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O Mito da Alquimia1
Mircea Eliade
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Texto extraído do livro O Mito da Alquimia de Mircea Eliade ( Editora Fim de Século)
O Mito da Alquimia – Mircea Eliade
Hung (260-340) insiste, também na importância do segredo; diz ele: «O segredo envolve as
receitas eficazes... as substâncias a que se refere são banais, mas não as podemos
identificar se não nos for dado a conhecer o seu código». A incompreensibilidade
deliberada dos textos alquímicos para o não iniciado tornar-se-á quase um lugar comum na
literatura ocidental após o Renascimento. Um autor citado pelo Rosarium philosophorum
declara: «Só aquele que sabe como fazer a pedra filosofal compreende as palavras que a
ela dizem respeito». E o Rosarium adverte o leitor de que estas questões devem ser
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transmitidas de um «modo místico», da mesma forma que a poesia emprega as fábulas e
as parábolas. Numa palavra, somos confrontados com uma «linguagem secreta», De
acordo com alguns autores, haveria mesmo um «juramento de não divulgar o conteúdo
por alguns colegas Alquimistas. Na Índia existe igualmente uma literatura Imensa, quer em
sânscrito, quer em língua vernácula, respcitante a alguns siddhis célebres, isto é, iogues-
alquimistas que vivem durante séculos, mas que só raramente se revelam. A mesma crença
está igualmente presente na Europa central e ocidental: havia certos hermetistas e
alquimistas que se acreditava viverem indefinidamente sem que os seus contemporâneos os
reconhecessem (por exemplo, Nicolas Flamel e a sua mulher Pernelle). No século XVII, tinha-
se propagado o mesmo mito a propósito dos Rosa-Cruz; e no século seguinte, a um nível
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mais popular, a propósito do misterioso conde de Saint-Germain.
Este quadro mítico, a revelação original redescoberta após um longo período de
obscuridade e atualmente na posse de alguns iniciados, não obstante empenhados em
significado de «alquimia», ao passo que a palavra rasa veio mais tarde a ser utilizada com o
sentido de «mercúrio». Alberuni descurou o fato, interpretando-a como «ouro». Foi assim
que um ritual de iniciação, realizando um regresso simbólico à matriz, seguido de um
renascimento sob uma espiritualidade mais elevada, foi integrado num sistema de medicina
tradicional indiano; como uma técnica especificamente consagrada ao rejuvenescimento.
Esta mesma técnica veio posteriormente a adquirir o sentido de «alquimia» .
O regressus ad uterum encontra-se igualmente implicado na técnica taoista da
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«respiração embrionária». O adepto tenta imitar a respiração em circuito fechado à
semelhança do feto. Uma célebre frase taoista explica a finalidade deste exercício de ioga:
«Retomando à base, regressando às origens, afugentamos a velhice, e regressamos ao
do século XVIII. «Se não houvesse nenhumas interferências exteriores a opor-se à realização
dos seus desígnios, a natureza concluiria sempre todas as suas produções [...]. É por isso
que devemos julgar o nascimento de metais imperfeitos como o nascimento de seres
disformes, ou monstros, que só acontecem na medida em que a natureza é desviada das
suas acções, encontrando uma resistência que lhe ata as mãos, e obstáculos que a impedem
de agir com a regularidade a que está acostumada [...]. Daqui resulta que, ainda que a natu-
reza queira produzir apenas um metal, ela se veja forçada a fazer vários metais diferentes.»
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Só o ouro, no entanto, «é a criança dos seus sonhos». O ouro é «o seu filho legítimo, já que
este é a única verdadeira produção natural».
A nobreza do ouro é, portanto, a do fruto amadurecido; os restantes metais são
graças à lenta maturação em curso nas entranhas da terra. Pois, diz Surly, «o ovo é
ordenado pela natureza para esse fim e é, portanto, um pinto in potentia». Replicando
Subtle: «Tanta coisa dizemos nós do chumbo e dos outros metais, que seriam ouro se lhes
déssemos tempo de lá chegar». Uma outra personagem, Mammon, acrescenta: «E é aí que
se realiza a nossa arte». Por outro lado, o elixir é capaz de acelerar o ritmo temporal de
todos os organismos, e portanto de acelerar o seu crescimento. Ramon Lull escrevia: «Na
Primavera, a pedra, pelo seu imenso e maravilhoso calor, traz a vida às plantas: se
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dissolveres o equivalente a um grão de sal numa casca de noz (cheia) de água e regares um
cepa de vinha, ela dará uvas maduras em Maio. A alquimia chinesa, como a alquimia árabe
e ocidental, exalta também as virtudes terapêuticas universais do elixir. Ko Hung repete
râneos seus, acreditava que a alquimia, a astrologia e a magia salvariam as ciências do seu
tempo. De facto, para os discípulos de Paracelso e de Van Helmond, só através do estudo da
«filosofia química» (isto é, a nova alquimia), ou «verdadeira medicina», poderíamos
compreender a natureza; era a química, e não a astronomia, a chave que revelaria os
segredos da terra e do céu; a alquimia tinha um significado divino.
Entendida que era a Criação como um processo químico, os fenômenos terrestres e
celestes eram igualmente interpretados em termos químicos; o «processo químico» podia 8
explicar os segredos dos corpos terrestres e celestes fundamentando-se nas relações
macrocosmos-microcosmos. Foi deste modo que Robert Fludd apresentou uma descrição
química da circulação do sangue, posta em paralelo com o movimento circular do sol 33.
Tal corno muitos dos seus contemporâneos, os hermetistas e os «filósofos químicos»
células de protoplasma, era o ideal supremo da ciência, da segunda metade do século XIX
aos nossos dias.
Ao conquistar a natureza através das ciências fisio-químicas, o homem pode vir a
tornar-se seu rival, sem ser escravo do tempo, já que a ciência e a mão-de-obra se
encarregarão de fazer o seu trabalho. É com aquilo que ele reconhece ser o essencial de si
mesmo, a sua inteligência aplicada e a sua capacidade de trabalho, que o homem moderno
reivindica para si a função de duração temporal, o papel do tempo. É certo que foi
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condenado ao trabalho desde o início; mas as sociedades tradicionais, o trabalho tinha uma
dimensão litúrgica e religiosa; hoje nas modernas sociedades industriais. Encontra-se
inteiramente secularizado. Pela primeira vez na sua história, o homem assegurou o seu