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https://novaescola.org.br/conteudo/16062/como-a-neurociencia-pode-
ajudar-a-educacao
Neurociência
“Os homens deveriam saber que de nada além do cérebro vêm as alegrias, os prazeres, o
riso e os esportes, e tristezas, pesares, desânimo e lamentações. Com isso, de maneira
especial, adquirimos sabedoria e conhecimento, vemos e ouvimos, sabemos o que é imundo
e o que é belo, o que é doce e o que é insosso.” Quatrocentos anos antes de Cristo,
Hipócrates já jurava devoção ao cérebro, num tempo em que o coração, o fígado, o útero e
até o estômago disputavam o poder de dirigir as emoções e o raciocínio do ser humano.
Passados mais de 2 mil anos, não se tem dúvida de quem está no controle. A ciência, mais
especificamente a neurociência, tem demonstrado por A mais B que pouco somos sem
aquele quilo e meio de massa rugosa passível de segurar na palma da mão.
A neurociência, por sua vez, é palavra recente para um estudo que começou no século 19, já
com perfil interdisciplinar. Ela aglutina colaborações da medicina, da matemática, da
química, da engenharia, da psicologia, da filosofia, das artes, da computação, da linguística.
Por tabela, tem oferecido contribuições para essas mesmas áreas, mas também para outras
frentes, como a educação. “A neurociência deve ir para a sala de aula”, afirma
cotidianamente o francês Stanislas Dehaene, matemático de formação e cultuado
neurocientista. Aos 53 anos, além de professor do Collège de France, Dehaene pilota a
Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Instituto Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde
(Inserm), única instituição pública francesa totalmente dedicada à pesquisa médica, biológica
e de saúde pública.
A equipe desse pesquisador francês dedica-se a escanear o cérebro a fim de provar o que
muitos já intuem: a atividade cerebral não existe sem uma impregnação poderosa do
ambiente. A cultura é determinante no desenvolvimento do cérebro e essencial, por
exemplo, na alfabetização. “Ler e escrever são aprendizagens culturais”, confirma Elvira
Souza Lima.
Uma das propostas de Elvira, a partir desse projeto, é incluir no currículo a Educação da
Atenção. Segundo a neurocientista, a música e outras artes seriam os melhores recursos, já
que nosso cérebro se transforma com a prática continuada de música, desenho, dança,
escultura. Musicista, ela incorporou a prática artística no Escrita para Todos. “Existe uma
concepção no dia a dia escolar de que a atenção é linear e de que o estado de atenção é
absoluto”, diz ela. No entanto, o aluno pode estar aparentemente focado na lousa, mas
conectado na interação de dois colegas - ou, em contrapartida, com o rosto virado para a
janela, porém divagando sobre coisas totalmente pertinentes à aula.
Junte-se ao cenário a concepção de que aluno disperso é “aluno problema” e lá vêm sanções,
como “perder ponto na nota”, “prova surpresa” e “trabalho extra em casa” para tentar
controlar essa atenção. “Uma ameaça pode ter efeito contrário porque ela normalmente leva
a uma difusão de movimentos e trocas químicas no cérebro nada favoráveis à
aprendizagem”, afirma. O ideal, na percepção da neurocientista, seria educar a atenção dos
alunos a partir de ações planejadas na direção de cativá-los, e não puni-los.
Nesse sentido vale lembrar que, embora pareça que o professor estipula o que vai ensinar e
o que não vai ensinar, o aluno é quem decide se quer ou não aprender. Se a turma parece
desmotivada, o professor precisa rapidamente acionar estratégias para conquistar aqueles
neurônios, redimensionando a atividade, mudando a pergunta, negociando com os
estudantes. “Nós estaremos onde o nosso sistema emocional estiver, portanto estratégias
curriculares com fatos que propiciem emoção devem ser pensadas para a sala de aula”,
atesta Adriessa.
O DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO POR IDADE
0 AOS 6 ANOS
Ápice de sinapses
Cerca de 90% das conexões cerebrais são estabelecidas nessa
fase, quando se formam as bases das capacidades físicas,
intelectuais e emocionais. As crianças tomam decisões, possuem
certa autonomia, e podemos aumentá-la propondo experiências
lúdicas. Aos 6 anos, áreas utilizadas para a leitura já estão prontas.
7 AOS 11 ANOS
A evolução continua
Aos 7, algumas áreas usadas para a escrita estão no ponto.
Momento de investir no domínio linguístico (sintaxe, léxico,
prosódia, semântica, fonologia e morfologia), no domínio gráfico
(instrumentos e convenções) e no domínio de conceitos (letra,
sílaba, palavra, frase e texto).
12 AOS 21 ANOS
Menos dopamina
Os axônios recebem uma capa, a mielina, que ajuda a
consolidar as redes cerebrais. Já o núcleo acumbente, ligado ao
sistema de recompensa, perde um terço dos seus receptores de
dopamina, donde surgem os longos períodos de tédio. Fase
para novas experiências e aprender noções de geometria espacial.
21 AOS 90 ANOS
Começa a envelhecer
Até a segunda década de vida, o cérebro pesa 1,350 kg. Depois,
começa o chamado declínio ponderal discreto e progressivo, de
1,4% a 1,7% por década. O córtex tem perda de 10% a 20% de
massa, podendo ocorrer em outras partes prejuízo de até 50%.
O fluxo sanguíneo e de oxigênio podem melhorar com exercícios.
Leitura e escrita
O que já foi mapeado com mais segurança são alguns circuitos cerebrais especializados no
processamento da leitura e da escrita (veja os detalhes no quadro abaixo). Várias áreas
estão envolvidas, entre elas centros de linguagem no hemisfério esquerdo, como a área de
Broca (expressão) e a de Wernicke (compreensão), e áreas que processam a música, no lado
direito. “Uma criança adquire a língua nativa de maneira natural, pela mera exposição ao
ambiente, mas o mesmo não ocorre com a leitura e a escrita”, diz Adriessa. Elas precisam ser
ensinadas.
A neurociência pende para o método fônico, que se baseia na relação entre a letra e o
som correspondente. É por esse caminho que vai Stanislas Dehaene. Ele explica que no
português, por exemplo, a criança absorve primeiro a combinação de consoantes e vogais.
Em seguida, entende a combinação entre duas consoantes e uma vogal, como o “bro” de
cérebro. Essa composição do menor para o maior é realizada no hemisfério esquerdo do
órgão. Quando a formação por meio do aprendizado se baseia primeiro na identificação da
palavra inteira, como propõe a teoria construtivista, ativa-se o lado direito do cérebro, mas a
decodificação dos símbolos tem de migrar para o lado esquerdo para que seja concluída.
Haveria certo atraso, enquanto o fônico permitiria uma relação mais imediata entre letras e
sons.
Consenso é que a criança precisa praticar tanto a leitura quanto a escrita para reservar a
vaga que ambas conquistaram no cérebro. Como meio plástico e pragmático, ele logo coloca
outra função no lugar se perceber que a vaga está ociosa. Por isso, a neurociência propõe
estimular a criança com leituras diárias, para automatizar o processo e facilitar a
interpretação de texto, e escritas cotidianas, para robustecer a memória da criança, ajudá-la
a dialogar consigo mesma e com outras pessoas e estimulá-la a tomar decisões
constantemente. Afinal, na escrita ela precisa escolher as palavras e alinhavá-las bem para
que faça sentido o que deseja transmitir. Copiar e colar subestima toda a capacidade do
cérebro de estruturar o pensamento dentro de uma convenção (a escrita) e ainda criar
textos claros e criativos.
Aprendizagem matemática
Rocha explica que na numeração, por exemplo, dois processos podem ser observados, o da
quantificação e o da ordenação. Inicialmente, neurônios da região frontal controlam o
movimento dos olhos para localizarmos e focarmos os objetos de interesse que desejamos
enumerar ou contar. Esse controle ocorre em conjunto com neurônios das regiões occipital
e temporal, que decodificam as imagens e reconhecem os objetos que visualizamos, e com
neurônios da região parietal, que processam a informação visual referente ao espaço em
que os objetos se encontram. A partir do reconhecimento de um objeto de interesse,
neurônios da região frontal efetuam a ordenação de cada objeto, enquanto neurônios da
região parietal acumulam a quantidade de objetos identificados – um ziguezague de
movimento cerebral que parece labiríntico.
Rocha ajudou a formular um material didático chamado Synapse, que é usado no Instituto
de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI), em Santa Luzia do Itanhy, em Sergipe, com
alunos que têm transtornos de aprendizagem. Em 2014, os alunos de seis escolas desse
município passaram a ter contato com o aplicativo por meio de tablets. A plataforma
permite ao professor planejar atividades e avaliar os alunos, com foco exato nas dificuldades
de aprendizagem de cada um. A meta é que no mínimo 60% dos alunos das turmas
beneficiadas pelo programa tenham aprendizado adequado na competência de leitura e
interpretação de textos e resolução de problemas até 2020.
A ideia é mostrar que a neurociência é praticável e que tem grande potencial em áreas
de alta vulnerabilidade. Santa Luzia do Itanhy está sintonizada com o mundo. A Society for
Neurosciense anunciou que está organizando uma Mesa Redonda sobre Questões Sociais a
ser realizada neste ano em Chicago. A proposta é debater tópicos de neurociência que
tenham impacto na sociedade, particularmente em ética e consciência social. Cem bilhões de
neurônios funcionando de forma integrada em meio a 1 quatrilhão de sinapses é um
desafio, sem dúvida. “Se o cérebro humano fosse tão simples, de tal forma que
conseguíssemos entendê-lo, seríamos tão simples que não conseguiríamos fazê-lo”, afirmou
o filósofo americano Emerson Pugh em 1977. A neurociência não se dá por vencida e vem
ganhando algumas jardas nesse terreno. Vale abrir mentes e corações para suas conquistas.
Veja o que as pesquisas apontam sobre como funciona o cérebro que aprende
NEUROMITOS E NEUROVERDADES
Mito.
Mito.
A teoria, aqui, é a de que os três primeiros anos seriam os mais ativos e mais passíveis de
mudanças cerebrais pelo tanto de sinapses ocorridas nesse período. Isso desencadeou certa
overdose de estímulos sobre as crianças. Seria nesse momento ou nunca mais. Sabe-se hoje
que, com o tempo, ocorre a filtragem dessas conexões e a criação de outras durante a
adolescência, que envolvem tomada de decisões, ponderação de riscos e raciocínio abstrato,
por exemplo.
O valor pedagógico dos videogames
Mito.
São elementos muito utilizados em educação e defendidos por vários, mas, segundo o
neurocientista Roberto Lent, não há evidência de que tenham valor educativo, mesmo
aqueles que se apresentam com essa intenção. Ele fala especialmente de games disponíveis
pelo celular.
Verdade.
Chinês, francês, hebraico. Não importa a língua (se alfabética ou ideográfica) nem a ordem
da escrita (da esquerda para a direita ou vice-versa). O cérebro usa a mesma área para a
leitura.
Verdade.
A plasticidade do cérebro, ou seja, sua maleabilidade, permite que ele se rearranje de tal
forma que uma parte só possa assumir a função de uma que foi comprometida. Crianças
com problemas de aprendizado podem adquirir ou readquirir habilidades, desde que bem
orientadas e estimuladas. Com o passar do tempo, a flexibilidade do cérebro diminui,
mas não necessariamente se extingue – vide a recuperação de que quem, por causa de
acidentes vasculares cerebrais, perdeu certos movimentos.
CSCS O cérebro da criança é uma esponja, mas tem limite. Aos 7 anos, ela
consegue gravar na memória de curta duração um número de seis dígitos, por
exemplo. Mais que isso, é difícil.