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História social da cultura ou história cultural da sociedade

Nesta conferência o professor Giovanni Levi aborda alguns temas que o


preocuparam em diferentes reflexões e escritos como a relação entre especificidade e
generalidade da história; a perspectiva biográfica como desafio máximo para o
historiador; a relação entre história cultural e história social, a questão da legitimidade e
das mudanças sociais a ela relacionadas junto com um chamado de atenção sobre o
desenvolvimento diacrônico das temporalidades históricas.

História social da cultura ou história cultural da sociedade

Giovanni Levi1

“Todo aquele que viveu longo tempo inserido numa


mesma cultura e que se há colocado repetidamente o
problema de quais foram as origens e a trajetória evolutiva
da mesma, acaba por ceder também, alguma vez, a
tentação de orientar seu olhar no sentido oposto e
perguntar-se quais seriam os destinos futuros de tal cultura
e por quais avatares haveria ainda de passar”. Sigmund
Freud, El porvenir de uma ilusión, 1927.

1.
Pensei em dizer algumas coisas provocativas, um pouco exageradas assim
podemos discutir. Primeiramente, gostaria de abordar a definição de história como
ciência. Muitas das dificuldades que temos derivam de não sabermos definir nossa
profissão. História é o estudo do passado, mas eu creio que o tema mesmo deste
colóquio nos sugere uma reflexão mais refinada que nos guia a uma definição. A
história é a ciência das perguntas gerais e das respostas particulares. Tem que ter ao
mesmo tempo a potencialidade de formular perguntas com amplo grau de generalização
e preservar a “localidade” a especificidade das coisas que se discute. Um exemplo é o
livro da Verónica, que é um trabalho sobre as fronteiras entre Brasil e Argentina, diz que
J. F. Turner propôs uma pergunta geral muito interessante sobre a abundância de terras

1
Professor Emérito da Universidade Ca’Foscari de Veneza.
livres e seu significado; porém essa é uma boa pergunta geral sem que as suas
conclusões sejam generalizáveis, uma vez que levada ao caso brasileiro ou argentino
não encontra concordância em outros casos nos quais é relevante mas com
consequências diferentes. A tese principal de Turner era que a disponibilidade de terras
gera uma sociedade mais democrática ao mesmo tempo que as fronteiras dissipa as
tensões sociais ao funcionar como válvula de escape.

A pergunta deve ser geral, porém a resposta deve preservar a especificidade.

O outro exemplo é Sigmund Freud que saindo de casos particulares chegou a


identificar um problema de relevância: o complexo de Édipo. O complexo de Édipo é
diferente em cada um de nós. Não se trata de uma resposta e sim de uma pergunta geral.
Creio que isso é útil para examinar quando a história não funciona como ciência e
quando funciona como ciência. Não funciona quando não formula perguntas gerais e se
pensa que nossa profissão seja estudar detalhes do mundo ad infinitum e fatos ad
infinitum. Isso seria terrível. Isso foi feito nos programas escolares e se pergunta porque
os alunos não sabem nada desse ou daquele acontecimento, Isto é terrível como se as
crianças tivessem que estudar todos os acontecimentos. Mas não se trata de estudar
todos os fatos, sim de tomar um acontecimento qualquer em sua complexidade para se
chegar a perguntas gerais.

Muitas das coisas que discutimos estes dias nos coloca este problema. É
pertinente estudar uma biografia qualquer de um grande homem, ou de um pequeno
homem, se nos permite perguntar coisas gerais. Não é estudar alguém relevante, senão
todos estudaremos Napoleão: porque as relevâncias devem ser construídas. A ausência
dessa perspectiva ignora que homens muito importantes para o Brasil não o sejam para a
China. Ao contrário, um moleiro friulano – refiro-me ao personagem do livro de
Ginzburg que foi traduzido em vários idiomas inclusive o chinês2 - gerou interesse até
na China. Por que? Claro que não é este moleiro que importa, mas sim este sujeito
minúsculo que permite propor problemas que na China terá respostas diferentes. As
questões gerais de Menocchio são as que fascinam, como sua particular forma de ler, e
etc, etc. Desculpando-me pela comparação, me estremece a recepção de meu exorcista
na China. Por que Chiesa, o exorcista piemontês completamente estúpido – uma
prefiguração de Berlusconni – é seguido pelos camponeses? As perguntas que procurei

2
GINZBURG, C., 1987
fazer por meio de meu personagem são gerais e por isso podem interessar aos chineses
para dar respostas diferentes3 e pessoalmente devo dizer que penso que meu
personagem é uma nulidade; porém tenho por ele uma adesão sentimental como ser
humano. Creio que é outra a regra fundamental da atividade histórica, não a simpatia.
Chiesa era muito antipático, mas me permitia interrogar os comportamentos humanos.
Assim podemos dividir a historiografia que considero boa em duas correntes - e isto
sem dúvida é ideológico -, ética e estética.

2.

Saindo desta questão da história como ciência, eu gostaria de discutir a história


cultural, não em um sentido contrário a ela; mas num sentido contrário a este que se foi
paulatinamente difundido sobre a história cultural, sobretudo como difundido por Peter
Burke que entende que tudo o que é novo é bom, e tudo é cultural, o que constitui uma
verdadeira superficialidade. Certo é que a história cultural se fortaleceria se fossem
reconhecidos os limites de seu campo e seus inimigos. Quem são esses inimigos? São
essencialmente os pós-modernos que negam a possibilidade de aproximar-se da
verdade. Esta manhã ouvimos uma longa citação de Arnaldo Momigliano que
polemizou muito com Hayden White e em geral com os pós modernos dizendo que a
nossa profissão é uma profissão da verdade4. Nós trabalhamos sobre a verdade, não
crendo que encontramos a verdade total e definitiva, senão nossa profissão terminaria.
Trabalhamos ad infinitum sobre a verdade. Cada ano os historiadores escrevem cerca de
50 livros sobre Felipe II. Por que? Isto mostra a grande diferença com a narrativa
ficcional. Nós escrevemos todas as vezes o mesmo livro, buscando um detalhe novo de
verdade para aproximarmos de algo que não pode ser definido definitivamente. Esta é a
maravilha da nossa profissão, a de encontrar uma nova coisa para dizer de Felipe II, ano
após ano.

Creio que vale uma referência a minha religião judaica como metáfora, ou, ou se
preferem, como analogia. Para um judeu não se pode dizer que Deus existe porque
temos um Deus particularmente nervoso que diz: vocês existem mas não pode um
homem ou uma mulher entender a existência de Deus, pois é uma coisa incompreensível
e incomensurável. Apesar desta incompreensão, devemos trabalhar toda a vida para
entender e nos aproximarmos da compreensão de Deus. Assim é a vida dos
3
LEVI, G., 2000
4
MOMIGLIANO, A., 1984
historiadores, devemos trabalhar toda a vida sobre Felipe II sem poder dizer “isto é
Felipe II”, quando muito esta é uma compreensão, um ponto de vista novo sobre Felipe
II. E nisto a história se diferencia da ficção, nós podemos escrever a mesma história,
ainda que devamos nos conformar que haja um único “Guerra e Paz” ou um único
“Vermelho e Negro”. Isto é importante também para dizer que no interior da história
cultural não podemos admitir os pós-modernos. Os pós-modernos negam que nós
podemos trabalhar sobre a verdade, que há uma realidade ali fora, somente nossa
linguagem aqui. Para os pós-modernos nem a verdade, nem a realidade se pode
entender, se trata de uma negação patológica. É uma mescla de petulância com
modéstia. Pensam que os homens ou sabem tudo ou não sabem nada. Eu creio que os
homens não podem saber tudo e sabem algo. Isto define nossa profissão: trabalhar sobre
uma verdade parcial. Não creio que seja justo o que faz Peter Burke que inclui tudo
como história cultural. Creio que a definição de Chartier é boa porque é muito
específica: os homens vivem de representações, são animais simbólicos, e a história
cultural é a história social da cultura. Se nos perguntarmos o que é a história cultural
para Peter Burke, podemos responder que é praticamente tudo. Ë paradoxalmente como
o pecado original, não existe, mas é importante.

Além dos pós-modernos, a história cultural tem outros inimigos. Sobre o


primeiro posso me referir assim: Depois do Holocausto, os intelectuais europeus
tiveram muitas dúvidas sobre a capacidade dos homens de se manterem afastados do
mal. O Holocausto ocorreu na Alemanha. O país central do ponto de vista cultural e da
vida intelectual ocidental havia produzido uma coisa monstruosa. Depois da guerra se
discutiu muito isso: é possível que o cérebro humano possa controlar o mal que está no
homem? O mal é uma debilidade de nossa capacidade racional? Isto nos leva a um dos
problemas da história cultural, sua mancha de nascimento, que é o de cantar vitória
sobre dois pais intelectuais do mundo contemporâneo que falaram da força do mal
frente às ideias e as ideologias: Karl Marx e Sigmund Freud. Há na história cultural, na
versão americana, sobretudo, uma crítica política à história social. Não é casual que se
destaque como maior historiador cultural E.P. Thompson e nele se destaque o caráter de
crítico do marxismo, ainda que Thompson fosse mais próximo do marxismo que os
historiadores marxistas da URSS, intérpretes positivistas da história.

Quando caiu o muro de Berlim, a Europa mandou quatro historiadores a


Academia de Ciências de Moscou, eu estava entre eles, e tínhamos a missão de ensinar
aos historiadores soviéticos como se escrevia a história. Os historiadores soviéticos
perguntavam por que não falávamos das leis históricas. Porque não existiam, lhes
dizíamos. E eles respondiam: Como não existem? Primeiro vem o feudalismo, depois o
capitalismo e depois o socialismo. Isto era uma deformação real do marxismo, não que
Marx tenha pensado isso. Com a morte do marxismo e da URSS podemos estar de
acordo, mas não com a morte de Marx. Este é um dos grandes fundadores do
pensamento moderno.

Eu tive três mulheres na minha vida: a primeira freudiana, a segunda lacaniana, e


a terceira freudiana, isso denuncia a minha paixão por Freud. O que é terrível, nos
Estados Unidos, e está chegando paulatinamente na Europa, é a ideia de que as
neurociências são mais importantes para compreender o cérebro dos homens que o
inconsciente, ainda que para a psicanálise norte-americana o inconsciente não exista. Há
uma crise no interior da organização mundial psicanalítica que é o paulatino abandono
de Freud. Há neurocientistas que dizem não haver lido Freud jamais. Isso é
impressionante de pensar.

Esquecer-se desses pais é terrível. Freud é a base de autores que vocês citaram:
Norbert Elias (1897-1990) que repete o ensaio de 1927 sobre a dificuldade da
civilização – o “futuro de uma ilusão”, 1927 – o outro autor Mikhail Bakhtin (1895-
1975), que com o pseudônimo de V. Voloshinov escreveu um livro chamado O
Freudismo5. Livro escrito em russo de forma clandestina.

Dois dos pais de nossa historiografia são filhos de Freud, assim como muitos
outros pais de nossa historiografia são filhos de Marx. Esquecermos destes dois
pensadores é grave. Frequentei duas vezes o congresso brasileiro de História Cultural
que se realiza a cada dois anos em diferentes localidades do Brasil, e o que eu escutava
me soava como um triunfo da história cultural sobre a história social, como se
finalmente fizéssemos somente história cultural.

Isto me levou a recordar que quando eu era muito jovem e estudava com meu
grande mestre Franco Venturi (1914-1994), ele me dizia que a ele só interessava o que
ocorria aqui, e tocava a cabeça, e a mim só interessava o que ocorria aqui, e eu tocava o
estômago, e, portanto, era muito difícil que nos entendêssemos. Logo, pensei que
devemos nos interessar pelo que ocorre em todo o corpo humano. É muito perigoso
5
BAKHTIN, M., 2001.
construir uma imagem da história cultural que não tenha parâmetros, que faça seu
refúgio contra uma visão global da história. Nós fazemos uma história social da cultura
ou uma história cultural da sociedade, porém sempre nos protegendo dos perigos da
indefinição.

3.

Nestes dias nos ocupamos muito da biografia. Eu já escrevi um artigo há muito


tempo atrás, movido pela ideia de que a biografia é a máxima “sfida”, o máximo
desafio que pode enfrentar um historiador porque deve coordenar a hiperespecificidade
com o coletivo, isto é um conflito fundamental que temos problemas para resolver.

Quando falamos de biografias, é necessário refletir sobre a linearidade e não


linearidade. O problema da biografia e da maneira como ela foi incorporada nos
estudos históricos consiste em que assumimos uma linearidade que imprime muita
simplicidade aos personagens que estudamos. Podemos nos deter a pensar nisto num
momento: nós definimos nossa identidade todas as manhãs em frente ao espelho, não
temos uma identidade fixa, coerente, pois sempre, todos os dias, enfrentamos variações,
eleições, discussões e contradições. Nesse sentido, o tema que considero central na
biografia é a incerteza, e os historiadores a aboliram completamente de sua atividade.
Em lugar de buscar a complexidade, os historiadores assumem que os indivíduos
enfrentam o mundo de maneira totalmente ativa e racional. Porém, o panorama é
distinto. Em um livro de Virginia Wolf, a senhora Dalloway está sentada sobre um
banco não faz nada e se questiona: que faço? Que farei? Isto é comum nos homens. Nós
dedicamos 95% de nossa atividade a inatividade, a reflexão, as eleições contínuas, as
incertezas e aos temores.

Sem dúvida, tais aspectos são fundamentais na vida e os historiadores têm


dificuldade porque nós trabalhamos sobre restos ou evidências muito fragmentárias da
vida das pessoas: os documentos. Os documentos se criam só de ações ou coisas que
ocorreram. Dificilmente um documento reflete a indecisão, a dúvida ou a incerteza. É
por isso que devemos trabalhar também com os não documentos, dando sentido a estas
lacunas em seu contexto.

Um dos desafios que nos propõe Freud, e talvez tenha sido Elias que reconheceu
de maneira mais explícita este fato, é o de utilizar a psicanálise para interpretar a
sociedade, não no sentido de aplicar a psicanálise à história, mas de levar em conta as
perguntas que a psicanálise – e também as outras ciências sociais – fazem à realidade
humana.

Vou colocar, como negativo, o exemplo de um livro muito ruim de Daniel Roche
sobre um mestre vidreiro, um fabricante de vidro, que tem uma autobiografia do final do
século XVIII, início do XIX. Daniel Roche toma a maravilhosa autobiografia que falava
da conduta “irregular” do mestre que bebia e saía com prostitutas, que vivia a sua vida
particular, e a normatiza, retira tudo o que era pessoal e o transforma em um tipo 6. Nós
não podemos tipificar nós mesmos. Devemos preservar a especificidade, mas atentos ao
que pode indicar nossa especificidade a respeito de outras situações: não somos
interessantes enquanto tipo geral, somente como pessoas singulares que dão respostas
singulares a problemas que se podem transformar em perguntas gerais.

Um exemplo que me parece interessante de comentar é o de que por muito


tempo discutimos sobre a classe operária imaginando que a classe operária é
automaticamente de esquerda e solidária. Ainda que isto possa ser assim em alguns
momentos, isso não vale como regra. A classe operária não é homogênea, nem como
classe, nem em suas condições sociais. O interessante é ver os altos e baixos: quando se
solidariza e quando não o faz e porque. Um dos livros mais interessantes produzidos
pela micro-história italiana é o de Maurizio Gribaudi sobre a classe operária de Turim 7.
Os operários que eram socialistas, quando chegou o fascismo se fracionaram, uns se
fizeram fascistas, outros indiferentes, outros passaram a oposição, etc.

Durante a minha militância política numa região próxima a Torino em que


examinávamos as atividades das fábricas, das plantas industriais e dos trabalhadores
com a intenção de estimular a luta sindical em relação a organização fabril e a melhora
dos salários, um operário me disse: eu estou muito agradecido que vocês se interessem
por meu salário, por meu trabalho, etc, porém a mim não importa muito. Eu penso que
meu trabalho na fábrica é a parte menos importante da minha vida. Minha vida está fora
da fábrica. Vou a fábrica por necessidade e vocês estão obcecados em sustentar que para
nós a fábrica é a coisa central. É um episódio muito pequeno, mas pessoalmente muito
esclarecedor. Aprendi com isso que havia, no fundo, feito uma leitura operária da
realidade e que fazia falta passar à micro-história. Era preciso observar a realidade a
6
ROCHE, D., 1982.
7
GRIBAUDI, M, 1987
partir de um ponto muito pequeno antes de chegar à generalização, em lugar de aplicar a
generalização a um ponto muito pequeno.

Ontem me perguntavam se a micro-história é a história cultural. Penso a minha


filiação a micro-história como uma filiação que nasce, como para muitos de nós,
vinculada a uma história política, desafiando a ideia de que existiriam leis sociais
automáticas, uma leitura positivista das leis sociais. Este problema foi muito bem
resolvido por E. P. Thompson que mostrou que, na classe operária, em sua composição
heterogênea, pode haver solidariedade, porém assinalando que nosso papel é averiguar
sobre a permanência dessa solidariedade e quais as condições em que esta pode
desaparecer.

No primeiro dia do seminário, vimos pessoas excepcionais sobre um fundo


demasiadamente homogêneo: os paulistas, os índios, etc, como se fossem caixas da
mesma matéria homogênea. Devemos dinamizar tudo ainda que essas formas pareçam
homogêneas.

Cabe aqui uma crítica a Gramsci, em parte responsável por uma leitura etapista
da história. Gramsci também pensava que existiam leis históricas obrigatórias. O partido
comunista italiano também defendia que depois do feudalismo, viria o capitalismo e por
último o comunismo. Dentro de seu diagnóstico a Itália não era capitalista, ou pelo
menos, não era inteiramente capitalista, tinha resíduos de feudalismo, estas eram
palavras de Gramsci e de Emilio Sereni. Toda a política do partido comunista era
direcionada para eliminar os resíduos feudais, para o qual era necessário ajudar a
expandir o capitalismo não monopolista. Este foi um dos grandes erros da história
política italiana: a ideia de que os resíduos feudais era fruto de um pensamento único,
era uma prioridade que definia como obrigatória uma série de etapas, já que só um
capitalismo moderno produz um proletariado moderno capaz de fazer a revolução.
Quando nós começamos a fazer história nós nos conduzimos por algo semelhante ao
que define Jacques Revel na introdução de A herança imaterial, em sua edição francesa:
por que fazer as coisas simples se as podemos fazer complexas? Eu creio que devemos
construir a complexidade. Quando fazemos biografia, o problema é este. Freud utilizou
o recurso da biografia, pequenas biografias de pacientes, biografias muito patológicas, e
sobre estas coloca a pergunta da relevância de patologias e sintomas destes casos. E a
partir desta pergunta sobre a relevância constrói sua explicação da importância das
pulsões definindo que o controle das mesmas pode levar a destruição da civilização,
porém a ausência de controle também é desastrosa. Norbert Elias trata especificamente
das mudanças dos costumes entre os séculos XVIII e XIX e esse processo de mudança
pode ser descrito como o avanço do processo civilizador através do qual o homem
controla seus impulsos, desenvolve seu sentimento de vergonha e culpa, e etc.

4.

A legitimidade, creio, é outro dos eixos importantes de nossa discussão. O fato


de que os homens podem pensar somente o que podem pensar é fundamental. As
revoluções árabes de hoje são resultados da crise de legitimidade. As pessoas pensam
que Kadafi, ou na Itália fascista Mussolini, eram maus, mas de qualquer maneira,
normais. Em algum momento passam a pensar que são ilegítimos e o resultado desse
processo é uma hiper-reação, uma revolução que se construiu lentamente enquanto se
fissurava uma legitimidade.

As revoltas são a progressiva corrosão de uma legitimidade. Isto é o que nós


historiadores devemos estudar. Jacques Revel e Arlete Farge 8 escreveram um livro que
mostra que em meados do século XVIII havia uma epidemia cultural, uma crença muito
extensa de que o rei fazia desaparecer crianças das quais se aproveitava o sangue para
seu filho anêmico. Tal era a crise de legitimidade da monarquia. Este é o início da
revolução que ocorreu 40 anos depois. Uma dúvida sobre a legitimidade. Creio que um
dos problemas fundamentais na América Latina, como em muitos outros países que
compartilham uma antropologia católica, é a progressiva crise de legitimidade das
instituições, mas esta não ocorre de forma linear nem imediata.

O homem erectus e o homem de Neanderthal conviveram. Nós não somos o


resultado de uma evolução linear e sim da convivência e de níveis sucessivos de
relações entre grupos humanos. O grande modelo de história cultural é o de Kracauer,
ao qual não temos prestado suficiente atenção. Recentemente foi publicado um
importante livro póstumo no qual ele se propõe a estudar não as coisas últimas, mas as
coisas antes das coisas últimas9. No capítulo, “A estrutura do universo histórico”,
Kracauer chama a atenção para o caráter restritivo com que opera a delimitação

8
REVEL, J. e FARGE, A.
9
KRACAUER, 2006
conceitual dos períodos históricos. Uma tendência homogeneizadora leva a identificar a
ordem cronológica do tempo com o tempo da história.

Kubler, o historiador da arte, ao qual se refere Kracauer, nos explica que as


temporalidades coevas não são concomitantes10. A história da arte não caminha toda ao
mesmo tempo. As temporalidades coexistem, não são concordantes. Existem inércias
diferentes entre as diferentes esferas do social. Por exemplo, na história do direito
existem três entendimentos de direito que convivem: e canônico e os de origem
teológica, o dos sistemas jurídicos estatais positivos e o nosso sentido de justiça e de
direito. Essas três formas de entendimento e de sistemas de direito andam em
velocidades diferentes. Essas velocidades diferentes são a origem de muitas das
contradições sociais.

Quando chegamos aqui neste congresso éramos convocados para falar de


trajetória, o que parece perigoso por sua perspectiva linear. O próprio Freud foi acusado
de ter uma visão evolucionista da sociedade. Ele assume que o sentido pode parecer
linear mas com fraturas em todas as direções. Fala de cinco ou seis fraturas – paradoxais
porque levam a ele - que constituem os eventos que alteram a linearidade: o assassinato
do pai originário, o cristianismo, o descobrimento da América, Galileu e Copérnico,
Darwin e Freud.

Neste seminário a proposta foi abordar subjetividades, do qual tivemos


bastantes; abordagens, que também foram variadas, e trajetórias. Creio que o conceito
de trajetória é um conceito perigoso porque traz implícita uma leitura historicista e
progressiva. Giacomo Debenedetti esceveu La morte del personaggio uomo,
anunciando a morte do personagem tal qual conhecido na literatura do século XIX,
esencialmente coerente. Virginia Woolf, Robert Musil, Pessoa, Kafka, Pirandello,
Svevo, deixaram já obsoleta a concepção de um personagem coerente e em seu lugar
aparece indefinição, subjetividade e incerteza.

Nós devemos evitar buscar a coerência dos personagens, a linearidade. Nós


trabalhamos quando já conhecemos o assassino. Devemos construir um homem crível
com o qual nós possamos nos identificar. Todas as manhãs quando levantamos nos
olhamos no espelho e nos perguntamos sobre nós mesmos.

10
KUBLER, 1988.
Vi muitas abordagens e poucas perspectivas. O seminário nos deixa como
desafio refletir sobre as perspectivas que as abordagens nos deixaram.

Bibliografía:

BAKHTIN, Mikhail, O freudismo, São Paulo: Perspectiva, 2001.


DEBENEDETTI, Giacomo, La Morte del personaggio uomo, Milán, 1970
ELIAS, Norbert, O Processo civilizador, vol. 1 y 2. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
FREUD, Sigmund, L’avvenire di un’illusione. collana Temi, traduzione di Sandro
Candreva, Bollati Boringhieri, 1990.

GINZBURG, Carlo, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro


perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987
GRIBAUDI, Maurizio, Mondo operaio e mito operaio spazi e percorsi sociale a Torino
nel primo novecento, Torino, 1987.
KRACAUER, Siegfried, L´histoire des avant-dernières choses, Paris: Stock France,
2006.
KUBLER, George, La configuración del tempo, Madrid: Nerea, 1988.

LEVI, Giovanni, A herança imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século


XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
MOMIGLIANO, Arnaldo, “La retorica della storia e la storia della retorica: sui tropi di
Hayden White”. In: Sui fondamenti della storia antica, Turin, 1984
REVEL, Jacques e FARGE, Arlette, Logiques de la foule: l’affaire des enlèvement
d’enfants, Paris, 1750. Paris: Hachette, 1983.
ROCHE, Daniel, Introducción a Histoire de ma vie. Jacques-Louis Ménétra compagnon
vitrier au 18e siècle, Paris: Montalba, Paris, 1982.

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