultar em graves complicações
no pós-operatório.
As três modalidades de culpa - imperícia, imprudência e negligência -, têm característi
as próprias ainda que de limites tênues e, com base nisso, pondera Aguiar
DIAS, pode haver um momento em que "essas espécies se entrelaçam, verificando-se, en
tão, a negligência revestida de imprevisão, a imprudência forrada de desprezo
pela diligência e pelas regras de habilidade, a imperícia traçada de negligência".
Exemplificando, os casos de esquecimento de compressas e tesouras nas cavida
des operatórias, durante o ato cirúrgico. Ou, mais ainda, a amputação equivocada
de um membro pelo outro. A nosso entender, um tal procedimento estaria inserido
no tipo "erro grave", que como o nome já indica, é mais grave que uma imperícia,
que uma imprudência e que uma negligência, não impedindo, contudo que as três figuras es
tejam nele representadas (e de fato costumam estar).
<46>
Noticia aquele autor que a tal ponto se misturam as noções das três modalidades qu
e os autores alemães, procurando delimitá-las de uma maneira mais precisa,
vão mais longe e reconhecem duas espécies de negligência: uma consciente (bewusste Fah
rlassigkeit), configurada no ato daquele que, conhecedor da possibilidade de
conduzir a sua atitude a um resultado danoso, ainda assim, levianamente a assume
, na ilusão de que essa possibilidade não se apresente no caso, ou de que, ao aprese
ntar-se
possa ele evitar o resultado por sua habilidade pessoal. A outra - a negligência d
ita inconsciente (unbewusste Fahrlassigkeit) -, ocorreria quando o agente não prev
isse
as conseqüências que um bom pai de família ou um homem prudente poderia prever.
Na ocorrência de um ato médico falho é importante a análise do mau resultado - mater
ializado seja como outro tipo de doença ou como seqüela -, em conseqüência
da intervenção médica ou medicamentosa, pois o mesmo, não somente poderá dar nascimento a
uma ação penal senão que, também, quando da ocorrência de dano que possa
ser apreciado pecuniariamente, dará condições a que o mesmo possa ser ressarcido na área
cível. De igual maneira, poderá dar azo a um processo ético-administrativo,
junto a sua entidade de classe, conforme já mencionado.
O Código Civil preceitua no seu artigo 159: "Aquele que, por ação ou omissão voluntári
a, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a reparar o dano". E ainda, no seu art. 1.545: "Os médicos, cirurgiões
, farmacêuticos, parteiros e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre
que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, i
nabilitação de servir, ou ferimentos".
<47>
A responsabilidade dos profissionais citados, ensina Clóvis BEVILÁQUA, "funda-se
na culpa, e a disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender
invocar, de ser o dano um acidente no exercício de sua profissão; o direito exige qu
e esses profissionais exerçam sua arte segundo os preceitos que ela estabelece
e com as cautelas e precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes,
bens inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto que deles zelem;
e esse dever de possuir sua arte e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperios
o que a lei repressiva lhe pune as infrações".
2.5 A responsabilidade médica
Dentro do princípio que a ninguém é lícito prejudicar, Arturo Ricardo YUNGANO entend
e que responsabilidade médica é "a obrigação que tem aquele profissional
de reparar e satisfazer as conseqüências de atos, omissões e erros voluntários ou involu
ntários, dentro de certos limites e cometidos no exercício de sua profissão".
Para que ocorra a responsabilidade médica alguns elementos se fazem necessários,
os quais, no entender de Hélio GOMES, são cinco, a saber: o agente (que é o
médico); o ato profissional (ocorrido no exercício da profissão); a culpa (imperícia, im
prudência ou negligência); o dano (que pode abranger desde o agravamento
da doença, uma lesão, até a morte) e, por último, a relação de causa e efeito entre o ato e
o dano (a ação ou omissão do médico que gerou o dano).
<48>
Logo, em caso de responsabilidade médica, o agente é o próprio profissional, legal
mente habilitado; curandeiros e charlatães responderão por outro tipo de ilícito,
já que os não habilitados não poderiam responder por atos que dizem respeito ao exercíci
o de uma profissão que não é a sua.
Como conseqüência, o ato médico (comissivo ou omissivo), só poderá ser praticado pelo
profissional habilitado, sendo dirigido no sentido de prevenir, promover
ou recuperar a saúde de seu paciente, devendo ele servir-se de técnicas e recursos a
tualizados e consagrados pela ciência médica.
A culpa, conforme já visto, diz respeito àquele tipo de erro de conduta, moralme
nte imputável, erro este que não seria cometido por um de seus pares em idênticas
circunstâncias. Sabe-se que em lato sensu, a noção de culpa abrangeria o dolo mas, no
caso, a previsibilidade será o traço diferencial capaz de caracterizar uma
e o outro.
O dano é o resultado prejudicial advindo da ação (ou da omissão) do médico. Por imperíc
a, imprudência ou negligência, o profissional pode colocar a vida do
paciente em risco, variando aquele dano desde uma pequena lesão, uma perturbação de qu
alquer etiologia, até a morte.
Por último, a relação causal entre o ato e o dano é o indispensável nexo entre a causa
e o efeito que deve existir entre o ato do médico e o prejuízo ocorrido,
uma conditio sine qua para que aquele profissional possa ser responsabilizado.
Voltamos a insistir que nessa avaliação é de grande importância saber se o dano ocor
rido foi mesmo resultante do ato médico, comissivo ou omissivo, ou se foi
a conseqüência natural do estado de morbidez do próprio paciente, vez que já procurou o
profissional porque algo de anormal estava a lhe ocorrer.
<49>
2.5.1 A responsabilidade civil do médico pelo fato de outrem
O desenvolvimento das técnicas e o progresso da medicina na cirurgia, e em ger
al, acabou por determinar a necessidade de formação de equipes, abrindo campo para
a incidência da responsabilidade pelo fato de outrem. A idéia do cirurgião como chefe
de equipe e responsável único tem se modificado sensivelmente e, em especial,
frente à pessoa do anestesiologista.
Dentro desse enfoque, duas situações há que serem analisadas: a substituição entre pro
fissionais e a relação cirurgião-aneste-siologista.
2.5.1.1 Substituição entre profissionais
Toda vez que o responsável contratual por uma determinada obrigação subordinar ter
ceiro para a execução total ou parcial do feito, ocorre uma responsabilidade
contratual pelo fato de outrem.
No que diz respeito ao trabalho médico, essa substituição pode ocorrer de duas for
mas:
a.1. Um médico (A) é substituído por outro (B), atuando este de forma independente, d
iretamente vinculado ao doente. Em ocorrendo erro, não deve haver responsabilidade
para o médico (A), visto não existir nenhum tipo de relação entre os dois profissionais.
a.2. Um médico (A), necessitando valer-se de um colega de profissão (B), subordina
a atuação deste à sua direção. Incidindo o colega substituto (B) em culpa, resultará,
para o primeiro (A), responsabilidade por fato de outrem.
<50>
Sobre a segunda situação, pode-se ainda perquirir se a mesma não caracterizaria se
r um médico preposto de outro, contrariamente ao que prevê o art. 8º do Código
de Ética Médica, que assegura "liberdade profissional" aos que exercem a medicina.
Sob este enfoque a situação teria que ser analisada pelas duas vias, ou seja, pr
imeiro admitindo o vínculo (que se sabe existir ainda que contrariando o princípio
da independência profissional) e, segundo, não admitindo a subordinação.
No primeiro caso - e por força do princípio geral que rege a matéria da responsabi
lidade por fato de terceiro, qual seja o de que o encarregado de realizar algo
por conta de outrem, acarretará para este a responsabilidade - então, o responsável po
r eventuais danos que possam ocorrer ao paciente será o médico preponente.
Na segunda hipótese, isto é, quando não se admite a subordinação entre médicos, frente
o que dispõe a sua norma ética, não existindo contrato entre paciente
e o médico substituto, este responderá - com base na responsabilidade aquiliana -, p
elos danos resultantes de sua má atuação.
A situação pode ficar mais complexa ainda, se examinada sob a óptica da extracontr
atualidade versus contratualidade: para muitos autores aquela se transmuta
nesta, quando do momento do atendimento do médico a paciente que não é seu. Portanto,
por uma via ou outra, o médico será responsabilizado se pelo seu agir advier
dano àquele.
<51>
Quanto ao pessoal auxiliar, que é necessário ao médico empregar com o objetivo de
desempenhar sua atividade (como por exemplo os auxiliares do hospital), se
o exercício funcional deste pessoal integrar o que ele, médico, deve ao paciente em
virtude de contrato, então ele responderá também pela culpa de seus contratados.
O que não impede que tenha, depois, sobre eles, o direito de ação de regresso, em caso
de culpa e culpado claramente identificados.
2.5.1.2 Relação médico-anestesiologista
A aparição das equipes médicas, salientada linhas atrás, é fato recente e resultante d
o progresso da ciência e da técnica médicas. O ato cirúrgico, por constituir-se
em verdadeira agressão à integridade física do paciente, é um ato de extrema gravidade.
Por intermédio dele, se vidas podem ser salvas, seqüelas irreparáveis podem
também advir, do que se deduz que uma equipe posta à serviço da cirurgia deve ser cons
tituída por pessoas altamente especializadas.
A relação cirurgião-anestesiologista deve ser analisada dentro deste enfoque, já que
há algumas décadas não havia a figura daquele último.
Por longo tempo o cirurgião foi visto pela doutrina e jurisprudência como o chef
e de uma equipe e, portanto, único responsável pelos danos advindos ao paciente,
via ato cirúrgico. Deve-se tal, ao fato de ser ele, até então, a figura mor dentro de
sua equipe, sendo esta formada em função dele e por ele mesmo, que controlava
e coordenava todas as ações, incluindo as do anestesiologista.
Modernamente, com a evolução da especialidade desse último, tem-se, como conseqüência,
uma espécie de dissociação de responsabilidades entre a sua e a do cirurgião.
No passado, era ele considerado como auxiliar do operador, trabalhando sob as su
as ordens e sendo tal tarefa muitas vezes desempenhada por enfermeiras. Atualmen
te,
o anestesiologista passou a ocupar posição de destaque no ato cirúrgico, em igualdade
com o cirurgião.
<52>
O tratamento da problemática que envolve a relação entre os dois profissionais cit
ados tem suscitado controvérsia, e a jurisprudência francesa tem decidido no
sentido de admitir a completa autonomia do anestesiologista no que concerne à prep
aração do paciente e aos cuidados pós-operatórios. Contudo, os danos sofridos por
aquele, resultantes de falha na anestesia, no curso da realização da cirurgia, devem
ser suportados por ambos os profissionais, pois entendem os Tribunais franceses
que a noção de direção e de responsabilidade do cirurgião não deve ser sistematicamente afa
tada.
No Brasil a corrente jurisprudencial tem se posicionado de maneira idêntica.
A nosso ver, problemas surgidos única e exclusivamente pelo ato anestésico devem
ficar na responsabilidade daquele que o praticou. Uma anestesia mal feita preju
dica
não só o cliente, como o trabalho do cirurgião; entretanto, um mau cirurgião dificilment
e poderá prejudicar, com sua inépcia, o trabalho do anestesiologista.
Entendemos que frente à habilitação que dá a ambos um diploma legal conferindo igual
dade de condições, não mais se justifica que o cirurgião também precise responder
pelo trabalho do anestesiologista, pela única razão de estarem ambos a trabalhar com
mesmo cliente e no mesmo ambiente.
Erro de cirurgião deve ser suportado pelo próprio; erro de anestesia, pelo anest
esiologista. Todavia, as correntes se bifurcam, como acima demonstrado: há os
que pensam que o cirurgião é o chefe de uma equipe e, como tal, responsável por ela. S
em dúvida, é ele responsável por seus prepostos: instrumentadores, enfermeiras
e auxiliares de uma maneira geral. Contudo, responsabilizá-lo pelo trabalho do ane
stesiologista é transformar este profissional em preposto do cirurgião, contrariamen
te
ao previsto por seu código de ética sobre sua "liberdade profissional" (art. 8º).
<53>
Embasamos nossa postura no art. 33 do referido codex, que prevê ser vedado ao
médico: "Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não
participou efetivamente".
Por uma questão de bom senso, há que ainda analisar a situação acima em duas circuns
tâncias: 1ª) a do médico de interior que escolhe o seu anestesiologista e,
nas muitas das vezes, não só por laços de coleguismo, como de amizade; 2ª) aquele profis
sional de um grande centro que, ao entrar para atuar em um Centro Cirúrgico,
sequer sabe qual é o anestesiologista que está de plantão e que fará parte de sua equipe
.
Tem-se por óbvio que na primeira situação analisada, ainda seria possível, em caso d
e erro e dano, dividir a responsabilidade entre cirurgião e anestesiologista.
Contudo, na segunda, data máxima vênia, nos parece que em havendo qualquer problema
relacionado com a anestesia, apenas o profissional responsável por ela deveria
ser penalizado.
Concluindo, e à guisa de resumo, pode-se dizer que a postura da corrente juris
prudencial dominante, bem assim a da doutrina é a seguinte:
- Responsabilidade individual do anestesiologista: períodos pré e pós operatório.
- Responsabilidade concorrente com o cirurgião: período intra-operatório.
- Quando o anestesiologista é escolhido pelo cirurgião, este torna-se também responsáve
l pelos atos daquele.
- Quando o anestesiologista é imposto pelo hospital, passa a estar inserido na re
sponsabilidade objetiva do nosocômio (não excluído, todavia, o direito de regresso).
<54>
2.5.2 Obrigações do anestesiologista
A anestesia, ato médico praticado - preferencialmente -, por anestesiologista,
tem por finalidade propiciar, por meio de aparelhos e medicamentos, as condições
favoráveis para o ato cirúrgico, mantendo o paciente em analgesia e com seus sinais
vitais em níveis considerados os ideais.
Todavia, cumpre observar que o ideal nem sempre é o que ocorre, já que a anestes
iologia é uma das especialidades que mais se defronta com o risco, graças à diversidad
e
de seu campo de ação, atendendo a clientes de todas as idades e, portanto, todos os
tipos de enfermidades, desde as mais simples às mais raras.
MORAES, ilustre médico-escritor, referindo-se ao anestesiologista alerta que "
para não cometer erros é necessário competência adquirida através de estudo teórico,
com muito conhecimento obtido pela prática ao lado de especialistas experientes, g
rande habilidade manual, autoconfiança, tranqüilidade e prontidão de atitudes".
Somem-se, então, essas qualidades requeridas + o elemento "subjetividade human
a" + o fator álea e se concluirá, uma vez mais, pela incongruência que é classificar
tal especialidade como estando incluída na categoria "obrigação de resultado".
Por certo não são todos os autores, nem todos os julgadores que a conceituam ass
im, todavia, há uma tendência para tanto e uma maioria bastante expressiva que
assim pensa, escreve e decide.
<55>
Alguns estudiosos da área têm oferecido uma lista de quais seriam os deveres de
uma anestesiologista, sendo a mais conhecida a de LUODET e MIRANDA, citada, incl
usive,
por Aguiar DIAS. Em que pese o valor das advertências ali contidas, reformulamos a
referida lista, dela reaproveitando conceitos que ainda vigem a introduzindo ou
tros,
com base em casos concretos, atualizados pela jurisprudência e por decreto do Cons
elho Federal de Medicina. Entendemos que os oito itens abaixo prescritos possam
abranger de maneira mais satisfatória a complexidade da labuta anestesiológica.
Assim, em resguardo de si próprio e de seu cliente, o anestesiologista deve ob
servar os seguintes procedimentos:
1) o risco representado pela anestesia não deve ser maior que o risco da cirurgia
em si;
2) o ato anestésico - a não ser em ocasiões precisas e especialíssimas - deve ter o con
sentimento do paciente ou de seus representantes legais;
3) a anestesia deve sempre ser precedida de exames prévios e de entrevista pessoa
l com o paciente, daí advindo a possibilidade de uma melhor avaliação física e
de uma confiança maior por parte do doente em relação ao profissional e ao próprio ato c
irúrgico;
4) conferir os frascos de todos os medicamentos a serem utilizados antes do ato
anestésico, bem assim as saídas dos condutores de gás;
<56>
5) instrumentos e aparelhos pertinentes ao ato anestésico devem ser testados pelo
anestesiologista antes que aquele se inicie;
6) proceder o ato anestésico em presença de membros da equipe cirúrgica;
7) não se afastar, jamais, e sob pretexto algum, da cabeceira do paciente anestes
iado;
8) não deixar subalterno, alheio à especialidade, responsável pelo ato anestésico, seja
no seu início, meio ou fim.
O Conselho Federal de Medicina, em Sessão Plenária de 12.03.93, criou e aprovou
a Resolução nº 1.363, dirigida especificamente aos anestesiologistas, cujo teor
pensamos ser de utilidade aqui inserir:
Art. 1º - Determinar aos médicos que praticam anestesia que:
I - Antes da realização de qualquer anestesia é indispensável conhecer, com a devida an
tecedência, as condições clínicas do paciente a ser submetido à mesma, cabendo
ao anestesista decidir da conveniência ou não da prática do ato anestésico, de modo sobe
rano e intransferível;
II - Para conduzir as anestesias gerais ou regionais com segurança, assim como ma
nter a vigilância permanente ao paciente anestesiado durante o ato operatório,
o médico anestesista deve estar sempre junto a este paciente;
<57>
III - Os sinais vitais serão verificados e registrados em ficha própria durante o a
to anestésico, assim como a ventilação, oxigenação e circulação serão avaliadas
intermitentemente;
IV - É ato atentatório à Ética Médica a realização simultânea de anestesias em pacientes d
tos pelo mesmo profissional, ainda que seja no mesmo ambiente cirúrgico;
V - Todas as conseqüências decorrentes do ato anestésico são da responsabilidade direta
e pessoal do médico anestesista;
VI - Para a prática da anestesia deve o médico anestesista avaliar previamente as s
ituações de segurança do ambiente hospitalar, somente praticando o ato anestésico
se estiverem asseguradas as condições mínimas para a sua realização, cabendo ao diretor téc
ico da instituição garantir tais condições.
Art. 2º - Entende-se por condições mínimas de segurança para a prática da anestesia as
seguir selecionadas:
I - Monitorização dos pacientes com esfigmomanômetro, estetoscópio pré-cordial ou esofágic
e cardioscópio;
II - Monitorização do CO2 expirado e da saturação da hemoglobina, nas situações tecnicamen
e indicadas;
III - Monitorização da saturação de hemoglobina, de forma obrigatória, nos hospitais que
utilizam usinas concentradoras de oxigênio;
IV - Deverão estar à disposição do anestesista equipamentos, gases e drogas que permita
m a realização de qualquer ato anestésico com segurança e desfibrilador,
cardioscópio, sistema ventilatório e medicações essenciais para utilização imediata, caso h
ja necessidade de procedimento de manobras de recuperação cardiorespiratória;
<58>
V - O equipamento básico para administração de anestesia deverá ser constituído por secção
fluxo contínuo de gases, sistema respiratório completo, tubos traqueais,
guia e pinça condutora de tubos traqueais, laringoscópio, cânulas orofaríngeas, aspirado
r, agulhas e material para bloqueios anestésicos;
VI - Todo paciente após a cirurgia deverá ser removido para a sala de recuperação pós-ane
stésica, cuja capacidade operativa deve guardar relação direta com a programação
do centro cirúrgico;
VII - Enquanto não estiver disponível a sala de recuperação pós-anestésica, o paciente dev
rá permanecer na sala de cirurgia até a sua liberação pelo anestesista;
VIII - Os critérios de alta do paciente no período de recuperação pós-anestésica são de re
nsabilidade intransferível do anestesista.
Art. 3º - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogada a R
solução CFM nº 851/78.
(Publicada no D.O.U. em 22.03.93, Seção I, p. 3.439).
2.5.3 Responsabilidade pelo fato da coisa
No exercício da profissão, o médico, muitas vezes, para melhor desempenhar sua ati
vidade, deve servir-se de instrumentos ou de aparelhos. Tal decisão está inserida
na liberdade que ele tem - segundo sua consciência e seus conhecimentos - de escol
her o melhor tratamento ou a aparelhagem mais adequada para a cura, ou melhora,
de seu paciente.
<59>
Haverá responsabilidade civil para ele, médico, quando fizer mau uso dessa liber
dade e disso resultar um dano para seu cliente.
Assim, se a má utilização de um instrumento - que o médico deveria saber como operar
devidamente - for causa de dano para o paciente, dará azo à responsabilização,
já que o uso do objeto confunde-se com o ato médico.
Outra hipótese é a de ocorrer um acidente, distinto do ato médico, cuja causa este
ja ligada a vício ou defeito no mecanismo do aparelho. Neste caso também haverá
responsabilidade para o médico, independentemente de sua culpa, pois ao empregar a
quele aparelho estava ele garantindo, contratualmente, ao seu cliente, a segurança
do mesmo.
Convém lembrar que, em tais situações, resta ao médico uma ação de regresso contra o fa
ricante ou o importador do aparelho, cujas responsabilidades são tidas
como objetiva, sendo disciplinadas claramente pelo Código do Consumidor.
2.6 Natureza jurídica da responsabilidade médica
A opinião dominante em relação à natureza jurídica da responsabilidade médica opta por
ustentar que, em geral, os profissionais liberais estão unidos a seus
clientes por um vínculo contratual.
A França, conforme já informado, tem sido o grande celeiro jurisprudencial sobre
o tema "erro médico e sua responsabilidade". É lá, também, que o direito comparado
tem se espelhado para compor sua doutrina a respeito do assunto. Para as moderna
s correntes, de grande importância foi o Acórdão de 20.05.36 da Câmara Civil que
afirmou "se formar entre o médico e seu cliente um verdadeiro contrato [...], que
a violação mesmo involuntária desta obrigação contratual é sancionada por uma responsabilid
de
da mesma natureza, igualmente contratual".
<60>
Se a maioria dos doutrinadores aceita que a responsabilidade médica é, por natur
eza, contratual, o mesmo não ocorre quanto à individuação dos tipos de contrato
que permeiam a espécie, onde, então, as diferenças de opinião aparecem e são bastante acen
tuadas.
2.6.1 Tipos de contrato médico
Apenas a título de informação, os tipos de contratos admitidos como sendo viáveis en
tre o médico e seu cliente são: o mandato, a locação de obra, de serviços,
o contrato sui generis - ou inominado ou, ainda, atípico -, o contrato multiforme
ou proteiforme, o contrato de trabalho e, por último, o contrato de assistência
médica.
Analisaremos apenas os tipos sui generis e de assistência médica. O primeiro por
entendermos ser o mais indicado à originalidade do tipo de contrato e, o segundo,
por ter sido seu nome formalmente proposto em importante congresso latino-americ
ano.
2.6.1.1 Contrato sui generis
Autores nacionais, estudiosos da área da responsabilidade médica, entendem ser e
ste o tipo de contrato que mais se adapta às características do exercício profissional
daquele facultativo. Estão entre eles Hermes Rodrigues de ALCÂNTARA e José de Aguiar D
IAS, entendendo, ambos, que o médico é obrigado a agir com uma correção superior
a um comum locador de serviços, já que confidente, conselheiro, protetor e guardião do
enfermo.
<61>
Um contrato sui generis (ou inominado ou atípico) é aquele contrato não disciplina
do expressamente pela lei, mas que em virtude das crescentes relações humanas
tem sido permitido, se lícito o seu objeto, para que produza efeito no mundo jurídic
o, tutelando-se, dessa maneira, a iniciativa da autonomia privada.
Os partidários dessa acepção entendem que a prestação dos serviços médicos não poderia
inclusa na classificação jurídica dos contratos nominados, vez que
suas normas não se enquadram nas daqueles previstos em lei e possuindo regulamentação
jurídica própria.
2.6.1.2 Contrato de assistência médica
Tal foi o nome proposto por Arturo Ricardo YUNGANO, e aceito, no Simpósio sobr
e Imperícia Médica, realizado em Buenos Aires, em 27/28 de outubro de 1979 e organiz
ado
pelo Conselho Federal de Entidades Médicas Colegiadas da Argentina.
Para YUNGANO, o contrato de assistência médica pode ocorrer por meio de vários tip
os de relação, conforme os sujeitos intervenientes, e o modo inicial de formação
desse relacionamento.
Em que pese as inúmeras propostas no esforço de tipificar a relação médico-paciente, c
ontinuamos com a postura de que o mais aproximado e adequado àquela relação
é, ainda, o contrato sui generis, por referir-se, como o próprio nome indica, a algo
que difere de todos os demais tipos de contratos.
<62>
2.7 Casos em que a responsabilidade médica pode ser tida como extracontratual
Situações existem que, devido à sua peculiaridade, acabam por modificar a natureza
da responsabilidade médica, transferindo-a para o terreno da extracontratualidade
.
Senão, veja-se:
1º) Casos em que os serviços prestados pelo facultativo o sejam de forma espontânea,
sem intervenção alguma da vontade do paciente. Por exemplo, quando o médico
dá atendimento à vítima de acidente, ou de mal-súbito, em via pública.
É indubitável que se o paciente está sem condições de doar seu consentimento, não há co
conjecturar-se a existência de um contrato, já que neste se pressupõe
um acordo de vontades coincidentes e exteriorizadas. Mais lógico seria conceituar
tal situação como cumprimento de dever, ou do legítimo exercício de um direito
ou, ainda, de um estado de necessidade e, como tal, é o pensamento de MOSSET ITURR
ASPE.
2º) O atendimento do médico a incapaz de fato, sem poder comunicar-se com seu repre
sentante legal a fim de obter a devida autorização.
3º) A atividade do facultativo desenvolvida contra a vontade do paciente, verbi g
ratia, nos casos de suicida que recebe assistência antes da consumação do ato.
<63>
4º) No caso de serviços médicos requeridos por pessoa distinta do paciente, sempre e
quando aquela não se apresente como representante legal ou voluntária do paciente,
o que obrigaria contratualmente ao último.
5º) Quando o feito médico configurar - sem prejuízo da ilicitude civil - um delito pe
nal eivado de dolo. Como exemplo, uma mutilação inútil ou um experimento sem
fim curativo.
6º) Quando o contrato celebrado entre facultativo e paciente for nulo - lato sens
u - por carecer de alguns elementos essenciais ou pela presença de qualquer outro
defeito ou vício.
7º) O atendimento por intermédio do serviço público patrocinado pelo Estado, e que cara
cteriza responsabilidade objetiva para a entidade e extracontratual para
o profissional.
8º) Uma outra situação é analisada por PENNEAU, qual seja a dos herdeiros quando se apr
esentam em nome próprio para reclamar reparação por prejuízo pessoal. Tratar-se-ia,
então, de responsabilidade extracontratual em relação a terceiros, o que guardaria uma
certa similitude à situação apontada atrás, no item de número quatro.
9º) BUERES refere-se, também, à responsabilidade por dano infligido à vítima fora da órbit
do contrato, apontando como exemplos os efeitos de um incêndio no consultório
ou os prejuízos materiais ou morais que podem advir de uma visita médica.
Por último, postula-se a idéia, segundo a qual, no momento do início do atendiment
o - dentro de qualquer das modalidades da extracontratualidade -, o médico
passa a ter, de imediato, uma obrigação contratual para com a pessoa atendida. Enten
demos que tal situação diria respeito mais a seus deveres morais e éticos do
que a uma súbita contratualidade.
<64>
As profissões, como um todo, são imbuídas de uma função determinada na sociedade. Cont
udo, algumas existem que por sua natureza e pelo seu exercício, passam
a preencher uma certa função social. Resulta daí o fato de a jurisprudência e a doutrina
reconhecerem a existência de obrigações legais para certas profissões, e
por elas responde o profissional tanto quanto pelas obrigações assumidas contratualm
ente. Uma dessas profissões é a do médico.
Pode-se dizer, então, que há situações nas quais acabam por coincidirem as duas resp
onsabilidades: contratual e extracontratual, sendo concorrentes e, em função
das quais, o profissional se obrigará a observar as regras de seu ofício, seja por f
orça da lei, da ética ou do contrato.
2.8 Características gerais do contrato médico
Num contrato médico, as partes contratantes poderão apor cláusulas acordes com sua
s vontades, desde que observadas as disposições legais, as normas contidas
no Código de Ética Médica ou em regulamentos que disciplinam a atividade daquele profi
ssional.
<65>
Mesmo que o médico não tenha contratado com o enfermo - como nos casos de atendi
mento em pronto-socorro e hospitais da rede pública -, ao atendê-lo, obriga-se
ele a empregar todo o seu conhecimento técnico, diligência e perícia com o fito de obt
er o seu restabelecimento, pois há princípios éticos e morais que lhe impõem
uma conduta profissional proba e, acima de tudo, humana, para com o seu semelhan
te e paciente (conforme enfatizado linhas atrás).
Tal contrato é, comumente, tácito ou verbal e se efetiva quando as partes realiz
am atos que fazem deduzir a sua existência, como submeter-se a um tratamento,
a uma cirurgia e pagar honorários.
Independentemente das variações apresentadas pelo tipo da figura escolhida como
sendo a correta e adequada para caracterizar o contrato médico, algumas particular
idades
podem ser destacadas como sendo constantes em todas elas, a saber:
- é um contrato intuitu personae, ou seja, um ato de confiança para as duas partes
e, em especial, em relação à escolha do médico pelo paciente. Mas também ao médico
é dada a liberdade de escolher seus pacientes, já que lhe é lícito aceitar ou rejeitar u
m caso, seja por motivo de ordem pessoal, seja em razão de especialidade.
<66>
- da qualidade de ser intuitu personae deriva a característica da rescindibilidad
e do contrato médico-paciente, e tal diz respeito a ambas as partes. Ao médico
lhe é facultado desistir livremente, contanto que sua atitude não traga prejuízo ao pa
ciente e que a ele esteja assegurada a continuidade dos cuidados que lhe são
necessários. Tal faculdade existirá sempre que a obrigação se encontre em curso, mas des
de que não se tenha pré-fixado um resultado determinado e com data prevista.
Caso contrário, se o profissional se obrigou a um ato específico, ou a um determinad
o tratamento, a ruptura unilateral e injustificada originará sua responsabilidade.
- é um contrato contínuo, já que na maioria dos casos realiza-se num espaço de tempo co
ntínuo. Para a elaboração do diagnóstico, e o posterior tratamento, é necessário
um determinado espaço de tempo o qual será mais, ou menos longo, conforme a maior ou
menor gravidade específica de cada caso. Entretanto, também pelo fato de ser
personalíssimo, o contrato poderá ser rescindido a qualquer hora e por qualquer das
partes.
- obrigações recíprocas comporta, normalmente, o contrato médico. O facultativo comprom
ete-se a despender seus cuidados ao paciente, enquanto este se incumbe de
lhe remunerar; o que caracteriza um contrato sinalagmático e a título oneroso (não imp
edindo que, em caráter nem sempre excepcional, o médico ofereça seus cuidados
gratuitamente). Quando as condições, por eles estabelecidas, forem totalmente cumpri
das extinguir-se-á o contrato.
- é civil a área de atuação ou do negócio médico e, tradicionalmente, o trabalho dos profi
sionais liberais é estranho à esfera do direito mercantil, já que exclui
o caráter comercial do contrato médico.
<67>
- o contrato costuma ser de forma livre e não formal, todavia, sem prejuízo das exi
gências que a lei possa vir a estabelecer em determinadas circunstâncias para
a prova de existência daquele. Como exemplos, a retirada de órgãos e o implante dos me
smos.
Na extinção de um contrato médico note-se, entretanto, que circunstâncias específicas o
utras terão o condão de extingui-lo e, segundo YUNGANO, seriam: ausência
de efeito da relação, o que ocorre quando esta se estabelece com quem aparenta ser p
rofissional sem sê-lo, ou ainda, quando é o próprio doente quem engana o médico,
no intuito de obter certas vantagens; pelo falecimento de qualquer das partes; p
ela mudança de médico por decisão do paciente; por abandono do doente pelo médico
e, por último, a já mencionada cura ou alta hospitalar do paciente.
O objeto do contrato médico deverá ser sempre a prática de atos lícitos, de tratamen
tos e cirurgias permitidos pela lei e pelas disposições administrativas,
morais e éticas que regulam a prática da medicina e disciplinam o relacionamento com
o paciente.
O descumprimento das obrigações contratuais ou seu mal cumprimento, caracterizad
o pela ação culposa, conforme já mencionado, impõe ao infrator o dever de reparar
a falta cometida, incorrendo em uma responsabilidade de natureza civil.
Entre as já citadas, o contrato médico apresenta, segundo PANASCO, as seguintes
características: é expresso, consentido, de objeto lícito, sinalagmático e oneroso.
Para YUNGANO ele é intuitu personae, bilateral, oneroso ou gratuito, de caráter civi
l, comutativo e aleatório, pertencente à categoria dos contratos principais,
possuindo na sua formação, também, contratos acessórios e, por último, tem liberdade de co
nclusão.
<68>
2.9 Irresponsabilidade médica: casos de excludência de responsabilidade
Há situações especiais que por suas características próprias darão azo à excludência da
onsabilidade do profissional médico.
2.9.1 Considerações gerais
Nos dias atuais, o princípio da responsabilidade médica encontra-se consagrado t
anto pela doutrina como pela jurisprudência, ou seja, será ele responsabilizado
quando agir com culpa, não só pelo que fez mas, também, pelo que deixou de fazer; pelo
que disse e pelo que deixou de dizer; igualmente o será pela oportunidade
e maneira que escolheu para não fazê-lo, quando deveria ou poderia tê-lo feito em mome
nto e modos diversos.
Logo, será ele responsabilizado quando cometer erro grosseiro, erro tal que qu
alquer dos seu pares, em idênticas circunstâncias, não o cometeria; quando agir
com imprudência, imperícia ou negligência e que desse seu agir venha a resultar dano p
ara o paciente. Pode, ainda, ser responsabilizado por não agir.
A seu turno, a irresponsabilidade médica tem como fundamento jurídico a ausência d
e dolo em sua conduta. É, pois, aceitável para o homem, por uma lei natural,
que ele possa dispor de seus membros até para ser neles lesionado, com o objetivo
de obter algum proveito; por tal razão, não seria justo declarar delituosos atos
de um dentista ou de um cirurgião que, em seu mister, necessitassem intervir de ma
neira mais drástica, extraindo ou amputando partes do corpo no intuito de cura
ou de melhora para o enfermo.
<69>
Mas, a verdadeira razão da inculpabilidade de tais atos, pondera MOSSET ITURRA
SPE, está precisamente em seu fim inocente, o que exclui o dolo, razão pela qual
deve eliminar-se toda a idéia de criminalidade na atividade que realizam com o fim
legítimo de livrar de uma enfermidade atroz, de uma deformidade ou de uma ameaça
para a saúde, um ser humano.
Caracterizada a responsabilidade do médico, necessária se faz uma análise de como é
vista a sua irresponsabilidade nos dias de hoje.
2.9.2 Excludentes da responsabilidade médica
O facultativo poderá não ser responsabilizado por dano ao seu paciente se, no cu
rso de sua atuação profissional, configurarem-se uma das excludentes de responsabili
dade,
a saber: o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima.
Aponta PANASCO que funcionariam como excludentes da responsabilidade médica a
conduta culposa da vítima, o fato de terceiros - caracterizado pela ação dolosa
ou culposa de outrem que não o médico -, o caso fortuito e a força maior, tais quais a
s anomalias imprevisíveis.
A culpa exclusiva da vítima libera o médico de toda e qualquer responsabilidade
por dano experimentado pelo seu paciente. Não havendo culpa médica, não há falar-se
em dever de reparação por parte do profissional.
<70>
Havendo culpa concorrente da vítima e do médico, não configuraria excludência de res
ponsabilidade mas, sim, uma responsabilidade bipartida, onde cada uma das
partes responderia pela parcela de culpa que lhe coubesse.
Por outro lado, apesar de a conduta do médico ser correta e adequada aos seus
deveres profissionais, danos podem ocorrer como conseqüência de fatos estranhos,
alheios ao seu proceder e ao comportamento do paciente, não tendo, aquele profissi
onal, condições nem de prevê-los, nem de impedi-los. Tal, diz respeito ao caso
fortuito ou à força maior, ocorrências extraordinárias e excepcionais, alheias à vontade e
à ação do médico, guardando as características da imprevisibilidade e
da inevitabilidade.
É sempre prudente lembrar que as armadilhas existentes na equação biológica vida x m
orte podem envolver qualquer profissional, por melhor que seja o seu preparo
e por maior que seja a sua dedicação ao paciente.
Um médico não poderá ser responsabilizado se ao prescrever um medicamento de uso c
orrente, o resultado advindo for diferente do usual, ou se ao empregar um proced
imento
habitual que não ocasionou danos no passado, isso, inesperadamente, venha a ocorre
r, bem como se advierem reações imprevisíveis, tais quais alergia e hipersensibilidade
.
De mesmo parecer são CHAMMARD e MONZEIN.
<71>
2.9.3 Previsibilidade e imprevisibilidade
O Ministério de Saúde e Consumo da Espanha, preocupado com o aumento de erros médi
cos, incentivou uma pesquisa que levou o título El médico ante el derecho,
publicada em Madrid, em 1990. Dentre seus inúmeros capítulos, um trata da previsibil
idade e da imprevisibilidade e seus critérios de distinção, do qual comentar-se-á
a essência do juízo.
Entendem os autores de tal trabalho que para um resultado, um insucesso ou a
cidente ser considerado imprevisível não basta que o indivíduo não o tenha previsto,
ou que não possa ser para ele previsível, já que para outra pessoa, se colocada em seu
lugar, o teria sido.
Portanto, para deduzir o conceito de imprevisibilidade, necessário se faz, pri
meiramente, delimitar o seu oposto, ou seja, o previsível e se possível, ir mais
além e atingir o terreno do objetivamente previsível.
Um resultado é objetivamente previsível quando puder ser representado a uma pess
oa posta no lugar do agente, antes do começo da realização da ação, fornecendo-lhe
os dados referentes ao caso concreto conhecido pelo autor, dentro das possibilid
ades de conhecimento de uma pessoa inteligente.
Levando-se essa situação para o campo de atuação do médico, equivale dizer que um resu
ltado prejudicial para o paciente seria objetivamente previsível se o tivesse
sido para qualquer outro profissional da área, posto na situação do agente, conhecendo
os antecedentes do caso e o estado atual da medicina ou da especialidade em
questão.
<72>
Por outro lado, a práxis médica tem conhecimento que determinadas complicações ou ac
identes na profissão se repetem dentro de um certo intervalo e com uma certa
regularidade. Para os autores acima citados, essa repetição pode ser reduzida a cifr
as mediante uma porcentagem que faça referência à freqüência com que aparecem
as tais complicações.
Tal situação torna relativo o conceito de imprevisibilidade, deixando o conceito
de absoluto ou estrito para aqueles acidentes que aparecem pela primeira vez,
ou que não foram descritos na literatura científica, ou ainda, para os que são verdade
iramente excepcionais.
Do exposto, conclui-se, então, que estará o médico isento de ser responsabilizado
por aquele tipo de insucesso que no transcorrer de sua atuação não puderam
ser previstos ou que, mesmo previstos, foram inevitáveis.
2.10 Nexo causal entre a conduta do médico e o dano
No que concerne à culpa médica, determinar-lhe a causa e apontar o nexo causal é t
arefa particularmente delicada e nem sempre de fácil constatação.
O facultativo trabalha dentro de um contexto biológico - portanto, lábil -, trat
ando, na maioria das vezes, com casos patológicos cuja afecção tem seus próprios
riscos de evolução, podendo levar tanto à melhora satisfatória, à cura, quanto à morte ou a
seqüelas de maior ou menor gravidade.
<73>
Por tal razão, fica bastante difícil, mesmo para um perito médico, apontar - como
sendo culpa de um colega - a verdadeira causa do dano sofrido pelo doente.
Às vezes, o erro é nítido e gritante mas, na maioria das vezes, não é isso o que ocorre.
Por outro lado, fatores concorrentes diversos podem vir a interferir no resu
ltado final sem que deles o médico tenha a menor responsabilidade; então, para que
aquele seja responsabilizado é necessário ficar clara e efetivamente comprovado que
a origem do dano encontra-se na inexecução da obrigação do profissional.
Para tanto, é mister estabelecer, primeiramente, que foi a intervenção do médico que
causou o dano, e que este não surgiu como simples decorrência do estado
de morbidez do paciente, estado este, aliás, que já foi a causa para que aquele proc
urasse o profissional da saúde; por segundo, há que restar comprovada que a prestação
devida pelo médico foi mal executada.
2.10.1 A influência do estado do doente na análise da causalidade
Quando um paciente tem um antecedente que pode favorecer uma complicação futura,
a questão primeira que se coloca é saber se aquele antecedente contribuiu para
o dano ou se foi o médico que cometeu falta em não tê-lo levado devidamente em conside
ração.
A mais moderna corrente doutrinária francesa, analisando o assunto, entendeu q
ue o fato de um doente ir a êxito letal devido ao seu mau estado de saúde concorre
como causa total ou parcialmente exoneratória da culpa médica. Por outro lado, enten
dem os franceses que não servirá para inocentar o profissional aquele caso onde
o dano, ou a morte, vão estar intimamente ligados ao fato de ele não ter levado em c
onta o mau estado de seu paciente.
<74>
Depreende-se que - para executar corretamente sua obrigação de cuidados conscien
ciosos e atentos -, o facultativo deve avaliar adequadamente o estado próprio
de cada cliente, servindo-se dos exames necessários para alcançar este tipo de visão g
eral do seu paciente.
Conduzindo-se de acordo com as normas de sua profissão, o médico poderá se exonera
r de qualquer culpa quando algo imprevisível, ou diferente do esperado, venha
a ocorrer ao doente.
A esse respeito, é importante trazer à colação o parecer do eminente Prof. Flamínio FÁV
RO: "Não é excepcional que uma dano apontado seja a continuidade do próprio
estado mórbido de conseqüências irreparáveis ou que uma preexistência mórbida despercebida
imprevisível, torne fatal, por exemplo, uma intervenção cirúrgica feita
segundo os requisitos da ciência e da arte. Então não há imperícia, negligência ou imprudên
. O dano surgido seria um acidente, um fato sucedido".
A postura da corrente jurisprudencial dominante é similar, senão veja-se: "Ação de i
ndenização por ato ilícito. Culpa não demonstrada. Provado por perícia médica
que as seqüelas provieram da gravidade do acidente e não da alegada negligência do cir
urgião, o pedido de indenização há de ser desacolhido. Apelação desprovida".
<75>
Ou, ainda: "Uma vez estando evidenciados os fatos que comprovam a plena atuação
do profissional médico, não poderá o mesmo ser condenado em relação ao desfecho
fatídico do paciente".
Portanto, o fato de o paciente já estar com seu estado de saúde razoavelmente co
mprometido só isentará o médico de culpa - em caso de seqüela ou óbito - se ficar
comprovado que ele levou em conta o estado de morbidez apresentado por seu clien
te, fazendo tudo que estava a seu alcance, e que o desfecho não exitoso se deu por
mera evolução da inexorável curva biológica.
<77>
3. DIMENSÕES E PROJEÇÕES DO VÍNCULO OBRIGACIONAL
SUMÁRIO: 3.1 Noções gerais - 3.2 Obrigação. Conceito - 3.3 O conceito de obrigação de m
e de resultado - 3.4 Critério de distinção entre as obrigações de
meio e de resultado - 3.4.1 Critério advindo da análise do objeto da obrigação - 3.4.2 C
ritério fundado na interpretação das partes - 3.4.3 Oportunidade e eqüidade
como critérios - 3.5 Obrigação de meio e de resultado na responsabilidade civil do médic
o - 3.5.1 Reflexões introdutórias - 3.5.2 Noções gerais - 3.6 Obrigação de
meio e de resultado: inadequação de uso - 3.6.1 Delimitação da obrigação de meio. Inadequaç
uso da expressão "obrigação de resultado" - 3.7 Casos de exceção:
quando a obrigação do médico será de resultado - 3.8 A visão brasileira - 3.8.1 O artigo 1
.545 do Código Civil - 3.9 A obrigação do médico vista pelo Código de Proteção
ao Consumidor - 3.9.1 Produtos e serviços - 3.9.2 A teoria do risco permitido e as
sumido - 3.9.3 As duas órbitas de proteção ao consumidor - 3.9.4 A periculosidade
inerente - 3.9.5 A atividade do médico no Código do Consumidor - 3.9.6 A periculosid
ade inerente da atividade médica.
3.1 Noções gerais
O direito das obrigações trata das relações de cunho negocial efetivadas entre parti
culares.
<78>
A finalidade de uma obrigação é a realização da prestação à qual se comprometeu o deved
r via de uma relação originária e por cujo inadimplemento verá ser
submetido seu patrimônio ao cumprimento, ou seja, à obrigação do devedor em solver corre
sponde idêntico direito do credor em exigir, por ação própria, ou mediante
ordem judicial, o seu cumprimento, sob pena de sujeição do respectivo patrimônio à satis
fação dos interesses do titular do crédito, consoante informação de BITTAR.
Aponta esse autor que a obrigação desdobra-se em débito e responsabilidade, sendo
que o primeiro constitui a obrigação de concretizar a prestação, enquanto a
responsabilidade diz respeito à garantia, já que, na hipótese de incumprimento, faz re
cair sobre o patrimônio do devedor os ônus de direito.
3.2 Obrigação. Conceito
O vocábulo obrigação é oriundo do latim, de obligatio e, no direito romano, tinha o
sentido de um vínculo de direito que ligava necessariamente alguém a outrem,
para solver alguma coisa dentro das conformidades do direito civil.
<79>
Após fazer considerações sobre inúmeras e incompletas conceituações acerca do que é obr
MONTEIRO a define como sendo "a relação jurídica, de caráter transitório,
estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal e
econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe
o adimplemento através de seu patrimônio".
A despeito de não mencionar a questão da responsabilidade do devedor inadimplent
e, ainda assim, DINIZ entende ser a de Clóvis BEVILÁQUA a definição mais completa,
citando-a in verbis: "Obrigação é a relação transitória de direito, que nos constrange a da
, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito
de alguém, que, por ato nosso, ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em
virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão"
No direito português, conforme ensina VARELA, a obrigação é sinônimo de vínculo, concei
uando-se através do próprio art. 397, de seu Código Civil: "Obrigação
é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à reali
zação de uma prestação".
3.3 O conceito de obrigação de meio e de resultado
Na década de vinte, o jurista francês René DEMOGUE propôs classificar as obrigações em
uas categorias, em função de seu objeto ou conteúdo, a saber, obrigação
de meio e obrigação de resultado.
<80>
Nesta última, o devedor se obriga a realizar um ato determinado, com resultado
preciso (como exemplos, fornecer determinada coisa; efetuar um transporte; paga
r
uma soma em dinheiro). Por contra, na primeira, ele se compromete apenas a empre
gar os meios apropriados para a obtenção daquele resultado que o credor tem em vista
(para exemplos, o médico que se obriga a cuidar de um doente, mas não a curá-lo; ou o
advogado que se propõe a defender seu cliente, mas sem se comprometer a ganhar
a causa).
Explica JOURDAIN que tal distinção entre as duas obrigações foi retomada por MAZEAUD
que preferiu diferenciá-las como "obrigação determinada" e "obrigação geral
de prudência e diligência", já que, no seu entender, a terminologia de DEMOGUE insisti
a apenas sobre o conteúdo do objeto da obrigação (resultado ou meio), enquanto
a sua se apoiava sobre as características essenciais da obrigação (se determinada, ou
se geral).
DEMOGUE estava com sua preocupação dirigida no sentido de tentar resolver os pro
blemas surgidos com a transportação de pessoas e de mercadorias, já que os meios
de transporte de então (1920), começavam a desenvolver uma maior velocidade, tendo c
omo resultante a ocorrência de um maior número de acidentes. Assim, pela obrigação
de resultado, no contrato de transporte, obrigava-se o responsável a conduzir o pa
ssageiro, são e salvo, do ponto de embarque até o seu destino final, conforme coment
a
Washington de Barros MONTEIRO.
Naquela modalidade de obrigação é exigido um resultado útil para o credor, não se tend
o por adimplida se não for atingido o resultado avençado. Assim, a simples
verificação material do inadimplemento seria razão bastante e suficiente para determin
ar a responsabilidade do devedor. Portanto, para pleitear-se uma indenização
bastaria apenas evidenciar que o resultado esperado não fora atingido, exonerando-
se, o agente, de ser responsabilizado somente pela ocorrência de caso fortuito
ou força maior, o que caberia a ele, devedor, o ônus de provar.
<81>
Por outro lado, na obrigação de meio, o devedor obrigar-se-ia a empregar toda a
sua diligência e a conduzir-se com prudência, no intuito de atingir a meta previamen
te
proposta, sem, no entanto, se vincular a obtê-la; no dizer de MENGONI, trata-se de
um tipo de comportamento qualificado para a obtenção de um certo grau de conveniência
ou utilidade - que é seu fim -, mas cuja realização não está, per si, compreendida na órbit
da relação obrigacional.
Verificada a inexecução, necessário seria examinar o procedimento do obrigado, com
o fito de averiguar se ele agira com culpa, cabendo, ao credor, demonstrar
que a meta não fora atingida porque o devedor não usara da devida prudência e diligência
, ao tentar se desincumbir de seu mister.
A classificação de DEMOGUE tem como característica principal precisar a quem cabe
o ônus da prova, pois, enquanto na obrigação de meio esta cabe ao credor, na
de resultado vai ocorrer a inversão de tal ônus, deslocando-se, portanto, para a pes
soa do devedor.
Ao analisar ambas as obrigações, JOURDAIN conclui que quando a obrigação é de resultad
o, a culpa, a falta, ou erro (faute) consiste em não chegar ao resultado
prometido; assim, ela se deduz da ausência de resultado (coisa não entregue, mercado
ria não transportada, por exemplo).
<82>
À vítima, credora da obrigação, não cabe estabelecer a culpa, pois o resultado não atin
ido já a presume.
O devedor, por seu turno, não pode esperar se exonerar provando que ele se com
portou de maneira irreprovável pois, nesse caso, a prova de uma atitude prudente
e diligente seria inoperante, vez que ele está engajado a uma obrigação de resultado.
O único meio de que disporia o devedor para escapar à sua responsabilidade seria
comprovar que uma força maior, uma causa estranha ou um fato justificativo havia
ocorrido, impedindo-o de atingir o resultado anteriormente proposto.
De igual pensar é CRÉPEAU. In verbis:
Ainsi, dans de cas de l'obligation de résultat, l'intensité du devoir est plus f
orte, plus exigeante, plus astreignante que celle d'une obligation de diligence,
car il ne suffit pas au débiteur d'avoir agi en "bon père de famille", d'avoir pris
les moyens raisonnables pour accomplir son obligation; il doit, pour s'exécuter,
fournir le résultat que le contrat ou la loi lui avait imposé. Et, en cas d'inéxecutio
n de la prestation, il est presumé en faute et ne pourra s'exonérer qu'en rapportant
la preuve d'une cause étrangère (cas fortuit ou force majeure, fait d'un tiers ou fa
ute de la victime) imprévisible ou irrésistible.
<83>
Por sua vez, quando a obrigação é de meio, a culpa consistirá em não ter lançado mão do
eios suficientes; em não ter se conduzido de maneira diligente, prudente
e hábil ou, ainda, de não ter tomado as precauções que poderiam ter evitado o dano ocorr
ido (como no caso de um doente mal cuidado ou com o tratamento negligenciado).
Nesse tipo de situação, compete à vítima provar a carência do devedor.
Comenta JOURDAIN, que apesar de bastante criativa, a distinção de DEMOGUE foi di
scutida e criticada por muitos autores, sendo que a dificuldade mais séria que
lhe foi imputada diz respeito à imprecisão dos critérios de seu emprego.
3.4 Critério de distinção entre as obrigações de meio e de resultado
A distinção das obrigações de meio e de resultado deve, antes de tudo, assentar-se s
obre uma análise da vontade das partes contratantes: são elas que determinam
o conteúdo e o alcance de suas obrigações. Assim, segundo informa JOURDAIN, a vontade
das partes é o primeiro e o melhor critério de distinção.
Ocorre, porém, que nem sempre a vontade é devidamente expressa ou então, se o é, pod
e não apresentar a clareza e precisão necessárias. Assim, nos casos onde
as obrigações são de origem legal, a vontade das partes perde a sua característica como
valor de distinção.
<84>
Daí, então, a necessidade - em especial para os julgadores - de recorrer a outro
s critérios, mais ou menos objetivos que, de acordo com JOURDAIN, seriam:
a) critério auferido a partir da análise do objeto da obrigação;
b) critério fundado sobre a interpretação da vontade das partes;
c) critério fundado sobre razões de oportunidade e de igualdade.
3.4.1 Critério advindo da análise do objeto da obrigação
O objeto da obrigação se mostra como um critério assaz seguro, já que ele é fundado so
bre a razão e hauri seu valor na força da lógica, entretanto, seu alcance
é limitado. Assim, serão consideradas como sendo de resultado as obrigações cuja execução n
estejam, de modo algum, suscetíveis a qualquer outro fator, ou seja
onde não se concebe que o devedor possa se engajar a fazer somente o seu possível.
3.4.2 Critério fundado na interpretação da vontade das partes
Quando a análise do objeto não permite determinar satisfatoriamente qual seria a
intenção das partes, deverá o julgador se dedicar a uma verdadeira pesquisa
acerca daquela; para tanto, ensina JOURDAIN, fará uso de dois critérios outros que a
cabam por se completar de maneira abrangente.
<85>
O primeiro diz respeito a álea na execução da obrigação. Presume-se que se a execução é
atureza aleatória, o devedor não haveria de querer se engajar em
um resultado determinado, mas tentar chegar até ele, fazendo uso dos meios apropri
ados, sabendo o credor, por seu turno, que teria que aceitar algum tipo de risco
.
As prescrições médicas, cujas conseqüências são aleatórias, podem bem ilustrar o caso.
O segundo critério apóia-se sobre o papel ativo do credor na execução, já que a liberd
ade de ação da vítima tende a aumentar a álea. É natural supor, então,
que o devedor não poderia se obrigar a um resultado determinado e que o credor ace
itou certos riscos inerentes à atividade daquele.
3.4.3 Oportunidade e eqüidade como critérios
Tais critérios são ofertados pela jurisprudência e são úteis quando não se pode trabalh
r com a interpretação da vontade das partes. Diz respeito às atividades
potencialmente perigosas e aos casos onde os devedores fornecem ou utilizam cois
as para o exercício de sua obrigação ou, ainda, quando eles exercem sua atividade
sobre objetos que lhes são confiados.
<86>
A despeito da existência do fator álea os radiologistas e os anestesiologistas são
considerados como devedores de uma obrigação de resultado no que tange ao
material e aos produtos utilizados, bem assim a transfusão de sangue, cujo element
o básico deve estar isento de qualquer vício.
Por último, JOURDAIN observa que os contraentes de uma obrigação, em princípio consi
derada de meio, podem ter parte dessa obrigação transformada em obrigação
de resultado, ou seja, aquela parte que não apresenta nenhum tipo de álea. É o caso do
s cirurgiões-dentistas, cuja obrigação é de meio, no que diz respeito aos cuidados
que dispensam a seus clientes, entretanto, terão que se responsabilizar pelos vícios
que venham a apresentar as próteses que lhes fornecerem.
3.5 Obrigação de meio e de resultado na responsabilidade civil do médico
3.5.1 Reflexões introdutórias
Se a presente obra se propõe a trazer alguma colaboração no sentido de informar o
que de mais recente está a ocorrer na área da temática supra referida - e não
ser apenas um livro a mais sobre o assunto - então, algumas considerações iniciais se
fazem necessárias.
<87>
Observa-se que na doutrina pátria, de uma maneira geral, quando se pesquisa o
assunto "obrigação de meio e de resultado", encontra-se, no máximo, alguns curtos
parágrafos sobre o tema, e isso, ainda, quando o mesmo não se exaure nas suas próprias
definições ou conceitos.
Daí, não há como não concluir que quando um assunto é mal pesquisado tem grandes chanc
es de ser mal utilizado ou usado inadequadamente. E essa é a situação atual
no Brasil: grande parte da doutrina e da jurisprudência entende ser de resultado a
prestação obrigacional do cirurgião plástico estético e do anestesiologista.
Todavia, já se encontram julgados e pareceres onde se pode perceber que aquele
s que se propuseram a pesquisar e a estudar a fundo a matéria perceberam a impropr
iedade
de seu uso, optando por não caracterizá-las como sendo de resultado.
Com qual finalidade foi recriada uma tal obrigação? Para caracterizar uma prestação
obrigacional em searas onde não existisse o fator álea. Do que se pergunta:
existe algo mais aleatório que o organismo humano, sua fisiologia e sua psique...?
E mais, ainda: como pode ser de resultado uma obrigação na qual o próprio credor p
ode interferir naquele?
Não seria óbvio reconhecer que a liberdade de ação do credor tende a aumentar a álea?
Basta responder a tais questões e já se está a concluir pela inadequação do uso daquel
e conceito de obrigação.
Alguns julgados trazem em seu corpo uma sensata análise sobre o assunto, para
depois concluir que não resta a menor dúvida quanto a ser a obrigação do cirurgião
plástico estético e do anestesiologista bem maior que uma simples obrigação de meio, tod
avia, daí a considerá-la como sendo de resultado, seria inadequado pela própria
razão de ser de tal obrigação.
<88>
Quanto aos advogados, na sua quase maioria, basta mencionar-se um fato envol
vendo um cirurgião plástico estético ou um anestesiologista e o rótulo - "de resultado"
-, vem imediatamente à tona.
Será que já não era tempo de atentar para a definição do que seja uma obrigação de resu
do e a quê ela se aplica?
Será que já não era tempo de ver o que outros países estão fazendo e pensando a respei
to? Países que têm tradição na pesquisa do assunto, em especial a França,
que saiu na frente de todos os outros em termos de responsabilidade médica e onde
o mundo jurídico vai buscar informações sobre o tema.
É importante relembrar que os franceses também passaram pelo mesmo período de "inc
erteza", como acontece com o Brasil agora, todavia, isso foi superado há muitos
anos. A fase de incerteza e sua superação podem ser confirmadas pela frase lapidar d
e PENNEAU: "La jurisprudence a admis, avec sans doute une certaine hésitation,
que l'obligation du chirurgien esthétique n'était pas fondamentalement différente de l
'obligation de tout autre chirurgien, en raison de l'aléa inherent à tout acte
chirurgical".
Observe-se que a obra referida foi escrita em 1977, quando, então, já se tinha t
al conceito estabelecido e efetivado. Como conclusão, só nos resta aceitar que
estamos com, pelo menos, vinte anos de atraso em relação àqueles que são considerados os
maiores estudiosos e pesquisadores do assunto e onde o Brasil e inúmeros
outros países sempre se espelharam.
<89>
Em obra posterior, datada de 1992 (La responsabilité du médecin), em capítulo refe
rente à obrigação de meio, ao comentar o fator álea, o mesmo autor volta a
insistir sobre o conceito anteriormente formulado, dizendo: "Certains actes médica
ux ont donné lieu de ce point de vue, à certaines hésitations. Il en a été ainsi
pour la chirurgie esthétique, mais celle-ci reste soumise au régime de l'obligation
de moyens, car elle reste fondamentalement soumise à l'aléa de tout acte chirugical"
.
Ao longo do presente trabalho procuraremos demonstrar o quanto de sensatez e
xiste na conclusão francesa, e se esse livro conseguir, ao menos, inserir uma pont
a
de dúvida, ou um minuto de reflexão, sobre o uso da obrigação de resultado, então, já terá
prido seu objetivo.
3.5.2 Noções gerais
Conceituando-se a responsabilidade médica como contratual, e cabendo ao demand
ante o ônus da prova nas obrigações de meio, é necessário, ainda, apreender que
a atividade médica se difere das demais em inúmeros aspectos e que o contrato médico g
uarda, igualmente, características que lhe são próprias; que em matéria médica
a prova de uma culpa não é fácil, sendo algumas vezes impossível.
No trato com seu paciente, circunstâncias, as mais várias, podem trazer àquele a s
ensação de que está só e desamparado, sendo que, na maioria das vezes, o que
ocorre é que lhe faltam conhecimentos ou a informação necessária sobre o mal que lhe afl
ige. Conquanto seja uma norma de ética, nem sempre o paciente é devidamente
informado, seja por desídia, ou por seu médico entender ser melhor assim, para ating
ir um resultado final mais positivo.
<90>
A seu turno, os Magistrados - iniciados que são, mais especificamente, na área j
urídica e, portanto, estranhos à técnica e ao saber médico (salvo os juristas
médicos e que são em número reduzidíssimo) - dependem, para bem fundamentar seus julgado
s, do trabalho de peritos, estes também médicos, e o público tem a impressão
- às vezes justificada -, de um certo favorecimento, por parte daqueles, aos coleg
as de profissão.
Entende-se, todavia, que se é necessário assegurar a defesa do paciente, por out
ro tanto é mister preservar a liberdade de iniciativa e o trabalho do profissional
da saúde.
Dificuldade maior se impõe, ainda, quanto a situar o que esteja enquadrado den
tro de uma obrigação de meio ou que se caracterize como obrigação de resultado.
3.6 Obrigação de meio e de resultado: inadequação de uso
Informou-se que é dado a René DEMOGUE, jurista francês, o mérito da divisão das obrigaç
, quanto ao conteúdo, em obrigação de meio e de resultado, embora outros
autores já divisassem algo semelhante e, antes deles, também os romanos já haviam inte
ntado elaborar alguma coisa a respeito do assunto.
<91>
Por meio de tal classificação, entendeu-se que uma obrigação pode ter por conteúdo uma
prestação determinada - visando um resultado efetivo -, ou pode se limitar
ao emprego de meios para atingir um fim.
Na obrigação de resultado, o devedor promete e se compromete a uma prestação determi
nada; na de meio, ele não se obriga, a não ser, a usar de todo seu empenho
na realização do esperado e querido.
É mister que se saliente - mesmo de maneira exaustiva - que DEMOGUE, ao enunci
ar sua classificação, estava preocupado em resolver, dentre outros, problemas atinen
tes
ao transporte de pessoas e de mercadorias (visto que com o crescente progresso d
a indústria automobilística, situações novas demandavam soluções ao mundo jurídico).
<92>
Como sói acontecer, o transporte de pessoas e coisas poderia estar sujeito a i
ncidentes e acidentes, contudo, a sua causa estaria ligada a caso fortuito ou fo
rça
maior, e não ao fator álea. Por tal razão, aquela obrigação foi considerada de resultado,
ou seja, onde não havia previsão de ocorrência do elemento aleatório.
Corroborando tal idéia, Henri LALOU assim se manifestou: "Chaque fois que le rés
ultat cherché par les parties est envisagé par elles comme aléatoire, l'obligation
est une simple obligation générale de prudence et diligence; si ce résultat est au con
traire considéré comme devant être atteint sans aléa, l'obligation est déterminée".
A distinção de DEMOGUE foi criticada, em parte, por ESMEIN, pois no seu entender
toda obrigação tem por objeto um certo resultado, o que para MAZEAUD106 não
convence, já que naquela divisão a distinção repousa sobre o caráter determinado da prestaç
ou do fim visado. Assim, quando o fim último depende de uma álea, a
obrigação é apenas de meio; se não depende, é de resultado.
<93>
Preocupado com a possibilidade de a expressão "resultado" vir a gerar confusão n
o uso, devido a uma certa dubiedade por ela apresentada, MAZEAUD et MAZEAUD prop
useram
a divisão em "obrigação geral de prudência e diligência" e "obrigação determinada", concord
que já foi visto linhas atrás. Assim se expressaram os citados autores:
"Pareille critique s'adresse plus à la terminologie dont s'est servi Demogue, qu'à l
a classification elle-même. Elle prend le term 'résultat' dans le sens de prestation
due, mais la nature de cette prestation est bien différente selon qu'elle est de p
arvenir à un résultat determiné, ou seulement d'essayer d'y parvenir par une conduite
prudente et diligente".
3.6.1 Delimitação da obrigação de meio. Inadequação do uso da expressão "obrigação de r
o"
Corretos estavam os autores franceses em seus temores, pois, a obrigação de resu
ltado tem sido empregada de maneira inadequada, ou seja, em áreas onde o fator
álea está efetivamente presente.
Para tentar determinar com clareza a diferença entre as duas obrigações, Henri LAL
OU exemplifica: "Ainsi, le médecin n'est tenu que d'une obligation de moyen;
au contraire le transporteur, d'une obligation de résultat". Não pairam dúvidas quanto
ao fato de a obrigação do médico (clínico, cirurgião geral e cirurgião plástico
reparador) ser de meios, já que ele não se compromete com a cura, mas, sim, a utiliz
ar toda a sua potencialidade física e mental, todo o cuidado consciencioso e
atento, toda a aparelhagem disponível e adequada para atingir o melhor resultado p
ara seu paciente.
<94>
Do que se conclui que, a respeito da obrigação de meio do médico:
a) seu objeto de contrato não é a cura, mas a prestação de serviços alicerçados em cuidado
conscienciosos, em acordância com os avanços científicos e tecnológicos
de sua profissão;
b) seu contrato não o obriga a restituir a saúde a um paciente, mas, tão-somente, a c
onduzir-se com toda a diligência para atingir, dentro das possibilidades do
momento, tal objetivo;
c) o profissional só será responsabilizado pelo insucesso em seu labor, se ficar pr
ovado que ocorreu dano ao paciente e que este se deu como resultante de erro
grave, imperícia, imprudência ou negligência de sua parte, portanto, sob as vestes tan
to da ação, quanto da omissão.
O conteúdo da obrigação médica é a própria atividade do devedor, ou seja, a utilização
a parte de todos os meios tendentes a produzir um determinado resultado
e, pressupondo a teoria da responsabilidade subjetiva, a existência de culpa, o fa
cultativo será responsabilizado quando:
a) efetivar-se a existência de um dano para o paciente;
<95>
b) existir o necessário nexo de causalidade entre tal dano e o fato imputado ao a
gente;
c) configurar-se a culpa do profissional, em qualquer de suas modalidades.
Nessa situação estão incluídos os clínicos e cirurgiões em geral, inclusive o cirurgião
tico que labuta na área reparadora.
Por outro lado, o problema começa e se agiganta, quando o tema é a cirurgia plásti
ca cosmética ou embelezadora que, no entender de inúmeros autores e parte dos
julgadores, conforme mencionado, insere-se na modalidade obrigação de resultado.
É interessante relembrar que não só DEMOGUE, como todos os outros autores, especia
lmente os franceses - que se propuseram a comentar, estudar ou até criticar
sua divisão -, foram unânimes em afirmar que a obrigação de resultado era adequada para
todos os casos com uma prestação determinada, mas onde o fator álea não estivesse
presente.
Daí entender-se inadequado considerar como de resultado uma obrigação cujo cumprim
ento se desenrola numa zona tão aleatória quanto a do organismo humano. Ele
é previsível sim, mas até um certo ponto, a partir daí é entrar-se no universo nebuloso da
imprevisibilidade e da imponderabilidade.
Uma reação anafilática é algo que pode ocorrer com qualquer indivíduo, frente a qualqu
er substância estranha que lhe seja injetada (com exceção, talvez, de água
bidestilada) e, para isso, ainda não há na ciência médica um meio de previsão, podendo oco
rrer quando menos se espera.
<96>
Ou, às vezes, o paciente é portador de determinada enfermidade da qual nem ele t
em conhecimento, e que vai mostrar-se no momento de uma cirurgia. Por outro lado
,
certas intervenções correm riscos - com dados estatísticos citados atrás -, de o pacient
e fazer embolia gasosa ou gordurosa, podendo tal ocorrência vir a ser fatal
(como o é, na maioria das vezes).
Ademais disso, não há como esquecer que o organismo humano é de tal maneira comple
xo, que muitas vezes o normal confunde-se com o patológico e vice-versa, conforme
se procurará ilustrar mais adiante.
Sabe-se que o direito deve esposar o fato social, e o faz, porém com lentidão, c
om vagar; ocorre, então, que o universo jurídico, despreparado para situações
novas - e, até que estas sejam devidamente legisladas -, acaba tendo que se servir
de termos ou situações similares ou em terrenos outros, utilizando-se de algo
próximo, mas nem sempre adequado.
É, por exemplo, o caso de se considerar a cirurgia plástica estética como obrigação de
resultado. Um rápido olhar sobre o conceito desta obrigação é suficiente
para entender-se que a mesma diz respeito a situações totalmente previsíveis, com ausênc
ia do fator álea.
O que ocorre é que a especialidade médica, cognominada de cirurgia plástica, é tão rec
ente, como se demonstrará oportunamente, que o direito ainda não se encontra
devidamente preparado para normatizar as alterações que ocorrem no mundo jurídico, dec
orrentes daquela especialidade.
<97>
É fácil concluir que o paciente quando procura um cirurgião plástico quer melhorar a
lgo que lhe desagrada, bem como encontra-se - ao menos em tese -, em estado
de perfeita higidez. Seria inadmissível que tal paciente, após a intervenção daquele pro
fissional, viesse a se encontrar em condição pior do que a anterior à cirurgia.
Não é a esse tipo de situação que nos reportamos mas, sim, do que advém - na forma de cons
eqüência negativa -, como resultante da subjetividade do ser humano, da
complexidade de seu organismo, da imprevisibilidade da área médica e da participação do
próprio paciente na resultante final que, sob a óptica do resultado, acaba
por ser imputado ao médico.
No que se refere ao efeito de uma cirurgia plástica, o que muitas vezes fica e
squecido, sendo necessário sopesar, é que não há só o lado do médico: existe a
participação e a interação de outro elemento, importantíssimo na relação, e que terá o cond
olaborar para um bom resultado, ou para alterá-lo: o próprio paciente.
A não observância dos necessários cuidados pós-operatórios, o psiquismo individual e d
iverso de cada ser humano, as condições familiares e ambientais são alguns
dos inúmeros fatores que podem alterar o resultado de uma cirurgia, a partir do mo
mento em que o paciente deixa o hospital.
<98>
Há que lembrar, também, que as cicatrizações se fazem de maneira distinta para cada
pessoa, e o paciente nem sempre tem a necessária paciência com o tempo que
o organismo necessita para reconstituir o tecido seccionado, acabando por confun
dir fase de cicatrização com erro médico.
Por outro lado, se verificado um resultado negativo e comprovado que este ad
veio por erro do profissional, deve ele, então, ser responsabilizado, pois pela su
a
habilitação universitária obriga-se a saber até que ponto vai sua capacidade de atendime
nto a um determinado caso, não se justificando prejudicar um cliente, quando
a conduta correta seria encaminhá-lo a um colega melhor capacitado.
Em contrapartida, não pode ser ele responsabilizado se, em fazendo tudo que es
tava ao seu alcance, dentro das condições físicas e mentais normais e das técnicas
consideradas as adequadas, o resultado atingido não foi o esperado, ou o ideal. Até
porque o que é ideal para alguns não o é para outros: ao findar uma cirurgia,
o médico pode se orgulhar do mesmo corte que irá horrorizar seu paciente, ao voltar
da anestesia.
O subjetivismo, a imprevisibilidade do organismo, a sua complexidade e o fat
or álea estarão sempre presentes, independentemente da vontade e do agir do profissi
onal.
Se a obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedo
r a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação
obrigacional116 [sem grifo no original], então está-se a tratar de outra área, previsíve
l, ponderável, não subjetiva e com ausência de álea.
<99>
3.7 Casos de exceção: quando a obrigação do médico será de resultado
De acordo com a doutrina francesa, Jean PENNEAU entende que há casos em que a
obrigação do médico é vista como de resultado mas, segundo ele, trata-se de casos
excepcionais, podendo ocorrer em três circunstâncias:
a) pela vontade das partes;
b) pela natureza da prestação;
c) pela força da lei.
A vontade das partes pode conferir à obrigação do médico a natureza de obrigação de res
ltado em circunstâncias diversas, porém bem precisas, a saber:
a) quando o médico promete executar certo ato em um determinado momento, ou prome
te executar pessoalmente tal ato.
Exemplificando: se um obstetra compromete-se a fazer um certo parto, e se au
senta, responderá pelo que possa advir de erro por parte de quem o substituiu.
<100>
b) quando o médico promete que sua intervenção terá um resultado certo e determinado.
É o caso das cirurgias estéticas: se o cirurgião demonstra, por croquis ou por pro
messa, como ficará o nariz de sua cliente, ele está, sem dúvida, se comprometendo
a uma obrigação de resultado.
No que diz respeito à natureza da prestação, informa PENNEAU que o julgamento, ali
cerçado na doutrina e na jurisprudência, entende que situações semelhantes
às de um centro de transfusão de sangue - no qual é feito levantamento prévio e preciso
dos seus doadores - estarão engajadas em uma obrigação de resultado.
O mesmo sucederá quando a natureza da prestação excluir toda a álea, o que no entend
er do autor é verdadeiramente excepcional. Mas, exemplifica, que nos casos
de exames laboratoriais corriqueiros, o fato de o facultativo fornecer um result
ado errado é o suficiente para engajar a sua responsabilidade; contudo, se o exame
de laboratório comportar uma álea, em razão de sua interpretação delicada, a obrigação não
não de meio, com base na falibilidade humana e na subjetividade
de seu ser.
Quanto ao cirurgião dentista, conforme já mencionado, sua obrigação, na França, é consi
erada de meio, no que diz respeito ao tratamento dentário; é de resultado,
quanto às próteses fornecidas a seus clientes.
Tal postura é extensiva a todas as coisas fornecidas a pacientes, inserindo-as
, pois, na obrigação de resultado. O mesmo diz respeito aos estabelecimentos de
transfusão de sangue, sendo estes responsáveis de pleno direito pelo dano causado pe
la contaminação, da qual o sangue fornecido estava afetado.
<101>
A lei, por sua vez, pode impor reparação pelos prejuízos advindos da atividade médic
a, especialmente no que diz respeito às pesquisas biomédicas sem benefício
individual direto. O Código de Saúde Pública francês dispõe que, neste tipo de pesquisa, a
quele que a promove assume, mesmo sem culpa, a indenização das conseqüências
danosas sofridas pela pessoa testada.
3.8. A visão brasileira
Levando-se em conta que se dá a formação de um contrato entre o cliente e o médico q
ue o atende, e que a responsabilidade do profissional está assente na culpa,
a questão que se coloca é, então, saber se o devedor agiu ou não com culpa.
Com efeito, a responsabilidade civil do médico é dominada pela lógica das relações con
tratuais entre ele e o seu paciente. É a inexecução faltosa da sua obrigação
contratual que o tornará responsável, o que implica um exame da execução de sua prestação e
relação ao que ele, médico, devia.
No que diz respeito às obrigações, tanto de meio quanto de resultado, o que se ent
ende é que tendo se comprometido a atingir um determinado e específico resultado,
suficiente seria constatar o seu inadimplemento para caracterizar a culpa contra
tual.
Na obrigação de meio (sem o compromisso mencionado acima) o devedor se compromet
e a fazer uso de sua atividade com diligência e esforço, na tentativa de atingir
seu escopo sem, contudo, se vincular a obtê-lo.
<102>
O artigo 159 do Código Civil oferece o perfil do que constitui uma obrigação de me
io, ou seja, conduzir-se com a prudência, a diligência e a perícia de um bom
pai de família, conforme acentua José Rubens COSTA, ainda que considere ser o critério
de "bom pai de família" mais afeito à determinação da culpa aquiliana.
Por seu turno, a obrigação de resultado, segundo o mesmo autor, estaria contida
nas disposições do art. 1.521 daquele mesmo diploma legal, quando determina que
são também responsáveis pela reparação civil o patrão, o amo e o comitente por seus serviça
e prepostos quando estes, no exercício, ou por ocasião do trabalho
a eles determinado.
Explica COSTA, que tal situação não caracterizaria escusa de responsabilidade para
as pessoas lá enumeradas, o que poderia deixar parcialmente sem aplicação
o art. 1.523: "provando-se que eles concorreram para o dano por culpa ou negligênc
ia de sua parte".
<103>
Tal aparente discrepância é corrigida pela jurisprudência, no que se iguala à fonte
francesa: aquelas pessoas lá enumeradas não somente têm de vigiar seus empregados
- o que caracteriza obrigação de meio -, como também assegurar a segurança de terceiros
- o que diagnostica uma obrigação de resultado -.
Em que pese a intenção do autor em delinear ambos os tipos de obrigação situando-os
nos dois mencionados artigos, não se altera o fato de que a responsabilidade
dos pais pelos filhos assenta-se na culpa presumida, enquanto a do patrão pelo seu
preposto ou auxiliar está inserida na responsabilidade objetiva, conforme corrent
e
jurisprudencial dominante.
3.8.1 O artigo 1.545 do Código Civil
O mesmo diploma legal estatui em seu art. 1.545 que profissionais tais quais
médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a ressarcir
o dano advindo da imprudência, imperícia ou negligência de seus atos profissionais, de
finindo-se, mais uma vez, pela regra quase geral da teoria da culpa como pressup
osto
para a caracterização da responsabilidade civil e do dever de ressarcir.
No que tange aos cirurgiões-dentistas, DIAS entende que a responsabilidade daq
ueles profissionais envolve, mais acentuadamente, uma obrigação de resultado, e
isto porque a patologia das infecções dentárias apresenta uma etiologia específica, com
processos mais regulares e restritos. Daí resulta uma sintomatologia, um
diagnóstico e uma terapêutica mais definidos e mais fácil para o profissional vir a co
mprometer-se com a cura.
<104>
Indicou-se, linhas atrás, não ser esse o pensamento atual em França, onde, de resu
ltado é apenas a obrigação referente às próteses colocadas no paciente, todo
o restante se inserindo na obrigação de meio, pois é bem patente que quando se trata d
o corpo humano, qualquer que seja sua região, o fator álea estará presente,
sendo suficiente para eliminar a obrigação de um resultado definido e pré-determinado.
No que diz respeito aos enfermeiros e parteiras, estão eles sujeitos, na medid
a de suas atividades, aos princípios da responsabilidade médica, convindo lembrar
que quando atuam sob a modalidade de equipe há uma outra problemática que se coloca,
mas que foge ao tema do presente trabalho. De qualquer maneira é bom que se
cite que a respeito do trabalho em equipe, a primeira responsabilidade, via de r
egra é do médico, independentemente de culpa, vez que ele é considerado o chefe daquel
a.
Nada obsta, porém, de ser apurada igualmente a culpa pessoal e profissional de seu
preposto, com direito a posterior ação de regresso, bem como a responsabilidade
objetiva da entidade hospitalar.
Quanto aos farmacêuticos, sua responsabilidade decorre, ordinariamente, da des
obediência às prescrições médicas, ou por executá-las erroneamente, pela venda
de produtos proibidos e, ainda, pelo exercício ilegal da profissão médica. Responde el
e, ainda, pelo erro ou engano de seus prepostos, de acordo com o artigo 1.546
do Código Civil, o qual o enquadra, também, dentro da responsabilidade objetiva.
<105>
3.9 A obrigação do médico vista pelo Código de Proteção ao Consumidor
O princípio da responsabilidade objetiva do prestador de serviços, consagrado pe
lo Código de Defesa do Consumidor, sofre uma única exceção, qual seja, a responsabilidad
e
pessoal dos profissionais liberais.
3.9.1 Produtos e serviços
O art. 14 da Lei nº 8.078/90 diz respeito ao trabalho dos profissionais libera
is e, para bem entendê-lo, é necessário absorver previamente em qual sentido os
termos produto e serviço são empregados na referida lei.
Dentro do que define João Marcelo de ARAÚJO JÚNIOR, produto, ali, é empregado no sen
tido econômico, como fruto da produção, sendo algo elaborado por alguém,
para satisfazer uma necessidade humana. É dentro desse enfoque amplo que o próprio Cód
igo, no seu art. 3º, o define como "qualquer bem, móvel, imóvel, material ou
imaterial".
<106>
ARAÚJO JÚNIOR entende que produto é um bem, apresentando-se no texto legal em cont
raposição a serviço. Este, por sua vez, vem conceituado no § 2º, do art. 3º:
"serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inc
lusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária ...",
do que se depreende que somente aquela ação que tiver como contrapartida uma remuner
ação, possuindo, portanto, relevância econômica, é que estará caracterizada como
serviço.
Os serviços podem ser materiais, imateriais, intelectuais, braçais, técnicos, domést
icos ou exteriores e, para que se integrem às relações de consumo, devem
ser lícitos, conceituando-se relações de consumo como aquelas que se estabelecem entre
fornecedores e consumidores.
Tais relações, explica ARAÚJO JÚNIOR, são fundamentalmente de confiança, já que o consu
or crê e espera que o produto ou o serviço adquirido possuam as características
que satisfarão suas necessidades.
3.9.2 A teoria do risco permitido e assumido
Os produtos e serviços colocados à disposição no mercado de consumo não deverão acarret
r riscos à saúde e à segurança dos consumidores, exceto os considerados
normais e previsíveis, em decorrência de sua natureza e fruição. Por tal razão, o legislad
or pátrio consagrou a teoria do risco permitido e assumido.
As relações interpessoais, o sistema de produção e consumo, as necessidades humanas,
cada vez mais sofisticadas, exigem e aceleram o progresso tecnológico e,
na busca de uma melhor qualidade de vida, dá-se, também, o aumento de riscos.
<107>
Consciente de tal realidade, a doutrina construiu a teoria do risco permitid
o e assumido, segundo a qual, aquele tipo de atividade reputada como socialmente
conveniente - mesmo pressupondo algum perigo -, é permitida e se encontra justific
ada em razão da existência de um maior interesse social na execução da ação, do
que o seria na sua omissão.
Pela referida teoria, a aceitação daquele tipo de perigo não se refere apenas àquele
que colocou o risco no mundo dos fenômenos, mas à sociedade como um todo,
sociedade esta que admite como lícita uma atividade arriscada.
O juízo valorativo, que permite a criação de fatores de risco, não advém de um único su
eito ativo, mas de todos os integrantes de uma sociedade, razão pela
qual esta também assume as conseqüências do risco permitido.
Cuidados são requeridos como exigência subjetiva do risco permitido, não sendo est
e considerado como violador da relação de confiança estabelecida entre fornecedor
e consumidor. A obrigação de bem informar é um daqueles cuidados, pois os consumidores
devem estar habilitados, pela informação, a fazer a escolha acertada de bens
e de serviço.
3.9.3 As duas órbitas da proteção ao consumidor
No direito do consumidor é possível identificar duas áreas distintas de concentração d
e preocupações: a primeira, centralizada na proteção da incolumidade físico-psíquica
do consumidor, com o objetivo de proteger e preservar a sua saúde e segurança contra
os acidentes de consumo provocados pelos riscos advindos do uso de produtos
e serviços. A segunda, diz respeito à incolumidade econômica daquele, face aos inciden
tes capazes de atingir seu patrimônio.
<108>
De alguma maneira, informa Antonio Hermen de Vasconcellos e BENJAMIN, as dua
s áreas estarão interligadas, pois um dano à integridade físico-psíquica do consumidor
poderá, por reflexo, atingi-lo em sua seara econômica, ocasionando-lhe diminuição de pat
rimônio.
3.9.4 A periculosidade inerente
Pode-se dizer que não há produto ou serviço totalmente seguro e, segundo BENJAMIN,
tal deve-se ao fato que tanto bens, quanto serviços, podem ter um resíduo
de insegurança.
O autor retrocitado identifica, quanto à segurança, produtos e serviço de periculo
sidade inerente (ou latente), de periculosidade adquirida (em razão de defeito)
e, ainda, de periculosidade exagerada.
Ao direito do consumidor interessa, fundamentalmente, a periculosidade adqui
rida, todavia, a do tipo inerente pode se transformar em adquirida, em virtude d
e
carência informativa, ganhando relevância jurídica.
Tal fato diz respeito muito de perto ao trabalho médico, já que o seu dever de i
nformação, além de existir sempre, tende a se ampliar em determinadas circunstâncias
(ex.: área da estética).
Em matéria de proteção à saúde e segurança do consumidor, informa BENJAMIM, vige a noçã
al da expectativa legítima, ou seja, espera-se que os produtos e
serviços que são colocados no mercado atendam às expectativas de segurança que deles leg
itimamente se espera.
<109>
Diz-se que uma expectativa é legítima quando se mostra plausível, justificada e re
al, ao ser confrontada com o estágio de conhecimento técnico e as condições
econômicas da época.
O desvio de tal parâmetro seria o bastante para transformar a periculosidade i
nerente de um produto, ou serviço, em periculosidade adquirida.
Quanto à periculosidade exagerada, seria aquela cuja insegurança ultrapassasse a
s fronteiras da expectativa legítima do consumidor.
A fronteira que medeia a zona de expectativa legítima pode ser delimitada com
base no preenchimento de dois requisitos: um objetivo e o outro subjetivo.
Dentro do critério objetivo, é exigido que a existência da periculosidade esteja e
m acordo com o tipo específico do produto ou do serviço. Pelo critério subjetivo,
o consumidor deve estar preparado e informado, de tal maneira, quanto à existência d
aquela periculosidade, que o risco - em se concretizando num resultado negativo
- não venha a surpreendê-lo. Importante critério a ser observado pelos médicos.
Presentes esse dois requisitos, informa BENJAMIM, a periculosidade, mesmo do
tada de capacidade para provocar algum tipo de acidente de consumo, será sempre qu
alificada
como inerente, recebendo do direito um tratamento benevolente.
Daí, porque, a periculosidade deste tipo dar, raramente, causa à responsabilização d
o fornecedor, o mesmo não se dizendo da adquirida e da exagerada, por ultrapassare
m
as fronteiras da expectativa legítima do consumidor.
3.9.5 A atividade do médico no Código do Consumidor
O art. 14, da Lei nº 8.078/90, no seu § 4º oferece o seguinte texto: "A responsabi
lidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação
de culpa." Tal postura quebra o, até então, previsto por aquela lei, que privilegia,
na sua quase totalidade, a responsabilidade objetiva. O citado parágrafo entra
como exceção àquela regra.
<110>
A apuração da responsabilidade dos referidos profissionais far-se-á com base no si
stema tradicional baseado na culpa e, segundo BENJAMIM, apenas nessa exceção
estão eles inseridos, submetendo-se, no mais, integralmente, ao traçado pelo código.
Por profissional liberal, ensina Carlos A. GONÇALVES, há que se entender o prest
ador de serviço do tipo solitário, ou seja, aquele que faz do seu conhecimento
a sua ferramenta de sobrevivência. É o médico, o engenheiro, o arquiteto, o advogado,
o dentista.
Contudo, são essas mesmas categorias que, nos dias atuais, cada vez mais tende
m a se agrupar em torno de empresas prestadoras de serviço, tais como: hospitais,
grupos de saúde, empresas de engenharia, sociedades de advogados e clínicas odontológi
cas.
A referida exceção, todavia, aplicar-se-ia apenas ao profissional liberal, não se
estendendo àquelas pessoas jurídicas para as quais venha a prestar serviço,
ou às quais se integre.
A norma de exceção diz, igualmente, respeito apenas ao serviço prestado pelo profi
ssional liberal, do que pode se depreender que os fornecedores de produtos
e serviços utilizados pelo profissional responderão objetivamente por qualquer defei
to que venham a apresentar.
<111>
3.9.6 A periculosidade inerente da atividade médica
Quando se diz que não há produto ou serviço que seja totalmente seguro, está a refer
ir-se à característica da periculosidade inerente, comum tanto a bens de
consumo quanto a atividades funcionais.
No exercício da função médica a periculosidade inerente é um fato inegável, já que o pr
ssional trabalha com margens de previsibilidade.
A expectativa legítima do consumidor (aqui, paciente), relaciona-se com a norm
alidade, que é o traço objetivo, enquanto que a previsibilidade é representada
pelo traço subjetivo, ambos descritos anteriormente, sendo a segurança um conceito r
elativo - já que serviço ou produto algum é totalmente seguro.
Dentro dessa perspectiva, é de extrema importância a atenção que o profissional vai
dar quanto às informações a serem fornecidas a seu cliente sobre os riscos
inerentes à toda atividade humana, e em especial à sua. Deve ele, também, levar em con
ta o nível de capacidade do paciente em captar e entender tais informações.
Se na área de consumo de bens materiais é importante o esclarecimento sobre dete
rminado produto - para que sua periculosidade inerente não venha a se transformar
em adquirida ou exagerada -, na área médica aquela importância cresce sensivelmente, d
evido à nobreza da matéria prima onde se desenrola seu exercício profissional:
a vida humana.
Incorrendo em erro e constatando-se culpa e dano, o médico, como qualquer outr
o fornecedor de serviço, será responsabilizado.
<113>
4. O NORMAL E O PATOLÓGICO
SUMÁRIO: 4.1 Breves considerações - 4.2 A complexidade da "máquina humana" - 4.3 A s
aúde e a doença - 4.4 A imunidade.
4.1 Breves considerações
Desde o início do presente trabalho temos insistido, ostensivamente, na inadeq
uação de considerar como sendo de resultado a prestação obrigacional de certas
especialidade que se desenvolvem em searas plenas do fator álea, sendo que - por d
efinição - aquela só se presta e se destina a caracterizar obrigações em áreas
inatingidas pelo referido fator.
Tal inadequação passa a ser gritante quando se examina - à luz de constatações científi
as -, a proximidade existente entre o normal e o patológico. A linha
que os limita é tão tênue quanto aquela que separa o amor do ódio, a alegria da tristeza
, a esperança do desespero.
Como, então, pretender extrair resultados matemáticos de campo tão subjetivo, quan
to aleatório...?
Na observação dos atos da vida biológica e, por extensão, também dos próprios fatos soc
ológicos, pode-se constatar a existência de duas ordens de fatos dissemelhantes
em seus aspectos, ou seja, os que são como deveriam ser e os que deveriam ser dife
rentes do que são.
<114>
Os primeiros dizem respeito ao fenômenos normais e, o segundo, aos patológicos.
4.2 A complexidade da "máquina humana"
Mencionou-se, linhas atrás, ser tamanha a complexidade do organismo que, muita
s vezes, o que é normal se mostra como patológico e vice-versa, podendo tal constatação
ser apontada como uma razão a mais para se considerar inadequado o uso da conceitu
ação de obrigação de resultado na caracterização de determinadas prestações em
áreas da atividade médica. Senão, veja-se:
A dor é vulgarmente tida como indício de doença e não há como negar que existe uma níti
a relação entre esses dois fatos. Não obstante, enfermidades há que não
são acompanhadas de dor, enquanto um pequeno corpo estranho no olho, ou sob uma un
ha, por exemplo, pode levar a dores indizíveis.
Situações outras, ainda são passíveis de ocorrer quando - tanto a ausência de dor, qua
nto a ocorrência do prazer -, podem constituir-se também em sintomas de
doença, assim como a própria insensibilidade pode vir a ser patológica.
Certas circunstâncias que fariam sofrer a um homem comum, podem gerar sensações de
gozo naqueles que têm desvios de fundo psicológico e, igualmente, em considerando
a dor sob uma conotação patológica, há que salientar aqueles estados puramente fisiológico
s e normais, mas que vêm acompanhados de dor, como a fome, a fadiga, o
parto, entre outros, conforme exemplos de Emile DURKHEIM.
<115>
Dessa linha de comparações, uma das deduções a serem tiradas diz respeito à subjetivid
ade e à variação de patamares, quando o assunto é o ser humano.
4.3 A saúde e a doença
No intuito de fazer a diferenciação entre saúde e doença, o autor supracitado conclu
iu que saúde é o estado de um organismo em que as possibilidades de sobrevivência
atingiriam o máximo, enquanto, doença seria a situação contrária, ou seja, tudo aquilo que
tivesse como efeito diminuir aquelas potencialidades.
Pode-se entender, então, que tal critério estaria baseado na maneira como - tant
o a doença, quanto a saúde -, poderiam afetar aquelas possibilidades de sobrevivência,
ou seja, afetar as potencialidades de cada um. A doença seria vista como uma condição
negativa, uma causa de destruição, já que, em geral, aquela tem como conseqüência
o enfraquecimento do organismo.
Analisa, ainda, DURKEIM que ela, a doença, não é a única a produzir tal resultado, h
aja vista que até as próprias funções reprodutoras, em certas espécies inferiores,
resultam fatalmente em morte, enquanto nas espécies superiores - mesmo constituind
o uma função normal -, podem acarretar riscos.
Também a velhice e a infância teriam semelhantes prerrogativas, pois tanto o ido
so quanto a criança são mais vulneráveis a causas que podem acarretar o fim de
suas vidas. Contudo, não haveria lógica em tal constatação pois, senão, teria que se consi
derar um e o outro como seres doentes - se vistos em comparação com um
adulto saudável -, o que, sem dúvida, geraria confusão entre saúde e fisiologia.
<116>
Sobre isso, ainda questiona DURKHEIM: se a velhice fosse tida como uma doença,
como distinguir, então, um idoso são de um idoso doente?
De igual maneira, a menstruação - pelas perturbações que pode desencadear na mulher
-, poderia ser tida como um estado mórbido; entretanto, como qualificar como
doentio um estado em que a sua ausência ou interrupção extemporânea constituem realmente
uma patologia?
Afecções há que são passageiras e para as quais não se lhes dá a menor importância, bem
mo outras existem, de caráter mais grave, e com o quê é possível conviver
toda uma vida, quando se tem o cuidado de observar certas normas de conduta. E n
ormas de conduta saudáveis todos têm de observar, não só os portadores de alguma
anomalia, o que, por conclusão, não os torna diferentes dos demais.
Há que serem considerados, ainda, os casos de doenças tidas como úteis, cujo agent
e modificado - atenuado ou morto - é inoculado no indivíduo para aumentar suas
possibilidades de sobrevivência, como é o caso das vacinas.
4.4 A imunidade
Por último, ainda é importante citar situações em que a perturbação causada pela doença
significante se comparada às imunidades que confere. Tal é o caso
de um grande número de viroses, entre elas o sarampo, a rubéola e a coqueluche.
<117>
Com base nesses exemplos depreende-se que tudo quanto diga respeito à saúde, à nor
malidade e à fisiologia do ser humano está envolto e caracterizado por uma
aura de complexidade e de subjetividade, pois não só, às vezes, o normal pode ser conf
undido com o patológico, conforme demonstrado, como aquilo que é válido e funciona
para um indivíduo, pode não sê-lo e não funcionar para outro. É o que se convencionou cham
ar idiossincrasia.
A par dessas duas características - subjetividade e complexidade - soma-se o f
ator álea, a imprevisibilidade; assim, qualquer tema que diga respeito ao corpo
do ser humano apresenta-se com uma enorme abrangência. Em caso de ocorrência de um e
rro médico, essa abrangência dificulta, em muito, não só a avaliação deste erro,
como o posterior trabalho do julgador.
São, também, características tais quais - a subjetividade, a complexidade, a impre
visibilidade e o fator álea -, as bases nas quais a autora deste trabalho se
alicerça para considerar inadequada a utilização da obrigação de resultado para caracteriz
ar um tipo de prestação onde grassam aqueles elementos.
Uma tal afirmativa não significa enfraquecer a noção que se deve ter ao avaliar a
responsabilidade de um médico frente a um erro. Não é esta a meta da presente
obra. O que se intenta é demonstrar que em se conceituando como de resultado certa
s obrigações cuja prestação se dá no âmbito do "ser humano", há uma possibilidade
bastante avantajada da ocorrência de injustiça, bem assim de fomentar a indústria da i
ndenização, pois fica bastante fácil para o cliente afirmar que não era "aquele"
o resultado que ele pretendia. Pela simples definição do que seja uma obrigação de resul
tado, a prestação obrigacional do médico, numa situação como esta, já poderia
ser considerada como inadimplida.
<118>
Não resta dúvida que a responsabilidade do cirurgião plástico estético e a do anestesi
ologista são mais amplas que a de outro especialista em qualquer das demais
áreas médicas, todavia, essa maior carga obrigacional tem que se refletir numa maior
informação e num maior zelo no exercício profissional, e não conceituando sua
obrigação como de resultado, de maneira errônea e inadequada.
Basta um hematoma - intercorrência a que todo operado pode estar sujeito - par
a que um cliente descontente (ou menos bem intencionado), já comece a refletir
sobre os "bens patrimoniais" que o seu médico possui. Ainda que tal afirmativa par
eça um tanto drástica, mais drástico, ainda, é ter tirado tal conclusão da mera
observação de casos concretos.
Às portas do terceiro milênio, quando a seara jurídica terá, com brevidade, de norma
tizar situações seríssimas que estão a se insinuar, tais quais, os direitos
de personalidade dos genomas e de embriões humanos é, pelo menos, perda de tempo fic
ar insistindo em tecla errada, quando outros países já se afinaram e se harmonizaram
com o tom correto, copiando o exemplo francês.
<119>
5. A CIRURGIA PLÁSTICA
SUMÁRIO: 5.1 Considerações introdutórias - 5.2 Brevíssimo histórico da cirurgia plástic
5.3 O cirurgião plástico, o cliente, a responsabilidade, a obrigação
- 5.4 Quando inexiste responsabilidade frente a um resultado diferente do espera
do.
5.1 Considerações introdutórias
A cirurgia plástica, área de especialidade da cirurgia geral, compreende as ciru
rgias reparadoras e as cirurgias estéticas, estas últimas também conhecidas como
cosmética, embelezadora, estrutural e, até, de equilíbrio psicológico.
As cirurgias plásticas do tipo reparadora se destinam a corrigir defeitos congên
itos ou adquiridos.
As do tipo estética, como o nome já informa, têm como finalidade aperfeiçoar o físico
do paciente, seja por um embelezamento maior, pela retirada de marcas do
tempo ou de sinais outros que lhe perturbem o bem viver, ou seja, aqueles elemen
tos que possam alterar, num sentido negativo, a sua qualidade de vida.
<120>
Se as cirurgias reparadoras têm uma finalidade terapêutica, associada a uma cert
a busca da estética - vez que nenhum tipo de deformidade física é agradável aos
olhos -, o mesmo se pode dizer com respeito às cirurgias embelezadoras, pois sendo
o seu motivo principal o estético, há nelas, igualmente, um lado terapêutico que
não pode ser ignorado, haja vista que tais intervenções são também cognominadas de "cirurg
ias do equilíbrio psíquico".
Resta justificada tal nomenclatura quando se lê a explicação dada pelo psiquiatra
francês LOGRÉ, sobre os graus de desequilíbrio que uma deformidade física,
ou uma alteração estética, podem trazer para uma pessoa.
Segundo ele, o hipocondríaco estético sente uma preocupação exagerada e se inquieta
patologicamente por uma mínima imperfeição somática, ou por se achar fora
dos cânones da beleza convencional ou, ainda, porque pensa não fazer uma boa presença
frente a seus pares devido a um defeito mínimo que, aos olhos dos outros, passa
despercebido, mas para si é intolerável, sendo, às vezes, menos suportável que uma grave
enfermidade.
Tal postura só vem corroborar o que não pode mais ser negado, nem por aqueles qu
e possam ser contrários a tais práticas cirúrgicas: o bem-estar pessoal e a realização
de cada indivíduo estão em íntima correlação com o seu físico, com seu psiquismo e com o so
ial.
Haja vista que a moderna definição de saúde dada pela própria OMS (Organização Mundial
e Saúde) concluiu ser ela "um estado completo de bem estar físico, mental
e social", e não meramente a ausência de uma enfermidade.
<121>
Essa somatória de fatos tem levado cada vez mais a diminuir a linha divisória qu
e separa a cirurgia dita estética, da outra, cognominada reparadora. Vemos nesse
processo não só um ato de justiça, como um mecanismo de defesa dos próprios cirurgiões plás
icos, no sentido de se livrarem do malfadado carimbo da obrigação de
resultado, tão combatida pela presente obra.
Não conseguimos ver uma justificativa sustentável - seja ela médica ou jurídica -, p
ara a pretendida distinção da natureza obrigacional entre os dois procedimentos
cirúrgicos plásticos.
O fato de o médico estar trabalhando com um organismo hígido, se lhe aumenta a r
esponsabilidade, nem por isso justifica transformar sua obrigação: ela sempre
será de meios, porque ele está a labutar em uma seara plena do fator álea, o que equiv
ale dizer que a própria incerteza do resultado desautoriza aquela denominação.
Por outro lado, a cirurgia estética que era vista, de início, como um sinônimo de
vaidade, teve esse perfil completamente modificado, não só a partir do conceito
de saúde da OMS, mas pela pura observação dos fatos, pois não há mais como negar que ela é
m benefício para a saúde do indivíduo.
São inúmeras as cirurgias embelezadoras que se realizam por recomendação de psicólogos
e de psiquiatras, a pacientes seus, pelos resultados benéficos que trarão
à sua auto-estima e segurança. Quantas pessoas, sabe-se, que se excluem voluntariame
nte do convívio social, por não aceitarem as próprias características físicas?
E, se existe uma possibilidade de contornar o problemas que as aflige, essa solução
não pode ser considerada terapêutica? Ou é pura vaidade?
Há poucas décadas atrás havia pessoas (inteligentes) que pensavam (e escreviam) as
sim, todavia, conceitos que tais, não merecem mais crédito, bem assim aquele
que de tal maneira ainda raciocine, desmerece o supracitado adjetivo.
<122>
Por tantas e tais razões, há que caírem por terra duas concepções, porque errôneas e in
ustas: primeira, a divisão entre cirurgia plástica reparadora e estética
e, segunda, a conceituação de obrigação de meio para uma e de resultado para a outra.
A simples impossibilidade de pré-determinar o resultado de qualquer procedimen
to cirúrgico desautoriza essa distinção.
5.2 Brevíssimo histórico da cirurgia plástica
Ainda que bastante recente, enquanto especialidade, a cirurgia plástica tem su
as raízes assentadas há milênios atrás, pelas mãos de artesãos indianos.
<123>
Ocorreu em determinadas épocas - e não era incomum - que, por força da lei ou da v
ontade dos reis, pessoas perdessem o seu nariz, ou parte dele. Tal se justificav
a
como uma forma de sanção pela prática de alguns delitos, inclusive o da infidelidade c
onjugal, mas podia ser, também, uma marca que recebiam - por parte do governante
vitorioso -, os prisioneiros de guerra.
A mutilação carimbava o indivíduo de duas maneiras: fisicamente, pela fealdade e,
psicologicamente, pelo sinal humilhante da escravatura ou do ilícito praticado.
Os mutilados que dispunham da possibilidade, acudiam aos artífices da Índia para
que lhes modelassem e reconstituíssem um substituto para o apêndice nasal perdido.
De arcaicos que eram, os procedimentos iniciais foram se aperfeiçoando pouco a
pouco e, para tanto, se empenharam egípcios, gregos, romanos e chineses entre
outros. BUERES comenta que no séc. XVI, Gaspar TAGLIACOZZI, natural de Bolonha, fo
i o primeiro a utilizar-se de enxertos do braço para reconstruir narizes e orelhas
,
prática essa, ainda utilizada.
Na época contemporânea, a cirurgia plástica, ramo da cirurgia geral, teve seu início
de ascensão, como especialidade, a partir de 1914, em conseqüência da tentativa
de readaptação funcional dos feridos em campo de batalha, principalmente dos traumat
ismos de face. Por estranho que possa parecer nos dias de hoje, foram a guerra
e seus milhares de mutilados que deram nascimento àquela especialidade.
Tratando o novo assunto com a seriedade que demandava, criou-se em Paris, em
1930, a Sociedade Científica Francesa de Cirurgia Reparadora, Plástica e Estética.
E, se no seu início aquelas intervenções destinavam-se aos mutilados da face, alguns a
nos mais tarde - estimulada pelo aumento dos acidentes de trânsito - teve seu
âmbito alargado, atingindo, como passo seguinte, o domínio da vaidade feminina e, at
ualmente, o da masculina também.
<124>
A partir de 1950, consoante informação de BUERES, os tribunais franceses, italia
nos e espanhóis, entre outros, admitiram as cirurgias destinadas a melhorar ou
embelezar o corpo, como sendo uma atividade legalmente justificada. Portanto, su
a existência no mundo do direito é de recentíssima data.
A busca da estética pela via da cirurgia embelezadora alcançou tamanha demanda q
ue acabou por favorecer a possibilidade de aparecimento de profissionais nem
sempre bem preparados e com a suficiente perícia técnica, como requer uma tal especi
alidade, favorecendo, assim, uma maior probabilidade de incorrer em erro.
Ocorre que mesmo aquele profissional que é competente e capacitado, não está livre
de insucessos na área, pois um ato cirúrgico pode até ser programado matemática
e meticulosamente, todavia, o resultado final, em acordância com tal programação, nunc
a estará garantido. Isso se deve não só à subjetividade do organismo humano,
como, muitas vezes, ao próprio paciente que, por descuido ou omissão, vem a colabora
r eficazmente para um resultado negativo ou diferente do esperado.
5.3 O cirurgião plástico, o cliente, a responsabilidade, a obrigação
Às vezes, o alcance psicológico de um defeito físico (que pode ser ínfimo) é tamanho,
que cirurgião plástico algum poderá vir a atingir um resultado satisfatório.
A ser considerada a sua prestação obrigacional como sendo de resultado, estaria gera
da a possibilidade de o médico ser acusado de não ter adimplido a sua obrigação.
<125>
São casos assim, que apontam para a inadequação de ser conceituada como obrigação de r
esultado a atividade do cirurgião plástico estético (bem assim, a do anestesiologista)
.
Quando se lê com atenção a definição do que seja uma obrigação de resultado, é que se perce
total inadequação entre esta e o campo de atividade daqueles profissionais,
já que palmilhado de álea.
Bem assim, o que pode ser considerado bom resultado pelo médico - conhecedor d
as restrições e limitações impostas pela fisiologia diversa de cada organismo -
pode ser considerado como aquém do esperado pelo paciente que antevia uma resultan
te outra, que pode até ter sido construída sobre arroubos quiméricos e sonhos fantasio
sos.
Não quer isto dizer - e fique bem claro não ser esse o escopo do presente trabal
ho -, que o médico não deva ser responsabilizado nunca, se o resultado ideal
e querido não foi alcançado. O facultativo deve, sem dúvida, obrigar-se a um resultado
, já que é a própria razão de ser da cirurgia, e deverá ser responsabilizado
sempre que a causa de o resultado ideal não ter sido atingido assentar-se na sua i
népcia, por erro grosseiro, fruto de sua negligência ou imperícia ou imprudência,
ou seja, um resultado diverso daquele que seria obtido por qualquer de seus pare
s em idênticas circunstâncias.
<126>
Todavia, o que é resultado ideal? Como coincidir a imagem que dele têm o pacient
e e o cirurgião? Como fazer com que coincidam figuras de âmbito tão subjetivo?
Seria adequado, então, inserir elementos tão aleatórios em uma obrigação de resultado, con
cebida para situações específicas e fins determinados ...?
A responsabilidade do cirurgião plástico é mais ampla, sem dúvida, pois o paciente a
o procurá-lo encontra-se, ao menos em tese, em estado de higidez.
As obrigações do clínico geral, do cirurgião e do cirurgião plástico reparador são, coe
temente, consideradas como sendo de meio. A do cirurgião plástico estético
é colocada no outro extremo, sendo-lhe imputado o perfil de "resultado", o que, além
de inadequado, como já se procurou demonstrar de forma exaustiva, é a conseqüência
de não existir, ainda, na área do direito das obrigações, uma figura que se situe como u
m meio-termo entre aqueles dois tipos de obrigação. Tal lacuna, acaba por
gerar, não só conceituações imprecisas, como uma maior dificuldade para os julgadores, p
odendo dar origem a conclusões nem sempre coerentes com a realidade dos fatos.
Citou-se, que data de 1950, a aceitação da cirurgia plástica como atividade legalm
ente justificada, e por igual razão, vale aqui também relembrar a noção que
se tem de que o direito deve esposar o fato social. Da somatória das duas informações
deduz-se que devido ao fato de ser tão recente aquela área de especialidade
médica, o mundo jurídico ainda está se adaptando a ela e, concludentemente, de maneira
ainda um tanto precária, servindo-se de situações analógicas e de figuras
nem sempre adequadas.
<127>
Encontramos em BUERES o pensamento de alguns autores que entendem ser a resp
onsabilidade do especialista em estética de igual natureza que a do cirurgião geral,
mas diferindo desta em extensão e, portanto, devendo ser apreciada com maior sever
idade. É, também, a postura francesa, conforme já informado.
A ela, de igual maneira, nos filiamos: a responsabilidade do cirurgião plástico
estético é maior que a do cirurgião geral, mas não pode ser inserida em uma obrigação
de resultado, pela só razão que aquela se destina à situações onde o fator álea não está pr
e, conforme já fartamente mencionado.
Pode-se aduzir, então, que a atividade daquele esculápio não é só obrigação de meio. Nã
e se situar na de resultado por ser inadequada tal proposição e essa
insuficiência de conceitos acaba por se refletir no próprio trabalho do julgador; qu
e se posiciona ora como sendo de "resultado", ora como sendo de "meio" e, também,
como "mista", numa tentativa de buscar uma maior apropriação no sentido de caracteri
zar qual seja o conteúdo da prestação na especialidade da cirurgia plástica.
<128>
Por tantas e tais razões, entendemos ser importante que se copie o exemplo fra
ncês, e sem perda de tempo. Caso contrário, poderá se insinuar uma tendência cada
vez maior em objetivar a responsabilidade daqueles profissionais, deslocando-se
sua área - que é a da subjetividade - para a da teoria do risco, com o conseqüente
desencadeamento do exercício de uma medicina defensiva, na dependência das companhia
s de seguro médico e aguçando de vez as tendências indenizatórias, o que inviabilizaria,
cada vez mais, estar a especialidade ao alcance de muitos, e dispor o profission
al da necessária liberdade do exercício de sua arte.
5.4 Quando inexiste responsabilidade frente a um resultado diferente do espe
rado
A cirurgia estética, pelas características e meandros que encerra, deve ser apre
ciada do ponto de vista subjetivo e, quanto à atividade do cirurgião - como em
todas as demais profissões -, a busca da melhor conduta deve direcionar todas as a
titudes levadas a efeito pelo profissional.
<129>
Pondera Aguiar DIAS, ser impossível compreender a irresponsabilidade de um médic
o que pratique uma operação de tal natureza, sem a existência de "um como que
estado de necessidade, apreciável segundo as circunstâncias e na proporção dos riscos qu
e imponha ao paciente".
Entende ele que, embora o profissional reconheça a necessidade da cirurgia, de
ve recusar-se a ela se o perigo da intervenção for maior que a vantagem que seria
auferida pelo paciente, não valendo para nenhum efeito a prova do consentimento da
quele.
Não obstante, mesmo não correspondendo o resultado ao sucesso esperado, o autor
retrocitado aponta casos em que a cirurgia estética pode não acarretar responsabilid
ade
para o facultativo, desde que tenha obedecido certos requisitos essenciais, a sa
ber:
a) tenha sido razoavelmente necessária;
b) o risco corrido pelo paciente seja de menor proporção que a vantagem buscada;
c) tenha sido a intervenção praticada de acordo com as normas da profissão.
Entendemos, também, que antes e a par disso, é necessário que o cliente tenha rece
bido a fundamental e ampla informação de todo o procedimento que se irá proceder
em seu corpo; bem assim, de todas as possibilidades de ocorrências indesejáveis.
Tal informação deve ser fornecida dentro do nível de compreensão daquele que a ouve,
o que é variável de pessoa para pessoa.
<130>
Deve, também, o profissional médico documentar-se acerca das informações concedidas
pois, em caso de insucesso - com posterior ação judicial de responsabilidade
-, aquele documento lhe será de valia como comprovante do seu dever cumprido de be
m informar.
Quanto a sua possível não-culpa e não-responsabilidade, caberá a uma perícia idônea com
rovar que a intervenção foi praticada de acordo com os ditames e as normas
técnicas da profissão e que o resultado indesejado adveio por conseqüências outras, que
não o ato médico em si.
<131>
6. RISCO E ERRO
SUMÁRIO: 6.1 O risco. A necessidade de informação - 6.2 O erro. Breves considerações -
6.3 O erro médico. Conceito - 6.4 O erro do paciente - 6.5 Erro de diagnóstico
e erro de conduta - 6.6 Erro escusável ou erro profissional.
6.1 O Risco. A necessidade de informação
O risco a correr pelo paciente deve ser analisado com extremo rigor pelo médic
o, com a conseqüente e devida informação àquele. Se no atendimento clínico e no
âmbito da cirurgia geral isso se faz necessário, há determinadas especialidades (verbi
gratia, a cirurgia plástica estética), nas quais o nível de informação deve
ser, ainda, mais amplo e abrangente.
Com referência a isso, a Corte de Cassação francesa aprovou decisão da Corte de Lyon
, segundo a qual, em matéria de cirurgia estética, o médico está vinculado
a um dever de informação especial quanto às conseqüências da intervenção, notadamente em re
o problema da cicatrização.
Toda atividade humana é, em potencial, uma geradora de riscos. De tal estigma
não escapa o exercício da profissão médica de uma maneira geral, independentemente
da especialidade e, para bem identificar o que foi erro, ou o que é fruto do risco
, é necessário, previamente, caracterizá-los.
<132>
Admite-se, "que existe uma condição de precariedade humana segundo a qual todos
os esforços são inúteis", do que se pode concluir que há uma correlação de risco
tanto em relação à doença, quanto em relação ao doente, ou seja o risco do ato médico será
maior, quanto maior for o da própria doença. Havendo uma possibilidade
de variantes de grau nesse risco, devem ser avaliados fatores, tais quais: tipo
de enfermidade (patologia mais, ou menos agressiva), condições orgânicas do paciente
(precárias, razoáveis, boas), bem assim os recursos postos à disposição do facultativo no
momento do atendimento àquele (pronto-socorro, posto de atendimento, hospital
modelo, clínica particular), etc.
Os riscos, ou complicações, podem ser classificados como típicos e atípicos. Os risc
os típicos são aqueles cuja delimitação está em função de uma porcentagem
de freqüência - fixados por casos concretos -, dando margem a que tal porcentagem po
ssa ser avaliada dentro de critérios flexíveis e adaptáveis, por já serem conhecidos.
Fora desse perfil, as complicações que se produzem são atípicas e, conseqüentemente, i
mprevisíveis, o que implica em não exigir a adoção de medidas preventivas
para evitar sua produção. (Mas que, também, não impede de utilizá-las).
A distinção dos riscos típicos e atípicos adquire relevância no que diz respeito ao de
ver do médico de informar seu paciente; assim, quando a complicação é previsível,
um dos deveres do profissional é tomar as medidas preventivas necessárias exigidas p
elas normas de sua profissão, outra é prevenir o paciente, ou pelo menos, fazê-lo
entender que não há intervenção cirúrgica sem risco.
Pode ocorrer, igualmente, que apesar de estarem descritos certos tipos de co
mplicações e ser conhecida a sua porcentagem de ocorrência, ainda não existam medidas
eficazes para preveni-las. Nesse tipo de situação cabe ao médico, apenas, o utilizar-s
e de uma técnica correta.
<133>
De igual maneira, a própria prevenção de certas complicações pode comportar riscos de
dano mais grave do que aquele que se quer evitar ou, ainda, trazer dificuldades
para o procedimento cirúrgico, propiciando risco para o êxito final daquele.
Tal situação assemelha-se ao juízo da indicação e contra-indicação, o que só pode ser r
ido mediante a ponderação dos riscos que estão em jogo. Em não sendo
a postura mais indicada o tomar tais medidas de prevenção, e advindo a complicação, pode
-se julgar que esta terá sido inevitável, tendo, também, um caráter de caso
fortuito.
Conclui-se, pois, que a complicação qualificada como atípica é comparada ao acidente
imprevisível e, portanto, se equipara ao caso fortuito.
Entendemos que a existência de uma previsibilidade objetiva não impede que, indi
vidualmente, a complicação seja imprevisível, isto é, o ortopedista nunca poderá
saber se o paciente que ele irá operar se encontra entre os 3% que fazem embolia g
ordurosa nas cirurgias dos grandes ossos. Cabe-lhe tomar todas as precauções cabíveis
a fim de que tal não ocorra, para que, em ocorrendo, possa ele isentar-se da respo
nsabilidade por ter se precavido como requeria a situação.
Logo, o fato de ser previsível que a intervenção do médico possa vir a acarretar um
resultado prejudicial para seu paciente não significa, necessariamente, que
ele tenha agido com culpa, se tal resultado negativo vier a se efetivar.
<134>
O perigo representado por uma cirurgia não leva o cirurgião a não executá-la, desde
que ele tenha condições de fazê-la com as idênticas possibilidades que um
outro colega de profissão o faria, ponderando sempre o valor social que o leva a e
nfrentar o risco e a necessidade da realização da intervenção. Exemplificando,
deve ser muito diversa a atitude do médico frente a um caso de tumor cerebral e de
outro face a uma plástica estética, se estiver previsto que - em ambos os casos
- os pacientes correriam riscos graves.
Dentro do assunto em pauta merecem análise, ainda, as diferentes situações que enf
rentam o médico de uma grande cidade e aquele que trabalha em uma localidade
de pequeno porte. Não há dúvida que a responsabilidade de ambos é uma só, já que os conheci
entos básicos havidos em um curso superior foram os mesmos, entretanto,
há que avaliarem-se as condições de aplicação desses conhecimentos, a possibilidade de atu
alização, do emprego de novos métodos, da disponibilidade de aparelhagem
moderna, de medicamentos específicos e pessoal treinado.
Impende concluir que o médico que labuta no interior encontra-se em situação de ri
sco maior que o seu colega do grande centro, não podendo, concludentemente,
serem considerados como idênticos - em termos de avaliação do grau de responsabilidade
- os resultados danosos de uma intervenção de urgência efetuada no meio rural,
em precárias condições, e outra, realizada em hospital modelo, aparelhado com moderna
tecnologia e dispondo de funcionários especializados.
Por último, quanto ao risco possível, advindo da ingestão ou uso de medicamento pr
escrito pelo profissional, salienta-se, uma vez mais, que todo o ato médico
comporta risco, e ninguém desconhece o fato de que existem situações anômalas, quando um
a simples injeção ou um brando analgésico podem vir a causar graves complicações,
inclusive a morte. Entendemos que, em ocorrendo tal, não deverá o médico ser responsab
ilizado, porquanto tais causas são estranhas à culpa médica.
<135>
6.2 O Erro. Breves considerações
Em YUNGANO lê-se que o médico trabalha com estranhos materiais, com o homem e co
m a vida, dois enigmas eternos que não se sabe como começaram, nem qual é o seu
caminho.
Sem dúvida, a realidade da morte é, não só inquestionável, como representa o maior ris
co para a ciência médica, para o médico e para o paciente. Sendo, porém,
inevitável, que chegue ela como conseqüência da evolução natural da curva biológica do ser,
e não por atos imprudentes ou negligentes daquele que foi habilitado
para promover a manutenção de uma boa qualidade de vida. Que ele não se torne um entra
ve para o direito que cada qual tem de nascer, viver e morrer a seu tempo e
maneira próprios.
6.3 O Erro médico. Conceito
Para bem conceituar o erro médico, mister se faz, preliminarmente, uma comparação
entre o que seja saúde e o que seja doença.
Admitindo-se que a saúde possa ser definida como o bem estar do indivíduo no seu
sentido mais amplo; que a doença seja tudo que o afaste de tal situação; que
o trabalho médico se sirva de procedimentos para combater a doença no intuito de res
tabelecer o estado de saúde, concludentemente, o erro médico seria representado
pelo desvio ocorrido na obtenção daquele objetivo.
<136>
Erro médico pode, então, ser entendido como uma falha no exercício da profissão, do
que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através
da ação ou da omissão do profissional.
Às vezes, é possível a ocorrência de um erro que, por ser de pequena monta ou por não
deixar seqüelas, passa despercebido ao cliente. Todavia, quando da ação
ou da omissão do profissional advier um dano ao paciente, com o claro e indispensáve
l nexo de causalidade, então deverá ele ser responsabilizado.
6.4 O Erro do paciente
Há, da parte do paciente, uma expectativa bastante grande em relação ao trabalho d
e seu médico, haja vista que ele está a laborar no que lhe é mais precioso:
a sua vida e a sua saúde.
Importa salientar, porém, e consoante informação de MORAES, que freqüentemente o pac
iente confunde a não realização de suas expectativas com um erro médico,
sendo que "uma grande parte dos casos tidos pelos pacientes ou familiares como e
rro, decorre da incompreensão sobre o que lhe foi dito, ou do que não foi adequadame
nte
entendido".
O autor comenta, ainda, que o relacionamento entre médico e paciente não foge da
s dificuldades normais do conviver, onde cada um imagina a si próprio de uma
certa maneira, que é diferente daquela que realmente é, sendo também diversa da que o
outro o imagina. Destarte, o relacionamento entre duas pessoas mostra-se como
se fora multiplicado: como se fossem seis indivíduos.
<137>
Logo, uma das conseqüências possíveis são os desencontros, os desentendimentos, os q
uais, na presença de uma doença, propiciam que o estado de tensão emocional
torne ainda mais difícil a compreensão dos problemas a ela atinentes. Em tais circun
stâncias, um resultado esperado pelo médico e tido como satisfatório, poderia
não ser bem aceito pelo paciente, ou sequer ser aceito.
Ressalte-se, daí, a importância da boa relação médico-paciente e da necessidade de est
e último estar informado da melhor e mais ampla maneira possível sobre
os prognósticos de sua patologia, independentemente dos diferentes níveis de sua cap
acidade de entendimento frente aos esclarecimentos fornecidos por seu médico
(o que também deve ser sopesado por este).
Por último, há que ser levada em conta, a importância dos dados fornecidos pelo cl
iente ao seu médico, no momento da anamnese, ou seja, do relato histórico de
suas queixas. Se o diagnóstico consiste na emissão de um juízo acerca do estado do pac
iente - após efetuadas todas a avaliações -, impende salientar que a primeira
e importantíssima fase dessa avaliação se inicia com base nas informações dadas pelo pacie
nte, o que vai determinar não só a medicação a ser prescrita, como os exames
laboratoriais a serem pedidos, bem assim todo o procedimento do profissional a p
artir de então.
6.5 Erro de diagnóstico e erro de conduta
Os diagnósticos, de uma maneira geral, apresentam uma explícita fragilidade no q
ue tange à sua segurança, pois, segundo informação de MOARES, até hoje são desconhecidas
as causas de um terço das doenças já catalogadas.
<138>
Por tal razão, uma diagnose para ser exata tem que ser genérica; todavia, mesmo
não dispondo de uma certeza frente à etiologia da doença apresentada por seu
cliente - e, portanto, trabalhando com probabilidades - o médico não pode incorrer e
m erro de conduta. Isto só será possível se ele estiver atento às respostas do
organismo de seu paciente, alterando ou corrigindo o diagnóstico, sempre que tal s
e fizer necessário.
Do que se conclui que agirá o médico com culpa, não por ter errado o seu diagnóstico
, mas por ter insistido em manter-se dentro de uma conduta não satisfatória
e não adequada, não advindo daí nenhum benefício para o seu paciente e, por conta da qua
l, não poderá este último apresentar progresso ou melhora em sua patologia.
6.6 Erro escusável ou erro profissional
Entende MORAES que "se o erro só pode ser estimado pelo resultado, o médico só dev
e responder pelo que depende exclusivamente dele, e não da resposta do organismo
do paciente".
Para esse autor, parece estranho distinguir erro médico de erro profissional m
as, segundo ele, tal distinção tem sido feita, principalmente, por parte dos Juízes,
caracterizando o erro profissional como sendo aquele contingente que decorre de
falta não imputável ao médico, seja pelas naturais limitações da medicina, seja pela
impossibilidade de um diagnóstico exato, o que poderia levar o profissional à escolh
a de uma conduta errônea.
Inserem-se nessa classe, também, os casos nos quais o médico procedeu corretamen
te, mas o doente omitiu informações, ou não colaborou com a sua parte na elaboração
do diagnóstico ou no desenrolar do tratamento.
<139>
Em todas essas situações podem ocorrer erros, mas serão vistos como intrínsecos às lim
itações da profissão e da natureza humana, não sendo imputados ao médico.
São chamados de escusáveis, com base no fato de que todo procedimento técnico - mesmo
corretamente efetuado -, traz em si uma possibilidade de resposta adversa.
MORAES pondera, ainda, que "a problemática de caracterização do erro em medicina não
se restringe às fronteiras da ciência, mas as extravasa para os domínios
da arte e do imponderável".
Ao encerrar o capítulo referente a erro médico, não poderíamos nos furtar de registr
ar, com uma certa apreensão, dois tipos de situações que vêm se repetindo
com uma certa constância:
a) na área da medicina e da cirurgia geral, a evolução natural do estado mórbido de um
paciente sendo confundida com erro;
b) na seara da cirurgia plástica estética, a análise subjetiva de um resultado associ
ada a um descontentamento generalizado do paciente consigo mesmo e com a vida,
sendo canalizado para o médico como "erro", como "não era bem isso que eu queria", o
ainda "não era bem isso que estava esperando".
Ato contínuo: dois médicos processados...! E, veja-se: não estamos a falar de erro
. É um mero "achar", entender que o resultado que desagradou, ou que veio diferent
e
do esperado deve ser enquadrado no perfil do erro e, contra isso, não há uma barreir
a, não há nada que impeça que o paciente - meramente descontente - leve seu médico
aos tribunais.
<140>
Até por conta do acúmulo de causas que inundam nosso judiciário (já nem se referindo
à injustiça da possibilidade de não ter havido "erro"), indagamos: não deveria
haver uma triagem prévia, quando então seria analisado se houve mesmo erro ou se o r
esultado não exitoso adveio por evolução de uma moléstia, por condições físicas,
por falta de equipamentos, pela limitação - ainda - da medicina, apesar de suas mara
vilhosas conquistas, ou por problemas subjetivos da psique individualista de
cada ser?
Quando a seara é a da cirurgia plástica estética observa-se, então, que o problemas
se agigantam a proporções infindas, pois não é raro encontrarem-se pacientes
que depositam em um novo nariz ou no final de sua rugas, toda a mudança de suas vi
das. E, quando essa mudança não vem embutida no pós-operatório, passa a ter, potencialme
nte,
a condição de se transformar em mais uma ação judicial.
Infelizmente, tais informações não são utópicas ou fruto de imaginação: são decorrentes
bservação de casos concretos. Em nossa casuística particular, na
grande maioria dos processos envolvendo responsabilidade médica, não foi possível cons
tatar erro. Houve descontentamento, excesso de expectativa, cliente informado
de maneira insuficiente, esfacelamento do relacionamento médico-paciente, entre ou
tros motivos. E isto é profundamente lamentável, pois de um momento para o outro,
profissionais hábeis e dedicados vêem seu nome envolvido com a área judicial. Tirante
o prejuízo financeiro que isso lhes acarreta com advogados, perícia, custas,
etc., ainda há o dano maior, que é a perda da tranqüilidade para o seu trabalho, para
o estudo, para a pesquisa.
Por óbvio não estamos a nos referir àquele profissional relapso, negligente, que não
se interessa pelo estudo e pela atualização e que acaba por se envolver
em atos que redundam em lesão e culpa por imperícia ou por imprudência, quando não por e
rro grosseiro. Este, para felicidade geral, é uma minoria e deverá ser responsabiliz
ado
toda que vez que seu agir resulte em dano, para que sua conduta não sirva de nefas
to exemplo.
<141>
Estamos nos referindo ao médico brilhante, que estuda, que se atualiza, que pa
rticipa de congressos, que tem seu nome entre os melhores, fruto de esforço contínuo
e ingente. Esse, infelizmente, é o mais visado como alvo para vultosas indenizações. N
o que tange aos cirurgiões da área da plástica estética, quanto mais em foco
tiver seu nome, maior é a ameaça que paira sobre sua pessoa, em especial por parte c
ertos tipos de pacientes, nem sempre escrupulosos.
E é impressionante observar a devastação psicológica que ocorre na vida dos profissi
onais médicos, cada vez que são envolvidos em uma ação judicial. Tem-se por
óbvio que ninguém está preparado para uma situação como esta, bem como a ninguém é agradáve
eber uma citação informando-o ser réu de um processo. Todavia, quando
se trata de um médico, parece que o impacto é mais amplo, os danos são maiores, o sofr
imento é mais profundo.
Como explicar uma tal reação? Ocorrerá ela por conta de todo o envolvimento emocio
nal que liga o médico ao seu paciente? Será que a tensão daqueles momentos
dentro de um centro cirúrgico - quando e onde o médico tem a vida de seu paciente na
s suas mãos - cria um vínculo mais profundo que o do engenheiro em relação ao
cliente para o qual projeta a casa ou o do advogado que defende sua causa?
Como entender a verdadeira devastação (não há outro termo mais adequado) que temos p
resenciado na vida de todos os médicos que foram atingidos por um processo?
Como justificar, também, o tremendo dano, se a estatística de nossa casuística particu
lar comprova que, na grande maioria dos casos, não ocorreu erro do médico,
mas sim do paciente, por falha de avaliação, causada por descontentamento, por mal e
ntendido e, infelizmente, às vezes, até por ganância...?
E se todos esses médicos injustiçados começassem a se voltar contra os paciente qu
e os prejudicaram financeira e moralmente, movendo-lhes uma ação por dano moral?
Por enquanto existe, por parte dos profissionais, uma passividade generalizada m
as..., até quando?
<145>
PARTE SEGUNDA
JURISPRUDÊNCIA COMENTADA
CONSIDERAÇÕES GERAIS
SUMÁRIO: 1. Anestesia - 2. Cirurgia plástica - 3. Código do Consumidor - 4. Culpa
configurada e não-culpa - 5. Exames - 6. Imperícia 7. Médico como chefe de
equipe - 8. Negligência - 9. Nexo causal - 10. Ofensa à honra do médico 11. Responsabi
lidade médico-hospitalar - 12. Seguros de saúde.
De acordo com a metodologia escolhida, apresentaremos os julgados por assunt
o em ordem alfabética e cronológica. Desfrutando da disponibilidade da maioria dos
acórdãos na íntegra, coletados pessoalmente em vários centros do País (os quais já atingem
marca de algumas centenas), e sendo impossível organizá-los em uma única
obra, optamos pelos que são, não só, mais interessantes e ricos em casuística, como também
, mais recentes.
Nossos comentários pessoais serão permeados por trechos dos acórdãos (em itálico), sem
pre que tal se mostrar necessário, devido ou à sua importância técnica
ou à jurídica. Junto ao título, que introduz o tema em comento, constará o número de ocorrê
cias que integram aquele capítulo. Em nota de rodapé constarão os seguintes
dados: número do acórdão e da câmara, nome do relator e do tribunal, data do julgamento,
fonte e número de folhas que o compõem. Alguns acórdãos que possam aparecer
sem comentários, dever-se-á ao fato de não estarem disponíveis na íntegra.
Sempre que cabível, o caso em comento levará, ao final, sua caracterização, que pode
não coincidir com a do julgador.
<146>
Por uma opção, também pessoal, os nomes de profissionais e entidades serão indicados
apenas por suas iniciais, em respeito à privacidade a que cada qual tem
direito, mesmo levando-se em conta que certos tipos de processos são públicos. Confo
rme já informado, esta é uma escolha pessoal.
<147>
1. ANESTESIA (10)
A anestesia, ato médico praticado - preferencialmente -, por anestesiologistas
, tem por finalidade propiciar, por meio de aparelhos e medicamentos, as condições
favoráveis para o ato cirúrgico, mantendo o paciente em analgesia e com seus sinais
vitais em níveis considerados os ideais.
1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ANESTESIA.
O anestesiologista responde pelo dano causado ao paciente, em razão do procedi
mento anestésico, quando não obteve previamente anuência para realizar a anestesia
geral (imprudência), não realizou exames pré-anestésicos (negligência) e não empregou todos
os recursos técnicos existentes no bloco cirúrgico (imperícia). Valor
da indenização. Voto vencido que não localizou culpa na conduta do anestesiologista. A
pelação desprovida por maioria.
<148>
No caso em tela, paciente menor de idade internou-se para cirurgia de pequen
a complexidade, com anestesia local. Passadas três horas do início da intervenção,
foram informados os pais que a pequena, por apresentar grande agitação, fora submeti
da à anestesia geral (sem autorização ou conhecimento daqueles). Ato contínuo
sofreu uma parada cardio-respiratória, sendo conduzida à UTI em estado crítico.
De acordo com o corpo do acórdão: "O neurologista C.P. constatou encefalopatia a
guda com coma neurológico, postura distônica com resposta de descerebração (sofrimento
cerebral), sugerindo encefalopatia hipóxida isquêmica no diagnóstico clínico. Diagnóstico
que se confirmou com a tomografia computadorizada que constatou edema cerebral
difuso, sendo tratado com espuma convencional. Relata que durante a fase de inte
rnação a criança fez pneumonia. Enfim, presumiu que fosse encefalopatia isquêmica
pela história de parada cardio-respiratória no bloco cirúrgico".
O decisum de primeiro grau não vislumbrou restrição contra o fato de ter sido subs
tituída a anestesia local pela geral, mas entendeu "inexistir justificativa
para a ausência de exames pré-anestésicos. Todavia, como podem existir predisponentes
adquiridos desencadeando reações alérgicas impossíveis de serem evitadas, tais
exames não se mostram indispensáveis, até porque são incapazes de perceber doenças assinto
máticas e podem ter resultados conhecidos como 'falsos positivos', nem
sempre detectados em testes pré-anestésicos".
O parecer do eminente relator foi voto vencido, determinando a maioria pela
culpa do anestesiologista com base nos seguintes pressupostos: foi ele negligent
e
por deixar de realizar exames pré-anestésicos; foi imprudente por deixar de obter o
consentimento prévio dos pais da menor paciente; foi imperito por deixar de empreg
ar
todos os recursos existentes e conhecidos e, por último, feriu a proporcionalidade
entre o escopo da cirurgia e o procedimento anestésico admissível.
<149>
O mesmo caso, recebeu outro acórdão por ocasião dos Embargos Infringentes, sendo s
eus termos os seguintes:
1.1.1 E.I. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANESTESIA. ENCARGO DA PROVA.
Na relação que se estabelece entre o especialista e o paciente, ou responsáveis, i
ncumbe àquele, por senhor da ciência, as providências prévias e incidentais,
adequadas para o pleno sucesso. Age com culpa anestesista que, em cirurgia de pe
queno porte, jamais tendo discutido a opção com os responsáveis por paciente de menor
idade, e ignorando exames prévios, elege a anestesia geral e os meios a ela conduc
entes, resultando definitivamente ofendida a integridade física do anestesiado.
E.I. desacolhidos.
O corpo do acórdão vem reforçar as características de imperícia, imprudência e negligên
já detectadas no acórdão anterior e, mais ainda, enfatizar não ter
ficado provado que fosse a geral, a técnica anestésica melhor para a hipótese, ou seja
, que os recursos técnicos utilizados foram os mais adequados, para concluir
que "redobrada cautela há que se exigir diante do desproporcional".
Caracterização: Anestesiologista responsabilizado: falta de autorização. Culpa: impe
rícia. Desproporcionalidade da anestesia utilizada.
<150>
1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
Desinfluente nesta altura discutir qual a medicação analgésica ministrada à Autora q
ue produziu o choque anafilático, e em decorrência a lesão cerebral que a
invalidou permanentemente, restando vida tão-somente vegetativa. A relação de causalid
ade do fato e a conduta culposa do médico decorre da aceitação da paciente
em consultório para produzir aborto, com a administração da ANESTESIA sem especialidad
e e em ambiente sem os devidos recursos presentes em hospitais, quanto a eventua
is
acidentes cardiovasculares e respiratórios, como resultou provado nos autos. Expli
cação conseqüentes das verbas indenizatórias. Improvimento do apelo.
O fato diz respeito a jovem de 28 anos que procurou médico para realização de um a
borto, recebendo-a o profissional em seu consultório particular e efetuando
ele próprio a anestesia para o ato, sendo que, para tanto, não era credenciado, além d
e que o aborto não se inseria em nenhum daqueles casos permitidos por lei.
Segundo o laudo pericial, a paciente fez choque anafilático e em decorrência, le
são cerebral, com invalidez permanente, já que reduzida à mera vida vegetativa.
O médico foi considerado responsável sendo condenado a pagar vultosa indenização. Ag
iu ele em erronia não só por praticar um ato ilícito (aborto), como por exercer
especialidade que não era a sua (anestesiologia), o que caracteriza imperícia; além do
que o fez em ambiente não preparado para intercorrências de emergência, sendo
por isso, imprudente e negligente, abrindo margem a que ocorrências como as que vi
eram a acometer a paciente (acidentes cardiovasculares e respiratório) não pudessem
ser contornadas com sucesso.
<151>
Caracterização: Culpa grave, nas suas três modalidades (imperícia, imprudência e negli
gência). Exercício de especialidade que não a sua. Ambiente impróprio.
Crime de aborto.
1.3 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO.
Não comprovação. Doença degenerativa não imputável a procedimento médico. Ação improced
ecurso desprovido.
Paciente que foi submetida à cirurgia tipo cesárea apresentou, quatro dias após a
intervenção, sérios problemas de locomoção. Entendeu ter a patologia se instalado
graças à má aplicação de raqui-anestesia, do que resultou necessária anestesia geral, apres
ntando, após, o lado direito paralisado.
Todavia, por laudo e exames complementados a posteriori, concluiu-se que a p
aciente apresentava uma lesão radicular lombar, processo já pré-existente e de cunho
degenerativo, não possuindo qualquer relação com o procedimento anestésico.
Não sendo encontrado o necessário nexo causal entre o ato anestésico e a patologia
apresentada pela paciente, foram inocentados hospital e médico.
Caracterização: Ausência de nexo de causalidade entre a patologia e o ato médico.
<152>
1.4 RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDUTA MÉDICA. ANESTESISTA. CIRURGIÃO. CASA DE SAÚDE.
VERBA DE PENSIONAMENTO.
O erro médico pode ser praticado por ação e omissão. Assim, o anestesista que, duran
te ato de aplicação do anestésico para técnica peridural, perfura membrana,
fazendo com que haja penetração do líquido no canal medular ocasionando raqui-total qu
e depois se transforma em aracnoidite adesiva, erra grosseiramente por ação.
Ao não dar atendimento adequado à paciente posteriormente, erra por omissão. Assim tam
bém erra o cirurgião que, deixando de dar importância aos reclamos da paciente,
não adota os procedimentos eficazes para a sua recuperação, fato que provoca mal maior
. Há relação de causa e efeito, assim como responsabilidade da Casa de Saúde
que firma contrato de prestação de serviços com o anestesista, por seu representante,
o médico que realiza a cirurgia, pois a eventual situação de autônomo do anestesista
não exclui a entidade à qual está disciplinarmente subordinada. Peca por omissão grave o
cirurgião que, sabendo dos graves problemas ocorridos durante a cirurgia,
não dá a devida atenção pós-operatória à sua paciente e, com isso, permite a ocorrência de
ersíveis seqüelas. Justa é a pretensão de pensionamento acima de
um salário-mínimo, se mesmo não provados ganhos, tendo em vista o pleno gozo de saúde qu
ando do ato que causou a responsabilidade. A Autora poderia vir a obtê-los
pela pouca idade que à época possuía e as suas condições de vida atual que para sobrevivênc
a necessita mais do que um salário-mínimo pode proporcionar, face à precariedade
deste.
<153>
O caso em tela relata fato de paciente que se submeteu a um parto cesáreo, tod
avia, "durante a aplicação de anestésico pela técnica de peridural lombar houve
acidente com complicação decorrente de perfuração da membrana, fazendo com que o anestésic
o penetrasse no canal medular ocasionando um quadro denominado raqui-total,
tendo ocorrido parada cardio-respiratória e quadro de anestesia geral. Tentando re
verter a situação, o anestesista providenciou entubação endotraqueal, conseguindo
reverter o quadro de parada respiratória, mas permanecendo a paciente em estado de
anestesia geral com entubação endotraqueal".
Como conseqüência final, a paciente apresenta, hoje, paralisia completa dos memb
ros inferiores, com comprometimento sensitivo e motor do tronco.
Pontos a considerar: houve desentendimento entre a paciente, seus familiares
e o cirurgião, o que pode ter precipitado a alta por parte da equipe médica (relaci
onamento
médico-paciente deficiente). A Autora não teria recebido o tratamento devido e merec
ido quando, ao recuperar os sentidos, manifestou seu padecimento. Sendo o aneste
siologista
considerado como profissional da melhor qualidade, mais responsabilidade teria e
m respeito à vida humana. A demora na adoção de procedimentos adequados causou o
agravamento e as suas conseqüências (negligência).
Por final, concluem os julgadores pela culpa também do hospital, pois no seu e
ntender, "o ato ilícito do preposto é ato ilícito do preponente".
Caracterização: Culpa comprovada. Imperícia no ato anestésico e negligência no pós-opera
io. Hospital: responsabilidade solidária.
<154>
1.5 ORDINÁRIA PARA HAVER INDENIZAÇÃO POR DANOS FÍSICOS E MORAL DECORRENTES DE ERRO MÉD
ICO.
Paciente portadora de hipertensão arterial que veio a sofrer acidente vascular
cerebral em razão do uso inadequado, e sem a prévia avaliação, de anestesia dentária,
a qual veio provocar seqüela incapacitante. Comprovado o fato, procede a pretensão.
A paciente em questão, compareceu ao ambulatório do Hospital Escola S.J. para tr
atamento dentário tendo informado que era hipertensa. Mesmo assim, foi-lhe adminis
trada
anestesia dentária, entrando em coma e permanecendo nesse estado por 48 horas, após
o que adveio-lhe seqüela irreversível, caracterizada por incapacidade total e
permanente.
A entidade hospitalar foi julgada à revelia por não comparecimento à audiência, não se
ndo mencionado o nome do preposto que teria dado causa ao evento.
Comprovado o necessário nexo causal entre o ato e o resultado danoso, foi o ho
spital condenado a pagar 80 salários-mínimos por dano moral e um salário mensal
à guisa de pensionamento.
Caracterização: Imperícia e negligência do profissional. Condenado apenas o preponen
te (hospital).
<155>
1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICO-HOS
PITALARES.
Lesões corporais provocadas por erro de anestesista participante de equipe cirúr
gica de médico credenciado da empresa. Responsabilidade solidária entre ambos.
Denunciação da lide. Cabendo direito de regresso contra o autor do ato ilícito, os réus
na ação têm o direito de denunciá-lo na lide. Nulidade do processo. Inocorrência.
Suspensão do processo em razão da denunciação da lide. Cerceamento que não se verificou po
is, realizadas novas audiências e produzida outra prova pericial, teve
o denunciado o ensejo de manifestar-se com a devida antecedência, prejuízo algum lhe
resultando. Dano moral. É cumulável a sua reparação com a do dano material reclamado
pela própria vítima. Valor fixado em limite razoável.
O caso em tela envolve paciente, empresa prestadora de serviços médicos, médico ch
efe de equipe, a equipe e o anestesiologista.
Internada para se submeter a cirurgia por médico credenciado da empresa, veio,
após o ato cirúrgico, a sofrer lesões de ordem física e psicológica
Feita e refeita a perícia, ficou constatado que o dano advindo era resultante ún
ica e exclusivamente da atuação do anestesiologista que "pela introdução de sonda
mesogástrica para fins de intubação, normalmente feita em cirurgias abdominais, veio a
lesionar a laringe e perfurar o esôfago, dando causa a uma fístula, conforme
comprovado por exame de Raios X contrastado. É de se observar que a falha técnica é da
exclusiva responsabilidade do anestesista, pois é a ele que está afeto tal
procedimento no curso da anestesia".
<156>
O laudo mostra-se interessante por dois aspectos: primeiro, por ser conclusi
vo, detectando claramente o problema e apontando seu autor; segundo, desmascara
o
insistente rótulo do esprit de corps, tão cobrado dos médicos. Corporativismo existe e
m todas as classes: é um fenômeno sociológico, um mecanismo saudável, fruto
do trabalho grupal. Todavia, mesmo presente em todas as profissões, só dos médicos tal
fato é cobrado. Por laudos como esse, e que semelhantes se encontram às dezenas,
pode-se concluir que o esprit de corps não é tão genérico assim como querem fazer crer o
s seus apologistas.
Da pluralidade de réus que foram incluídos na ação, os julgadores decidiram que acom
panhariam o anestesiologista (imperícia), na condenação, a empresa prestadora
de serviço médico (resp. objetiva), bem assim o cirurgião (chefe de equipe), este com
direito de regresso sobre o anestesiologista, já que a presença deste na equipe
não se dera por escolha daquele. A empresa, por óbvio, foi inserida na responsabilid
ade objetiva, "sob pena de ficar na cômoda situação de só receber as vantagens
de seu empreendimento".
Caracterização: Nexo causal entre o ato anestésico e o dano apresentado pelo pacie
nte. Culpa: imperícia.
1.7 ACIDENTE PROFISSIONAL. HOMICÍDIO CULPOSO NÃO CONFIGURADO. LAUDOS PERICIAIS.
CONTRADIÇÃO.
Havendo contradição entre o quadro clínico do paciente e os exames complementares
elaborados em função da necrópsia, deve prevalecer o primeiro, a partir do
qual se deduz essencialmente o diagnóstico, conforme princípio basilar da medicina.
Configura acidente profissional escusável na esfera criminal a morte de parturient
e
em decorrência de acidente anestésico considerado inevitável pela literatura médica, não h
avendo que se cogitar de homicídio culposo, uma vez que a culpa se fundamenta
no descumprimento da obligatio ad diligentiam.
<157>
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a parto cesáreo; antes do iníc
io do ato cirúrgico, porém, foi-lhe ministrado um reforço anestésico, visto estar
anteriormente preparada para parto normal. Ato contínuo, passou a reclamar de ofus
camento visual e, em seguida, a gritar de dor, sobrevindo convulsão e parada cardíac
a.
Iniciadas as tentativas de ressuscitamento, estas não tiveram êxito, decidindo-se pe
la realização imediata da cesariana, no intuito de salvar o feto.
Após uma seqüência de laudos médicos contraditórios, decidiram os julgadores inocentar
os médicos, já que a morte da paciente foi provocada pela "absorção de
grande dose de anestésico local pelas veias peridurais. Esta complicação, como descrev
em os compêndios de anestesiologia, é rara e prevista estatisticamente, mas
inevitável com o uso da atual técnica de aplicação da anestesia peridural. Portanto, não s
e trata de um erro médico por imprudência, negligência ou imperícia".
Caracterização: Culpa por imperícia não comprovada.
1.8 RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. HOSPITAL CONVENIADO COM A PR
EVIDÊNCIA SOCIAL. SUB-ROGAÇÃO.
Responsabiliza-se civilmente o hospital em virtude de erro médico em suas depe
ndências, de não cuidar de fazer exame pré-anestésico em seus pacientes, mormente
quando são conhecidas as possíveis complicações do tipo de anestesia aplicada. Considera
-se irrelevante, para fins de responsabilidade civil, o fato de ser o preposto
remunerado ou não pelo próprio hospital, dada a existência de convênio com a Previdência S
ocial, ocorrendo verdadeira sub-rogação da preposição.
<158>
A paciente foi submetida a intervenção cirúrgica para ligadura de trompas e perine
oplastia, sob anestesia raquiana. Passado o efeito do anestésico, começou a
sentir fraqueza no membro inferior direito e quadril, seguida de dormência. Alguns
dias mais tarde surgiu uma intumescência (calombo) no local da punção da anestesia,
que se resolveu posteriormente, todavia a fraqueza e a dormência passaram a acomet
er ambos os membros inferiores e parte do tronco. Oito meses após foi operada da
coluna para tratamento de "inflamação grave da medula" e mesmo obtendo certa melhora
acabou por ser aposentada por invalidez permanente. Posteriormente, não mais
conseguiu andar, a não ser com o auxílio de muletas, restando totalmente paralítica.
Via "perícia neurológica, concluiu-se que a dormência sofrida pela paciente e a co
nseqüente paralisia foram subseqüentes a uma aracnoidite constritiva pós-anestésica,
que veio comprimir e debilitar a medula espinhal. Em suma, a debilidade ou incap
acidade permanente da apelada resultou de problemas relacionados com a anestesia
raquiana."
Todavia, a própria perícia foi taxativa ao informar que tal seqüela encontrava-se
entre as possíveis complicações pós-anestésicas raquianas.
<159>
Ponderou o julgador que "ante esse quadro, não podia persistir condenação quanto a
o médico operador, ante o sucesso da cirurgia e ainda pelo fato de nada ter
com relação aos trabalhos de anestesia".
Por outro lado, entendeu que "diante da possível seqüela de uma anestesia raquia
na, cumpria ao hospital velar para que sua aplicação fosse cercada da necessária
segurança à paciente, por meio do exame pré-anestésico, o que não se fez."
Cumpre, ainda, observar que a infecção conhecida como aracnoidite constritiva po
deria ter sido adquirida pela paciente no próprio hospital, após aplicação da
anestesia, ou por processo inflamatório por complicação anestésica.
O hospital foi considerado em falta, por omissão, sendo o cirurgião (chefe de eq
uipe) inocentado pela culpa do anestesiologista, diferentemente do caso relatado
no item 1.7.
Caracterização: Culpa comprovada do anestesiologista. Não encontrada conexão entre a
responsabilidade deste e a do cirurgião.
1.9 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL DE CIRURGIÃ-DENTISTA E DE MÉDICO
ANESTESISTA. CULPA INEXISTENTE.
Não pode haver presunção de culpa unicamente porque sobreveio a morte do menor após
a cirurgia destinada à correção de arcada dentária, hora e meia após ingressar
na sala de recuperação. A culpabilidade somente pode ser presumida na hipótese da ocor
rência de erro grosseiro, de negligência ou de imperícia, devidamente demonstrados.
Se os profissionais utilizaram-se de sua vasta experiência e dos meios técnicos indi
cados, com os habituais cuidados pré e pós operatórios, somente uma prova irretorquível
poderia levar à indenização pleiteada. Não tendo sido demonstrado o nexo entre a cirurgi
a e o evento morte, correta esteve a sentença dando pela improcedência da
ação. Apelação improvida.
<160>
Trata o presente caso de paciente de 14 anos, que se internou para efetuar u
ma cirurgia de correção dentária. Consumado o ato, foi o paciente encaminhado à sala
de recuperação onde, hora e meia depois, surgiram complicações que culminaram em óbito no
prazo de uma semana. Foi diagnosticada como causa mortis "edema pulmonar
e edema cerebral", causados por uma possível ingestão de sangue e outros líquidos, o q
ue teria ocorrido por abandono do paciente no pós-operatório e retardamento
na busca de outros especialistas a fim de contornar o problema surgido.
Como defesa, anestesiologista e odontóloga afirmaram terem se servido de toda
a técnica pertinente ao caso, e que os problemas apresentados pelo paciente advier
am
depois de suas atuações, não sendo os profissionais obrigados a permanecerem 24 horas
ao lado de seus pacientes. O procedimento de ambos não teria nexo causal com
a parada cardio-respiratória apresentada pelo paciente.
Como conclusão, entenderam os julgadores não ter havido prova suficiente no sent
ido de evidenciar a culpabilidade dos réus, e nem o elo de ligação entre o ato
anestésico-cirúrgico e o posterior desenrolar dos fatos, ainda que dramáticos.
Caracterização: Ausência de comprovação de culpa por impossibilidade de determinação do
xo causal.
<161>
1.10 ANESTESISTA. O ato puro da ausência breve da sala do anestesista, por si
só, conquanto possa retratar negligência no lato sensu, sem a relação de causa
e efeito entre o ato comissivo e o resultado letal, não configura a responsabilida
de civil. Desde que esta não pode prescindir da etiologia entre o fato e o dano.
Em palavras outras, a ausência no seu estado restrito não causaria a morte se não sobr
eviesse, no interregno, causa outra influente capaz de deflagrar, por si só,
o resultado quando desatendida, por ali não se encontrar o anestesiologista.
Infelizmente não dispomos desse acórdão na íntegra para elaborar o seu comentário, ent
retanto, sugerimos a respeito do tema "ausência de anestesiologista no
Centro Cirúrgico", a leitura das normas que regem as obrigações daquele especialista,
emanadas do Conselho Federal de Medicina e que se encontram na Parte Primeira,
capítulo 2.5.2.
<163>
2. CIRURGIA PLÁSTICA (16)
A parte teórica referente ao assunto já foi abordada em capítulo específico; todavia
, chama-se a atenção para a variação dos conceitos utilizados para caracterizar
a obrigação, quando o assunto é cirurgia plástica. Mesmo a do tipo estética é tida ora como
sendo de meio, ora de resultado, ou ainda, mista, o que vem reforçar
nossa teoria da inadequação ou da falta de um termo mais apropriado para caracteriza
r aquela área de especialidade.
2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. INSUCESSO DA OPERAÇÃO. ERRO MÉDICO. D
EVER DE REPARAÇÃO.
Tendo sido provado, cumpridamente, o erro médico, que levou a paciente ser por
tadora de grave lesão mamária, importa que o cirurgião suporte os ônus de sua imperícia,
devolvendo à autora os honorários que recebeu, que pague nova cirurgia a ser realiza
da por médico de escolha da autora, tratamento psicoterápico e, por fim, dano
moral fixado em 100 s.m. O perito, sendo médico, está apto a proceder à perícia, não haven
do necessidade de ter especialidade em cirurgia plástica. Não houve cerceamento
de defesa, porque não há prova de que o assistente técnico tenha convocado a autora pa
ra exame, circunstância que somente foi aventada em recurso. Apelo rejeitado.
<164>
A paciente do caso em questão era portadora de mamas de tamanho avantajado, pe
lo que se submeteu a cirurgia plástica com finalidades estéticas e reparadoras,
já que visava minorar seu desconforto e melhorar seu aspecto estético.
O resultado final, contudo, deixou muito a desejar, haja vista que os seios
ficaram de tamanhos diferentes, com cicatrizes retraídas e umbilicamento de mamilo
.
Saliente-se, ainda, que logo após a intervenção, voltou a paciente para o centro cirúrgi
co, sendo submetida a anestesia geral para sofrer outra cirurgia, pois "teria
havido uma crise hipertensiva que fez com que os vasos se rompessem causando hem
atoma bilateral".
O perito (contrariando o tão decantado esprit de corps) informou que "a cirurg
ia a que se submeteu a autora, por não ter sido desenvolvida com a perícia exigida,
resultou em seqüelas que lhe trouxeram dano estético, não podendo aquelas ser atribuídas
à patologias próprias da autora ou a fato estranho e fortuito". Até, porque,
informa ele, um pico hipertensivo de pressão de 170 x 100, dificilmente teria cond
ições de romper pontos de sutura, desde que feitos de maneira devida e adequada.
O julgador aduziu que nenhuma importância teria o fato de a sutura ter sido re
alizada por cauterização ou por pontos, desde que efetuadas com rigor técnico,
já que o princípio era o mesmo e, então, em nenhum dos casos a alteração de pressão teria a
etado os pontos. Por igual, não aceitou o reclamo do réu de que o perito
indicado não era da área da cirurgia plástica, entendendo ser suficiente que o mesmo f
osse cirurgião geral.
Por considerar ter agido o cirurgião com imperícia em seu mister, foi condenado
a devolver os honorários recebidos, bem assim, arcar com gastos referentes à
nova cirurgia, tratamento psicoterápico e mais 100 s.m. por dano moral.
Caracterização: Culpa comprovada: imperícia.
<165>
2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA DE NATUREZA ESTÉTICA
. OBRIGAÇÃO MÉDICA DE RESULTADO.
A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva embelezamento. Em ta
l hipótese o contrato médico-paciente é de resultado, não de meios. A prestação
do serviço médico há que corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido pe
lo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado ocorre presunção
de culpa do profissional. Presunção só afastada se fizer ele prova inequívoca tenha agid
o observando estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo
o dano de caso fortuito ou força maior, ou que outra causa exonerativa o tenha cau
sado, mesmo desvinculada possa ser à própria cirurgia ou posterior tratamento [...].
Paciente se submeteu a cirurgia plástica para corrigir pequeno defeito nas pálpe
bras, resultante de plástica anterior realizada por outro cirurgião que não o
réu. Da intervenção resultou-lhe a patologia conhecida como lagoftalmia, que consiste
em ter dificuldade de fechamento das pálpebras.
Entendendo tratar-se de uma obrigação de resultado, toda a carga probatória e ineq
uívoca ficou por conta do réu no sentido de comprovar ter agido "com toda a
diligência e cuidado, aplicando a ciência que se fazia exigir, ou da ocorrência de cau
sa exonerativa de responsabilidade de natureza outra, mesmo que não seja vinculada
à cirurgia em si".
Todavia, o réu não produziu tal prova, limitando-se a enfatizar que estava afeit
o a uma obrigação de meio, visto tratar-se de correção de cirurgia anterior,
o que não convenceu os julgadores por entenderem que a paciente buscava nada mais
que a reparação de problemas de natureza exclusivamente estética, portanto, "a
execução defeituosa do contrato equivale, juridicamente, à inexecução total".
<166>
Parte interessante do julgado - e que merece ser referenciada - diz respeito
ao pleito da paciente no sentido de receber o que gastou e mais o que iria desp
ender
com a nova cirurgia. Diferentemente do julgado anterior (2.1), no presente caso
os julgadores, reafirmando o decisum, entenderam que "não pode pretender a autora
extrair dois proveitos de natureza econômica, quais sejam, o pagamento de todas as
despesas com a nova cirurgia a que pretende se submeter e a devolução dos valores
despendidos com a cirurgia a que se submeteu perante o réu. O que equivaleria a bu
scar e alcançar lucro econômico-financeiro e não indenização no seu correto sentido.
De lembrar que não se pode pretender transformar o infortúnio numa fonte de lucro".
Portanto, o pedido que foi concedido no julgado anterior, nesse foi entendid
o como bis in idem. O médico foi considerado culpado por não ter adimplido uma obrig
ação
tida como de resultado, e condenado a pagar nova cirurgia e a quantia de R$ 18.0
00,00 (dezoito mil reais) por dano moral, corrigida até a data do efetivo pagament
o.
Caracterização: Resultado pretendido não alcançado. Imperícia (?).
2.3 CIRURGIA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE MEIO.
O profissional que se propõe a realizar cirurgia visando melhorar a aparência físi
ca do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão
danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, s
alvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe
cabe provar.
<167>
O presente agravo, ao qual foi negado provimento, diz respeito a caso de cir
urgia plástica por intermédio da qual não foi alcançado, não só o resultado buscado,
como a paciente acabou por ficar com danos estéticos, portanto, em situação pior do qu
e a anterior à cirurgia.
Foi referenciado uma vez mais, trechos do acórdão recorrido onde se lê que "na hipót
ese de o resultado ser negativo e oposto ao que foi convencionado, presume-se
culpa profissional do cirurgião, até que ele prove sua não culpa".
Caracterização: Responsabilidade por resultado não alcançado.
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA CORRETIVA. ERRO MÉDICO.
Indenização por dano estético e moral: Bis in Idem. Embora de meio, a obrigação médica
a cirurgia plástica reparatória, o erro profissional comprovado por laudo
pericial idôneo, torna o estabelecimento hospitalar responsável pela reparação do dano c
ausado por seu preposto. O dano estético que se configura pelo vexame, vergonha
ou humilhação decorrente de deformidade física é um aspecto do dano moral, pelo que não ad
mite cumulação com este sob pena de incorrer-se em bis in idem. A gravidade
da deformidade sofrida pela apelante, todavia, recomenda elevação da verba do dano m
oral. Reforma parcial da sentença.
<168>
A paciente em questão submeteu-se a uma cirurgia corretiva de suas mamas, cujo
volume e peso exagerado acarretavam-lhe problemas de saúde. No pós-operatório
houve complicações decorrentes do aparecimento de um coágulo no seio esquerdo, com con
seqüente infecção, sendo necessárias outras cirurgias, do que resultou a perda
do mamilo esquerdo e cicatrizes deformantes. Foi pedida indenização por erro médico de
stinada a reparar danos materiais, morais e estéticos. A sentença propiciou
à autora fazer - às expensas do hospital envolvido - a(s) cirurgia(s) necessária(s) pa
ra reparação da mama esquerda e a receber mais 50 s.m. por dano moral.
Apelou a paciente pleiteando verba indenizatória maior, vez que acabou perdend
o ambos os mamilos.
Apelaram cirurgião e entidade hospitalar alegando não existência de erro médico.
Mesmo entendendo ter sido a obrigação do operador, de meio, já que meramente repar
adora, firmaram-se os julgadores no laudo pericial (isento de esprit de corps),
que afirmava categoricamente: "Houve imperícia médica na condução de complicação operatória
s cirurgias realizadas na Autora da presente ação por parte do facultativo
acima apontado, no estabelecimento da empresa-Ré, dando causa ao estado atual da m
ama esquerda da Autora, como apontado no laudo pericial".
Pertencendo o médico-operador ao quadro do hospital envolvido, foram ambos con
denados a ressarcir a paciente. O primeiro por imperícia, imprudência e negligência
e o segundo por força do art. 1.521, inc. III, do Código Civil, já que comprovada a cu
lpa do preposto, exsurge a responsabilidade do preponente.
<169>
Foi mantido o direito de a paciente refazer, às expensas dos responsáveis, quant
as cirurgias fossem necessárias no sentido de recompor os mamilos extirpados,
sendo o valor devido por dano moral elevado para 200 s.m.
Caracterização: Resultado diverso do proposto. Culpa: imperícia. Hospital: respons
abilidade solidária.
2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. DANO ESTÉTICO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
.
Demonstrado através de perícia o erro médico, impõe-se o dever de indenizar, indepen
dentemente do exame de culpa, já que a cirurgia plástica é obrigação de resultado
e não de meio.
O resumido corpo do acórdão (2 fls.) não relata o caso com clareza, limitando-se a
penas a informar que se trata de paciente que se submeteu a cirurgia plástica
de face, da qual resultaram cicatrizes aparentes. Há uma referência ao laudo pericia
l como tendencioso e predisposto ao julgamento, já que teria, inclusive, saído
de sua área adentrando a jurídica, o que, por óbvio, não foi levado em conta.
Observa-se que o eminente relator, hábil escritor de boas obras na área da respo
nsabilidade civil, posta-se nitidamente a favor do conceito de obrigação de resultad
o
para caracterizar a prestação do cirurgião plástico estético, mesmo em se tratando de cica
trização, um fenômeno biológico que, conforme se sabe, cada organismo tem
a sua maneira própria de realizar.
<170>
Também aqui não há o falar-se em esprit de corps, pois o perito, além de incriminar
clara e ostensivamente o colega, apontando que houve erro médico, ainda "pretendeu
julgar a causa, ou entrar no seu mérito".
Caracterização: Responsabilizado por resultado diverso do esperado.
2.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DE CIRURGIÃO PLÁSTICO. ABDOMINOPLASTIA.
Paciente que, após o ato cirúrgico, apresenta deformidades estéticas. Cicatriz sup
ra-púbica, com prolongamentos laterais excessivos. Depressão na parte mediana
da cicatriz, em relação à distância umbigo/púbis. Gorduras remanescentes. Resultado não-sat
sfatório. Embora não evidenciada culpa extracontratual do cirurgião é
cabível o ressarcimento. A obrigação, no caso, é de resultado, e não de meio. Conseqüenteme
te, àquele se vincula o cirurgião plástico. Procedência parcial do pedido,
para condenar o réu ao pagamento das despesas necessárias aos procedimentos reparatóri
os. Dano estético reduzido. Ressarcimento proporcional [...].
No presente caso, paciente se submeteu à reparação de mamas, correção de hérnia umbilic
l e abdominoplastia. Conquanto tenha ficado satisfeita com os resultados
referentes às duas primeiras intervenções, o mesmo não ocorreu em relação à ultima, já que
molipectomia - técnica destinada a remover depósitos gordurosos subcutâneos
- não atingiu o resultado esperado.
<171>
Concluíram os julgadores que as deformidades apresentadas pela autora não foram
decorrentes do ato cirúrgico em si, ou seja, não advieram por imperícia, imprudência
ou negligência do cirurgião, todavia elas poderiam ter sido evitadas "pelo emagrecim
ento do retalho gorduroso, quando do ato cirúrgico, ou pela adoção da lipoaspiração
realizada concomitantemente ou posteriormente".
Esta última técnica citada ainda era um tanto recente à época dos fatos, mas o perit
o sugeriu uma série de procedimentos que teriam o condão de minimizar os
efeitos deformantes do abdômen da autora ou, até mesmo, de suprimi-los.
Concluíram, ainda, os doutos, ser "provável que o réu tenha agido com correção profiss
ional, como afirma a preclara sentença. Nada há nos autos, que lhe desmereça
o trabalho, nem sua dignidade como profissional".
Por que foi ele, então, condenado? A resposta está, uma vez mais, no problema da
conceituação da obrigação de resultado: os próprios julgadores entenderam que
não houve erro, nem culpa. Todavia, o cirurgião não teve como comprovar caso fortuito
ou força maior, que eram as únicas possibilidade de escapar das garras condenatórias
de uma obrigação de resultado. Não pôde, por certo, explicar o porquê de a bioquímica do me
abolismo lipídico da paciente ter favorecido o aparecimento de um resultado
diferente do esperado e do previsto dentro da técnica corretamente utilizada e, as
sim, graças ao uso completamente inadequado e impróprio de um conceito jurídico
(que já deveria estar superado), pode-se constatar a efetivação de um erro que, com ce
rteza, não foi de médico...
O réu foi condenado "ao pagamento de todas as despesas necessárias aos procedime
ntos reparatórios recomendados pela perícia (inclusive nova cirurgia, se necessária),
com verba de dano estético, aqui identificado como dano moral, de 10 (dez) salários-
mínimos, tendo em vista a localização da lesão estética".
<172>
Caracterização: Resultado diverso do esperado. Culpa não configurada. Conceituação jurí
ica errônea.
2.7 CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO E NÃO DE MEIOS.
O médico que se propõe a realizar melhoria estética da paciente, mediante cirurgia
plástica do abdômen, se obriga a produzir resultado favorável à contratante
e não danos. Desvantagem estética e cicatriz hipertrófica, serosidade e hematoma resul
tantes da cirurgia, no caso, devem ter indenização devida. Verba de correção
de cicatriz hipertrófica remanescente e não para outra cirurgia. Improvimento de amb
os os recursos.
Aqui, outro caso onde, com facilidade, pode-se concluir pelas injustiças que a
dvêm do uso da obrigação de resultado em área onde grassa o fator álea: paciente
obesa (43 anos e 88 quilos), abdômen em avental, com dobras sobre o monte de Vênus e
mais hérnia umbilical, se submeteu a cirurgia de abdominoplastia.
Devido, provavelmente, à serosidade do meio, ocorreu hematoma e abcesso na cic
atriz, deixando-a com "aparência feia após a cirurgia".
Tanto o laudo do perito, quanto o do assistente da autora, são unânimes em afirm
ar que tal não se deu por negligência ou imprudência daquela, nos cuidados pós-operatórios
,
bem como, não foi evidenciada prova de erro médico. (Entendemos ser de bom alvitre l
embrar que a medicina não tem explicação, ainda, para os quelóides, ou cicatrizes
hipertróficas, sabendo-se apenas que têm relação com a carga genética das pessoas de cor n
egra e seus descendentes: mulatos, morenos, etc.).
<173>
Todavia, o fato de ter sido a intervenção efetuada por cirurgião plástico e entender
em os julgadores estar ela inserida na área da estética - portanto da obrigação
de resultado -, foi o bastante para que o médico fosse condenado a ressarcir a res
secção cirúrgica para correção da cicatriz hipertrófica remanescente (o que, diga-se
de passagem, é o mínimo, se comparado a todos os dissabores e prejuízos financeiros e
morais que vêm atrelados a um processo judicial).
A tal ponto chega a injustiça de classificar como obrigação de resultado searas da
área médica, que favorece situações nas quais o médico passa a ser considerado
culpado por um resultado que só se deveu ao DNA da paciente. Não houve deformidade,
não houve interferência na sua vida laborativa, pelo contrário: ela deve ter
se sentido muito melhor depois de livrar-se de uma tal carga adiposa; todavia, u
m médico foi processado porque uma cicatriz se formou de maneira irregular, sem qu
e
ninguém concluísse - nem da parte contrária - que o médico tivesse exercitado sua arte c
om imperícia, imprudência ou negligência. Quer dizer: não houve culpa, não
houve erro, contudo, uma vez mais, por conta de um conceito errado, alguém foi con
siderado culpado...
Caracterização: Culpa não configurada. Processo de cicatrização comprometido. Condenaçã
dvinda de uso errôneo e inadequado de conceito jurídico.
<174>
2.8 RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO.
A cirurgia plástica, com fins exclusiva e preponderantemente estéticos, é cirurgia
embelezadora e, por isso, a obrigação não é de meio e sim de resultado. ONUS
PROBANDI. Na hipótese de o resultado ser negativo e oposto ao que foi convencionad
o, presume-se a culpa profissional do cirurgião, até que ele prove sua não-culpa
ou qualquer outra causa exonerativa. TABAGISMO PÓS-OPERATÓRIO. Inobstante o fumar no
período pós-operatório possa provocar os danos ocorridos, há necessidade do
Réu provar que a cliente fumou, embora a contra-indicação médica. Prova insuficiente. Re
sponsabilidade civil reconhecida. Apelação provida.
O presente caso trata de paciente que se submeteu a duas cirurgias considera
das como estéticas: mamoplastia e retirada de cicatriz no abdômen, proveniente de
intervenção anterior, com posterior abdominoplastia.
A primeira teve resultados satisfatórios, todavia, a segunda, não. A paciente ap
resentou formação de sero-hematomas, do que advém, como conseqüência óbvia, um
comprometimento no processo de cicatrização.
O cirurgião, em sua defesa, disse ter se servido de toda a técnica correta, entr
etanto, apontou "indisciplina e rebeldia da autora no cumprimento das prescrições
médicas, bem como pelo fato de ter-se a paciente negado a fazer enxerto de pele na
região afetada". Anotou ele, também, por ocasião da feitura de seu prontuário,
à época do internamento daquela, que "insistia em manter-se em posição incorreta no leit
o".
<175>
A paciente, por sua vez, apontou como fonte de seus dissabores a imperícia, im
prudência e negligência do Réu e o nexo de causalidade entre os danos sofridos
e a atividade profissional daquele, dando origem a um "trauma físico-estético-visual
, por conta do qual pleiteou reparação de danos estéticos e morais, o ressarcimento
de despesas necessárias à recomposição do dano causado ou o equivalente indenizável".
O Juiz a quo desacolheu as preliminares e julgou improcedente a ação. Na apelação, d
entro da óptica da obrigação de resultado, os julgadores entenderam que em
sendo "o resultado final diverso do pretendido pela paciente, o médico é presumivelm
ente culpado, até que demonstre a sua não-culpa ou a ocorrência de culpa exclusiva
da vítima, caso fortuito ou força maior".
Houve informação de que a paciente fumou nos dias em que esteve internada, todav
ia, como eram dados advindos de pessoal da equipe do hospital, foram as testemun
has
contraditadas. Havia, também, o dado do prontuário sobre a postura incorreta da paci
ente no leito; o cirurgião, porém, não voltou a alegar tal fato a seu favor,
talvez até por esquecimento, não sendo, então, considerado.
Sabe-se que tanto o fumo, quanto uma postura viciada ou errada, podem interf
erir em um processo cicatricial que poderia ter sido normal, contudo, sob a óptica
da obrigação de resultado estes elementos de natureza subjetiva e de altíssima importânc
ia, perdem o seu valor, diluem-se, simplesmente passam a não existir. É por
tal razão que a doutrina e a jurisprudência francesas, depois da observação de fatos com
o esses, entenderam ser impossível considerar como sendo de resultado uma
prestação obrigacional que se desenrola em uma área infestada pelo fator álea e pelo sub
jetivismo, onde cada organismo responde de maneira diversa frente a uma mesma
técnica e aos mesmos procedimentos.
<176>
O cirurgião foi condenado a devolver à paciente, a metade dos gastos efetuados c
om as intervenções (visto uma delas ter sido exitosa), mais juros, correção monetária,
a contar data do pagamento recebido por aquele, e mais 100 s.m. a título de dano m
oral.
Caracterização: Culpa não comprovada. Cicatrização comprometida. Paciente que não cumpr
u a sua parte. Uso de conceito jurídico inadequado.
2.9 DANO RESULTANTE DE OPERAÇÃO CIRÚRGICA.
A responsabilidade dos médicos não está ligada somente ao êxito da operação, ainda que
e trate de cirurgia estética. Imprudência na realização de cirurgia na
vista, no consultório, com o paciente usando a mesma roupa com que se encontrava n
a rua, muito embora tenha sido realizada assepsia do campo cirúrgico. Nexo causal
admitido pelo uso de fungicida no tratamento e pela forma com que foi realizada
a cirurgia. Cabimento de verba de dano moral, em face da existência de prejuízo estéti
co.
Descabimento da indenização em dobro, em vista da inexistência de aleijão ou deformidade
, achando-se o prejuízo estético ressarcido pela verba de dano moral. Correção
monetária das verbas de indenização, a contar do ajuizamento da ação.
Trata o presente fato de paciente que se submeteu a cirurgia para retirada d
e calázio (pequeno tumor na borda livre das pálpebras) e redução de miopia. Por posterio
r
contaminação por fungos veio a se formar cicatriz antiestética. Como causa, foi aponta
do o fato de que a intervenção teria se desenvolvido em ambiente não considerado
o ideal, ainda que usual para cirurgias de pequeno porte: o próprio consultório médico
, sendo a paciente operada com as roupas que usara na rua.
<177>
Os réus alegaram não haver nexo de causalidade entre o ato médico e a infecção adquiri
da pela paciente; admitiram, contudo, ter havido imperícia, imprudência
e negligência pelas condições em que realizaram a intervenção.
O Juiz a quo condenou os réus, por entender tratar-se de obrigação de resultado.
Diferentemente da maioria dos julgadores, o ilustre relator assim se manifes
tou:
"Analisando a sentença recorrida, verificamos ter o Dr. Juiz admitido a respon
sabilidade pelo resultado, em razão da natureza da cirurgia realizada. Discordamos
nesse ponto do ilustre julgador, pois que tal cirurgia não era somente estética, des
tinando-se também a corrigir um problema visual. Ainda que se tratasse de cirurgia
puramente estética, pensamos ser incabível admitir a responsabilidade somente pelo r
esultado, pois que, em tal situação, se aumenta a responsabilidade do médico,
também, em igual proporção, cresce a do paciente: um por realizar, e o outro por se su
bmeter a uma cirurgia considerada desnecessária". [Sem grifos no original].
É interessante notar que, conforme visto nas decisões anteriores, o que contava
era o resultado, independentemente do procedimento correto do profissional, conf
igurando-se,
ao nosso ver, em injustiça responsabilizá-lo, mesmo sabendo que o nefasto resultado
não adveio por suas mãos. É a esse tipo de julgamento que acaba por levar o conceito
de obrigação de resultado, quando usado inadequadamente e em searas onde ele não se en
caixa.
<178>
Quando, porém, se atenta para o fato que o melhor resultado não depende só do médico
, é possível chegar a uma conclusão mais justa e mais coerente, como no exemplo
acima. Por tal razão grifamos o parecer e o repetimos uma vez mais: é incabível admiti
r a responsabilidade somente pelo resultado!
Os médicos envolvidos foram considerados culpados, não por se tratar de uma obri
gação de resultado, mas por desenvolverem o exercício de seu mister em condições
não consideradas as ideais, dando azo a que se instalasse uma infecção no pós-operatório (
que pode até não ter sido adquirida na própria Clínica, todavia, condições
para tanto havia). Ressarcimento por lucros cessantes, mais dano moral (não mencio
nada a quantia).
Caracterização: Culpa: imprudência. Falta de condições ideais para realização de ato mé
negligência.
2.10 INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. CULPA GRAVE. HONORÁRIOS PROFISSIONAIS. DANO ESTÉTICO E
MORAL.
Em se tratando de pedido de indenização por cirurgia plástica mal sucedida, provad
a a culpa, fica o profissional obrigado a restituir ao paciente os honorários,
bem como a reparar os danos decorrentes do erro médico. Se em ação de indenização houve pe
dido de reparação pecuniária por danos morais e estéticos decorrentes de
defeitos da cirurgia e outro para pagamento das despesas com futura cirurgia cor
retiva, atendido este, inadmissível será o deferimento do primeiro.
<179>
Paciente se submeteu a cirurgia plástica abdominal, sendo a mesma mal sucedida
. Os réus, médico e hospital, sustentaram que o insucesso se deu não por sua culpa,
mas "devido à formação de quelóides, formação esta que não pode ser atribuída ao médico, já
nde de fatores individuais da paciente em relação à capacidade
cicatricial e à negligência da mesma no período pós-operatório".
O perito indicado, cirurgião plástico conceituado, destronando o generalizado co
nsenso do esprit de corps foi taxativo e conclusivo ao afirmar que "não houve
formação de quelóide em nenhuma das cicatrizes cirúrgicas apresentadas pela paciente e q
ue o insucesso da cirurgia se deveu à imperícia do cirurgião, ao adotar técnicas
cirúrgicas inadequadas e bastante ultrapassadas".
Errou o médico quando adentrou área que não era sua, pois não era portador de certif
icado que o habilitasse a trabalhar em cirurgia plástica, especialidade que
demanda longo curso de pós-graduação, sem o que não estará o profissional habilitado a exe
rcê-la. Nítido caso de imperícia: exercício daquilo para o qual não está
habilitado. Serviu-se de técnica inadequada e ultrapassada, segundo o perito, razão
do resultado negativo.
Entenderam os julgadores, com coerência, que deveria o médico ressarcir sua paci
ente do montante necessário para corrigir o erro, todavia, sem incidir em bis
in idem, o que se caracterizaria se, além de devolver o recebido, ainda tivesse de
pagar pela cirurgia futura. In verbis: "Realmente, tendo em vista a natureza do
s
danos produzidos pela cirurgia plástica mal sucedida, seria bis in idem inaceitável
a condenação dos apelados ao pagamento das indenizações referentes às despesas
feitas e às destinadas à correção dos defeitos estéticos decorrentes da cirurgia e mais ou
tra pelos danos estéticos produzidos. Se tais danos não pudessem ser corrigidos
através de outra cirurgia, cabível seria a indenização autônoma pleiteada. Não porém, quand
eliminação de tais defeitos é possível e se pleiteia indenização para
que tal se efetive".
<180>
O julgador vai mais longe e entende que o próprio dano moral pedido (e negado)
estaria reparado de forma eficaz quando da realização da nova cirurgia corretiva:
"Assim, a condenação dos réus ao pagamento das despesas relativas a futura cirurgia pa
ra a correção de tais defeitos destina-se obviamente à reparação dos danos
morais dela resultantes".
Embasou tal decisão em tese de Caetano José da Fonseca, Juiz do 1o TARJ, aprovad
a no VI Encontro dos Tribunais de Alçada, sobre a "Indenização autônoma do dano
moral", na qual lê-se: "Em alguns casos, a própria reparação do dano moral pode se dar d
e forma eficaz. Assim, quando ele se faz em natureza, como, p. ex., quando
alguém se vê obrigado a publicamente se retratar de calúnia feita a outrem, ou mesmo p
ecuniariamente, quando se condena alguém a pagar, p. ex., cirurgia plástica
que afastará o aleijão por ele causado no ofendido".
Caracterização: Culpa por imperícia clara e comprovada. Adentramento indevido em áre
a de especialidade que não a sua.
2.11 DANO ORIUNDO DE CIRURGIA PLÁSTICA.
Atribuído a uma possível alergia pelo material empregado nos pontos cirúrgicos. Re
sponsabilidade do cirurgião, que se limita ao emprego de meios comprovadamente
inadequados para o tratamento da infecção, e, não se utiliza de outros, deixando que o
mal se agrave de forma a produzir dano estético. Cabimento da cumulação do
dano moral pelo comprometimento da estética, com a indenização para reembolso das desp
esas com operação realizada com outro médico.
<181>
Paciente se submeteu a cirurgia de mamoplastia, em razão do volume avantajado
de suas mamas, o que além de anti-estético lhe causava problemas na coluna vertebral
.
Na fase de convalescença apareceram gânglios com pontas purulentas nas axilas; quatr
o meses após, a paciente apresentou fístulas purulentas ao longo da cicatriz.
Conquanto o quadro fosse grave, o médico se limitou a receitar Rifocina spray, mas
sagem local e transfusão de sangue, dizendo tratar-se de alergia ao fio empregado
na sutura. Após seis meses, como a situação não se modificasse, foi procurado outro prof
issional que prescreveu antibióticos e anti-inflamatórios, efetuando, após,
nova cirurgia.
Entenderam os julgadores que o primeiro cirurgião foi omisso quanto aos cuidad
os que deveria ter tomado frente a não-resposta do organismo da paciente à conduta
empregada.
Mantido o dever de ressarcimento no valor corrigido do correspondente à cirurg
ia realizada, bem assim a verba destinada ao dano moral pelo prejuízo estético
verificado.
Caracterização: Culpa comprovada: negligência. Erro de conduta.
2.12 INDENIZAÇÃO. DANOS FÍSICOS E MORAIS DECORRENTES DE CIRURGIA PLÁSTICA DE CARÁTER E
STÉTICO MAL SUCEDIDA.
Responsabilidade contratual e aquiliana que no caso se completam. Mesmo que
se admita que a cirurgia plástica embelezadora é contrato de meio e não de resultado,
a imperfeita execução da avença dá margem à reparação do dano. Responsabilidade solidária d
ca onde o médico ocupava cargo de relevo na especialidade. Verba
de dano moral que no caso se justifica cumulativamente com a indenização pelos danos
materiais, pela ofensa à sensibilidade da mulher deformada pela cirurgia imperfei
tamente
executada.
<182>
Paciente se submeteu a mamoplastia e abdominoplastia. O pós-operatório teria se
dado de maneira anormal, ocorrendo infecção e lipólise (perda de gordura) o que
comprometeu todo o processo de cicatrização.
Reconhecem os julgadores ser "lógico que o resultado de processos infecciosos
em cirurgias estéticas sejam sempre desastrosos, pois causam perda de volumes desi
guais,
cicatrizes viciosas e, principalmente, exacerbam frustrações pessoais da vida, cujo
resultado da operação pensam também resolver".
Todavia, um dado oferecido pela perícia veio afastar toda e qualquer possibili
dade de não-culpa do cirurgião: teria havido retirada em excesso e desigual de
tecido mamário, do que resultou deformidade em ambas as mamas. A partir daí concluíram
que "não foi só a superveniência do processo infeccioso que causou todos os
problemas, foi também a imperfeição na execução da cirurgia propriamente dita, tendo o cir
urgião, de maneira imperita, retirado de forma irregular mais tecido do
que a boa técnica recomendava. [...] E o profissional que erra, mesmo querendo ace
rtar, tem o dever jurídico de reparar o erro".
O presente acórdão tem, para nós, um valor muito especial pois, que, datado de 199
0, já traz no seu corpo a expressão daquilo que consideramos ser o correto,
o justo, o adequado na caracterização da prestação obrigacional do cirurgião plástico estét
: é a coerência de responsabilizar o profissional porque ele errou
- como ocorreu no presente caso -, e não apenas porque a sua área de trabalho estari
a inserida numa obrigação de resultado. Desta última postura, decorre tão-somente
uma incoerência brutal, qual seja, a de responsabilizá-lo quando o resultado não queri
do advém por uma resposta adversa do organismo do paciente. Quando isso acontece,
mesmo não tendo culpa alguma, acaba por ser responsabilizado, só porque a sua área está
enquadrada dentro de uma obrigação de resultado, e sabe-se muito bem que
esta não dá margem a racionalismos.
<183>
Quando se estuda a obra de Max WEBER, o brilhante filósofo alemão, percebe-se qu
e ele dedicou boa parte de sua vida ao estudo do racionalismo e, em especial,
do racionalismo formal e material do direito, razão pela qual costumava externar s
ua preocupação sobre certos formalismos, que de tão exacerbados acabam por não
atingir a sua finalidade.
Quando discordamos de maneira tão veemente do uso do conceito de obrigação de resu
ltado para caracterizar searas tais quais a cirurgia plástica estética e a
anestesiologia, é por pressentir que uma tal situação se enquadra naquilo que WEBER te
mia e cujas palavras, malfadadamente, se tornaram proféticas: "O direito racional
formal às vezes se autonomiza de tal maneira e acaba por ficar tão longe daquele que
se dispõe a atingir, que se transforma quase numa irracionalidade".
Não é possível que se permita que o formalismo vá tão longe a ponto de interferir naqu
ilo que é mais importante: alcançar e exercitar a justiça.
O eminente relator Des. Carpena Amorin foi de uma coerência elogiosa quando as
sim se expressou: "Não nos parece, data venia, que se possa classificar uma cirurg
ia
e, nesse plano as cirurgias plásticas se equiparam, às de qualquer outra espécie, de o
brigação e resultado, porque, como se sabe, quando se trata de mexer com a
fisiologia humana, além da técnica empregada pelo médico, havida no conhecimento científ
ico, há sempre um outro componente que o homem, frágil e impotente diante
do desconhecido, chama de imprevisível.
<184>
Então ninguém pode se obrigar pela realização plena de uma tarefa que, em parte, ou
até em grande parte, está fora dos seus limites de atuação e deliberação.
Nenhum médico seria capaz de afirmar que uma cirurgia tem 100% de possibilidad
e de êxito e 0% de insucesso.
O que se pode dizer é que a prática demonstra que determinada cirurgia, à luz dos
conhecimentos científicos vigentes, tem grandes possibilidades de êxito, mas
muitas vezes uma pessoa morre na mesa de operação em virtude de uma cirurgia aparent
emente insignificante.
Sintetizando: não há cirurgia sem risco".
Foi mantido em parte o decisum, com o reparo referente a um bis in idem repr
esentado pela reparação total dos danos advindos da má execução da cirurgia, mais
a devolução da quantia paga pelos serviços anteriormente prestados.
Caracterização: Culpa configurada por imperícia comprovada, e não por se conceituar
como obrigação de resultado.
2.13 CIRURGIA PLÁSTICA.
Se não houve culpa do médico, que observou as técnicas adequadas ao tipo de operação,
o resultado, que contrariou a paciente, não engendra responsabilidade para
respaldar o pleito indenizatório.
<185>
O corpo do acórdão não relata com detalhes do que trata o presente caso; todavia f
ala de culpa in vigilando e resultado não exitoso de cirurgia plástica.
De interessante a se notar é a resposta dada a um dos peritos que sugeria ser
a obrigação do cirurgião plástico estético, uma obrigação de resultado. Senão veja-se:
"A posição do Dr. Perito, admitindo que da cirurgia plástica nasce uma obrigação para o méd
co de obter resultado favorável, só teria força se constasse de contrato.
Ao demais, seria leviandade assegurar o êxito de tal cirurgia, quando se sabe que
concorrem uma série de fatores psíquico-somáticos, influentes tanto no quadro anterior
,
como no posterior à operação cirúrgica".
E, daí, concluem os julgadores: "O perito do Juízo não indicou, em nenhum ponto de
seu laudo, que o cirurgião plástico tenha agido culposamente ou tenha cometido
erro técnico, muito ao contrário, afirma que a cirurgia foi bem executada. Assim se
o médico não praticou erro técnico e em nenhum momento agiu com culpa, o corolário
inevitável é o insucesso do pleito indenizatório".
Do texto extraímos duas possibilidades de análise: não há aqui, uma vez mais, o fala
r-se em esprit de corps, pois, se um laudo foi favorável, o outro foi contrário
ao colega de profissão. E, ainda, para aqueles que afirmam com certeza episcopal q
ue "a doutrina e a jurisprudência são unânimes em apontar como sendo de resultado
a obrigação do cirurgião plástico estético", sugerimos uma pesquisa mais aprofundada na se
ara jurisprudencial, para conferir de perto o seu equívoco.
Caracterização: Resultado adverso. Culpa médica não comprovada.
2.14 CIRURGIA PLÁSTICA REJUVENESCEDORA. OBRIGAÇÃO MISTA, DE MEIOS E DE RESULTADO.
Responsabilidade do médico pelas despesas decorrentes do insucesso da operação e r
eparação do dano porventura causado à paciente, de natureza estética.
<186>
A paciente procurou cirurgião plástico para efetuar cirurgia embelezadora para r
etirada de rugas faciais (ritidoplastia). Dessa intervenção resultou lesão do
nervo facial, de natureza permanente, com discreta assimetria facial ao nível do láb
io superior.
O perito informou que tal lesão não se deu por imperícia, associada à negligência ou i
mprudência do cirurgião, mas por ser um previsível acidente cirúrgico,
o que, por óbvio, não convenceu o Juízo a quo, nem os julgadores superiores. Assim se
expressaram estes: "Ora, se o acidente cirúrgico que importou na lesão facial
da autora era previsível, como afirma o perito, e a cirurgia não era necessária - como
seria se fosse reparadora -, cumpria ao cirurgião advertir previamente a paciente
da eventual ocorrência desse acidente e colher dela, também previamente, a isenção de su
a responsabilidade. Isso não foi feito, de sorte que irrelevante é a pesquisa
da culpa do réu na causação do evento danoso".
O cirurgião foi condenado ao reembolso das despesas médicas efetuadas pela pacie
nte, mais dano moral, resultante do prejuízo estético advindo.
Caracterização: Culpa por imperícia no ato médico. Falta de dar maiores informações à p
ente: negligência.
2.15 AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA REPARADORA.
Resultado considerado bom, tendo-se presente que a autora apresentava mamas
gigantes, de tamanhos diferentes, abdômen em avental e desnível dos mamilos. Improce
dência
do pedido.
<187>
Os julgadores da estância superior entenderam que a sentença de 1º grau não havia le
vado em consideração o "laudo pericial que foi claro ao informar: primeiro,
que toda incisão cirúrgica deixa forçosamente cicatriz; segundo, que a cirurgia a que
a Autora se submeteu não foi estética, mas, sim, reparadora, e objetivou a
reduzir o grande volume mamário que apresentava; terceiro, que a cirurgia, na verd
ade, trouxe à Autora grandes benefícios; quarto, que o resultado cirúrgico foi
bom, não tendo decorrido dano estético; quinto, que a diferença de tamanho das mamas,
que é discreta, a Autora já a apresentava antes da cirurgia".
Queixou-se a paciente, também, do desnível de seus mamilos, todavia, como ela já o
possuía anteriormente à cirurgia, e não sendo esta considerada estética, entenderam
os julgadores (não por maioria) que não cabia tal correção, quando da execução daquela.
Por tais razões, não foi caracterizada qualquer responsabilidade do cirurgião, sen
do considerado improcedente o pedido.
Em voto vencido, o desembargador Semy Glanz arrazoou que por se tratar de ci
rurgia reparadora não justificava o fato de resultar seqüelas danosas para a autora,
entendendo que ela deveria ter sido avisada da possibilidade de tais seqüelas. Ind
aga ele: "Afinal, que reparação é esta que deixa a paciente com terríveis danos?"
Caracterização: Culpa não configurada. Resultado bom, mas não o ideal, relacionado às
condições da paciente.
<188>
2.16 RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO, CIRURGIA REPARADORA DE MAMAS.
Tanto faz tratar-se de obrigação de meio ou obrigação de resultado; se as mamas da p
aciente continuam precisando de reparos é porque foram mal reparadas. Daí
responder o cirurgião por perdas e danos, diante de sua responsabilidade contratua
l, embora limitada (CC., art. 1.056). [Grifos no original].
Paciente com gigantomastia (volume excessivo das mamas) procurou cirurgião plást
ico para corrigir o seu problema. Após a cirurgia, apresentou diferença de tamanho
entre a mama direita e a esquerda.
Independentemente de ser considerada a obrigação do cirurgião como sendo de meio o
u de resultado, entenderam os julgadores que o fato de os seios da paciente
- após a intervenção - ainda estarem a precisar de nova cirurgia, é porque foram mal rep
arados na primeira. Daí julgar-se que ele agiu com imperícia no seu mister.
"Tanto faz examinar-se ela sob o ângulo da obrigação de meio (onde se exige a prova da
negligência, imperícia ou imprudência), como sob a obrigação de resultado
(onde basta o insucesso), a responsabilidade do cirurgião-apelante explode aos olh
os. Mesmo porque, é sabido que a responsabilidade de tais profissionais é contratual
,
ainda que limitada. O médico não se obriga a curar o doente. Porém, se se obrigou a re
parar seios, há de deixá-los reparados. Se deixou-os precisando de reparos,
é inescondível sua culpa (CC, art. 1.056). Daí a obrigação de responder por perdas e danos
, bem fixadas na sentença, pois que o quantum não foi impugnado na apelação".
Caracterização: Culpa comprovada pelo resultado: imperícia.
<189>
3. CÓDIGO DO CONSUMIDOR (2)
Conforme informado em capítulo específico, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/90) prevê a responsabilidade objetiva para as entidades hospitalares,
que dela só se isentam quando constatada a culpa do consumidor/paciente ou de terc
eiro (art. 14, § 3º).
Quanto ao médico, como aos demais profissionais liberais, é mantida a responsabi
lização subjetiva, ou seja, assente na culpa, devendo esta ser comprovada pelo
queixoso (art. 14, § 4º). Abre, contudo, o referido código, a possibilidade da inversão
do ônus da prova em duas circunstâncias: quando for verossímil a alegação
ou quando o autor for hipossuficiente. Ambas as possibilidades, porém, ficam a cri
tério do Magistrado (art. 6º, VIII).
3.1 INDENIZAÇÃO. TRATAMENTO MÉDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
Não cabe ao paciente demonstrar ausência de qualidade do atendimento. Ao hospita
l e ao médico cabe a demonstração de que os procedimentos adotados foram corretos,
e que o resultado, mesmo assim, não pôde ser evitado.
Trata o presente caso de funcionário que, ao operar máquina de "frezza", cortou
fora a unha do dedo polegar esquerdo. Por tratamento, considerado deficiente,
o autor teve que ser hospitalizado por dois períodos, culminando com a amputação da me
tade do dedo (à altura do quirodáctilo). Ajuizou ação pedindo indenização por
dano patrimonial - já que teve sua capacidade laborativa diminuída - dano estético e s
ofrimento.
<190>
A ação foi julgada procedente, condenados os réus (médico e hospital) a pagarem - a
título de danos emergentes - o correspondente a 40% do que percebia o operário,
mensalmente, até completar 65 anos. Por dano moral, 80 s.m.
Foi feita referência acerca da possível cumulação de ganhos, por conta da qual o cor
po do acórdão reforçou o ensinamento de ser "pacífica a jurisprudência no
entendimento de que a indenização previdenciária decorrente do acidente de trabalho te
m natureza distinta daquela que é devida em função da culpa do agente causador
do dano".
Entenderam, ainda, os julgadores tratar-se de "uma relação de consumo, pois evid
ente ser o autor um usuário do serviço médico e os réus, prestadores de tal serviço",
razão pela qual acataram a inversão do ônus da prova. Mais ainda: o autor era hipossuf
iciente, ou seja, "encontrava-se em relação de inferioridade em relação ao
médico e ao hospital para discutir a qualidade do atendimento prestado".
No entender dos doutos, o autor tivera um acidente de pequenas proporções, pois
apenas lhe fora cortada a unha do polegar esquerdo, todavia, ao buscar atendimen
to
médico-hospitalar gerou-se um foco infeccioso que culminou com a amputação de toda a e
xtremidade do dedo.
"Não competia ao autor demonstrar que o atendimento não foi o adequado, mas ao méd
ico e ao hospital a demonstração de que agiram fazendo uso da melhor técnica
e medicação". E isso, deveria ter sido comprovado pelo trabalho de um perito, todavi
a não houve prova pericial e o acostamento tardio de literatura médica em nada
comprovou terem os profissionais e a entidade hospitalar se conduzido corretamen
te.
<191>
"Talvez tenham feito tudo corretamente, mas não fizeram demonstração disto".
Em conclusão: foi mantida em parte a sentença de primeiro grau, modificando-se,
apenas, o valor da indenização referente aos danos emergentes, que de 40% passou
para 9%, por ser esta a quantia fixada em seguros privados contratuais pela perd
a de parte do dedo polegar da mão esquerda. Além do que, o autor já estava a receber
auxílio-acidente em 40% sobre o salário percebido à época e, a serem mantidos os percent
uais originais, configuraria recebimento de quase o salário integral, "o
que não estaria dentro do razoável, pois se é verdade que perdeu a extremidade do dedo
, não é menos verdade que pode exercer outra atividade, bastando simples readaptação".
Caracterização: Ignorada a responsabilidade subjetiva do médico. Inversão do ônus da p
rova por ser o paciente considerado hipossuficiente. Culpa: imperícia (?).
3.2 INDENIZAÇÃO. DANOS CAUSADOS PELO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO LIBERAL. MÁ PRESTAÇÃO DE SE
S MÉDICOS. PROVA DE CULPA NECESSÁRIA.
A responsabilização objetiva pelo exercício de profissão liberal para reparação dos dan
s causados aos consumidores por, na linguagem legal "defeitos relativos
à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua f
uição e riscos" (Lei nº 8.078/90, art. 14, caput), de nenhuma forma pode
afastar-se das normas gerais processuais atinentes ao ônus da prova, pena de refle
tir-se o tema em detrimento dos próprios usuários dos serviços dos profissionais
liberais, com a natural retratação dos mesmos no atendimento de casos complexos, suj
eitos a maiores riscos, e atendimentos variados por parte dos especialistas.
<192>
Conveniado de serviços médicos necessitou atendimento, visto apresentar problema
s urológicos. Após sucessivas consultas por profissionais do quadro hospitalar,
teve agravamento de seu estado, sendo internado no pronto-socorro. Dois dias após
seu internamento, e sem que ocorresse sua recuperação, recebeu alta hospitalar.
Ao chegar em casa agravou-se sua patologia e, já em estado de pré-coma, foi internad
o por seus familiares em outro nosocômio.
Esses procedimentos geraram gastos de alta monta, dos quais o autor demandou
ressarcimento, mais dano moral, via ação ordinária de reparação.
Contestada a ação, foi determinada perícia e ordenado ao autor que depositasse qua
ntia em garantia dos honorários do profissional perito.
Agravou de instrumento o autor por entender que, "nos termos do art. 14, § 3º, d
o CDC, não tinha o ônus de provar a culpa do réu, e a este, para elidir a presunção,
cabia arcar com o adiantamento das despesas periciais".
Entenderam os julgadores que o caso resolvia-se pelo dispositivo do § 4º do art.
14 do CDC, já que a discussão versava sobre responsabilização por exercício
de profissão liberal, "não podendo de nenhuma forma afastar-se das normas gerais pro
cessuais atinentes ao ônus da prova".
<193>
Não só o paciente ficara internado pelo prazo de 28 dias (portanto, inverossímel a
lgumas de suas informações), como não poderia ser considerado hipossuficiente,
vez que tão logo saiu do pré-coma e do segundo internamento, foi procurar advogado,
assinando todos os documentos de próprio punho, sem necessidade de representante
para qualquer ato. Entenda-se que hipossuficiência pode dizer respeito tanto a est
ado sócio-econômico-financeiro, quanto físico.
Por tais e tantas razões, entenderam os julgadores que os prestadores de serviço
estavam inseridos na responsabilidade subjetiva, devendo o custo da perícia
recair sobre aquele que alegava a culpa profissional. Mais ainda: "De outro lado
, aberra posicionar-se a profissão médica e, de modo geral, as liberais, no campo
do ônus probatório, como de simples consertos de coisas, e quando se desse ao novo t
exto legal (CDC) tal elastério, encaminhar-se-ia a sociedade para o encarecimento
ainda maior dos serviços de liberais, na medida em que levados seus profissionais à
necessidade de contratarem seguro para seu próprio exercício funcional". Negado
provimento ao recurso.
Caracterização: Responsabilidade subjetiva do profissional liberal frente ao CDC
: necessidade de a culpa ficar cabalmente comprovada.
<195>
4. CULPA CONFIGURADA E NÃO-CULPA (20)
O tema em epígrafe já foi fartamente abordado na primeira parte do presente trab
alho, todavia, nunca é demais lembrar que a culpa médica insere-se naquele tipo
cuja comprovação é fundamental, não podendo, portanto, ser presumida. O ônus da prova, via
de regra, fica a cargo de quem acusa, podendo ocorrer a inversão em duas
situações: por força de uma obrigação de resultado ou a critério do Juiz, esta última confo
previsão do Código de Defesa do Consumidor.
4.1 PROCEDIMENTO SUMÁRIO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL.
Autor que ingressou no Hospital Estadual Getúlio Vargas para reimplante da ore
lha esquerda, decepada em acidente no trabalho de microempresa. Alegada culpa da
equipe médica de plantão, ao não ser realizado o viável reimplante. Sentença de improcedênc
a. Justificativas razoáveis da ficha operatória, além de ainda ser exceção,
e não a regra, o sucesso do reimplante. Desprovimento do apelo.
<196>
Paciente que sofreu acidente de trabalho, no qual perdeu a orelha, entendeu
ter havido negligência da equipe médica pela não tentativa de reimplante do órgão
decepado, pedindo ressarcimento por danos material e moral.
Ocorreu, porém, que em culpa não foram encontrados os profissionais, haja vista
que ao chegar até o hospital, o gelo onde havia sido mantida a orelha do paciente
já se encontrava derretido; ainda assim, a mesma foi imediatamente conduzida ao re
frigerador. Ato contínuo, foi o paciente preparado para a intervenção, contudo,
ao adentrar o Centro Cirúrgico (possivelmente por sobrecarga emocional), evacuou,
tendo, com suas fezes, contaminado todo o ambiente. Com a demora requerida pela
necessária imunização foi afastada a possibilidade de tentativa de reimplante, por con
siderarem, os experts, não mais haver as condições mínimas de êxito.
Informou, ainda, o corpo do acórdão que "é do conhecimento comum, na ciência médica at
ual, que um reimplante só deve ser realizado em certas circunstâncias,
sendo provável, a despeito do zelo, habilidade e competência dos cirurgiões incumbidos
de tais cirurgias, ocorrer o insucesso em lugar do êxito, acentuadamente no
caso de orelha, que é cartilagem bem pouco vascularizada".
Não havendo prova em contrário, e ficando o alegante no terreno das meras suposições
, foi negado provimento à apelação.
Caracterização: Culpa não comprovada.
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
Para que surja a obrigação de indenizar, é necessário que fique provado que houve er
ro no tratamento, traduzido na imperícia do médico, que caracterizaria a
culpa. O simples fato de o paciente apresentar seqüelas da cirurgia a que foi subm
etido para o tratamento de fratura do fêmur esquerdo, ou de ter havido infecção
hospitalar, não é suficiente para se proclamar a culpa, desde que a prova dos autos
não a indica. Apelo improvido.
<197>
O autor foi vítima de fratura diafisária do fêmur, necessitando de tratamento cirúrg
ico com implante de "instrumental de Richard" (material para fixação de ossos).
Posteriormente apresentou infecção óssea, que resultou em sucessivas intervenções, tendo c
omo resultado final a consolidação da fratura com a presença de implante
ósseo, encurtamento do referido membro em 0,5 cm, atrofia muscular e marcha claudi
cante. A evolução desfavorável do quadro foi devida ao quadro de osteomielite,
subseqüente a uma das intervenções cirúrgicas.
Ouvidos os ortopedistas que o atenderam foi informado que a infecção evoluíra bem
e que após a fratura consolidada fora retirado o material de fixação. Bem assim,
que quando há uma fratura, há um desvio, e pode ocorrer uma deformidade e, também, que
inexiste cirurgia imune à complicação. Em resumo: a rotatividade da perna
do apelante poderia ter-se originado por inúmeras causas, não sendo possível imputar o
fato a quem quer que fosse.
Ante a cabal falta de provas foi tido como incabível o dever de indenizar.
Caracterização: Culpa não comprovada.
4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA OVARIANA RESULTANDO PERFURADO O INTESTI
NO. AÇÃO PROPOSTA CONTRA HOSPITAL QUE LITISDENUNCIOU O CIRURGIÃO. CULPA PERICIALMENTE
DEMONSTRADA. MÉDICO COORDENADOR DO GRUPO DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA DO HOSPITAL. R
ELAÇÃO DE PREPOSIÇÃO. DIREITO DE REGRESSO.
Responde pelo ressarcimento de dano moral e, quando ocorre, como no caso con
creto, pelo dano estético indenizável autonomamente, o hospital onde é realizada
cirurgia ovariana da qual resulta perfuração do intestino, por culpa pericialmente d
emonstrada do cirurgião que, em decorrência de sua relação de subordinação ao
hospital, ainda que sem vínculo empregatício, está sujeito a reembolsar regressivament
e.
<198>
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a cirurgia para extração de um
cisto no ovário, do que resultou perfuração no intestino com posterior peritonite
fecal difusa e necessidade de nova cirurgia (ooforectomia). O hospital foi acion
ado para responsabilização, tendo litisdenunciado o cirurgião que atuou na operação.
A lesão ocorrida não guarda concurso algum da paciente, já que adveio por conta de
perfuração em uma das alças intestinais, não tendo, também, relação com a
retirada do cisto ovariano, fatos que, somados, levam à conclusão de ocorrência de err
o médico.
Entenderam os julgadores que "provada a culpa do preposto, exsurge a do prep
onente. A responsabilidade civil objetiva do hospital, com base no art. 14 do CD
C,
como prestadores de serviço, inclui o dever de incolumidade, na medida em que tem
de resguardar o paciente de quaisquer conseqüências que um bom serviço poderia
evitar. Assim, se a perícia realizada concluiu que o cirurgião atuou com culpa, e se
o referido profissional estava subordinado à direção do hospital, este, sem
dúvida, está obrigado a ressarcir os prejuízos do paciente".
<199>
Considerada procedente a ação contra o hospital, este litisdenunciou o cirurgião,
sobre o que assim se pronunciaram os julgadores: "Não obstante haja jurisprudência
direcionada no sentido de que o direito de regresso do patrão esteja restrito aos
casos de culpa grave ou dolo de seu empregado, no caso dos autos não havia, pelo
menos não restou demonstrado, vínculo empregatício formal, mas o médico atuava como prep
osto. O melhor entendimento do tema é aquele em que o art. 462, § 1º, da
CLT - que veda descontos no salário do empregado, e importância correspondente à inden
ização por danos, quando não decorra por dolo, ou isso não for convencionado
- não exclui, entretanto, a responsabilidade por danos causados culposamente".
Destarte, o listisdenunciado (cirurgião) foi condenado a reembolsar ao litisde
nunciante (hospital) o valor que este fora condenado a pagar à Autora, acrescido,
ainda, dos ônus sucumbenciais.
De uma maneira não usual, os julgadores pronunciaram-se no sentido de determin
ar uma verba para dano estético (50 s.m.), aumentando a de dano moral já existente
(200 s.m.). Via de regra, o entendimento majoritário é que o dano estético se subsume
no dano moral. Todavia, entenderam eles que a cicatriz apresentada pela paciente
,
inserida no dano estético - e de pequena monta -, pela justa medida das coisas, de
veria estar separada do sofrimento - este, grande - representado pela colostomia
.
Caracterização: Culpa do profissional por imperícia comprovada. Hospital: direito
de ação de regresso.
4.4 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO.
Não comprovado o erro, descabida a indenização. Apelo improvido.
<200>
Menino com 9 anos de idade fraturou o braço direito quando brincava no pátio de
sua escola. Conduzido ao hospital, sofreu procedimento cirúrgico com posterior
engessamento do membro lesado.
Nas horas subseqüentes foi acometido de fortes dores que, levadas ao conhecime
nto do médico, informou estarem os sintomas dentro da normalidade do quadro aprese
ntado.
Passados três dias, e com o agravamento da dor, foi constatado, em outro hospital,
que havia se formado uma necrose nos tecidos atingidos, do que derivou uma defo
rmidade
permanente no braço do paciente (Contratura Isquêmica de Volkmann).
Foi movida uma ação contra o médico, na qual era pedida "indenização por todos os dano
s sofridos, abrangendo dano moral, estético e patrimonial, indicando despesas
com tratamento fisioterápico e nova cirurgia, mais as despesas pela perda da capac
idade laboral equivalente a um salário-mínimo por mês, mais o que corresponderia
à ascensão profissional que conseguiria não fosse sua invalidez permanente".
Pelo levantamento dos fatos, baseados em prontuários e perícia médica, ficou evide
nciado que o paciente permanecera hospitalizado para repouso e controle de
eventuais complicações, não obedecendo à determinação de permanecer deitado. Não tendo sido
nstatada nenhuma anormalidade, o paciente foi liberado e apenas por
ocasião da terceira visita ao médico é que este constatou a isquemia de Volkmann. "Nes
se momento, operou o autor para remoção de tecidos necrosados e para evitar
uma gangrena, não havendo como evitar a paralisia do cotovelo, já instalada".
A ação foi julgada improcedente por não ter restado comprovada a culpa do médico.
Subindo os autos, os julgadores - com base em literatura médica, prontuários e l
audo ortopédico - entenderam que não houve a necessária comprovação de ter agido
o médico com culpa, bem assim, do nexo causal entre o dano e o ato do profissional
. "O autor não conseguiu provar a culpa do réu, pelo contrário, a prova testemunhal
produzida dá conta de que o autor não respeitou as recomendações de manter o braço elevado
e repouso. Nesse ponto, está claro, deve ter influenciado o comportamento
do autor, impedindo a compreensão das recomendações, a deficiência mental detectada pelo
laudo psiquiátrico que concluiu possuir ele patologia mental diagnosticada
como retardo mental moderado, tanto que ao contrário do dito na inicial, não era um
aluno bem sucedido, tendo concluído apenas a segunda série primária, isto aos
dezesseis anos de idade".
<201>
Por tais razões foi negado provimento, por unanimidade, ao recurso.
Caracterização: Culpa não comprovada. Culpa parcial do paciente que não fez a sua pa
rte.
4.5 RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO E HOSPITAL. Ausente a prova do agir culposo
do médico na realização de parto cesáreo, e do facultativo e da instituição hospitalar,
no quadro infeccioso surgido em momento posterior à alta da paciente, inexiste com
o responsabilizá-los civilmente. Apelo desprovido.
Paciente em final de gestação procurou auxílio médico em razão de mal-estar, e não por
rabalho de parto. O médico, mesmo assim, determinou instalação de soro
indutor, liberando-a, após, e marcando o parto para o dia seguinte. Julgou a partu
riente que, em assim agindo, demonstrou o profissional falta de convicção e, ao
acelerar o nascimento do filho, submetendo-a à cesariana, deixou-a exposta à infecção. T
endo dado à luz, já, a cinco filhos, entendeu que a sexta gestação poderia
ser levada a termo, via parto normal.
<202>
Com base no longo e detalhado relatório da médica perita, alguns pontos críticos f
icaram esclarecidos, tais como: o fato de ter dado à luz tantas vezes por parto
normal não impedia que um outro fosse por via cirúrgica, especialmente quando se tra
tava de feto com duas circulares de cordão (como era o caso), e que "pode ocasiona
r
retardo do início dos trabalhos de parto, como a suspensão do feto que, por isso, não
estimula o colo na sua dilatação".
"Efetivamente, não é fato rotineiro a efetivação de cesárea na 38ª semana gestacional q
ando inexistem contrações. Porém, ante certos casos clínicos, tal providência
é recomendável, mesmo não existindo contrações, como forma de preservar a vida do feto e d
a própria gestante".
Prova disso é que o bebê nasceu bem, com 50 cm de altura e 3.500 g de peso (não se
ndo a mãe diabética, o que poderia justificar uma criança tão grande em gestação
ainda não a termo).
No período subseqüente ao parto cesáreo, entretanto, a paciente começou a apresentar
febre, vômito e sensação de fraqueza. Consultada, foi tido seu quadro como
natural e conseqüente à queda imunológica pós-parto. Vinte dias depois - ainda com dores
e febril -, foi submetida a uma cirurgia (laparotomia) para drenagem de
abcesso intraperitonial. Ficou comprovado que a infecção se dera após a saída da pacient
e do nosocômio. As fotografias acostadas à inicial, ainda que pudessem sugerir
dano estético, foram tiradas logo após o evento infeccioso, ou seja, quando nenhuma
cicatriz pode apresentar bom aspecto, não devendo por isso ser o médico responsabili
zado.
Ainda a perita:
"As cicatrizes no ventre da paciente não apresentam mais características hipertróf
icas ou sequer quelóideanas, tendo aspecto comum a um pós-operatório, presentes
os atos cirúrgicos que esta foi passiva".
<203>
Destarte, a sentença do Juízo a quo foi mantida na íntegra, já que negada, por unani
midade, a apelação. Entenderam os julgadores que "na verdade, não há prova
nenhuma das alegações realizadas na inicial: ao contrário, as impressionantes fotos qu
e acompanham aquela peça, se não estão desmentidas pela situação atual, pela
mesma via, é porque a autora não se submeteu a uma nova sessão de fotos. Mas a perita
que a examinou revela que não há nenhuma cicatriz mais expressiva".
Caracterização: Culpa não comprovada. Evolução natural de um estado mórbido.
4.6 ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. NECESSIDADE DE PROVAR A CULPA.
O médico (salvo na cirurgia plástica estética) não está vinculado a uma obrigação de re
tado, mas a uma obrigação de meio, no sentido de que lhe cumpre envidar
seus melhores esforços, dentro da técnica conhecida, para obter o resultado almejado
, que, lamentavelmente, nem sempre pode ser atingido, em virtude das limitações
inerentes ao atual estágio do conhecimento científico. Inexistindo prova de conduta
culposa do profissional, improcede o pedido. Recurso da autora improvido. Recuso
dos réus provido.
Paciente com sangramento intermitente foi submetida a cirurgia, em razão de o
exame ultrassonográfico ter acusado mioma (tumor uterino). No momento do ato cirúrgi
co,
decidiram os médicos extirpar não só o útero, mas, também, as trompas e o ovário direito. C
ntinuando a apresentar sangramento, foi constatada a formação de fístula
na bexiga, resultante de perfuração daquela. Submetida a nova cirurgia, adveio-lhe,
após, incontinência urinária. Realizados outros exames ficou diagnosticada fístula
vésico-vaginal, sendo novamente a paciente operada para correção da fístula.
<204>
Entendendo ter havido erro médico, "requereu indenização das despesas de tratament
o desde o primeiro atendimento clínico; lucros cessantes, por liquidação por
arbitramento, desde o momento do primeiro internamento para cirurgia, até que tenh
a condições de efetivamente voltar a exercer plenamente sua atividade profissional
de cirurgiã-dentista; pensão correspondente à importância do trabalho para o que se inab
ilitou e da depreciação que sofreu pela dificuldade de retomar o mesmo ritmo
e número de clientes que possuía à época da mal sucedida cirurgia, que mantinha seu cons
ultório dentário, num total de trinta salários-mínimos. Até que possa efetivamente
retornar a pleno serviço; danos físicos, em 10 (dez) salários-mínimos mensais até a idade
de 65 anos e indenização por danos morais".
A sentença do Juízo a quo decidiu pela improcedência da ação, condenando a autora ao p
agamento das despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados
em cinco salários-mínimos, cuja majoração foi depois pleiteada (e atendida) na apelação.
Os julgadores entenderam não ser "rara a ocorrência e complicações pós-operatórias ness
tipo de intervenção. Ademais, no próprio curso da cirurgia, pode vir
a ser constatada a necessidade de extirpação dos ovários, além do útero, na hipótese de ser
verificada a ocorrência de processo inflamatório pelviano. Quanto à ocorrência
de fístula vésico-vaginal, como conseqüência da primeira cirurgia, até mesmo experimentado
s cirurgiões estão sujeitos a tal evento durante uma cirurgia ginecológica,
probabilidade que aumenta em se tratando de paciente que, como a autora, já se sub
metera a duas cesarianas".
<205>
Por outro lado, para a correção de uma fístula pode ser necessária mais de uma cirur
gia, "sendo que a não-solução em uma primeira intervenção não significa erro
ou insucesso médico".
Daí, concluíram os doutos que "na hipótese dos autos a autora, em nenhum momento,
logrou demonstrar que o procedimento profissional de qualquer dos demandados
(eram cinco) tenha escapado ao direcionamento desejado, o que gera a inevitável im
procedência da pretensão indenizatória, como bem apontou a sentença".
A decisão foi unânime em rejeitar o recurso da autora, acatando, em parte, o ped
ido dos réus, no sentido de reformar o montante relativo aos honorários advocatícios
para cinco salários-mínimos para cada um dos advogados dos réus contestantes.
É de fazer menção, por interessante, o voto do presidente, Des. Alfredo Guilherme
Englert, que assim se expressou: "Ressalvando opinião pessoal sobre certas
assertivas que poderia discordar do eminente Relator, inclusive com relação à obrigação de
resultado na cirurgia exclusivamente estética, acompanho integralmente
o voto."
Observe-se que no início da ementa, o relator refere-se à "exceção" representada pel
a cirurgia plástica estética. Todavia, só por esta pequena interferência
do desembargador supracitado, já se deduz que ele pensa diferentemente, ou seja, n
a mesma linha de raciocínio do presente trabalho, qual seja, a não inserção das
cirurgias plásticas no campo das obrigações de resultado.
Caracterização: Imperícia não comprovada.
4.7 AÇÃO ORDINÁRIA INDENIZATÓRIA. POSTULAÇÃO SOBRE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDIC
ULPOSO. MAMOPLASTIA REPARADORA.
Fragmento de agulha cirúrgica deixado no interior da mama direita de paciente
operada. Prova pericial comprobatória da ocorrência e indicativa da necessidade
de nova cirurgia para a retirada de corpo estranho negligentemente deixado no or
ganismo da autora. Fato que tem provocado algias na pessoa operada e que poderá or
iginar,
eventualmente, foco inflamatório no local. Sentença de procedência do pedido. O dano m
oral, evidente na espécie, bem justificado na decisão, merece ficar confirmado,
como estabelecido. Os danos materiais segundo estimados, e mandado indenizar, ta
mbém devem ficar aprovados, porque convenientemente ajustados. Recurso improvido.
<206>
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a cirurgia de mamoplastia
reparadora. Sendo uma intervenção eletiva, portanto, não de urgência, e embora tivesse
a mesma transcorrido dentro da normalidade, a paciente, no pós-operatório tardio, co
meçou a sentir dores no seio direito com apresentação de picos febris esporádicos.
Realizados exame radiológico e ultra-sonografia, ficou constatada a presença de um f
ragmento de agulha cirúrgica no local da dor.
Em se tratando de cirurgia eletiva, conforme mencionado, não poderia haver exp
licação para tal esquecimento, como também não haveria mesmo em se tratando de
cirurgia de urgência.
A perícia, coerentemente, indicou a necessidade de uma nova cirurgia para a re
tirada do corpo estranho, pois este, "situado nos planos moles corporais, após
ficar silencioso e assintomático, repentinamente, pode motivar algias (dores) e, r
aramente, foco inflamatório no local. Após a formação do cisto, não são impossíveis
as complicações, embora rarefeitas".
<207>
O julgado de 1º grau foi mantido na íntegra, com a responsabilização do cirurgião, obr
igando-se este ao pagamento por dano moral e "as demais verbas da condenação,
também, por encontrarem-se ajustadas às circunstâncias fáticas das provas que as explica
m".
Caracterização: Culpa por negligência.
4.8 APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO SUMÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO DECORREN
TE DE CIRURGIA OCULAR.
Perda da visão do olho esquerdo, considerando a má colocação de prótese do cristalino.
Valoração da prova pericial. As condições clínicas inerentes a cada paciente,
como biotipo, hipertensão arterial, situação emocional e outros fatores, são capazes de
interferir no resultado da cirurgia, independentemente da boa técnica cirúrgica
utilizada. Existem, no entanto, condições inerentes de cada indivíduo e a estas deve s
e imputar alguma culpa, quando todos os recursos foram utilizados. Impossibilida
de
de afirmação de culpa dos apelados, em virtude de suposta negligência, imperícia ou impr
udência do cirurgião, às conseqüências desfavoráveis proveniente de um mal
evolutivo, decorrente de processo inflamatório crônico. Pedido improcedente. Sentença
confirmada. Apelo desprovido.
<208>
Trata o presente caso de paciente com catarata, que se submeteu a cirurgia p
ara colocação de prótese do cristalino. Por infecção contraída no pós-operatório
acabou por perder a visão do olho direito. Entendeu ele que sua patologia adveio p
or imperícia do profissional que o operou.
Ouvida a médica perita, informou que "a perda vítrea no ato operatório da catarata
continua sendo um acidente extremamente desagradável e assustador para o cirurgião
e infelizmente, bastante imprevisível". Tal perda tem uma incidência cujos dados est
atísticos apontam ser de 0,3 a 6,7%.
Explicou, ainda, que "nem sempre é possível prever as complicações, no entanto, cabe
ao cirurgião estar preparado para uma eventual fatalidade. Além da boa técnica
cirúrgica, uma avaliação pré-operatória rigorosa e uma evolução pós-operatória cuidadosa sã
eis pelo sucesso da intervenção. Existem, no entanto, condições
inerentes a cada indivíduo e a estas deve-se imputar alguma culpa, quando todos os
recursos foram utilizados".
Alicerçados em dois laudos que foram coincidentes, os julgadores entenderam qu
e a cirurgia fora realizada dentro da técnica adequada, com a necessária assepsia
e que as conseqüências desfavoráveis foram provenientes de um mal evolutivo, decorrent
e de processo inflamatório crônico, pelo que, negaram provimento ao apelo.
Caracterização: Culpa não comprovada. Evolução natural do estado mórbido do paciente.
<209>
4.9 ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. ERRO MÉDICO. DISSECAÇÃO A
IDENTAL DE VEIA ARTERIAL. QUADRO INICIAL DE PNEUMONIA. POSTERIOR CIRURGIA
VASCULAR. SEQÜELA PELA PERDA DOS PULSOS ARTERIAIS UMERAIS. EVIDENTE SOFRIMENTO DO
PACIENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. OCORRÊNCIA DE CULPA. CONFIRMAÇÃO PERICIAL. OBRIGAÇÃO
DE INDENIZAR. RECURSO IMPROVIDO.
Há evidente erro médico quando se tem demonstrado pela prova pericial, e até recon
hecida, a acidentalidade do procedimento de dissecação da artéria umeral, com
vistas a ministrar soro para tratamento de um quadro inicial de pneumonia, cuja
sutura feita deu causa a uma trombose e daí resultar a necessidade de posterior ci
rurgia
vascular, consistente em ponte de safena invertida úmero-umeral, a que teve de sub
meter-se o paciente para corrigir o erro anterior daquele procedimento, em razão
do que fez surgir a perda dos pulsos arteriais distais em membro superior. E o a
dvento dessa seqüela, embora não comprometa a atividade laborativa, tem natureza
permanente, assim como, e em especial, impõe ao paciente dor, sacrifício, constrangi
mento, a configurar o dano moral sofrido, que se mostra inegável e presente em
tal hipótese, tanto mais que sublinhado a lesividade e o engano do procedimento médi
co adotado, o qual transformou uma internação original para tratamento de pneumopati
a
bilateral, na instalação de perigoso e complicado quadro vascular. Nessas circunstânci
as, visível é a conduta culposa, bem como exsurge comprovado o nexo causal,
a exigir a obrigação de indenizar, cuja responsabilidade é da entidade proprietária do h
ospital, se mantém a seus serviços profissionais de diversas especialidades,
e ao procurar o nosocômio não o fez o paciente a determinado médico, porquanto em nome
daquela é que acontece a atuação desses referidos profissionais.
<210>
Paciente com problema pulmonar, suspeita de pneumonia, internou-se em hospit
al para tratamento. Como precisasse tomar soro, foi dissecada sua veia umeral e,
quando da sutura da mesma, ocorreu "errada ligadura, com a conseqüente trombose (c
oagulação do sangue dentro de uma vaso), passando a apelada a não apresentar os
pulsos arteriais distais do membro superior direito".
O Juízo a quo julgou a ação procedente, ao que se juntaram os julgadores superiore
s por entenderem que "houve, portanto, como assinalado na prova técnica produzida,
evidente erro médico, relevando notar que a própria apelante (Clínica), em sua contest
ação, reconhece que acidentalmente a artéria umeral da autora veio a ser lesionada
quando do procedimento de dissecação levado a feito por profissionais de seus quadro
s". Indenização por dano moral no montante de 50 s.m.
Caracterização: Culpa comprovada. Imperícia.
4.10 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS RECOMENDÁVEIS PELA MEDI
CINA, SEM RESPONSABILIDADE DO MÉDICO POR IMPERÍCIA, IMPRUDÊNCIA OU NEGLIGÊNCIA,
OU MESMO PELA INFECÇÃO NOTICIADA.
A laparotomia exploradora, realizada por ocasião da prótese, mostrou-se correta
para o caso, frente a processo inflamatório detectado, o que torna o tecido friável,
facilitando a sua ruptura. Paciente que fizera cesarianas anteriores e apresenta
va aderência no campo cirúrgico. Improcedência do pedido.
<211>
Paciente que se propôs a cirurgia para recanalização das trompas. Fez posterior pr
ocesso de infecção por rejeição a corpo estranho (utilizado para a primeira
cirurgia). Sendo reoperada foram-lhe extirpados órgãos de função reprodutiva, sem o seu
consentimento. Entendeu a paciente ter obrado o médico com culpa, já que
foi ele quem "escolheu os métodos e usou as técnicas para a cirurgia".
Ouvido o perito, este informou que por ocasião da primeira cirurgia, o médico se
rviu-se das técnicas consideradas as corretas para a época, o mesmo ocorrendo
quanto à segunda, (laparotomia exploradora devido à infecção). "Realizada por ocasião da r
etirada da prótese, afirma ter sido usado o procedimento correto para o
caso, uma vez que o processo inflamatório torna o tecido friável, facilitando sua ru
ptura. Foram desfeitas as aderências advindas das cesarianas, indicando ser corret
o
o ressecamento de uma das trompas face à infecção crônica, bem como a retirada do ovário e
nfermo, não restando à autora qualquer seqüela orgânica, funcional ou estética".
Negado, por unanimidade, provimento ao recurso.
Caracterização: Culpa não comprovada.
4.11 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PARTO COM FETO NATIMORTO. A RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS E,
VIA DE CONSEQÜÊNCIA, DA CLÍNICA, DEPENDE DE COMPROVAÇÃO SATISFATÓRIA DE
ATUAÇÃO NEGLIGENTE OU OMISSIVA DOS PROFISSIONAIS QUE TENHAM DADO CAUSA AO EVENTO DAN
OSO. PROCESSO EM QUE HOUVE AMPLA E EFICIENTE COLETA DE PROVAS, COM A CONCLUSÃO
DA INEXISTÊNCIA DE CULPA EM RELAÇÃO AO RESULTADO MORTE. MATÉRIA QUE NÃO SE PRESTA A ILAÇÕES
QUESTIONAMENTOS LEIGOS. CONFIRMAÇÃO DO JULGADO. RECURSO DESPROVIDO.
<212>
Paciente, em início de trabalho de parto, deu entrada em hospital, no período da
manhã. Como julgasse que o bebê estava demorando muito para nascer, pediu aos
médicos o procedimento de parto cesáreo, no que não foi atendida, por entenderem, aque
les, que a evolução para parto normal estava se dando da maneira usual, o que
realmente aconteceu, vindo a criança ao mundo na noite daquele mesmo dia. Todavia,
nasceu sem vida, com circulares de cordão no pescoço e sua causa mortis foi atestad
a
como devida a anoxia intra-parto, ou seja, falta de oxigenação no período que precedeu
o nascimento.
Vislumbrando no ocorrido um caso de negligência, moveu a paciente uma ação contra
a Casa de Saúde onde havia sido atendida, pleiteando danos morais pela perda
do filho que, ao seu ver, poderia ter sido evitada se lhe tivessem feito a cirur
gia pedida.
A Magistrada de 1º grau procedeu a intensa pesquisa pericial e testemunhal, a
par de diligências outras determinadas pelo Juízo, o que foi elogiado pelos julgador
es
superiores, no sentido de separar, condignamente, fatos de boatos, pois segundo
eles, realmente, "a matéria não se presta para ilações ou questionamentos leigos,
dada a sua especialização, de tal sorte, que a prova pericial, cotejada com os depoi
mentos dos que participaram do evento parto, a que se submeteu a apelante, é
que fornece os elementos seguros para a apreciação judicial da lide".
O médico perito, de confiança do Juízo, após "exaustivo e necessário exame dos documen
tos contidos nos autos, aliado aos conhecimentos médico-legais, coletou
subsídios que clarificam a demanda de forma incontestável, elidindo categoricamente
a existência de imperícia, negligência ou imprudência nos atos médicos praticados
pela ré".
<213>
No entender dos julgadores, "somente prova satisfatória poderia embasar um juízo
condenatório, o que não ocorrendo leva ao improvimento da pretensão autoral,
nos termos da sentença recorrida". Pelo que, foi negado provimento ao recurso.
Caracterização: Culpa, por negligência, não comprovada.
4.12 AÇÃO ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
Não havendo, nos autos, prova concreta de ter agido o réu com negligência ou qualq
uer das outras modalidades de culpa, não se podendo, ainda, precisar a causa
da infecção pós-operatória do local da cirurgia, que deu origem à necrose e às seqüelas apr
ntadas pela paciente, não pode ser o médico condenado a indenizar.
Em se tratando de profissional liberal, a responsabilidade civil do médico se afer
e pela teoria subjetiva, em que incumbe à vítima o ônus da prova da culpa do agente.
A perícia médica não logrou apontar a causa da infecção pelo que não se pode presumir a cul
a do cirurgião. Provimento do apelo, para se julgar improcedente o pedido,
sem ônus sucumbenciais, por se tratar de beneficiária da Justiça Gratuita.
<214>
Enfermeira de hospital se submeteu a atos cirúrgicos no mesmo nosocômio onde tra
balhava. Foram executados os procedimentos de hemorroidectomia e dermolipectomia
abdominal, com lipoaspiração também das nádegas e queixo. No pós-operatório ocorreu infecçã
ea abdominal, com conseqüente necrose, tendo a paciente concluído
que a referida contaminação ter-se-ia dado por conta de o cirurgião ter efetuado as três
cirurgias ao mesmo tempo, sendo que uma delas em área sabidamente infecta.
Contra o cirurgião foi movida ação penal, civil e ético-administrativa. "Em sede cri
minal foi o réu absolvido pelo Egrégio Tribunal de Justiça, por maioria,
tendo a Colenda 1ª Câmara Criminal concluído, após cuidadoso exame do conjunto probatório,
não ter ficado provada a negligência ou qualquer das outras modalidades
de culpa".
O Conselho Federal de Medicina censurou o réu, ainda que reservadamente, "sob
o único argumento de ter exposto a paciente a risco, realizando, ao mesmo tempo,
ato cirúrgico de possível contaminação, embora reconhecendo que com o louvável propósito de
reduzir o seu sofrimento, submetendo-se a duas operações distintas".
Os julgadores da área cível basearam seu parecer nas informações obtidas a partir da
perícia, segundo a qual "a dermolipectomia, onde aliás, surgiu o problema,
oferece risco, entre os quais, os surgimentos de seromas, hematomas, deiscências d
e sutura, necroses e cicatrizes anti-estéticas".
Pela perícia não foi possível vislumbrar uma causa específica para a infecção e conseqü
e necrose, já que foram "elencadas várias causas prováveis que vão
desde o erro de avaliação do cirurgião quanto à vascularização do campo operatório até o de
rimento, por parte da paciente, dos cuidados pessoais de higiene
na fase pós-operatória".
<215>
Informou, também o perito (considerado de alta confiabilidade), "que nada impe
de que as cirurgias se façam no mesmo ato, desde que adotados os cuidados de assep
sia".
O relator, des. Carpena Amorim, ao longo de todo o acórdão, uma vez mais deu mos
tras da sensibilidade que caracteriza seus julgados e palestras, tantas vezes
já testemunhados por nós, pessoalmente. Assim se expressa ele: "Os Juízes não são médicos.
procuram descobrir a causa da doença para debelá-la. Perseguem a prova
da culpa para condenar a indenizar o dano. Se a causa da doença está nas entranhas d
o próprio paciente, a da culpa está na prova dos autos, e não se pode aferi-la
apenas pelas fotos acostadas e pela profunda solidariedade que sentimos pela aut
ora, cuja dor tanto compreendemos. Ficam apenas a crueza e o lancinante apelo da
s
fotos da autora, com cujo sofrimento todos nós nos solidarizamos. Mas daí, sob o asp
ecto jurídico, a se condenar o réu, sem a prova técnica e insofismável de que
a infecção e a necrose decorreram de sua culpa, vai uma grande distância. O que não há nos
autos, não existe para o mundo e, no processo, por mais que procurássemos,
não encontramos a culpa do réu. O fato, também, é que a medicina é arte ingrata, que não pe
doa o fracasso".
Foi dado provimento ao recurso por julgarem improcedente o pedido de indeniz
ação da paciente.
Caracterização: Culpa não comprovada.
4.13 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
Alegado na realização de intervenção cirúrgica. Improcedência do pedido, que se confirm
, no julgamento de apelação interposta. A responsabilidade civil do médico
somente decorre de culpa robustamente provada, prevalecendo a presunção de capacidad
e do profissional diplomado, contra simples alegações de conduta negligente ou
imperita.
<216>
Paciente portador de deformidade na coluna e parcialmente já desenganado pelos
médicos que o haviam atendido anteriormente, foi procurar recurso em hospital
de capital. Durante um ano, seu caso foi analisado detalhadamente, quando então o
ortopedista daquele nosocômio se decidiu por operá-lo. A cirurgia não resultou
exitosa, ao contrário, o paciente, garoto de 16 anos, ficou paraplégico, perdendo su
a possibilidade de locomoção.
Descontente, moveu ação contra médico e hospital requerendo pensão vitalícia, lucros c
essantes, danos emergentes, dano estético, gastos com contratação de enfermeira,
devendo, ainda, ser constituído capital garantidor do pagamento, além dos encargos d
a sucumbência e juros compostos.
Entendeu ele ter tais direitos porque, ao ingressar no hospital, caminhava n
ormalmente, sem qualquer ajuda e que após a cirurgia ficou paraplégico; que a referi
da
intervenção não contou com a necessária autorização dos representantes legais, os quais não
riam sido, também, alertados dos possíveis riscos que o caso encerrava.
O Juízo a quo decidiu pela improcedência do pedido pelo fato de o autor não ter tr
azido, desde logo, qualquer prova relativa ao alegado, considerando a hipótese
como "mera aventura judicial, em busca de enriquecimento ilícito".
Os julgadores superiores entenderam não haver prova conclusiva nos autos sobre
qualquer ato que desabonasse o trabalho médico, "sendo sua obrigação de meio e
o profissional se obrigando a realizar determinado tratamento ou a realizar inte
rvenção cirúrgica, utilizando-se de todos os recursos terapêuticos disponíveis, com
técnica adequada, diligência, atenção e solicitude".
<217>
Quanto a não informar suficientemente sobre o risco da cirurgia para obter o c
onsentimento dos responsáveis, ficou esclarecido - por depoimento da mãe do autor
- que, "embora não tenha assinado documento de autorização, concordou com a realização da
intervenção", o que, aliás, tem-se por óbvio, uma vez que ela levou o filho
a exames e consultas prévias, para tanto, durante o período de um ano.
De "desfavorável ao médico existia então apenas a referência de não ter sido alertada
expressamente do risco, a que se ajunta a das esperanças que ela dava de
uma possível recuperação. Na situação vivida, deve-se indagar até que ponto uma mãe aflita,
e via o menor atendido com atenção pelo médico, não se teria deixado
impressionar com as palavras de conforto e esperança que ele lhe dirigia, esquecen
do-se das que lhe seriam desfavoráveis e que não queria ver realizadas".
As palavras (ricas de bom senso) do julgador, nos indicam que estamos no cam
inho certo quando insistimos ostensivamente no fato de que o médico deve não só inform
ar
muito bem o paciente, quanto deve se documentar de ter dado tal informação. Sair do
campo tácito para o expresso: oferecer tudo por escrito e tomar a rubrica do
paciente confirmando aquela informação, ou então, no momento que precisar se defender
terá, apenas, sua palavra contra a do paciente, o que não leva a nada.
Veja-se o presente caso: nada foi achado que desabonasse a conduta profissio
nal do médico; ao contrário, depois de um ano de possíveis dúvidas e pesquisa decidiu-se

por executar um ato do qual alguns de seus pares haviam se alijado. O resultado
não foi exitoso, é verdade, mas ele fez a tentativa, já que medicina não é uma ciência
exata. Todavia, ao final de todo um processo judicial, longo e desgastante (que
o é, ninguém pode negar), sobra o quê? Uma única referência que o desabona: a de
não ter comunicado expressamente ao paciente, ou aos familiares, os riscos que env
olviam a cirurgia.
<218>
E quem pode negar que tal assunto deve ter sido abordado inúmeras vezes naquel
e um ano de consultas freqüentes? Entretanto, como não foi registrado expressamente,
como nada ficou escrito, é o mesmo que não existir para o mundo do Direito.
Há, ainda, a característica bem humana, que consiste na tendência que temos de ouv
ir apenas o que nos interessa, o que nos momentos de certa carência ou de suscetib
ilidade
aguçada tende a se exacerbar (disso os médicos jamais podem se esquecer).
Provimento negado à apelação interposta.
Caracterização: Culpa não comprovada.
4.14 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO.
Esquecimento de compressa cirúrgica na cavidade abdominal da paciente que, após
cirurgia de laqueadura de trompas, faleceu de septicemia por peritonite. Aplicação
dos arts. 159 c/c 1.521, III, 1.522 e 1.545 do Código Civil. Faz parte da Clínica, c
omo sócio e gerente, o médico autor da cirurgia, condenado na área criminal e
que, ainda, em decorrência do fato, teve o registro cassado pelo Conselho Regional
de Medicina. Confirmação da sentença que acolheu o pedido.
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a cirurgia de laqueadura d
e trompas, logo após parto normal. Durante o ato cirúrgico, o cirurgião esqueceu,
na cavidade abdominal, uma compressa medindo 30x30 cm. O corpo estranho desencad
eou um processo infeccioso (peritonite), evoluindo para septicemia, o que levou
a
paciente a óbito.
<219>
O médico (representando a Clínica) tido como responsável pelo nefasto esquecimento
, foi processado nas três áreas: penal, cível e ético-administrativa.
"A sentença de 1º grau considerou provada a culpa e o nexo causal, julgando proc
edente o pedido e condenando a Ré (Clínica), ora apelante, a pagar aos apelados
pensão equivalente a 2/3 do salário-mínimo vigente à data do pagamento, desde o evento e
pelo tempo de sobrevida provável da vítima, despesas de creche, transporte
e babá para os dois órfãos menores, como apurado em execução por arbitramento; luto, funer
al e sepultura; verba referente ao dano moral, fixada em trezentos dias-multa,
tendo o dia-multa o valor de um salário-mínimo da data do efetivo pagamento, além de c
ustas e honorários de 20% no valor da condenação".
O Ministério Público, em ambas as instâncias, decidiu pela confirmação da sentença e o
arecer da Procuradora Dra. Alma Rubens Alvim de Carvalho acabou por justificar
o desprovimento da apelação.
Entenderam os doutos pela incontestabilidade da negligência do médico-operador,
certos de que por ocasião do parto normal, ocorrido dias antes, não seria possível
ir tal compressa se alojar na cavidade abdominal da paciente.
"Corroboram tais conclusões os seguintes fatos: a) houve condenação no Juízo Crimina
l, no qual se procura apurar a culpa de forma mais rigorosa que no cível,
onde basta a configuração da culpa levíssima para a responsabilização. É certo que sobre a
ecisão na esfera penal igualmente pende recurso, porém tal circunstância
é irrelevante, em face da independência dos Juízos Cível e Criminal, na esfera da culpa;
b) aquele profissional teve a sua culpa reconhecida pelos seus próprios
pares que o condenaram, ao final do processo instaurado perante o Conselho Regio
nal de Medicina deste Estado, cassando-lhe o direito de exercer a medicina".
<220>
Por tantas e tais razões foi negado provimento ao recurso e confirmada, integr
almente, a sentença monocrática.
Caracterização: Culpa comprovada. Negligência no mais alto grau.
4.15 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CONFIGURAÇÃO.
Em vista que o médico celebra contrato de meio e não de resultado, cuja prestação não
recai na garantia de curar o paciente, mas de proporcionar-lhe conselhos
e cuidados, proteção até, com emprego das aquisições da ciência, a conduta profissional sus
etível de engendrar o dever de reparação só se pode definir, unicamente,
com base em prova pericial, como aquela reveladora de erro grosseiro, seja no di
agnóstico como no tratamento, clínico ou cirúrgico, bem como na negligência à assistência,
na omissão ou abandono do paciente, etc., em molde a caracterizar falta culposa no
desempenho do ofício, não convindo, porém, ao Judiciário, lançar-se em apreciações
técnicas sobre métodos científicos e critérios que, por sua natureza, estejam sujeitos à dú
idas, discussões, subjetivismos. Sentença bem orientada nessas premissas.
Confirmação. Apelo desprovido.
O corpo do acórdão, conquanto longo, não especifica nem dá detalhes sobre o caso que
lhe deu origem, limitando-se a fazer referência ao fato de que se o médico
em questão tivesse se servido de critério diverso, teria, desde o início, afastado o r
isco de infecção clostridiana, causadora de gangrena gasosa. De resto, insiste
nas características técnicas e científicas da profissão médica, bem assim as de sua respon
sabilidade: de ser contratual, engendrando uma prestação de meios e que
é também intuitu personae.
<221>
"A responsabilidade civil do médico, pois, não resulta de mera falha no diagnóstic
o ou no tratamento, seja clínico ou cirúrgico. É imprescindível tenha ele obrado
com culpa, em qualquer de suas modalidades: negligência, imperícia ou imprudência. E aí
não importa o problema da natureza da responsabilidade: contratual ou aquiliana,
a culpa é imprescindível. [...] A prova do ilícito, especialmente da culpa, é obviamente
indispensável. E como se cuida de matéria essencialmente técnica, também
é óbvio que deva ser pericial".
Servindo-se de vasta doutrina pátria e alienígena insistiram os julgadores sobre
a importância e o valor de uma perícia competente, haja vista que ao Judiciário
não é dado avaliar questões de alta indagação científica, "não lhes sendo lícito, tampouco
ir coisa alguma sobre a oportunidade de uma intervenção cirúrgica,
sobre o método preferível a empregar, ou sobre o melhor tratamento a seguir".
Entenderam os doutos que a apelação em estudo não comportava agasalho, porque se l
imitava a discutir procedimentos médicos empregados, sendo que, conforme mencionad
o,
"divergências sobre o melhor critério terapêutico não servem à caracterização judicial do e
médico, o que definitivamente se afasta diante da segura constatação
pericial de que não ocorreram os fatos apresentados como embasadores do pedido res
sarcitório".
Confirmada a sentença apelada e negado provimento ao recurso.
Caracterização: Culpa não configurada.
<222>
4.16 RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPROVADO O ERRO MÉDICO, RESPONDE POR ELE O PROF
ISSIONAL.
A cumulação do dano patrimonial com o moral, que a própria vítima reclama, tem proce
dência, porque diversos os pressupostos das duas indenizações.
Paciente procurou médico que lhe procedeu aborto terapêutico, quando na verdade
o indicado era salpingectomia (extirpação das trompas), visto apresentar gravidez
tubária.
Após a realização da curetagem, remeteu a paciente de volta a seu ginecologista, o
rientando-a no sentido de que procurasse junto a ele "um melhor esclarecimento
do diagnóstico, em virtude da pouca saída de material de dentro do útero", o que causo
u estranheza, pelo fato de que o referido colega tinha consultório na Bahia,
cerca de 800 km de distância.
Segundo o perito: "o exame feito pelo próprio apelante, já mostraria o quadro da
apelada. Deveria o apelante aprofundar os procedimentos diagnósticos e ele mesmo
executar a salpingectomia, daí resultando seu erro médico".
A sentença de 1º grau, com base no art. 159 do Código Civil, julgou procedente o p
edido de ressarcimento por perdas e danos, referentes, estes, apenas a danos
emergentes, já que não restaram demonstrados os lucros cessantes. Dano moral em 100
salários-mínimos.
A instância superior reproduziu, em parte, o decisum, alterando, apenas, a ver
ba atinente ao dano moral, que de 100, foi reduzida para 80 salários-mínimos.
Caracterização: Culpa comprovada. Imperícia e negligência.
<223>
4.17 RESPONSABILIDADE CIVIL. ESQUECIMENTO DE COMPRESSA EM ABDÔMEN POR OCASIÃO DE
ATO CIRÚRGICO.
Ação de regresso movida pela Casa de Saúde, que teve de indenizar a paciente pelo
danos resultantes da intervenção desastrosa realizada pela cirurgiã, cuja negligência
ficou quantis satis positivada. Aplicação do disposto no art. 1.524 do Código Civil. Ação
julgada procedente.
Médica que fazia parte do quadro de determinada Casa de Saúde operou paciente de
parto cesáreo, tendo esquecido compressa em seu abdômen, do que resultaram sérias
complicações, seguida de nova cirurgia, quando teve retiradas porções do intestino e órgãos
reprodutores.
Processada a entidade hospitalar, foi a mesma condenada a ressarcir a pacien
te de tamanho dano, vez que era patente e comprovada a negligência da médica compone
nte
de seu quadro de profissionais.
Posteriormente, moveu ação de regresso contra a profissional faltosa, no sentido
de ser ressarcida da quantia paga pela indenização.
O perito, a respeito do fato culposo, assim se expressou: "terminado o ato o
peratório propriamente dito, antes de proceder o fechamento da parede, o cirurgião
deve realizar uma minuciosa revisão da cavidade, no sentido de detectar qualquer f
ato anormal e assim saná-lo, procedendo então, posteriormente, ao fechamento da
parede. No caso em questão só duas hipóteses são possíveis: 1ª) Não houve a revisão da cavi
2ª) Houve a revisão, porém de maneira imprecisa".
<224>
Mais adiante e sem o menor resquício do tão decantado esprit de corps, o perito
afirma incisivamente que "quando ocorre o esquecimento de uma compressa cirúrgica
na cavidade abdominal, a responsabilidade é do cirurgião responsável pelo ato operatório
".
Como previsto, só restou aos julgadores de 2ª instância concluir que "pelas razões e
xpostas, provada a responsabilidade da ré pelo ocorrido, tem toda a procedência
a ação de regresso que encontra apoio no art. 1.524 do Código Civil, estando correta a
sentença de primeiro grau que tal procedência reconheceu, não merecendo assim,
provimento o recurso interposto".
Caracterização: Face à culpa comprovada da médica, por negligência, consolidado o dire
ito de ação de regresso da Clínica.
4.18 AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE LESÕES SOFRIDAS EM DECORRÊNCIA DE
ERRO MÉDICO.
Comprovado ter a médica, após a operação a que se submeteu a autora, deixado dois pe
daços de gaze na cavidade abdominal. Causando-lhe septicemia grave e peritonite,
cabe à médica indenizar a paciente pelos gastos com a laparotomia exploratória realiza
da por outro facultativo, além das verbas de dano estético por força de cicatriz
"aestética e viciosa", excluídos os danos morais decorrentes dos sofrimentos a que s
e submeteu a paciente. Desprovimento à apelação.
<225>
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a cirurgia de histerectomi
a (excisão do útero) via vaginal. Passados alguns dias e sentindo fortes dores abdom
inais
e dificuldade de urinar, compareceu a paciente ao hospital, em caráter emergencial
, quando lhe foi introduzida uma sonda para facilitar a micção. Posteriormente,
eliminou um pedaço de gaze com forte odor, a qual foi mostrada à médica que não lhe deu
muita importância, jogando-a no lixo.
Como o estado de saúde da paciente se agravasse dia após dia, resolveu ela procu
rar outros médicos, o que culminou em uma nova cirurgia, desta feita, uma laparoto
mia
exploradora, em função de grave infecção que se havia instalado em seu abdômen, com grande
quantidade de pus, em decorrência dos dois pedaços de gaze que lá foram
esquecidos.
Além da peritonite, ainda constataram os médicos a existência de uma fístula vésico-ur
eteral direita.
Processada a médica, foi a mesma condenada a ressarcir a paciente pelos danos
a que deu azo, comprovadas as despesas com hospital e cirurgia, mais dano estético
e moral. Todavia, os julgadores de segunda instância, por entenderem que o dano es
tético se subsume no dano moral não admitiram tal cumulação, razão pela qual foi
excluída da condenação, mantendo-se todo o restante.
Caracterização: Culpa grave comprovada. Negligência.
4.19 RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. DANOS FÍSICOS ATRIBUÍDOS A TRATAMENTO POR ELE
MINISTRADO. OBRIGAÇÃO DE MEIO, E NÃO DE RESULTADO. REGULARIDADE DA CONDUTA
DO PROFISSIONAL. CULPA NÃO CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO AFASTADA. RECURSO PROVIDO. VOTO VE
NCIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.545 DO CC.
Se a prescrição da medicação foi pertinente e cercada das cautelas recomendáveis e não
avendo prova de que o profissional da medicina foi negligente, imperito
ou imprudente no acompanhamento do tratamento, não há como considerar procedente a ação
de indenização.
<226>
Paciente de menor idade foi levada a consultório médico por problemas de epileps
ia. Após os exames de praxe, em especial, eletroencefalograma, foi-lhe receitado
medicamento conhecido por Hidantal, cujo princípio ativo medicamentoso se deve às pr
opriedades do sal difenil-hidantoína. Decorridos alguns dias, a paciente começou
a apresentar séria reação alérgica, com problemas de visão, acabando por desenvolver a Sínd
ome de Stevens-Johnson (eritema múltiplo). Nesse ínterim, foi ela levada
a outros médicos que lhe receitaram "Comital L", medicamento anticonvulsivo e que
tem na sua composição o mesmo sal do Hidantal, apenas que associado a dois barbitúrico
s.
Por entenderem os familiares da paciente que todo o seu mal advinha da presc
rição médica, e do fato de o profissional não ter efetuado teste prévio para alergia,
moveram-lhe uma ação por perdas e danos.
A sentença de 1º grau julgou procedente o pedido, "condenando o réu a pagar à autora
uma pensão mensal de Cr$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos cruzeiros), que
é o quantum percebido por um trabalhador sem especialidade, reajustável com base nas
ORTN, obrigação esta que perdurará até que a demandante complete 65 anos de
idade, devendo, ainda o réu suportar custas e verbas honorária de 20% sobre o total
das prestações alusivas ao período de um ano".
<227>
Inconformado, o médico apelou em busca da improcedência da ação, no que bem agiu, po
is ficou comprovado que:
a) Hidantal, para o mal do qual padecia a paciente, é considerado o medicament
o de escolha, vez que a difenil-hidantoína é uma das substâncias anticonvulsivas
mais eficazes no tratamento da epilepsia;
b) o teste alérgico preliminar não é praticado com a difenil-hidantoína e sequer se
encontram referências à sua feitura em livros científicos de nomeada;
c) a considerada "cautelosa" posologia, inicialmente recomendada de Hidantal
, por via oral, valeu como teste de hipersensibilidade a ser avaliado pelo próprio
médico;
d) se a Síndrome de Stevens-Johnson já se tivesse instalado quando da procura po
r outros médicos, seria injustificável a prescrição de Comital L.
Assim com base, principalmente, nessas informações, os fundamentos da sentença não f
oram mantidos em 2º grau.
Paralelamente, ofereceram os julgadores, no corpo do acórdão, rica doutrina no s
entido de documentar a assertiva que a culpa médica há que ser comprovada cabalmente
e não apenas presumida.
"A culpa consiste na omissão de diligência exigível, cujo emprego pudesse haver im
pedido o resultado não querido (DIEZ-PICAZO e GULLON). Ou seja, se há violação
de um dever existe tanto a imputabilidade do agente, como também a reprovabilidade
da conduta, pois todo o descumprimento do dever é censurável. Culpabilidade é
a reprovabilidade que pesa sobre o autor de um fato punível, praticado em condições de
imputabilidade (GOLDSCHMIDT)".
O autor do voto vencido entendeu que se o males da paciente advieram depois
da ingestão do medicamento, este deveria ser a causa do efeito. Pelas lesões graves
que despojaram, permanentemente, a paciente da integral capacidade laboral, o ju
lgador vencido entendeu pela procedência da pretensão reparatória.
<228>
Caracterização: Culpa não comprovada. Reação adversa e inesperada do organismo da paci
ente frente a medicamento de rotina.
4.20 RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORFOLÓGICO. RESPONSABILIDADE MÉDICA.
Ainda que se admita a natureza contratual do serviço médico, não se pode presumir
a culpa do profissional, por envolver obrigação de meio e não de resultado.
Sem prova dessa culpa, improcede ação de indenização. Ação improcedente. Não provimento do
urso.
O corpo do acórdão não fornece detalhes, mas trata-se de pedido de indenização por sup
osta mal executada cirurgia, da qual teriam advindos danos físicos, ditos
aqui "morfológicos".
A sentença de 1º grau deu pela improcedência da ação por não ter o julgador podido visl
mbrar "qualquer negligência ou imperícia do réu no ato cirúrgico a que
submeteu o autor, ou no tratamento pós-operatório que dispensou ao mesmo e, conseqüent
emente, nenhum nexo de causalidade se estabeleceu entre o seu agir e o resultado
danoso ocorrido, não se podendo falar, de conseqüência, em responsabilidade sua em qua
lquer esfera".
<229>
Na apelação, o autor, inconformado, se limita a dar interpretações de caráter eminente
mente pessoal aos fatos e às provas e são justamente estes fatos e estas
provas que "claramente conduzem ao entendimento de que os autos não contêm elementos
capazes de apontar qualquer responsabilidade do médico pelas conseqüências da
operação que realizou no paciente, ainda mais porque se sabe que a responsabilidade
civil do médico, por envolver obrigação de meio e não de resultado, não pode
ser presumida, devendo, por isso, ser cumpridamente comprovada, o que não ocorreu
na espécie".
Caracterização: Culpa não comprovada.
<231>
5. EXAMES (2)
Os exames laboratoriais, e os demais, conforme mencionado na Parte Primeira,
podem estar inseridos tanto dentro da seara das obrigações de resultado, quanto
da de meio. Naquela, encontram-se os exames que, pela sua simplicidade e rotina,
não necessitam mais do que uma simples leitura ou conferência atenciosa. Na última,
por contra, incluem-se aqueles de ampla complexidade, que demandam conhecimento
e técnica aprimorados, mas que estão sujeitos à limitação tanto da ciência quanto
do homem, devendo este servir-se de todos os meios disponíveis para a melhor conse
cução do fim buscado.
Interessante notar que essas duas possibilidades também se encontram no sentid
o do vocábulo examen que, derivado do latim, quer dizer tanto ponderação quanto
averiguação. Passando para a área laboratorial, podemos inferir que há determinados tipo
s de exames que nos permitem chegar a um resultado apenas pela simples observação
ponderada de seus dados, sejam eles resultantes de um cálculo ou de uma reação colorid
a. Já o exame mais complexo demanda uma verdadeira averiguação, não só sobre
os resultados obtidos, como sobre os procedimentos utilizados para chegar àquele.
Na técnica forense, por sua vez, exame representa todo ato ou diligência encetad
a com a finalidade de apurar a verdade sobre um fato alegado. Na acepção aqui
utilizada diz respeito à análise ou pesquisa levada a efeito para alcançar um determin
ado resultado que venha facilitar o diagnóstico buscado.
<232>
5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ULTRA-SONOGRAFIA E CARDIOTOCOGRAFIA.
INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA. CONSEQÜÊNCIA.
Confirmados a existência de erros grosseiros na interpretação de exames de ultra-s
onografia e de cardiotocografia, sujeitam-se as clínicas, onde eles foram realizad
os,
a indenizar os danos decorrentes desde que cabalmente comprovados. Recurso parci
almente provido, para excluir a condenação dos danos materiais e reduzir a indenização
do dano moral.
A paciente, do caso em pauta, estando grávida, necessitou fazer exames de ultr
a-sonografia e cardiotocografia. Por conta do resultado daqueles foi informada
que sua gravidez era gemelar. Contudo, tal informação mostrou-se errônea, vez que se t
ratava de gravidez univitelina.
Os genitores, inconformados frente à expectativa da vinda de filhos gêmeos, move
ram ação contra os responsáveis, requerendo danos materiais pelos gastos despendidos
em dobro com enxoval e equipamentos destinados aos presumidos gêmeos, despesas de
viagem e mais dano moral.
A decisão de primeiro grau acolheu integralmente o pedido, todavia, os julgado
res da instância superior entenderam que a imposição das verbas merecia alguns
reparos.
Por primeiro, não restaram devidamente comprovados os referidos danos materiai
s, ficando só no terreno das alegações. Conforme corroboram os doutos: "o dano
indenizável é o dano atual e certo. O dano hipotético, presumido, eventual ou conjuntu
ral, não se indeniza. Por isso, a sua existência há de ser apurada no processo
de conhecimento, não podendo ser relegado para o processo de liquidação, como erroneam
ente se determinou na sentença".
<233>
Por segundo, o dano moral, conquanto existente e indiscutível, entenderam os j
ulgadores ter sido aberrantemente calculado. Segundo eles, "a importância correspo
ndente
a duzentos e cinqüenta salários-mínimos, convenhamos, é extremamente exagerada para comp
ensar a dor da frustração da expectativa de ter filhos gêmeos. Não obstante
o grande sofrimento que tal frustração pode impor às pessoas mais sensíveis, não pode ela,
convenhamos, servir de meio de enriquecimento".
Por fim, a decisão se deu no sentido de excluir os danos materiais e reduzir o
s danos morais para a quantia equivalente a 100 salários-mínimos.
Caracterização: Erro de leitura. Obrigação de resultado.
5.2 DIAGNÓSTICO INEXCUSÁVEL DE LABORATÓRIO, APONTANDO CÂNCER NO ESÔFAGO. DANO MORAL. D
ANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS.
Paciente necessitou servir-se de exames laboratoriais; pelo resultado tomou
conhecimento que estava acometido de câncer de esôfago. Posteriormente, tal resultad
o
mostrou-se ser um ledo engano, o que motivou um processo contra o Laboratório de P
atologia, responsável pelo exame.
<234>
O corpo do acórdão é lacônico e não dá maiores informações, todavia corrobora que "o la
io errou tragicamente no diagnóstico, trazendo justas apreensões
ao postulante, e problemas emocionais, por atribuir-lhe carcinoma de esôfago, até po
sterior constatação do grave equívoco. A perícia é clara em admitir que a lâmina
não possibilitaria um diagnóstico definitivo e, portanto, sem ressalvas".
Os danos materiais não foram comprovados satisfatoriamente, por isso negados.
Mantido dano moral, não mencionando a quantia.
Caracterização: Culpa por imperícia. Obrigação de resultado.
<235>
6. IMPERÍCIA (8)
A imperícia, conforme já comentado, é a falta de habilidade para praticar determin
ados atos ou, em tendo tal habilidade, praticá-los com afoiteza, sem as devidas
cautelas ou, ainda, na expressão dos dicionários, é o ato ou feito punível pela lei, qua
ndo praticado por profissional oficialmente habilitado.
6.1 RESPONSABILIDADE CIVIL.
Indenização devida em decorrência de falha médica que resultou na obrigatoriedade da
autora de se submeter a nova cirurgia. Dano moral. O sofrimento e a angústia
sofridos pelos transtornos que ocorreram após a internação cirúrgica autorizam a indeniz
ação pleiteada.
Paciente que se submeteu a ato cirúrgico para extirpação de tumor pélvico. Durante o
ato, ocorreu lesão intestinal e perfuração na bexiga, tendo como conseqüência
imediata a sua permanência por mais dias no hospital, além de uma incontinência urinária
. Como conseqüência remota, a necessidade de sofrer mais uma intervenção
a fim de corrigir a fístula vésico-vaginal que se formara.
A referida fístula, segundo o perito, não poderia sugerir culpa, já que aparece no
s livros de medicina como uma complicação passível de ocorrer naquele tipo
de cirurgia, na média de 2% das intervenções realizadas, portanto, deveria ser tida co
mo "decorrente da própria atividade médica". Todavia, informou o mesmo, "não
ser normal, nesse tipo de cirurgia ocorrer lesão intestinal, perfuração de bexiga, não t
endo sido, também, prescrito tratamento para a endometriose após o resultado
do exame histopatológico". (Eis aí um perito que não pode ser acusado de esprit de cor
ps!).
<236>
A sentença de 1o grau, segundo os julgadores de 2º, "enveredou pelo caminho do i
mponderável, dizendo que por mais cuidadoso que seja o médico ou o cirurgião
está ele sujeito a toda espécie de imponderabilidade e de imprevisibilidade, entreta
nto, não é este o caso exatamente, visto que esse tipo de incidente é plenamente
previsto segundo a literatura médica".
Vale lembrar que ao discorrer sobre o tema "previsibilidade", insistimos ace
rca do redobrado cuidado que o médico deve ter quando já existe a possibilidade da
ocorrência de um acontecimento nefasto, inclusive com dados estatísticos.
Mais ainda, o médico foi tido em "falta de ética por não ter comunicado à apelante s
obre as probabilidades das complicações cirúrgicas", assunto este também
já enfatizado, pois tanto sob as vistas do Código de Ética Médica, quanto sob as normas
do Código do Consumidor, o paciente deve ser ostensiva e claramente informado
do que se fará com ele, e quais são as possibilidades de sucesso e de insucesso.
O pedido, que havia sido julgado improcedente no Juízo a quo, foi totalmente r
evisto, do que resultou: verba referente a dano moral, no valor de 200 s.m., mai
s
quantia despendida frente à segunda cirurgia e a inversão dos ônus sucumbenciais. Nega
da pela perícia a necessidade de uma cirurgia plástica reparadora, esta não
foi deferida.
Caracterização: Erro médico evidenciado. Culpa por imperícia comprovada.
<237>
6.2 AÇÃO ORDINÁRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. PROVA DA
ULPA.
Não se tratando, na espécie, de cirurgia plástica meramente estética, a obrigação assum
da pelo médico é de meio, o que, entretanto, não o exonera da responsabilidade,
se provado ter agido culposamente ao adotar técnica cirúrgica que não se adequava à hipóte
se. Os danos morais são devidos, diante do sofrimento d'alma causado à
paciente, que se imaginava livre do tumor de mama que, entretanto, não fora extraído
. Quanto aos danos materiais, foram corretamente dimensionados, não tendo o réu
feito a prova de terem sido os exames pagos pelo plano de saúde. Desprovimento do
apelo.
Paciente efetuou exame de mamografia, quando foi detectado um nódulo em seu se
io direito, submetendo-se, então, a cirurgia para extração daquele. Como as dores
persistissem, retornou ela a seu ginecologista que recomendou fazer nova mamogra
fia, ficando constatado que o nódulo anterior ainda se encontrava lá, tendo sido
retirado um outro em seu lugar.
O cirurgião, em sua defesa, informou ter se servido da técnica correta e, para não
mutilar ainda mais o seio da paciente, optou por fazer a incisão aproveitando
recente cicatriz em volta do mamilo, decorrente de cirurgia plástica.
"Demonstrou ele que renomados mestres da medicina recomendam esta técnica de g
rande proveito estético, evitando nova cicatriz no seio".
<238>
Sua intenção era entrar pelo mamilo e seguir em direção ao nódulo, que ficava no quadr
ante superior direito, porém, "no caminho e na mesma direção, deparou-se
com outro nódulo, que não aparecera na mamografia, o que o levou a confundi-lo com a
quele a que se propusera extrair. Certo de que alcançara o objetivo cirúrgico,
o réu fechou a incisão, deu por concluída sua missão, realizou a biópsia, que deu resultad
o negativo, sendo tão surpreendido quanto a autora, com a posterior descoberta
que o nódulo persistia".
Concluiu o cirurgião que foi vítima de um acaso, de uma fatalidade, devendo ambo
s serem creditados à imponderabilidade das reações do corpo humano. Entendeu
ele, também, que, a rigor, a paciente não sofreu prejuízo, haja vista que o outro nódulo
teria que ser extirpado, mais cedo ou mais tarde, prontificando-se a repetir
a cirurgia, gratuitamente, o que não foi aceito por aquela, alegando quebra de con
fiança.
O perito (depois de afirmar que se tratava de obrigação de resultado, adentrando
área jurídica, no que foi censurado), informou que "a técnica cirúrgica adotada
pelo réu se recomenda, de fato, mas para nódulos que se situam a até 5 cm do mamilo. I
sto porque o seio é constituído por tecido adiposo, que permite a formação
de estruturas que se confundem com nódulos e tumores, tal como ocorreu na espécie".
O laudo indicou que o "nódulo se situava a 8 cm do mamilo, pelo que teria sido
recomendável fazer a incisão diretamente sobre a área em que ele se situava, ainda
que com isso se sacrificasse o aspecto estético".
Decidiram os julgadores de 2º grau pela condenação do cirurgião, por entenderem que
houve erro médico e não, apenas, erro de técnica ou de diagnóstico. O ilustre
relator, cuja sensibilidade já foi alvo de elogio pessoal nessa obra assim se expr
essou: "Ressalte-se, entretanto, que não se deve por isso, crucificar o réu, cujos
méritos, como já se disse, são reconhecidos e festejados. O erro cometido, após tantos a
certos e curas, após tantas vidas salvas, só veio a confirmar a condição
humana do réu".
<239>
Todavia, e aqui cabem vários "todavia", essa condição humana não foi levada em conta
e sequer era obrigação de resultado, como o queria o perito. Um homem foi
punido por não ter visto aquilo que nem a máquina apontou, ou seja, a mamografia ind
icou um nódulo e o cirurgião foi em busca dele. Dá para concluir que um estava
tão encoberto e tão na mesma direção que o outro, que o próprio aparelho não identificou a
uplicidade dos corpos tumorosos. Erro, ao nosso ver, teria havido se
a patologia se apresentasse no quadrante direito e o cirurgião extraísse um nódulo do
esquerdo.
Tanto isso é verdade que ao longo do acórdão se lê: "Na época em que se realizou a ope
ração ainda não se conhecia a técnica atual, em que se insere um fio metálico,
acompanhado por moderno aparelho, e que segue em direção ao nódulo virado. Quando o fi
o, conduzido pelo médico, e acompanhado na tela, alcança o nódulo, faz-se a
incisão, sem risco de erro ou confusão".
Ou seja, o profissional usou dos meios que tinha a disposição: um exame que indi
cava a presença de um nódulo no quadrante direito superior do seio da paciente.
Aberta a incisão, aprofundado o corte, encontrado o nódulo foi resolvido o problema.
Tem-se por óbvio que não é o momento para ser questionado o mérito da questão,
mas se esta obra se propõe a ser "comentada", então não seria coerente comentar apenas
o que se considera correto, até porque o erro existe em todas as profissões,
não só na médica.
Por certo houve erro: do laudo mamográfico que apontou UM nódulo, ao invés de dois
. Se o mapa que temos em mãos nos mostra a aldeia que procuramos em outro lugar,
com certeza é lá que vamos chegar, e não na aldeia procurada.
<240>
Outro aspecto: aqueles que tanto criticam o dito esprit de corps seria de bo
m alvitre que se detivessem a ler laudos como o do presente caso. Não estamos, com

esse comentário, pondo em dúvida o valor ou a legitimidade do mesmo, contudo não há como
não perceber (basta ler) ser o seu autor dissidente de qualquer faceta que
possa lembrar corporativismo. Senão veja-se: de início indica que a obrigação do colega é
de resultado, cometendo aí dois equívocos; primeiro, porque se trata de
uma obrigação de meio; segundo, porque não cabe a ele julgar matéria da área jurídica, no q
e foi bem lembrado, e a tempo, pelo insigne relator. Mais ainda, sugere
por laudo e por literatura que o cirurgião tenha confundido estrutura adiposa com
nódulos e tumores "como ocorreu na espécie".
Frise-se, uma vez mais, não estamos fazendo avaliação do laudo, mas sim, servimo-n
os dele para focalizar o erro que alguns profissionais cometem ao insistirem
furiosamente sobre o corporativismo médico, como se todas as profissões não o fossem i
gualmente corporativistas, e como se essa fosse uma situação genérica e homogênea,
não comportando exceções. Há corporativismo médico, sem dúvida, mas não da maneira exagerad
panfletística como é posta para a sociedade.
Caracterização: (?).
6.3 ERRO MÉDICO.
Pedido de indenização por dano material e moral, em tratamento falho de fratura
da mão direita da autora. Sentença de procedência. Reforma parcial, para redução
das verbas.
Paciente fraturou a mão direita e, ao ser atendida em hospital, o ortopedista
engessou-lhe o membro fraturado, deixando os dedos dobrados em forma de concha,
favorecendo que - ao final de um longo tempo de imobilidade - a paciente perdess
e parte dos movimentos da mão e dos dedos.
<241>
Movida ação de indenização contra o médico foi dada sentença acatando a procedência do
ido, com base no laudo pericial que julgou excessivo o engessamento
"que prendeu os dedos da mão, chegando ao nível das pregas correspondentes às falanges
distais o que causou atrofia e anguilose ao nível das articulações, em processo
irreversível, mesmo com tratamento fisiatra".
O ortopedista foi apenado com verba indenizatória vitalícia mais verba indenizatór
ia no período de incapacidade total de 02 s.m., mais dano moral.
Ao reavaliar o caso, os julgadores de 2º grau levaram em consideração não ter a paci
ente comprovado seus ganhos, pelo que julgaram excessiva e arbitrária a verba
de 02 s.m. mensais, reduzindo-a para um. Quanto ao dano moral, por já existir uma
indenização por dano material, foi diminuído para 30 s.m.
Caracterização: Erro médico. Culpa por imperícia comprovada.
6.4 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL.
Constrangimento experimentado pela autora, quando em exame ginecológico teve o
hímen rompido por imperícia médica. Confirmação da sentença que deu pela procedência
do pedido.
Paciente solteira, apresentando dor na fossa ilíaca esquerda, e outros problem
as ginecológicos, procurou médica especializada naquela área. Como persistissem
as dores, voltou ao consultório para novo exame, ocasião em que a médica colocou um in
strumento contundente em sua vagina (possivelmente um espéculo) e que teria
rompido o hímen.
<242>
No dia seguinte a paciente dirigiu-se ao IML para exame, onde ficou constata
do que havia perdido sua virgindade, apresentando, ainda, sangramento no hímen.
Processada a médica, o pedido de ressarcimento foi considerado procedente. Inc
onformada, apelou aquela.
Os julgadores de 2º grau entenderam que - embora a ginecologista fosse uma pro
fissional competente, não só pela comprovação de seu currículo como pelas declarações
prestadas pelos colegas -, ela não foi feliz em relação ao exame a que fez submeter a
autora. "O constrangimento moral experimentado por ela acha-se devidamente
evidenciado nos autos, pelo que decidiu acertadamente o ilustre Juiz a quo, ao a
colher a pretensão reparatória".
Contudo, "a sentença está a merecer reparos, apenas no tocante à fixação do dano moral
em cem s.m., por mostrar-se excessiva".
Foi ponderado que a pecunia doloris deveria ser arbitrada com moderação e levand
o em conta a situação das partes, haja vista que a médica/ré passava por uma
fase financeira tão difícil que precisou fazer uso dos préstimos da Defensoria Pública,
além do que, "a reparação do dano moral não pode se constituir em parte de
enriquecimento".
Por tais razões, decidiram dar parcial provimento ao recurso, reduzindo a repa
ração indenizatória para 40 s.m.
Caracterização: Erro médico comprovado. Culpa por imperícia.
6.5 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRETENSÃO REPARATÓRIA CONTRA MÉDICO INVOCANDO IMPERÍCIA EM CIR
CORRETIVA DE JOELHO VISANDO CORRIGIR LUXAÇÃO RECIDIVANTE DE RÓTULA.
IMPERÍCIA NÃO COMPROVADA.
Tratamento fisioterápico obrigatório subseqüente à cirurgia realizada insatisfatoria
mente, e inviabilizando a recuperação de flexão natural do joelho, significativamente
reduzida. Dúvida quanto à imperícia do cirurgião não configurada. Apelo improvido. Sentença
confirmada.
<243>
Funcionária de empresa sofreu uma queda que lhe causou problemas no joelho. Op
erou-se uma primeira vez, sem que a cirurgia lhe surtisse algum efeito benéfico.
Fez nova intervenção, porém sem grandes resultados, acabando por ter seus movimentos d
eambulatórios limitados.
Como último diagnóstico, ficou comprovado que a paciente era portadora de um mal
crônico, qual seja, luxação recidivante da rótula, com degeneração da cartilagem,
em virtude dos sucessivos deslocamentos (já que sua rótula costumava sair do lugar vár
ias vezes ao dia).
Concluindo estar a origem dos seus males na imperícia dos médicos que a atendera
m, moveu um ação contra o hospital e contra um dos ortopedistas que a atenderam,
pleiteando reparação de danos, com pensão vitalícia.
Ocorre que no desenrolar do processo ficou demonstrado que a paciente, em ne
nhum dos pós-operatórios, se conduziu corretamente no que diz respeito à parte que
lhe cabia, qual seja, a dos exercícios fisioterápicos. Sabe-se que determinadas ciru
rgias ortopédicas têm o seu sucesso complementado, exatamente, por intermédio
da movimentação correta e constante do membro atingido, via exercícios.
<244>
"Afora isso, conforme laudo pericial, a autora já apresentava condromalácia da rót
ula esquerda que é o estágio evolutivo inicial de artrose fêmoro-patelar".
Quer dizer, já havia uma patologia instalada no joelho da paciente, o que poss
ivelmente favoreceu o resultado não exitoso das cirurgias, resultado este ainda
desmerecido pelo incorreto procedimento daquela no pós-operatório.
Por um mero exercício de raciocínio pode-se até questionar se a própria queda da pac
iente não teria sido fruto de sua patologia no joelho ...
A perícia vai mais longe e sugere: "o estado atual da apelante é decorrência de pr
ovável tratamento fisioterápico insuficiente".
Somadas as razões, os julgadores concluíram pelo improvimento do recurso, manten
do e confirmando a decisão do juiz monocrático.
Caracterização: Imperícia médica não comprovada. Paciente que não faz a sua parte no co
trato.
6.6 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. DANO MORAL.
Se em razão de gritante erro de diagnóstico de gravidez sobreveio à paciente, em r
azão de ato ilícito, perturbações de ordem psíquica, de sua tranqüilidade sócio-profissiona
sendo inclusive objeto de achincalhamento por terceiros, estando em tratamento p
siquiátrico, configura-se o dano moral, passível de concessão de benefício pecuniário
para a atenuação e consolo da dor sofrida. Recurso improvido.
<245>
A paciente do presente caso propôs ação de indenização contra seu médico, com pedido de
ressarcimento de danos moral e estético, pensões vencidas e vincendas,
com base no percentual do salário-mínimo, durante a sobrevida e de conformidade com
sua capacidade física, acrescida de juros de mora, correção monetária, custas
processuais e honorários advocatícios.
Sua pretensão alicerçada nos seguintes fatos: apresentando amenorréia (ausência de m
enstruação) dirigiu-se ao médico, ora réu, que após exame informou que "se
encontrava grávida, por volta do 8º ou 9º mês de gestação, possivelmente às vésperas do tra
de parto".
Logo a seguir, porém, veio a paciente a saber que não se tratava de gravidez, ma
s de um tumor (nódulo miomatoso). Em função do que "encontra-se agora em tratamento
neurológico, cardiológico e ginecológico, obrigando-a a se afastar de seu serviço".
O profissional, em sua defesa, negou ter havido erro médico, informando que er
a portador de deficiência auditiva e que na ocasião não dispunha de aparelho de
precisão para realizar o exame da paciente.
Como não poderia deixar de ser, o laudo pericial foi contundente, pois, se som
os portadores de alguma deficiência física, a lógica e o bom senso nos induzem
a agir ainda com mais cautela (ao invés de transformá-la em justificativa para nossa
s falhas).
Assim se expressou o perito: "O médico deve, freqüentemente, verificar as condições
de seu equipamento ou das instalações, atuando com ausência do dever de cuidado
ao não tomar as precauções exigidas pelas circunstâncias do caso, sendo a Apelada uma mu
lher, à época, de já quase cinqüenta anos de idade". O que, aliás, explica
o impacto da notícia da gravidez, tanto quando se positivou, como quando se mostro
u ser negativa.
<246>
A Juíza a quo sentenciou a condenação do médico, apenando-o com danos morais, custas
e honorários. Este, apelando, disse ter feito o diagnóstico trabalhando
com meras suposições, aguardando o exame ultrassonográfico.
Entendeu a magistrada que "quando o exame ou tratamento fugir da sua capacid
ade, não dispuser de aparelhagem devida e não se tratar de urgência, deve encaminhar
o paciente a outro médico que tenha, no momento, a plena habilidade para dirigir e
sse procedimento".
O problema do sofrimento moral da paciente assenta-se no fato de que entre a
notícia da gravidez e o seu desmentido, ela teve tempo de comprar toda a indumentár
ia
infantil, mais berço e carrinho; providenciou padrinhos e fez-se fotografar em div
ersas posições para comprovar a gravidez, "diante da euforia de ser mãe na sua
idade".
"Ao ficar ciente da verdade médica, pela ecografia, foi objeto de achincalhame
nto, mergulhando em profundo transtorno neurológico, que veio trazer-lhe um período
de incapacidade total e temporário (5 meses), encontrando-se em tratamento psiquiátr
ico".
Por tais razões, concluíram os julgadores de 2º grau que não poderia prosperar a irr
esignação do médico/apelante.
Embasaram seu parecer em ricas passagens doutrinárias, uma das quais ensina qu
e "a reparação que se teve em vista objetiva a concessão de um benefício pecuniário
para atenuação e consolo da dor sofrida, e não para o ressarcimento de um prejuízo pela
natureza irressarcível, ante a possibilidade material da respectiva eqüivalência
de valores". (Cf. Yussef Said CAHALI. Dano e indenização. São Paulo, 1980, p. 66).
Bem assim, apontaram que "se a dor não tem preço, a sua atenuação tem". Por último, in
seriram ementa de R.E. 8.768-SP, da lavra do Min. Barros Monteiro (4ª T.,
no DJ 06-04-92, nº 122), que assim dispõe:
<247>
Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidad
s sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral,
passível de indenização.
Recurso negado.
Caracterização: Erro grosseiro de diagnóstico. Culpa por imperícia.
6.7 RESPONSABILIDADE CIVIL.
Cirurgião que realiza operação na região mamária da paciente para reduzir-lhe os seios
e deixa-a com resultado deformante, seguindo-se infecção combatida em
outro hospital. Indenização que garantiu nova cirurgia, reparadora, impondo ressarci
mento por dano moral-estético e quantia para suportar as despesas médico-hospitalare
s
na forma requerida pela Requerente, a títulos de danos sofridos em razão da cirurgia
deformante, no hospital de propriedade do médico operador-Réu.
Da leitura do texto acima pode-se depreender que o caso trata de ocorrência na
área de cirurgia plástica, todavia, essa conclusão não condiz com a verdade. A
paciente submeteu-se a uma intervenção para a retirada de um pequeno lipoma (tumor g
orduroso) no seio, de aproximadamente 0,6 cm de diâmetro. Os procedimentos, tanto
cirúrgico, quanto anestésico, foram ambos executados pelo mesmo profissional.
<248>
Achando-se lesada pelos funestos resultados da cirurgia (infecção e deformação), a p
aciente moveu ação contra o hospital, já que entidade e médico-operador se
confundiam, pois que, este, sócio majoritário daquela.
O laudo do perito, longe de caracterizar o tão mencionado esprit de corps, evi
denciou que "a conduta cirúrgica do Réu é desconcertante, eis que exige um pré-operatório
digno da médias e grandes cirurgias para a extirpação de um simples lipoma de 0,6 cm d
e diâmetro, bem delimitado, que muitas vezes, nesse caso, se retira forçando
com o dedo no seu plano de clivagem e ainda reduz a mama da Autora em 2/3 do seu
primitivo volume, para retirar um simples lipoma deixando uma cicatriz própria da
s
mamoplastias redutoras".
A perícia encontrou, ainda, no item "prejuízo patrimonial": gastos com medicamen
tos e perdas de ganhos e gastos diversos pela incapacidade temporária total.
Como "prejuízo extra-patrimonial": prejuízo estético, pretium doloris, prejuízo de diver
timento (sic ?) e prejuízo moral.
Os julgadores de 2º grau entenderam que "foi verdadeiramente desastrosa e defo
rmante a cirurgia a que se submeteu a Autora, operando-a, o médico, sem anestesist
a
e cuidados necessários para uma intervenção de longa duração numa atividade de responsabil
idade numa mulher jovem".
Por tal razão, concederam as verbas pedidas (especificadas por "a, b, c, e" no
acórdão), com exceção da referente ao dano estético, por entenderem-na subsumida
na de dano moral.
Caracterização: Erro evidenciado. Culpa por imperícia.
<249>
6.8 MÉDICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. POR ERRO COMETIDO NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL,
RESPONDE O MÉDICO, SEJA QUAL FOR SUA RELAÇÃO COM O PACIENTE.
A responsabilidade dos profissionais da medicina resulta da repercussão social
que o seu exercício acarreta, e ao lado do conteúdo contratual apresenta obrigações
legais, cuja infringência determina uma culpa extracontratual.
O corpo do acórdão não traz detalhes sobre o caso, já que desprovido de relatório, inf
ormando apenas que se trata de ação reparadora de dano, proposta contra
médico que, por imperícia e negligência, teria concorrido para as seqüelas apresentadas
pela paciente.
O médico envolvido firmou sua defesa na extracontratualidade de seus serviços, h
aja vista que este "não decorria de um relacionamento pessoal entre a autora
e o réu, não tendo como suporte um contrato de serviço entre eles celebrado. Como prep
osto do INAMPS, pois foi esta autarquia que se obrigou, por força da lei, a
prestar assistência médica à autora, só a ela podem ser imputáveis os eventuais danos resu
ltantes da atuação de seus prepostos, sejam funcionários, contratados ou
conveniados".
O Juízo a quo repeliu a preliminar com base no art. 1.545 do Código Civil, que p
revê a responsabilidade de médicos e profissionais afins.
Sobre a problemática controvérsia que, às vezes, volta à tona sobre a contratualidad
e e a extracontratualidade da profissão médica, o relator, brilhantemente,
assim ponderou:
<250>
"Essa divergência de opiniões resulta da natureza jurídica do próprio ato profission
al: o trabalho desempenhado pelo homem, o qual se manifesta de dois modos:
ou com a preponderância da atividade intelectual, ou, em outras vezes, essa mesma
atividade, sem adquirir uma importância básica, dá primazia à habilidade manual,
que passa a ocupar o primeiro posto.
Indubitavelmente, todas essas relações jurídicas partem de um contrato e não pode de
ixar de ser contratual a responsabilidade emanada de uma infringência das
obrigações dele derivadas. Mas, profissões existem que são dotadas de uma função determinad
na sociedade; o profissional se incumbe, de algum modo, de preencher
uma certa função social.
Daí a jurisprudência e doutrina reconhecerem, então, a existência de obrigações legais
ara certas profissões, de modo que, por elas responda o profissional
tanto quanto pelas obrigações assumidas contratualmente.
São casos em que coincidem as duas responsabilidades - a contratual e a extrac
ontratual -, que se encontram concorrentes, e o profissional é obrigado a observar
as regras de seu ofício. Às vezes por força de lei e outras em virtude do contrato".
Com base nessas ponderações, concluíram os julgadores que "se não há um contrato entre
a autora e os réus, como sustentam estes, haverá contudo, a violação de
um dever legal, corrigido e sancionado pela lei. O direito exige que esses profi
ssionais exerçam sua arte, segundo os preceitos que ela estabelece e com as cautel
as
e precauções necessárias".
<251>
"Mesmo aceitando-se a alegação dos apelantes de que foram meros prepostos do INA
MPS, sua legitimidade para a causa seria indiscutível em face da regra peremptória
do parágrafo único do art. 1.518 do Código Civil, segundo a qual são solidariamente resp
onsáveis com os autores os cúmplices e as pessoas indicadas no art. 1.521,
entre as quais se incluem o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais
e prepostos, no exercício do trabalho que lhe competir, ou por ocasião dele".
A sentença apelada foi mantida, concluindo, ainda os julgadores que os médicos e
rraram também por "insistir numa atuação que sua especialidade não autorizava".
Caracterização: Culpa por imperícia comprovada, cujo ressarcimento independe de qu
alquer tipo de contratualidade. Atuação em especialidade que não a sua.
<253>
7. MÉDICO COMO CHEFE DE EQUIPE (1)
A matéria em epígrafe já foi tratada na Parte Primeira, todavia é sempre bom relembr
ar que o cirurgião ainda é considerado o chefe da equipe em relação àquelas
pessoas que compõem o seu quadro de trabalho no momento de uma cirurgia. A única dúvid
a que paira sobre o assunto diz respeito aos atos e à pessoa do anestesiologista
que, devido ao seu alto grau de especialidade - e trabalhando em pé de igualdade p
rofissional com o cirurgião - deixaria de ser da responsabilidade deste último,
passando a ter uma responsabilidade unitária e independente. O assunto, todavia não
se esgota de maneira tão simples e todas as suas nuanças já foram abordadas em
capítulo específico.
7.1 RESPONSABILIDADE CIVIL. PACIENTE QUE DEVIDO AO SEU MAU POSICIONAMENTO NA
MESA DE OPERAÇÃO SOFRE TRAUMATISMO DE ARTICULAÇÃO TIBIO-TÁRSICA, EXIGINDO MAIOR
TEMPO DE INTERNAÇÃO E TRATAMENTO ORTOPÉDICO.
A responsabilidade pelo mau posicionamento na mesa de operação, onde a paciente
sofreria parto cesáreo, é do Chefe da Equipe cirúrgica, pois a ele compete verificar
se está tudo correto, antes de iniciar o procedimento indicado. Deve, pois, respon
der pelas despesas decorrentes do tratamento ortopédico não cobertas pelo seguro
saúde. Por outro lado, se a paciente não pagou, integralmente os honorários do cirurgião
, deve responder pelo débito, sendo o valor apurado em perícia de arbitramento,
à falta de contrato escrito. A correção do valor do débito, e do valor pago anteriorment
e, deve obedecer aos mesmos critérios. Apelo provido.
<254>
No caso em pauta, o médico está cobrando honorários não recebidos da paciente, enqua
nto esta o responsabiliza por traumatismo de articulação tibio-társica, resultante
de mau posicionamento na mesa cirúrgica por ocasião de sua cesariana.
A ação indenizatória foi julgada improcedente, em 1º grau, com base no fundamento de
não ter ficado provado que a responsabilidade pela inadequação de posição
da paciente era do chefe da equipe cirúrgica.
Inconformada apelou a paciente, ré da ação de honorários, apontando que estes haviam
sido fixados em valor três vezes superior ao devido, fruto da correção entre
diferentes moedas.
Indicou, também que o perito judicial em seus esclarecimentos "concluiu que a
responsabilidade pelo mau posicionamento da paciente é do médico que chefia a equipe
e não da enfermagem, pertencente à Casa de Saúde onde foi realizado o parto, pelo que
deve ele responder pelas despesas decorrentes do tratamento ortopédico que
se fez necessário".
Em verdade, o laudo pericial foi um tanto contraditório, pois primeiro ele apo
nta que a responsabilidade seria da equipe de enfermagem, que sequer figura na
lide, para depois concluir que "o cirurgião orienta, porque é o responsável e os maque
iros, enfermeiras de sala, ou circulantes, executam o que o cirurgião orientou
ou determinou".
<255>
Ao que os julgadores de 2º grau aduziram: "E nem poderia ser de outra forma. C
abe ao cirurgião, antes de iniciar a cirurgia, verificar se tudo está correto,
inclusive o posicionamento da paciente na mesa cirúrgica, de acordo com o que terá d
e ser realizado. E se esse posicionamento não estava certo, tanto que originou
um traumatismo na perna da apelante, que por isso teve de imobilizá-la e ficar mai
s três dias internada, recorrendo a tratamento ortopédico, é evidente que o apelado
deve arcar com as despesas decorrentes desse fato, que não foram ressarcidas pelo
seguro saúde. Apenas se exclui a parcela que teria sido paga à enfermagem, pois
que não há comprovantes nos autos".
Após corrigidos os honorários, foram compensados os respectivos créditos, com sucu
mbência recíproca.
Caracterização: Médico responsabilizado por erro comprovado de sua equipe. Imperícia
do serviço de enfermagem. Culpa in vigilando do cirurgião.
<257>
8. NEGLIGÊNCIA (6)
Negligência, vocábulo derivado do latim negligentia, do verbo negligere (desprez
ar, desatender, não cuidar), exprime a desatenção, a falta de cuidados ou de
precaução com que se executam certos atos, em virtude dos quais se manifestam result
ados maus ou prejudiciais, que não adviriam se mais atenciosamente ou com a devida
precaução - aliás ordenada pela prudência - fossem executados.
Em outras palavras, é a falta decorrente do não acompanhamento do ato com a atenção
com que deveria ter sido acompanhado: é a falta de diligência necessária
à execução daquele ato. É, pois, a inobservância do dever que competia ao agente - alicerça
o nas precauções tidas como necessárias - para evitar males não queridos
e evitáveis.
8.1 AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO. RESPONSABILIDADE MÉDICA. MIOPIA. CIRURGIA CORRETIVA. QU
ADRO INFECCIOSO A COMPROMETER UM DOS ÓRGÃOS DE FORMA IRREVERSÍVEL, COM
INDICAÇÃO DE TRANSPLANTE PENETRANTE DE CÓRNEA. NEGLIGÊNCIA.
Ficando evidenciado nos autos que a cirurgia não se realizou em condições de assep
sia satisfatória, de modo a diminuir o risco que decorre de toda a operação
e da metodologia seguida, e de que o médico não cuidou de prescrever exames laborato
riais capazes de determinar o agente causador da infecção, e assim instituir
o tratamento adequado, impõe-se a sua responsabilização.
<258>
Paciente que se submeteu a cirurgia corretiva de miopia indicou ter sido o s
eu olho direito lesado pelo médico. Posteriormente, sofreu infecção naquele órgão,
o que acabou por ocasionar a perda quase total da visão. O oftalmologista, em reco
nhecendo erro de sua parte, teria prometido um transplante de córnea, que não se
realizou. A paciente propôs, então, ação de ressarcimento de danos contra seu médico, pedi
ndo por danos morais na base de 500 s.m., mais verbas para tratamento,
cirurgias e transplante de córnea. O Juiz a quo julgou improcedente a ação.
Apelando, a paciente apontou laudo corporativista. Defendeu-se o médico, dizen
do que o laudo não fora impugnado, bem como não houvera perda de visão e, sim,
redução da mesma, usando ele de toda a técnica e perícia na cirurgia, não podendo ser resp
onsabilizado por edema surgido no pós-operatório.
Todavia, houve um peso negativo contra o profissional, dito experiente, com
trinta anos de labuta e mais de dezoito mil cirurgias idênticas realizadas: o ato
médico teria se realizado em "circunstâncias comprometedoras da higiene e da assepsi
a", bem assim, a paciente teve os dois olhos operados ao mesmo tempo, que - conq
uanto
seja aceitável - não é a técnica mais recomendável. O médico teria procedido a cirurgia em
eu consultório, o que não é depreciativo, visto aquele tipo de cirurgia
poder se realizar em caráter ambulatorial, sem necessidade de internação hospitalar, p
orém, consta da exordial a informação de que "na própria sala de cirurgia se
encontrava outra paciente que fazia testes de lente de contacto com uma contactólo
ga e que ao iniciar-se a operação o cirurgião chamou sua secretária para auxiliá-lo,
trajando, tanto ele quanto ela, roupas esportivas".
<259>
Entenderam os julgadores de 2º grau que "se não há como afastar totalmente o risco
da cirurgia, incumbe ao cirurgião, porém, cercar o procedimento de cuidados
máximos, de modo a evidenciar que eventual infecção deveu-se a causa que não estava no s
eu poder evitar".
Não ficou detectado pela perícia, e nem poderia, se a infecção se dera durante ou após
a cirurgia, contudo, como "não há nos autos nenhuma prova indicativa de
ter o réu tomado os cuidados necessários, circunstância que torna maior a possibilidad
e de que a infecção tenha se instalado durante o ato cirúrgico, ainda mais
que o réu segue a corrente médica que não é a mais segura, ou seja, a que admite que a c
irurgia possa ser feita na mesma oportunidade nos dois olhos, o que aumenta
o risco de contaminação".
Outro fator contra o profissional: um outro médico, ao ser ouvido em Juízo, qual
ificou de negligente o procedimento do colega. Também no que tange à infecção,
restou concluído que "poderia ter sido debelada antes que viesse a comprometer irr
emediavelmente o órgão".
Por tantas e tais razões, decidiram pela condenação, acolhendo a pretensão de 500 s.
m. para dano moral (por achá-la até modesta), mais verba para tratamento
médico e transplante de córnea, custas e honorários advocatícios.
Caracterização: Culpa por negligência. Condições de atendimento abaixo do desejável.
<260>
8.2 RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. HOSPITAL. DANOS CAUSADOS À PACIENTE.
NEGLIGÊNCIA CARACTERIZADA PELA NÃO OBSERVÂNCIA DOS DEVERES QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS
EXIGEM.
Parturiente que, após o parto no hospital, sofre traumatismo raqui-medular, qu
e vem a lhe ocasionar paraplegia. Caracterizado erro médico e hospitalar, não se
pode deixar de responsabilizar o nosocômio pelo pagamento de indenização em conjunto c
om os funcionários que agiram com culpa grave.
O interessante e rico corpo do acórdão trata, primeiramente, de discutir um agra
vo retido concernente à prescrição qüinqüenal do fato, já que o atendimento médico
que deu origem ao processo teria acontecido em 1981, e a ação só foi proposta em 1992.
Informa a ilustre relatora que "a ação pessoal indenizatória é vintenária,
por se tratar de responsabilidade civil, mas é inafastável que, sendo a ação movida cont
ra o Estado, a prescrição é qüinqüenal".
Ocorre que a paciente só em 1987 foi informada que estava definitivamente para
lítica, através de diagnóstico fornecido pelo Hospital Tráumato-Ortopédico, do
que se conclui que o prazo qüinqüenal da prescrição se iniciou em novembro de 1987, e a
ação foi proposta em março de 1992, tempestivamente, pois. Negado provimento
ao agravo retido.
Passemos ao caso propriamente dito: a paciente, parturiente múltipla, internou
-se em hospital público para parto que acabou sendo cesáreo. Como resultado, ficou
paraplégica e o laudo médico, longe de poder ser inserido em qualquer modalidade de
corporativismo, é quem dá a exata e clara descrição dos fatos:
<261>
"A autora não teve sua paraplegia decorrente de um acidente anestésico, e sim, d
e um traumatismo raqui-medular ocorrido, provavelmente, em algum momento entre
a sala de parto e o seu retorno ao leito. Isto se explica pela patologia pregres
sa da autora (tuberculose óssea - Mal de Pott), que debilitando a estrutura da col
una
vertebral, ao ser manipulada, sob anestesia raquidiana, veio a provocar a fratur
a da coluna torácica. Tal patologia poderia ser diagnosticada previamente ao ato
obstétrico, bastando para isso que se fizessem os mais simples exames pré-operatórios,
tais como hemograma simples e RX do tórax".
Portanto, o que se deduz é que a paciente, por negligência de prepostos de estab
elecimento hospitalar público, resultou paraplégica.
Com sensibilidade e argúcia, argumenta a relatora: "Na proporção em que cresce o p
rogresso tecnológico, também diminui a preocupação com o ser humano em si,
com a pessoa. Os hospitais tornaram-se pequenos face ao grande volume de pacient
es. Ampliam-se as instalações. Surgem os enormes prédios agasalhando sob o mesmo
teto um sem número de leitos, corredores sem fim, andares sobre andares, enfermari
as sobre enfermarias, doenças múltiplas, gemidos diferentes, contágios comuns,
cuidados impossíveis".
[...] "O hospital não é um hotel. Não é uma hospedaria de doentes. Deve ser o abrigo
dos homens para tratamento de suas moléstias; deve ser a casa onde se procura
diminuir a dor, tratar da saúde, velar por ela e cuidar sempre para que aqueles qu
e ali entram, se não conseguirem a cura, pelo menos não sofram um dano maior, como
aconteceu com a autora que internou-se para ter um filho e acabou por se tornar
paralítica".
Assim, considerando, determinaram os julgadores de 2º grau a culpa do hospital
e de seus prepostos, para condená-los ao pagamento de pensão mensal vitalícia,
a partir do fato, de três salários-mínimos, o que abrange não só o que a paciente percebia
antes, mas, também, o referente ao pagamento de cuidados de atendentes
de enfermagem, em face de sua impossibilidade de locomoção e dos cuidados que o para
plégico exige. Dano moral avaliado em vinte mil reais, mais gastos que já teve
e precisará ter relativos a tratamento médico-hospitalar.
<262>
"O fato de a autora ter a possibilidade de tratamento gratuito não a obriga a
dele se valer e nem significa que nele estejam incluídos tudo o de que necessita
ou necessitará. Seria um contra-senso que os seus direitos revertessem em benefício
do causador dos seus danos e males".
Caracterização: Negligência e imperícia; culpa in eligendo e in vigilando.
8.3 RESPONSABILIDADE CIVIL.
Atendimento médico. Ilegitimidade passiva ad causam. Agravo de instrumento ret
ido rejeitado. Contratante responde pelos atos praticados pela contratada, prest
adora
de serviços. Erro médico. Contusão por seccionamento do punho da mão direita. Atendiment
o médico de emergência adequado às circunstâncias que cercava a lesão neurológica
no momento. Ausência, no entanto, de orientação médica no sentido de encaminhar o pacien
te a um hospital especializado (traumatologia ortopédica), quando do seu
retorno para retirar os pontos da sutura. Obrigação de aconselhar o paciente a respe
ito das precauções que deve tomar, em razão do seu estado de saúde. Seqüela determinante
de redução da capacidade laborativa, por lesão do nervo mediano direito. Indenizações devi
das. Improvimento dos recursos.
<263>
Operário caiu de um telhado onde trabalhava, sofrendo profundo corte em seu pu
nho direito. Atendido em uma clínica, entendeu não ter recebido o atendimento devido
,
razão pela qual ficou com seqüela que lhe reduziu a capacidade laborativa, de forma
permanente, em 13%. Moveu ação contra a clínica visando obter reparação civil
por danos material e moral.
Julgado procedente, em parte, o pedido em 1º grau, foi a Clínica-ré condenada a pa
gar ao paciente pensionamento vitalício da ordem de 13% sobre seu salário (que
é o mínimo) e mais 20 s.m. por dano moral.
Subindo os autos, entenderam os julgadores de 2º grau que, não obstante o atendi
mento no dia do acidente fosse o adequado, faltou "o cuidado de encaminhá-lo
a uma casa de saúde ou a um hospital especializado em traumatologia [...], já que se
u estado se agravara e esse era o segundo atendimento médico a ele dispensado
pela Apelante-Ré".
"Quer fazer crer a Apelante-Ré que orientou o Apelado-Autor no sentido de proc
urar serviço especializado de traumatismo de mão, porém, não fez nenhuma prova
do que alega, como lhe cabia no presente caso, até porque não citou sequer o nome do
nosocômio que tivesse indicado para atendê-lo".
Ou seja, a médica que atendeu o operário fez o que o caso demandava, todavia se
deu maiores informações, indicações e esclarecimentos ao paciente, disso não
deixou registro e, apenas nisso, foi considerada culpada.
É por casos como esses que insistimos tanto no fato de que o médico deve dar a m
aior informação ao paciente e, após, documentar-se de tê-la dado, até porque
o poder de compreensão dos indivíduos é variável e muitas vezes ele faz a sua parte mas,
o paciente, por deficiência de formação ou por que não julgava importante
aquele dado, acaba por prejudicar o médico que não deixou registrado o seu ato.
<264>
O Juiz a quo, no corpo da sentença assim se expressou: "A obrigação contratual de
socorros médicos, que é uma obrigação de meios, não foi exaurida in casu pelo
simples atendimento e primeiras medicações. Cumpria-lhe instruir o paciente, como en
sina a doutrina de AGUIAR DIAS nos seguintes termos: 'Responde o médico por infração
do dever de conselho quando não instrui o cliente ou a pessoa que dele cuida a res
peito das precauções essenciais requeridas pelo seu estado'. Esse dever de conselho
não foi seguido pela Ré, embora tenha dito que foi, em sua contestação de fls. A Ré afirma
, enfaticamente, que a Dra. W. orientou o Autor nesse sentido, mas nenhum
documento existe que confirme essa alegação".
Do que se conclui que quando o problema reside na palavra de um contra a pal
avra de outro, vence a do hipossuficiente (como no presente caso).
Negado provimento ao recurso e mantidas as indenizações da sentença inicial.
Caracterização: Negligência ao informar o paciente e ao documentar-se das informações
dadas.
8.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. CULPA A JUSTIFICAR A REPARAÇÃO DO DANO.
O contrato entre o profissional e o paciente, de locação de serviços, não foi cumpri
do. Se os recursos empregados não foram satisfatórios o contrato foi descumprido.
Havendo erro ou negligência incide a responsabilidade aquiliana. Embora o Código Civ
il coloque a responsabilidade do médico como se apenas estivesse em foco a respons
abilidade
extracontratual, a contratual também subsiste. A obrigação médica não é de resultado; não a
me o médico o dever de curar o paciente, de aplacar todos os seus males
e transformar-se em guardião absoluto de sua vida. É intuitivo que a obrigação é de meio,
mas nem por isso está o médico desobrigado de esgotar os cuidados terapêuticos
disponíveis ao seu alcance. Da extração de um cálculo renal, nos dias subseqüentes o médico
omitiu-se e ignorou os sintomas de anemia, hematoma, fortes dores e dificuldade
de locomoção, até chegar à radiografia computadorizada, por outro médico, e nova cirurgia
com outra equipe médica, trazendo, como conseqüência, a extirpação do rim
do paciente. A conduta ética do médico resultou em punição imposta pelo Conselho Regiona
l de Medicina, e a vítima da negligência deve ser indenizada.
<265>
Trata o presente caso de paciente que se submeteu a cirurgia para retirada d
e um cálculo renal. Conquanto a intervenção tenha transcorrido dentro da normalidade,
no período pós operatório aquele passou a apresentar febre contínua, acompanhada de fraq
ueza e anemia. Tal anemia foi detectada pelo próprio cirurgião na única vez
em que viu o paciente após a cirurgia. Passados sete dias da primeira intervenção, e a
pós ter procurado outros profissionais, o paciente se submeteu a nova intervenção,
desta feita para a retirada do rim anteriormente operado. Havia ocorrido a ruptu
ra daquele órgão e a formação de um hematoma retroperitonial.
O paciente moveu ação cível e ética contra o médico, requerendo, naquela, indenização p
danos materiais e morais, por entender que a perda de seu rim direito
se deveu à negligência do profissional por não ter pedido os exames de rotina quando p
ercebeu a anemia, o que poderia ter impedido aquela nefasta ocorrência.
<266>
Em sua defesa, o médico informou que a sentença condenatória baseou-se apenas no f
undamento que "deveria ter sido solicitado um hemograma completo para avaliar
a anemia detectada pelo próprio Réu e a origem da febre persistente".
Por sua vez, o laudo do assistente técnico em nada se opôs ao do perito, apenas
fez-lhe o seguinte reparo: "o paciente não desenvolveu qualquer infecção. Sem
qualquer dúvida, podemos afirmar que tanto a febre que apresentou (37.5º), quanto a
icterícia decorreram da absorção do sangue proveniente do hematoma retroperitonial.
O paciente tinha um pós-operatório normal para as circunstâncias. A febre podia ser ex
plicada pelo hematoma. Estava sendo medicado com antibiótico desde o dia da
operação, por isso protegido de infecção".
Mais ainda, informou que o paciente desapareceu de seu consultório, vendo-o so
mente uma vez, quando detectou a anemia, para depois sabê-lo operado em outra clínic
a
e por outros médicos, "querendo agora responsabilizá-lo por ter sido o seu rim extraíd
o sete dias após o seu desaparecimento. O laudo pericial não autoriza a procedência
do pedido por erro ou negligência médica".
O julgadores de 2º grau entenderam que o profissional "omitiu-se e não procurou
a origem dos sintomas durante cinco dias, só depois constatou a anemia e a sensação
de fraqueza, transmitindo isso ao clínico de seu cliente e por telefone, mas mesmo
assim com a observação de que o caso não inspirava maiores cuidados".
"Consciente, o clínico procurou outros meios, e a radiografia computadorizada
acusou a gravidade do caso e a necessidade da nova cirurgia".
Aludiram, uma vez mais, ao laudo pericial que informava "não se poder atribuir
responsabilidade pela perda do rim direito do Autor, em razão de ter aplicado
a técnica correta. No que diz respeito ao pós-operatório, não era justificável passar tant
os dias sem a requisição de exames básicos de sangue, uma vez que o paciente
evoluiu com febre e mal estar geral".
<267>
Apontaram que a obrigação do médico é de meio e não de resultado, todavia, deve ele se
mpre esgotar os cuidados terapêuticos exigidos, o que não teria ocorrido
no caso em tela.
Por tal razão, foi mantida a sentença de 1º grau, com condenação à verba por danos mate
iais a ser arbitrada em liquidação de sentença, com juros e correção
monetária contados da data da ocorrência do fato, e por danos morais no valor de 50
s.m.
Junto ao Conselho Regional de Medicina, por unanimidade de votos, foi aplica
da ao médico considerado infrator, a Censura Confidencial em Aviso Reservado.
Cumpre aqui lembrar o que foi mencionado no capítulo da Parte Primeira referen
te a erro de diagnóstico e erro de conduta. Conforme escrevemos lá, quando o médico
erra o diagnóstico, ele não pode ser considerado culpado, já que aquele, em princípio, é g
enérico, devido ao fato de não serem conhecidas as etiologias de um boa
parte das patologias; todavia, incorrerá em erro quando ao ver que não se altera, ou
até piora, o estado de seu paciente, continuar insistindo na mesma conduta.
Veja-se o caso acima: o médico operou o paciente sem intercorrência ou qualquer anor
malidade. Depois, detectou problema no pós-operatório e até acertou o diagnóstico
(anemia), entretanto, que fez ele? Simplesmente deixou de ter a conduta correta,
que era a de pedir exames que lhe possibilitassem detectar a razão do mal estar,
da fraqueza, da icterícia e da anemia de seu cliente. Diagnóstico correto e conduta
errônea.
Caracterização: Culpa por negligência. Erro de conduta.
<268>
8.5 RESPONSABILIDADE CIVIL. ATENDIMENTO MÉDICO.
Evidentes falhas no atendimento médico do paciente, em comportamento que respi
nga negligência e imperícia por todos os poros, a responsabilidade deve ser acolhida
.
É necessário combater - para mudar - a rotina dos pobres que ficam horas esperando a
tendimento nos hospitais públicos.
Paciente com fratura cominutiva (múltiplos pedaços) de terço médio (rádio-cúbito) compa
eceu a hospital do Estado onde foi atendido por um primeiro médico que
lhe procedeu uma "imobilização gessada a cirurgia". No dia seguinte, como sentisse m
uita dor, voltou ao nosocômio sendo atendido por outro profissional que retirou
o gesso sendo, então, "colocada imobilização com tala". Persistindo o quadro de dor e
"apresentando sinais de compressão arterial ao nível do antebraço esquerdo"
foi transferido para outro hospital onde acabou tendo seu braço amputado, ficando
totalmente incapacitado para o mister que exercia como ajudante de pedreiro. Mov
eu
uma ação contra o primeiro hospital, o qual denunciou à lide os dois médicos que atender
am o paciente logo após o acidente.
Evidenciada a negligência de ambos os profissionais no atendimento ao acidenta
do, o qual a perícia considerou crítico, e reconhecida a responsabilidade objetiva
do nosocômio, foram condenados a pagar pensão mensal na base de 60% do PNS, o valor
de uma prótese mecânica, sua manutenção e substituição em perícia complementar,
juros de mora, mais custas e honorários.
Caracterização: Erro médico evidenciado. Culpa por negligência e imperícia.
<269>
8.6 AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO. PROFISSIONAL QUE DES
CONSIDERA QUADRO CLÍNICO ANORMAL DE PACIENTE. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO
CIRÚRGICA, NO DIA SEGUINTE, POR OUTRO ESCULÁPIO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
É induvidosamente negligente o médico que, após realizar uma episiotomia em partur
iente, não dá maior atenção às suas queixas posteriores, deixando de proceder
um exame mais detalhado, muito embora o quadro anormal, permitindo a formação de um
abcesso de graves proporções, com perfuração do reto, que exigiu cirurgia de
emergência no dia imediatamente após a última consulta com o profissional sem que qual
quer providência mais atuante fosse tomada. Em casos tais, a responsabilidade
médica reside em sua omissão, resultando conseqüências perfeitamente previsíveis, acarreta
ndo a obrigação do esculápio em reparar os prejuízos. Recurso desprovido.
Paciente internou-se para o parto de primeiro filho, tendo feito todo o pré-na
tal com o mesmo médico. Para facilitar a expulsão do feto, foi executada epiziotomia
(corte nas bordas laterais da vagina) e, após o nascimento do bebê, foi feita a sutu
ra de tal incisão (epiziorrafia). Dois dias após teve alta, mas, ainda no período
em que esteve internada queixou-se de dor no local da incisão, sendo considerada c
omo normal pelo seu médico.
No dia seguinte à alta, retornou ao consultório informando fortes dores, febre a
lta e mal-estar, em função do que o profissional reforçou a medicação anterior
e receitou outro antibiótico. Voltou novamente, 24 horas após, apresentando edema de
vulva e secreção de substância que sugeria sangue e pus. Nesse momento teria
havido sugestão de internamento por parte do médico, o que foi negado pela paciente,
não tendo sido demonstrado em Juízo a veracidade de tal afirmação.
<270>
Como o quadro se apresentasse a cada dia pior e não tendo sido encontrado o médi
co que a atendera anteriormente, a paciente foi levada ao H.E.L., onde, ao ser
examinada, o plantonista "encontrou sinais de processo inflamatório no local da ep
iziorrafia", retirando dois pontos, por onde saiu secreção purulenta.
No dia posterior, como não cedessem as dores, a paciente dirigiu-se ao H.M., o
nde um ginecologista procedeu-lhe meticuloso exame ginecológico, constatando que
a mesma "apresentava uma infecção com drenagem de secreção purulenta e material fecalóide
pelo local onde haviam sido retirados os dois pontos; que ao fazer um toque
retal, constatou a presença de uma fístula retal, ou seja a comunicação entre o reto e a
epiziotomia (sic)".
Naquele mesmo dia foi internada no H.E., sendo operada emergencialmente. Os
procedimentos executados constaram de "debridamento da ferida, limpeza das secreções
purulentas, identificação de uma fístula no reto, colostomia, limpeza intestinal e sut
ura da fístula".
Após a cirurgia, a paciente teve sua convalescença de maneira normal, porém, senti
ndo-se lesada por atos de negligência e de imprudência de seu médico, moveu-lhe
uma ação de indenização, buscando ser ressarcida das despesas médicas, hospitalares e de m
edicamentos, bem assim, dos lucros cessantes, por ter permanecido incapacitada
para o trabalho durante os meses de recuperação.
O Juiz a quo não viu imprudência no agir médico, mas considerou-o negligente na as
sistência profissional à paciente, pelo que julgou procedente o pedido.
<271>
Os julgadores de 2º grau, em concordância absoluta, concluíram que "se não foi imper
ito, pautou sua conduta por manifesta negligência". E, em que pese "sua incontestáve
l
formação profissional, não dispensou ao caso a atenção exigível, configurando a sua negligê
a, elemento caracterizador da culpa".
A sentença de 1º grau foi mantida na íntegra por entenderem-na não suscetível de qualq
uer corrigenda ou reforma.
Caracterização: Culpa por negligência. Erro de conduta.
<273>
9. NEXO CAUSAL (10)
Nexo causal é a necessária relação que se estabelece entre a ação e sua causa de agir,
e tal forma que o resultado final só pode ser imputado àquele ou àquilo
que lhe deu causa. Na determinação da responsabilidade médica esse é um dado que se agig
anta em valor, pois, conforme mencionado em capítulo específico, às vezes
é possível confundir evolução natural do estado de morbidez do paciente com o ato médico,
quando, então, a análise do nexo de causalidade fará a necessária distinção.
9.1 APELAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS. ERRO MÉDICO. PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE CULPA.
Não é possível responsabilizar o profissional de medicina pelo cometimento de erro
médico, se a prova pericial produzida afasta a existência de nexo causal entre
cirurgia a que a apelante foi submetida e as seqüelas de cujo padecimento a mesma
se queixa. Por via de conseqüência, se nenhuma falha técnica foi constatada na
conduta do médico que tratou da paciente, com mais razão ainda, há de ser afastada qua
lquer responsabilidade da instituição oficial de assistência médica, que não
contribuiu de qualquer forma para o sofrimento da autora. Apelação a que se nega pro
vimento.
<274>
O corpo do acórdão não traz relatório nem dá detalhes do que tenha sido o caso que deu
origem à demanda, todavia, indica ser uma ação de ressarcimento por danos
morais e físicos sofridos por uma paciente em decorrência de alegados atos de imperíci
a e negligência de médico com contribuição do hospital, onde teria sido atendida
a paciente.
A sentença dada em 1º grau julgou improcedente o pedido, "por entender não ter fic
ado comprovado o nexo causal entre a conduta médica aplicada e as seqüelas
apresentadas pela autora".
A perícia foi contundente na sua conclusão, ao afirmar que "após o fiel, exaustivo
e necessário exame dos documentos contidos nos autos e exame da autora, coletou
subsídios que clarificam a demanda de forma indubitável, elidindo a existência de impe
rícia, negligência ou imprudência nos atos médicos praticados pelo réu".
Foi ouvido, também, um professor de medicina, titular da Cadeira de Neurologia
, cujo depoimento dá integral apoio às conclusões do laudo pericial.
A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opinou, de igual maneira, pelo desprov
imento do recurso, assim se expressando: "Para a caracterização do erro médico
e conseqüente condenação, devem estar presentes determinados pressupostos, sem os quai
s será impossível alcançar o objetivo mencionado. Não há provas de que o médico
procedeu com culpa, que tenha havido imperícia ou negligência profissional, bem como
não há nexo de causalidade entre a situação atual da apelante e o tratamento
a que foi submetida. A conclusão da análise da prova produzida afasta a hipótese de er
ro médico". Mantida a sentença de 1º grau.
Caracterização: Ausência de nexo de causalidade.
<275>
9.2 RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICA OBSTETRA.
Inocorre a responsabilidade civil da médica que atende a parturiente quando, m
esmo presente lesões ao nascituro, inexiste prova de terem sido ocasionadas por
imprudência, negligência ou imperícia da esculápia.
Paciente internou-se para ter um filho. A médica, que lhe tinha acompanhado o
pré-natal, demorou-se a chegar ao hospital, atrasando-se para o momento do parto.
Queixou-se, ainda, de ter feito uma única ecografia durante toda a gestação, isso por
volta dos cinco meses. Por conta dessas condutas e pelo fato de o bebê ter
nascido com uma fratura no terço médio da clavícula direita e diversos hematomas na ca
beça, moveu ela uma ação de indenização, pleiteando danos materiais e morais,
estes calculados em trinta vezes o valor daqueles.
A sentença de 1º grau deu pela improcedência da ação, com a anuência do Ministério Públ
o que gerou a presente apelação.
Os julgadores de 2º grau ativeram-se à análise sobre serem ou não os fatos danosos d
ecorrentes da demora no atendimento à parturiente, bem assim se deveria ou
não a obstetra ter conhecimento prévio do tamanho do bebê, para então optar pela cesaria
na e evitar todos aqueles problemas.
Pelas inúmeras respostas encontradas em minucioso laudo pericial chegaram às seg
uintes conclusões:
a) impossível saber o peso exato de um bebê antes do parto, sendo que nem a ecograf
ia poderia indicá-lo corretamente, vez que dá margem de erro de 20 a 30%, tanto
para mais quanto para menos;
<276>
b) a craneoestenose (mal formação congênita que faz com que haja uma deposição óssea preco
e fechando as suturas do crâneo), só pode ser diagnosticada após o parto
e confirmada por Raio X, tendo tratamento cirúrgico sem deixar seqüelas;
c) os cefalohematomas são freqüentes em partos devido ao atrito entre a zona cefálica
e a pelve. Sua regressão é espontânea e não deixa seqüelas;
d) a fratura da clavícula pode ter se dado de forma espontânea. A paralisia do plex
o deixou um residual mínimo, à altura do ombro que não o impedirá de levar uma
vida normal, apenas não podendo ser atleta olímpico. "Na maioria das vezes, a lesão de
plexo decorre do movimento de tração na hora do parto, todavia, não existe
um consenso acerca da patomecânica do plexo".
Pela reanálise das provas e dos depoimentos, os julgadores decidiram por mante
r a sentença de 1º grau, sendo os pareceres do Ministério Público idênticos nos
dois graus de jurisdição, por entenderem que "a craneoestenose apresentada pelo auto
r seria congênita, não tendo qualquer relação com o parto, e que o cefalohematoma
foi determinado pelo atrito da zona cefálica contra os ossos da pelve e, finalment
e, que a fratura da clavícula foi espontânea".
Aduziram, ainda, tratar-se in casu da "aplicação da teoria da eqüivalência das condiçõe
, em que uma condição precisa ter o nexo de interdependência com a subseqüente,
a fim de que se possa aferir se o profissional da Medicina, no caso concreto, ag
iu com dolo ou com culpa".
Caracterização: Não comprovação de nexo causal.
<277>
9.3 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
Para caracterizar a responsabilidade civil do médico é necessário demonstração do resu
ltado danoso, evitável, ao paciente e da relação de causa e efeito entre
a conduta culposa do demandado e a ocorrência lesiva.
Paciente apresentou-se em consultório médico para retirada de um cisto sebáceo no
lado direito da face. Após realizado o ato cirúrgico, o médico ausentou-se
do local. Sentindo dores, a paciente chamou a enfermeira que constatou edema e h
ematoma no local da incisão. Como não fosse possível localizar o médico responsável
pela intervenção, o fato foi comunicado ao médico-chefe que, junto a outro profissiona
l, foi atender a paciente, constatando "rompimento de artéria e de outros vasos
sangüíneos. Ante a impossibilidade de estancar a hemorragia com curativo compressivo
, reabriram a incisão".
Aponta ainda, a queixosa, que a cirurgia fora realizada sem iluminação apropriad
a; que se submeteu ao procedimento cirúrgico com as próprias roupas; que ante
a reabertura do corte cirúrgico foi-lhe receitado antibiótico de largo espectro "de
contra-indicações e reações colaterais".
Por tais motivos e se sentindo lesada, moveu ação contra a policlínica e o médico qu
e a atendeu, requerendo indenização por dano moral, dano à imagem e dano
patrimonial, este último referente ao valor do pagamento efetuado pela primeira ci
rurgia.
Em sentença de 1º grau, foi julgado procedente o pedido, condenando os demandado
s a ressarcirem à paciente o valor eqüivalente a uma cirurgia plástica reparadora,
por profissional escolhido por ela, mais as despesas que teve em razão da primeira
intervenção, mais indenização por dano moral e à imagem arbitrado em 500 s.m.
<278>
Irresignados, clínica e médico apelaram, justificando que o procedimento utiliza
do foi o correto e que inexiste deformação, portanto, inexiste dano estético.
Os julgadores de 2º grau, apontaram que "para a caracterização da responsabilidade
civil, dois fatores devem confluir: ocorrência de dano e relação de causa
e efeito entre o procedimento do agente e o resultado lesivo, não vendo, na espécie,
caracterizado qualquer deles".
Com base no laudo pericial, os doutos observaram que o pretendido resultado
lesivo encontrava-se indicado pelas fotografias, sendo descrito no laudo como: "
pequena
cicatriz cirúrgica vertical de 2 cm, na hemiface direita, justa nasal, consolidada
e mal constituída. No terço superior, a mesma apresenta-se discretamente alargada.
Não há aderências, retrações ou deformidades".
Em laudo complementar foi esclarecido que "a excisão do cisto sebáceo implica se
mpre em cicatriz no local de onde foi extirpado". O que equivale dizer que é
um resultado não só previsível, como inevitável.
Quanto à saída do cirurgião do local foi considerado plenamente normal, vez que se
tratava de singelo procedimento ambulatorial. "É comum não haver sangramento
no momento da remoção do cisto, portanto, não necessitando de hemostasia". Do que se d
eduz, que "a ocorrência de sangramento abundante como ocorreu no caso, é incomum,
tanto que, em regra, apenas a sutura da incisão é o suficiente e esta foi levada a e
feito pelo cirurgião".
Por tais e tantas razões, o pedido foi julgado improcedente, condenando, ainda
, a paciente a arcar com as custas do processo e os honorários dos patronos dos
demandados, cuja exigibilidade ficou suspensa face ao benefício da Assistência Jurídic
a Gratuita, concedido àquela.
<279>
Caracterização: Inexistência de nexo causal. Resultado danoso inevitável.
9.4 AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. NEXO CAUSAL NÃO POSITIVADO ENTRE A DEFICIÊNCIA AUDIT
E O ALEGADO EXCESSO DE MEDICAÇÃO. ERRO MÉDICO. NÃO COMPROVAÇÃO.
Não estando comprovada a conduta imprudente, negligente ou imperita dos prepos
tos das Apeladas, não há como responsabilizá-las pela constatada deficiência auditiva,
nem obrigá-las a pagar indenizações por um suposto erro médico, cuja ocorrência não se comp
ovou, não obstante o longo decurso de tempo entre a internação do Apelante
e a propositura da ação. Apelação a que se nega provimento, uma vez não caracterizada, seq
uer, a existência de nexo causal entre a deficiência auditiva apresentada
pelo Apelante e o alegado excesso de medicamento que teria sido utilizado.
O fato teria ocorrido em 1984, quando o paciente internou-se em determinado
hospital para uma cirurgia de revascularização do miocárdio. No pós-operatório, adveio
uma infecção, razão pela qual foram-lhe administradas doses de antibiótico em grande qua
ntidade. Ato contínuo, o paciente foi transferido para outro nosocômio, "para
restabelecer-se, com diagnóstico de ruptura dos pontos, permanecendo internado por
três meses, não obtendo êxito quanto à cicatrização, dada à infecção hospitalar
apresentada".
<280>
Alegando que, em decorrência das elevadas doses de medicamento, teve sua capac
idade auditiva drasticamente resumida, moveu ação contra as duas entidades hospitala
res,
pretendendo indenização.
A sentença de 1º grau concluiu pela ausência de comprovação do nexo de causalidade, já
ue o primeiro hospital justificou a utilização de antibiótico compatível
com a gravidade do estado em que se encontrava o paciente e, quanto ao segundo,
nada foi comprovado que justificasse o alegado erro médico.
Os julgadores de 2º grau, entenderam que decorridos onze anos da internação, seria
muito difícil a comprovação daquele erro, que só foi presumido, pois em verdade
o paciente não o comprovou conforme lhe competia, enquanto que as entidades hospit
alares deram provas explicativas do porquê de sua conduta médica. Do que decidiram
eles: "Não estando comprovada, assim, a conduta imprudente, negligente ou imperita
dos prepostos das apeladas, não há como responsabilizá-las pelo defeito auditivo
apresentado pelo apelante ou obrigá-las a pagar as pretendidas indenizações, por um su
posto erro médico". Desprovimento do recurso.
Caracterização: Nexo de causalidade não comprovado.
9.5 RESPONSABILIDADE CIVIL.
Provados o dano e o nexo de causalidade, procede a pretensão indenizatória, morm
ente de seu causador, desatendendo à regra do art. 333, II, da Lei dos Ritos,
não comprova a ocorrência do fato desconstitutivo do direito lesionado, invocado na
peça de bloqueio. Dano moral. O valor da indenização, à míngua de parâmetros
legais, fica submisso ao prudente arbítrio do Juiz que, para fixá-lo, louvar-se-á nos
princípios gerais do direito adequados à espécie e na eqüidade.
<281>
Paciente necessitando tratamento fisioterápico, recorreu a uma clínica onde rece
beu aplicações de raios infravermelhos. Em decorrência de tais aplicações sofreu
queimaduras de 3º grau no membro inferior esquerdo, resultando-lhe seqüela deformant
e e reduzindo-lhe a capacidade laborativa, com reflexos em seu rendimento escola
r,
além de necessitar de longo tratamento até a cicatrização. Refere-se, ainda a abalo psic
ológico e dor moral, pelo que moveu ação indenizatória contra a clínica que
a atendeu.
Esta defendeu-se alegando que a paciente antes e depois das aplicações em seu es
tabelecimento teria se submetido a tratamento com terceiros, inclusive com aplic
ação
de Raios X, o que poderia ter provocado as referidas queimaduras.
A sentença de 1º grau acolheu parcialmente o pedido, condenando a clínica ao pagam
ento de indenização por danos morais no equivalente a 100 s.m., acrescidos
de juros moratórios contados da citação, mais custas e honorários.
Na apelação, a clínica pediu a reforma do julgado pela improcedência da pretensão inde
nizatória, porque não restara comprovado o nexo de causalidade entre o
tratamento e a lesão apresentada. A paciente, por seu turno, pediu apenas a reform
a da indenização, majorando-a para 1.000 s.m.
Os julgadores de 2º grau entenderam que "restou provado que a autora submeteu-
se a aplicações de raios infravermelhos no estabelecimento da ré, das quais resultou
queimadura de 3º grau, geradora de cicatriz deformante". Mais ainda, "a clínica nenh
uma prova produziu capaz de elidir o fato constitutivo do direito da autora",
restringindo-se a meras alegações.
<282>
No que tange à irresignação da paciente quanto ao montante da indenização por dano mor
al, citaram os julgadores o que ficou assentado na III Conferência Nacional
de Desembargadores do Brasil, em dez/65, quando se chegou, entre outras, à seguint
e conclusão:
2ª - que o arbitramento do dano moral fosse apreciado ao inteiro arbítrio do Jui
z que, não obstante, em cada caso, deveria atender à repercussão econômica dele,
à prova da dor e do grau de culpa do ofensor.
Concluíram eles que o valor arbitrado pela sentença monocrática em 100 s.m., se ha
rmonizava com a condição econômica da paciente, beneficiária da gratuidade
da Justiça. Bem assim, entenderam que o referido valor condizia com "o princípio da
moderação, posto que, embora deva ser ampla a reparação, não pode o dano converte-se
em fonte de lucro".
Negaram, pois, provimento a ambos os recursos: a clínica foi considerada em cu
lpa e a paciente recebeu 100 s.m. por dano moral.
Caracterização: Nexo de causalidade existente e comprovado.
9.6 RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS RESULTANTES DE MALOGRADOS E
XAMES MÉDICOS E DE FRUSTRADA CIRURGIA VASCULAR. PROVA DE INEXISTÊNCIA DA
RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE OS DANOS E A AÇÃO OU OMISSÃO DE PREPOSTOS NA DEMANDA. IMPROCE
DÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE
SEM CULPA, MAS NÃO SEM CAUSA. CF/88, ART. 37, § 6º. EXEGESE.
Não se acolhe pedido de danos resultantes de malogrados exames médicos e de frus
trada cirurgia vascular se a prova pericial revela que as seqüelas apresentadas
pela vítima são decorrentes de causa endógena, não estando ligadas, por relação de causa e
feito à ação ou omissão de prepostos do nosocômio. As pessoas de direito
público respondem sem culpa. Mas não respondem sem causa. Apelação improvida. Sentença con
firmada.
<283>
Paciente se submeteu a exame de cateterismo, a fim de avaliar se havia ou não
necessidade de intervenção cirúrgica destinada a implante de safena. Durante a
realização do exame, ocorreu obstrução da artéria do membro superior direito, provocando s
upressão da circulação sangüínea e paralisia daquele. Algumas horas depois,
os médicos submeteram-na a cirurgia para desobstrução da artéria, tempo esse que, no ent
ender da paciente, foi o suficiente para que se instalasse processo de necrose
no braço.
Uma semana após, foi operada para implantação de três pontes de safena. Posteriormen
te, a mão direita começou a exalar mau cheiro, pelo que teve de ser novamente
operada (decorridos três meses), para extrair parte da unha do dedo médio e para ras
pagem do dedo polegar, até o osso.
Como o processo de gangrena persistisse, sofreu amputação do dedo polegar, seis
meses mais tarde.
Entendeu a paciente que todos os seus males advieram da obstrução causada pelo c
ateterismo, e da negligência dos médicos, já que "não foi dado o adequado tratamento
clínico com a imediata cirurgia vascular, tornando-a portadora de deformidade física
e impedida de exercer qualquer atividade laborativa".
<284>
Com base nesses argumentos, pediu ela a condenação do médico, hospital e Estado, n
o pagamento de "ampla indenização, abrangendo despesas médicas, hospitalares,
exames, medicamentos, materiais higiênicos, despesas com locomoção, serviços prestados p
or terceiro, lucros cessantes, pensão, indenização de danos morais e estéticos".
Em resposta, apontaram os indigitados que a paciente recebera tratamento ade
quado e os cuidados exigíveis nas circunstâncias, sendo que não foi o cateterismo
que provocou o quadro clínico, "mas foi através dele que se constatou ser a autora p
ortadora de deficiência circulatória arterial no membro superior direito".
Informado pelos relatórios médicos e pela perícia, o Juiz a quo julgou o pedido im
procedente, pois "a falta de liame entre os danos sofridos e alegados e qualquer
omissão ou ação dos prepostos da ré, leva, sem dúvida, à rejeição da demanda proposta".
O Ministério Público rejeitou, igualmente, nos dois graus de jurisdição, o requerido
.
Os julgadores de 2º grau, corroboraram a sentença prolatada por entenderem não hav
er "como fugir à conclusão de que os danos sofridos pela autora não estão ligados,
por relação de causalidade, à ação ou omissão dos prepostos da ré, uma vez que, como se dem
trou, os problemas circulatórios que apresentou não decorreram de imperícia
ou de negligência dos médicos que a atenderam, mas sim, do fato de ela sofrer de art
eriosclerose, que comprometendo os vasos capilares, já acarretou e pode mais
vezes acarretar amputação dos membros".
A situação da paciente foi bem esclarecida pelo laudo, quando informou que "por
infelicidade e por patologia vascular metabólica crônica, a autora teve complicações
imprevisíveis com o cateterismo cardíaco". Ao que os doutos adicionaram: "As pessoas
jurídicas de direito público respondem, sem culpa, mas não respondem sem causa".
E mais, que "a prova testemunhal, provinda de leigos, torna-se inteiramente inap
roveitável para o deslinde da quaestio facti, ligada ao nexo causal". Negado, pois
,
provimento ao recurso.
<285>
Caracterização: Nexo de causalidade entre o fato e o estado de morbidez da pacie
nte; mas, não, entre o fato e o ato médico.
9.7 RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
Medicação indicada a portador de herpes e que, por excessiva, teria provocado ma
l grave no paciente. Nexo causal não comprovado impondo a improcedência do pedido.
O ajuizamento do pedido de reparação de danos, sem alarde ou agressões à honra profissio
nal da ré, é direito do autor, não justificando qualquer reparação por dano
moral.
Paciente, portador de herpes genital, procurou tratamento com médica dermatolo
gista, que após exames informou-lhe ser seu mal incurável, todavia prescrever-lhe-ia
medicação no sentido de espaçar mais os intervalos de manifestação da doença. O medicamento
de nome Levamizole, teria causado agranulocitose no paciente, devido
às suas altas dosagens. Sentindo-se lesado física e moralmente, processou a médica.
O perito do Juízo informou que "é evidente que a ré prescreveu cápsulas de Levamizol
e em dosagem acima da recomendada pelo fabricante", para concluir mais adiante:
"saliento que até o dia ..., o autor não apresentou lesões que pudessem ser imputadas
ao uso do medicamento".
<286>
O Juiz monocrático deu pela improcedência do pedido, por entender que "em tal hi
pótese, a prova da responsabilidade da médica deveria ser cabal e insofismável.
Não foi, porém, o que se retirou da prova dos autos".
Ou seja, ficou comprovado que a profissional receitou dose elevada, acima da
recomendada, contudo, não ficou provado que teriam sido aquelas doses as responsáve
is
pela agranulocitose do paciente, até, porque, outros medicamentos podem causá-la - c
omo Novalgina e Ceclor, e ele estava fazendo uso destes -. Uma vez suspenso o
uso da medicação há a reversibilidade do quadro, sem deixar seqüelas. A prova que cabia
ao paciente ele não a fez, pois "há um hiato de três meses entre a última
receita comprovada e o uso do remédio". O que equivale dizer que mesmo dando crédito
às palavras do paciente, há ausência da prova material nos autos.
Os julgadores de 2º grau, com base em todos esses fatos, acharam por bem reafi
rmar a sentença monocrática, negando provimento a ambas as apelações: a do paciente
que requeria altas indenizações e a da médica que pretendia, via reconvenção, mover ação de
no moral contra seu cliente por sentir-se prejudicada em sua honra
profissional.
Caracterização: Nexo causal não comprovado.
9.8 AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO.
Não provado tenham agido os médicos com imperícia ou negligência e dificultada a det
erminação do vínculo causal, impõe-se o desacolhimento da pretensão ajuizada.
<287>
Paciente primípara (primeiro filho), internou-se para dar à luz. Como tivesse um
trabalho de parto longo, entendeu ela que deveria ter sido submetida à cesariana,
sobretudo, porque, dezenove dias após o parto, o bebê veio a falecer, tendo como cau
sa mortis "insuficiência respiratória, anoxia peri natal e infecção". Moveu uma
ação contra o hospital que a atendeu, por julgar terem sido os prepostos daquele, ne
gligentes - não no atendimento -, mas "em relação à forma e à demora na solução
de seus problemas".
Ouvido o perito, este informou que "até o início da fase final do período expulsiv
o, o feto não apresentava sinais de sofrimento", não recriminando a conduta
do colega por "não indicar a cirurgia cesariana e aguardar a evolução do parto normal"
. Todavia, "entende que a realização da cirurgia teria abreviado o trabalho
de parto, evitando um período expulsivo longo, contra-indicado".
Em sua defesa, o hospital informou que o bebê, logo após o parto, foi assistido
por um pediatra e, ao que consta, tudo estava bem.
O Juiz monocrático deu ganho de causa à paciente, do que apelou o hospital. Os j
ulgadores de 2º grau apontaram a dificuldade de "determinar, dentre as várias
causas, qual teria concorrido, de modo eficiente, para o óbito ou se são conseqüentes
e, ainda se estão vinculadas ao trabalho de parto, parecendo claro, contudo,
que pela infecção, em princípio, não se pode responsabilizar os médicos".
Por tantas e tais razões, decidiram por dar provimento ao recurso, julgando im
procedente o pedido da paciente e, ainda, condenando-a nas custas e honorários
advocatícios. Houve, porém, um voto vencido, relacionando, o seu autor, a morte do b
ebê, à dificuldade do nascimento; bem assim a infeção à culpa do hospital. Todavia,
conforme se mencionou, foi voto vencido.
Caracterização: Nexo causal não comprovado com clareza.
<288>
9.9 RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO CONTRATUAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS.
Lesão de nervo ciático, que não se pode atribuir à cirurgia, mas sim, à outra causa.
Paciente sofreu gravíssimo acidente de trânsito, fazendo múltiplas fraturas. Passa
ndo mais tarde a apresentar problemas de deambulação e formigamento, apontou
como causa de seus transtornos um possível erro médico por ocasião de "uma cirurgia ma
l realizada, do que lhe adveio lesão do nervo ciático". Moveu ação contra o
hospital demandando ressarcimento por danos materiais e morais.
Executadas duas perícias, os laudos resultantes foram completamente contrastan
tes. Um afirmava como causa dos problemas do paciente, "manobras cirúrgicas inadve
rtidas",
enquanto que o outro informava, como conclusão, que "o Suplicante é portador de seqüel
as no membro inferior esquerdo, que mantém nenhum vínculo com o ato cirúrgico
aludido na peça exordial". [...] "Não há lesão do nervo ciático causado pela cirurgia".
O Juiz monocrático julgou improcedente o pedido. Inconformado o paciente apelo
u. Os julgadores de 2º grau se ativeram, em especial, ao fato de ser impossível
comprovar quando ocorreu a falta de sensibilidade no pé esquerdo: antes ou depois
da cirurgia. Do que aduziram: "Estamos, destarte, diante da versão do Apelante-Aut
or,
de que a falta de sensibilidade ocorreu, pois, após a cirurgia a que foi submetido
, enquanto o cirurgião que o atendeu deixa transparente que ele já reclamava de
dormência no joelho esquerdo antes mesmo de ser operado".
A maioria optou pela versão de que "a lesão do nervo ciático da perna esquerda do
Apelante-Autor teve como causa determinante o acidente automobilístico por
ele sofrido".
<289>
Por tal razão, negaram provimento ao recurso; por maioria, mas não por unanimida
de. O voto vencido foi do des. Mello Serra, que assim se pronunciou:
VOTO VENCIDO. Lesão de nervo ciático, causada por descuidada intervenção cirúrgica. Te
m o médico, como qualquer outro profissional, o dever de aplicar a técnica
que domina para conseguir o resultado possível, sem agravar o estado do paciente.
Se age sem os necessários cuidados, ou aplicando método inadequado, responde pelos
danos conseqüentes do erro praticado.
Optou ele, conforme se pode concluir, pelo laudo que apontou existência de err
o cirúrgico. Ora, se os próprios profissionais da área não chegaram a um consenso
e se a responsabilidade médica só se configura com culpa cabalmente comprovada, o il
ustre julgador acima só poderia mesmo ser voto vencido. Contudo, esse voto deu
azo a embargos infringentes que foram julgados no ano seguinte, e cujo acórdão está as
sim transcrito:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO EM INTERVENÇÃO CIRÚRGICA DETERMINANDO D
FEITO FÍSICO IRREPARÁVEL NO PACIENTE.
Prova pericial que não confirma o nexo causal e que se acolheu em desfavor de
outra perícia porque mais esclarecedora. Necessidade, ao menos, de que a culpa
reste induvidosa.
Nessa nova apreciação da matéria concluíram os doutos que "a decisão do julgador, em c
asos como tal, não pode se afastar das conclusões dos peritos da matéria.
Observe-se que o laudo pericial último, que contradiz o primeiro, é mais consistente
do que este, do mesmo modo que aquele do assistente da embargada. A conclusão,
portanto, não poderia ser outra que aquela a que chegara o Juiz de primeiro grau e
a maioria - posto dever restar induvidosa a culpa dos médicos".
<290>
O acidente sofrido pelo paciente foi de proporções alarmantes, por tal razão é, pelo
menos, curioso, querer imputar aos médicos uma tal seqüela. O corpo do acórdão
referente à apelação informa que "foi preciso a intervenção de uma guarnição do Corpo de Bo
iros para retirar o Apelante-Autor das ferragens do carro, tal a violência
do impacto do automóvel contra o poste luminoso". [...] O que lhe acarretou inúmeras
lesões na junção do fêmur com a bacia, a saber: fratura do ilíaco esquerdo a
nível do acetábulo; fratura do bordo inferior de acetábulo esquerdo e fratura do platô t
ibial esquerdo. Entre outras contusões, sofreu, também, feridas contusas
em ambos os joelhos, o que o levou a ser operado, posteriormente do menisco inte
rno do joelho esquerdo; fratura do nariz e escoriações generalizadas".
Está dentro dos parâmetros da normalidade o fato de que um indivíduo que sofre um
acidente de tal gravidade não venha a gozar da mesma saúde que gozava antes
do nefasto acontecimento; daí a jogar os seus azares sobre os ombros do profission
al que o atendeu demonstra duas verdades: sua falta de coerência e a fragilidade
daqueles que exercem uma profissão como a medicina.
Caracterização: Nexo causal impossível de ser comprovado.
9.10 CIRURGIA SELETIVA PARA CORREÇÃO DE MIOPIA, RESULTANDO NÉVOA NO OLHO OPERADO E
HIPERMETROPIA.
Responsabilidade reconhecida apesar de não se tratar de obrigação de resultado e d
e indenização por perda de uma chance.
<291>
Paciente submeteu-se a cirurgia refrativa, porque apresentava miopia em quat
ro dioptrias (4 graus). Como resultante, ficou com hipermetropia (de 2 graus), a
presentando
cicatrizes radiais na córnea com invasão do campo óptico, o que lhe acarretou distúrbios
e deformação de visão. Moveu ação contra seu médico, pretendendo ser ressarcida
dos prejuízos sofridos.
Em sua defesa o oftalmologista informou que a paciente deixou de se submeter
ao tratamento pós-operatório, indispensável naquele tipo de intervenção e necessário
às correções. Tendo se afastado após dois meses, teria ela criado as condições para a hiper
etropia residual. Quanto aos distúrbio da visão, provocados pelas incisões,
passariam com o correr do tempo.
O Juiz de 1º grau, em audiência, prolatou sentença julgando improcedente a ação, por nã
restar demonstrada cabalmente a culpa do médico. Inconformada, apelou
a paciente, apontando, inclusive, que a prestação obrigacional do médico estava inseri
da em uma obrigação de resultado, por se tratar de cirurgia eletiva. Bem assim,
"que os autos continham elementos suficientes demonstradores da culpa do cirurgião
".
Os julgadores de 2º grau entenderam que: 1º) a paciente ficou com dois problemas
, a saber, névoa no olho direito e anisometropia (diferença refratométrica entre
dois olhos). 2º) Por causa desta última (avaliada em 6 graus) a paciente depende de
lentes de contato, não podendo usar óculos, segundo o laudo. 3º) A cirurgia é
alternativa, ou seja, eletiva, devendo ser levado em conta "idade do paciente, p
ressão intra-ocular, curvatura da córnea, número de incisões e profundidade relacionados
com o grau a ser corrigido". 4º) Houve erro técnico na intervenção, devido à má avaliação d
dos acima referidos, pois não só o resultado final não foi obtido,
como restaram seqüelas, entre elas a névoa.
<292>
Foi refutada a possibilidade de se tratar de obrigação de resultado, em que pese
tratar-se de cirurgia eletiva. Também não foi aceita a tese apresentada pelo
médico de que a paciente, ao se afastar do tratamento, teria dado causa ao insuces
so da cirurgia: ficou comprovado nos autos que nenhum colírio fora aplicado ou
receitado após os vinte dias da intervenção. Negada, igualmente, a possibilidade de tr
atar-se da "perda de uma chance", figura tão apreciada pelos juristas franceses
(la perte d'une chance), mas que não é abraçada pela jurisprudência e doutrina pátrias. Ne
la, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa do agente. A
respeito, é citado CHABAS: "On remarque, dans ces afffaires, les traits communs qu
i sont les caractéristiques du probléme: 1. Une faute de l'agent; 2. Un enjeu total
perdu et qui pourrait être le prejudice; 3. Une absence de preuve du lien de causa
lité entre la perte de cet enjeu et la faute, parce que, par définition, cet enjeu
est aléatoire. C'est une caractéristique essentielle de la question".
Por tal razão, não foi aceita a teoria da perte d'une chance, já que entenderam os
julgadores ter havido claramente "o nexo de causalidade entre o comportamento
do réu e o dano sofrido pela paciente".
<293>
Deferiram então, à paciente, o reembolso pelas despesas realizadas com a cirurgi
a e com os tratamentos subseqüentes; as despesas com a intervenção a ser feita
no olho esquerdo com médico à escolha daquela, no Brasil; indenização "pelo dano à saúde da
paciente, até aqui sofrido, e pelo que resultar de definitivo, após a
cirurgia no olho esquerdo, que decorra diretamente do olho direito, conforme o q
ue vier a ser apurado por arbitramento, e que lhe resulte em situação pior daquela
que se encontrava antes de ter realizado a cirurgia examinada nesses autos". Mai
s custas e honorários advocatícios.
Caracterização: Nexo causal existente entre o dano e o ato médico.
<295>
10. OFENSA À HONRA DO MÉDICO (01)
Ofensa, vocábulo derivado do latim, offensa, do verbo offendere (ferir, fazer
mal, prejudicar, bater-se contra) tem, no âmbito jurídico, o sentido da feitura
de um mal, físico ou moral, seja a pessoas ou a coisas.
Num significado mais extenso, refere-se a todo o tipo de lesão ou transgressão q
ue venha a ferir ou lesar direito alheio, ou regra jurídica.
10.1 AÇÃO ORDINÁRIA. RESSARCIMENTO POR DANO MATERIAL.
A ofensa à honra, à imagem e ao conceito de erro médico, embora situada no campo d
o patrimônio moral do indivíduo, pode dar causa à reparação por dano material
que deverá, contudo, ser demonstrado. Sentença confirmada.
Paciente se submeteu a cirurgia plástica, corretiva e estética, decorrendo o ato
cirúrgico dentro da normalidade. Na fase pós-operatória sofreu parada cardíaca,
sendo removida para uma outra Clínica, onde veio a falecer na noite daquele mesmo
dia, em razão de um tumor na glândula supra-renal, não detectável em exames preliminares
.
Inconformado, um membro da família da falecida, publicou no Jornal do Brasil matéria
sob o título "Negligência mortal", onde relatava o fato, citando o nome do cirurgião
e de seu estabelecimento. Além disso, formulou queixa-crime perante a Vara Crimina
l, "cujo mérito não chegou a ser apreciado em virtude da declaração da extinção
da punibilidade, em face da retratação do Réu".
<296>
O médico atingido moveu ação de indenização contra o autor da matéria, visando a repara
e perdas e danos materiais.
A retratação feita por aquele teve o poder, no âmbito criminal, de pôr fim ao proces
so, todavia, "a repercussão de tal retratação na esfera civil é quase ou
totalmente nenhuma". Isso, porque, "os prejuízos que foram causados, dificilmente,
ou nunca, poderão ser recuperados ou resguardados".
O médico queixou-se ter perdido quinze pacientes que já estavam com cirurgias ag
endadas, desmarcando-as após a publicação da matéria. Contudo, provadas mesmo,
só ficaram duas. Causou espanto, o fato de nem na inicial, nem na apelação, ter sido f
eito pedido de ressarcimento por dano moral, o que seria mais do que adequado:
o médico demandou, apenas, dano material, ainda que em cifras estratrosféricas.
A Juíza monocrática decidiu pelo acatamento do pedido, restringindo a condenação ao
valor de duas cirurgias, aquelas que ficaram realmente comprovadas terem
sido desmarcadas. Em sua sentença lê-se: "Deve, portanto, o Réu ser responsabilizado p
ela prática de ato ilícito, malgrado ter reconhecido seu erro, oferecendo retratação,
haja vista a publicação de artigo assinado, citando o nome do Autor em matéria veicula
da no Jornal do Brasil, denegrindo sua imagem pessoal e profissional, sendo
certo que a imputação criminosa se revestiu de temeridade e má-fé, posto que o Réu antecip
ou-se à apuração definitiva do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto,
inocentando o Autor da acusação de negligência, quando da intervenção cirúrgica na paciente
que veio a falecer subitamente no pós-operatório".
<297>
O médico apelou e os julgadores de 2º grau confirmaram a sentença monocrática, modif
icando apenas o referente aos honorários advocatícios que, de 20%, foram
arbitrados pela metade.
Caracterização: Respeito ao direito constitucional do cidadão, que prevê serem invio
láveis a sua honra e a sua imagem, assegurando o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação.
<299>
11. RESPONSABILIDADE MÉDICO-HOSPITALAR (10)
A responsabilidade do Estado por danos causados a seus administrados é hoje ma
téria que não mais se discute, pois, com o advento da Carta Magna de 1988, o assunto
ficou esclarecido de maneira expressa pelo art. 37, § 6º. No que diz respeito aos ho
spitais da rede pública, o ente público, patrono e mantenedor daqueles, deve
indenizar o dano causado ao paciente, ocorrido em virtude de ação ou omissão de seus p
repostos.
A responsabilidade civil do Estado é objetiva, consoante entendimento majoritári
o da doutrina e dos tribunais e, "em se tratando de ação indenizatória, há inversão
do onus probandi, cabendo ao prejudicado apenas demonstrar o fato, e ao réu, a ine
xistência de culpa de sua parte" (in: Adcoas II, 1980).
11.1 RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTORA SUBMETIDA À CIRURGIA. GAZE ESQUECIDA NO AB
DÔMEN DA OPERADA. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL E DO MÉDICO.
Responsabilidade do hospital por negligência e como preponente do médico, e dest
e por erro, imprudência e negligência. Obrigação de indenizar.
<300>
Paciente se submeteu a cirurgia para extração de um cisto ovariano. O ato cirúrgic
o teria se desenrolado sem instrumentadora, só com o auxílio de uma estagiária
de medicina. Durante a intervenção faltou luz por duas vezes no Centro Cirúrgico e "ho
uve a falta de condições técnicas de trabalho".
No pós-operatório a paciente queixou-se de dor, sendo-lhe informado que tais era
m devidas a gases acumulados (na verdade, eram gazes acumuladas). Como se intens
ificasse
a sensação dolorosa, foi, por pedido seu, transferida para um outro hospital, onde o
s médicos diagnosticaram pneumonia, mais desidratação e anemia, lá ficando internada
por dez dias. Contudo, a febre e as dores não cessavam. Já em alta, no 14º dia do pós, p
ercebeu o aparecimento de um "grande caroço em seu abdômen, sendo atendida
na Casa de Saúde NSF, onde lhe colocaram um dreno".
Como as dores persistissem e o dreno passasse a exalar mau cheiro, internou-
se, novamente, a paciente, desta feita no Hospital C.A., onde, após detectado grav
e
estado de bacteremia, foi submetida a nova cirurgia, agora de emergência, através da
qual ficou constatado que o médico que a havia operado anteriormente, deixara,
em seu abdômen, uma compressa de gaze, medindo 50 x 50 cm.
Passado algum tempo foi outra vez atendida em regime de emergência no H.C.A.,
onde ficou diagnosticado aderência e oclusão intestinal, haja vista que o primeiro
cirurgião (do cisto ovariano) "lhe retirara o apêndice, observando-se, em conseqüência,
a perda de 15 centímetros do intestino".
Processado o médico, foi considerado responsável pelos infindos padecimentos da
paciente. Os julgadores de 2º grau, corroboraram a sentença quanto à procedência
do pedido, mas modificaram-na para incluir o primeiro hospital onde se passou o
nefasto ato cirúrgico. No seu entender: "Embora não se identifique nexo de subordinação
hierárquica do médico com o nosocômio, força é no entretanto convir que, na espécie, cumpri
fosse feito entendimento prévio entre ambos, para aparar eventuais complicações
durante e após o procedimento cirúrgico - que, à evidência, deixou de se fazer, em típica
e desenganada negligência. O que se verifica dos autos é uma exasperada
culpabilidade de ambos os réus".
<301>
Quanto à verba para danos estéticos, que havia sido concedida em 1/3, foi modifi
cada para 100%. Mais ainda: "Diante dos fatos que ocorreram, a autora teve que
interromper o seu curso superior de odontologia, com a perda, inclusive, do seme
stre, devendo, portanto, ser indenizada pela perda de seu crédito educativo, inclu
indo-se
nessa verba as despesas correspondente à taxa de matrícula - tudo a ser apurado em l
iquidação de sentença. Também, deverá ser indenizada a autora, do que deixou
de auferir pela interrupção de seu estágio remunerado e o que despendeu com tratamento
psicológico. A verba arbitrada a título de indenização por dano moral apresenta-se
irrisória, devendo, por isso, ser elevada para 300 salários-mínimos".
Caracterização: Culpa por negligência no mais alto grau. Hospital: responsabilidad
e solidária e objetiva.
11.2 ORDINÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DE DANO.
Atendimento irregular em hospital do Estado, que leva o paciente a perder a
mão. Cabimento da indenização, fixada em um salário-mínimo mensal vitalício. Reforma
parcial da sentença.
Criança com oito dias de vida foi internada com problemas de estômago. Como não se
alimentasse a contento, fez-se necessária a aplicação de soro endovenoso.
Em decorrência dessa aplicação adveio um quadro de gangrena isquêmica, evoluindo para am
putação da mão e do antebraço do menor.
<302>
Vários anos depois, foi movida ação contra o Estado e este denunciou à lide uma enfe
rmeira (presumidamente a que teria aplicado o soro) e o médico que fizera
a amputação. Foi levantada a preliminar de prescrição, porém, o Ministério Público pronunci
se no sentido do não acolhimento, haja vista que a mesma não corre
contra incapazes, nem atinge seus representantes legais, por conseqüência. (CC, art.
169, I).
Em brilhante sentença, a Juíza de 1º grau ponderou estar claro que os fatos se pas
saram no interior do nosocômio envolvido, contudo, devido ao espaço de tempo
decorrido, não havia provas sobre ser a enfermeira M. indigitada, a autora do ato
imperito que resultou na seqüela trágica; o que, por óbvio, não era questão fundamental,
já que a responsabilidade era objetiva e foi um profissional da instituição o responsáve
l pela imperícia na má aplicação do soro.
Quanto ao médico que procedeu à amputação, este agiu corretamente e em absoluto esta
do de necessidade: era amputar o membro atingido ou condenar à morte o pequeno
paciente.
Por tais razões, decidiu a Magistrada que o pedido era procedente em parte, po
is rejeitou ambas as denunciações à lide, mas condenou o Estado a arcar com todas
as despesas necessárias referentes à aplicação de uma prótese ortopédica, incluindo o trata
ento paralelo e suas substituições necessárias; dano moral arbitrado
em 100 salários-mínimos e pensão vitalícia na ordem de cinco salários, haja vista que o pa
ciente havia perdido sua capacidade laboral em 70%.
Submetida a sentença aos julgadores de 2º grau, foi ela ratificada em sua quase
totalidade, reduzindo-se tão-somente a verba vitalícia para um salário-mínimo
mensal, "considerando que o Autor nunca havia trabalhado até então. Não se deve conjec
turar pudesse ele vir a auferir um salário melhor, caso não tivesse ficado
aleijado".
<303>
Os representantes do Ministério Público de 1º e 2º graus opinaram, igualmente pelo p
arcial provimento do recurso. A Procuradora Nelma G.T. Lima, referente ao
caso, deixou gravado o seguinte acórdão:
RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
Demonstrado o nexo de causalidade entre o evento danoso e o atuar do agente
público, impõe a responsabilização da Administração, desvinculada de qualquer fator
subjetivo ou da demonstração de culpa. Apelo que merece ser provido parcialmente, tão-
somente para reduzir-se a pensão vitalícia fixada para um salário-mínimo, considerando
que o autor nunca trabalhou e teve sua capacidade laborativa reduzida para 70%.
Caracterização: Responsabilidade objetiva do Estado, por dano comprovado a pacie
nte, advindo da atuação de preposto daquele.
<304>
11.3 RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO E HOSPITAL. "FACIÍTE NECROSANTE". INFECÇÃO HOSPI
TALAR DIAGNOSTICADA COM RETARDO. PACIENTE QUE VEIO A PERDER O OVÁRIO E PARTE
DO TECIDO INTESTINAL. CONCAUSAS APTAS A GERAR SOLIDARIAMENTE O DEVER DE INDENIZA
R, IMPUTÁVEL AOS CULPADOS.
A "faciíte necrosante" é uma grave infecção bacteriana, previsível, entre outros casos
, na cesariana. Pode não ser tipicamente uma infecção hospitalar, mas,
em a adquirindo a parturiente, em seguida ao parto cirúrgico, no ambiente do nosocôm
io que aceitou a sua internação, passa a comportar aquela qualificação, servindo
para positivar o descumprimento do dever, inerente à prestação do serviço hospitalar, de
propiciar à paciente ambiente saudável e promover permanentemente o controle
da infecção. E o ginecologista-obstetra, que assistia a paciente desde o pré-natal e a
ssim permaneceu após realizar o parto cesáreo, ao descurar-se de investigar,
adotando as providências cabíveis, a anormalidade apresentada por ela dois dias após a
cirurgia, vindo a lhe dar alta, apesar das queixas e do aparecimento dos primei
ros
vestígios da enfermidade, ensejando o seu agravamento, com o retardo do diagnóstico,
descumpriu, igualmente, o dever jurídico de cuidado pronto e eficiente. Concausas
adequadas e aptas, com igual intensidade, para gerar a obrigação de reparar, com pon
deração, os danos sofridos pela paciente que, submetida a laqueadura, cirurgia
de emergência, perdeu o ovário e parte do tecido intestinal, necrosados, conseqüência de
condutas negligentes do médico e do hospital, solidariamente vinculados
à reparação. Improvimento dos três apelos.
<305>
Paciente internou-se para parto cesáreo, já que pretendia laqueadura tubária, além d
e ser portadora de sangue tipo Rh negativo. Ficou alojada em quarto situado
numa área do hospital em reformas e, tendo apresentado grave quadro de infecção no pós-o
peratório - pelo que precisou extirpar uma porção do útero e do intestino
-, entendeu que houve culpa por negligência da parte do médico que a atendeu, e resp
onsabilidade solidária do hospital que a alojou.
O longo corpo do acórdão (13 fls.), apóia-se, em grande parte na sentença de 1º grau (
9 fls.) que o acompanha.
A paciente foi acometida de faciíte necrosante, um tipo de infecção considerada co
mo grave e com alta taxa de mortalidade. Pela perícia, informou-se que o diagnóstico
clínico era possível, já que não se tratava de "um mal raro, nem surpreendente". Isso le
vou os julgadores a concluírem que "nos primeiros sinais de anormalidade
era indeclinável que o médico assistente, de logo investigasse o quadro visível e já com
definida sintomatologia, convocando especialista se preciso, pois preferível
o diagnóstico clínico; e, em face dos aspectos apresentados pela ferida cirúrgica e da
s queixas da paciente, certamente a infecção seria constatada e de pronto combatida"
.
Ao invés disso, os procedimento e medicamentos utilizados "foram apenas compatív
eis com as conseqüências corriqueiras de um pós-cesariana sem outras complicações".
[...] "No dia da alta hospitalar, já apresentava ela os sintomas e nem assim o seu
médico assistente desenvolveu qualquer suspeita".
Cinco dias após a primeira cirurgia, a paciente foi internada em estado de eme
rgência, sofrendo nova cirurgia, quando então foram extirpadas partes de seu corpo,
que já se encontravam necrosadas .
A conduta do médico foi tida como culposa por negligência e o hospital hospedeir
o, solidário na responsabilidade. "A outra causa, também adequada e suficiente,
vincula o hospital H.E., seguramente o responsável pela infecção contraída pela paciente
, patologia decorrente da falta de condições sanitárias seguras, agravado
pelo estado em obras em que se encontrava o prédio, na parte interna aonde se situ
ava o quarto da paciente".
<306>
Em sua defesa, o médico afirmou, entre outras alegações, que se a paciente "houves
se contraído o microorganismo causador da infecção alegada em razão de conduta
médica durante o parto, não sobreviveria nas 72 horas seguintes em que permaneceu em
sua residência; a contaminação é secundária e poderia ter provido de situações
diversas, inclusive de curativos domésticos".
Por outro lado, o perito enfatizou que "houvesse o microorganismo sido contr
aído fora do ambiente hospitalar, nos momentos imediatamente posteriores à alta cirúrg
ico-nosocomial
, e especificamente na residência da paciente, não assumiria as proporções de uma fasciíte
necrosante ou infecção puerperal". A seguir, informou, claramente, que
esse tipo de infecção é adquirível em ambiente hospitalar isoladamente, e somente para o
s vários graus de gravidade evolutiva é que poderiam concorrer fatores predisponente
s
da paciente, tais quais, diabetes, neoplasia, AIDS ou o próprio ambiente cirúrgico.
Do que os julgadores concluíram que "a concausa, então, não é concomitante à ação mesma
la é solteira. Seu agravamento é que decorre de concausa concomitante
ou superveniente".
Quanto à solidariedade da entidade hospitalar, entenderam eles que "quem elege
u o hospital para o ato cirúrgico foi o obstetra. A partir do surgimento da infecção,
ambos são responsáveis por seu debelamento tanto o eleitor, pela má eleição, quanto o elei
to".
A sentença de 1º grau foi mantida, em parte, destinando-se à paciente o ressarcime
nto composto do quantum equivalente a 200 s.m., à data do pagamento, a título
de danos morais puros, com juros simples (rejeitados os compostos) a partir da c
itação, mais quantia a ser arbitrada em liquidação de sentença, referente a danos
morais com reflexos patrimoniais, com correção e juros a partir da data do laudo. Su
cumbência por conta dos vencidos.
<307>
A outra reforma feita pelo 2º grau disse respeito a rejeitar as indenizações pedid
as pelos órgãos reprodutores perdidos (circunstância objetiva), e pela redução
da capacidade reprodutiva (circunstância subjetiva). Os julgadores entenderam que
conceder tal indenização seria investir num bis in idem. No que estavam corretos,
haja vista que a paciente pretendia submeter-se a um laqueadura tubária, justament
e para não ter mais filhos, razão porque lhe faltava o direito de pretender ser
indenizada por não mais poder tê-los.
Caracterização: Médico: conduta culposa por negligência. Hospital: falta de condições i
eais de higiene. Responsabilidade objetiva.
11.4 AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE CRIANÇA OCORRIDA VINTE E DOIS DIAS A
PÓS O PARTO. CULPA INCOMPROVADA DA MATERNIDADE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DESPROVIMEN
TO,
POR MAIORIA, DO RECURSO. VOTO VENCIDO.
Restando comprovado, através de perícia médica específica, não ter havido culpa alguma
da Maternidade, no que tange à morte do filho da apelante, ocorrida vinte
e dois dias após o parto, que se fez consoante registrado pelo expert, nomeado pel
o Juízo, cujo laudo não foi objeto de impugnação, descabida, sob todos os aspectos,
a pretensão indenizatória.
Paciente internou-se para ter um filho. O fato de contar à época 38 anos, inseri
a-a, por isso, nos padrões de uma gestação de risco. Ademais, apresentava útero
bicorno (dividido em hemisférios pela ocorrência de um septo) e era primípara (primeir
o filho). Devido a essa confluência de fatores, tinha, já, indicação para parto
cesáreo. Internada em um dia 05, pela madrugada (05h00), ficou à espera do ato médico.
Dia 06, pela manhã, portanto, mais de 24 horas depois do internamento, ocorreu
a ruptura da bolsa amniótica, sintoma de parto iminente. Mesmo assim o ato operatóri
o esperado e programado não se consumou. Pior ainda: foi instalado soro com Syntoc
inon
(medicamento para acelerar o parto). Dia 07, e o bebê ainda não havia nascido. Foi q
uando, então, começou a escoar mecônio (primeira evacuação do recém-nato) pela
via vaginal materna, após o que foi retirado, às pressas, o soro com o ocitócico, e a
paciente, finalmente, foi levada à cesariana - 72 horas depois de internada
- 24 horas depois da ruptura da bolsa.
<308>
A criança veio a falecer vinte e dois dias após, por insuficiência renal, respiratór
ia e anoxia pré-natal severa.
Entendendo, a mãe, que seu filho havia morrido em função de ter tido contato e asp
irado mecônio, ainda na fase uterina, por atraso na realização do parto cirúrgico,
moveu uma ação contra o hospital, onde se passaram os nefastos acontecimentos.
O Juiz a quo baseou seu decisum no laudo pericial, o qual informou que "o es
tado precário em que nasceu a criança, pode ter decorrido da condição de primípara
idosa e de ser ela portadora de útero bicorno, somado à insuficiência placentária".
Aqui não há como furtar-se a um comentário, ou seja, há que reconhecer-se que são laud
os como esse que desvirtuam um corporativismo positivo, fazendo com que
se fale pejorativamente de um esprit de corps. Por sorte o Juiz não está adstrito ao
laudo pericial, mas, nem sempre ele tem o necessário discernimento quanto ao
momento preciso para dispensá-lo. Por certo estariam corretas e seriam aceitáveis as
palavras do perito se estivessem se referindo a uma criança nascida em tempo
e circunstâncias normais, ou seja, assim que a bolsa se rompeu. Mas, não foi isso qu
e ocorreu: esperaram tanto para operar a paciente, que houve tempo para o bebê
evacuar no útero materno e, possivelmente, aspirar suas próprias fezes, sendo estas
em quantidade tal, que ainda puderam ser excretadas via vagina materna.
<309>
Se este livro pretende ser - além do uso jurídico - um alerta para os médicos, então
fatos como esses há que serem comentados pois, como já enfatizamos atrás,
não só os médico erram, mas os julgadores também. Somos todos sujeito a falhas, derivati
vo inegável de nossa frágil condição humana.
O caso acima relatado denota uma negligência escancarada, no seu mais alto gra
u. Como deixar uma paciente idosa, considerada de risco, primípara, com útero bicorn
o,
com indicação de cesárea, entrar em trabalho de parto? E o que é pior: chegou a ter a bo
lsa rota e ninguém fez nada! Ou melhor, fizeram: aplicaram ocitócico para
acelerar o parto! Mas ela já havia vindo com indicação para cesárea! Foi preciso que a p
aciente começasse a expelir as fezes de seu próprio filho para que fosse
tomada uma iniciativa, e o acórdão (ainda) se refere a um "parto, que se fez no temp
o e modo adequados..."
E, conforme é relatado, o laudo médico não foi objeto de impugnação, acabando por se t
ransformar no eixo e alicerce de toda a sentença e que veio a embasar o
próprio acórdão mais tarde, o qual não viu "culpa alguma da Maternidade".
Faça-se, ainda referência, en passant, que a paciente precisou se alimentar no s
egundo dia, pois, queixou-se de não agüentar mais a fome, visto estar em jejum
desde a sua chegada, preparada para a "cirurgia", que nunca acontecia. Mais aind
a, quando foi detectada presença de mecônio no trajeto vaginal e (finalmente) decidi
ram-se
pela cirurgia de emergência, o anestesiologista chamado só chegou hora e meia depois
e, mesmo assim, a cirurgia não podia começar porque faltava material no Centro
Cirúrgico! Mas..., não se viu culpa alguma na Maternidade.
<310>
Tem-se por óbvio que o sistema de saúde do nosso País está falido e em situação de caos
todavia, e justamente por isso, aqueles que nesse meio labutam têm o
dever moral para com o seu próximo (e aí entenda-se a humanidade toda) de tentar com
pensar - com sua atenção e cuidados pessoais - as falhas do sistema como um todo,
e das entidades em particular. Quando isso não ocorre, dá margem a que tristes fatos
, como o aqui relatado, ocorram e se multipliquem.
A sentença de 1º grau que julgara o pedido improcedente foi reafirmada em 2º grau.
Não por maioria, diga-se de passagem. A douta Desembargadora Marianna Pereira
Nunes, foi voto vencido, tendo condenado a entidade hospitalar a ressarcir a pac
iente com a verba equivalente a três mil salários-mínimos, à guisa de dano moral.
Em bela peça, constante de nove laudas, plenas de bom senso e humanitarismo, a ins
igne julgadora derrama toda a sua discordância com a conclusão a que chegaram seu
colegas. Comenta ela: "A autora - mulher pobre, carente de recursos - não foi admi
tida e internada numa maternidade pública apenas para ali descansar ou fazer exame
s
de rotina. Estava grávida, de nove meses. O parto era, sabidamente, de alto risco,
tratando-se de primípara idosa, portadora de útero bicorno. [...] Contudo, a autora
foi largada à própria sorte, na maternidade da ré, pois a cesariana não foi realizada a
tempo, embora indicada, dada as circunstâncias do caso, eis que a paciente
estava incluída no grupo de alto risco. Repita-se: não era caso de parto natural e,
sim parto por cesariana, não admissível, portanto, a espera pelo chamado 'trabalho
de parto'."
Mas, conforme já informado, a ilustre julgadora foi voto vencido.
Caracterização: Médico: culpa por escancarada negligência. Hospital: responsabilidad
e objetiva e falta de condições de funcionamento (tanto por material humano,
quanto por instrumental).
<311>
11.5 DIREITO CIVIL: RESPONSABILIDADE CIVIL HOSPITALAR.
Transfusão de sangue envenenado pelo vírus da AIDS, injetado em recém-nascido, com
eclosão do seu flagelo nos anos que se seguiram. Culpa evidenciada do serviço
médico prestado na utilização diversa do sangue paterno doado, por outro de origem des
conhecida. Indenizabilidade que se faz imperativa à inocente e condenada paciente,
no seu sentido mais amplo, senão para salvar-lhe a vida, mas para suavizar os seus
padecimentos, e de seus pais, os sofridos maiores pela compreensão mais profunda
da tragédia, assim postos legitimados à pedida acionária no vértice do dano moral. [...]
Criança, recém-nascida, com problemas de prematuridade e icterícia neonatal, foi i
nternada no Centro de Terapia Intensiva de um hospital. Indicado como necessário
ao tratamento da pequena, a administração de plasma sangüíneo, o pai prontificou-se a fa
zer a doação. Todavia, o plasma utilizado para a transfusão não foi o mesmo
doado pelo progenitor, mas, sim, um outro, advindo do Banco de Sangue. Com o cre
scimento, a criança passou a apresentar as mais variadas formas de patologias: "ot
ites,
infecções das vias aéreas de repetição, pneumonia intersticial, linfadenite de sub-maxilar
e déficit no desenvolvimento pondo-estatural".
Todas essas doenças eram acompanhadas de muito perto pela mãe, que é médica; até que,
um dia, veio a terrível comprovação: a menor estava contaminada pelo vírus
da AIDS. Feitos os exames laboratoriais de rotina nos genitores, concluiu-se ser
impossível ter a patologia advindo por via hereditária, pois ambos os pais eram
hígidos, não portadores do terrível vírus. Portanto, a doença não se havia comunicado por v
a placentária, mas sim, parenteral, levando, de imediato, à lembrança
das transfusões feitas na fase neo-natal.
<312>
Movida ação contra a entidade hospitalar, foi pedida "ampla indenização por danos ma
teriais com despesas médicas, exames, internamentos e medicações, despendidas
e a despender, enquanto sobrevivida a desditosa criança, a par do dano moral".
A entidade hospitalar, não negando o fato e facilitando as provas documentais,
no que foi elogiada, apontou prescrição (invocando o CDC) e ilegitimidade ad causam
para os pais da menor, que pleiteavam o dano moral para si.
Em resposta, informou o Magistrado que a ação, fundada na ilicitude do ato, está s
uportada pelo direito civil comum (CC, art. 159), "assim cuidando-se de reparação
pessoal por danos patrimoniais, cujo lapso prescricional é vintenário (CC, art. 177)
".
De igual maneira, ainda que aplicável fosse o aludido CDC, não seria a prescrição ne
le prevista de aplicação no caso, consoante o entendimento consagrado pelo
Colendo Tribunal Superior de Justiça (Rev. STJ, v. 65, p. 393) e, por último, mesmo
que houvesse a possibilidade de incidência do prazo prescricional reduzido, "o
lapso inicial contar-se-ia da data em que o consumidor teve ciência do mal e sua a
utoria, o que ocorreu em julho de 1993". Ou seja, quando a menor já contava dez
anos de existência.
A respeito, cita NADER257: "Observe-se que não basta saber da existência do dano
, é mister que se tenha, também, ciência de sua autoria. Antes da convergência
desses dois elementos, não começa a fluir o prazo prescricional, porque ainda não nasc
eu a ação: enquanto o credor não tem a faculdade de agir, a prescrição não
tem curso".
<313>
A segunda prejudicial (legitimidade ad causam) foi igualmente rejeitada, cit
ando, a respeito, doutrina de CHIOVENDA e PONTES de MIRANDA:258 "Parte na relação
jurídica litigiosa é quem demanda e pode demandar, em nome próprio e por quem represen
ta legitimamente. [...] Partes legitimadas à pedida da tutela jurídica são
os sujeitos do direito e do dever, da pretensão, da obrigação ou da exceção que se discute
".
Referindo-se à justiça de serem os pais os detentores do direito ao ressarciment
o por dano moral, assim se expressou o ilustre relator: "Menor a filha, o custei
o
foi deles, os pais, e deles será até o derradeiro capítulo desse permanente, senão etern
o, sofrimento, o que nenhum mortal tem condições de avaliar, e cuja suportação
só Deus, pela fé, será possível emitir o fluxo de força espiritual para o que adiante se e
spera...."
Cita, ainda, Moacyr Amaral SANTOS: "partes, no sentido processual, são as pess
oas que pedem ou em relação às quais se pede a tutela jurisdicional. Podem ser,
e geralmente o são, sujeitos da relação jurídica substancial deduzida, mas esta circunstân
cia não se caracteriza, porquanto nem sempre são sujeitos dessa relação".259
A sentença da Juíza monocrática foi mantida em sua quase totalidade; os julgadores
de 2º grau reformaram-na apenas no sentido de elevar a verba referente à composição
do dano moral, destinada aos pais da criança, passando-a de 600, para 1.500 s.m.,
vigentes à data do resgate.
<314>
"Se sobre a dor profunda do coração humano, o dinheiro não o subtrai, a par de len
i-los em maior grau serve de sanção à ilicitude do ato de conduta do ofensor".
Apontaram, ainda, os julgadores, que a mesma entidade agora condenada, vinha
de ser apenada em julgado recentíssimo, por aquele mesmo Tribunal (3ª CC), por fato

idêntico, ou seja, contaminação por transfusão de sangue com o vírus da AIDS. Assim concluí
am: "Nos dias correntes, ante os recursos da ciência médica e laboratorial
postos a serviço do homem na arte de detectar-lhe os males e de curá-los, não mais se
admite, nem se tolera, a negligência ou imprudência às medidas elementares
de contenção dos riscos de contaminações hospitalares, com comprometimento à saúde e à vida
s pacientes, nisso gerando total responsabilidade civil pela ação ou
omissão de condutas, reprimenda indenizatória que enseja a cobertura de todo malefício
".
Caracterização: Responsabilidade hospitalar objetiva. Culpa comprovada: negligênci
a no mais alto grau.
11.6 AÇÃO INDENIZATÓRIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. VINCULAÇÃO LABORAL ENTRE HOSPITAL E MÉDIC
A vinculação trabalhista entre hospital e médica, à qual foi imputado procedimento c
ulposo, enseja a denunciação voluntária. CULPA. Evidenciada a culpa em grau
leve pela ausência de anotação correta sobre o ato cirúrgico, mormente sobre a extirpação d
órgão a princípio não afetado, levando-se em conta o estado grave da
paciente e de se tratar de situação de emergência. QUANTUM INDENIZATÓRIO. Ante a postulação
pela fixação imediata do quantum indenizatório, sendo possível sua fixação,
deve ocorrer, sopesadas as circunstâncias do fato, devendo o atendimento psiquiátric
o ser prestado pela instituição demandada. Apelos providos em parte.
<315>
Paciente internou-se em regime de urgência, com quadro de pré-choque, por ruptur
a de trompa em razão de uma gravidez tubária. Levada imediatamente para a sala
de cirurgia, foi procedida a aspiração do sangue e a extirpação da trompa e de um cisto
de ovário do lado direito e, também, a retirada da trompa do lado esquerdo
(salpingectomia).
Todavia, a ecografia pélvica que detectou a gravidez ectópica (fora de lugar) e
o cisto de ovário, apontava que os mesmos se encontravam à esquerda. Por outro
lado, o material enviado para exame anátomo-patológico está registrado como "ovário dire
ito e trompas de Fallópio".
O ato médico acabou por resultar em uma ação judicial, já que "a responsabilidade re
stou patente da circunstância injustificada da castração da autora".
Ouvido o médico perito, ele assim se pronunciou: "A regra é que só haja ruptura da
trompa onde haja gravidez. A regra é que a outra trompa não esteja comprometida.
Não ocorre ao declarante nenhuma hipótese em que a gestação em uma trompa possa comprome
ter a outra em que não haja gestação".
Em prol da médica, que executou a cirurgia, foi levado em conta o fato de ela
atuar em estado de emergência, sem um melhor contato prévio com a paciente, até
porque tratava-se de uma plantonista. Contudo, a seu desfavor pesavam os seguint
es elementos: não relatou com fidelidade o acontecido, ou seja, se a gravidez tubári
a
era à esquerda, qual o motivo da salpingectomia à direita; aludiu a tecido friável, o
que foi refutado pelo perito, explicando que a presença de sangue não contribui
para que ocorram fiandras nos tecidos (diferente seria se se tratasse de uma per
itonite). Informou ter optado pela retirada, também, do ovário direito, ante o risco
de ocorrência de torção de pedículo, evitando a possibilidade de uma nova cirurgia, porém,
deixou de registrar tal procedimento, agindo, ainda, contra a norma médica
que determina a preservação dos órgãos não afetados. Por último, não deixou clara a "inform
da ao perito de que durante a cirurgia, ao tracionar, havia, por
acidente, rompido a trompa direita e, para não deixar suturas sujeitas a sangramen
to, decidiu pela sua extirpação".
<316>
O Juízo a quo decidiu-se pela responsabilização, deixando, contudo, a avaliação do qua
ntum ressarcitório para a arbitragem.
Os julgadores de 2º grau assim concluíram: "Dessarte, ante a imprecisão do relato
do ato operatório, deixando de esclarecer cumpridamente os problemas que acarretar
am
a extração do ovário direito, se por rompimento, se para evitar a possibilidade de torção
ou da pouco provável ocorrência de tecido friável, ainda que em grau leve,
fica evidente a responsabilidade tanto da profissional encarregada do ato cirúrgic
o, como da instituição a que pertencia".
Sopesaram, igualmente, que não estava a paciente impossibilitada de procriar,
embora, para tanto, fosse preciso se utilizar do método de implante de óvulo, todavi
a,
teve acelerada sua menopausa, com todos os transtornos e desconfortos decorrente
s de tal, necessitando, inclusive de acompanhamento psicológico.
Decidiram, também, quantificar a reparação, ao invés de encaminhar para arbitramento
como havia decidido a magistrada monocrática, fixando em "cinqüenta salários-mínimos,
além do cuidado psiquiátrico que necessitar e que deverá ser-lhe prestado no serviço dis
pensado pela instituição demandada, ausente motivo para recusar". Mantida
a sucumbência fixada na sentença.
<317>
Caracterização: Médica: negligência no preenchimento dos prontuários. Imperícia não com
vada. Hospital: responsabilidade objetiva. Vinculação laboral.
11.7 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MÉDICO E HOSPITAL. INFECÇÃO HOSPITALAR. RESPONSABILIDADE DOS
PROVA TÉCNICA QUE ABONA AS ALEGATIVAS DA INICIAL.
Negligência do profissional de medicina, devidamente comprovada. Indenização por d
anos morais e estético. Despesas com a hospitalização da Autora em outro nosocômio.
Exclusão da verba relativa às despesas de tratamento médico, por desnecessárias, ante a
inexistência de seqüelas. Provimento parcial do primeiro recurso.
Trata, o presente caso, de paciente que se internou em hospital para o proce
dimento de um parto cirúrgico. Todavia, adquiriu, no pós-operatório, grave infecção
que a levou a ser internada na UTI de um outro nosocômio, lá permanecendo por 30 dia
s, sendo 22 só no tratamento intensivo. Da ocorrência lhe restaram seqüelas de
fundo estético e moral. Entendeu a paciente que suas agruras se concretizaram pelo
fato de o médico não ter dado a devida atenção aos seus reclamos, bem assim, ao
hospital, que se encontrava em reformas, possível motivo da contaminação apresentada.
Processou médico e entidade hospitalar, saindo vitoriosa na 1ª instância, por cont
a do laudo médico que foi incisivo e contundente ao incriminar os dois indigitados
.
<318>
Informou o perito do Juízo que o "quadro séptico da Autora já se instalara antes d
e sua internação no CTI do Hospital C. J., ou seja, já se encontravam todos
os sinais e sintomas sépticos [...]. Para se diagnosticar qualquer patologia, nece
ssário prévio e minucioso exame, ao qual não procedeu o primeiro Réu". (E nem se
fale em esprit de corps...).
Quanto ao hospital, as acusações não foram, de igual maneira, brandas: "o perito c
onfirma o fato de a Autora ter sofrido infecção quando internada no hospital
(2º Réu). O processo infeccioso pode se manifestar após a alta hospitalar, porém a sua o
rigem, ou seja, o foco infeccioso é obrigatoriamente contraído no interior
do ambiente hospitalar. [...] O abcesso de parede está sempre relacionado à infecção da
ferida cirúrgica, por contaminação". [...] A contaminação da cirurgia da
Autora se deu por uma infecção hospitalar".
Com base em laudo tão categórico e explícito, o julgador monocrático condenou médico e
hospital em pesada indenização que viria a ser parcialmente reformada
em 2ª instância, haja vista, que não condizente com as possibilidades econômicas, em esp
ecial as do médico.
Uma vez mais o laudo técnico teve seu peso considerável, bem assim a sentença capr
ichosamente elaborada, tanto que reproduzida no acórdão. Outro ponto enfocado
foi o fato de aquele mesmo hospital estar vindo de uma condenação recentíssima e idêntic
a, ou seja, pelos mesmos motivos, aliás, coincidentemente também comentada
nesse trabalho (Vide 11.3).
Anexada doutrina, sempre rica e oportuna de AGUIAR DIAS: "Se o erro de diagnós
tico, desde que escusável, em fim do estado atual da ciência médica, não induz
à responsabilidade do médico, o erro grosseiro ou manifesto não pode isentá-lo. Assim [.
..], o diagnóstico leviano ou inexato, em presença de sintomas positivamente
contrários aos apresentados pela moléstia, e malgrado o protesto enérgico do doente".
<319>
Por ocasião da feitura do capítulo referente a erro de diagnóstico e erro de condu
ta, tivemos a oportunidade de já manifestar nossa maneira de entender semelhante
problema, ou seja, o diagnóstico por ser genérico, não pode ser considerado como erro,
todavia, a insistência em uma conduta que não traz resultados, porque baseada
em diagnóstico errôneo, acaba por se transformar em erro - e inaceitável -, pois é a não a
tenção às respostas do organismo, avisando que o caminho não é aquele.
Bem assim, quando os sintomas são gritantes e a eles o profissional não dá a devida at
enção, como o caso em comento.
A sentença oferece, ainda, acórdãos alienígenos, que julgamos interessante reproduzi
r:
Quanto à responsabilidade dos danos das casas de saúde ou hospitais, não há dúvida que
inclui um dever de incolumidade, que, naturalmente não vai ao ponto de
garantir o impossível de restituir a vida ou assegurar a cura, mas que se fixa, cu
rialmente, na obrigação de resguardar o paciente de quaisquer conseqüências que
um bom serviço poderia evitar. A relação contratual que se estabelece entre o proprietár
io ou a administração do hospital e o paciente é reconhecido até mesmo em
face do tratamento gratuito.262
E, retirado do direito italiano, é citado o seguinte:
A abertura de uma casa de saúde, subordinada como é à licença das autoridades admini
strativas, que verificam as suas condições de funcionamento, estabelece,
em face do cliente eventual, a presunção de que nela encontrará assistência idônea e adequ
ada. É nitidamente contratual a responsabilidade de tais estabelecimentos
pela omissão de diligências necessárias à prestação dos serviços hospitalares.263
<320>
Os julgadores de 2º grau entenderam que a verba de 200 s.m. por dano moral foi
bem estabelecida, todavia, discordaram de idêntico valor destinado ao dano estético
,
reduzindo-o para 20 s.m. Interessante observar que não é unânime o pensamento a consid
erar ser um bis in idem cumular dano moral com estético. De uma forma majoritária
esse pensamento prevalece, porém, conforme visto e dito aqui, ainda não é unânime. Conce
dido mais despesas hospitalares e gastos com medicamentos, já que devidamente
comprovados.
Caracterização: Médico: imperícia e negligência. Hospital: responsabilidade objetiva.
- Falta de condições ideais de higiene e assepsia.
11.8 ORDINÁRIA. REPARAÇÃO DE DANOS. TRATAMENTO HOSPITALAR. CONTRATO DE MEIOS. QUES
TÃO EMINENTEMENTE TÉCNICA. PERÍCIA.
Sendo o contrato de tratamento médico, um contrato de meios, surgindo a respon
sabilidade na hipótese de comprovação de erro ou negligência no emprego dos meios
adequados, envolvendo, pois a questão indagações eminentemente técnicas, converte-se o j
ulgamento em diligência para, através de perícia, por perito de confiança
da Câmara, esclarecer-se esses pontos.
<321>
Paciente com asma brônquica internou-se em hospital para tratamento. Relata te
r ficado sob um ventilador existente na enfermaria, onde se encontrava acamado.
No segundo dia de internação sentiu um corpo estranho em um de seus olhos, pedindo,
a seguir, os cuidados de um oftalmologista. Chegado este, teria conduzido o paci
ente
a um canto do corredor, onde usando um colírio anestésico e com o auxílio de um instru
mento cortante (uma lâmina) teria retirado "algo" do olho do paciente, isto
tudo sem lavar as mãos. Passado o efeito da anestesia, queixou-se ele de dores int
ensas, informando que só foi atendido seis dias depois. Exigiu alta daquele nosocômi
o
no décimo dia de internação, após o que consultou com uma médica que lhe diagnosticou "inf
ecção de córnea". Três meses mais tarde, teve seu olho esquerdo extirpado,
para que não fosse prejudicada, também a visão do outro olho.
Moveu ação contra o médico oftalmologista e contra o hospital. Este último negou a e
xecução do ato médico nos corredores do nosocômio, até porque tem um bem
montado centro oftalmológico. Bem assim, informou que o paciente era lanterneiro (
o mesmo que latoeiro aqui no Sul), portanto, sujeito à exposição de corpos estranhos,
e que, provavelmente, já teria vindo se internar com o corpo estranho alojado no o
lho, rejeitando a existência do aludido ventilador. O profissional médico, por
sua vez. informou ser impossível uma tal manobra num corredor, haja vista que o pa
ciente precisaria estar deitado, ou no mínimo sentado, para que ele pudesse realiz
ar
a extração do corpo estranho, pela simples e elementar razão de ser a sua estatura bem
inferior à do paciente.
<322>
Por seu lado, este recusou a medicação oftálmica que lhe foi prescrita, a partir d
o quarto dia da internação e, ao exigir sua alta, estava assumindo o risco
e a responsabilidade pelo seu estado patológico, tendo, as citadas complicações, advin
do após a alta exigida.
De pouco adiantaram as explicações: o Juiz monocrático deu ganho de causa ao pacie
nte, julgando seu pedido procedente e condenando médico (agora apenas seu espólio,
pois que faleceu sem ver o final da demanda) e hospital a pagar uma pensão vitalícia
correspondente a 75% dos ganhos líquidos do autor na data do fato, e mais os
dois mil cruzados mensais que ele alegava receber em sua oficina de fundo de qui
ntal, convertidos em salários-mínimos, mais prestações vencidas, mais juros da data
do fato. Dano estético em (irrisórios) 10 s.m., mais custas processuais e honorários,
devendo, ainda ser constituído capital de garantia, conforme o previsto pelo
art. 602 do CPC.
Apelaram o hospital e o espólio, subindo os autos para serem analisados pelos
julgadores de 2º grau. Entenderam esses, "que a questão envolve aspectos eminentemen
te
técnicos, sobre a causa da infecção e sobre a adequação do tratamento inicial e inclusive
sobre a conveniência da alta e sua possível repercussão no agravamento
da doença".
E por assim entenderem, bem como, por perceberem que perícia alguma havia sido
realizada até então, decidiram converter o julgamento em diligência, do que resultou
o seguinte acórdão:
ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE DANOS. Doente internado em decorrência de asma brônquica, se
m qualquer outra patologia. Retirada de corpo estranho no olho sem a devida
assepsia. Responsabilidade civil.
<323>
Queixaram-se os julgadores do "monossilábico e reticente" laudo pericial, feit
o, segundo eles, com inexplicável má vontade, todavia, ainda assim conseguiram
extrair dele a conclusão de ter havido, realmente, negligência, erro ou culpa do oft
almologista ao retirar o corpo estranho, sem a devida assepsia, além do que,
"paciente com infecção, em nenhuma hipótese, deve ter alta, mesmo porque ela pode agra
var-se".
Todavia, entendemos ser oportuno lembrar aqui que o médico, ao manter paciente
internado à revelia, pode ser acusado do exercício de cárcere privado, ou de privação
de liberdade, e ficou bastante claro que a alta foi "exigida" pelo paciente.
Não obstante esses fatos, foi negado recurso por unanimidade, ou seja, mantida
, na íntegra, a sentença de 1º grau.
Caracterização: Imperícia médica não comprovada claramente. Responsabilidade objetiva
da entidade hospitalar.
11.9 RESPONSABILIDADE CIVIL.
Se na petição inicial, o autor se dizia vítima de erro médico, só poderá pleitear inden
zação da Casa de Saúde na hipótese do art. 1.521, III, do Código Civil.
Negada a relação entre o estabelecimento e o profissional, deve o autor demonstrar-l
he a existência (CPC, art. 333, I). Deixando de fazê-lo, julga-se improcedente
o pedido indenizatório formulado contra a Casa de Saúde. Desprovimento do recurso.
<324>
O paciente do fato em comento sofreu lesão nas pernas em função de acidente de tra
balho. Passando a fazer fisioterapia e sem que alcançasse melhora, submeteu-se
a novo exame, quando foi diagnosticado que era portador de uma hérnia de disco lom
bar, razão pela qual foi, em seguida, operado. Em virtude do que ele entende ter
sido causado por imperícia do médico que o operou, perdeu a voz e sofreu alteração no mo
vimento de uma das pernas.
A seguir, moveu uma ação requerendo ressarcimento por danos materiais, estético e
moral; todavia, o fez, apenas, contra a entidade hospitalar. Esta comprovou
ser inocente pelo fato de que o médico que operou o paciente não pertencia ao quadro
do estabelecimento, tendo sido contratado diretamente pelo próprio paciente.
Ato contínuo, denunciou à lide o cirurgião.
O Juiz determinou a realização de perícia, que concluiu pela ausência de causalidade
. Foi julgado o pedido improcedente quanto à Casa de Saúde e, quanto ao médico,
"a pretensão somente poderá ser deduzida em outros autos, neles provando-se o pressu
posto de fato do art. 159, do Código Civil, confirmando-se, por tais razões a
sentença pela sua conclusão".
Caracterização: Inexistência de vínculo com cirurgião. Ação dirigida erroneamente à ent
hospitalar, mera hospedeira.
<325>
11.10 RESPONSABILIDADE CIVIL. LESÕES DECORRENTES DE INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS REALIZAD
AS EM CASA DE SAÚDE POR MÉDICOS INTEGRANTES DA EQUIPE DO ESTABELECIMENTO
HOSPITALAR.
Ação contra a sociedade proprietária do hospital e contra os médicos. Comprovado que
as lesões decorreram de erro médico ou de imperícia, a empresa e os profissionais
respondem solidariamente pelo dano.
Paciente que, em virtude uma queda, sofreu fratura de colo do fêmur. Internado
, foi operado por dois cirurgiões do quadro hospitalar. Após a alta, o paciente
apresentou infecção na incisão cirúrgica, o que o obrigou a retornar ao nosocômio, onde so
freu nova cirurgia para retirada de um dos pinos metálicos ali colocados,
sendo outra vez imobilizado e lá permanecendo mais oito dias. Não tendo sido debelad
a a infeção a contento, e não estando fixo o colo do fêmur, foi o paciente encaminhado
para outro hospital, cuja equipe médica concluiu pela necessidade de uma nova inte
rvenção que teria por finalidade retirar os pinos remanescentes e tentar novamente
o encaixe do fêmur na bacia. Realizada a referida cirurgia, foi constatado que os
pinos se encontravam tortos e contaminados, e que o encaixe seria impossível, face
ao quadro infecioso apresentado pela incisão, do que concluíram que inicialmente hav
ia a necessidade de debelar a infeção (osteomielite do quadril) e daí, então,
poderia se pensar na possibilidade de uma nova cirurgia para a retirada dos pino
s e colocação de uma prótese. O paciente, além disso, ainda deveria usar muletas,
bota ortopédica e se submeter a tratamento fisioterápico.
Frente a esse desastroso resultado, moveu ação contra os dois médicos que o operar
am e o primeiro hospital onde foi atendido, aqueles por erro, este último por
culpa in eligendo.
<326>
O perito encarregado do caso informou que o paciente "apresenta impotência fun
cional do joelho esquerdo, só conseguindo articulá-lo com o auxílio das mãos e
impotência funcional total da articulação coxo-femoral. [...] O fêmur que já não tem cabeça
presenta alterações degenerativas, o mesmo ocorrendo com o acetábulo
(osso da bacia onde o fêmur se encaixa), e tudo resultando que só consegue deambular
com o auxílio de muletas". Mais ainda, esclareceu o perito que a técnica empregada
não era a mais indicada.
Os indigitados - médicos e hospital - defenderam-se sustentando que o tratamen
to cirúrgico efetuado no paciente tem o apoio na literatura médica, tanto que foi
exitoso, só voltando o paciente ao hospital, 36 dias depois, aí então, apresentando o
quadro infeccioso. Que o tratamento efetuado pelo segundo hospital é o correto,
mas, desde que o paciente não esteja engessado. Que o tratamento da infecção é longo, e
a cura depende, também, da conduta do paciente.
A sentença prolatada pelo Juiz monocrático deu como procedente o pedido do pacie
nte, condenando médicos e hospital, solidariamente, a indenizar aquele.
Por ocasião da apelação, argumentaram os indigitados que "depois de tantas e suces
sivas providências médico-cirúrgicas, não seria possível vislumbrar-se culpa
atribuível a eles, apelantes". E, referindo-se à indenização, observaram que "a diminuição
a capacidade laborativa do autor foi composta através de benefícios previdenciários
desde o acidente".
<327>
Os julgadores de 2º grau julgaram tal afirmativa "absolutamente despropositada
", vez que os indigitados procuravam suscitar a regra do compensatio lucri cum
damno, que diz respeito a casos, nos quais, pela mesma causa é recebido mais de um
pagamento. Todavia, explicam eles, "sendo diversas as causas, inexiste a possib
ilidade
de 'compensatio', pois, como visto, esta reside na identidade do fato produtivo
da obrigação de indenizar e do pagamento do benefício ou do seguro. No caso, o direito
ao recebimento de indenização decorre de ato culposo dos réus, enquanto o direito ao r
ecebimento de benefício previdenciário decorre de contribuições feitas à entidade
estatal. Não há, portanto, identidade entre as duas causas, não havendo, assim, lugar
para compensação". Apelação não acolhida, mantida a sentença de 1º grau. O
acórdão não informa o quantum indenizatório.
Caracterização: Imperícia médica (mas não claramente comprovada). Responsabilidade obj
etiva e solidária do hospital. Culpa in eligendo.
<329>
12. SEGURO DE SAÚDE (05)
Oriundo do latim, o vocábulo securus, quer dizer tranqüilo, sem receios, isento
de cuidados. No sentido jurídico indica um contrato, em virtude do qual, um dos
contratantes (Seguradora) assume obrigações em relação ao outro (segurado), mediante um
pagamento avençado. O seguro de saúde é um tipo de seguro pessoal, tendo
por objeto o próprio segurado, que através daquele procura se garantir contra as adv
ersidades provenientes de problemas com sua saúde. Além do segurado titular,
outras pessoas, por sua indicação, podem se beneficiar do seu seguro.
12.1 CIVIL. SEGURO DE SAÚDE. INEXISTÊNCIA DE DECLARAÇÕES FALSAS DO SEGURADO. COBERTU
RA DE VIDA.
1. Designando o segurado, no seguro de vida, certo beneficiário em primeiro lu
gar, o direito deste exclui o direito de quem é indicado em segundo lugar. Agravo
retido desprovido. 2. É dever elementar do segurado prestar declarações verdadeiras e
completas na proposta de seguro de vida em grupo, observando o princípio da
boa-fé, insculpido, neste caso particular, no art. 1.433, do CC. Entende-se por ve
rdadeira aquela informação que, à época da contratação do seguro, era do conhecimento
do proponente. Não existindo prova idônea de que o segurado tenha prestado declarações f
alsas sobre seu estado de saúde, cujo conhecimento pudesse ensejar a recusa
da proposta, não incide a sanção do art. 1.444, do CC. Apelação desprovida.
<330>
Cidadão fez um plano de seguro que incluía vida, saúde e pecúlio. Algum tempo mais t
arde associou ao plano, a esposa, já que necessitava de dinheiro, e a Seguradora
informara que com dois associados poderia fazer empréstimos em dobro. Nove anos ma
is tarde a esposa veio a falecer e a entidade se recusou a pagar o pecúlio ante
o argumento de que a falecida, ao se associar, já era doente. O associado, então, mo
veu ação contra a Seguradora, pedindo, além do pecúlio que lhe era de direito,
mais juros e correção monetária.
Aquela defendeu-se, preliminarmente, informando que eram três os beneficiários,
conquanto o autor pleiteasse sozinho todo o montante do pecúlio. No mérito, informou
que "a segurada havia falecido de arritmia cardíaca, miocardiopatia isquêmica, diabe
te melito e miocardiopatia dilatada", e que se sabedora desses dados "não teria
aceito a associada ao pecúlio, por vedação estatutária". Mais ainda, salientou que, "em
1989, quando a associada mudou sua faixa de pecúlio, persistiu em negar as
doenças perpétuas que lhe afligiam".
O Juiz monocrático julgou procedente a ação, condenando a Seguradora ao pagamento
do pecúlio devido, mais juros moratórios desde a citação, mais custas e honorários.
Apelando aquela, pediu o reconhecimento do agravo retido interposto contra a dec
isão do Magistrado, que afastou a preliminar de carência de ação, pedindo que se
reduzisse a ação à metade do pecúlio. No mérito reiterou argumentos anteriores.
Na 2ª instância, os julgadores entenderam por conhecer do gravo, todavia, consid
erando manifesta a legitimidade do apelado, em razão do fato que ao firmar a
proposta de associada, a esposa havia deixado claro estar nomeando o marido como
beneficiário em primeiro lugar, o que excluía o direito daquele que viria em segund
o,
no caso o filho.
<331>
Discorrendo sobre o princípio da boa-fé, o ilustre relator citou, a respeito, do
utrina lusitana, nas palavras de Antonio CORDEIRO: "o comportamento das pessoas
deve respeitar um conjunto de deveres reconduzidos, num prisma juspositivo e num
a óptica histórico-cultural, a regra de actuação da boa-fé".
"Assim, a circunstância de a seguradora não submeter o proponente a exame de saúde
, ou da possibilidade de perceber o prêmio, não exime aquele do dever elementar
de prestar declarações verdadeiras e completas. Se falseia informações na proposta, e de
pois há relação de causa e efeito entre omissão intencional quanto ao estado
de saúde e o seu óbito, incide a sanção prevista no art. 1.444, do CC, pois a mentira co
nstitui a maior ofensa ao princípio da boa-fé".
Quando a associada firmara o contrato, declarou que jamais estivera sob trat
amento médico, internada em hospital, submetida à cirurgia ou afastada do trabalho
por doença. Contudo, a Seguradora não evidenciou provas que à época (nove anos atrás), aqu
elas não fossem realmente as características de higidez da assegurada.
"Por outro lado, não há prova que a apelante tenha exigido da associada respostas anál
ogas quando, no ano de 1989, trocou de faixa".
Por tais razões, entenderam os julgadores que sobre a hipótese dos autos não incid
ia o previsto no art. 1.443 do CC, anexando, para justificar, o seguinte acórdão:
SEGURO DE VIDA. DECLARAÇÕES INVERÍDICAS DO SEGURADO. BOA-FÉ.
Para que incida o disposto no art. 1.444 do Código Civil, necessário que o segur
ado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las verdadeiras e
completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde.
<332>
Do que concluíram que não tendo ficado comprovado que a associada tenha enganado
a Seguradora, confirmaram a sentença de 1º grau, negando, por unanimidade o
provimento, tanto ao agravo retido, quanto à apelação.
Caracterização: Respeito ao princípio da boa-fé.
12.2 CIVIL. RESPONSABILIDADE DE EMPRESA DE SEGURO SAÚDE, POR ERRO MÉDICO, E EM E
STABELECIMENTO HOSPITALAR, AMBOS POR ELA CREDENCIADOS.
Verificado o erro, a despeito de inexistir relação de preposição entre a companhia e
os médicos por ela, aos segurados indicados, responde, entretanto, por culpa
in eligendo ou in vigilando, máxime quando os serviços oferecidos, de acordo com o p
lano, são prestados apenas por profissionais selecionados. Caso, entretanto,
em que, em conseqüência do atendimento negligente, tiveram os pais do paciente de in
terná-la em outra Casa de Saúde, autorizados pela Seguradora, que se recusa,
todavia, a reembolsar as despesas com médicos, exames e acompanhante. Ainda que o
plano avençado as exclua, no tocante aos profissionais, porque não são credenciados,
a responsabilidade da Seguradora resulta da infração ao contrato de fornecimento dos
serviços de Seguro Saúde, inadimplido por ela, em decorrência de erro médico.
Recurso desprovido.
<333>
Paciente, beneficiária do Plano de Saúde, procurou médico em hospital credenciado
pela Seguradora, apresentando dor torácica intensa. Diagnosticado como sendo
dor muscular, foi prescrita medicação correlata. Três dias depois, devido as dores não t
erem cessado, dirigiu-se a paciente novamente ao mesmo nosocômio, sendo atendida
por médica plantonista, que requisitou radiografia de tórax. Frente ao resultado des
te, manteve a mesma medicação, afirmando nada haver de anormal com o pulmão da
paciente. No dia posterior, com o aumento sempre constante das dores, retornou a
o médico que a tinha visto pela primeira vez, mostrando-lhe a radiografia. Igualme
nte,
manteve ele o diagnóstico e a medicação, porém, dada a permanência dos sintomas, pediu uma
ultrassonografia, que só foi realizada no outro dia, acusando derrame
pleural direito.
Ante a gravidade do fato, a paciente foi internada em regime de emergência, em
outro hospital, não credenciado, mas com autorização da Seguradora. Chamado um
especialista, ficou constatado que a paciente apresentava quadro infeccioso grav
e, pneumonia com derrame pleural à direita, insuficiência respiratória e taquicardia.
Precisou ficar internada por 18 dias e fazer biópsia da pleura; houve ainda uma oc
orrência de trombose venosa profunda, sendo necessária a permanência de um familiar
junto ao seu leito durante todo o período de internamento.
Após a alta, a Seguradora recusou-se a pagar os honorários dos médicos que deram a
ssistência à paciente, bem assim o referente aos exames e despesas de acompanhante.
Incumbiram-se apenas do pagamento da internação.
<334>
Processando a Seguradora, os pais da paciente invocaram a ineficiência dos ser
viços prestados por aquela, não cogitando de contrato, mas da responsabilidade
pelos danos causados.
Em resposta, a entidade indicou que os erros cometidos tinham a ver com os p
rofissionais médicos, apuráveis mediante responsabilidade subjetiva, denunciando-os
à lide. Mais ainda, "alegou não se ter esclarecido, nem comprovado a causa da lesão pu
lmonar, não tendo ela (a Seguradora) - por não ser mandante, nem haver ministrado
instruções aos médicos -, condições de contestar o histórico da causa".
O Juiz monocrático pronunciou sentença, julgando procedentes o pedido da pacient
e e a denunciação, esta em relação apenas a um médico. Foi anulada a sentença
por aresto da 7ª CC, sendo proferida outra, após a realização de perícia médica, admitida a
produção de prova oral. Prolatada a nova sentença, corroborou a anterior.
O laudo médico apontou para negligência e displicência no trato com a paciente, indica
ndo "leviano e inexato diagnóstico, fruto de erro inescusável do médico credenciado".
Na apelação, a Seguradora se protege atrás dos ditames jurídicos que a regem, invoca
ndo, por primeiro, o art. 1.432 do CC, para dizer que o seguro saúde consiste
em "cobertura de garantia pecuniária quanto às atividades dos que atuam na área, médicos
, laboratórios, clínicas, desde que credenciados pela entidade seguradora".
O segundo preceito, com base no art. 30 do Decreto-lei nº 76/66, informa "consisti
r a garantia no pagamento em dinheiro, efetuado pela sociedade seguradora à pessoa
física ou jurídica prestante da assistência médico-hospitalar ao segurado". Pelo que "não
pode abranger obrigação fora de seu objeto, que não se constitui na prestação
do serviço, mas, tão-só, em sua remuneração. Eventual erro profissional equivale a fortuit
o, em relação à Seguradora, jamais à ineficiência contratual".
<335>
Os julgadores de 2º grau reportaram-se a julgado, considerado vanguardeiro, qu
e tem a seguinte redação:
Se a embargante é a locadora direta de serviços médico-hospitalares, na medida em
que credencia médicos e nosocômios a suprir deficiências de seus próprios serviços
(que oferece como assistência médica global), já está a compartilhar, como reus eligens,
dada responsabilidade dos profissionais e entidades que selecionou.
Permanece, portanto, a responsabilidade da Seguradora por ato praticado em n
osocômio por ela credenciado ou autorizado. Invocou este, ainda, que o contrato não
cobria despesas extraordinárias e de acompanhantes em internação hospitalar, todavia,
o ressarcimento cobrado vinha em decorrência de infração contratual, por não
ter, de forma adequada, posto à disposição da paciente, profissionais capazes.
É citado, no corpo do acórdão, passagem do Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., que vale
ser reproduzida: "A entidade privada de assistência à saúde, que associa interessados
através de planos de saúde, e mantém hospitais ou credencia outros para a prestação de ser
viços a que está obrigada, tem a responsabilidade solidária pela reparação
dos danos decorrentes de serviços médicos ou hospitalares".
Por tantas e tais razões, decidiram por negar provimento ao recurso, mantendo
a sentença e condenando a Seguradora a pagar o que fora requerido.
<336>
Caracterização: Responsabilidade objetiva da Seguradora por seus prepostos.
12.3 EMBARGOS INFRINGENTES. INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO.
Responsabilidade da sociedade titular do Plano de Saúde, por ato de imperícia de
médico a seus serviços. Culpa in eligendo. Embargos providos.
O caso referente aos supracitados embargos diz respeito à paciente com Plano d
e Saúde que foi atendida por médico credenciado. Todavia, agravando-se seu estado,
necessitou ser internada, sendo tal internação efetuada pelo mesmo médico, em Casa de
Saúde credenciada, de cujo corpo clínico ele, médico, não integrava equipe.
Ocorrendo erro médico e tendo a paciente movido ação contra o Plano de Saúde, toda a
celeuma girou em torno do fato de que o cirurgião que a operou não fazia
parte do quadro credenciado do nosocômio, onde se deu a intervenção.
O Juiz monocrático julgou procedente o pedido, condenando o Plano a ressarcir
os danos advindos pela imperícia de um de seus credenciados, entendendo que por
ter ocorrido o fato em hospital, do qual o médico não fazia parte do quadro, em nada
alterava a culpa in eligendo, vez que tanto ele, médico, quanto o hospital onde
se internara a paciente, integravam o convênio.
Apelando, subiram os autos, tendo decisão contrária à sentença de 1º grau, porém, não p
unanimidade, o que deu origem aos presentes embargos que acabaram por
reiterar a sentença monocrática, reduzindo o dano moral para 100 s.m., por achar exc
essivo o quantum anterior, que não indica qual, não provendo, também, a condenação
a pensões vincendas, visto inexistência de incapacidade ou debilidade permanente.
<337>
Caracterização: Plano de Saúde tem responsabilidade solidária pelos atos de seus cre
denciados.
12.4 RESPONSABILIDADE. CONVÊNIOS. PLANOS DE SAÚDE.
Pretensão indenizatória de reparação de danos causados por erro médico. Profissional nã
credenciado. Preliminar que se rejeita de ilegitimidade ad causam, no
pólo passivo, da credenciadora, porque afirmada na petição inicial a responsabilidade
desta última, a matéria não mais se situa no campo das chamadas condições da
ação, mas sim, do meritum causae, onde deverá ser apreciada. Inexistência de credenciame
nto que, ainda que demonstrado fosse, não ensejaria por si a responsabilidade
da credenciadora por não ser o médico preposto da mesma, o que afasta a incidência do
art. 1.521, III, do ordenamento civilístico, a não ser que se positivasse a
culpa, in eligendo, inocorrente na hipótese dos autos. Provimento da apelação para jul
garem-se improcedentes os pedidos indenizatórios em face da apelante (Seguradora).
Verba honorária arbitrada dentro dos parâmetros estabelecidos pelo art. 20, § 4º, do CPC
, observando-se os estatuídos nos arts. 11 e 12 da Lei nº 1.060/50. Comunicação
do fato ao Conselho Regional de Medicina e à Procuradoria Geral da Justiça (CPP, art
. 40).
<338>
Paciente apresentando mioma (tumor uterino) submeteu-se a cirurgia com médico,
credenciado pelo Plano de Saúde, com o qual já havia consultado em dias anteriores,
porém em outro hospital. Como o nosocômio onde se realizaram as consultas prévias era
de tamanho modesto e, portanto, não oferecia as melhores condições, a paciente,
por ocasião da cirurgia, foi atendida em outro, maior, e também credenciado pelo Pla
no de Saúde. Todavia, o médico, também credenciado, não fazia parte do quadro
profissional do local onde se deu a intervenção.
Durante o ato, o cirurgião atingiu com o bisturi, o rim e o ureter esquerdos d
a paciente, culminando mais tarde com a necessidade de extirpação do primeiro.
A paciente moveu ação contra o Plano de Saúde, pedindo indenização por danos materiais
e morais.
Defendeu-se aquele, afirmando sua ilegitimidade passiva, "já que os planos de
saúde não podem ser responsabilizados por erro do profissional escolhido pela benefi
ciária
dentre os vários colocados à sua disposição". Mais ainda "que o médico indigitado não figur
va, e nunca figurou, na relação de profissionais apresentada pelo Plano,
razão suficiente para o processo ser extinto sem apreciação do mérito".
Executada a perícia, ficou constatada a presença de grave erro técnico. A sentença r
ejeitou a preliminar e julgou procedente a pretensão indenizatória, inclusive
com verba para assistência psicológica.
Subindo os autos para os julgadores de 2º grau, foi novamente rejeitada a prel
iminar de ilegitimidade ad causam, todavia, contra o voto do eminente relator,
negaram total provimento ao recurso, por julgarem improcedentes os pedidos em re
lação ao Plano de Saúde e condenando a paciente às custas e honorários, estes arbitrados
em cinco s.m. Determinaram, também a remessa de cópias do laudo pericial e do acórdão pa
ra o Conselho Regional de Medicina e à Procuradoria Geral da Justiça.
<339>
Entenderam os doutos (não por unanimidade), que cabia à paciente a prova do cred
enciamento do referido profissional, uma vez que toda a celeuma girava em torno
desse fato, e não da ocorrência do erro, já que este se mostrava claro e evidente. Inv
ocaram o art. 333 do CPC, para concluir que não tendo havido tal comprovação,
"o médico não era conveniado. É a verdade do processo, que pode não corresponder à verdade
real, e assim, afasta-se a responsabilidade da apelante (Plano)". Ressalvaram,
contudo, e evidentemente, que em demanda autônoma, a paciente poderia acionar a qu
em de direito, no caso, o cirurgião que a operou.
Do que resultou o acórdão acima, bem assim os embargos infringentes citados em 1
2.3.
Entretanto, tal conclusão não foi unânime, conforme já mencionado e o ilustre des. M
iguel Pachá, em longo voto vencido (6 fls.) explica com lucidez e bom senso
o porquê de sua dissidência, da qual reproduziremos partes: "Na contestação, e em todo t
ranscorrer do processo, a ora apelante (Seguradora) pretendeu eximir-se de
sua responsabilidade, afirmando que o profissional médico é de livre escolha da paci
ente. Todavia, esta 'livre escolha' só pode ser feita dentre os profissionais
credenciados por aquela. [...] A Apelada foi atendida em duas Casas de Saúde, pelo
mesmo médico que a operou, todas credenciadas da Ré".
Após a constatação de evidente e grosseiro erro médico, só faltava "indagar-se acerca
da possibilidade do profissional credenciado em um hospital, efetuar a
operação em outro, no qual presta serviço" (mas que é igualmente conveniado). Essa indag
ação foi dirigida ao perito, que a respondeu afirmativamente.
Prova disso está, também, no fato apontado pelo relator que o Plano pagou as des
pesas relativas à internação, e outras, decorrentes da cirurgia. Veja-se que
esta é uma prova realmente cabal, pois em uma de suas cláusulas (4.7), consta o que
segue: "O Plano não se responsabiliza, em qualquer hipótese, por quaisquer despesas
e por serviços médicos ou hospitalares prestados por profissionais ou entidades não re
lacionadas em seu Sistema Assistencial, assim como por serviços não cobertos
pelo presente contrato". Do que foi muito bem deduzido pelo autor do voto vencid
o que "se o médico não integra o Plano, a Recorrente não teria que pagar, como o
fez, as despesas efetuadas na Casa de Saúde e se o fez é porque reconheceu que aquel
e profissional a ela estava vinculado em outros hospitais credenciados, podendo,
por isso, operar em qualquer deles".
<340>
A seu entender ocorreu culpa in eligendo, pela qual o Plano deveria responde
r por erro profissional de sua equipe de atendimento. Comentou e anexou, ainda,
parte
de um acórdão da lavra do Des. Murillo Fábregas, a respeito:
Responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviços médicos. Erro médico.
Responsabilidade solidária com os médicos credenciados [...].
O voto vencido do Des. Miguel Pachá abriu a possibilidade para os embargos, qu
ando, então reafirmada a sentença de 1º grau, condenando o Plano a indenizar a
paciente.
Caracterização: Plano de Saúde tem responsabilidade solidária com seus credenciados.
<341>
12.5 SEGURO SAÚDE. ERRO MÉDICO NO EXAME DA PACIENTE, DE QUE TERIAM RESULTADO MAI
ORES DESPESAS COM HONORÁRIOS MÉDICOS, EXAMES LABORATORIAIS E DESPESAS DE ACOMPANHANT
ES,
QUE A SEGURADORA SE NEGA A REEMBOLSAR.
Denunciação da lide ao médico que atendeu a paciente. Sentença reconhecendo tal erro
do denunciado. Nulidade da decisão para o fim de ser realizada perícia médica,
facultado, ainda prova oral.
O presente acórdão merece comento por duas razões: a primeira porque já temos a reso
lução do caso no item 12.2; a segunda, diz respeito a um fato que não acontece
com muita freqüência, ou seja, anulação de uma sentença pelos julgadores de 2º grau. Nos ma
s de seiscentos acórdãos analisados sobre ocorrências médicas, este é
o primeiro caso em que vimos um Juiz monocrático tendo seu decisum rejeitado.
Em que pese ter sido, depois, a conclusão chegada uma réplica da própria sentença, t
odavia, entenderam os doutos que tal caso não se resolveria a contento, sem
uma perícia, o que não havia ocorrido quando dos procedimentos de primeira instância,
já que "a Dra. Juíza proferiu sentença de plano, indeferindo a prova oral e
também a perícia médica". Por tal razão anularam-lhe a sentença prolatada. Entenderam eles
que "a douta sentença foi precipitada, principalmente no plano da comprovação
ou não do alegado erro médico, o que deve ser submetido a uma perícia especializada".
O restante do enredo e suas cenas finais estão no supra redigido item 12.2.
<345>
PARTE TERCEIRA
ADVERTÊNCIAS
ADVERTÊNCIAS
SUMÁRIO: 1. Advertências de alguma utilidade - 1.1 Aos Srs. Advogados - 1.2 A ve
rdade sobre o esprit de corps - 1.2.1 Generalidades - 1.2.2 A informação da História
- 1.2.3 Os códigos de ética médica - 1.3 Aos Srs. Médicos.
1. ADVERTÊNCIAS DE ALGUMA UTILIDADE
O presente trabalho restaria incompleto se não colocássemos aqui algumas palavra
s referentes à pura observação dos fatos da vida prática. Assim, este último
e singelo capítulo é dedicado aos advogados e aos médicos, tendo como única e precípua fin
alidade a profilaxia do erro no exercício de ambas as profissões.
1.1 Aos Srs. Advogados
Toda vez que um paciente, descontente ou frustrado, procura um escritório de a
dvocacia com o intuito de processar um médico, via de regra, ele leva ao profissio
nal
uma história tão nefasta, que não há como o advogado não ficar sensibilizado com o problem
a de seu novo cliente: nasce naquele momento um vilão - que é o médico
- e mais uma ação judicial irá sobrecarregar o Judiciário.
Todavia, questionamos: não deveria haver um critério no momento de decidir se va
mos ou não aceitar um caso? Ou simplesmente o aceitamos? Não seria mais justo
(e mais ético) levar o histórico relatado pelo cliente a um médico de confiança - que to
dos o temos - e pedir a sua ajuda no sentido de obter um esclarecimento,
se o evento narrado aponta realmente para um erro médico, ou é apenas fruto do desco
ntentamento do paciente?
<346>
Sem dúvida há muitos casos que só se deslindam sob perícia técnica, porém, na maioria d
s vezes uma breve consulta telefônica esclareceria muitas coisas e, tal
postura, viria beneficiar a ambos os profissionais envolvidos: ao advogado, porq
ue não daria início a um caso fadado ao fracasso; ao médico, porque se livraria de
uma ação judicial que, comumente, costuma ter um poder devastador em sua vida.
Temos observado, e até com certa tristeza e apreensão, que toda vez que um médico é
envolvido num processo judicial, injustamente, mesmo saindo vitorioso da
lide, ele sempre perde. Perde sua tranqüilidade para o trabalho, perde a concentração
para o estudo, perde as horas de sono que nem sempre são muitas e, o que é
pior, pode passar a ver o cliente de maneira diferente, como uma ameaça, ou pelo m
enos, não mais como um amigo.
Tem-se por óbvio que não estamos aqui a falar do profissional negligente, indole
nte ou despreparado, mas daquele que se esforça para melhorar a cada dia, que
investe em cursos, livros, congressos, modernos equipamentos, pessoal treinado,
etc. São eles os maiores alvos, porque considerados em boa situação financeira.
Por essa razão, aquele tipo de cliente - descontente e sem muita ética -, não pens
a duas vezes, ou melhor, pensa, várias vezes, mas no patrimônio de seu médico
e vai em busca de um advogado.
É para essa espécie de pacientes que estamos a sugerir cautela e reserva. E, ess
a sugestão, não é sem razão, nem forjada em pensamentos aleatórios e despropositados:
a maioria esmagadora dos médicos que temos defendido estão sendo processados sem cul
pa, sem que tivessem cometido erro.
<347>
E quem os processa? Qual é o perfil do paciente potencial-mente problemático? A
nosso ver (conclusões tiradas da pura observação dos fatos) ele pode provir de
três origens distintas:
a) Paciente cujo relacionamento médico-cliente se desestruturou, enfraqueceu o
u se rompeu. O esfacelamento dessa relação é de tal maneira vital que está havendo
movimento para a volta do "médico de família" (vide nota de rodapé nº 286, Parte Terceir
a, 1.3), já que o distanciamento entre profissional e cliente parece ser
uma das fomentadoras do aparecimento de erros médicos. Por outro lado, temos obser
vado que mesmo quando o profissional incorre em erro, mas o relacionamento médico-
paciente
é bom e íntegro, o problema ou se resolve satisfatoriamente entre eles, ou sequer é le
vado em conta.
b) Paciente que depositou expectativas que iam além do ato médico, ou da possibi
lidade atual da medicina. Esse fato é extremamente comum na área da cirurgia
plástica estética: há todo um engajamento psicológico de expectativas mil, por conta de
um novo nariz, de uma pele sem rugas, de um abdômen imperceptível ou do fim
de uma calvície. É, sem dúvida, uma reação muito humana, fruto de nossa fragilidade e da n
ecessidade de sermos amados, aceitos e, se possível, até aplaudidos pelos
nossos pares. Todavia, quando a expectativa falha, quando ela não vem atrelada com
o brinde ao ato médico, ainda que perfeito, muita coisa pode acontecer e é nesse
momento que o advogado deve se munir de um senso acima do comum - sendo mais psi
cólogo que jurista - dissuadindo sua, ou seu cliente, de processar o médico por algo
que não foi alcançado - não por erro -, mas porque não estava a seu alcance, caso contrári
o, irá abraçar uma causa sem futuro.
Temos estudado, até aqui, cerca de seis centenas de julgados sobre possíveis err
os médicos e, o que temos visto, é que os julgadores estão percebendo o que está
a se passar no Brasil: o furor indenizatório que se desencadeou desde a morte da c
antora Clara Nunes. De lá para cá, muitos médicos têm sido alvo das mais comezinhas
lides judiciais e das maiores aberrações em termos de pedidos de indenização. Há que os ad
vogados tenham a devida sensibilidade para separar o joio do trigo, ou
estaremos a caminhar a passos largos para uma medicina defensiva, tal qual ocorr
e nos E.U.A., tendo como conseqüência o exercício de uma profissão elitista, porque
cara, e cada vez mais distante do seu alvo principal: a cura. Cura esta que deve
advir não só pelos medicamentos e pelas cirurgias, mas pelo afeto, cuidado, zelo
e compreensão, qualidades estas, imprescindíveis, e que devem unir cliente e médico.
<348>
c) Paciente descontente consigo mesmo e com a humanidade como um todo. O per
fil dessa pessoa é sempre negativo: queixa-se de tudo; nada é suficientemente bom,
nada a deixa satisfeita, tudo poderia ser diferente; só com os outros que as coisa
dão certo, e assim por diante. Como não poderia deixar de ser, alguém com essas
características tem, também, dificuldade em se relacionar, não se sentindo amada, ou s
e encaixando no clichê conhecido como "mal amada".
E é exatamente na seara da cirurgia plástica estética que tais indivíduos costumam b
uscar remédio para seus males, sem entender que seu caso poderia se encaixar
muito mais na área da psicologia ou da psiquiatria, que propriamente naquela em qu
e foram investir. Claro que há também o lado terapêutico e altamente benéfico das
intervenções com finalidades estéticas, tanto que já existem autores que a cognominam de
cirurgia de equilíbrio psicológico, conforme já citado nesse trabalho. Todavia,
não é a isso que estamos a nos referir.
O que costuma ocorrer na prática é que as pessoas, com o perfil acima delineado,
vão para uma mesa cirúrgica imaginando que todos os seus problemas serão resolvidos
com o toque mágico do bisturi (e agora do laser, também). Porém, a realidade que vem l
ogo a seguir é bem diferente e leva algum tempo para se resolver: entraram
ali ilesas, saem com uma cicatriz; chegaram sem dor e podem passar a senti-la; o
s edemas pós-cirúrgicos (especialmente de face) costumam deformar o paciente de tal
modo que ao se olhar no espelho ele se assusta e assusta aos outros; as equimose
s (manchas roxas) não tardam a aparecer e demoram para sumir; se, ao invés de mancha
s,
aparecerem hematomas, então o cirurgião estará em maus lençóis, pois apesar de não ser culp
sua, o hematoma pode gerar uma cicatrização defeituosa e, quando isso
acontece num tipo de paciente como o acima relatado, é mais um processo que dará ent
rada na Justiça.
<349>
Concluindo: há que ter cautela e bom senso no momento de acolher a queixa de u
m cliente predisposto a processar seu médico. Receita para tanto: analisar com
cuidado se ele não está inserido em um dos três perfis acima descritos: relacionamento
médico-paciente esfacelado; expectativas além das possibilidades da medicina
e do profissional; indivíduo mal amado e descontente consigo mesmo. Conversar com
um médico de confiança. Depois, conversar com o presumível cliente, e explicar-lhe
a realidade da situação.
Se, após todo esse percurso ético, houver forte evidência de que ocorreu erro, adv
indo de imperícia, imprudência ou negligência, então, boa sorte na sua demanda.
1.2 A verdade sobre o esprit de corps
1.2.1 Generalidades
Muito se tem falado sobre o tema em epígrafe, também conhecido como corporativis
mo médico, conspiração do silêncio e, até, máfia de branco.
<350>
Mas, o que é corporativismo? Os dicionários apenas informam ser um sistema polític
o-econômico, baseado no agrupamento das classes produtoras, em corporações,
sob a fiscalização do Estado.
Por óbvio, não é esse o caso mas, de qualquer maneira, a definição aponta o caminho: é
união de classes com os mesmos interesses e lutando pelas mesmas causas.
É o que basta para que se entenda que corporativismo não é uma coisa negativa, pejorat
iva, a não ser quando o vocábulo é usado para referir-se a médicos.
E, sem a menor sombra de dúvida, trata-se de um sentimento positivo, de um elo
que une classes e profissões, ainda que com diferentes intensidades: é um fenômeno
sociológico, e nem poderia deixar de sê-lo, já que envolve todos os indivíduos e todas a
s profissões.
Até aí nada de novo; entretanto, o assunto começa a ficar interessante quando se a
nalisa a situação de certas classes: por que o corporativismo (que já afirmamos
ser algo positivo) é tão cobrado em relação aos médicos, e sempre que é mencionado em refer
ia a essa classe, o é de uma maneira pejorativa e crítica? Por que
ninguém questiona a força corporativista dos metalúrgicos, que é bem conhecida e até elogi
ada por todo um País?
Os engenheiros também não são corporativistas? E os advogados? E os dentistas? E o
s bancários? E os clérigos? Já dizia um velho brocardo inglês: "pássaros de
mesma plumagem voam juntos", o que, por suposto, é óbvio! Então qual a razão da cobrança q
ue a sociedade faz em relação à classe médica?
Se há uma explicação, entendemos que ela reside no fato de essa mesma sociedade te
r por costume se utilizar de pesos e medidas diferentes para aferir elementos
idênticos.
Para entender melhor, façamos uso da analogia (ainda que um tanto grotesca), t
omando por exemplo um fato da vida cotidiana, portanto, real: quando um homem de
meia idade resolve ter um relacionamento afetivo com uma mulher que é vários anos ma
is jovem que ele, recebe total apoio da sociedade; tem seu status de ser social
elevado e é visto, até, com uma certa pontinha de inveja pelos outros machos da espéci
e.
<351>
Agora, inverta-se o quadro: uma mulher de meia idade relacionando-se com um
jovem! Já de início ela terá que fazer a sua opção: esconde o relacionamento ou,
se tiver coragem (e vai precisar de muita), assume-o perante a sociedade, passan
do, certamente, a fazer jus aos mais desprezíveis adjetivos qualificativos.
Acaso não é essa a realidade que vemos ao nosso redor? E por conta de quê? Simples
mente em função do costume que tem o ser humano de avaliar uma mesma situação
com pesos e medidas diferentes, conforme já dissemos. É como se olhássemos a mesma pai
sagem, ora com o binóculo na posição correta e depois nos servíssemos dele
na posição invertida. A paisagem continuaria a mesma, entretanto, a visão que teríamos d
ela seria totalmente alterada em relação à primeira imagem, e para pior.
É mais ou menos isso o que ocorre com o corporativismo médico: sob a nossa óptica
humana e falha, todos os demais corporativismos são saudáveis e até elogiáveis,
exceção feita ao dos médicos.
Não estamos aqui a negar a existência desse elo que une os profissionais da saúde,
o que por si só seria impossível, já que se trata de um fenômeno sociológico,
como afirmamos linhas atrás; no entanto, o que é nefasto é a generalização que se faz dess
e elemento: não se pode ver o corporativismo médico como um coisa negativa
sempre, conceituando todo médico como corporativista e julgando todos os laudos su
speitos.
Não há como negar que toda vez que generalizamos algo, temos enormes chances de
incorrer em erro, por tal razão é tão importante o exercício de uma consciência
crítica.
<352>
Há laudos comprometedores? Sim, sem dúvidas os há, porém, são em minoria ínfima e seque
chegam a prejudicar alguém, até porque o julgador a eles não está adstrito.
Ao revés, em nossa pesquisa, encontramos laudos severíssimos de médicos que não satisfei
tos de ter apontado o erro do colega, ainda tinham a pretensão de entrar
na área jurídica, antecipando o julgamento daquele.
Entretanto, nos corredores dos tribunais, nas conversas entre advogados, bas
ta que um laudo não seja favorável ao seu cliente para ser rotulado, de imediato,
de corporativista. Os que assim pensam deveriam se inteirar um pouco mais do que
tem sido escrito nessa seara e, então, veriam que ao fazer afirmações assim tão
genéricas é porque se encontram a navegar no mar encapelado e proceloso da desinform
ação e da erronia.
1.2.2 A informação da História
Se existe esse conceito de corporativismo tão exacerbado em relação à classe médica, d
e onde viria ele? Em quais bases se formou? A sociedade, como um todo,
sabe da sua existência, sabe apontá-lo e até condená-lo, mas, será que de alguma maneira já
tentou explicá-lo? É bem provável que não, pois é da nossa condição humana
encontrar mais facilidade em criticar algo, do que tentar compreendê-lo ou interpr
etá-lo.
Ao cabo de alguma reflexão sobre o assunto, tentando chegar a uma explicação coere
nte, concluímos que essa força corporativista - exacerbada aos olhos de muitos
- assenta-se sobre dois fatos básicos: primeiro, a redação dos antigos códigos de ética; s
egundo, as dificuldades pelas quais passaram aqueles profissionais até
adquirir o conhecimento hoje disponível, somatória das informações advindas de erros e a
certos, que evoluíram desde os conhecimentos do pagé ao mago, do barbeiro
ao cientista. Sabe-se que é da natureza humana a característica de tanto a dificulda
de quanto o sofrimento serem catalisadores potentes para formar potentes elos.
<353>
A História, essa conselheira amiga e sábia, costuma ter a resposta para boa part
e das nossas indagações, basta que a consultemos. Pois, foi com base nela, que
formulamos essa tese que procurar explicar o porquê de ser o corporativismo médico u
ma força tão ampla.
Foram as terríveis etapas na busca do conhecimento do corpo humano e de sua fi
siologia, palmilhadas na quase ausência de informação, que deixou tão unidos aqueles
que por ela se aventuravam: a cada conquista obtida era um degrau que se ofereci
a para que um outro fosse mais longe na busca de uma nova informação. A medicina
era a ciência do empirismo: tudo eram tentativas; os erros se sobrepunham aos acer
tos e as conquistas se faziam em marcha lenta, porém contínua. O corpo humano era
um desconhecido e a proibição de manipular cadáveres tornava o seu estudo quase impossív
el, ficando o conhecimento e a pesquisa sujeitos às tentativas e suposições.
Quando ocorreu a liberação legal para o seu uso proporcionou uma reviravolta e u
m progresso imensos pelas possibilidades dos estudos de anatomia e da etiologia
das enfermidades.
A esse respeito, Michel FOUCAULT escreveu, em 1959, sua famosa obra La naiss
ance de la clinique. Une archologie du regard médical. O prefácio desse seu trabalho
se inicia com as seguintes palavras: "Este livro trata da linguagem, do espaço e d
a morte, trata do olhar". O olhar, ao qual, o autor se refere, é o olhar do médico,
dirigido ao que se desenrola no interior do organismo de seu paciente, olhar est
e, agora alargado e modificado, desde as possibilidades ofertadas pela liberação
legal da dissecação de cadáveres.
<354>
É o estudo de uma nova visão ofertada por uma medicina que se reorganiza como prát
ica e como ciência, devido às possibilidades hauridas pelo surgimento da anatomia
patológica. Estava aberta ao médico a viabilidade de ir buscar no interior do corpo
a causa do sintoma clínico. Era o olhar em profundidade: a análise de um novo
espaço, de uma nova visão da morte e da vida, e que também demandava uma nova linguage
m para expressar aquele novo universo desvelado (por isso ele se refere a ela
no prefácio).
Sobre as, então, recentes possibilidades, o célebre anatomista BICHAT, assim se
expressou: "Abra qualquer cadáver e logo verá desaparecer a obscuridade que a
observação sozinha não podia dissipar". E, sobre essas mesmas palavras, FOUCAULT vai f
ormular uma de suas magníficas frases ao escrever: "A noite viva se dissipa
ante a claridade da morte".
Portanto, a morte não era mais a negritude representativa de um fim. Estando,
agora, a serviço da vida, se transformava em um espaço, cuja claridade poderia
apontar o caminho para um estudo mais nítido e detalhado das dependências orgânicas e
das seqüelas patológicas.
1.2.3 Os códigos de ética médica
É da História, novamente, que vamos nos servir para entender as críticas feitas ao
corporativismo médico que, sob as vistas de alguns, se preocupa mais com a
defesa da classe, do que com os interesses do paciente ou da sociedade.
<355>
Observa-se, então, que no que diz respeito ao ordenamento deontológico da classe
, o corporativismo teve sua raízes dentro dos próprios códigos de ética médica.
Senão, vejamos: o primeiro, datado de 1929, é uma ode ao medicocentrismo, pois a
lém de prever que a solidariedade dever ir até ao ponto de atenuar o erro, quando
realmente ele existir (art. 48), ainda vai mais longe, informando que o médico não d
everia ser processado por causa de um erro no exercício de sua profissão.
O seu capítulo 12, que se assemelha a um apêndice sobre os deveres do público e do
paciente, afirma no § 2º: "O paciente deve favorecer o estudo das sciencias
médicas e nunca perseguir nem permitir que se persiga judicialmente os que, exerce
ndo sua profissão com legítimos títulos e perfeita honorabilidade, commettam algum
erro involuntário de graves consequências, ou seja objeto de imputações melévola, por acid
ente sobrevindo em ato reparatório ou no curso dum tratamento qualquer,
racionalmente concebido e correctammente aplicado".
Em 1931, o art. 48, acima mencionado, recebeu idêntica formulação. Todavia, em 194
5, o art. 21 já passa a sugerir que a obrigação do médico em justificar a conduta
do colega "existe sempre que não colida com a verdade dos fatos".
O código de 1953, embora insistindo sobre a solidariedade entre os membros da
classe, já determina limites para tal (arts. 7º e 8º), mas não deixa de sugerir
que uma forte discrição deverá marcar qualquer medida a ser tomada.
O art. 8º, do código de 1965, apresenta quase o mesmo teor; o de 1984 traz a pro
ibição de acobertar erro ou conduta imoral de colega (art. 6º), para depois,
nos arts. 11 e 33, voltar a insistir sobre a solidariedade.
O atual código, datado de 1988, procurou estabelecer um maior equilíbrio entre o
s interesses da classe médica e os do doente e da sociedade, perdendo de vez
o caráter nitidamente medicocentrista de seus predecessores.
<356>
Entretanto, o que se pode inferir de todos esses dados é que a exigência infundi
da ao longo dos anos de corporativismo e solidariedade quase obrigatórios, além
de ter deixado marcas indeléveis na classe médica, ainda está viva e presente na memória
da sociedade, que hoje cobra daquela algo que se não está extinto, pelo
menos encontra-se bem amainado (para conferir basta ler os laudos nos processos
por erros médicos).
Nos dias que correm, os representantes da classe médica, além de serem levados às
barras dos tribunais pelos motivos - desde os mais sérios até os mais banais
-, ainda têm que enfrentar o seu próprio tribunal de classe: os Conselhos Regionais
são órgãos ativíssimos, que julgam e condenam seus pares dentro de uma proporção
que não se encontra em nenhuma outra entidade de classe.
Essa é, pois, a história e a verdade sobre o tão decantado esprit de corps; que ca
da um faça, agora, o seu próprio julgamento.
1.3 Aos Srs. Médicos
Nos diversos congressos médicos, no Brasil e no exterior, dos quais temos tido
a honra de participar como palestrante (ou ouvinte), costumamos sempre dizer qu
e
se pudéssemos dar uma fórmula mágica para o médico se prevenir de envolvimento em proces
sos judiciais, essa fórmula estaria assente em um tripé (quase mágico), a
saber:
<357>
a) cultivo de um bom (se possível, excelente) relacionamento médico-paciente;
b) paciente bem informado sobre os prós, os contras e as limitações de seu tratame
nto ou cirurgia;
c) médico bem documentado de ter dado tais informações.
Antes de examinar cada item em separado, é mister que se diga que tais diretiv
as só terão valor e eficácia para aquele profissional que é bem preparado, exercendo
sua arte com competência e dedicação.
A relação médico-paciente, a par do que já foi dito anteriormente (vide 1.1.a), tem
que ser vista pelo médico como sendo o elemento de maior peso entre os três
citados. Qual o sentido dessa valoração?
A resposta já foi fornecida em mais de uma passagem do presente livro, todavia
, voltamos a insistir nesse dado, devido à sua importância: quando o relacionamento
médico-paciente é bom, e havendo a ocorrência de erro, este é visto de uma maneira difer
ente, especial: é minorado, é relevado a segundo plano, ou sequer é levado
em conta. Ao revés, quando aquela relação é contenciosa, até o que não foi erro passa a ser
visto com sendo.
A socialização da medicina e a proliferação das especialidades permitiram que se cri
asse um distanciamento muito grande entre médico e cliente. A tal ponto isso
foi prejudicial que a cada dia mais pesquisas e experimentos são feitos no sentido
de trazer de volta a figura do "médico de família" (por entendê-la salutar não
só à sociedade, como ao próprio médico).
<358>
O segundo item diz respeito à informação ao paciente. É difícil dizer, teoricamente, e
em poucas palavras, o quanto tal elemento tem peso no momento da análise
de um caso. Há julgados nos quais o médico foi completamente inocentado no que diz r
espeito ao seu agir profissional, todavia, acabou de alguma maneira sendo apenad
o
por terem os julgadores chegado à conclusão que o paciente não fora informado, ou não fo
ra bem informado como deveria ter sido. (Vide Parte Segunda, 8.3) E por que
tanta rigidez em relação à informação? Porque a falta dela se constitui em infração e desob
cia ao que está previsto não em um, mas em dois códigos: o de ética
médica e o do consumidor.
No item "informação", é mister ainda, abrir duas chaves para dois subtítulos:
a) capacidade que as pessoas tem de - em determinadas circunstâncias - ouvirem
só o que lhes interessa;
b) observação do binômio formação/informação.
<359>
É sabido por todos que quando queremos alguma coisa com muita intensidade, ou
quando buscamos algo de certa importância para nós, o que for dito com referência
à nossa meta, seja em desabono, seja como alerta, será o bastante para que façamos ouv
idos moucos! Essa é uma reação bem humana, e não há quem já não tenha passado
por tal experiência.
Uma das frases mais comuns em consultório médico (em especial dos cirurgiões plástic
os) é a famigerada: "Ah! Se eu soubesse não teria feito...!" Todavia, na
maioria das vezes o paciente está a se referir a algo que lhe foi informado. O que
ocorreu é que sua ansiedade, ou expectativas, eram tamanhas, que sua mente não
registrou a informação, ou seja, ele escutou mas não ouviu! (Daí a importância de document
ar toda a informação fornecida).
O segundo subitem diz respeito à capacidade que o paciente terá ou não de entender
, de decodificar a informação recebida e, é nesse momento, que o médico deverá
ser um artífice da linguagem, expressando-se de tal maneira que o seu linguajar, q
ue poderia ser científico, fique limitado ao mais simples vernáculo, ou então,
ele estará a falar às paredes.
Como dosar o nosso falar? Primeiramente, conforme já dissemos, expressar-se de
acordo que o paciente entenda a mensagem que se pretende passar; entretanto, sa
be-se
que essa dosagem não é de todo simples, mas, pode ser auxiliada se raciocinarmos com
base numa frase de WITTGENSTEIN, o brilhante filósofo alemão, que dedicou parte
de sua vida ao estudo do falar. Segundo ele, "os limites da minha própria linguage
m significam os limites do meu próprio mundo" (Tractatus, 5.6), o que equivale
dizer que pelo falar do próprio cliente é possível fazer uma avaliação bastante eficaz das
proporções do seu universo de conhecimento e, portanto da capacidade de
decodificar uma mensagem ou uma informação recebida. Além de estreitar os laços médico-pac
iente, uma boa conversa inicial dará condições de avaliar a capacidade
de compreensão e de discernimento daquele.
<360>
O terceiro item diz respeito à importância de que o médico se documente de ter dad
o as informações suficientes e adequadas; em sendo possível, deve ele tomar
a rubrica do paciente sobre o que lhe foi informado, para que ele sinta que também
tem parte naquele contrato, e que existem direitos e deveres para ambos os lado
s.
Deve o médico estar sempre atento ao consenso genérico que aquilo que não está no pa
pel não existe no mundo jurídico. Como comprovar que fez a sua parte, que
informou devidamente o paciente, senão dando-lhe essas informações por escrito e toman
do a sua rubrica? Bem assim os prontuários: de que adianta o profissional fazer
com excelência o seu trabalho se não o registra? Em caso de um processo, a única prova
que ele terá a seu favor será aquilo que deixou escrito, caso contrário será
palavra contra palavra, o que não leva a lugar algum.
Ter sempre presente, também, que a maior defesa do profissional é o seu esforço co
ncentrado na busca de um aprendizado atualizado. De nada adiantarão as modestas
sugestões aqui externadas se o profissional for negligente e desinteressado. Só o es
tudo constante leva ao domínio daquilo que se pretende fazer. E, se mesmo em
assim agindo, o erro ocorrer, há que aceitar a limitação que é inerente à nossa natureza h
umana e, como já sabiamente disse alguém, "só existe uma classe de homens
que não erra, aquela que nada constrói".
Que não se exija dos médicos poderes maiores para administrar aquilo que os filóso
fos sequer conseguiram explicar: o grande fenômeno-mistério da vida e da morte.
Peça-se, apenas, que no exercício de sua profissão - misto de arte, ciência e sacerdócio -
com mais acertos que erros, continuem nos ajudando a ter uma vida com
a necessária qualidade e uma morte com a merecida dignidade.
<361>
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