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Ler poesia - JOSÉ MIGUEL WISNIK

Quando apresenta o livro “Mensagem”, Fernando Pessoa escreve uma pequena página sobre
quais as qualidades necessárias para se ler poesia. Elas são boas para se pensar também, por
contraste, sobre as atitudes que inviabilizam a leitura da poesia. Para ele, ler os “símbolos”
(entenda-se, a linguagem poética), demanda do leitor cinco qualidades: a simpatia, a intuição,
a inteligência, a compreensão e a graça, também chamada de “Conhecimento e Conversação
do Santo Anjo da Guarda”. Ironicamente, trata-se de um texto de ressonâncias iniciáticas, em
consonância com o caráter cifrado e esotérico do seu único livro publicado em vida. Mas, para
além de indicar o lugar do leitor dos símbolos ocultos, oferece uma visão proveitosa,
esclarecida e esclarecedora das várias entradas que, juntas, permitem com que se leia bem um
poema.

Simpatia, segundo Pessoa, é vibrar junto com o poema e emprestar-lhe sentido. Poesia é
planta sensitiva, que nem avenca — se olhar torto, ela parece que definha. A mentalidade
prosaica olha com desdém para essas palavras à quais parece faltar direção pragmática. Mas a
fragilidade da poesia tem também o seu poder letal: sem a entrega receptiva do leitor, que
possibilita a leitura, “os símbolos estarão mortos para ele, e ele, o leitor, morto para os
símbolos”.

Intuição é deixar aberto aquele canal pelo qual a gente sabe intimamente daquilo que ainda
não sabe claramente, condição para que as primeiras percepções difusas de um poema
ganhem forma e deem voz a níveis de significação latentes e escondidos à primeira vista.

Inteligência é articular os vários níveis do entendimento, passar do geral ao particular e do


particular ao geral,saber que um poema é ao mesmo tempo linear e analógico, sucessivo e
circular. Tudo isso se completa com a compreensão, que inclui o poema no campo mais vasto
do mundo de relações a que ele pertence, na floresta dos símbolos de que ele faz parte.
Fernando Pessoa diz, nessa passagem, que a compreensão não se confunde nem com a
erudição nem com a cultura: “a erudição é uma soma”, “a cultura é uma síntese”, mas “a
compreensão é uma vida” — o repertório que compusemos com tudo o que experimentamos,
o nosso sentimento do mundo.

Quanto à enigmática Conversação do Santo Anjo da Guarda, eu gosto de entendê-la como a


presença do elemento imponderável que integra a criação, abrindo-se ao imprevisível e ao
terrível (penso no anjo de Rilke), assim também como a grata aceitação que a acompanha e a
resguarda.

Se revisitamos essa tipologia pelo avesso dela, podemos dizer que à troca simpática e
empática com o poema se opõem as atitudes da insensibilidade e da indiferença. Mais que
isso, podemos falar na atitude blasé, um traço que Georg Simmel identificou na vida mental da
metrópole, e que consiste na saturação extrema das sensações, que caem numa espécie de
indiferença empostada erigida em atitude. Simmel fala na relação de antipatia tácita para com
o vizinho, e na antipatia programática e estilizada do blasé como inovações da metrópole. Na
poesia de Pessoa trava-se uma luta interna com a atitude blasé e seu substrato niilista, que
assombram o mundo moderno. Mas é que, a rigor, a atitude blasé não dá poesia: ela mata na
raiz a avenca da simpatia. A segmentação e a faccionalização do campo cultural contribuem
pra aprofundar, contemporaneamente, a desativação dessa margem de receptividade que a
leitura de poesia pressupõe.

A intuição poética, que se liga à nossa atenção flutuante e associativa, se contrapõe, por sua
vez, à pressão ambiente pela redução de todas as significações a uma dimensão pragmático-
funcional, em que os sentidos possíveis são levados a se enquadrarem na rede dos sentidos já
conhecidos. Se as formas e conteúdos artísticos não tiverem um interesse diretamente ligado
à sua expressão vendável, estridente, modística ou comportamental, terão pelo menos que se
sujeitarem à sua redução explicativa e classificatória a um repertório de itens definidos É a
imediata conversão daquilo que se apresenta como problema ou como enigma ao seu caráter
de significação secundária, ou seja, a sua prévia conversão numa tradução simplificada e
utilitária. Pretende-se da poesia que ela diga o que ela está pretendendo dizer. Acontece que o
que a poesia está querendo dizer é inseparável do que ela diz, e em nenhuma das
manifestações da linguagem humana isso é tão patente.

A inteligência, por sua vez, se opõe à pressa superficial que impossibilita o ato da leitura
interior de parar para voltar sobre si, do linear se mostrar analógico e feito de múltiplas
camadas possíveis de entendimento.

A compreensão, que é a ativação do repertório de vida suscitado pelo poema, se contrapõe à


posição do consumo.Neste, um objeto me entretém ou me valoriza por tê-lo adquirido. Mas
isso é oposto de entregar-se a ele, mobilizando por associações, vibrações simpáticas e nexos
reflexivos tudo que eu guardei e guardo do que vivo. Penso no poema “Guardar”, de Antonio
Cicero.

A “conversação do santo anjo da guarda” que fique aos cuidados do anjo da guarda de cada
um. E essas anotações como um aperitivo para o livro coletivo do evento de que participei,
“Forma e sentido contemporâneo”, dedicado à poesia, que está em preparo e que será
lançado até o final deste ano.

O GLOBO. 24/09/2011

Adendo:

Guardar

Antonio Cicero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.


Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por


admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por


ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro


Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,


por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

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