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Hobsbawm,129 para mencionar somente dois, levaram a vincular a <|


crise européia, e sobretudo espanhola, do século X V II, com uma ; '!«•
profunda depressão das índias: ponto mais baixo da população in- :i|
dígena em 1650, surgimento da grande fazenda auto-suficiente e da 1|
peonagem, etc. Pesquisas mais recentes proporcionam, a partir da ||
obra de John Lynch,130 uma visão muito diferente. O período 1690- j
1760 se caracterizaria por um impulso econômico centrado na diver­
sificação de atividades, que foi possível pelo afrouxamento da domi­
nação colonial. Esta nova e sugestiva visão não deixa de ser impor­
tante na caracterização das vinculações econômicas regionais, que
no século X V III sofreram uma singular reorientação.

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m éuA M

CARDOSO £ & m t íO L \ - HlS-c-OZeòOttôtAiCA

. 129. Eric Hobsbawm, En torno a los origenes d e Ia revolución industrial,


trad. de O. Castillo e E. Tandeter, Siglo X X I, Buenos Aires, 1971, pp. 7-70;
W. Borah, El siglo d e Ia d ep r esió n .. op. cit.
130. John Lynch, Spain under the Habsburgs, 2 vols., Oxford, 1964-1969,
II, pp. 194-228 (existe tradução espanhola Península); D. A. Brading, “ Iberian
Mercantilism and Economic Growth in Eighteenth Century Latin America”,
comunicação apresentada ao X L II Congresso Internacional de Americanistas,
Paris, 1976.

132
CAPÍTULO 3

A TRANSIÇÃO AO CAPITALISMO PERIFÉRICO


(SÉCULO X IX )

A) AS BASES DA TRANSIÇÃO

Econom ia atlântica e revolução industrial

A independência das treze colônias em 1776, a revolução in­


dustrial na Grã-Bretanha, a agitada política e as guerras européias
no período 1792-1815 constituem três determinantes essenciais na
evolução do mundo colonial americano ao final do século X V III.
A independência dos Estados Unidos, reconhecida no Tratado
de Versalhes ( 1 7 8 3 ), mostra não só uma ruptura com êxito do
domínio colonial, mas oferece também, em seguida, um modelo de
sociedade e de instituições que marcará profundamente o horizonte
ideológico das futuras classes dominantes da América Latina. A re­
volta do Haiti (1 7 9 1 ), consolidada em 1804, segue de perto o exem­
plo norte-americano enquanto nova fissura no cambaleante edifício
dos impérios coloniais. Não obstante, constitui, ao mesmo tempo,
uma advertência clara quanto à profundidade possível das mudanças
sociais em curso, que proprietários de terras, comerciantes e milita­
res das regiões vizinhas escutaram com atenção.
A Revolução Francesa e o império napoleônico têm, no cam­
po político e ideológico, um impacto tão imenso quanto difícil de
se estabelecer com precisão.1 Certos efeitos, mais imediatos porque
se derivam das transformações das guerras européias, nos revelam

1. Hobsbawm localiza três ciclos revolucionários: 1820-1824, 1829-1834


e 1848, como herança direta da revolução francesa; cf. Eric J. Hobsbawm,
Las revoluciones burguesas, trad. F. Ximénez, Guadarrama, Madrid, 19112,
cap. VI.
uma metrópole exausta em poderio militar e dilacerada em confron­
tações internas. Traíalgar (1 8 0 5 ), muito mais que Baiona (1 8 0 8 ),
selará a sorte das índias; o isolamento polílico e econômico será
agora mais permanente que na década anterior.
A revolução industrial provocará transformações fundamentais
no comércio e nas relações internacionais. Os mercados coloniais, e
em particular os da América Latina, desempenharão um papel pri­
mordial no consumo dos têxteis da primeira fase da industrialização.23
O algodão, matéria-prima básica nesse processo de expansão, será
também um produto da periferia: o sul dos Estados Unidos, as
Antilhas, a índia, etc. Esta inusitada expansão das trocas internacio­
nais dependeu estreitamente do predomínio naval e de uma rede co­
mercial e financeira cada vez mais complexa, controlada pelos capi­
tais britânicos.3 Assim se vão configurando os elementos essenciais
de uma nova divisão internacional do trabalho, que teria como centro
nevrálgico a indústria britânica, “fábrica do mundo”. Não obstante,
a constituição definitiva do modelo exigirá ainda dois componentes
que aparecem mais tarde: a imposição do jree trade, depois de 1846,
e a afluência maciça de inversões em direção aos países da periferia.4

O auge am ericano d o século X V III

Para a América Latina em seu conjunto, a segunda metade do


século X V III é uma época de prosperidade geral. O crescimento da
população, conhecido no Brasil desde 1700, e na América Espanhola

2. Cf. Eric I. Hobsbawm, Industria e im pério, trad. G. Pontón, Ariel,


Barcelona, 1977, caps. IV e V II; Phyllis Deane, La primera revolución indus­
trial, Irad. Solé Tura, Península, Barcelona, I9753, cap. IV.
3. Cf. Hobsbawm, op. cit.; P. Deane, op. cit.; R. G. Albion, "British
Shipping and Latin America, 1806-1914”, em Journal c j Econom ic History,
vol. X I, 1951, pp. 361-374; a penetração dos comerciantes britânicos na Amé-1
rica Latina está magnificamente analisada cm Tulio Halperin Donghi, Hispa-
noam érica después d e Ia In depen den do, Paidós, Buenos Aires, 1972, pp. 84-96;
D. C. M. Platt, Latin America and British Trade 1806-1914, Adam and Char­
les Black, Londres, 1972.
4. Cf. Leland H. ]enks, The Migration o j British Capital to 1875, Thomas
Nelson and Sons, Londres, 1963 (L* ed. 1927); A. H. Imlah, E conom ic Ele-
ments in the Pax Britannica, Harvard University Press. Cambridge, 1958; A.
K. Cairncross, H om e and Foreign Investment, 1870-1913, Cambridge liniver-
sily Press, 1953; A. G. Kenwood e A. L. Lougheed, Historia dei desarrollò
econôm ico internacional, trad. E. de Ia Fucnte, Istmo, Madrid, i973 (2 vols.).
desde I7 5 0 ,s contrasta com a catástrofe do século anterior. A pro­
dução e o comércio se expandem continuamente, sobretudo nas áreas
periféricas: o norte do México, a Flórida e a Luisiânia, o Rio da
Prata, o sul do Chile, certas regiões de Nova Granada e Venezuela.
No Brasil o ouro e os diamantes dominam as atividades econômicas
aíé 1760; os centros mineiros darão origem a um conjunto de ativi­
dades subsidiárias: criação de gado, agricultura, artesanatos, etc., de
certa complexidade. No conjunto se pode falar, por referência às
linhas de força da economia colonial nas etapas anteriores, de um
deslocamento regional em direção ao Atlântico e ao Caribe.” Em
outras palavras, a vocação das economias coloniais tem agora, por
entre um tráfico cada vez mais diversificado, de muito mais portos e
rotas, um leque de possibilidades insuspeitadas.
O dinamismo de alguns itens de exportação, couros do Rio da
Prata, cacau da Venezuela, prata do México, etc., não pode ocultar
a reativação de muitas indústrias artesanais que abastecem as regiões
exportadoras e os núcleos urbanos em expansão. Entre o monopólio
do comércio legal e o contrabando ainda há consideráveis interstícios
pára essas primitivas atividades industriais.
Os reajustes imperiais que acompanharam este auge econôimico
se conhecem, correntemente, com o nome de reformas bourbônicas e
reformas pombalinas. O caso português mostra uma simplicidade que
não se percebe na América Espanhola. O tratado de Mcthuen (1 7 0 3 )
consagra a subordinação aos interesses britânicos, em troca da segu­
rança do império. O próprio marquês de Pombal falará, anos mais
tarde, de um Portugal reduzido a uma estreita dependência da Ingla­
terra sem os inconvenientes da conquista militar.567 Os Bourbons, pelo
seu lado, estiveram animados não só pela ambição de renovar estru­
turas administrativas vetustas e ineficientes mas também pela idéia
de conservar e engrandecer o império, frente às ambições inglesas.

5. Gf. Nicolás Sánchez Albornoz, La población de América Latina. Alian-


za Editorial, Madrid, 1973. pp. 125-150.
6. Cf. Richard M. Morse, “ Patrones de Ia urbanización latinoamericana:
aproximaciones y gcncralizaciones lenlalivas”, em Richard Morse (cd.). Lus
ciudades latinoamericanas, 2, Desarrollo histórico, Sep/Setentas, n.“ 97, Mé­
xico. 1973. pp. 11-55: Tulio Halpcrin Donghi, Historia con tem porân ea-de Amé­
rica latina. Alianza Editorial, Madrid, 1969, cap. I.
7. Cf. A. K. Manchester. British Preeminence in Brazil, its rise and d e­
cline; a sludy in European expansion, Chapei Hill, University of North Caro-
lina Press, 1933, caps. I e II; Ceiso Furtado, Formación econôm ica dei Brasil,
trad. D. Aguiiera, F. C. E-, México, 1962, pp. 40-46.
Existe uma abundante bibliografia sobre as mencionadas reformas6
e sobre os efeitos concretos de sua aplicação,*' A conclusão que
parece derivar-se dos estudos mais profundos e diligentes é, não só
a muito evidente de que os sonhos de poderio imperial de ‘‘proje­
tistas” como Campillo e Ward, ou os ministros de Carlos III, fracas­
saram, já na última década do século, mas também a de que os rea­
justes admihistrativos e fiscais tiveram o efeito de entravar notoria­
mente a prosperidade econômica, e de desatar ódios e rancores que
os grupos sociais implicados dificilmente chegariam a esquecer depois.
John Lynch propôs uma hipótese cstimulanfe, que foi retomada
por autores como Brading e Bakçwell.1,1 As reformas bourbônicas
significaram a “segunda conquista da America”. Um grande esforço
por parte da Espanha para retomar a America em suas mãos. O
ataque frontal a certos privilégios da Igreja, a reorganização militar,
a reforma administrativa, as grandes ondas de imigração peninsular
(burocratas e comerciantes) tinham uma finalidade primrodial: a de
aproveitar ao máximo os benefícios da dominação colonial. Esta se­
gunda ofensiva conquistadora não pode ser entendida se não se afirma
que em fins do século X V II a “América Espanhola se havia eman­
cipado de sua inicial dependência”. As sociedades americanas utiliza­
vam seus recursos em sua própria administração, defesa e economia;
logravam apropriar-se de uma grande proporção da riqueza que gera-8910

8. Stanley e Barbara Slein, La herencia colonial de América latina, trad.


A. Licona, Siglo X X I, México, í 970, pp. 83-117; Charles Gibson, Espana en
Ajnérica, trad. E. Obregón, Grijalbo, Barcelona, 147b, pp. 264-298; Eduardo
Ârcila Farias, Reformas econôm icas dei siglo XVIII en Nucva Espana, Sep-Se-
lenlas, México, 19742 (2 vols); Marcelo Bifar Lctayf, Economistas espanoles dei
siglo XVIII. sus ideas sobre Ia Itberlad dcl comercio eon Índias, Cultura His­
pânica, Madrid, 1968.
9. Cf. John Lynch, Adminislración colonial espaíwla, 1782-1810, el sis­
tema de intendcncias en el Rio de Ia Plala, trad. G. Tjarks, Eudcba, Buenos
Aires, I9672; D. A. Brad:ng, Mineros y com erciantes en el M éxico borbónico
(1763-1810), trad. R. Gómez, F. C. E., México, 1975; |ohn R. Fishcr, G overn­
ment and Society in Colonial Peru, The lntendant System, 1784-1814, The
Athlone Press, Londres, 1970; do mesmo autor, Minas y mineros en el Perú
colonial, 1776-1824, Instituto de estúdios peruanos. Lima, 1977; Anthony
McFarlanc, “El comercio exterior dei virreinato de Ia Nucva Granada: con-
flictos cn Ia política econômica de los Borbones (1783-1789)", cm Anuário
Colom biano d e Historia Social y de Ia Cultura, Universidad Nacional de Co­
lômbia, n.“ 67. Bogotá. 1971-72, pp. 69-116.
10. /ohn Lynch, Espana bajo los Austrias. Península, Barcelona, 1972,
11, pp. 194-228; do mesmo autor, Eas revoluciones hispanoamericanas, 1808-
1826, lrad. J. Alfaya, B. McShane, Ariel, Barcelona, 1976. pp. 9-35: D. A. Bra­
ding, op. cit.: P. ). Bakewcll, Minería y sociedud cn el M éxico colonial, Zaca-
lecas (1546-1700), trad. R. Gómez, F. C. E. , México, 1976.
vam. O governo colonial consistia, em realidade, num verdadeiro
compromisso entre a soberania imperial e os interesses dos colonos.
Nesta perspectiva as reformas bourbônicas podem também ser vistas
como um supremo esforço espanhol por reencontrar o caminho da
prosperidade à custa das colônias. Exatamente esta era a ambição
dos “projetistas” antes mencionados.
Se aceita a tese de Lynch, se impõe outra consequência de cará­
ter geral. As bases estruturais que impeliam a todos os países latino-
americanos, durante o século X IX , a integrar-se ao mércado mundial
como produtores de matérias-primas seriam muito mais um lega­
do dos reajustes imperiais do século X V III que da situação colonial
anterior. Não conviría esquecer que o impetuoso auge econômico do
século das luzes teve beneficiários locais de importância. Estes pro­
prietários de terras e comerciantes, que encabeçaram as lutas pela
independência, serãô de agora em diante os principais interessados
em buscar um crescimento econômico baseado na expansão das expor­
tações. É indubitávei que neste ponto essencial os interesses nativos ^
cáda vez mais poderosos coincidiam com a política imperial; como ,
afirmava o vice-rei Revillagigedo:

Não deve perder-se de vista que isto é uma colônia que


deve depender de sua matriz, a Espanha, e deve corresponder
a ela com algum lucro, pelos benefícios que recebe de sua pro­
teção, e assim se necessita grande tino para combinar esta de­
pendência e que se faça mútuo e recíproco o interesse, o qual
cessaria no momento que não se necessitasse aqui das manu­
faturas européias e seus frutos.

O processo d e mudança social : características básicas

A transição à nova ordem colonial se completará, em quase


todos os países latino-americanos em fins do século X IX . Poucos
processos de nossa história apresentam a complexidade e variedade
ae situações deste período de passagem de uma situação dependente
a outra, que se estende, segundo os casos, ,ao longo de um século.
Qualquer tentativa de comparação exige que se defina certos critérios
fundamentais, que ajudem a reconhecer os tipos principais relativos
ao mencionado processo de transição. A escolha desses critérios não
é, naturalmente, independente da maneira como se caracterize às
sociedades no ponto de partida e no de chegada. A referência aos
capítulos 2 e 4 deste texto é imprescindível para uma visão mais
real do conjunto.
No processo de vinculação ao mercado mundial se distinguem
duas fases diferentes.11 A primeira se estende da independência até
meados do século X IX e se caracteriza pela abertura ao livre comér­
cio, a entrada maciça de manufaturas britânicas e a perda, em poucos
anos, da massa de metal precioso circulante. A penúria de capitais
e as elevadas taxas de juros são um traço comum que indica, em
cada caso, a debilidade das exportações para o mercado mundial e a
profunda reserva dos investidores ingleses, assustados sem dúvida pela
crise de 1825. Nestas condições só foram viáveis uns poucos produtos
de exportação: aqueles que, como a criação de gado, exigiram inver­
sões, iniciais mínimas, ou os corantes (cohonilha, anil) e minerais
preciosos que asseguravam um produto de pouco volume e alto valor.
Ao inexistirem condições para modificar os sistemas de transporte
interno, só foi possível reeditar atividades de base colonial, como é o
caso do trigo e da mineração chilenos, do café da Venezuela e do
vale do Paraíba, do anil e da cochonilha na América Central.
A segunda fase se configura depois da metade do século: com à s
afluência maciça de capitais estrangeiros que se investiram eqi.obras
de infra-estrutura e em empréstimos aos governos; e uma forte de­
manda nos países industrializados de produtos prirnt^ijbs. Em rigor,
nenhum destes elementos é absolutamente novo, poréríi assumem uma
escala inédita as transformações em jogo.
O processo de transição pode caracterizar-se como um conjunto
de mudanças a nível da economia e sociedade nacionais, exigidos
para fazer possível a expansão em grande escala das atividades expor­
tadoras. Estas transformações se efetuaram através de três processos
básicos: abolição da escravidão, a reforma liberal e a colonização
de áreas vazias. Estes três mecanismos estão presentes, em maior ou
menor grau, nos processos de transição de todos os países latino-
americanos, porém seria ilusório crer que em todos os casos operam
de forma similar. Nos países que durante o período colonial se
caracterizaram por uma economia centrada na plantation escravista,
o problema da abolição — ou seja, a necessidade duma mudança ra­
dical no mercado de trabalho — , determinará as soluções considera­

11. Tulio Halperin Donghi, o p c i t . , pp. 146-159 e pp. 207-216; do mesmo


autor, Hispanoamérica después d e la independência, cit., cap. II.
das como possíveis para o conjunto mais amplo de transformações
imprescindíveis: mercado de terras, de capitais, legislação, etc. Nos
países com populações indígenas densas, o processo de reforma libe­
ral girará sobretudo ao redor da questão da terra. Em grau maior ou
menor, o confisco dos bens da Igreja e o avanço sobre as terras das
comunidades, bem como a venda de terras devolutas, terão o duplo
efeito de criar simultaneamente uma oferta de terras e de mão-de-
obra. Os casos de colonização numa área vazia definir-se-ão antes de
mais nada pela necessidade de migração interna ou imigração maci­
ça e, em quase todos os casos, por uma apropriação prévia das terras
a serem povoadas. Os dois casos principais em que a imigração foi
pouco significativa estão representados pelo Vale Central da Costa
Rica e pela região colombiana de Antióquia.

fí) A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

1. Generalidades
\
Como ao estudar a época colonial, também agora concentrare­
mos preferencialmente nossa análi^énaquelas sociedades que tinham
na escravidão negra a base de suàs relações de produção.
Na década de 1940 se geraram duas correntes explicativas da
abolição, destinadas a exercer poderosa influência durante longos
anos. Uma delas é consequência lógica das idéias de F. Tannenbaum
quanto à existência de diferentes sistemas escravistas nas Américas
— teoria já mencionada em nosso capítulo sobre a Colônia. Nas
palavras do autor:1'

“Se na América Latina a abolição da escravidão se verifi­


cou cm todos os casos sem violência, sem derramamento de
sangue e sem guerra civil, isto se deveu ao fato de que ali não
havia uma divisão horizontal fixa, nem qualquer endureciipento
de formas cuja pauta não pudesse modificar-se subseqiienle-
inente mediante adaptações internas. Na América Latina sem-12

12. Frank Tannenbaum, El Negro en las Américas. Esclavo y ciutladano,


Paidós, Buenos Aires, 1968, p. 102 (a edição original norte-americana é de
1947).
traste entre os processos abolicionistas/é^suas seqüelas no sudeste e
no nordeste do Brasil, por exemplq/já que só a primeira região re­
cebeu uma considerável onda imigratória. O mesmo se aplica às mo­
dalidades variadas da evolução dos sistemqs de trabalho nas Antilhas
e Guianas.

C) O SIGNIFICADO ECONÔMICO DAS REFORM AS LIBERA IS

O processo político da reforma liberal, chamada às vezes de


“organização nacional’' ou outras denominações similares, caracteriza
a fase de consolidação dos estados nacionais. Em linhas gerais estes
aspectos da reforma liberal são conhecidos com certo detalhe, mas
seria difícil afirmar que este conhecimento esgota a reflexão do pro­
cesso de mudança social. Dedicar-nos-emos a estudar o significado
econômico desta reforma, tratando de estabelecer se nos diferentes
países lhe corresponde um conteúdo comum e comparável. Nossa
hipótese é que, num grupo de nações latino-americanas, é através
deste processo de reforma liberal que se opera definitivamente a tf
transição ao capitalismo dependente. X'

J'r
■..tf
1. Caracterização geral
J
A primeira constatação que resulta da comparação das econo­
mias da América Espanhola com as do Brasil e do Caribe é de sua
relativa heterogeneidade. Celso Furtado formulou uma sugestiva hipó­
tese explicativa do papel que havia cabido aos centros mineiros de
exportação em um e outro casos. O ciclo brasileiro do ouro, no
século X V III, seria o principal responsável pela relativa interde­
pendência da economia brasileira no século X IX . A crise da prata, na
América Espanhola de 1650, havia decidido a fragmentação, as ten­
dências desagregadoras, dos dois séculos seguintes, que são os de
constituição das identidades e dos Estados nacionais.™ Uma análise

>0. Celso Furtado, La econom ia latinoamcricana desde Ia conquista ibé­


rica busla la revolución cubana. Siglo X X I, México, l% 9, pp. 32-34; para
uma apreciação critica da tese de Furtado, cf. Richard Morse, art, cit. in n. 6,
pp. 25 e seguintes.

160
histórica mais precisa não confirma, no entanto, esta linha de explica­
ção. A mineração da prata também experimenta um auge notório no
século X V I11. Parecería que o mais decisivo no contraste é o fato de
que o sistema de p la n t a iio n escravista dominante no Brasil e nas Anti-
Ihas é, na diversidade de casos, muito mate homogêneo como estru­
tura sócio-econômica. Em outras palavras, o sistema colonial estru­
turado na base da exploração do trabalho indígena oferece muito mais
variantes e também muito mais possibilidades de transformação ao
longo do tempo; o sistema escravista, em troca, exige, para funcionar
como tal, um número limitado de restrições, como se acaba de mostrar.
Esta variedade de situações faz por certo difícil, e às vezes peri­
goso, o estabelecimento de hipóteses explicativas gerais. O problema
maior deriva, porém, do conhecimento muito desigual com que con­
tamos sobre os diversos casos. Com estas precauções em mente, deve
ficar claro que o que segue são hipóteses de trabalho, que a investi­
gação dos anos vindouros deverá esclarecer, completar e muitas vezes
; dtcluir.
A constituição de um mercado de terras está presente em todos
os problemas básicos da transição nos casos que ora nos ocupam.
Isto implica que antes da reforma existiram grandes extensões de terra
geralmenle adequadas para os cultivos de exportação, que por meca­
nismos institucionais estavam, desde a época colonial, "imobilizadas”,
significa dizer, não podiam ser compradas ou vendidas. A chamada
desamortização consistirá em trazer esses bens imóveis à circulação
econômica. A Igreja e as ordens monásticas por um lado, as comuni­
dades indígenas e as propriedades municipais ( ejid os) por outro
serão afetadas por um processo de avanço inexorável da propriedade
privada. Mas o panorama ficaria incompleto se não se mencionasse
a venda de terras públicas; num lapso de tempo, geralmenle curto,
estas grandes extensões de terreno, às vezes desocupadas e inexplo­
radas, outras apropriadas de fato, passariam ao domínio privado.
A constituição de um verdadeiro mercado de terras foi um pro­
cesso geralmente violento. A Igreja conseguiu estruturar, em muitos
casos, uma sólida resistência conservadora, mas que na maioria das
vezes foi vencida num curto espaço de tempo. As comunidades indí­
genas estabeleceram uma resistência muito mais tenaz e duradoura;
ein alguns casos chegaram a obter o reconhecimento legal que as
primeiras leis republicanas invariavelmente lhes negavam. Percebe-se

161
também, na evolução interna das próprias comunidades, uma erosão
lenta no funcionamento da propriedade e da organização do trabalho
coletivas.
Uma consequência maior das mudanças na estrutura agrária foi
a formação de um mercado dc trabalho adaptado às necessidades da
economia de exportação. O assalariado típico, o proletariado comple­
tamente despossuído dos meios de produção, não foi, porem, na Amé­
rica Latina do século X IX a forma de trabalho predominante. Entre
a peonagem próxima á servidão e o assalariado livre, sobrevive, e
em muitos casos aparece, toda uma gama de situações intermediá­
rias. O efeito mais imediato de um mercado de trabalho deste tipo
c o fato de que o custo de reprodução da força de trabalho não estará
determinado pela economia mercantil, mas pelas características c dinâ­
mica destes setores dc produção não capitalistas. Numa primeira fase
esta mesma situação obrigará à persistência de formas de coação para,v
o recrutamento da mão-de-obra. a/
,A' '
O estabelecimento de colonos europeus foi uma meta persegui­
da por todos os governos da época. Porém, em nenhum dpi rasos
que estudamos a imigração teve importância numérica ijuànto ao
mercado de mão-de-obra. Sua significação é importante,, ém contra­
partida, do ponto de vista empresarial, já que os imigplntes cumpri­
ram um destacado papel como ativos promotores d^s''atividades agrí­
colas e comerciais de exportação, as artesanais i|Tbanas, as relacio­
nadas com a educação, etc.
A constituição de um mercado de terras teve também particular
importância como garantia para a obtenção de financiamento neces­
sário, tanto para as ferrovias e o transporte em geral, como para as
próprias atividades de exportação. Em outras palavras, as terras
constituíram uma forma dc remuneração do Estado e também uma
garantia para as inversões em obras públicas. Por sua vez, o em­
préstimo sobre hipotecas operou como um mecanismo básico de
financiamento agrícola.2

2. Os tipos básicos de reform a liberal

Os diferentes casos de reforma liberal podem ser classificados


segundo o grau de predomínio alcançado pela propriedade privada
da terra em fins do século X IX , significa dizer, no período do auge
das economias de exportação e quando em quase todos os casos c

162
processos político da reforma havia sido concluído. Como dissemos,
a Igreja e as ordens religiosas acabaram por perder sua nada despre­
zível fortuna territorial; a persistência de formas de propriedade co­
munal refere-se então às comunidades indígenas e a variantes menos
freqüentes como os ejidos municipais. Podemos distinguir duas situa­
ções fundamentais: 1?) uma, na qual estas formas comunais são
eliminadas quase por completo a ponto que, ao persistir, não se
constituíram em um setor chave para o funcionamento da economia
de exportação, como é o caso do México, El Salvador, Colômbia,
Venezuela e Chile; 2?) outra, na qual as comunidades subsistem
solidamente articuladas à expansão do setor exportador: Equador,
Peru, Bolívia e Guatemala exemplificam em graus diversos esta se­
gunda variante.

México11

Durante ^ primeira metade do século passado, alguns dos parâ­


metros centrais da estruturação colonial — o monopólio comercial,
a concentração do poder político e econômico na cidade do México,
a mineração — foram apagados durante as aguerras de independên­
cia e as lutas subseqüentes, sem que nenhuma alternativa viável os
viesse substituir. O traço mais manifesto das três décadas poste­
riores à independência política (1 8 2 1 ) é, provavelmente, a persis­
tência medíocre de práticas e traços herdados da colônia, posto que
não existia um poder central suficientemente forte para empreender
mudanças radicais. Tudo isso se dá em um marco estrutural de ex­
tremo atraso: fragmentação do país em múltiplas economias regio­
nais pouco significativas e não integradas entre si; inexistência de
uma verdadeira rede de comunicações (o transporte terrestre se
fazia à base de carros de boi e mulas por caminhos apenas transi-31

31. Utilizamos principalmenle: Francisco López Câmara, La Estructura


econôm ica y sociai d e M éxico en la época de la R eform a, Siglo X X I, México,
1967; Luis González et alit, La econom ia mexicana en la ép oca d e la Reform a,
Sep-Setentas, n.“ 236, México, 19762; T. G. Powell, El liberalism o y el cam-
pesinado en el centro de M éxico (1850 a 1876), trad. R. Gómez, Sep-Seientas,
n.“ 122, México, 1974; David A. Brading, Los orígenes dei nacionalism o m exi­
cano, trad. Solcdad Loaeza Grave, Sep-Setentas, n.° 82, México, 1973; |ean
Meyer, Problem as cam pesinos y revueltas agrarias (1821-1910), Sep-Setentas,
n.“ 80, México, 1973; |an Bazant, Los bienes d e la íglesia en M éxico (1856-
1875), El Colégio de México, 1971.
A fronteira da América do Sul nos séculos XIX e XX

Fonte: G. J. Butland, "Frontiers of Settlement in South America”, in


Revista G eográfica, n.° 65, Instituto Panamericano de Geografia e História,
Rio de Janeiro, dez. de 1966, pp. 93-107.
sendo secundárias no conjunto da economia nacional. Á colonização
da região de florestas no Equador, Peru e Bolívia tem esse caráter, e
algo parecido ocorre em certas áreas do interior do Paraguai e do
Brasil, e no sul do Chile. Noutros casos assistimos a uma ocupação
do território muito mais rápida e ao surgimento de uma pujante eco­
nomia de exportação que adquire uma posição dominante. As pla­
nícies do Rio da Prata, o Planalto de São Paulo e em menor medida
a Amazônia brasileira, a região de Antióquia na Colômbia e o vale
central da Costa Rica constituem os exemplos mais significativos.
Para caracterizar estes processos de\colonização examinaremos
três variáveis fundamentais: as condições de acesso à propriedade da
terra; as características do povoamento; a\penetração do capital
estrangeiro (estradas-de-ferro, comércio, etc.). Cjma tipologia opera­
cional dos distintos casos pode ser construída a partir da distinção
de duas situações: uma na qual a imigração europeia é substancial
e origina a maior parte do povoamento (Argentina, Urugqai e B rasil);
outra, na qual a migração interna desempenha o papel decisivo (C o­
lômbia e Costa R ica).

2. Os tipos básicos de colonização

Argentina: a região dos pampas87

A economia do Vice-Reinadq 4<> R*° da Prata tinha dois centros


de gravidade: o Alto Peru, cyja mineração involuiu na maior parte
do século X V III, e Buenos Aires, porto e capital, com uma atividade
mercantil cada vez mais importante. Entre estes dois pólos situava-se
o interior da atqal Argentina, dedicado a atividades agrícolas diversifi­
cadas (cereais'cana-de-açúcar, vinhedos, oliveiras), artesantos diver­
sos e ujpá pecuária orientada para a produção de mulas destinadas ao

87. Cf. Mark Jefferson, Peopling the Argentina Pampa, American Geo
graphical Society, Nova York, 1926; Carl Solberg, Immigration and Nationa-
lisin, Argentina c Chile, 1890-1914, The University of Texas Press, Austin-
Londres, 1970; James R. Scobie, Revolución en Ias Pampas, trad. de F. Mazía,
Solar/Hachette, Buenos Aires, 1968; Torcuato S. Di Telia, et alii, Argentina,
Sociedad d e Masas, Eudeba, Buenos Aires, 1965; Torcuato S. Di Telia e Túlio
Halperin Donghi (eds.), L os fragmentos dei poder, Ed. Jorge Álvarez, Buenos
Aires, 1969; Tulio Halperin Donghi, "Argentina”, in Latin America, A gu ide...,
op. cit., in n.° 35, pp. 49-162.
transporte. A extensão geográfica das rotas comerciais e a precarie­
dade das comunicações faziam a economia do Vice-Reinado depender
de um delicado equilíbrio inter-regional que se rompeu com desenvol­
vimento muito rápido da região dos pampas. A hegemonia econômica
e política do litoral argentino começou com a própria criação do
Vice-Reinado em 1776, porém só adquiriu sua forma definitiva ao
final do século X IX , quando a estrada de ferro integrou as economias
do interior em um verdadeiro mercado nacional.
A pecuária da região platina se desenvolve em função das expor­
tações de couro e sebo, e desde princípios do século X I X com a
difusão das charqueadas. Tratava-se de uma atividade totalmente ex­
tensiva, na qual a inversão de maior valor era o gado.88 Como con-
seqüência da guerra de Independência está a ruína da pecuária de
Entre Rios e Uruguai, por volta de 1815; assim a zona rural de
Buenos Aires torna-se a principal beneficiária das perspectivas co­
merciais favoráveis para estes produtos. A pecuária da charqueada
entra em crise na década de 1830: grandes secas em 1830-1832 e o
bloqueio francês de 1838-1839; em 1840 estabelece-se a competição
das charqueadas do sul do Brasil, de Santa Fé, Corrientes e Entre
Rios. É nesta conjuntura desfavorável que certos pecuaristas intro­
duzem ovelhas de raça merino, abrindo o caminho para as expor­
tações de lã.
O ciclo da lã muda radicalmente, desde meados do século, as
características do desenvolvimento da pecuária. A mestiçagem e o me­
lhoramento genético dos animais, o cercamento e alambramento dos
campos e uma mão-de-obra com certo grau de especialização torna­
ram-se requisitos indispensáveis. Entre 1865 e a década de 1880 a
lã representou quase 50% do total de exportações; o restante incluía
os couros, o charque e subprodutos.
Os dois processos de expansão que acabamos de resumir exigi­
ram um crescente avanço da fronteira em direção ao sul e ao oeste
do pampa. A primeira expansão, manifestada nos anos de 1820, cul­
mina com a “campanha de Rosas ao deserto” em 1833. As leis de
enfiteuse expedidas em 1822 e 1826 converteram-se, na prática, em um

88. Cf. Tulio Haiperin Donghi, "La expansión ganadera, en |a campana


de Buenos Aires (1810-1852)’’, in Los fragm entos dei poder, op. cit., pp. 21-73;
Alfredo J. Monloya, Historia d e los saladeros argentinos, Editorial Raigal, Bue­
nos Aires, 1956.
mecanismo de venda das terras públicas, fato que ocorre sobretudo na
década seguinte. Pode afirmar-se que entre 1820 e 1830 se constituem
as principais fortunas agrárias da zona rural de Buenos Aires.”9 O
segundo processo de expansão, vinculado à ovinocultura, culmina com
a “campanha de Roca ao deserto” em 1879 e com o extermínio dos
índios. A apropriação substancial de novas terras e a consolidação
de uma poderosa classe de proprietários de terras constituem os
aspectos mais notáveis deste processo.899091.
A imigração européia atingirá o auge em 1880. Numa primeira
fase, iniciada em 1840, chegam quantidades moderadas de imigrantes.
Certos grupos de irlandeses, escoceses, bascos e franceses participam
ativamente na introdução da ovinocultura e conseguem integrar-se,
graças ao êxito econômico, à classe de proprietários de terras do
litoral.
Entre 1850 e 1890 ocorre em Santa Fé um processo de coloni­
zação agrícola01 que, graças à ação enérgica do governo provincial,
consegue dotar os imigrantes de pequenas e médias propriedades A
zona central de Santa Fé, que se beneficiava do transporte fluvial,
foi, neste sentido, a que conheceu o maior desenvolvimento. Porém,
ao estender-se a colonização em direção ao sul da província, acom­
panhada desde 1870 pelas linhas de estrada de ferro, apresentaria
como resultante uma paisagem agrária que deixa de ser predomínio
da pequena e média propriedades. A combinação entre pecuária e
agricultura, visível em 1880 no sul de Santa Fé e no norte da provín­
cia de Buenos Aires, se converterá no correr dos anos no traço mais
típico da estrutura agrária da região dos pampas. A crise de 1890
determina o fim do mencionado processo de colonização em Santa
Fé.

89. Jacinto Oddone, La burguesia terrateniente argentina, Ediciones Li­


bera, Buenos Aires, 19673; Andrés M. Carretcro, “Contribución al copoci-
miento de Ia propiedad rural en la província de Buenos Aires para 1830”, in
Boletín dcl Instituto d e Historia Argentina, Dr. Emilio Ravignani, t. X III,
segunda série, n.” 22-23, 1970. pp. 245-292; Andrés M. Carretcro, La propigdad
de la lierra en la época d e Rosas, Editorial El Coloquio, Buenos Aires, 1972.
90. Cí. J. Oddone, op. cit.; Miguel Angel Cárcano, Evolución histórica
dei régimen d e la tierra pública, 1810-1916, Eudeba, Buenos Aires, I9723 (1.*
ed. 1917); Roberto Cortês Conde, “ Algunos rasgos de la expansíón territorial
en Argentina en la segunda mitad dei siglo X IX ” , in DesarroUo Econôm ico,
abril-junho de 1968. pp. 3-29; Romain Gaignard, "Origen y evolución de la
pequena propriedad campesina en la pampa argentina”, in DesarroUo E conô­
mico, abril-junho de 1966, pp. 55-76.
91. Cf. Ezequiel Gallo, "Ocupación de tierras y colonización agrícola
en Santa Fe (1870-1895)”, in Tierras Nuevas, op. cit., pp. 92-104.
A imigração em massa, que entre 1903 e 1904 alcança saldos
superiores a 100.000 pessoas por ano, conhece outro destino. Estes
agricultores europeus chegariam a um pampa ocupado no que diz
respeito aos direitos de propriedade sobre a terra. As leis de coloni- >
zação expedidas em nível nacional não tiveram aplicação efetiva.0-’
O grando proprietário pecuarista recorreu então ao expediente de
ceder parcelas dos prados a colonos imigrantes, através de um contrato
de arrendamento ou parceria, que durava em media cinco anos, e que
exigia quando do seu término a entrega do campo semeado com alfafa,
forrageira indispensável para a cevagem do gado vacum de qualidade.
Este modelo de associação entre agricultura e pecuária permitiu, pela
abundância e fertilidade das terras, uma expansão sem precedentes
dos saldos exportáveis de cereais e linho, por um lado, e de produtos
da pecuária por outro. Conservou a hegemonia do setor dos proprie­
tários de terras e determinou um desenvolvimento agrícola caracle-
rizado por escassas inversões.
A afluência de capital estrangeiro, particularmente britânico, foi
essencial neste processo de expansão agrícola. A rede ferroviária tota­
lizava 17.000 km em 1900, e nas vésperas da primeira guerra mun­
dial alcançava 3 4 .000 km. A rede, estendida em leque desde o porto
de Buenos Aires, não só forneceu o transporte indispensável para os
produtos de exportação, como também de falo subordinou a economia
argentina aos interesses britânicos, dando forma final ao que H.S.
Ferns929394denominou de “equação política anglo-argentina” . A estrada
de ferro integrou definitivamente as economias do interior em um ver­
dadeiro mercado nacional. A hegemonia política dos proprietários de
terra de Buenos Aires assentou-se então em báses mais duradouras,
com um poder que em escala nacional implicou em acordos com as
oligarquias provinciais. Dessa forma, o açúcar de Tucumán e o vinho
de Cuyo não só conseguiram resistir, mas puderam também expandir-se
no período de auge da zona dos pampas.04

92. Cf. Miguel Angel Cácano, op. cit.; Gastón Gori, Inmtgración y co-
lonización en ia R epública Argentina, F.udcba, Buenos Aires, 1964.
93. H. S. Ferns, Gran Bretana y Argentina en ei siglo XIX, trad. de A.
L. Bixio, Editorial Solar/Hachette, Buenos Aires, 1968, pp. 486 e seguintes.
94. Para uma descrição das economias regionais de fins do século X IX
até os anos de 1920, cf. Pierre Dcnis, L a R epublique Argentine, ia mise en
valeur du pays, Armand Colin, Paris, 1920.

196
Uruguai93

Até 1811 a Banda oriental era uma imensa estância de criação


de gado que girava em torno do porto de Montevidéu. A competição
desta praça com a de Buenos Aires, notória desde o final do século
X V III, aprofundou-se com as rivalidades políticas dos anos 1808-
1810. Desses anos até a independência, obtida em 1828, transcorre
um período de lutas incessantes que arruinam por completo a indús­
tria do charque. Artigas, que liderava um movimento de amplas bases
populares, tentou durante o efêmero governo da “Pátria Velha” (1815-
1817) uma verdadeira “reforma agrária”.83 O “ Regulamento provi­
sório”, redigido em 1815, promovia a colonização regulando a adju­
dicação dos terrenos disponíveis “ . . . com a precaução de que os
mais infelizes serão os mais privilegiados. . . ”. “Em consequência, os
negros livres, os cafusos desta classe, os índios e os criollos po|pres
poderão ser agraciados com concessão de estância, se com seu tra­
balho e honradez contribuírem para a sua felicidade e a da província.”
Também estabelecia no seu artigo 12 que “as terras divisíveis são as
ocupadas pelos emigrantes, maus europeus e piores americanos, que
até a presente data não foram indultados pelo chefe da província e
assim deixam de ter a posse de suas antigas propriedades”. £ sabido
que a invasão portuguesa, a que não foram estranhas as maquinações
de Buenos Aires, pôs fim em 1817 à experiência de Artigas.
A independência não traz a paz. Os conflitos internos, com
intervenções regulares dos vizinhos argentinos e brasileiros, dificul­
tam o difícil ressurgimento da pecuária: a Guerra Grande ( 1839-
1 8 5 1 ), as lutas civis até a vitória de Venâncio Flores (1 8 5 1 -1 8 6 5 ),
a guerra do Paraguai (1 8 6 5 -1 8 7 0 ), novos conflitos desde o assassi­
nato de Flores (1 8 6 8 ) que se encerram temporariamente com a paz
de 1872. Foi só sob o governo do coronel Latorre (1 8 7 5 -1 8 8 0 ) que956

95. Cf. Juan Antonio Oddone, L a form ación d ei Uruguay m oderno, Eu-
deba, Buenos Aires, 1966; Simon Hanson, Utopia in Uruguay, Nova York,
1938; Luis Carlos Benvenuto, Breve historia dei Uruguay (Economia y So-
ciedad). Editorial Arca, Montevidéu, 1967; Raúl Jacob, “Algunas considera-
ciones acerca de la formación econômica dei Uruguay 1726-1930", comunica­
ção apresentada ao V Sim posio d e Historia Econôm ica d e A m érica latina,
Comisión de Historia Econômica de CLACSO, Lima, 5-8 de abril de 1978
(mimeografado).
96. Cf. Nelson de la Torre, Júlio Rodríguez e Lucía Sala de Touron,
La Revolución agraria artiguista, Montevidéu, 1969 (2.‘ ed., Siglo X X I, Mé­
xico, 1978).
se alingiu uma certa estabilidade institucional, que somente se com­
pletaria a partir de 1904.
A apropriação efetiva do solo ocorrerá, depois da Guerra Gran­
de, com a difusão do aíambramento9798e atingirá seu ritmo mais intenso
depois de 1871. Deve notar-se que como o aíambramento precedeu à
medição geral do país, não houve controle algum sobre as terras
fiscais. O Código Rural de 1876 definiu juridicamente as propriedades,
e através da reforma dc 1879, que estabeleceu a “medição forçosa"
na construção dos alambrados, prejudicou os pequenos proprietários,
que impossibilitados de arcar com os gastos do cercamento tiveram
que vender as terras e o gado. A pacificação da zona rural c a cen­
tralização do poder, mais ou menos efetivas desde o governo de Lator-
re, constituíram a condição política destas mudanças, as quais refle­
tem também a lenta agonia do charque e o auge crescente das expor­
tações de lã.
Com a crescente penetração do capital britânico,!,s muito notável
depois de 1870, delineia-se uma equação de interesses, similar, por
outro lado, à que existia na outra margem do Prata, que envolvia
proprietário de terras e comerciante, porto e zona rural, Londres e
Montevidéu em um círculo estreito, que pode considerar-se completo
com o aparecimento do frigorífico no final do século X IX .
A imigração européia desempenhou uin papel preponderante na
configuração do Uruguai.'”' Na década de 1830 começa a chegada de
reduzidos contingentes de franceses, italianos e espanhóis. O censo
geral de 1852 arrolou um total de 131.969 habitantes, dos quais
22% eram estrangeiros. Os colonos europeus continuaram chegando,
em escala reduzida, durante a segunda metade do século. Muitos se
integraram às atividades da pecuária (sobretudo a criação de ove­
lhas) e acabaram formando parte da classe dos proprietários de terras.
Note-se que ao constituir-se a “Associação Rural do Uruguai" em
J871 , da relação dos 165 fundadores cerca de 32% eram estrangeiros.
Mas uma vez delimitada a propriedade rural, uma expansão da pe­
cuária extensiva como a uruguaia, que por razões ecológicas não podia
recorrer à associação com a agricultura, já não deixava lugar para
novos colonos.

97. Cf. Raúl facob. Consecuencias sociales dei alam bram ienlo (1872-1880).
Ediciones dc Ia Banda Oriental. Montevidéu. 1969.
98. Cf. Pelcr Winn. "Britisb Informal Empire in Uruguay ir. lhe Ni-
neteenth Century". in Pasl and Present. n." 73, novembro de 1976, pp. 100-126.
99. Cf. )uan Anlonio Oddone, c/p. cit.
Os saldos dos movimentos migratórios crescem com o novo
século até alcançar uma média anual de cerca de 2 0.000 entre os anos
de 1906 e 1914. "O censo de 1908 indicou que o Uruguai tinha um
milhão de habitantes, dos quais 17% eram estrangeiros. Montevidéu
contava com 309.231 habitantes, ou seja, uma terça parte do total
da população do país. Este fenômeno de macrocefalia não era novo,
pode dizer-se que existe desde a fundação de Montevidéu em 1726,
numa zona rural quase despovoada. Mas no momento em tela não
era só uma expressão passageira dos transtornos civis ou de uma
inesperada prosperidade portuária. Refletia, em verdade, um cresci­
mento econômico extensivo, que só podia absorver mão-de-obra
adicional através de um setor de serviços cada vez mais hipertrofiado,
e de incipientes atividades industriais.

Brasil: São Paulo e Amazônia100

A crise final do sistema escravista coincidiu, como vimos páginas


atrás, com a decadência da cultura do café no vale do Paraíba. A
região de São Paulo adquiriu de imediato um papel dominante, como
produtora e exportadora de café.
Zona de fronteira por longos séculos, as famosas Bandeiras
cediam agora a vez à frente pioneira da agricultura de exportação,
que primeiro penetrou pelo sul do vale do Paraíba e desde meados do
século X IX ganhou o interior da região paulista. Entre 1811 e 1940
a população do estado de São Paulo cresceu a uma média anual de
3% ; e se se considera só o período 1890-1920 o ritmo de incremento
é de 3,9% ao ano.101 A produção de café era em 1870 de 63 milhões
de kg, em 1900 atingia 479 milhões de kg e em 1927 atingia cifra
recorde de 1.079 milhões de kg. A cidade de São Paulo passou de
25.000 habitantes em 1816 para 65.000 habitantes em 1890; em

100. Cf. Caio Prado (unior. Historia Econôm ica dei Brasil, irad. de H.
Jufrc Barroso, Editorial Futuro, Buenos Aires, 1960; Affonso de E. Taunay,
Pequena História do Café no Brasil, Edição do Departamento Nacional do
Café, Rio de Janeiro, 1945; Carlos Guilherme Mola (ed.), Brasil em Perspec­
tiva. Difusão Européia do Livro, São Paulo, t9734; Celso Furtado, Formación
Econôm ica dei Brasil, op. cit.; Pierre Monbeig, Pionniers et Planteurs de São
Paulo. Armand Colin, Paris, 1952.
101. Calculado segundo as cifras de Monbeig, op. cit., p. 14.
alcance nacional.,0T Por outro lado, São Paulo não foi a única região
com volume significativo de exportações, ainda que nepmima outra
região tenha conseguido um auge tão intenso e duradqúro. A Bahia
recebe, com o cacau, um novo impulso, sobretudo nos anos 1880-
1905, até que Gana supera o Brasil no mercado mundial do cacau
e a produção baiana é relegada a um lugar secundário. A borracha do
Amazonas oferece entre 1890 e 1912 outro exemplo de fugaz pros­
peridade.
As imensas reservas brasileiras de seringueiras tornaram-se eco­
nomicamente atraentes desde o momento em que houve utilizações
industriais da borracha em grande escala (processo de vulcanização,
1842). As primeiras exportações datam de 1827 e a partir de então
crescem continuamente, alcançando seu apogeu nos anos retromencio-
nados. A selva amazônica constituiu, nesta época,«uma pujante zona
de fronteira a que chegavam os migrantes procedentes do Nordeste
brasileiro (afetado pela grande seca de 1 8 77-1880). Mas a explora­
ção foi meramente extrativa, razão pela qual a frente pioneira deslo­
cou-se acompanhando o curso do Amazonas e de seus principais
afluentes (únicas vias de comunicação). Caio Prado Jr. afirma, com
razão, que em vez de “uma sociedade organizada, a Amazônia destes
anos de febre e de borracha terá o caráter de um acampamento”.107108109
A organização econômica da coleta do látex era tão primitiva
quanto a técnica empregada. A especulação, em benefício de uma
vintena de firmas exportadoras,100 constitüju um traço dominante em
uma cadeia de interesses que passava, sucessivamente, pelos aviado­
res e os patrões e se encerrava nos seringueiro^ (trabalhadores dire­
tos). Estes úlitmos' estavam invariavelmente endividados com os
patrões, que lhes compravam a goma e lhes vendiam o necessário
para a subsistência. Os aviadores eram os intermediários entre os
patrões e os exportadores, estes últimos residentes em Manaus ou
Belém. A distância dos centros povoados e os inevitáveis, problemas
de abastecimento faziam com que o custo de vida fosse extrêmamente
elevado e que os seringueiros não tivessem forma possível de\scapar
ao endividamento com os comerciantes.

107. Cf. Eduardo A. Zalduendo, Libras y rieles, Editorial El Coloquio,


Buenos Aires. 1975, pp. 205-243.
108. Caio Prado Junior, op. cit., p. 274.
109. Cf. o documento reproduzido in Edgard Carone, A primeira R e­
pública (1889-1930), Difusão Européia do Livro, .São Paulo, 19752, pp. 153-159.
O esgotamento das reservas e a competição das plantações do
Ceilão e Singapura levaram a produção brasileira de borracha ao co­
lapso, já em vésperas da primeira guerra mundial. De 28% do total
de exportações em 1901-1910, a produção de borracha cai para 2,5%
em 1921-1930; nesta última década o café alcançou 69,5% do total
das mercadorias exportadas. A Amazônia voltou então a ser uma região
marginal; c a decadência das cidades como Manaus foi irremediável.
Em resumo, devido a fatores geográficos e históricos, a coloni­
zação paulista teve, no contexto global brasileiro, um impacto mo­
derado. A estrutura do poder na Primeira República (1 8 8 9 -1 9 3 0 )
é provavelmente um indicador característico. A organização em federa­
ção implicava não só uma ampla autonomia dos estados membros,
como também exigia acordos inter-oligárquicos em cada sucessão,
presidencial.

Colômbia: a colonização de Antióquia110

A região ocidental da Colômbia será profundamente modificada


ao longo dos séculos X I X e X X pela colonização antioquenha. O
núcleo de povoamento colonial (ver mapa 8 ) começou a estender-se
para o sul, pelo médio curso do Cauca, desde a década de 1790.
Antióquia era uma província isolada e pouco povoada, onde era
dominante a agricultura de subsistência e a extração de ouro. O con­
traste era forte se a compararmos com os planaltos centrais: Cuncjina-
marca, Boyacá, partes de Tolima e de Huila; ou com as terras do
sul, no vale do Cauca (Popayán, Cali). Os padrões coloniais eram
aqui dominantes: grandes fazendas com mão-de-obra servil no pla­
nalto; minas e fazendas trabalhadas pelos escravos no sul.111 “Em
Antióquia os direitos sobre as minas haviam tido sempre precedência
sobre os direitos referentes às terras agrícolas, assim todas as glebas
incultas estavam abertas à exploração por parte dos mineiros. E esta
exploração, além do mais, havia sempre se baseado no trabalho ljvre,
isto porque desde os tempos coloniais a oferta de índios e de escra-

110. Cf. James J. Parsons, A ntioqueho Colonization in Western C olôm ­


bia, University of Califórnia Press, Berkeley-I.os Angeles, 1949; Luis Eduardo
Nieio Artela, El c a f é . . op. cit.; Mariano Arango, C afé e industria. . . , op . cit.;
Álvaro Tirado Mejía, Introdu cción . , . , op. cu.
111. Cf. Michael Taussig, “The evolution of Rural Wage Labour in the
Cauca Valley of Colombia, 1700-1970”, in Land and L a b o u r ..., op . ci(., in
n. 51, pp. 397-434.
Mapa 8
A colonização antioquenha

BBSfl Limites do povoam ento colonial


*“ (1790)
Povoam ento 1795 — 1850

t ^ H l Povoamento 1850 — 1900

I.VrÃl povoam ento desde 1900


n ™ t0 60
Km
zb

Fonte: James J. Parsons, A ntioqueno Colonization. . . t op. cit., nota 110


mapa 1.
vos negros era insuficiente.”n2 Esta particular .combinação de cir­
cunstâncias permitiu que, ao longo do século X IX , Antióquia fosse
uma verdadeira zona de fronteira. Em 1880-1890 a colonização agrí­
cola avançava em função da expansão de uma cultura comerciall: o
café; predominando a pçquena propriedade e o trabalho familiar.
A colonização antioquenha gerou uma paisagem agrária peculiar,
estranha ao contexto giobal colombiano, mas que influenciará notavel­
mente a evolução do país. A unificação geográfica do ocidente correu
paralelamente à penetração do café em Cundinamarca, no oriente de
Tolima e na região de Santander, e ao auge das exportações colom­
bianas desse produto. Deve notar-se que nestas últimas regiões domi­
naram as grandes fazendas trabalhadas por arrendatários.'13 Antióquia
assume a dianteira como produtor nacional de café em 1913; deve
recordar-se que os colonos estavam acostumados a semear primeiro
os grãos para sua subsistência, de colheita mais rápida que o café,
e só anos mais tarde implantavam essa cultura permanente.
A região de Antióquia converteu-se, através de um intenso fenô­
meno de colonização interna, numa pujante região cafeeira, que logo
cedo também concentrou a indústria incipiente. Mas no caso colom­
biano se somará a outras zonas exportadoras. Tanto a centralização
política, mais firme depois da sangrenta guerra dos mil dias (1899-
1902), como a crescente unificação de proprietários de terras e co­
merciantes que se observa no período de auge (1 9 1 0 -1 9 3 0 ) se limi­
tarão no âmbito político e financeiro aos requisitos básicos exigidos
pelo funcionamento da economia de exportação. A maciça afluência
de inversões estrangeiras neste período, localizada nas estradas de
ferro, bancos e empréstimos, contribuirá também para essa relativa
unificação' do país.

Costa R ic a " 1

Costa Rica alcançou a independência, juntamente com o res­


tante da America Central ( 1 8 2 1 ) , como uma zona quase vazia (cerca

112. (ames J. Parsons, op. cit., p. 101.


H3. Vide o exemplo característico estudado in Malcolm Deas, “ A Co-
lombian Coffee Estate; Santa Barbara, Cundinamarca. 1870-1912''. in Land
and Ltibour. ... op. cit., pp. 269-298.
114. Cf. Carolyn Hall, El café y el desarrollo histórico-geográfico de
Costa Rica. Editorial Costa Rica, San |osé (Costa Rica), 1976; Ciro F. S. Car­
doso e Héctor Pérez Brignoli, Centroamérica y la e c o n o m i a . , . , op. cit., in
n. 34.

om
de 65.000 habitantes em 1824), na qual a herança colonial era, do
ponto de vista econômico, muito frágil. A população estava assentada
em núcleos dispersos, no fértil vale central, e se dedicava à agricul­
tura de subsistência. Uma estrutura social pouco diferenciada, iguali­
tária na pobreza geral, relacionava a vida e a fisionomia do país.
A expansão da cultura do café permitiu assegurar, desde a dé­
cada de 1830, uma rápida e precoce integração ao mercado mundial.
A agricultura de exportação se desenvolve através de um lento pro­
cesso de ocupação de novas terras (o limite ecológico da zona apta
para o café é atingido em 1930, numa região, o vale central, com
somente 2.700 knt- de extensão). A imigração européia, promovida
pelo governo, teve um escasso êxito. O fluxo migratório europeu
reduziu-se, em consequência, a um punhado de empresários e comer­
ciantes que chegariam a dominar, precisamente, os negócios do café.
A colonização dependeu, então, exclusivamente do crescimento demo­
gráfico interno; ainda que este fosse elevado (provavelmente cerca
de 2% ao ano a partir de 1 8 6 0 ), tanto o escasso núcleo inicial de
população como as exigências de mão-de-obra da cultura do café
impuseram um ritmo muito lento na expansão da frente pioneira.
Houve três mecanismos básicos na conformação da propriedade
territorial: a dissolução dos ejidos e terras comunais dos povoados de
criollos e das pouquíssimas comunidades indígenas, a apropriação das
terras devolutas, e as compras e vendas dc terras na zona de colo­
nização mais amiga. O caráter de região vazia permitiu que se cons­
tituísse com rapidez um mercado de terras sem que ocorressem signi­
ficativas convulsões internas. O traço mais notório da estrutura agrá­
ria gerada pelo café é a ausência de concentração na propriedade
da terra. A maior parte da produção estava nas mãos de camponeses
parcelários. Estes trabalhavam em suas próprias parcelas, e nas épocas
de colheita também o faziam nas grandes fazendas e no beneficia-
mento dos grãos.
Esta ausência de concentração fundiária — em 1935 o tamanho
medio de uma fazenda de café na região do planalto central era
inferior a 15 hectares; segundo Carolyn Hall, em 1933 as grandes
fazendas (superiores a 35 hectares) não ocupavam mais de 25%
das terras destinadas ao café — tez com que as relações de dominação
se estabelecessem na esfera da comercialização e beneficiamento do
café. Nestes setores os negócios estavam nas mãos de um reduzido
grupo de empresários, que mantinham estreitos vínculos com os inte­
resses financeiros britânicos e que dominaram a vida política do país.

0f)0
I i Em resumo, no caso da Costa Rica as transformações estruturais
, 1 exigidas pelo auge cafeeiro ocorreram de forma gradual, sobretudo
entre 1840 e 1900. A expansão agrícola é resultante da colonização
interna, seu dinamismo dependeu internamente do crescimento vege-
‘ [ativo da população e da oferta abundante de terras com excelentes
condições (incluindo as facilidades de transporte) para o cultivo do
café.
I

E) OCUPAÇÃO ESTRANGEIRA E ECONOMIAS DE ENCLAVE

V
Em vários países da América Latina o processo de transição
ao capitalisriK^ periférico não pode ser analisado de forma adequada,
com a tipologià\gue vimos utilizando ao longo desle capítulo.
' Porto Rico1,s passa, sem interrupção, de uma ^ituação colonial
; a outra. Espanha cede a ilha aos Estados Unidos pelo Tratado de
| Paris ( 1 8 9 8 ) . De população majoritariamente espanhola, a plantaúon
escravista não havia tidò na ilha um grande desenvolvimento. O
auge agroexportador virá dèjrois da anexação e estará centrado no
açúcar. Umas poucas empresas norte-americanas controlaram a maior
parte das terras próprias para o cultivo da cana-de-açúcar e, através
dos engenhos, subordinaram os pequenos produtores independeptes
que conseguiram subsistir. A monocultura implantou-se solidamente
na ilha, sob padrões puramente capitalistas.
A evolução da República Dom inicana"11 é rica em vicissitudes.
A revolução haitiana convulsionou a pobre e estagnada colônia espa­
nhola, convertendo-a em campo de batalha e área de ocupação até
1844. A primeira república, organizada neste ano, precipitou-se num
período de instabilidade e confusão até que em 1861 o presidente
Pedro Santana solicita a anexação à Espanha. Mas a restauração
colonial foi efêmera, os gastos e as incessantes revoltas internas pro­
vocaram a retirada espanhola em 1865. Em 1868, o caudilho Buena-
ventura Báez fez gestões visando à anexação pelos Estados .Unidos,

115. Cf. J. U. Parry e Philip Sherlcck, Historia d e Ias Antilhas, lra<|- de


Viviana S. de Chio, Editorial Kapelusz, Buenos Aires, 1976; Robcrt C. West
c John P. Augelli. M iddle America, Its Lands and People. Englewood, Cliffs,
Prenlicc-Hall, Inc., Nova York, 19763.
116. Cf. As obras citadas in n. 115; Helen Ortiz, “Algunas considera-
ciones sobre el alza dei azúcar cn Ia República Dominicana, 1875-1900", in
Revista de Historia, n.u 1, Universidad Nacional, Heredia (Costa Rica), pp. 1-20.

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