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end of the world in Luther's time. Berlin, New York: Walter de


Gruyter, 1986, p.265-80, (p.267).
49 P. Zambelli (Org.), Astrologi ha/leidneeti, OP. cit., p.12-26,
50 T. Gregory. Temps astrologique et temps chrétien. In: Le Temps ch,'étien
de lee fin de l'antiqidtIaii Moyen Age. Paris: Edition du Centre National
de la Recherche Scientifique, 1984, p.557-73, (p.558).
51 Ibidem, p.558.
52 Ibidem, p.559.
53 C. Spurgeon. Shakespeare's Imagery. London, 1935, p.25-6.
2
54 H. B. White, Peace Among the Willows: the Political Philosophy of
Francis Bacon. The Hague: Martinus NiJhoff, 1968, p.103. SOBRE AS ORJGENS DA IDEJA DE PROGRESSO
55 E. Garin. Lo zodiaco del/a vita: la polemica sull'astrologia dal Trecento
at Cinquecento. Ban: Laterza, 1976, p. 2-22.
56 S. J. Gould. Lafreccia del tempo e ii ciclo del tempo: mito e metafora
nella scoperta del tempo geologico. Milano: Feltrinelli, 1989, p.20-
8; P. Rossi, II pa.csato, lee meinoria, l'oblio, op. cit., p.37I-9.

255/, Pok.. 4/d,0 cspecih


1 Desde a pré-história o conhecimento tern sido tainbém
uma tentativa de controle do ambiente e de mariutençâo
de uma relaco de equilibrio entre o homem e o meio. Mas
nem sempre, nem em toda parte, o saber apareceu como urn
ROSSI, Paolo. "Sobre as origens da ideia de progresso". In: crescimento, nem sempre nem em toda parte apoiou-se na
Naufrágios Sem Espectador: a ideia de progresso. São Paulo: cooperaço dando lugar a instituIçôes baseadas na colabo-
Editora da UNESP, 1999. raço e no uso de uma linguagem corn aspiraço de univer-
salidade; nem sempre nem em toda parte alguém concebeu
a si mesmo como capaz de urn crescimento indefinido que
se realiza por urn processo de sucessivas autocorreçôes. A
imagern da ciência a que agora nos referirnos - e que se tor-
nou algo de óbvio na época rnoderna —tern origens históricas
precisas. Como já foi salientado tantas vezes, ela está ausente
nas chamadas culturas primitivas, nas grandes concepçöes do
Oriente, na Antiguidade clássica e na escolástica medieval.
Ela vein a Iuz na Europa, entre a metade do século XVI e o
fim do século XVIII, como o mais t(pico produto da civili-
zaço ocidenta! moderria. E verdade sem düvida que magia
e ciência constituem duas técnicas para controlar a nature-
za, dominar o rnundo exterior, ampliar os poderes do ho-
mem. E verdade também que ambas se configuraram, pelo
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menos em determinados perfodos históricos, como instrui menos potencialmente) tornar-se patrimônio de todos.
mentos de resgate e de salvação e que a cincia muitas vezes Pode-se fazer apelo a natureza e a importância da observaço
carregou-se de tonalidades e finalidades religiosas. Mas é - como fizeram Agrippa e Della Porta —; pode-se valorizar a
també:rn verdade que os métodos, as categorias, as institui- funcao do pensamento abstrato — como fez Cardano —; pode-
côes da ciência moderna foram construldos em alternativa se também rebelar-se corn uma fortfssima carga polernica
a urnaviso rnágico-hermética do mundo que era, naqueles contra a autoridade da tradiçao - como fez Paracelso —;
séculos, nâo urn fato de folclore, mas urn fato de cultura, que embora continuando a crer — como criam os aiquimistas e
se punha diante daquilo que hoje chamamos ciência" e que os magos do Renascimento que o saber deva permanecer
era ento definido como "filosofia natural", como uma via al- oculto, que a verdade deva ser redescoberta tirando-a do
ternativa dotada de possibilidades reais, rica de uma antiga esquecimento do passado, que a transmisso do saber tome
tradiço, capaz de unificar tendências e orientaçöes diversas. forma numa solitiiria e misteriosa iniciação e numa transfe-
rencia de alma para alma, em lugar das cartas e dos atos
2 Da grande tradiçao da magia renascentista - que atiri- pitblicos das academias.
giu o seu esplendor máximo nos anos compreendidos entre A imagem "moderna" da ciência a que se fez referência
a atividade de Marsulio Ficino e a de Campanella e Robert aqui desempenlia urn papel decisivo e determinante na for-
Fludd (entre a metade do século XV e os anos 30 do século maco da idéia de progresso. Ela implica de fato: 1.acon-
XVII) - os modernos acolberarn uma idéia central: osaber yode que osaber cntfficoéaigo que aumentaecres
ce, que atua mediante urn processo para o qual contribuem,
tencia, dominio tentativa de 2. aconvicçâodeque
obra para submetê-la as riecessidades e as asplraçöes do ho- esseprocesso,emquakjuer uma desuasetaasoude seus
mem Mas esse texi 1iirido na tradico magico-herme- momentos,jamaisécompieto: ouseja, que nãonecessita
tica - foi inserido num discurso que recusava corn deciso a ae sEessivos acrescimos, revisöesouinè es, 3 enfim,
imagem do sábio e a noco de saber que serviam de fundo
cultura hermética. Desse ponto de vista tenho a impres-
so de que mesmo sublinhando a variedade dos grandes ins tituiçoes maisdo que àsteorias)edentrodaqeco
programas cieritificos do século XVII e mesmo acentuan- bocam as contri esindividuais. Já disse que a imagem
do, como é justo faze-b, as diferenças entre o programa moderna da ciência tern urn papel importante na forrnaço
baconiano-cartesiano e Ieibniziano, é também oportuno da idéia de progresso. Acrescentarei agora que a idéia de pro-
salientar a presenca de elementos comuns a essas diferentes gresso no é marginal, mas constitutiva da imagem moder-
perspectivas. na da ci6ncia. Dos primeiros anos do século XVII ate a se-
0 apelo a natureza e a experiência, a insistênciasobre a gunda metade do século XIX, a idéia de urn crescirnento,
necessidade das observaçöes, a avaliaco da importância das de urn avanço do saber acompanha todos os vários e diferen-
abstraçôes no implicam absolutamente, enquanto tais, a tes programas cientfficos, constituindo, por assim dizer, seu
adesâo a imagem de uma ciência que tenha carter püblico, fundo cornum.
que seja baseada na colaboração e na divulgaco dos resul-
tados; que seja portanto constitucda por contribuiçes in- 3 H6 rnais de trinta anos (ern 1962) publiquei urn livro
dividuais, organizadas na forma de urn discurso sistemti- dedicado a examinar as mudanças profundas nas ideologias
co, oferecidas corn vistas a resultados que possam (pebo e nas filosofias que acompanham, entre 1400 e 1700, os
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desenvolvirnentos da tecnologia e a progressiva afirmacâo tantas ate agora encontradas ... e as artes jamaisso to
das máquinas. 0 capItulo central desse livro' era dedicado' perfeitas que a elas não se possam fazer acr6scimos".4
a idéia de progresso cientifico. Pareceu-me ento de fato - Filósofos como Bacon, como Descartes, como Boyle ele-
e sobre esse ponto no mudei de opirlião - que nos escritos varam ao nivel da consciência filosOfica, inserindo-as num
dos artistas e dos experimentadores do século XV e depois contexto teórico de grande destaque, idéias nascidas em
nos tratados de erigenharia de minas, de arte da navegaco, arnbjentes considerados corn hostilidade, quando no corn
de balistica, de arte das fortificacöes do século seguinte, desprezo, pela cultura oficial da universidade. Pode-se no
ganhava corpo nao so uma nova consideração do trabaiho estar de acordo corn algumas das conclusöes de Edgar Zilsel,
manual e da funçao cultural das artes mecânicas, mas tarn- no aceitar a sua contraposiço entre a oficina, o arsenal, o
bern se afirmava a imagem da cincia como construcão pro- laboratOrio - lugares em que os homens trabaiharn juntos
)
gressiva e como resultado de contribuiçoes individuais que - e a cela do monge e o estiidio do humanista. Não foram
se colocam uma apOs outra no tempo, segundo uma perfei- poucos os artistas e rnecânicos do seculo XVI que chegaram
ção cada vez major. a teorizar, para o seu trabalho, finalidades bastante diferen-
No pretendo reapresentar aqui a documentaço conti- tes e certamente mais "impessoais" que as da saritidade in-
da naquele livro, mas espero que me sejam permitidas três dividual e da imortalidade literária.
breves citaçöes e uma consideracão de caráter geral. As ar-
tes mecânicas - escreve Agostino Ramelli no prefácio a 4 Num livro intitulado The Myth on the Golden Age in the
Diverse et artificiose macchine (15 88) - nasceram das necessi- Renaissance, Harry Levin construiu urn esquema referente
dades e da fadiga dos primeiros homens empenhados em ao primitivismo e ao milenarismo sobre o qual vale a pena
defender-se "da incleméncia do céu, das intempéries do ar, chamar a atenção:
dos estragos dos tempos e das muitas agressöes da terra". 0
sucessivo desenvolvimento das artes no se assemeiha ao mo- AQUI
vimento dos ventos que nascem veementes "rompendo as PR0JI34;0ES
AGORA
_.- I
grossas muralbas e submergindo no vasto mar os lenhos",
enfraquecendo depois ate desvanecer assemeiha-se antes aos
rios que nascem pequenos e chegam ao mar grandes e p0- OurRo LUGAR
------.---- I
OUTRO TE,%!PO
derosos, enriquecidos pelas águas de seus afluentes.2 Na
dedicatória do Trattato sulle prop rzioni del corpo umano (1528),
\
EDEN

-..- /
P A R A(
SO /b ARCADIA
DUrer esclareceu as razôes pelas quais ele, sendo urn artista UTOPIA

e não urn estudioso, ousou enfrentar urn tema to elevado.


) /
Decidiu publicar o livro "sob o risco da maledicéncia, para PRIM! TI !SMO /
o benefIcio p1blico de todos os artistas e para induzir ou-
Ile
/ ,

tros a fazer o mesmo, de modo que os nossos sucessores


possarn ter algo para aperfeicoar e fazer progredir".3 0 ci- ---
M!LENAR!SMO
rurgião parisiense Ambroise Pare (1510-1599), ignaro de
latim e autodidata, maiquisto pela Faculdade, afirma por Estando aqui e desejando estar em outro lugar, temos a
seu lado que nâo se deve dormir sobre os trabalhos dos an- possibilidade de uma escoiha, embora se trate de uma es-
tigos "porque existem mais coisas a encontrar do que as coiha efetuada rnediante a imaginacão. Podemos optar por
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alguma parte remota do mundo: urn paral'so terrestre, ou en- coisa sobretudo é deplorável ... que os homens, contra o seu
tao por urn outro mundo: urn paralso celeste. Vivendo agora pr6prio interesse, procurern proteger sua ignorncia por ver-
e preferindo viver em outro tempo não podemos fazer outra gonha e se satisfacam corn sua condicao miseranda". E ainda:
coisa a näo ser imaginar. Mas também nesse caso temos a "A ilusao de abundância deve ser posta entre as causas da
possibilidade de uma escoiha. Recusando o presente, pode- miséria porque as obras e as doutrinas, que a primeira vista
mos escoiher entre o passado e o futuro: entre urn retorno a parecem numerosas, a urn exame mais profundo revelam-se
Arca'dia e urn pro jeto para a Utopia. pelo contrário muito poucas". Bacon, que escreveu essas
palavras nos Cogitata et visa, tern o sentirnento preciso de
As distâncias espaciais e temporais podem prolongar-se "uma completa rufna da ciência e da cultura agora em uso",
uma na outra, como ocorre nas imaginaçöes exóticas que se ye na "pretensa variedade dos livros de que as ciências tanto
colocam muito longe no tempo e no espaco.Ambas caem na se orguiham" apenas "infinitas repeticöes da mesma coisa",
órbita do Prirnitivismo. As expectativas de outra vida ou a ex- pensa enfim que as guerras civis e a mesquinharia das seitas
pectativa mundana de construir o paraiso nesta terra caem pelo e a superficialidade dos manuais que tomaram o lugar da
contrário na órbita do Milenarismo.' verdadeira ciência "arrasam como uma tempestade as ciên-
cias e as letras". Tao logo terminado o ciclo de estudos, es-
Esse esquema de Levin serve para lembrar-nos que a his- creve Descartes, "encontrei-me enredado em tantas dLivi-
t6ria da idéia de progresso está intimamente entrelaçada nao das e erros que me parecia nâo ter tirado outro proveito a
so corn a história da utopia, mas também corn a do nao ser este: ter descoberto cada vez mais a minha ignorân-
milenarismo e do primitivismo. Quem crê no progresso, cia. No entanto eu me encontrava numa das mais célebres
todavia, geralmente nao se contenta corn escoihas efetuadas escolas da Europa, devendo considerar que seem algum lugar
no reino da imaginacão. Nao tende a fuga da histOria. Con- do mundo existiam homens doutos, era ali que eles esta-
ta ou julga poder contar corn possibilidades reais ou que in- yam", A desilusao por aquelas doutrinas, a recusa daquelas
terpreta como reais. V8 presentes na histOria algurnas pos- escolas .coincidia corn a recusa de uma imagem da filosofia:
) "Quem menos aprendeu de tudo aquilo que ate agora se cha-
sIveis confirmaçes das suas esperancas, julga que ela procede
- nern que seja nos tempos longos - segundo uma e nâo outra mou filosofia está em melhores condiçöes de aprender a
direçao. Considera em todo caso que tern sentido operar no filosofia verdadeira". Igualrnente Bacon: "Aquilo que se deve
mundo corn base em projetos regidos pela esperanca num realizar é totalmente diferente daquilo que foi realizado e
futuro desejável, meihor que urn presente cujos lirnites e portarito o orcu10 mais favothvel para o futuro está na
insuficiências sao visiveis. confutacao do passado".6
As escolas e o mundo das letras, escreve Cornênio no pre-
5 0 senso da limitacao, da insuficiência, da inacei- fácio da Diddtica magna (1657), "achavam-se plenos de fa-
tabilidade do presente aparece frequeritemente ligado a es- digas e moléstias, de incertezas e i1uses, de erros e imper-
peranca num futuro meihor ou simplesmente na certeza de feiçôes". 0 que, em nOs e nas nossas coisas, esta no modo e
que, mais cedo ou mais tarde, isso possa realizar-se. A esse no lugar devido?
respeito, nao julgo necessrio deter-me longamente sobre
as páginas de Bacon, de Descartes ou de Galileu que insis- Todas as coisas, reviradas e confusas, ou estão por terra
tern sobre as caracteristicas negativas da cultura de seu ou em rulnas ... Em lugar de amor e candor recIprocos, ódios
tempo. "Nessa estreita situacao das coisas humanas, uma recIprocos, inimizades, guerras, mortandades. Em lugar de
j
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S .

justica, iniqUidades, injrias, opressöes, furtos, rapinas. Em morte, assim também estes: nascern, crescem, dLlrarn,flores-
c ) Lugar da castidade, impureza e.obscenidade ... Em Lugar da cern, e tudo para que enfim caiarn ... Antigamente floresceu
) simplicidade e da verdade, mentiras, fraudes, engarlos. Em o Oriente ... a sua sorte passou para a Europa. Esta agora (como
Lugar da humildade, soberba e ódio rec(proco.7 ocorre corn os corpos agitados pela febre) parece-me que tre-
me e terne a sua grande rumna.t I
• Dos diagnósticos negativos sobre a própria época nascem
razöes de desconforto e decorre em muitos casos uma invenccvel o nascimento e a morte — sublinhou Lipsio - aparecern
sensaçâo de desânin-io. 0 nosso século - escrevia Mersenne a agora tambérn nos céus que uma tradico milenar identifi-
)
Peiresc em 12 de marco de 1644— "é o pai de uma reviravota cava corn o reino da perfeico e da eternidade. Ampliando
) universal. Que pensais dessas revirayoltas? Acaso não vos do desmesuradamente os limites do universo, negando a trari-
) uma prefiguraço do fim do mundo?".8 Quatro anos antes quilizante perfeico dos corpos celestes, chegando a afirma-
) (15 de agosto de 1640), Gabriel Naudé escreveu a urn cor- ço de urn universo infinito, a nova cosmologia contribula
respondente: 'Temo que as velhas heresias no se jam nada para dat a sensaço precisa dofirn de todas as tradicionais
em comparação corn as novidades que os astrônomos intro- visôes do cosmos.
duzem corn seus mundos ou terras lunares e celestes. As
) conseqUncias de tais novidades sero bern mais perigosas A nova filosofia recoloca tudo em d1vida — escrevia
que as anteriores e introduzirão revoluçoes bern mais estra- John Donne nos célebres versos de 1611 - o elemento fogo
nhas".9 0 tema pessirnista da decadência da natureza e do está quase extinto, o Sol se perdeu corn a Terra, e o enge-
-) enveihecimento do mundo desenvolve-se — cumpre no es- nho de homern algum consegue mostrar em que Lugar
) quecer — sirnultanearnente ao tema do progresso. A época procur-lo. Livremente Os homens confessam que este mun-
do está consumado, enquanto nos planetas e no firmamento
elisabetana (como é sabido) foi uma época de aventureiros
muitos procuram o novo. Eritão vêem que o mundo está no-
) entusiastas e sanguinrios, mas também uma época de an-
vamente fragmentado nos seus átomos. Tudo est6 em peda-
siedades e de anglistias profundas. 0 tema da decadência
ços, desapareceu toda coesâo, todo conjunto adequado e toda
da natureza liga-se, pot urn lado, a insistncia luterana e relacao.'2
) • calvinista sobre a corrupço geral do mundo, pot outro, a
polémica contra a imagem tradicional da natureza como
Kepler estava firmemente convicto de que o sisterna solar
• estrutura harmoniosa e ordenada segundo perfeitas hierar-
constitufa urn unicwn no universo. Está disposto a admitir
quias.'° 0 tema estóico do eterno retorno tinha penetrado
) a existência de planetas habitados dentro do sistema solar,
amplamente na cultura européia por intérmédio do De
mas afasta corn horror a idéia de uma infmnita pluralidade
Constantia de Giusto Lipsio, urn texto que gozou de extra-
de mundos em que esteja presente a vida:
) ordinria fortuna:

) Desde que se fez o mundo, foi-lhe -dado pot eterna lei o Se existem no céu globos semeihantes a nossa terra, será
nascer e o rnorrer, o começar e o terminar ... Vimos (coisa re- que devemos entrar em competicao corn eles para saber quern
airnente diuicil de crer) que também nos céus algo pode nas- ocupa o lugar meihor no universo? Se de fato os globos da-
cer e algo pode morrer ... Se aqueles corpos eternos esto des- que!es planetas fossem mais nobres, nós no serfamos mais as
-' • • tinados a morte'e a transmutaço, o que pensais que deva mais nobres entre todas as criaturas racionais. E como então
acontecer as cidades, as repiblicas, aos reinos? ... Como cada podem ser todas as causas para o homem? E como podemos
homeni tern a sua juventude, virilidade, velhice e enfim a nós ser os senhores das obrasde Deus?
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Contra as teses de Bruno, Kepler pretende demonstrar s6 podemos esperar dar fim a ela voltando as mais puras on-
duas coisas: que :este sistema de planetas, nurn dos quais gens ... Aqueles que mais impetuosamente olhavarn para a
nos encontramos nós, homens, encontra-se no lugar princi- frente eram Os quiliastas, as irracionais otirnistas da disper-
pal do universo, ao redor do coracão do universo, que é jus- so da classe trabaihadora que esperavam na intervenção de
tamente o Sol"; que nós, homens, "nos encontramos naquele Cristo aqui e agora ... Aqui podemos verde novo a importância
globo que se destina inteiramente a criatura racional que é de Bacon ... ele seculaniza o seu enveihecido sonho quilistico e
entre todas a mais importante e a mais nobre entre as sugere a possibilidade de retornar a situaço anterior ao pecado
corp6reas".13 A visão bruniana do universo inspirava a Kepler original antes do advento do milênio, Isso tornou possfvel uma
nova atitude diante da história: progresso sern quiliasmo,
"urn não sei que secreto e oculto horror. Sentimo-nos per-
mudança sem apocalipse, reforma sem expectativa de urn
didos nessa imensidão, a qual são negados limites e centro,
Segundo Advento.16
a qual é negado por conseguinte qualquer lugar determi-
nado".14 Os temores, as ansiedades, as angüstias, os desni-
mos não são prerrogativas dos poetas. Frequenternente atm- A visão da história de Raleigh e Bacon mais a experin-
gem também os culthres das ciências exatas e naturais. No cia da revolução, conclui Hill, tornaram concebivel a idéia
mesmo ano - 1611 - poucos meses depois das grandes des- de uma mutação controlada, uma mudanca que não fosse
cobertas galileanas, John Donne e Kepler davarn ambos ex- mais urn ato de Deus ou urn Desastre ou urn Dia dojuizo.
pressão ao sentimento de incerteza que foi próprio de tantos A idéia hobbesiana da polItica corno ciência e do Estado
intelectuais europeus da primeira metade do século XVII. corno ente artificial, construfdo pelo homem; a idéia de
Harrington da história, que é ciência porque o homem pode
Não sabemos mais nada que não possa ser submetido a controlar seu desenvolvirnento, nasceram sobre esse terre-
discussão — escreve Pierre Borel em 1657 —aprópria teologia
no. Mas as temas do milenarismo estavam destinados a exer-
não está isenta disso ... A medicina, a astronomia, a fIsica osci-
cer uma influncia profunda ate os ültimos decênios do sé-
lam todos Os dias, vendo desmoronar seus fundamentos. Ramo
cub. Eles se encontravam s6lida e inextricavelmente
destruiu a filosofia de Aristóteles, Copérnico a astronomia de
Ptolomeu, Paracelso a medicina de Galeno. Desse modo, ten- entrelaçádos as expectativas puritanas de uma transforma-
do cada urn os seus adeptos, tudo parece plausfvel e não sabe- ção iminente, ao motivo da decadncia da natureza, as refe-
mos em quem crer e somos obrigados a admitir que aquilo que réncias ao mito da idade do ouro. 0 lamento sobre a imi-
sabemos é coisa bern menor do que aquilo que nâo sabemos.15 nente catástrofe e as referências a profecia de Daniel tinharn
se transformado num apelo a necessidade de apressar os tem-
• 6 Como esclareceu Christopher Hill, no curso de uma pos por uma identificação do Mal com os p . deres terrenos
análise comparada dos textos de Bacon, de Walter Raleigh, que impediam o advento do reino de Deus. A Clavis
de Edward Coke, a insistência sobre a história, presente na Apocaliptica de Joseph Mede é de 1627. Nos anos que pre-
cultura inglesa do século XVII, é testernunho da consciên- cedem a guerra civil saernna Ingaterra The Personal Raigne
cia de uma crise profunda. Muitos olhavam para trás a bus- of Christ upon Earth de John Archer e A Glimpse ofSions Glory
ca de uma solucão: os protestantes para a Igreja primitiva, de Hanesrd Knolboys.
Lilburne para as heréticos medievais e para os Marian Martyrs,
os legisladores e as politicos para os anglo-saxöes livres
A obra está ao alcance da mao - esctevia Knolloys em
A idéia pré-revolucionria do processo histórico, domi- 1641 - näo só a Anticristo seth abatido e Babilônia desmoro-
nado pelo dogma da queda, era a idéia de uma degeneracão: nará, virá o reino glonioso de Cristo e reinath a senhor Deus
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onipotente. A obra corisiste hoje em abater Babil6nia e na-o' admiramos e verierarnos corno grande e magncfico está des-
dar descanso a Deus ate que ele eleve Jerusalem para glória tinado a esvair-se no nada. Onde estarão os grandes imperios
) do mundo inteiro ... Para proclamar o reino de Deus onipo- do mundo e as cidades corn seus monurnentos de glória?A
) tente, Deus usa a multidão e o povo comum. Quando Cristo própria Roma eterna desaparecer da terra e sobre eta des-
chegu, os pobres foram os primeiros a receber o Evangeiho,
) nao os nobres e os ricos, mas os pobres. Do mesmo modo, na
cerá urn perpétuo esquecimento". 0 mundo, emerso de uma
grande catstrofe, está destinado a desaparecer. A Terra, que
I refotma da religiao, depois que o Anticristo começou a ser
descoberto, foi o povo cornum quem primeiro começou a no seu estado atual é o resultado de irnensas mutaçöes, pa-
) rece a Burnet privada de ordem e de proporção: uma espé-
seguir Cristo.
) cie de novo caos. Eta nao é mais "a obra da natureza segundo
) Muitos dos principais eclesisticos "são expressarnente a sua primeira intencão e de acordo corn o primeiro rnodelo",
quiliastas", escrevia Robert Baillie em 1645. Em 1649, mas é o resultado de "materiais fragmentados, dispersos e
)
Grozio afirmay a que não menos de oitenta tratados desse despedacados". 0 telescópio revelou que ate a superfTcie da
) Lua é irregular e acidentada. Terra e Lua "são as imagens de
tipo tinham sido publicados na Inglaterra no curso daque-
) les anos.17 Mas os temas do milenarismo estavam destina- uma Grande Rufna, tern o aspecto de urn mundo que jaz nos
) dos a prolongar-se muito além da metade do século. Em seus escombros".19
1657, sai em Amsterdã a Lux in tenebris de Coménio. Entre
)
1680 e 1689, são publicados o Apocalypsis apocalypseos e a 7 Diante de uma crise profunda, tendo em vista urn pre-
Exposition of Several Prophecies of Daniel de Henry More, o sente inaceitável, pode-se reagir corn ansiedade, angcistia, sen-
) tratado sobre o milénio de John Evelyn e The Judgment of timento de inutilidade das coisas humanas ou de uma inevith-
) God de Drue Cressener. Entre os refugiados huguenotes, vel catástrofe. Mas e possivel tambérn que a impressão de viver
Pierre Jurieu denunciava o rei de Franca como a encarnação numa época de grandes mudancas dê lugar a esperança. E tam-
)
da Besta no New System ofApocalypse de 1688. 0 milenarismo bern possivel que as mudancas apareçarn como uma inunda-
poiftico presente dentro da Igreja Anglicana estava desti- cão capaz de arrastar consigo ediffcios putrescentes:
) nado a exercer uma influência profunda sobre a Sacred Theory
of the Earth de Thomas Burnet (1681-1690): Esta é uma época— escreve Henry Power em 1664—na
) qual todas as almas estão nurna espécie de fermentação
espirito da cultura e do saber começa a elevar-se e a libertar-
Como é possfvel ter confiança num mundo perecIvel e se daqueles empecithos e daquelas escórias pelos quais foi por
) caduco que seth reduzido a cinza e fumaça no espaço de tanto tempo tolhido, a libertar-se tambéni daquela inscpida
ou dois séculos?... A época em que vivemos é apontada nas
fleugma e caput martuum das noçôes inüteis as quais esteve ii-
Sagradas Escrituras corn a expressão "tempora novissima'. Isso
) gado corn tanta tenacidade e por tanto tempo ... Parece-me
parece indicar a thtima idade do mundo ... Mas o miltiio, , estar vendo que toda a veiha sujeira seth jogada bra e que os
) reino de Cristo, ta1omo é descrito pelos Profetas, e uma ida- s e eliminados por uma
edificios putrescerites serão destrufdo
) de &tal modo nova que nâo chegará antes do fim do mundo inundacão de grande potência. São esses dias que requerem
Para ela, é razoável concluir, não faltam mais de quinhen- uma nova fundação para uma mais alta filosouia que não pos-
) tosanos.'8
sa nunca ser destrufda.20

)
A visão de uma futura e grandiosa catstrofe envolvia ao A razão de esperanca "que se extrai dos erros do passado
) mesmo tempo o mundo histórico e o natural: "Tudo o que - escreveu Bacon - é a major de todas". A esperanca mais
)
60 61

certa nasce justamerite daqueles erros "porque, como foi dito visto coisas nunca antes vistas pot olhos hurnanos. Acom-
apropósito de urn Estado mal administrado, quanto mais paração entre as grandes viagens transocenicas e as desco-
negro é o passado, mais luminosas são as esperancas para o bertas efetuadas pot meio do telescópio e do microscópio
futuro".21 torna-se, no século XVII, urn topos literário. 0 terna do lu-
As crises e as revo!ucôes são interpretadas como sinais gar do homem na natureza - to vivo nas discusses que
de possibilidades novas. A história parece submetida a irn- assirialam a passagem do "mundo fechado" para o "univer-
previstos movimentos de aceleração: "existe mais história so infinito" - associava-se naquela época ao da 'experiência
em cern anos - escreveu Campanella - do que teve o mun- da diversidade". A constatação da existência de povos dife-
do em quatro mu, e mais livros foram feitos nestes cern anos rentes, que se reportam a valores diferentes, de sociedades
que em cinco mu, e as estupendas invençöes da b6ssola, da não cristãs, de ateus que convivem em sociedades organiza-
imprerisa e dos arcabuzes, grandes sinais da união do mun- das, implica a possibilidade de urn confronto, a possibili-
do".22 "Urn novo mundo - escreve Robert Hooke em 1665 dade de assumir, falando de nós mesmos, urn ponto de vis-
- foi descoberto pelo pensamento". Pot meio do telescópio ta diferente do habitual. A mesrna natureza aparece não mais
e do microscópio homogênea e uniforme, mas diferente de uma para outra re-
gião da terra. 25
os céus se abriram, aparecendo neles urn vasto nürnero de es- A natureza não é uniforrne, os costumes humanos são es-
trelas novas ... enquanto a própria terra, que jaz tao próxirna tranhos e não homogêneos; todavia, justamente porque fo-
de nós sob nossos ps, parece-nos agora completamente nova ram ultrapassadas as colunas de Hercules e atingidos os con-
e em cada pequena partfcula da sua rnatéria observarnos uma fins do mundo, a história parece uma realidade unitária e o
variedade tao grande de criaturas como aquela que antes p0-
gnero humano parece ter conquistado aquela unidade em
diarnos contar no universo inteiro,23
vão procurada no passado: "0 mundo inteiro agora é conhe-
cido e todas as racas dos homens. Os homens podern agora
"Não é evidente - escrevethJohn Dryden - que no curso trocar livremente as suas invençöes e ajudar-se reciprocamen-
destes (iltimos cern anos uma nova natureza nos foi revela- te nas necessidades, como os habitantes de uma mesma ci-
da?".24
Novurn Organum, Discorsi intorno a due nuove scienze; o dade".26 George Hakewill descreveth a si mesmo (em 163 5)
terrno "novus" ocorre quase obsessivamente em centenas de como "a citizen of the world", urn cidadão do mundo: o mun-
livros filosóficos e cientIficos publicados entre a época de do ihe aparece finalmente como urn so Commonwealth e as
Copérnico e a de Newton. "Tendo-se descoberto novas es- mais distantes naçöes como cidades de urn mesmo corpo p0-
trelas, novos planetas e fenômenos, plantas, circulacão do lftico.27 Os antigos ignorararn muitas coisas. 0 seu saber é
sangue e tantas outras coisas, e quase urn mundo npvo, pa- parcial e não mais suficiente para o mundo moderno.
rece que este precisava de novas. filosofias, não bastando as "Mais viu Cristóvão Colombo genovês e mais correu corn
antigas para investigá-lo". Como deixath claro o jurista e o corpo do que fizerarn corn a mente Agostinho e Lattanzio
filósofo napolitario Giuseppe Valletta, defensor dos "moder- poetas, filósofose teOlogos que negararn os antrpodas".28
nos" e da heranca de Descartes, não se tratava apeias de novas Campanella certamente não foi o ilnico a entrever os gran-
estrelas e planetas, mas de plantas, animais, homens antes des "sinais da união do mundo" e a comparar as novas des-
desconhecidos e de cuja existncia, antes das viagens cobertas técnicas as viagens ao Novo Mundo. Em 1567, na
transoceârijcas, não se suspeitava. Como Colombo e Maga- Consideration sur l'histoire universelle, Louis Le Roy cornpa-
Ihães, tambérn Gahleu, Malpighi e Robert Hooke tinharn rou os achados da técnica corn as descobertas geográficas.
As "coisas do mundo" pareciam-Ihe agora "ligadas em rec(proca De uma situaco de paz na Europa, afirma Bacon, pode-
correspondncia", de modo a não se poder compreender "umas rá derivar uma "terceira época do saber", capaz de superar
)
sem as outras". Nos iltimos anos "no so ficaram em evidén- de longe "as duas épocas precedentes que se verificaram entre
) cia coisas que antes estavam encobertas pelas trevas da igno- os gregos e os romanos". Na verdade, afirma, "eu ponho em
rância, mas ficaram conhecidas coisas que os antigos tinham movimento uma realidade que outros experimentarão".32
ignorado cornpletamente".29
Corn a eficcia estilIstica que the era habitual, Bacon deu Virá urn tempo - escreve John Wilkins -. em que o tra-
forma a muitos desses temas: "Congratulamo-nos corn a in- baiho das épocas futuras trará a luz ate mesmo as coisas que
diistria dos mecânicos - escrevia ele depois das descobertas agora esto imersas na obscuridade. As artes nâo chegararn
ainda ao seu solstfcio. A ind(istria dos tempos vindouros, corn
astronômicas de Galileu - e corn o zelo e a energia de certos
a ajuda dos ancestrais, poderá atingir aquela altitude que nós
sábios que, pouco tempo atrs, corn a ajuda de novos ins-
airida no atingimos.33
trumentos Oticos, como se usassem chalupas e pequenas
barcas, começaram a tentar novos com&cios corn os fen8-
menos do céu". A invenco da imprensa, da pOlvora explo- 0 apelo ao futuro, ao que os homens podero realizar se
siva e da btissola mudararn para sempre as condicôes de vida tiverern a coragem de tentar caminhos antes no tentados,
sobre a terra. "Nenhum irnpério, nenhum astro, nenhu- é urn motivo central da filosofia do século XVII. A ele
ma escola filosOfica" jarnais tiveram major eficcia sobre corresponde a afirmaco da limitaço da civilizacao dos an-
) as coisas hurnanas que esses fatores materiais e essas inven- tigos, o sentirnento de que se pode e se deve livrar-se do peso
cöes mecânicas. Por isso, parecia.-lhe necessário que o pro- da tradico, a convicço de que no existem modelos est-
gresso rias teorias nao permanecesse atrasado em relaçao ao veis aos quais referir-se para resolver os problemas do pre-
das artes e que a conquista do mundo material correspondesse sente. "Scientia ex naturae lumine petenda, non ex antiquitatis
a do mundo intelectual: "Seria vergonhoso para os homens obscuritate repetenda est. Nec refert quid faction fuerit. Mud
Se, apOs ter revelado e ilustrado o aspecto do orbe material, videndum quidfieripossit" {"E preciso extrair a ciência da luz
isto e, das terras dos mares, dos astros, os confins do orbe da natureza e no tentar obtê-la das trevas da Antiguidade.
'
intelectual permanecessem dentro dos limites restritos das Não importa o que foi feito: trata-se de ver o que se pode
descobertas dos antigos".30 fazer").34
As trevas da Antiguidade contrapostas a luz da nature-
8 Do diagnóstico negativo do presente emergem possi- za, o futuro contraposto ao passado. Esse tema assume for-
bilidades de resgate, de urn saber em crise poderá nascer uma mas e tons diversos. Entre os cultores de aiquirnia e de quf-
"ciência universal capaz de elevar nossa natureza ao grau mica - desde os paracelsistas ingleses ate Robert Boyle -
máximo de perfeicao". 0 fato de que coisas novas sejäm vis- chega-se ao piano da invectiva e a declaracoes de "prirnitivismo
tas parece também a Descartes urn sinai dé esperanca: cientIfico" que contrapöem a sala de anatornia, os experi-
mentos das fornaihas e as oficinas dos artesos as bibliote-
As maravilhosas lentes, em uso M bern pouco tempo, j cas, aos estudos literários, as pesquisas teOricas:
nos revelararn novos astros no cu e novos objetos sobre a ter-
ra ... levando nossa vista muito mais longe do que costumava
chegar a imaginaçâo de nossos pals; etas parecem ter-nos aberto Venda suas terras, suas casas, seu guarda-roupa - escreve
o carninho para chegar a urn conhecimento da natureza mui- Pietro Severino na Idea rnedicinaephilosophicae de 1571 -, quei-
to mais vasto e perfeito do que o atingido por eles 31 me seus Iivros. Compre urn robusto par de sapatos e caminhe
)
I

64 65

por vales, n-iootanhas, desertos, orlas do mar. Ariote corn cui- humariisrno identificado "with slavish classicist submission to
dado as difer.enças entre as animais, as distinçoes entre as plan- the tyrannicalyoke of the ancient models" ["corn urn classicismo
tas, as vrias esp&ies de minerais, as propriedades e o modo escravo submetido ao jogo tirnico dos modelos antigos"),
de origern de tudo a que existe. Não tenha vergoriha de estu- Baron contrapöe a consideraço do Renascimento como urn
dar corn diligência a astronomia e a filosouia terrestre dos cam- processo dinmico no qual está presente urn forte contraste
poneses. Enuim, compre carvâo, construa fornaihas, lide sem entre a "veneraço pela Antigilidade", que levath ao
descanso corn o fogo. Por este, e no por outro carninho, po- classicismo, e uma defesa dos pod eres e da 'igualdade" dos
deri chegar ao conhecimento das coisas.35
modernos, que constitui a pressuposto da Querelle. Essa de-
fesa, sernpre segundo Baron, "prepara o terreno para as te-
Exatamente urn século mais tarde, escreverá Boyle a res-
ses avançadas no curso do século XVII pelos adeptos da su-
peito de pedras: "aprendi mais corn dois ou três taihadores
perioridade dos modernos".39
do que jarnais aprendi lendo Plfnio, Aristdteles e todos os
seus comentadores".36 Não se refutará somente a ditadura O terna da Antiguidade coma mito de uma absoluta
de Aristóteles, escreveu Bacon, "mas também a de qualquer perfeico, na cultura do Humanismo, entrelaça-se efetiva-
hornem presente ou futuro". A admiraço pelos livros anti- mente corn a tema continuamente afirmado de urn confron-
gos nos quais está consignada a sapiência do gnero huma- to dos modernos corn os antigos: estes - coma escreveu
no pode revelar-se urn obstáculo insuperveI ao progresso Eugenio Garin - parecem "mestres que no impöem uma
da cincia: "Dificilmente é possfvel admirar e ao mesmo simples repeticâo de si próprios, mas convidam para urn
tempo superar os autores. Ocorre nesse caso a mesmo que colóquio ou para uma carnpeticão".40 Hans Baron, todavia
) ocorre corn o curso da gua que jamais torna a subir a urn - é born esclarecer -, enquanto polemiza contra-uma ima-
nfvel superior ao que já desceu".37 gem deformada e simplificada da culture, humanistica no
pretende absolutarnerite reduzir as posicöes de Bacon e de
9 Num ensaio muito importante, que remonta a 1958, Descartes as dos humanistas: "Seria naturalmente loucura
Hans Baron polemizou contra as teses demasiado simplistas minimizar a grandeza da mudanca que se verifica, uma ati-
sobre a re1aco antigos-modernos presentes nos trabaihos de tude moderna em relaçâo a AntigUidade, corn a presença de
John Bury e de Richard Foster Jones e tomou posico con- Galileu, Bacon e Descartes".41
tra a tradicional e nâo mais aceitável identificação de
"humanismo" e "culto pelos antigos".38 Muitos dos temas E dificil não Ihe dar razão sobre esse ponto. Descartes e
e das idéias que aparecem entre 1627 e 1640 nos escritos Bacon, embora estreitamente ligados a leitura dos clássi-
de Hakewill e de Ben Jonson derivam na realidade, coma cos, dão expresso a novas exigências. 0 que é negado par
mostrou Baron, de afirmaçoes presentes nos textos do eles - ate no momenta em que se recorre aos textos da An-
erasmiano Juan Luis Vives, que escreve urn sculo antes. Os tiguidade - é justamente a caráter exemplar da civiliza-
humanistas, esciarece Baron, nâo tinham sido passivos cão clássica. Eles no recusam apenas a pedante imitacão e
repetidores. Entre os expoentes da literatura humanIstica a simples repetico. Ate mesmo aquele coloquio, aquela
mantinha-se viva uma constante bataiha contra os perigos cornpetico, aquela aemulatio sabre a qual tinham insisti-
do classicismo: a contraposiçâo entre a aemulatic e a imitatio do os meihores humanistas parece para eles alga que no
tinha se tornado o grito de guerra de muitos grandes inte- tern mais sentido. E a pr6prio terreno de uma "competi-
lectuais europeus, de Policiano a Erasmo. A imagem, ainda ço", de uma "contenda" corn as antigos, que é recusado corn
presente nos livros de Bury e de Foster Jones, de urn deciso.
66 67

Conversar corn os homens de todos os séculos é quase o das capacidades ... Urn coxo que segue a caminho ceEtó, como
mesmo queviajar; certamente, é born saber algo dos costu- se costurna dizer, chega prirneiro que urn corredor que segue
) mes dos vários povos para julgar meihor as nossos, e não con- urn caminho errado. Recorde-se que a questão concerne ao ca-
) siderar ridlculo e irracional tudo o que é contrário aos nos- minho a seguir e não as forças, e que defendemos aqui não a
SOS hábitos ... mas quando alguém emprega tempo demais a
parte dos juizes, mas a dos guias.43
viajar torna-se no urn estrangeiro em seu próprio pals e, assim,
quem é demasiado curioSo das coisas do passado torna-se, em O reconhecirnento da genialidade das doutrinas do pas-
geral, muito ignorante das presentes.42 sado, para Descartes também, deixa intacta a honra dos
antigos:
Do ponto de vista do presente e da sua radical novidade Não quero absolutamente diminuir a honra a que cada
- escreveu Bacon - Os discursos que foram desenvolvidos na urn deles pode aspirar. Tenho porérn a obrigacao de dizer, para
Antiguidade não são discursos equivocados. São discursos consolo daqueles que não estudaram, que como nas viagens,
constru(dos em vista de objetivos que não podem mais ser quem dá as costas a própria meta afasta-se dela cada vez mais,
aceitos. Os limites da filosofia dos antigos São OS próprios por mais longamente e pot mais rapidamerite que carninhe
limites da sua civilização e do mundo de valores que por ela assim tambérn, quem tern principias errados, quanta mais
foi expresso. A época em que floresceu a filosofia grega era as cultiva tanto mais se afasta do conhecimento da verdade.44
"próxima das fbulas, pobre de história, escassamente in-
formada sobre a conhecimento da terra". As grandes via- 10 Nesse terreno, que é a do reconhecimento de urn ca-
gens de Pitágoras, Demócrito, Platão, sempre celebradas minho diferente daquele que foi percorrido pelos antigos,
como grandes empresas, eram serneihantes a excursöes aos perdem sentido tanto a ideal da irnitatio quanta o da
arredores da própria cidade. 0 espIrita dos honiens daquela aernulatio. A imitacão dos antigos nasce corn a temor dos
época, assim como sua filosofia, era "estreito e limitado", homens em comprarneter-se corn a realidade, é expressão de
Par isso, é possivel reconhecer a inteligência, a "sublirnida- servidão intelectual. Nela, toma corpo a busca - que é ma-
de do engenho", a "acuidade" de Platão e de Aristóteles e, tivada pot uma inconfessada necessidade de segurança - de
ao mesmo tempo, refutar a sua filosofia. 0 que deve sec evi- "urn Atlas das rneditacôes que seja capaz de guiar os pensa-
tado é o próprio surgimenta de uma disputa entre antigos e mentos e as flutuaçöes do intelecto e irnpeça o céu de desa-
modernos: bar sobre os homens".45 A empresa cientifica coincide corn
o abandono dessa busca de seguranca, implica a capacidade
A honra dos antigos fica salva: eles são dignos de admi- de olhar o mundo sem mais necessidade de guias:
racão no que tange ao engenho e a rneditacão e, se tivéssemos
seguido a mesmo caminho que eles, certamentenão terlarnos Temos necessidade de escolta nos palses desconhecidos e
podido igua!á-los. Não ha dlivida de que essa recusa geral de selvagens, mas nos lugares abertos e pianos so as cegas tm
todos os autores é alga menos grave do que recusar alguns e necessidade de guia, e quem for cego é melhor que fique em
aprovar autros: neste caso, tivemos de fazer urn julgarnento, casa, mas quern tern aihos na fronte e na mente, esses é que
ao.passo que nos limitamos a indicar urn caminho diferente. devem servir de escolta.46
Se declarássemos poder oferecer alga meihor que as anti-
gas, depois de entrar no mesmo caminho que eles segui-
tam, certamente não poderlamos evitar que se estabelecesse Na Redargutio Philosophiarurn de 1608 Bacon tinha mdi-
urn confronto ou urn desafIo acerca do engenho, do-mérito, cado as idéias de Arist6teles, Plato, Hipócrates, Galeno,
1
68 69

Euclides e Ptolorneu como as (inicas fontes do saber de que nasce no piano de uma contenda, mas da cons tataço de que
os homens dispoem atualmente. A pretensa variedade das o tempo colocou probiemas novos que eram desconhecidos
filosofias era considerada mera aparncia: trata-se apenas de e peia constatação de que interveio a possibilidade de esco-
partes daquela dnica filosofia grega que foi alirnentada pot iher urn caminho diferente daquele que foi percorrido pe-
séculos no nos bosques da natureza, mas nas escolas e nas los antigos e no qual o que realmente conta é a exatidão da
celas dos monges. Os antigos não se configuram mais como via empreendida e no a velocidade corn a qual se caminha.
modelos de sapiéncia, como gigantes sobre cujos ombros os A nossa superioridade sobre Platão e Aristóteies no é fun-
anöes aprendem a subir corn dificuldade. Podem, mais sim- dada na acuidade do engenho ou na sutiieza do intelecto,
plesmente, set utilizados, ainda que so em alguns casos: mas apenas "nos exemplos, nas experiéncias e nos
ensinarnentos que nos deu o tempo".50 Como dirá ainda
Vede portanto que as vossas riquezas estão na posse de Pascal, deve-se reconhecer que os antigos "conheciam to
poucos e que as esperanças e as fortunas nos homens esto bern quanto nós tudo o que da natureza podiam observar".
talvez depositadas em rneia d(jzia de cérebros. Mas Deus não
Tendo a disposico apenas a vista, no podiam expiicar a via-
vos concedeu almas racionais Para que dediqueis aos homens
Mctea diversamente de como o fizeram, nem estavam erra-
o respeito que deveis ao vosso Autor ... nem vos concedeu
sentidos váiidos Para estudar os escritos de poucos homens, dos nas suas teses sobre a incorruptibilidade dos corpos ce-
mas Para estudar o céu e a terra que säo obra de Deus. Cele- lestes, e tinham razão em dizer que a natureza nâo tolerava
brando os louvores de Deus e elevando urn hino ao vosso Cria- o vácuo, "dado que todas as suas experiências os haviam in-
dor, nada vos impede de aceitar que faca parte do coro tam- duzido a observar que eia o detestava e no podia suportá-
bern aquela meia dCizia de homens.47 lo". 0 fatde conhecermos a natureza "mais do que eles
conheciam" nos permite "adotar novas visöes e novas opi-
"Nos vetera instanrarnos, nova non prodirnus" "Restabe1e- niöes sem inj6ria e sem ingratidão". Por isso, 'sem
cemos coisas ant igas, no produzimos coisas novas"): a sen- contradizê-los, podemos afirmar o contrrio do que eles
tenca de Erasmo parece ter-se invertido.48 A imitatio nâo tern diziam" 51
outra justificaco a nâo ser a preguica dos homens, a sua 0 apelo aos guias e as "escoltas" caracteriza Para Gaiileu
necessidade de delegar a outros as suas capacidades racio- a mentalidade dos "historiadores' e dos "doutores de me-
nais. Como dirá Pascal em 1647, "no se podem propor im- mona" contrapostos aos "filOsofos": "Quando quiserem con-
punernente idéias novas" porque "o respeito pela Antiguida- tinuar nessa maneira de estudar, abandonem o norne de fiiO-
de chegou a tal ponto que todas as suas opiniöes sâo tomadas sofos e chamem-se ou histoniadores ou doutores de memónia,
por oráculos e ate mesmo suas obscuridades sâo considera- que não convém que aqueles que jamais filosofam usurpem o
das como rnistérios".49 Mas ate a aemulatio não tern mais honrado tftulo de fii6sofo".52 Essa contraposição da ciência a
sentido. Nâo pode estar em discusso a honra dos. antigos histOnia e comum a muitos autores. "Nâo conseguiremos
no momento em que se reconhece que näo tern sentido nunca ser fii6sofos - escreveu Descartes - se lermos todas as
"competir" corn quem procura dar expresso, numa época argumentaçöes de Platão e de Arist6teles sern sermos capa-
diferente, a exigências diferentes e mais limitadas que aque- zes de ernitir urn julgamento seguro sobre urn problema de-
las que sâo próprias do presente. termiriado: nesse caso dernonstraremos ter aprendido nào as
0 fato de que a verdade de Plato e Aristóteles fosse ciências, mas a histOria". A histOria, deuinida como "tudo o
v1ida na época nao impede que ela se mostre hoje inservfvel que foi inventado e está contido nos livros", seth contraposta
e insuficiente. A tese da superioridade dos modernos no a ciência, entendida como habilidade em resolver todas as
70 71

dificuldades e como descoberta do que pode ser descoberto H istória, geografia, j urisprudencia, teologia, segundo
pela inteligência hurnana".53 Pascal, pertencern ao ruimero das ciéncias "que dependen-i
)
Para Malebranche os historiadores parecem homens que da memória e são puramente históricas". Elas tern como
) conhecem corn perfeicão as genealogias das casas reinantes princIpio "o fato puro e simples ou a instituicao divina ou
M quatro mil anos e não sabem nada das atuais, que estu- a humana". Sobre os seus assuntos "56 aautoridade pode ilu-
dam corn cuidado as ordenaçöes do Grão-Mogol e não co- minar-nos" e delas "pode-se ter urn conhecimento total, ao
nhecem os costumes e os lugares onde vivem, que "tendem qual näo seja possIvel acrescentar nada". Outras ciências,
para as coisas raras, extraordinárias e distantes" e "ignoram como a geometria, a aritrnética, a müsica, a fisica, a medi-
as verdades mais necessárias e mais belas".54 0 rigor da geo- cina, a arquitetura, "dependem do raciocfnio" e tern por ob-
metria, a sua verdade, para Espinosa, pertencem a urn mun- jetivo "a pesquisa e a descoberta de verdades ocultas". Os
do que não está ligado a rnudança dos costumes e das insti- assuntos dessas ciencias "caem sob os sentidos e sob o racio-
tuiçöes, que não depende da aprovacão dos ouvintes ou das cfnio". Aqui "a autoridade é inütil", e so a razão pode co-
vicissitudes temporais. Aquele rigor e aquela verdade con- nhecer; aqui a mente encontra liberdade para estender as
figuram-se como urn ideal de compreensibilidade que pode suas capacidades "e suas invenc6es podem ser sem fim e sem
ser estendido a todo o saber, como sua potencial e anistórica interrupção". Trata-se, na situação presente, "de dar coragem
universalidade: àqueles tfmidos que não ousam iriventar nada em fisica e de
confundir a insolência daqueles temerarios que produzem
) Euclides, que só escreveu coisas simplicissimas e muito
novidades em teologia". Aperfeiçoamento, crescimento,
inteligiveis, é facilrnente compreendido por todos em qual-
quer lingua, e para entender seu pensamento tampouco é progressividade caracterizam so as ciéncias do segundo gru-
necessário ter pleno conhecimento da lingua em que ele es- po. Os antigos as encontraram apenas esboçadas; nós as
creveu, mas é suficiente urn conhecimento comum, quase deixaremos aos pósteros num estado mais perfeito do que
)
rudimentar; e não é necessário conhecer a vida, os estudos, os as recebemos. Sua perfeicão "depende do tempo e do traba-
costumes do autor, oem a lingua, o destinatário e a época em lho", dado que os segredos da natureza estão ocultos e que
) que escreveu, a fortuna do livro e as suas várias versöes; nem embora ela seja sempre igual, não é sempre i,gualmente
como e por deliberaçao de quem ele foi aprovado. E o que di- conhecida". A verdade "não comeca a existir quando se co-
zemos aqui de Euclides deve ser dito de todos os que escreve- mega a conhecê-la" e 6 sempre "mais antiga que todas as
ram sobre assuntospor natureza compreensfveis.55 opiniöes que dela já se teve".57
"Aduzir tantos testemunhos - escreveu Galileu - não
o progresso da filosofia pode tornar-se igual ao da geo- serve para nada porque nós jamais negamos que muitos es-
metria. 0 modelo do saber tern uma estrutura dentro da creveram ou acreditaram em tal coisa, mas dissemos sim que
qual as teorias não se substituem uma pela outra ma inte- tal coisa era falsa".58
gram-se corn base numa generalidade cada vez major: "Em
filosofia - escreve Leibniz - desapareceram as escolas, assim 11 No terreno dessa colocação dos antigos num mundo
como desapareceram em geornetria. Vemos corn efeito que que está distante da modernidade e que se configura sob
não existem euclidianos, arquimedianos ou apolonianos e muitos aspectos como arcaico, adquire urn novo sentido a
que Arquimedes e Apolônio não se propuseram subverter tese (já presente numa antiga tradicao) da AntigUidade como
os princIpios de seus predecessores mas faze-los progredir juventude do mundo e da superioridade dos modernos. Os
(les augmenter)".56 textos da Battle of the Books e da Querelle foram longamen.te
72 73

estudados59 e nao é o caso de i-ms determos sobre des. Bacon o lento acumular-se da experiência é a fontee a ga-
) havia retomado a tese da AntigQidade como juventude do rantia do progresso do gênero humano. Corn base nurna
mundo e da época presente como a maturidade e a veihice nova imagem da ciêricia como construco progressiva -
que tern maiores conhecirnentos e mais amplas capacida- uma realidade nunca finita rnas cada vez mais perfectfvel
des de julgarnento. Quase corn as mesmas palavras, Descar- - foi formando-se também urn modo novo de considerar a
tes afirmar que "no hi razo para venerar os antigos por história humana. Esta podia agora aparecer como o resul-
causa da sua AntigUidade porque, do contralrio, nós moder- tado do esforco de muitas geracöes, cada uma delas utili-
nos podemos ser chamados de mais antigos que eles. Agora zando os trabaihos das gerac6es anteriores, como o lento
de fato o mundo 6 mais antigo do que era então e nós mo- acumular-se de experiências sucessivamente perfectfveis:
demos ternos uma major experiência das coisas".60 Dizern
Os primeiros conhecimentos que os antigos nos deram
que é preciso respeitar a AntigUidade, rebate Mersenne:
serviram de degraus para chegarmos ate as OOSSOS, e justamen-
Aristóteles, Plato, Epicuro, esses grandes homens por acaso
te por isso somos seus devedores da superioridade que ternos
se enganaram? sobre des, porque, tendo subido ate aquele degrau a que nos
)
levaram, basta urn pequeno esforço para subir mais alto
E no se considera que Aristóteles, Platão, Epicuro cram
homens como nós, da mesma espécie que nós e, mais ainda, que Aqueles que chamamos antigos na verdade cram novos em
o mundo na época em que vivemos é dois mil anos mais veiho tudo e formavam propriamente a infncia do gnero humano
e tern mais experiéncia; no se considera que é a veihice do e assim como n6s acrescentamos as suas consciências a expe-
mundo e da experiência que nos permite descobrir a verdade.6 ' riência dos séculos que os seguiram, é em nós que se pode
encontrar aquela Antiguidade que louvamos nos outros.

Na história do mundo, escreve Cornênio, O nosso panorama é mais vasto que o dos nossos pais, jal
que nossa experiência leva em conta a experiência deles:
acontece necessariarnente o mesmo que corn o individuo em
particular; isto é, a sabedoria so chega na tarda idade: par
No só todo hornem progride dia ap6s dia nas ci&icias,
natureza nao pode ser de outra maneira. A sabedoria se ad-
mas todos os homens juntos executam nelas urn continuo
quire de fato através da experiência de muitas coisas, ela re-
progresso a rnedida que o universo enveihece, porque na su-
quer tempo e multiplicidade de ocasiöes, pelo que quanta mais
cesso dos homens acontece a mesma coisa que nas diversas
tempo se vive tantas mais coisas Se fazem: e a relacão ass(dua
idades de urn indivIduo. Dc modo que toda a série dos ho-
corn as coisas aumenta a experiência, e a experiência, a sapiên-
mens, no curso de tantos séculos, deve ser considerada como
cia ... Ento nós, na época presente, corn a ajuda de tantos cx-
urn hornem que sempre existiu e aprendeu continuamente.64
perimentos que nenhuma época anterior pôde conhecer, será
que no sabemos muito mais? 62 Nesse texto, que remonta a 1647 e perrnaneceu ignora-
do dos seus contemporâneos, Pascal deu formulação orgâ-
Em Nalpoles, no ambiente dos "inovadores", que se re- nica a concepco da história coma progresso. Em 1688, na
portam a Bacon e a Descartes, escreveral Leonardo de Capua: Digression stir les anciens et les modernes, Fontenelle estendia a
"Assim, nós que nascemos no veiho mundo é que devemos Querelle a metalfora presente em Pascal:
realmente ser chamados de veihos e antigos, e não aqueles
que nascerarn no mundo irifante e jovem e que, por experi- A cornparaço que institufmos anteriormente entre to-
&lcia, conheceram menos do que dos as séculos e urn homem particular pode ser estendida a
74 75

toda a nossa questão sobre os àntigos e os modernos. Urn bont da hist6ria e na qual é possivel abeberar-se como numa
espfrito erudito é, por assim dizër, composto par todos os es- inexaurfvel fonte de verdade.
pIritos dos séculos anteriores, nada mais é que urn mesrno Após os estudos de Walter Pagel e de Eugenio Garin
esperito que se iristruiu em todas essas 6pocas.65
sobre a magia renascentista, as de Frances A. Yates sobre a
Pascal e Fontenelle, como Comênio e Leibniz, insistirarn tradicão hermética, após as contribuicoes de D. P. Walker
sobre urn tema de importância central: o sujeito sobre a magia espiritual e demoriraca e sobre aprisca theologia,
cognoscitivo não é o indivfduo isolado, mas a humanidade de Allen Debus sobre as paracelsistas ingleses e de Harry
inteira que progride no tempo. A humanidade, não esse ou Levin sobre o mito da idade do aura na cultura do
aquele hornem, tornou-se o protagonista efetivo do proces- Renascimento,66 é possivel hoje - ao contrário do que ocor-
so da história. na nos anos em que escreviam Bury e Foster Jones - tracar
as linhas centrais de uma tradição que parte de Ficino e de
Pico, é retomada e desenvolvida por Agrippa, Della Porta e
12 A imagem do saber como crescimento e acumulaçâo
Francesco Giorgio, acoihida pot Giovanni Triternio,
atravessa toda a cultura européia: desde a época de Bodin,
Giordano Bruno e John Dee e par firn reafirmada - em plc-
que acredita na existência de bruxas, ate a de Diderot, em-
no sCculo XVII— par Tommaso Campanella, Robert Fludd,
penhado em lutar contra as superstiçôes em nome de uma Athanasius Kircher, Henry More e Ralph Cudworth.
visão materialista do mundo. Creio que essa imagem não
pode set entendida no seu valor e significado quando sim-
13 Dentro da secular tradicão do hermetismo e daprisca
plesmente contraposta a doutrina humanfstica (e mais tar-
theologia, a tema "olhar para a passado" - como esclareceu
de jesuftica) da "superioridade dos antigos" como modelos
Yates constitui urn motivo central: "A histónia do homem
inatingfveis de humanidade e de cultura. Tanto a obra cls- não se apresentava coma uma evolução das prirnitivas ori-
sica de R. Foster Jones sobre Ancients and Moderns quanto a
gens animals para formas cada vez mais complexas e adian-
History of the Idea of Progress de John Bury carninharn nesse
tadas: a passado era sempre rnelhor que a presente e pro-
terreno e avançam corn base nessa contraposição. Essa in- gresso significava retorno, renascimento da civilização" .'
terpretação, ainda hoje predominante, nasceu no interior de De uma mftica idade do ouro passa-se sempre para sucessi-
uma historiografia que tendia a subestimar a incidência
vas idades do bronze e do ferro. A husca da verdade e a ca-
exercida pelaprisca theologia e pela tradição rnágico-hermé-
minho da salvacão cansistem na procura daquele remoto
tica sobre a cultura européia. Desse ponto de vista, ela me-
ouro que está sepultado pelo tempo. Recuperar a sentido
rece ser posta em discussão.
genufno do Texto Sagrado quer dizer recuperar a verdade,
A tese da Antiguidade como infncia do mundo e a dou- procurar urn tesouro sabre o qual se depositaram as
trina do proresso, no pensamento moderno, foram seásso- incrustacöes do tempo: as partidnios do hermetismo viram
ciando de maneira cada vez mais estreita a urna visão da numa série de textos (considerados antiqUfssimos) a expres-
história que se reporta a Lucrécio e a Diodoro de Sicflia, que são de uma oniginária sacralidade.
afirma a existncia de origens bárbaras e rCisticas do gênero Ate as humanistas olham para a passado: ler Cfcero,
humano, que insiste sobre a lento e trabalhoso emergir do Ovfdio, VirgIlio significa retornar a uma civilização que a
homem de uma bestialidade inicial. Aquela tese e essa vi- humanista considera superior àquela em que lhe tocoupor
são se afirmam em contraposição a tese de uma originária e sorte viver e que constitui oinatingfvel modelo de toda for-
insuperável sapiência que está encerrada e oculta nas origens ma de convivncia humana. Mas ao contrário do maga, do
76 77

adepto da tradiço hermética, do cultor daprisca theologia, o O mago do Renascimento podia agir - como no aso de
humanista faz referenda a urn mundo histórico preciso que é Ficino e de Pico - no ârnbito de uma tentativa de integração
colocável no tempo, do qual se pode estudar - corn o refina- do neoplatonismo corn o cristianismo, ou então - como no
do instrurnento da filologia -a fisionomia inconfundfvel, corn caso de Agrippa e de Bruno - podia buscar urn contato corn
o qual e possIvel confrontar-se numa espécie de competição. a divindade que não passava pelas vias da religião tradicio-
)
Os escritores herméticos, porm, aceitam as teses defen- nal e se apresentava como a fmpia tentativa de apoderar-se
didas por Latnzio, por Clemente de Alexandria e por da potencia criativa de Deus: em cada caso reportava-se aos
Eusébio na polêrnica contra a filosofia dos pagos e colocarn docurnentos preciosos e misteriosos de uma altIssima e ma-
os Herrnetica, os Hinos o'rficos, os Oracula sybillina, os Carmina tingivel sapiéncia recuperável das trevas do passado.
aurea (todos eles textos compostos na época helenistica en- Não obstante os rnuitos perigos que apresentava do ponto
tre o II e o Ill século d. C.) numa indistinta, remotfssima de vista da ortodoxia, a prisca theologia representou para
AntigUidade corn caracterfsticas totalmente indeterminadas muitos - numa época que conheceu nao poucas revoluçöes
e que é pouco anterior ou pouco posterior ao diliivio uni- - uma unbroken view of history. A referência àquele passado
versal. Os partidários do hermetismo atribuem esses escri- era algo que "incluIa e conectava, sem ruptura, o mundo
tos a Hermes Trismegisto, a Orfeu, a Pitágoras; corisideram judaico e o cristão, a Grécia e Roma, a antiga Galia e a Franca
que tais escritos contêm os vestfgios da verdadeira religio: medieval". Mediante a prisca theologia "procurava-se preser-
O monotefsmo, a criaço ex nihilo, a trindade, a doutrina da var aquela continuidade da história que a prdpria revelação
irnortalidade da alma; vêem em Moisés o fundador daprisca cristã tinha ameaçado romper".69 Essa visão da história -
theologia e em Hermes, urn contempothneo de Moisés; re- como mostrou Charles B. Schmitt - conjugava a ciêricia
montam mais atrás no tempo: ate Noé, ate os patriarcas hebreu-cristã, grega e barbara. Ela respondia a urn dos pro-
antediluvianos, ate Ado.68 blemas centrals da cultura do Renascimento e aparecerá
Da chamada tradico hermética era possivel fazer - como ainda plenamente operante na History of the World de Walter
de fato se fizeram - usos muito diferentes. Era possivel ser- Raleigh, nas obras de Robert Boyle, de Theophilus Gale,
vir-se dela, como depois fizeram Ficino, Pico e inimeros ou- de Isaac Newton.70
tros autores, para transformar todos os filósofos pagâos em A tendência a colher a unidade que - no fundo - está
precursores e profetas do cristianismo, podendo-se também, sub jacente as diferenças, a conciliação das distinçoes numa
como lath Bruno e mais tarde John Toland, afirmar a prece- unidade mais ampla, a pacificação final no Um-Todo: essas
dência de Hermes em relacão a Moisés e chegar a defender são algumas entre as caracterfsticas fundamentals (tantas
a Impia tese (contra a qual polemizará energicamente vezes sublinhadas) da visão mágico-renascentista do mun-
Giambattista Vico) de uma civilizacão hebraica rude e bar- do.- Cada ôbjeto do mundo e repleto de simpatias ocultas
bara, que e devedora ao antiqufssimo Egito de todosos va- que o ligam ao Todo: a matéria está impregnada de divino;
lores positivos presentes na sua história. A história da tra- as estrelas são viventes animais divirios; o mundo é a ima-
dicão hermética esta de qualquer modo indissoluvelmente gem de Deus; o homern é a imagem do mundo.O mago é
ligada a da astrologia, da magia, da aiquirnia, solidamente ii- aquele que sabe penetrar dentro dessa realidade infinita-
gada as doutrinas relativas aos talismãs, ao valor terapeutico mente complexa, dentro desse sistema de caixinhas chi-
da mcisica, as tesesconcernentes a desaparecida AntigUida- nesas. Ele conhece as correntes de influências que descem
de dos primeiros habitantes das nacöes individuals: desde do alto e sabe construir - mediante invocaçôes, ntImeros,
os druidas ate os itálicos. imagens, nomes, sons, talismãs - uma cadeia ininterrupta
78 79

de anéis ascendentes.7' 0 amoré a nodus e a copula que sol- simbólica, HipOcrates do Caos, todos eles estão na realidade
da indissoluvelmente as partes do mundo uma a outra: falando da Escu,idio e do Escuro abismo de Mois6s".73
)
Todas a partes do mundo, que são obra de urn cinico Ar- 14 Para perceber as elementos de novidade que estão
tIfice, são mernbros de uma mesma máquina, semelbantes presentes nas idéias sobre a progresso que operam na cultu-
entre Si no ser e no viver e ligadas urna a outra por uma espé- ra do século XVII, creio que seja oportuno sublinhar corn
cie de recIproca caridade ... As partes do mundo, ou mem-
forca dais motivos que se colocam como alternativa a ima-
bros de urn (mica animal, todas dependentes de urn so Au-
gem do saber que é prOpria da tradição hermética e que
tor, são reciprocamente unidas pela comunhão de uma sO
natureza.72 operam conjuntamente naquela cultura. Trata-se: 1. dare-
cusa do caráter secreto e iniciático da ciência; 2. do abando-
) no do mito de uma itirea e originária sapiéncia perdida nas
Ao mundo, entendido pelo mago como unidade e conti- trevas do passado.
nuidade, a imagern mágica do mundo como uma grande A primeira dessas duas recusas é realizada em name de
cadeia, parece corresponder, na visão hermOtica, uma visão urn ideal "laico" e "democrático" do saber. A segunda é rea-
da hjstOrja como realidade unitria e continua. A unidade e lizada em name de uma idéia da histOria coma evolucao, coma
a continuidade da história fincarn raizes num passado que, lenta e gradual passagem da rusticidade de uma primitiva
pelo próprio fato de set remoto, encerra em seu interior uma barbárie Para as "ordens civis" e a vida social. Historicidade e
originria santidade e uma imaculada pureza. Esse temporalidade parecem categorias essenciais tanto Para a
remotissimo passado é ao mesmo tempo garantia da unida- interpretacão do mundo humano coma Para a compreensão
de e da continuidade da vivência humana. Constitui urn do mundo natural.
motivo de sOlida certeza no eterno fluir do tempo. E urn Os pargrafos seguintes são dedicados a tratar brevemen-
habitáculo de inatingfvel sapiência a qual podem reportar- te desses dais motivos. Aqui também uma adverténcia: a
se e a qual podem continuamente recorrer as personalida- histOria das idéias é obviamente mais cornplicada que os
des excepcionais que, pot causa do seu poder mágico, erner- esquemas usados para procurar nela linhas de tendência. Em
gem do povo. Recorrendo a essa fonte, a alma pode de certo muitos expoentes da nova ciéncia - desde Kieper ate
modo romper as cadeias que a mantém ligada ao mundo Newton e outros - são facilmente identificáveis temas e
)
material e operar o diffcil processo da regeneracão. motivos caracterIsticos da tradicâo hermética. Em muitos
Desse ponto de vista - que é o ponto de vista da nature- teOricos da his tOria coma passagem dos "tempos rudes" Para
za como urn Todo Unitárjo e da his tória humana coma uma a civilizacão - desde Bodin ate Rousseau e outros - são
) Totalidade Unitária - Os sbios continuaram sempre a afir- identificveis as referéncias a imagem de urn retorno e apa-
mar, no curso dos milénios, aquelas mesmas verdadés eter- rece fortemente operante o esquema judaico-cristão do pe-
nas que a poucos foi concedido alcancar. A verdade não emer- cado, da expiação, da redenção.74
ge da história e do tempo: é a perene revelacão de urn logos Desses dais pontos de vista a figura de Francis Bacon
eterno. A história é urn tecido apenas aparentemente varia- pode, mais uma vez, parecer caracterIstica: a sua teoria das
do: nela está presente uma ilnica e imutável sapientia. A di- formas - que opera corn vistas a uma tradução dos fenôme-
versidade das formas em. que ela se manifesta é apenas apa- nos em termos de modelos mecânicos - não é fortemente
rente: "Quando AristOteles fala da primeira matéria, Plato condicionada pela tradicão alquimista? A prOpria Instauratio
de Hyle, Hermes da Umbra horrenda, Pitágoras da Unidade nao se configura também coma a tentativa de reconquistar
aquilo que o pecado original tirou do gênero humano? A receptáculo de uma realidade que transcende o plannem que
revoluço, da qual ele se sente o arauto, riâo é também apre- ele existe. Por isso, o qulmico que examina hoje as obras
sentada como a reaIizaço de uma mensagem mais antiga? aiquimistas "experimenta a mesma impressão que experi-
mentaria urn pedreiro que quisesse extrair informaçoes prá-
15 A distinço, que tern origens gnósticas e averroIstas, ticas para o seu trabaiho de urn texto da maçonaria".79 Os
entre dois tipos de humanidade - a multido dos simples e iniciados, justamente porque compreendem os segredos da
dos ignorantes e Os POUCOS eleitos que esto ern condiçöes Arte, "verificam corn isso a sua pertenca ao grupo dos ilu-
de coiher a verdade oculta sob a letra e os sImbolos e que minados". Todos os cultores da Arte, escreve Bono de Fer-
so iniciados nos sagrados mistérios - está solidamente ii-. rara, "se entendem mutuamente como se falassern uma ünica
gada a visão do mundo e da história que foi própria do lfngua que é incompreensIvel a todos os outros e que só é
hermetismo.75 Tat distinço marcaprofundamente a lingua- conhecida deles pr6prios". 0 conhecimento, afirma Thomas
gem da alquimia e da magia. Como já foi justamente escri- Vaughan na Magia adamica, é feito de visöes e de revelacôes:
to, o uso contInuo de trocas semânticas, de técnicas de tipo através da divina iluminaco o homern pode chegar a uma
analógico confere a esse tipo de tratamento "urn andamen- total cornpreensão do universo.80
to retórico e simb6lico-religioso em que a relaço entre ex- A magia cerimonial, notará Bacon, opöe-se ao manda-
periência e linguagem, entre dados empiricamente consta- mento divino segundo o qual o po será ganho corn o suor
tados e sua descriço e comunicaco, se apresenta ambfgua do rosto e "propöe-se atingir corn escassas, fáceis e pouco
e alusiva".76 Obscuridade e alusividade ou falta de rigor nas- trabaihosas observâncias aqueles nobres efeitos que Deus
cern no terreno do caráter inicitico-religioso desses textos: impôs ao hornern que conquistasse ao preco do seu trabaiho".
As invençöes, escreverá ainda, "sao cultivadas por poucos,
Nenhurn dos antigos jamais pode alcançar o sentido di- em absoluto e quase religioso silêncio".8' Sobre o caráter "sa-
vino desta arte mediante o seu engenho natural: nem segun- cerdotal" do saber mágico, sobre a mistura de ciência e re-
do a razäo natural apenas, nem segundo a experiência, por- ligião que é a caracteristica fundamental da tradico her-
que ele - a semelhança de urn rnistério divino - está acirna da
mética, insistiro todos os crIticos e opositores da magia.
razào e acima da experi8ncia.77
A distinção entre homo animalis e homo spiritualis, a sepa-
-raco entre-os simples eos erudi-tosse-converte-na-iden-tifi-
Para alérn das conexôes razão-experiéncia (obviarnente caço dos objetivos do saber corn a salvação e a perfeico
presentes também nas pesquisas alqufmicas) abre-se urn individual. A ciência coincide corn a purificaco da alma e
terreno que transcende a ambas e que no é marginal mas é urn meio para escapar ao destino terreno. 0 conhecimento
constitutivo daquele univèrso de discurso: o lapis, funda- intuitivo e superior ao racional: a inteligncia oculta das coisas
mental nas transrnutaçöes, é urn principio divino e éobje- identifica-se corn a libertaco do mal:
to de iluminaco. Qualquer nome the convém e qualquér
predicaço é incapaz de determinar seu significado.78 Somente para vos, fithos da doutrina e da sapiéncia, es-
Como notava F. S. Taylor, a referncia a urn "elemento" crevemos esta obra. Perscrutai o Iivro, recolhei o saber que
não implica quase nunca, nos textos da aiquirnia, uma des- dispersamos em vários lugares. Aquilo que ocultamos num
criço das suas caracterIsticas reais. Os aiquimistas no fa- lugar nós o manifestamos era outro ... Escrevernos somente
lam do ouro concreto e do enxofre concreto. Jarnais o obje- para vós, que tendes o espirito puro, cuja mente é casta e
to 6 simplesmente dc mesmo; 6 tarnbérn signo de outro, pudica, cuja fé ilibada teme e reverencia a Deus ... Somente
82 83

vós encontrareis a doutrina que so a vOs reservamos. Os das ostentaçöes e os subterMgios da obscuridade"atravessa
arcanos, velados por muitos enigmas, não podem tornar-se a obra dos artesãos superiores, dos filOsofos e dos cientistas.86
transparentes sem a inteligência oculta. Se conseguirdes essa Os alquimistas, disse Giorgio Agricola, não chamam as
inteligência, então toda a ciência mágica penetrará em vOs e coisas pelos prOprios nomes e vocábulos, mas pot nomes
em v6s Se manifestarão aue1as virtudes já adcjuiridas por estranhos, tirados de suas cabecas". Os aiquimistas, dirá
Hermes, Zoroastro, Apolônio e pelos outros operadores de Galileu, "guiados pelo humor melanc6lico", pattern do
coisas maravilhosas.82
pressuposto de que todas as mais elevadas inteligências
do mundo escreveram sobre o modo de fazer ouro esfor-
A verdade se transmite pelo contato pessoal mediante "os
çando-se "para dizê-lo sem revelá-lo ao pCiblico". Pot isso,
cochichos das tradicöes e os discursos orais".83 A comunica-
"foram inventando essa e aquela maneira de escondê-lo sob
ção direta entre mestre e discipulo torna-se o instrumento
vrias coberturas" 87
privilegiadodacomunicação: "Não sei se alguém, sern urn
seguro e experiente mestre, pode compreender o senti- Por que os adeptos da aiquimia, pergunta Mersenne, não
do somente mediante a leitura dos livros ... Essas coisas se dispuseram a estudar os resultados das suas descobertas
não são confiadas as cartas nem escritas corn a pena, mas "sem mais mistérios nem arcanos"? A avaliaçao positiva da
são infundidas de espIrito para espfrito mediante palavras coragem intelectual manifestada por Galileu nas suas des-
cobertas astronômicas, Bacon associou o elogio da sua ho-
sagradas".84
nestidade intelectual: "honestamente e de modo perspIcuo
16 A tomada de posicão - por parte dos expoentes da homens de tal espécie deram conta do modo comp para eles
nova ciência - em favor do rigor lingufstico e do caráter nâo resulta cada ponto particular da sua pesquisa".88Aqueles que
alusivo da terminologia forma urna sO coisa corn a recusa de se perdern seguindo vias extraordinrias, escreveth Descar-
qualquer distincão de princIpio entre os simples e os cul- tes, são menos desculpáveis que aqueles que erram em corn-
tos: as teorias são integralmente comunicáveis e Os experi- panhia de outros. Nas "trevas da vida", dirá Leibniz, é ne-
mentos continuamente repetiveis. cessário caminhar juntos porque o método da ciência é mais
importante que a genialidade dos individuos e porque o fim
Não introduzimos nesta obra - escreve Gilbert no De da filosofia não 6 meihoramento do prOprio iritelecto, mas
Magnete - nem as graças da retOrica nem os ornamentos vet- a de todos oshothens".89 Ao ideal do advancement oflearning,
)
bais. Procuramos apenas tratar dos problemas complicados e de urn aumento do saber e de sua difusão reportam-se, de
sobre os quais pouco se sabe, num estilo e numa terminolo- maneiras diferentes, Leibniz, Hartlib e Comênio. '0 ardor
gia que tornem claramente inteligIvel aquilo que é dito. das pessoas em abrir escolas" parecia ao autor da Pansophiae
Empregamos as vezes palavras novas e nunca usadas. Mas não, prodromus algo que caracterizava Os flOVOS tempos. Para
como fazem os aiquimistas, para ocultar as coisas mediante a Comênio, deriva daquele ardor
terminologia tornando-as nebulosas e obscuras, e sirn para que
as coisas ocultas e que não tern norne resultem plena e clara-
mente compreensfveis.8' a grande multiplicação de livros em todas as linguas e em toda
nação a firn de que tambérn as criancas e as muiheres adqui-
ram familiaridade corn eles'... Agora finalmente emerge o
Boyle tambm, no TheSeptical Chymist, tomaráposicâo con- esforco coristante de alguns para elevar o método de estudos
tra o modo 'obscuro, ambfguo e quase enigmático" corn 0 quai a urn grau tal de perfeição que qualquer coisa digna de set
se exprimem os aiquimistas. A polêmica contra "as fanfarras conhecida possa set facilmente instilada nas mentes. Se esse
84 85

esforço tiver sucesso (como espero) encoritrar-se-á o carninho There was a time, before the times of story
procurado par.a ensinar rapidamènte tudo a todos.90 When Nature reign'd instead of Laws or A rts
And mortal gods, with men made up the glory
Of one Republic by united hearts. 92
17 A bataiha em favor de urn saber universal, compre-
ensfvel a todos porque por todos comunicávei e por todos (Houve urn tempo, antes dos tempos da histOria
construtvel, j no curso do s&ulo XVII estava destinada a Em que reinava a Natureza em vez das Leis ou das Artes
passar do piano das idéias e dos projetos dos intelectuais para E deuses mortais, ao lado dos homens, corn os coracöes
o das instituiçôes civis. Contra "o espirito de seita" e contra unidos
as "vãs afetacöes" voltava-se a obra daqueles que contribul- Construfram a glOria de uma so Repüblica.)
ram para efetuar a passagem do estudo da filosofia natural do
piano privado para o piano püblico, e que ievaram as idiasa o rnito da idade do ouro e de uma originária bondade e
incorporar-se nas instituiçöes e a operar dentro delas: unidade dos homens, como se sabe, tinha rafzes antigas e
estava destinado a prolongar-se no tempo. Por isso, deve-se
destacar a importncia da recusa desse mito nos autores aos
No que concerne aos membros que devem coristituir a
Sociedade, é de notar que são iivremente admitidos homens cjuais habitualmente se reserva urn lugar nao secundário na
de diferentes religiôes, paises e profissôes ... Eles prometem história da idéia de progresso.
abertamente não preparar a fundacao de uma filosofia ingle- Nos famosos séculos de ouro e de prata - escrevia Bodin
sa, escocesa, iriandesa, papista ou protestante, mas a de uma em 1566—os homens viviam dispersos pelos campos e pelos
filosofia do gênero humano .. Procuraram colocar sua obra bosques, semeihantes a bestas selvagens, e possufam apenas
numa condição de perpétuo crescimento, estabelecendo uma aquilo que podiam conservar mediante a força e o crime. Foi
inviolável correspondência entre a mao e a mente. Procura- preciso muito tempo para conduzi-ios pouco a pouco dessa
ram fazer disso a empresa não de uma temporada ou de urna vida barbara e selvagem para costumes civis, para uma socie-
afortunada ocasião, mas aigo de sólido, durvel, popular, dade regulada e para a presente humanidade de costumes.93
ininterrupto. Procuraram iibeth-la dos artifIcios, dos humo-
res, das paixôes das seitas, transformá-la nurn instrumento
mediante o qual a humanidade possa obter o dommnio sobre Na chamada idade do ouro - afirmará Bruno - os homens
as coisas e não s6 sobre Os JU(ZOS dos homens. Procuraram enfim viviam em estado bestial, não cram nern mais virtuosos nem
efetuar essa reforma da filosofia não mediante solenidades de mais inteligentes do que sào hoje os animais, mas uma vez
leis du ostentaçôes de cerimônias, mas mediante uma sólida "nascidas as dificuldades, surgidas as necessidades, aguca-
prática e mediante exemplos, não por uma gloriosa pompa ram-se os engenhos, inventaram-se as indüstrias, desco-
de paiavras, mas por meio dos silenciosos, efetivos e irrefutveis briram-se as artes; e cada vez mais, dia apOs dia, por meio
argumentos das producoes reais .91 -
da superioridade, da profundidade do intelecto.humano,
estimuiam-se novas e maraviihosas invencôes". E Gabriel
Harvey em 1580:
18 Em uns poucos versos, que se tornaram justarnente
famosos, Fulke Greville deu expressão a convicção de uma Pensam que a primeira idade foi uma idade aurea. As
época feliz em que reinava a Natureza em vez da Arte e coisas não são assim. Bodin afirma que a idade do ouro está
durante a qual os coracöes dos homens cram unidos e todas florescendo agora e que os nossos remotos ancestrais avan-
as sociedades formavam uma so sociedade: çaram corn dificuldade no curso das idades do bronze e do
ferro, nos in(cios, quando tudo era rudimeutar e imperfeito em tido dc vive, não tern outra maneira para erguer-se, da misé-
confronto corn o reflnamento dos tempos em que vivemos.91 cia e da escravidão a não ser aquele pouco conhecirnento que
O acaso e as obscuros princpios da sua razào possam fornecer-

No Dc sapientia veterum de Francis Bacon - urn texto ihe. Se examinarmos o modo como os homens se uniarn nas
longamente meditado por Vico - falava-se de "tempos ru- sociedades prirnitivas, e se ajudavam uns aos outros por meio
des" nos quais o espirito dos homens era 'incapaz de sutile- de teritativas comuns e observaçôes, vemos que se aproximam
tanto mais das sociedades civis quanto mais puderam reco-
za exceto em relacão ao que cala sob os sentidos". Naqueles
iher experiências e alcançar urn conhecimerito meihor da vida
tempos rernotos at6 mesmo as concluses da razão, que hoje
Aqueles homens, que não possufam conhecirnento algum
parecern óbvias e cornuns, pareciam novas e insólitas e "tudo e que provavelrnente a teriam desprezado se flies fosse ofere-
era cheio de enigmas, parábolas e similitudes". Os textos cido em toda a sua magnificência, na realidade viviam e pro-
de Hobbes sobre a ausência de iridüstria, de navegacão, de grediam para a civilizacão justamente graças a ele.95
artes, de edificios e de máquinas nos primeiros tempos da
história, suas afirmacoes sobre o conttnuo temor em que 19 De certo modo, é possfvel tocar esses temas corn as
viviam então os homens, sobre a vida humana que era en- próprias mãos trabalhando na história da geologia cu na
tao "pobre, l(irida, brutal e curta", são por demais conheci- história das discussöes seiscentistas e seteceritistas relativas
dos para que vaiha a pena recordá-Ios aqui. Mas deve sec su- ao problema da origern da linguagem. Nesse terreno nasce
blinhado corn vigor que, dentro desse tipo de perspectiva, de fato a recusa de uma lingua natural enfiada por Deus na
no interior desse quadro "lucreciano" da primeira história mente de Adão. Sobre o fundo dessa imagem da história,
do mundo, o tempo se configura como urn elemento essen- nasce a insistência sobre o aprendizado gradual da lingua-
)
cial ao alcance da verdade e dos valores. Os valores e a ver- gem e da escrita, que progridem paralelamente no progres-
dade - assim como a uso da razão, a linguagem, a sociedade so do conhecimento e das artes; nesse terreno nasce a tese
- não pertencem a natureza do homem que foi jogado na da precedência da fala inarticulada sobre a articulada e de
terra numa condicao miseranda: são conquistas perseguidas uma escrita primitiva (feita de imagens e de hieróglifos)
e alcançadas no curso do tempo, que resultam de uma série sobre a escrita alfabética.
de tentativas, da repeticão das observaces, da acumulação A linguagem não é anterior a sociedade e a história, e
das experincias. Dirigindo-se ao Parlamento em 1619 corn homem não aprendeu a falar no paraiso terrestre. Aceitar
vistas a uma reforma da universidade, John Hall escrevia: que o hebreu pudesse não sec a res!duo (mais ou menos al-
terado) do originrio patrimônio lingufstico transmitidb por
Quando consideramos a vida do homem, e o vemos na Deus ao primeiro homem significava abrir carninho para as
nua condicao em que a natureza o jOgou na terra, por acaso
disputas sobre a cathter "originrio" desta ou daquela lin-
não o achamos uma criatura misera e irnpotente? Ainda mais
gua. Corn a possibilidade de ter de reconhecer ao povo que a
misera que as criaturas brutas que pos.suem cio.máximo o uso
de uma razão débil e embaçada que seria melhor chamar sen- falava .uma major AntigUidade em relacao ao povo hebreu.
tido, mas não sabem julgar sua própria condição, e por isso 0 problema da AntigUidade das naçes pagãs - que foi
falta-Ihes o elemento fundamental da miséria, isto é, a cons- exaustivamerite discutido par mais de três séculos, dan-
ciência dela. 0 homern porém é traido pela sua razão que nao do lugar a uma interminável literatura - estava, par sua
pode sec totalmente anulada nele ... Ela o leva a dar-se conta vez, estreitamente ligado ao das migraçöes dos povos, a
de seus sofrimentos e a formular vagos e indistintos desejos reflexão sobre as selvagens americanos, as discussöes so-
de algo meihor ... Na condiçao animal na qual em certo sen- bre a prisca theologia e sobre a sapiência dos egfpcios e dos
88

chineses. 0 problema da história dos povos mais antigos nào que existem diversas espécies de ariimais e de plantaspeculia-
era separável daquele relativo aos seus mitos, as "Mbulas" res a determinado lugar e que nio podem ser encontradas em
) outra regio. Se urn desses lugares foi erigolido pela terra não
dentro das quais estava encerrada a narração de sua história
é improváyel que aqueles animais e aquelas plantas tenham
mais remota.
sido destrufdos corn ele ... Essa é talvez a razão pela qual po-
Entre esses mitos, o do diliivio estava particularmente
demos hoje encontrar nas rochas os esqueletos de diversos
em condicöes de propor perguntas inquietantes sobre a peixes petrificados.98
universalidade do relato bfblico. No curso do século XVII,
a afirmaço de uma catástrofe natural que está nas origens Escreve Leibniz em 1693:
da história tinha formado uma s6 coisa corn o problema
da formaco da Terra, das modificacöes que o tempo in- Tenho nas mãos fragmentos de rocha nos quais estão es-
troduziu sobre sua superfIcie. A viso tradicional da na- culpidos bagres, dourados, carpas. Hi pouco tempo foi reti-
tureza - aquela que esth presente nos escritos de John Ray rado de uma pedreira urn enorme lücio que tinha o corpo
) e que seth acoihida dentro da escola newtoniana - baseava- dobrado e a boca aberta como Se, surpreendido ainda vivo,
se na conviccào de uma estabilidade fundamental das es- tivesse enrijecido contra a gorgônea forca petrificante ... A esse
truturas naturais. Estrelas, rochedos, montanhas, grutas, propósito, muitos Se refugiam na idCia dos lusus naturae, mas
tudo indica uma causa muito mais manifesta e constante dos
mares, espécies viventes parecem realidades "criadas por
jogos do acaso ou de não sei que idéia seminal, que são apenas
Deus no princfpio do mundo e por Ele conservadas ate o
termos vaos inventados pelos fil6sofos.99
dia de hoje no mesmo estado e condico em que foram
postas na existência".96
Acaso e mudanca assumern urn papel subordinado na Leibniz preferia recorrer a causas naturais, comparava as
estrutura do mundo: o movimento dos planetas, as varia- obras da natureza as do homem, servia-se das segundas para
çöes biologicas, o crescimento dos individuos, as mutacöes construir urn modelo compreensIvel das primeiras. Fazia
não devem àlterar o admirável desIgnio que est6 sub jacente referenda a técnica empregada pelos ourives para reprodu-
as eternas estruturas do universo. A suposicão de que algu- zir, pelo moide de bichinhos recérn-mortos, suas imagens
mas espécies se extinguiram, na perspectiva assumida por em ouro ou em prata. Estava vivo nele sobretudo o sentido
Ray, e uma hipótese no admitida pelos filósofos "dado que dos longos processos temporais que tinham ocorrido no
eles consideram que a destruiço de uma espécie é uma passado da natureza e a vontade de interpretar os fósseis
mutiiacão do universo que o torna imperfeito, enquanto como "documentos" desse passado que sobreviviam sob a
julgam que a Divina Providência tende sobretudo a conser- superficie terrestre: "Conhecemos apenas a superfIcie do gb-
var e a tornar estáveis as obras da criacão".97 bo e só podemos penetrar alguns poucos metros debaixo
Os discursos sobre o nascimento e a formação da Terra, dela, mas o que encontramos nessa casca (cette écoce du Globe)
sobre os fósseis, sobre a presenca no passado de espécies ex- parece o efeito de grandes abalos passados"J°°
tintas, colocavam-se freqLientemente em radical antitese
corn essas perspectivas: 20 A história natural passava lentamente, mas segundo
urn processo nibo mais refreável, do piano de uma história
como descricao e ciassificaçibo de estruturas imutáveis para
Diversas espécies de coisas - escreve Robert Hooke -
o de uma história que sublinha a funçibo das mudancas e do
podem ter sido inteiramente destruldas e aniquiladas e mui-
tempo na vida da natureza Fosseis, rochas, grutas, monta.
tas outras podem ter sido mudadas e variadas. Vemos de fato
U
90 91

nhas tornam-se documentos da história da terra. As mon- savarn a história, as visöes do mundo, as teorias sobre a lin-
tanhas so comparadas aos templos dos antigos. Elas "de- guagern, a teologia. Como conciliar a imagem de uma len-
) monstram a grandeza da natureza do mesmo modo que os ta formaço da Terra corn o resumo da criaco? Que relaçao
templos e os anfiteatros rornanos demonstram a grandeza deve ser posta entre o mito de urn perfeito Adão, gerado
daquele povo".'°' Como Burnet, Leibniz tarnbrn falava da pela divina sapiência, e a concepção de uma humanidade pri-
sua pesquisa como versando "sobre os mais antigos vestigios mitiva que vive no ternor e na barbárie, que emerge lenta-
da história presentes nos monumentos da natureza". 102 mente para a fala e a construcão de instrumentos? Como
A cornparação no é apenas literária. Exprime uma mudan- fazer entrar esses processos - que envolvem simultaneamente
ça de perspectiva a qua! - urn século mais tarde - Buffori a história natural e a história humana - dentro dos seis mil
dará expressão plena comparando a história civil a natural, anos admitidos pela teologia bIblica? Para elaborar respos-
afirmando que "se deve vascuihar nos arquivos do mundo, ex- tas a essas perguntas foram escritas, da metade do século
trair das visceras da terra os veihos monumentos, recolher XVII a metade do século seguinte, inCimeras pginas.
seus restos e reunir nurn corpo de provas todos os tracos das Nurn livro dedicado a história natural da Terra e pu-
mudancas ffsicas que possam fazer-nos remontar as diversas blicado em 1695, John Woodward —lembrado sobretudo
idades da natureza". S6 assim - continuava - será possfvel comb geologo e colecionador de fósseis - afirmava que
"fixar algum ponto na imensido do espaco e colocar algu- todas as nacöes urn dia foram bérbaras e que os mais anti-
ma pedra tumular sobre o caminho eterno do tempo".103 gos fi!ósofos tinham dado expressão a "infncia da filoso-
Se era novo opathos presente na obra de Buffon, não eram fia". Entre os homens que viviam nas primeiras épocas da
novas essas idéias que ele havia tirado de Burnet, de Leibniz, história, continuava:
de Hooke e muitos outros autores seiscentistas de fantasiosos
"romances cosmo!ógicos". Para muitos expoentes da cultu- Não existe traço de cultura ou matéria de reflexão e te-
ra do século XVII o estudioso da terra parecia uma espécie mos notfcia de pouca ou nenhurna escrita ... Sei bern que al-
de antiquário e os fósseis eram como "monumentos e fon- guns falarn de letras alfabéticas antes do di1iivio, mas trata-
tes capazes de informar as idades posteriores daquilo que se de matéria puramente conjetural e eu dernonstrarei que é
aconteceu no passado", e essas fontes pareciam "escritas so- porérn muito provável que não existissern.'05
bre monumentos mais duradouros que as pirâmides e Os
obeliscos dos egfpcios. Insistindo sobre as mudanças che- Partindo da imagem dos antiqufssimos bretöes como wild
gava-se a fazer coexistir, numa perspectiva nova, a idéia de men, privados de leis e de governo, vestidos de peles de ani-
progresso e de decadncia: mais, que se alimentam de ervas e de raizes, que realizam
sacrificios humanos, Woodward - que era homem muito pie-
Este globo de terra, sobre o qual habitamos, mud con-
doso - chega a abraçar a tese hobbesiana dos "brutos": "Não
tinuarnente e passa- de urn estado anterior a urn estado dife-
rente. Esse (iltimo, por certos aspectos, pode ser considerado se achará estranho que os nossos antigos progenitores fos-
mais perfeito; por outros, revelar ao contthrio uma tendência sem tao rudes e incivis naqueles tempos distantes, porque
A dissolucao final.104 é bern sabido que todo o gênero humano antigarnente era
assim em toda a superficie do globo".106 Para Samuel
Suckford - que escreve cerca de trinta anos depois - não
Nesse terreno nasciam problemas destinados a perma- existe no passado do gnero humano nenhuma linguagem
necer centrais ate a época de Darwin, questôes que interes- natural e perfeita. As lrnguas se formam na his tória, são uma
92 93

conquista que deriva da arte, da invenção e das necessida- uma progressiva racionalizaçao dos instintos, de .irna pas-
des da vida. Essa conquista requèr tempo e se realiza no sagem da idade das sensacôes e das irnagens simbólicas para
tempo: "Os homens so chegaram a perfeico por graus. 0 a idade da razão e das abstracoes conceituais. Essa afIrma-
tempo e a experiência os levaram de uma coisa a outra ço e essa idéia estavam ligadas a tradiço epicurista, as cor-
ate que chegaram a formar métodos aptos a realizar aquilo rentes ateIstas e libertinas, tinham sido retomadas pot
a que tendiam".107 Richard Simon, por Hobbes, por Gassendi, por Toland. Mas
elas tinharn se infiltrado, laboriosamente, ate em meios
21 Nas raIzes da histOria - em contraste radical corn os muito ligados a tradico e entre crud itos e filOsofos que no
adeptos da tradico hermética e daprisca theologia - não está estavam nada dispostos a abraçar as teses mais extremas de
a sapincia recolocada, no está uma fonte incorrupta e sa- La Peyrère, Hobbes ou Espinosa: teses que pareciarn radical-
)
grada de verdade: estão o instinto, a irracionalidade, a vio- mente destruidoras do mito hebreu-cristão de uma origern
Iência, a estupefata barbárie dos brutos primitivos. Como divina do homem e de suas instituiçôes.
) vera muito bern Vico - que por volta de 1710 tinha adota- Para a formaço da idéia de progresso certamente con-
do a tese de uma sapiência originária e perdida - trata-se tribufrarn muito as amplas e seculares discussöes sobre a
de uma alternativa precisa: "Duas e no mais so as rnanei- origern e a formação da Terra, sobre as conexôes entre his-
ras que se pode irnaginar na natureza pelas quais o mundo tória da natureza e história do homem, sobre a cronologia,
das naçöes gentis tenha começado: ou por alguns homens sobre a origem da civilizaçao como emerso de uma primi-
) sapientes que o tivessern ordenado por ref1exo, ou que bru- tiva barbaric. Em norne de uma hist6ria da pura filosofia
tos humanos tivessem chegado a ele por determinada sen- ou de uma não meihor qualificada "história das teorias",
saco ou instinto humano".108 fomos muitas vezes impedidos de perceber os vInculos que
Os primeiros homens "eram simples, rudes, merguiha- ocorrem entre as teorias e as idéias, as conviccôes que ope-
dos no sentido, podiam exprimir suas imperfeitas concep- ravam no passado. Discussöes desse tipo ocupaxn de fato urn
cöes das idéias abstratas e as operaçöes reflexas do intelecto lugar totalmente marginal ou no ocupam lugar algum, nas
apenas mediante imagens sensfveis".'°9 Essas expressöes so várias "histórias" da idéia de progresso. Nesse complicado
do bispo WiliiamWarburton,que, exatamente corno--Vico, terreno conflufam porém as-novas filosofias e- asobras dc-
naqueles mesmos anos, tinha chegado a defender a tese do direito natural; as reflexöes sobre os selvagens, o trabalho
caráter totalmente fantastico e irnaginativo da mente dos dos estudiosos dos mitos e da cronologia, os estudos bIbli-
primeiros habitantes da Terra, preocupando-se porém (mais cos, as herancas do epicurismo e de Lucrécio; as disputas
uma vez corno Vico) em manter bern separada a histOria do sobre a Antigtiidade das linguas; as avaliacöes das civiliza-
povo hebreu da história das nacöes gentIlicas. As teses, que çes dos hebreus, dos egfpcios, dos americanos e dos chine-
(erradamente) estamos habituados a considerar sornente ses; os resultados realmente imponentes da nova erudicao e
viqulanas, de urn desenvolvirnerito histOrico da linguagem das pesquisas sobre os fósseis e sobre a histOria da natureza.
e da escrita, de seu lento emergir no curso da histOria, estão
variadamente presentes na cultura européia desde os arios 22 A guisa de concluso provisOria, parece que dois pon-
vinte do século XVII ate além da metade do século XVIII.110 tos devern set sublinhados:
Essas teses, queafirrnavam Os infcios "rudes" e "estüpi- 1. A idéia de que os primeiros habitantes da terra fos-
dos" do gnero humano, levavam a destruicão do mito de scm fundamentairnente diferentes dos homens civis, que
Ado e a idéia de urn lento crescirnento da civilizaço, de a sua mental idade fosse em certa medida semeihante a das
94 I

criancas e dos camponeses incultos, isto é, a idéia de que A icléia de urn crescirnento e de urn desenvolvimento do
existe uma espécie de terreno comurn - o da mentalidade gênero humano, a noção do advancement of learning, foram se
primitiva - distante do pensarnento racional e da dimen- transformando no final do século XVIII numa verdadeira e
são cientIfica, já está solidamente presente na cultura do pr6pria teoria na qual entravarn em jogo: a nocão de
final do SéCLIIO XVII. Eta atravessar (corno sublinhou acer- perfectibilidade do homem e de sua natureza alterável e
tadamente Frank Manuel") toda a cultura do século modificavel; a idéia de uma história unitaria ou 'universal"
seguinte. do género humano; os discursos sobre a passagem da
"barbãicie" a "civilizacão", sobretudo a afirrnacão de cons-
2. Numa visão nova da história do homern e da história
tantes ou de "leis" operando no processo histórico. Entre a
da natureza as relaçöes entre o homem e a natureza tarn-
metade do século XVIII e a metade do XIX, a idéia de pro-
bern estavam se configurando de modo diferente. No curso
gresso acabará por coincidir - no limite - corn a de uma
do tempo, o habitat do homem sofreu rnudanças radicals.
ordem providencial, imanente ao devenir da história.
Etas são fruto ou de imprevistos e repetidos abalos
(catastrofismo) ou de lentas e quase imperceptfveis modifi- A convicção da existncia dessa ordem atuará, de formas
cacöes (uniformismo). Em todo caso, nessas mudanças diversas, em Condorcet, Turgot, Saint-Pierre, Comte, Spencer
incidiram de maneira não secundária a obra do homem, as e, mais tarde, nos expoentes do darwinisrno social, junto aos
técnicas que ele foi construindo, o seu "esforço perseveran- quais o progresso se configura como uma necessidade natu-
te" no trabalho. 0 homem deve tarnbém a si próprio a na- ral e a civilizaçao é considerada uma parte da natureza. 0
tureza dentro da qual se desenvolve sua vida. Como escre- evolucionismo assume tonalidades religiosas; a teoria da evo-
vera Leibniz: "Tantum orbisfacies mortalium studio mutata est, lucão é levada a coincidir corn a do progresso; as aspiracöes
dos homens se identificam comas da natureza:
Ut magnarn habitationis mae partern genus humanum credat sibi
ipsi debere" t"O aspecto do rnundo mudou tanto por obra dos
homens que o gênero humano julga clever a si mesmo gran- A teoria da evolução - escreverá em 1889 urn dentre os
muitos darwinistas italianos - é corn toda a razão chamada
de parte da sua própria morada").112
tambérn teoria do progresso. Doravante não se trata mais de
23"O interesse, a arnbiço, a vanglória mudam conti- aspiraçes sentirnentais. Ospromotores do progresso tem um
nuamente a cena do mundo, inundando de sangue a terra, base segura contra a qual se chocarn todas as objeçoes cInicas
e em meio a tais rufnas os costumes se civilizam, 0 espi'ri- ou cépticas.Eles sabem que o seu ideal, ou, se quiserern, o seu
to humano se ilumina, as nacöes isoladas se aproximarn, o sonho, e o sonho da Natureza.114
cornércio e a poltica reCinem todas as partes da terra, e a
massa inteira do gênero humano, através de perfodos alter- A propósito do tardo-iluminismo e do positivismo fa-
nados de calma e de agitação, de bern e de mal, avança airida lou-se, não por acaso, deféno progresso e de uma procura
que a passos lentos para uma perfeicão cada. vez rnaior. 113 da lei do progresso. Essa fe repousava principairnente sobre
A idéia moderna de progresso encontrou a sua expressãO três conviccôes: 1. na história está presente uma lei que
classica nos textos de Condorcet e de Turgot e, depois, nos de tende, através de graus ou etapas, a perfeicão e a felicidade
Saint-Simon e de Comte. Afirmou-se vigorosamente sobre- do gnero humano; 2. tat processo de aperfeiçoamento é ge-
tudo na segunda metade do século XIX. Entrou numa crise ralmente identificado corn o desenvolvimento e corn o cres-
profunda nos anos compreendidos entre as duas guerras cimento do saber cientffico e da técnica; 3. ciência e técni..
rnundiais. ca silo a principal fonte do progresso politico e moral,
96 97

constituindo a confirmação de tal progresso. Essa idia dë a crise destrufrarn o mundo da seguranca; a Ciência, o Pro-
progresso que não poe limites as ësperanças do homem, que gresso, a Europa no aparecem mais no centro da história
identifica o progresso corn urn processo necessário, que con- humana; a história aparece privada de tendências, de pers-
cebe os obstáculos como sempre provisórios e sempre supe- pectivas de direço; a realidade se configura como üma luta
ráveis, que v8 na ciéncia e na técnica apenas suaves instru- desigual entre o indivIduo e as forcas cegas e incontroláveis
mentos, pertence irremediavelmente ao passado, é expresso que operam na história; a sociedade parece uma rnquina
de urn mundo que não é mais o nosso. Nessemundo 0 "su- devastadora da natureza autntica do homem.
cesso" parece baseado nas ilimitadas capacidades criativas Certarnente não é possIvel determinar aqui de que modo
do homem; a idéia de luta e de conquista se associa ao culto e por quais vias a imagem oitocentista do progresso foi subs-
pelo homofaber capaz de domesticar a nàtureza e de civilizar titufda - no curso de uma grande crise na qual continua-
)
os povos bárbaros; a sensaço de aventura no grande jogo mos a viver - pelas visOes apocalfpticas de uma natureza não
da sociedade e na grande competico entre o homem e a controlável, as afirmacoes sobre o inevitável firn da civili-
natureza acompanha a fé na continuidade e na eternidade zação, os disc ursos sobre a superioridade do elemento Mdico
do regnurn horninis. A realidade aparece inteira e sempre con- em relacâo ao construtivo, Os apelos a natureza como recon-
tro1ve1 por meio de uma série de escoihas resporisveis e quista de urn perdido tempo interior. 0 que é certo é que
construtivas. A natureza se configura como uma entidade do providencialismo que está presente em muitos pensado-
integralmente dominvel, Em inümeros filósofos, cientis- res da segunda rnetade do século XIX passou-se ao ternor
) tas e intelectuais, esteve presente, nos "anos da segurança", diante de urn mundo nao controlável e esse temor foi se
a convicço de viver - enquanto herdeiros do Humanismo associando, de modo cada vez mais consistente, a uma re-
e darevo1uço cientifica - no centro da história do mundo, cusa do intelecto, da ciência, da técnica, da indüstria.
de encarnar os valores universais presentes na história, de Os temas presentes em Spengler retornarn, quase obses-
ser os portadores de modelos de vida universalmente sivamente, na cultura do século XX; a escravido do homem
irnitáveis: contemporârieo, a dessacra1izaco da pessoa, a responsabili-
dade das máquinas, a Impia vio1aço da intacta natureza. 0
Nenhum fardo de mercadoria deixa nossas praias scm
que é moderno nâo coincide mais corn o que é humano. A
levar sementes de inteligência e de pensamento frutffero aos
veneranda Querelte des anciens et des modernes parece reabrir-se
membros de alguma comunidade menos iluminada; nenhum
mercador visita a sede da nossa indüstria manufatureira sern em termos invertidos: na perspectiva dos novos teóricos do
retornar ao seu pal's como rnissionrio de liberdade, de paz e Apocalipse e progressiva a negacão da coincidência
de born governo, enquanto nossos navios que agora visitam modernidade-hurnanidade; é reacionéria a afirmacão de tal
todas as partes da Europa e nossas maravilhosas estradas de coincidncia. A recusa da mitologia do progresso torna-se
ferro de que falam todos Os OVOS S0 Os arautos.e Os fiadores recusa da modernidade. Nenhum programa de convivência,
das nossas iluminadas instituiç6es.115 nenhum projeto de sociedade pode mais ter urn sentido. 0
"selvagem tecnicizado" - afirmava Keyserling - tornou-se o
24 A crise da idéia de progresso e a identificaçâo dessa modelo em que se inspiram as massas.117
idéia corn urn mito oitocentista estão ligadas as perspecti-
vas da cultura európéia do segundo e do terceiro decênio do 25 Era necessário apontar para a imagern oitocentista
século XX, a sensacão do "initi1 massacre" da Primeira do progresso e para a sua crise. Palar de "origens" da idéia de
Guerra Mundial, a grande crise dos anos 30.116 A guerra e progresso no pode de fato prestar-se a muitos equfvoos?
)
96 97
)
constituindo a confirmaco de tal progresso. Essa idia de a crise destrufram o mundo da seguranca; a Ciência, o Pro-
progresso que no pe lirnites as esperanças do homem, que gresso, a Europa no aparecem mais no centro da história
identifica o progresso corn urn processo necessário, que con- humana; a história aparece privada de tend€ncias, de pers-
cebe os obstáculos como sempre provisórios e sempre supe- pectivas de direçäo; a realidade se configura como uma luta
ráveis, que ye na ciência e na técnica apenas suaves instru- desigual entre o indivfduo e as forcas cegas e incontroláveis
mentos, pertence irremediavelmente ao passado, é expressão que operam na história; a sociedade parece uma máquina
de urn mundo que no e mais o nosso. Nessemundo o "su- devastadora da natureza autentica do homem.
cesso" parece baseado nas ilimitadas capacidades criativas Certamente no é possfvel determinar aqui de que modo
) do homem; a idéia de luta e de conquista se associa ao culto e por quais vias a imagem oitocentista do progresso foi subs-
pelo homofaber capaz de domesticar a nátureza e de civilizar titufda - no curso de uma grande crise na qual continua-
os povos brbaros; a sensaco de aventura no grande jogo mos a viver - pelas visöes apocalipticas de uma natureza no
da sociedade e na grande competico entre o homem e a controlveI, as afirmacöes sobre o inevitável fim da civili-
) natureza acompanha a fe na continuidade e na eternidade zação, os discursos sobre a superioridade do elemento lüdico
do regnzirn hominis. A realidade aparece inteira e sempre con- em relaco ao cons trutivo, Os apelos a natureza como recon-
trolável por rneio de uma série de escoihas responsáveis e quista de urn perdido tempo interior. 0 que é certo é que
construtivas. A natureza se configura como uma entidade do providencialismo que está presente em rnuitos pensado-
integralmente dominvel. Em inürneros filósofos, cientis- res da segunda metade do século XIX passou-se ao temor
tas e intelectuais, esteve presente, nos "anos da segurança", cliante de urn mundo não controlável e esse temor foi se
a convicçâo de viver - enquanto herdeiros do Humanismo associando, de modo cada vez mais consistente, a uma re-
e darevolucão cientifica - no centro da história do mundo, cusa do intelecto, da ciencia, da técnica, da indcistria.
de encarnar os valores universais presentes na história, de Os temas presentes em Spengler retornam, quase obses-
ser os portadores de modelos de vida universalmente sivamente, na cultura do século XX; a escravidão do homem
imitveis: contemporâneo, a dessacra1izaco da pessoa, a responsabili-
dade das máquinas, a Impia violaçâo da intacta natureza. 0
Nenhuin fardo de mercadoria deixa nossas praias sern que é moderno nâo coincide mais corn o que é humano. A
levar sementes de inteligêricia e de pensamento frutffero aos
veneranda Querelle des anci ens et des modernes parece reabrir-se
membros de algurna comunidade menos iluminada; nenhurn
mercador visita a sede da nossa iridüstria manufatureira sem em termos invertidos: na perspectiva dos novos teóricos do
retornar ao seu pals como missionrio de liberdade, de paz e Apocalipse é progressiva a negacâo da coincidencia
de born governo, enquanto nossos navios que agora visitam modernidade-humanidade; é reacionária a afirmaço de tal
todas as partes da Europa e nossas maravilhosas estradas- de coincidéncia. A recusa da mitologia do progresso torna-se
ferro de que falarn todos os OVOS so os arautos e os fiadores recusa da modernidade. Nenhum prograrna de convivência,
das nossas iluminadas instituiç6es.115 nenhum projeto dé sociedade pode mais ter urn sentido. 0
"selvagem tecnicizado" - afirmava Keyserling - tornon-se o
24 A crise da idéia de progresso e a identificaçâo dessa modelo em que se inspiram as massas.117
idéia corn urn mito oitocentista estão ligadas as perspecti-
vas da cultura európéia do segundo e do terceiro decenio do 25 Era necessrio apontar para a irnagern oitocentista
século XX, a sensacâo do "inütil massacre" da Primeira do progresso e para a sua crise. Falar de "origens" da idéia de
Guerra Mundial, a grande crise dos anos 30.116 A guerra e progresso no pode de fato prestar-se a muitos equlvocos?
)
I) 98 99

Afirmar que o pensamento das origens "se realize" ou "en- extraem-se algumas concluses de carâter geral rélativas ao
contre seu cumprimento" ou "Se resolva" naquilo que foi "uso das artes mecnicas" que geram muitos tesouros "para
pensado ou teorizado mais tarde no quer dizer comparti- o serviço da religião, para o ornamento da vida civil, para o
ihar em certa medida a "rnitologia" do progresso e crer que melhoramento de toda a existência". Dessa mesma fonte,
a história do pensamento avance por sucessivas szprraç5'es? todavia, "derivam instrumentos de vIcio e de morte ... os
Q uero portanto chamar a atenço sobre algumas diferen- mais potentes tóxicos, as máquinas bélicas e pestes de tat
cas. A cultura do tardo-iluminismo e do positivismo, corno monta ... que superam por crueldade e periculosidade o
se viu: 1. tende a conceber o progresso como uma lei da pr6prio Minotauro". Bacon não se limita a apontarpara o pro-
história (Condorcet, Saint-Simon, Comte); 2. tende a iden- blema dos usos da técnica, a apresentá-la como instrumen-
tificar o progresso da cincia e da técnica corn o progresso to de libertação e de destruição ao mesmo tempo. Percebe
moral e poiftico e a fazer o segundo depender do primeiro; também o fato de que a técnica, enquanto se coloca como
3. tende enfirn a ver na luta a capacidade de provocar ilimi- possIvel produtora do 'negativo", oferece simult8nea e con-
tados meihoramentos e a interpretá-la como urn elemento juntarnente a esse negativo a possibilidade de urn diagnós-
constitutivo do progresso (Spencer, darwinismo social). tico do mat e de urn rernêdio para o mat. Para não se tornar
Todas essas três afirmaçöes so completamente estranhas ao conhecido apenas por causa de artes maldosas, Dédalo cons-
) mundo cultural a que se fez referência ate aqui. truiu de fato "não só instrumentos mas tarnbérn remédios
Nenhum dos autores aos quais me referi jamais conside- para os crimes". Foi também autor do engenhoso expedi-
rou que a libertaço do homem pudesse ser confiada a cin- ente do fib capaz de descobrir os meandros do Labirinto:
cia e a técnica enquarito tais.118 Justamente Bacon - corn "Aquele que idealizou os meandros do labirinto mostrou
base nurna antiga tradiço manualfstica recolocada depois tambérn a necessidade de urn fio. As artes mec8nicas são de
em moda peas pginas de Adorno e de Horkheimer e por fato de uso ambfguo e podem produzir o mat e simultanea-
muitos de seus in1meros e improvisados adeptos - foi apre- mente oferecer o rem6dio".119 Como escreveuJohri Maddox
sentado como o arauto entusiasta da técnica e como o pai em The Doomsday Syndrome (1973), "as calamidades as quais
espiritual daquele "tecnicismo neutro" contra o qual tomou os ecologistas dedicam aterição foram reconhecidas apenas
posicão uma larga parte da cultura contemporânea. pot causa do conhecimento que a ciência trouxe. Quern se
E exatamente o contthrio que é verdadeiro. Porque não preocuparia corn o DDT se não fosse pela invenção de refina-
conheço páginas escritas ou publicadas no curso do século das técnicas de análise qurmica, pot exemplo a crornatografia
XVII que toquem no tema do carter ambIguo da técnica e dos gases?".120
possam então ser de algum modo comparadas as que forarn Para os expoentes da revolução cientffica, a restauração
escritas pelo Lorde Chanceler na iriterpretacão (que remon- do poder hurnano sobre a natureza e o avanço do saber s6
ta a 1609) do mito de Daedalus sive mechanicus. A figtra de tern valor se realizados nurn contexto mais amplo que
Dédalo é a de urn homem "engenhosIssimo mas execthvel";. concerne a religião, a moral, a polItica.A "teocracia univer-
o seu nome é celebrado sobretudo por "suas ilicitas inven- sal" de Campanella, a "caridade" de Bacon, o "cristianisrno
çöes": a rnáquina que permitiu a Pasifae copular corn urn universal" de Leibniz, a "paz" e a "harmonia" de Comênio
touro e gerar o Minotauro devorador de jovens; oLabirift não são sepathveis dos seus interesses e dos seus entusias-
to excogitado para esconder o Minotauro e para "proteger inos pela nova cincia: constituem vários âmbitos dentro dos
o mat corn o mat", obra "insigne e notável pela técnica" quais o saber cientffico e técnico deve operar para funcionar
mas "destinada a urn fim nefando". Do mito de Dédalo como instrumento de resgate e de libertação. Para Bacon e
100 101

para Boyle, como para Galileu, Kepler, Leibniz e Newton, 11 G. Lipsio, De Constantia libri duo, Antverpiae, .: ex Officina
enfim, a vontade humana e a desejo de poder ão canstituern Plantiniana, apud 1. Moretum, 1615, p.26-7, I, 16.
o princfpio mais alto. A natureza é - simultaneamente - 12 J. Donne. Anatomy of the World, First Anniversary. Ed. Nonesuch
Press, p.202 (trad. it. Milano: Mondadori, 1994).
objeto de dornInio e objeto de reverncia.121 Ela deve sec
13 J. Kepler. Dissertatio cam Nuncio Sidereo. E. Pasoli e G. Tabarroni
°torturada" e 'dobrada a servico do homem", mas ela é tarn- (Org.). Torino: Bottega dErasmo, 1972, p.67.
brn a "Livro de Deus", que deve ser lido corn espirito de 14 J. Kepler. De Stella Nova. In: Opera, II, p.688.
humildade, como expresso do seu poder e rnanifestaço da 15 P. Bore!. Discours nouveau prouvant la pluralitJ des ,ñondes. Genève,
sua presenca. Projetar - como foi feito várias vezes - a nossa 1657, p.3.
imagem do progresso sobre as chamados pais fundadores da 16 C. Hill. Intellectual Origins of the English Revolution. Oxford, 1965,
p.202-3 (trad. it. Le origini della rivolnzione ingiese. Bologna: Ii
ci&ncia moderna pode levar a resultados realmente discuti- Mulino, 1976).
veis e de certo modo muito parciais. 17 Cf. A. L. Morton. The English Utopia. London: Lawrence & Wishart,
1952, p.67-8; J. Mede. The Apostasy of the Later Time. London,
1641 (Prefcio de W. Twisse); U. Grozio. Epistolac. Amsterdam,
Notas 1687, p.895.
18 Tb, Burnet. Sacred Theory of the Earth. London: R. Norton, for W.
1 Paolo Rossi. I Filosofi e le macchine: 1400-1700. Milano: Feltrinelli, Kettilby, 1689, Dedicatoru Epistle, e p.240-2. Sobre este assunto:
1962 e 1971, 1974. (Ed. bras. Os ,flldsofos e as ma'quinas. Trad. M. C. Jacob, W. A. Lockwood. Political Millenanism and Burnet's
Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989). Sacred Theory. Science Studies, v.11, p.265-79. A literatura sobre o
2 A. Rarnelli. Le diverse et art ificiosemacchine. Paris, 1588, 'Prefácio". milenanismo enniqueceu-se de muitos e irripontantes estudos de-
3 A. DUrer. Vier Blicher von menschlicher Proportion. Niirnberg, 1528, pois da publicaçlo do estimulante, mas discutfvel livro de N.
"Dedicatória". Cohn. The Pursuit of the Milleniuum. London, 1962 (trad. it. Milano:
4 A. Pare. Oeuvres. Paris: J.-B. Baillière, 1840, v.1, P.12-4. Edizioni di Comuriità, 1976). Entre as contnibuices mais signi-
5 H. Levin. The Myth of Golden Age in the Renaissance, London: Faber, ficativas: L. Trengove: Newton and the Cyclical Cosmos,
1969, p.9. Providence and Mechanical Philosophy. Journal of the History of
6 Cf. F. Bacone. Scritti filosofici. Paolo Rossi (Org.). Torino: Utet, Ideas, v.28, p.235-346, 1967; F. Manuel. The religion of I. Newton.
1975, p.365, 367, 521, 397; R. Cartesio, Opere. E. Garin (Org.). Oxford: Clarendon Press, 1974 (que discutern as teses milenaristas
Ban: Laterza, 1967, v.1, p.133-4. presentes nos escritos particulares e nos resumos das convcrsaçôes
7 Comenio, Opere. M. Fattori (Org.). Torino: Utet, 1974, p.119, 127. de Newton); J. G. A. Pocock. Time, History and Eschatology in
8 Cf. R. Lenoble. Mersenne on la naissance du micanisine. Paris: Urin, the Thought of Thomas Hobbes. In: J. H. Helliott, H. G.
1943, p.342. Koenigsberger (Org.) The Diversity of History. London, 1970; Ch.
9 Cf. R. Pintard. Le libertinage irudit. Paris: Boivin, 1943, p.472. Hill. The Antichrist in the Seventeenth Century England, London,
10 Cf. H. Haydn. The Counter-Renaissance. New York: Scribner, 1950, 1971; B. Capp. The Millenium and Eschatology in England, Past
p.529-31 (trad. it. Bologna: It Mulino, 1967). Sobre este tema: D. and Present, v.57, p.156-72, 1972; M. C. Jacob, Millenanism and
C. Allen, The Degeneration of Man and Renaissance Pessimism. Science in the Late Seventeenth Century. JHI, v.37, p.335-41,
Studies in Philology, v.XXXV, p.202-27, 1938. A. Williams. ANote 1976; The Newtonians and the English Revolutions: .1689-1720.
on Pessimism in the Renaissance. Studies in Philology,X.XXVI, p.243- Hassocks: The Harvester Press, 1976 (trad. it. Milano: Feltninelli,
6, 1939. G. Williamson, Mutability Decay and Seventeenth Century 1980). Para uma atualizaçâo desta bibliografia urn tanto
Melancholy. ELH, v.11, p.121-50. 1935. W. Philipp. Das Werden envelhecida deve-se yen a lücida e acurada resenha de A. Bettini.
der Aufklarung in theologiesgeschichtlicher Sicht. Gottingen: Prospetti'e stoniografiche sul millenanismo. Rivista di Filosofia,
Vandenhoeck und Ruprecht, 1957, p.78-86 (Komischer Nihilismus v.87, p.279-300, 1992.
tend nihilisticher Kosmos ins 17 jabrun&rt),. Sobre a incidncia cultural 19 Th. Burnet, Sacred Theory (ed. 1726), v.1, p.74-5; v.11, p.159.
das metáforas extrafdas da cosmologia copernicana cf. H. Blurnenberg. 20 H. Power. Experimental Philosophy in three Books. London, 1664,
Paradigmi per una metaforologia. Bologna: 11 Mulino, 1969, p.137-S8. p.192.
)
102 103

21 F. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit., p.396, 607. 41 H. Baron, The Querelle, op. cit., p.106-7.
) 22 T. Campanella. Cittâ del Sole. N. Bobbio (Org.). Torino: Einaudi, 42 R. Cartesio, Opere, op. cit., 1, p.135.
1941, p. 109. [Ed. bras. A cidade do sal. 3.ed. Trad. 1-lelda Barraro, 43 F. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit., p.410-1, 421, 422-3.
)
Nestor Deola, Aristides Lobo. So Paulo: Abril Cultural, 1983]. 44 R. Cartesio, Opere, op. cit., 11, p.16.
) 23 R. Hooke. Micrographia. London: J. Martyn and J. Allestry, 1665, 45 F. Bacon, Works, op. cit., I, p.640-1.
) p.178. 46 G. Galilei, Opere (ed. Favaro), VII, p.I38.
24 J. Dryden, Works. London, 1892, XV, p.293. 47 F. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit., p.407.
) 25 Cf. G. Valletta. Lettera in difesa della modernafilosofia. Rovereto, na 48 Cf. E. Jeauneau. Nani sidle spalle dei giganti. Napoli: Guida, 1969,
) tipografia de P. Berno, 1732, "Prefcio". Sabre o tema de uma p.47. Cf. também o apendice a R. H. Murray. Erasmus tend Luther.
nova natureza: I. B. Cohen. La dcouverte de nouveau monde et London: Society for promoting Christian Knowledge, 1920.
) la transformation de l'idée de nature, no volume f_.'experience 49 B. Pascal. Opuscoli e scritti van. G. Preti (Org.). Ban: Laterza,
) scientefique an XVI siècle, Paris, 1960, p.189-210. 1959, p.3.
26 L. Le Roy. Do la vicissitude on varilti des chases en l'nnivers. Paris: 50 F. Bacone. Scrittifilosofici, op. cit., p.417.
) L'Huilier, 1575, p.7. . 51 B. Pascal, Opuscoli, op. cit., p.7-8, 9-11.
27 G. Hakewill. An Apologie or Declaration of the Power and Providence 52 G. Galilei, Opere, op. cit., VII, p.139.
of God in the Government of the World. London, 1635, p.323 e 53 R. Cartesio, Opere, op. cit., p.23; Carta a Hogeland, 8 de fevereiro
"Preface" (1.ed. 1627). de 1640, in Oeuvres, supplement, p.2-3.
) 28 T. Campanella. Poesie. Ban: Laterza, 1915, p.86. 54 N. Malebranche, Oeuvres completes (Vrin), II, p.62-3.
29 L. Le Roy. Considerations seer l'histoire universelle. Paris, 1657, p.8-9. 55 B. Spinoza. Trattato teologico politico. E. Boscherini Giancotti (Org.).
) 30 F. Bacon. Works. R. L. Ellis, J. Spedding, D. D. Heath (Org.). Torino: Einaudi, 1972, p.201. [Ed. bras. Tratado teoldgico-politico.
) London, 1887-1892, III, p.376; Scritti filosofici, op. cit. p.390, Trad., introd. e notas de Diogo Pires Aurlio. Lisboa: Imprensa
392, 635-6. . . Nacional, 1988. (Estudos Gerais)].
) 31 R. Descartes. Oeuvres. C. Adam, P. Tannery (Org.). Paris: Le Cerf, 56 G. G. Leibniz. Schbpferische Vernunft. Marburg, 1956, p.251.
) 1897-1909. VI. p.81. 57 B. Pascal, Opuscoli, op. cit., p.3-11.
32 F Bacon, Works, op. cit., I, p.282; Scrittifilosofici, op, cit., p.128. 58 G. Galilei, Opere, op. cit., VI, p.366-7.
33 J. Wilkins. The Discovery of a New World in the Moone. London: 59 Vejam-se, entre outros: R. Mondolfo. Figure e idee dellafilosofia del
Printed for J. Maynard, 1640, p.203-4. Rinascimento. Firenze: La Nuova Italia, 1955, p.233-55 [Ed. bras.
34 F. Bacon, Works, op. cit., III, p.535; cf F. Bacone, Scrittifilosofici, Figuras e idlias do filosojia da renascença. Trad, Lycurco Games da
) op. cit., p.116. Matta. Sio Paulo: Mestre Jou, 1967); A. Buck. Aus der
) 35 P. Seveninus (Soerensen). Idea Medicine philosophicae. Basel, 1571, Vorgeschichteder der Querelle des anciens et des modernes in
p.39. Mittelalter und Renaissance. In: Bibliotheqtee d'Humanisme et
36 R. Boyle. Works. (Ed. Birch). London: A. Millar, 1744, III, p.444. Renaissance, set. 1958; várias indicaçöes em Jeauneau, Nani sidle
) 37 F. Bacone, Scrittifilosofeci, op. cit., p.417, 524. .cpalle dei giganti, op. cit., p.33. Uma resenha quase completa dos
38 H. Baron. The Querelle of the Ancient and Modern as a Problem for fontes em R. K. Merton. Sidle .rpalle dei giganti. Bologna: Il
) Renaissance Scholarship, no volume P. 0. Kristeller, Ph. Wiener Mulino, 1991.
) (Org.) Renaissance Essays. New York: Harper, 1968, p.95-111 4. Cf. 60 A. Baillet, Vie de Descartes. In: Descartes; Oeuvres, op. cit., X, p.204.
J. Bury. The Idea of Progress. An Inquiry into his Origins and 61 M. Mersenne, Recherche de la Writi, II, 2, 3.
Growth. London, 1932 (trad. it. Milano: Feltriñelli, 1964); R. 62 Comnio, Opere, op. cit., p.491.
) Foster Jones. Ancients and Moderns, A study of the Rise of Scientific 63 Leonardo da Capua. Parore sull'origine, progresso e incertezza della
Movement in the Seventeenth Century England. Berkeley, Los Angeles, medicina. Napoli, pot Antonio Bulifon, 1681, p.67.
/ 1965 (Led. 1961), trad. it. Bologna: II Mulino, 1980. Sabre a 64 B. Pascal, Opuscoli, op. cit., p.7-9. 0 Prefdcio para a Tratado do
polêmica anti-human(stica na cultura seiscentista, cf. G. Preti. vdcuo permanecerá inédito ate 1779.
Retorica e logica. Torino: Einaudi, 1968, p.61-144. 65 B. de Fontenelle. Digressione sugli antichi e sui moderni. In: M.
/ 39 H. Baron, The Querelle, op. cit., :104-6, 107. T. Marcialis. La disputa sei-setecentesca sugli antichi e sui moderni.
'1 40 B. Garin. La c,dtura delRinascimento. Ban: Laterza, 1967, p.45-59. Milano: Principato, 1970, p.111.
104 105

66 Cf. E. Garin. Medioevo e Rinascimento. Ban: Laterza, 1954 [Ed. 77 Pietro Bono da Ferrara. Introductio in artem chemiae. MontIsbelligardi,
bras. idade iIédia e Renascimento. Trad, Isabel Teresa Santos e 1602, p.123.
Hossein Seddighadeh Shooja. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. 78 C. Crisciani, Experientia e lingieaggio, op. cit., p.361-2.
(Nova História, 11)]; W. Pagel. William Harvey's Biological ideas. 79 F. S. Taylor. A Survey of Greek Alchemy. New York, 1949, p.110.
Basel, New York: Karger, 1967 (trad. it. Milano: Feltrinelli, 80 Pietro Bono, i,,troductio, op. cit., p.132; Th. Vaughan. Magia Adamica.
1979); D. P. Walker. Spiritual and Demonic Magic from Ficino to In: A. E. Waite (Org.) The Magical Writings of Thomas Vaughan.
Campanella. London: Warburg Institute, 1958; The ancient Theology. London: G. Redway, 1888, p.103.
London: Duckworth, 1972; F. A. Yates. Giordano Bruno e la 81 F. Bacone, Scrittifilosofici, op, cit., p.253, 367.
t,'adizione erinetica. Ban: Laterza, 1969 [Ed. bras. Giordano Bravo e 82 H. C. Agrippa, De occulta philosophia. In: Opera. Lugduni, s. d., I,
) a tradiçao herinitica. Trad. Yolanda Steidel de Toledo. Sio Paulo: p.498.
Cultrix, 19871; A. Debus. The English Paracelsians. London: 83 F. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit., p.366.
Oldbourne, 1965. Cf. tarnbém: P. J. French,John Dee: The World 84 H. C. Agrippa, Opera, op. cit., II, p.904.
of an Elisabethan Magus. London: Routledge and Kegan Paul, 85 W. Gilbert. De Magnete. P. Fleury Mottelay (Org.). New York:
1972, e a antologia organizada por C. Vasoli. Magia e scienza nella Dover Publications, 1958, °Prefcio".
ciniltd umanistica. Bologna: II Mulino, 1976. 86 Cf. R. Boyle, II chemico scettico. M. Borella (Org.). Torino:
67 F. A. Yates, Giordano Bravo, op. Cit., p.13. Boringhieri, 1962, p.18, 198; cf. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit.,
68 Ibidem, p.13, 31, 182. p.112. Sobre a posiçbo de Boyle: M. C. Jacob. The Ideological
69 D. P. Walker, The Ancient Theology, op. cit., p.130. Origins of R. Boyle's Natural Philosophy. Journal of European
70 Ch. B. Schmitt. Prisca Theologia e Philosophia Perennis: due temi del Studies, v.2, p.1-21, 1971.
Rinascimento italiano e la loro fortuna, in Atti del Convegno 87 H. G. Agricola, De l'arte dei metalli. Basel, 1563?, p.4-5; G.
Internazionale del Centro studi Umanistici. Firenze: Olschki, 1970, Galilei, Opere, O. cit., VII, p.135.
P.211-36. 88 M. Mersenne. La viritides sciences. Paris: T. du Bray, 1625, p.105;
71 F. A. Yates, Giordano Bruno, op. cit., p.60; cf. Th. Keith. Religion F. Bacon, Works, op. cit., III, p.736.
and the decline of magic. London, 1971; W. Shumaker. The Occult 89 Carta a Huygens, marco de 1638. In: Oeuvres. Paris: Gallimard,
Science in the Renaissance. Berkeley, Los Angeles: University of p.786; G. C. Leibniz, Textes int'dits. Paris: Presses Universitaires,
California Press, 1972. 1945, p.578.
72 M. Ficino. Dc amore. In: R. Marcel. Commentaire stir le Banquet. 90 Comenio, Opere, op. cit., p.491.
Paris: Belles Lettres, 1955, p.164-5. Sobre estes temas: P. 91 Th. Sprat. The Histo;y of the Royal Society of London for the improving
Zambelli, Platone, Ficino e la neagia, no volume Studia Humanitatis, of Natural Knowledge. London: J. Martyn, 1667, p.62-3.
Festschrift E. Grassi, MUnchen: Fink, 1973, p.121-42; P. M. 92 F. Greville. Works in Prose and Verse. A. B. Grosart (Org.). s. I.,
Rattansi. Some Evaluations of Reason in Sixteenth and 1870, I, p.5-6.
Seventeenth Century Natural Philosophy. In: M. Teich, R. Young 93 J. Bodin. Oeunresphilosophiques. Paris: Presses Universitaires, 1951,
(Org.) Changing Perspectives in the History of Science. London: p.226. Sobre o mito do ParaIso cf. P. E. e F. P. Manuel. Abbozzo
Heinemann, 1973, p.148-66. di una storia naturale del Paradiso. Comunitâ, v.173, p.160-210,
73 R. Fludd. Mosaical Philosophy. London: Printed for Humphrey 1974.
Moseley, 1659, p.41-2. 94 G. Bruno. Opere. Ban: Laterza, 1927, II, p.152; Letter-Book of G.
74 Cf. H. Baron, The Querelle, op. cit. H. Weisinger. IdeasofHitory Harvey A.D. 1573-1580. E. J. L. Scott (Org.). London: Nichols,
During rhe Renaissance. In: P. Kristeller, H. Wiener (Org.) 1884, p.85-6.
Renaissance Essay, op. cit., p.74-94. 95 J. Hall. An Humble Motion to the Parliament of England Concerning the
75 Cf. E. Garin, Medioevo e Rinascimento, op. cit., p.121. Advancement of Learning and Reformation of Universities (1649). A. K.
76 C. Crisciani. Experientia e linguaggio nella tradizione aichernica, in Croston (Org.). Liverpool: University Press, 1953, p.6. E reproduzida
Atti del XXI V Congresso Naz. di Filosojia. Roma, S. F. I., 1974, II, a traduçbo contida no volume I Puritani. U. Bonanate (Org.).
p.358. Cf. tambm The Conception of Alchemy as expressed in Torino: Einaudi, 1975, p.242. Para as passagens de Bacon e Hobbes
the Pretiosa Margarita Novella of Petrus Bonus of Ferrara. Ambix, anteriormente citadas, cf. Bacone, Scritti filosojici, op. cit., p.448;
v.XX, p.165-81, 1973. Hobbes, Leviathan, 1, 13.
106 107

96 J. Ray. The Wisdum of God manifested in the Works of the Creation. 112 G. G. Leibniz, Protogaea, op. cit., par. 41, p.74. Sobre estes temas:
London: Printed for S. Smith and B. Walford, 1701 (Led. 1661), E. G. R. Taylor. The English Wordmakers of the Seventeenth
Preface. Century and their Influence on the Earth Sciences. Geographical
97 J. Ray. Three Pbysico-TheologicalDiscoiirses. London: W. Innys, 1713, p.149. Review, v.XXXVIII, p. 101-12 , 1948. K. B. Collier. Cosnogonies of
98 R. Hooke. Postumous Works. London: Printed for S. Smith and B. Our Fathers. New York: Columbia University Press, 1934; Ch. G.
Walford, 1750, p,327 (o texto citadoé de 1668). Gillispie. Genesis and Geology. Cambridge (Mass.): Harvard
99 G. G. Leibniz. Protogaea, Gottingen, 1749, par. 18, p.30-I. [Ed. University Press, 1951; H. Meyer. The Age of the World. A Chapter
bras. A "Protogaea": uma teoria sobre a evolução da terra e a in the History of Enlightenment. Allentown (Pa.): Muhlenberg
origem dos f6sseis. Trad. Nelson Papavero, Dante Martins Teixeira College, 1951; C. Schneer. The Rise of Historical Geology in the
e Maurtcio de Carvaiho Ramos; pela primeira yea traduzida do Seventeenth Century. Isis, v.XLV, p.156-68, 1954. G. Scherz.
latim para o português corn notas e comentários. São Paulo: Worn Wege Niels Stensen. Beitrage zur seiner naturwis-
) Plêiade, Fapesp, 1997). senschaftlichen Entwicklung. Copenhagen: Munksgaard, 1956;
100 G. G. Leibniz. Essais de TheodicJe. Amsterdam: P. Changuiorr, W. F. Cannon. The Uniformitarian-Catastrophist Debate. Isis,
1734, par. 244, p.131. vU, p.38-55, 1960. F. C. Haber. The Age of the World: Moses to
101 Th. Burnet. Tel/uris Theoria Sacra. London: Typis R. N. Impensis Darwin. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1966; G. Solinas,
G. Kettilby, 1681, p.83. La Protogaea di Leibniz cii Fivergini della rivoluzione scientifica. Cagliari:
102 G. G. Leibniz. Epistola ad autorem dissertationis de animaliu,n. In: Pubblicazioni dellistituto di Filosofia della Facoltà di Lettere e
MiscellarieaBeroliniensia, 1710, 1, p.111. Filosofia dell'Università, 1973.
103 Buffon. Epoche della natura (1778). M. Renzoni (Org.). Torino: 113 A. J. R. Turgot. Tableau Philosophique (ed. Schelle), p.215.Agora
Boringhieri, 1960, p.15. em tradução italiana em C. Signorile. Ilprogresso e la storia in A.].
104 R. Hooke, Postumous Works, op. cit., p.321, 427. Sobre a cronolo- R. Turgot. Padova: Marsilio, 1974, p.169. Sobre o conceito
gia: B. Krusch. Studien zur cristlich-mittelalterlichen Chronologie. setecentista de progresso: L. Whitney. Primitivism and the Idea of
Berlin, 1938. Sobre os pressupostos de caráter metafIsico-teoló- Progress in English Popular Litteratiere of the Eithteenth Century.
gico comuns as ciências da terra e da vida, cf. R. Hooykaas. The Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1934; Ch. Frankel. The
Principle of Uniformity in Geology, Biology and Theology. Leiden: Faith of Reason: The Idea of Progress in the French Enlightenment.
Brill, 1963. Muitos outros materiais são utilizados em P. Rossi. I New York: King's Crown Press, 1948; R.V. Sampson. Progress in
segni del tempo, stories dela Terra e storia delle nazioni da Hooke a Vico. the Age of Reason; the Seventeenth Century to the Present Day. London:
Milano: Feltrinelli, 1979. Heineman, 1956; A. Cento. Condorcet e l'idea di progresso. Firenze:
105 J. Woodward. An Essay towards a Natural Histocy of the Earth and Parenti, 1956; J. Faure Solet. Economie politique etprogres an siècle
Terrestrial- Bodies. London: Printed for R. Wilkin, 1695, p.57. des lurnières. Paris, 1964. E importante o erisaio de P. Casini. Gli
106 J. Woodward, Remarks upon the Ancient and Present State of London, enciclopedisti e le antinomie del progresso. Rivista di filosofia,
occasioned by .coene Roman Urns, Coins and other Antiquities, lately v.2, p.236-56, 1975.
discovered. London: Printed for A. Bettesworth and W., 1723, p.32. 114 A. Sormani. La nuova religione dell'evoluzionismo. Rivista di
107 S. Suckford. The Sacred and Profane History of the World Connected. Filosofia Scientefica, v,VIII, p.513-40, 1889 [p.515). Para a civi-
London: 1731-1737, I, p.239 (1-ed. 1728). lização como parte da natureza e não como construçlo artificial
108 G. B. Vico, Scienza Nuova Prima, 27. In: Opere (ed. Flora),.p.773. cf. H. Spencer. Social Statics. New York: D. Appleton and
[Ed. bras. Principios de (ama) ciência nova: acerca da natureza co- Company, 1883, 15.80. Sobre o conceito oitoentisfá de progres-
mum das naçöes. 3.ed. Trad. Antonio Lázaro de Almeida Prado. so: R. Hofstadter. Social Darwinism in American Thought.
São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os pensadores, 20)). Philadelphia: University of Pensilvania Press, 1945; F. Manuel.
109 W. Wartburton. Essesi jar les hidroglyphes des Egyptiens. Paris: H. L. The Profits of Paris. Cambridge (Mass.): Harvard University
Guerin, 1774, p.195. Press, 1962 (trad. it. Bologna: 11 Mulino, 1979); Shapes of
110 Sobre estes temasi F. Manuel. The Eigthteenth Centiesy confronts the Gods. Philosophical History. Stanford: Stanford University Press, 1965;
Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1959 e P. Rossi: Le M. Harris. The Rise ofAntropological Theory: A History of Theories
stepininateantichitâ: studi vichiani. Pisa: Nistri Lischi, 1969, p.81-164. of Culture. New York, 1969 (trad. it. L'evoluzione del pensiero
111 F. Manuel, The Eighteenth Century, op. cit., p.l4l. antropologico. Bologna: II Mulino 1971); R. Young. The
108 109

Historiographic and Ideological Contexts of the Nineteenth- 121 Cf. W. Leiss. The Domination of Nature. New York: G. Braziller,
Century Debate on Mans Place in Nature. In: Teich, Young. 1972, p.34 (trad. it, Milano: Longanesi, 1976). Do mesmo autor
Changing Perspectives, p.344-438; R. Williams. Social Darwinism. cf. também Utopia and Technology; Reflections on the Conquest
In: J. Bentall (Org.) The Limits of Human Nature. London: 1973, of Nature, international Social Science Journal, v.XXII, p.576-88,
p.114-30. 1970. Sobre o tema da visão mecanicista do mundo como 'exten-
115 R. Cobden, apud B. Russell. Storia delle idee nel secolo XEX. Milano: so dos processos da manufatura a todo o cosmos" devem sec men-
Mondadori, 1961, p. 200. cionados a clássico trabalho de F. Borkenau. Der Ubergang vom
116 0 trabalho mais notável sobre o assunto é, no mornento, G. feudalen zum burgerlichen Weitbild. Studien zeir Geschichte der Philosophie
Sasso. Tramonto di ten mito: 1idea di progresso fra Ottocento e der Manifaktur-period. Paris: 1934 (trad. it. La transizione
Novecento. Bologna: II Mulino, 1984. dell'immagine feudale all'ienmagine borghese del mondo. Bologna: Ii
117 H. Keyserling. Presagi di an mondo nuovo, Milano: Edizioni di Mulino, 1984), e a respectiva crftica deserivolvida por H. Grossman.
Comunità, 1949. Der gesellschaftlichen Grundlagen der mechanisticheni Philosophic
118 Sobre este ponto concordo corn as conclusöes de A. R. Hall. und die Manifaktur. Zeitschrift fiirSozialforschung, v.IV, p.161-231,
Science, Technology, and Utopia in the Seventeenth Century. In: P. 1935. Sobre o tema do domfnio permanecem fundamentais as pa-
Mathias (Org.) Science and Society: 1600-1800. Cambridge: ginas de M. Scheler, Gesanemelte Werke. Bern, 1960-1963, Band 6-
Cambridge University Press, 1972, p.53: "A excelência técnica 8; cf. trad. it. Sociologia del sapere. Roma: Abete, 1966.
não era vista como uma condição suficiente e muito menos
necessária Para a criaçlo da sociedade ideal e a cincia no era
considerada simplesmente como a chave da excelência técnica".
Mas no me parece aceitvel a rIgida separacIo cincia-t&nica
teorizada por Hall e a sua polmica recusa de qualquer conexlo
entre os desenvolvimentos do saber cientffico e a açlo desenvol-
vida pelos grupos que convergem Para Hartlib, Dury e Cornnio.
A dureza da reaçlo de Hall parece explicável se relacionada corn
a excessiva insistncia sobre a relação hermetisrno-ciência mo-
derna e o destaque dado a Hartlib e a Comênio no ensaio,
contido no mesmo volume, de P. M. Rattansi. The Social
Interpretation of Science in the Seventeenth Century, p.1-32. Mui to
mais equilibradas so as concluses do próprio Hall em The
Scholar and the Craftsman in the Scientific Revolution, In: M.
Claget (Org.) The critical Problems in the History of Science. Madison:
University of Wisconsin Press, 1959, p.3-23, e em Magic
Metaphysic and Mysticism in the Scientific Revolution. In:
Righini Bonelli, Shea, Reason, Experiment and Mysticism, op. cit.,
p.275-52.
119 F. Bacone, Scrittifilosofici, op. cit., p.483.
120 J. Maddox. The Doomsday Syndrome. New York: Macmillan, 1972,
p. 113. Cf. também E. Rabinthwitch, Living dangerously in the
Age of Science. In: Bulletin of the Atomic Scientist, v.28, p.5-8,
1972. Como escreveu urn autor nâo suspeito de simpatias pelo
cientismo, "as devastaçöes que o progresso determina devem even-
tualmente ser de .novo reparadas corn as próprias forças do pro-
gresso, jamais mediante a restauraço das condiçöes precedentes,
que se torriaram sua vitima" (Th. Adorno. Parole chiave. Modelli
critici. Milano: Sugar-Co, 1974, p.54).

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