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NÃO POSSO ADIAR O AMOR

Não posso adiar o amor para outro século


não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço


que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar


ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

1
A NOITE CHEGA COM TODOS OS SEUS REBANHOS

Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo


Há um íman que nos atrai para o interior da montanha.
Os navios deslizam nos estuários do vento.
Alguma coisa ascende de uma região negra.
Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.
A passageira da noite vacila como um ser silencioso.
O último pássaro calou-se. As estrelas acenderam-se.
As ondas adormeceram com as cores e as imagens.
As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.
Que sedosa e fluida é a água desta noite!
Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.
Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo.

de A Rosa Esquerda (1991).

2
ESTE HOMEM QUE PENSOU

Este homem que pensou


com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo

Este homem que parou


no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra

3
POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO

A noite trocou-me os sonhos e as mãos


dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas


Flor rapariga amigo menino

4
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só

5
UMA VOZ NA PEDRA

Não sei
se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.

6
TEU CORPO PRINCIPIA

Dou-te
um nome de água
para que cresças no silêncio.

Invento a alegria
da terra que habito
porque nela moro.

Invento do meu nada


esta pergunta.
(Nesta hora, aqui.)

Descubro esse contrário


que em si mesmo se abre:
ou alegria ou morte.

Silêncio e sol – verdade,


respiração apenas.

Amor, eu sei que vives


num breve país.

Os olhos imagino

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e o beijo na cintura,
ó tão delgada.

Se é milagre existires,
teus pés nas minhas palmas.

O maravilha, existo
no mundo dos teus olhos.

O vida perfumada
cantando devagar.

Enleio-me na clara
dança do teu andar.

Por uma água tão pura


vale a pena viver.

Um teu joelho diz-me


a indizível paz.

8
NÃO TENHO LÁGRIMAS

estou mais baixo


junto à cal
Vejo o solo extinto
Não oiço ninguém
e não regresso
Adormecer talvez
junto a uma estaca
com uma pequena pedra
sobre as pálpebras

de Intacta Ferida(1991)

9
AS PALAVRAS

Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo


As palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
As palavras saem de um ferida exangue
de teclas de metal fresco
de caminhos e sombras
da vertigem de ser só um deserto
de armas de gume branco
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas
Matrizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?
As palavras vêm de lugares fragmentários
de uma disseminação de iniciais
de magmas respirados
de odor de gérmen de olhos
As palavras podem formar uma escrita nativa
de corpos claros
Que são as palavras?Imprecisas armas

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em praias concêntricas
torres de sílex e de cal
aves insólitas
As palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas permitem a ascensão das formas
elevam-se estrato após estrato
ou voam em diagonal
até à cúpula diáfana
As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado
Que enfrentam as palavras?O espelho
da noite a sua impossível
elipse
Saem da noite despedaçadas feridas
e são signos do acaso pedras de sol e sal
a da sua língua nascem estrelas trituradas

de Gravitações(1984)

11
NO SILÊNCIO DA TERRA

No silêncio da terra.Onde ser é estar.


A sombra se inclina.
Habito dentro da grande pedra de água e sol.
Respiro sem o saber,respiro a terra.
Um intervalo de suavidade ardente e longa.
Sem adormecer no sono verde.
Afundo-me,sereno,
flor ou folha sobre folha abrindo-se,
respirando-me,flectindo-me
no intervalo aberto.Não sei se principio.
Um rosto se desfaz,um sabor ao fundo
da água ou da terra,
o fogo único consumindo em ar.
Eis o lugar em que o centro se abre
ou a lisa permanência clara,
abandono igual ao puro ombro
em que nada se diz
e no silêncio se une a boca ao espaço.
Pedra harmoniosa
do abrigo simples,
lúcido,unido,silencioso umbigo
do ar.

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o teu corpo
renasce
à flor da terra.
Tudo principia.

de A Pedra Nua(1972)

13
NASCIMENTO ÚLTIMO

Como se não tivesse substância e de membros apagados.


Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono,germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite,lentamente,sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono,na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento,na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui,o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser,os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.

de No Calcanhar do Vento(1987)

14
A PALAVRA

A palavra é uma estátua submersa,um leopardo


que estremece em escuros bosques,uma anémona
sobre uma cabeleira.Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua,mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada.Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos,os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.

de Acordes(1989)

15
O AMOR CERRA OS OLHOS

O amor cerra os olhos,não para ver mas para absorver:a obscura transparência,a espessura
das sombras ligeiras, a ondulação ardente: a alegria.Um cavalo corre na lenta velocidade
das artérias.O amor conhece-se sobre a terra coroada:animal das águas,animal do
fogo,animal do ar:a matéria é só uma,terrestre e divina.

de Três Lições Materiais(1989)

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ESTOU VIVO E ESCREVO SOL

Eu escrevo versos ao meio-dia


e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

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de Estou Vivo E Escrevo Sol(1966)

18
MEDIADORA DO MUTISMO

Onde não
começa o sopro
no côncavo da língua muda
o peso da sombra entre ruínas,
falha que nunca coincide.

Silêncio do incontível, como


recusar a veemência
desta cegueira? Antes da fuga
Das formas, no sem fundo

Inabitável. Artérias vivas,


estrelas, relâmpagos,
jorrarão da obscuridade vermelha?
E as palavras serão o espaço

Do grito,
o espaço de nada, o espaço
do espaço,
a obscura dor da terra?

19
O BOI DA PACIÊNCIA

Noite dos limites e das esquinas nos ombros


noite por de mais aguentada com filosofia a mais
que faz o boi da paciência aqui?
que fazemos nós aqui?
este espectáculo que não vem anunciado
todos os dias cumprido com as leis do diabo
todos os dias metido pelos olhos adentro
numa evidência que nos cega
até quando?
Era tempo de começar a fazer qualquer coisa
os meus nervos estão presos na encruzilhada
e o meu corpo não é mais que uma cela ambulante
e a minha vida não é mais que um teorema
por demais sabido!
Na pobreza do meu caderno
como inscrever este céu que suspeito
como amortecer um pouco a vertigem desta órbita
e todo o entusiasmo destas mãos de universo
cuja carícia é um deslizarr de estrelas?
Há uma casa que me espera
para uma festa de irmãos
há toda esta noite a negar que me esperam
e estes rostos de insónia

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e o martelar opaco num muro de papel
e o arranhar persistente duma pena implacável
e a surpresa subornada pela rotina
e o muro destrutível destruindo as nossas vidas
e o marcar passo à frente deste muro
e a força que fazemos no silêncio para derrubar o muro
até quando? até quando?
Teoricamente livre para navegar entre estrelas
minha vida tem limites assassinos
Supliquei aos meus companheiros.Mas fuzilem-me!
Inventei um deus só para que me matasse
Muralhei-me de amor
e o amor desabrigou-me
Escrevi cartas a minha mãe desesperadas
colori mitos e distribuí-me em segredo
e ao fim ao cabo
recomeçar
Mas estou cansado de recomeçar!
Quereria gritar:Dêem árvores para um novo
recomeço!
Aproximem-me a natureza até que a cheire!
Desertem-me este quarto onde me perco!
Deixem-me livre por um momento em qualquer parte
para uma meditação mais natural e fecunda
que me limpe o sangue!
Recomeçar!
Mas originalmente com uma nova respiração
que me limpe o sangue deste polvo de detritos

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que eu sinta os pulmões com duas velas pandas
e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos
em nome do sofrimento e da felicidade
em nome dos animais e dos utensílios criadores
em nome de todas as vidas sacrificadas
em nome dos sonhos
em nome das colheitas em nome das raízes
em nome dos países em nome das crianças
em nome da paz
que a vida vale a pena que ela é a nossa medida
que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias
que o reino da bondade dos olhos dos poetas
vai começar na terra sobre o horror e a miséria
que o nosso coração se deve engrandecer
por ser tamanho de todas as esperanças
e tão claro como os olhos das crianças
e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele
Mas o homenzinho diário recomeça
no seu giro de desencontros
A fadiga substituiu-lhe o coração
As cores da inércia giram-lhe nos olhos
Um quarto de aluguer
Como perservar este amor
ostentando-o na sombra
Somos colegas forçados
Os mais simples são os melhores
nos seus limites conservam a humanidade
Mas este sedento lúcido e implacável

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familiar do absurdo que o envolve
como uma vida de relógio a funcionar
e um mapa da terra com rios verdadeiros
correndo-lhe na cabeça
como poderá suportar viver na contenção total
na recusa permanente a este absurdo vivo?
Ó boi da paciência que fazes tu aqui?
Quis tornar-te amável ser teu familiar
fabriquei projectos com teus cornos
lambi o teu focinho acariciei-te em vão
A tua marcha lenta enerva-me e satura-me
As constelações são mais rápidas nos céus
a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo
Lá fora os homens caminham realmente
Há tanta coisa que eu ignoro
e é tão irremediável este tempo perdido!
Ó boi da paciência sê meu amigo!

de Viagem através duma Nebulosa(1960)}

23
PARA UM AMIGO TENHO SEMPRE UM RELÓGIO

esquecido em qualquer fundo da algibeira.


Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra,quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

de Viagem através duma Nebulosa(1960)

24
ONDE MORA A MEMÓRIA OBSCURA, ONDE

esse cavalo persiste como um relâmpago de pedra,


onde o corpo se nega,onde a noite ensurdece,
caminho sobre pedras na minha casa pobre.
Não conheço esse lago,não fui a esse país.
Mas aqui é um termo ou princípio novo.
Com a baba do cavalo,com os seus nervos mais finos
reconstruí o corpo,silenciei os membros.
Não se estancou a sede,no mesmo caos de agora,
mas a língua rebenta,as vértebras estalam
por uma nova língua,por um cavalo que una
a terra à tua boca,e a tua boca à água.

de Ciclo do Cavalo(1975)

25
UM ASTRO

Ouve a longa incoerência da palavra e a memória


do sangue que se apaga.Ouve a terra taciturna.
Tudo é furtivo e as sombras não acolhem.Nenhum jardim
de segredos.Nenhuma pátria entre as ervas e a areia.
Onde é que nasce a sombra e a claridade?
Eis as vertentes da terra árida e negra.Quem
reconhece o equilíbrio das evidências serenas?
Estas palavras têm o odor de portas enterradas.
Como dominar a desmesura da ausência e a vertigem?
Como reunir o obscuro em palavras evidentes?
Escuta,escuta a longa incoerência da terra
e da palavra.Ao longo da distância
murmura a perfeição monótona de um mar.
Num pudor de esquecimento um astro se aveluda
em denso azul na corola do silêncio.

de Volante Verde(1986)

26
AMO O TEU TÚMIDO CANDOR DE ASTRO

a tua pura integridade delicada


a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança de um peito
que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto

de O Teu Rosto(1994)

27
TU PENSAS QUE OS CARDEAIS

Tu pensas
que os cardeais
não se masturbam,
que não vêem
as telenovelas,
que vêem, quando muito, os filmes de Bergman
e o Evangelho segundo São Mateus de Pasolini.
Não, eles nunca lêem os livros pornográficos
e nunca pensaram em ter amantes.
Eles não conhecem o turbilhão das visões
das figuras eróticas,
eles lêem os exercícios espirituais
de Santo Inácio
e têm o odor da santidade
e irão para o céu porque nunca pecaram,
nunca acariciaram um pénis,
nunca o desejaram túmido e ardente
na sua boca casta.

Ah os cardeais como são exemplares


mesmo quando os espelhos os perseguem
com os membros e órgãos de mulheres
na fulguração da nudez liquida e candente!

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Todavia eu conheço a obstinada chama
do desejo,
a sua glauca ondulação,
os seus olhos deslumbrados pela oceânica
vertigem
de um corpo embriagado pela sua simetria
e pela volúvel coerência
dos seus astros dispersos.

Não, eu não creio na inocência imaculada


dos solenes cardeais.
Eu sei que a sua carne é a mesma argila
incandescente e turva
de que o meu corpo frágil é composto.
Eles conhecem o sofrimento de ser duplos,
o vazio do desejo,
a violência nua das imagens monstruosas,
a adolescência do fogo nos labirintos negros.

Mas eu sei que os cardeais não gritam,


nem levantam a voz,
nem atravessam a fronteira do pudor
e adormecem ao rumor das orações.
É esta imagem que eu quero conservar
na religiosa monotonia do meu sono.

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A NOITE CHEGA COM TODOS OS SEUS REBANHOS

Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo


Há um íman que nos atrai para o interior da montanha.
Os navios deslizam nos estuários do vento.
Alguma coisa ascende de uma região negra.
Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.
A passageira da noite vacila como um ser silencioso.
O último pássaro calou-se.As estrelas acenderam-se.
As ondas adormeceram com as cores e as imagens.
As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.
Que sedosa e fluida é a água desta noite!
Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.
Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo.

de A Rosa Esquerda(1991)

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A NOITE CHEGA COM TODOS OS SEUS REBANHOS

Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo


Há um íman que nos atrai para o interior da montanha.
Os navios deslizam nos estuários do vento.
Alguma coisa ascende de uma região negra.
Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.
A passageira da noite vacila como um ser silencioso.
O último pássaro calou-se.As estrelas acenderam-se.
As ondas adormeceram com as cores e as imagens.
As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.
Que sedosa e fluida é a água desta noite!
Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.
Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo.

de A Rosa Esquerda(1991)

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SEMELHANTE À IMÓVEL

Semelhante à imóveltransparência
à inesgotável face
à pedra larga onde o olhar repousa

Água sombra e a figura


azul quase um jardim por sob a sombra
a iminência viva aérea
de uma palavra suspensa
na folhagem

Semelhante ao disperso ao ínfimo


chama-se agora aqui o sono da erva
a ligeireza livre
a nuvem sobre a página

de A Nuvem sobre a Página(1978)

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CASA DE SOL ONDE OS ANIMAIS PENSAM

erguida nos ares com raízes na terra


ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com antigos ditados e flores picantes
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para se renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura

de Voz Inicial(1960)

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