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óleo das horas dormidas

leonardo marona
Címbalo de Extrema-Unção, Carícias sem gesto, Pompa
morta à sombra, Óleo de horas dormidas – livra-me da re-
ligião, porque é suave; e da descrença por que é forte.

(Fernando Pessoa; Livro do Desassossego)


para meu pai
SONO LEVE
“escombros” “os garotos perdidos cantam para mandelstam”

se ao menos eu fosse um desses fabricantes de canções de ninar, pintávamos com liquid paper as unhas e amarrávamos
eu seria aliviado, quem sabe, da minha dor no intestino delgado,
que de certo é pela tristeza ao ler minhas canções despedaçadas,
elásticos em torno dos braços para que nos saltassem
e quando as meto no papel a mim serão perfeitas, pouco importa as veias como as dos que imaginávamos ser
se a morte se concluiu em gelo da montanha e tinta desperdiçada. os jeans genets das penitenciárias da infância,
e as veias explodiam como a vida explodia, mas nós
quando as meto no papel pouco importa, sem pé, mão ou cabeça, traçávamos as saliências das veias intumescidas
elas irão aos olhos sem aviso e, já quase sem ternura, sem licença,
farão dormir a besta dura e sua presença trará quem sabe um riso,
com caneta bic e, por vários dias, reforçávamos
alguma crença, mas suo feito um porco-príncipe, é inútil a crença. o traço e conhecíamos o nosso corpo nos intervalos
das aulas de francês de madamme albinou, e no mais
se ao menos eu pudesse fabricar a mais simplória canção de ninar, havia as marcenarias de nossa primeira química
ah eu dormiria para sempre, com o riso leve dos que sabem dormir. e os quartos mofados dos nossos hormônios.
mas sou pobre e tenho fome, tenho medo de morrer no longo sono,
nós então sabíamos que o antigo torna-se brinquedo,
nada me resta além de arder em brasa, acordar a canção com fogo, sabíamos como sabem os facínoras e os papas,
pois que sou operário de um tempo sem descanso para olhos vivos: apenas que em nós a violência era ainda sem pecado,
posso apenas contemplar minha criação através de seus escombros. mas as costas da revolução nos costuraram os olhos
e hoje não passamos de contrarrevolucionários cegos.
“breviário de uma puta aposentada” “a barca de niterói”

a orgia virou cinza à luz da enxaqueca – gosto do teu hálito de sono, do cheiro
choro porque dentro de mim há um surdo inconstante de esperma e travesseiro –
e este surdo representa a cor do meu erro, me sinto muito bem na barca de niterói.
que de tanto cometer aprendi a amar lúcido
como o pai distante ama o filho enforcado, enquanto todos correm para seus lugares,
e as trombetas se encolhem nos corações lambo meus beiços e cheiro meu bigode,
encharcados de tanta fuga e tantos em fuga, feliz por um momento apesar das botas
e, na verdade, é uma festa pagã, mas que é dos mortos que boiam na baía semiextinta.
a festa pagã se é também um tempo pagão?
são mortos que nunca sentiram teu cheiro,
olho minhas unhas pintadas, que, de roídas, o cheiro de dentro de ti nos bigodes, pobres,
tornaram-se as unhas de uma prostituta velha. se afogaram porque sempre falta alguma coisa
a um homem quando ele decide deixar as botas
não haverá ninguém nos esperando, doçura, em pleno mar, mas na verdade, não importam
quando saltarmos para esse estranho infinito. as botas flutuantes – estou feliz porque você
não me dá pressa quando tudo grita pressa!
as flores, nós teremos que levá-las no bolso,
amanhã estaremos assombrosamente perto, então me recordo de quando eu acordava
é devido não amassar com mãos trêmulas e ia à janela enorme, e a rua já tão cedo
as flores do medo que levamos nos bolsos, tão cheia de pressa, e eu agora sem nenhuma.
é devido também, se possível, evitar tocá-las,
fundamental referência se vê melhor ao longe, ver você era a voz que diz não tenha pressa,
agora que, à luz da enxaqueca, cinza, a orgia olhe mais para ela, como dorme sem culpa,
se apresenta com as mil línguas infectadas, e eu, como bom católico, pecava sem culpa
refratárias da beleza com a visão em brasa. por te olhar, tua pele oleosa, teu quase ronco,
tua forma espatifada de ser simplesmente tudo,
e tudo me fazia esquecer janela, pressa, carros,
e pensar apenas num nome para um filho, assim,
despreocupadamente, como quem diz eu te amo.
“sobre a boa amizade” “primeiro para marina”

estarei aqui quando os concretos se virarem este é o primeiro para ti, coisa minúscula,
e vierem nos cobrar as cinzas da beleza, porque agora estás longe – e é domingo,
estarei aqui, com os olhos costurados, e no domingo almoçávamos e tentávamos,
mas você escutará, a cada morto desabado, depois de um pouco de choro pelo ultraje
meu coração pigarrear e meus dedos amarelos do abandono semanal, comunicar algo de um
suplicarem por este silêncio de cidade grande para o outro, com nossos famigerados trejeitos.
dividido com os únicos ombros firmes
desta viscosa irmandade que justifica mas não te preocupes, pequena, que agora tudo
sermos fúteis o suficiente para lustrar pareça insuficiente de sentidos, afinal és pequena
a vergonha úmida de nossos cílios florescentes demais, mas não te preocupes, mesmo aos trinta
e derramar o sangue como balas doces cocaína continuarás pequena para tais questões, e é só
porque nossa queda de joelhos será a liberdade por ti que eu jamais aceitarei novamente alguém
não reconhecida nos pequenos túneis funéreos me diga morreu o último romântico: eu estarei
e que são nada, meu amor, nada além do escuro vivo e por mim tu viverás por mais cem anos.
frágil com o qual costumamos amar sem aspas.
enquanto isso, pequena, enquanto agora desbravas
novas terras onde não colherás provavelmente muito,
enquanto isso, haverá algo de poucos gestos, mínimo,
mas que já sabe acenar adeus e sorrir sem dentes firmes,
algo minúsculo, que é como tudo que nos mantêm vivos,
porque nos vemos e não sabemos de nada, mas sabemos
que somos pedaço do mesmo pedaço, mas não comemos.
“brasília” “um a menos”

o problema sério de brasília por ora os abutres sobrevoam


são os prédios de pastilhas, a lagoa fetal e, muito em breve já munidos
tristes seres que se afagam com as devidas garras de enxofre,
nas mil quadras de mil blocos. eles darão o rasante metálico
brasília é homem que jamais e tudo isso será apenas uma história,
um mito, um terá-alguma-vez-acontecido,
pode morrer, mas traz a faca
mas os amantes estarão esfarelados
que sem lâmina nos mata, em suas carnes antigas, abraçados numa confusão pagã,
nos faz maiores para falar: a carne nova estará no balcão vermelho dos negócios de feira,
brasília ao longe teu avatar as breves frases delicadas ter-se-ão tornado
já não comove nem um grego. bustos pesados de paz em vírus.
país ao longe, tão brasileiro,
vapor ao vale na imensidão. a galope o pequeno órgão ratifica
sangue escorre, e tenho pena, a vaga culpa, estamos nus sob um sol desdenhoso,
Brasília corre com pés no chão. não há realmente porque falar sobre isso com ninguém.
mas qual o chão, se aqui se morre as salas minúsculas e os alquimistas calvos
pensando em atas de distinção? afunilaram o ambiente com paciência e muito ânimo.
serás processado, triturado e lançado ao acaso
o que nos mancha, se temos sorte,
em tua própria tendência succínea, e não será possível
serão as salvas da alforria. abrir mão deste silêncio como osso tranca-traqueia,
brasília monstra, por que brasília, ainda nem uma cabeça, um todo
se onde há homens não há poesia? germinal que no entanto pulsa.
não ser berlim, nem bem paris,
com a magia dos sem coturno. a morte da Grécia está nas ruas
não nos amamos, e sei contudo: e já não poderei vê-la porque a partir de agora
te devo a vida, e o chamariz. os olhos forçam para dentro as mágoas,
amigo velho, eu bem entendo as covas rasas se alinham ao ventre,
com a frieza dos bigodudos: não há realmente porque falar sobre isso com ninguém.
além de tudo, há lá mil vias, entende-se que a morte do pai reaproxima o par,
pois que assim seja, saberemos renunciar
linguagens cínicas do violão.
a qualquer passado por uma nova vida, daremos
brasília, a morte nunca foi tua as mãos em nosso pior inverno, riremos como clowns
mas somos todos o teu caixão. e poderemos até assaltar um banco, costuraremos
as máscaras dos sorrisos heroicos e caminharemos
com um pedaço a menos, adiante.
“imperatriz” “não vale a pena falar”

só o que eu espero é que você me cale, no momento você deve resolver seus dentes e voltar para mim.
que me sufoque de amor e me roube as raízes quedaram-se para baixo e penduram nossa infecção.
não vale a pena falar a pena não vale falar uma pena não falar.
palavras com seus símbolos antigos, acordamos a manhã a dentadas e vestimos a borracha da dor.
acenda seus olhos imensos e me cale, não há o que falar não fale o que há o que há não fala falamos.
exploda na minha cara seus dentinhos copio as folhas que se abrem mortas num catavento carmesim.
esses que são dentinhos como de coelho, as falhas nossas de cada dia nos dai hoje mas não perdoe nada.
e que sempre que eu falar “dentinhos!” não se pode perdoar o que cobre nossa intenção traumatizada.
das ruínas dos castelos erguemos cartas com furiosas carrancas.
você os ponha para fora feito um coelho, da felicidade apalavrada fizemos um pacto para nossa espera.
mas isso ainda não me cala e aqui falo, nossos medos apavoram a síndrome dos frágeis coelhos pardos.
só o que eu espero é que você me cale, há belezas vagarosas no entremeio do teu molho para saladas.
que roube minha carne e me germine, e meu suco ralo de humanidade vindoura é doce como a morte.
que reanime meus restos e me espante, e mordiscas meu antebraço com a promessa de um despejo feliz.
para sempre quero ficar boquiaberto
diante da imperatriz do meu destino,
e tiraremos algodão puro das pedras,
e muitas vezes, de nossas entranhas,
emergirão os ancestrais afogamentos,
e teremos o dobro de ar nas brânquias,
porque somos marítimos e caramujos,
e nosso fôlego será dividido em pistões,
e nossas bocas estarão sempre coladas.
“depois de fassbinder” “ando ouvindo belchior”

o comitê invisível tem razão, não haverá mais um new deal, como criança sem pernas mergulho
as passeatas tornaram-se blocos de carnaval em que se embriagar, perplexo sobre o indivisível feixe.
o sentimento social se evaporou em pequenos contratos sociais, mais que perplexo e, na verdade,
os revoltosos serão festivos e desesperados por sentimento puro, não mergulho, empurram-me na direção
o sentimento puro será o que se pode sentir sozinho, observado, do meu destino de criança sem pernas,
a nova insurreição virá da falta de uma linguagem comum. e sou obrigado a me diluir ou morrer.
estamos à beira de um ataque de nervos, fechados em salas
brancas como a morte ou com cheiro de anteontem, sala negras a escolha óbvia sobrepõe a resolução
nos pesadelos que alimentam o suor da nossa perdição sabida. das pendengas, sem chance ou esperança
não haverá a ligação telefônica dos antigos partidários da causa, sinto-me pasmo com o rumo das coisas,
com uma semana de enclausuramento cessarão as tremedeiras, caverna e dinheiro, as duas simbologias
seremos capazes de compreender tudo, com monossilábicos. me determinam e me arrancam pedaços.
fechados pelas sirenes, conseguiremos no máximo imaginar as pernas que me faltam eu tento forjá-las
o desenvolvimento de nossas cáries em rasos canais de amor. na cabeça, e nada me resta a não ser criar
um novo gólem, e então admitir: o futuro
é para os mortos, presente a morte anunciada.

com o que chamo de meu corpo desconhecido


parto como quem arrasta o próprio corpo
que cai do oitavo andar, os fundilhos das calças
esfarelam em contato com a pele que os pernilongos
ávidos por mim não me deixam esquecer que é doce
como doce é minha gangrena quando as hienas
se aproximam e, repentinamente, são muitas
as hienas sedentas de doçura, mitologias suicidas
seduzem meu coração desesperado, converso
com as pessoas e sinto: não há outra chance
a não ser me diluir entre os operários raivosos de londres,
partir é preciso, ou morrer, e morrer é mais preciso que partir,
mas como eu consigo manter os pés no chão! – e que pés?
e que chão? – como é possível que o susto transpareça
tamanha tranquilidade diante das cores novas!

haverá de ser como criança sem pernas.


a raiva será o motor do susto contínuo, os olhos
ficarão bem abertos, a voz (isto é absolutamente necessário)
enrouquecerá a ponto de sumir ou tornar-se súplica do corpo,
então haverá, quem sabe, por fim um corpo a que se fazer ruína,
e a ruína terá então o seu lugar privilegiado de costas para o sol, “sem verbo, sem adjetivo”
e então a carne enfraquecida falará, misturada aos empecilhos
de fluidos alquímicos e graves entorpecentes, que por falta com o pensamento em miles davis
de força e inegável inclinação ao erro em descrença doce,
como as hienas são doces, crianças sem pernas, meu gólem,
minha invenção em que tampouco me reconheço e, ao contrário, ainda não de todo corpo a verdade,
me sobressai e não anda comigo, porque aqui não andarei sem verbo ainda a pele do processo,
mais comigo, vou me deixar inocular pela raiva dos operários acima de tudo, um deslize adjetivo,
e fazer com que as palavras tornem-se flores carnívoras, dentes e areia nos olhos da penumbra,
porque não haverá mais agora o empilhamento
dos pedaços caídos de apenas um dos lados.
miles de minha infância, aleluia, sim!
escultura de metal com molas, prego
trocarei meus pedaços com outros despedaçados no caminho em música, cavalgadas
e seremos um enorme corpo de possibilidades de corpo. de paz como feitiço, chapéu da noite
esqueceremos um pouco o limite que se avista dentro dos ossos, escola da exigência,
do umbral como a face da foice, andaremos até o cansaço,
nem que seja o mesmo caminho, nunca mais sozinhos
frequência de rua, tempo de gueto,
e ao mesmo tempo sendo todos um grande acúmulo, pulso da abstração, catarata on/off,
dos nossos pedaços e dos pedaços alheios, agulhas de mel no topo do sentido,
para brotar feito chaga de febre um dia, talvez, elegância da margem,
sobre os ossos da beleza desdentada. dança com dois punhos de algodão,
órgãos em drama de semi esperança,
assim já não, nunca mais, agora outro
deserto memória da agonia em pelos,
sem um verbo, desta vez sem adjetivo,
prazer de íris, maná, dilatação do susto,
colhão de maremoto, show das raças,
verbo transe da massa, óculos de raio,
colisão de vara verde na escola do tédio.
“pico” “balada imperdoável”

estátuas de silêncio abutres iluminam nossos pulmões, somos o que podemos ser e não podemos
temos as pernas em chamas e, muitas vezes, torcemos tempos fechaduras para a chave do medo
os joelhos para trás incrédulos; é assumir a carga de deus asfixiados os corações pelas artérias azuis
e escorregar um pouco ralando braços, vermelho disforme correntes literárias em bicicletas mujiques
que dispara nossos desabamentos ladeira abaixo, diante a palavra prêmio virá do impossível passo
de uma fome um pouco mais estranha e a obsessiva ida nosso pódio será idílio de anões circenses
ao pico de nossas incertezas seguiremos e muitas vezes taxistas falam nossa doença a vinte pratas
olharemos para baixo e esperaremos a tal morte, talvez, o torcicolo de deus inaugura a paz humana
súbita morte que acompanha tão bem a sorte provisória as impossibilidades fazem crescer os cílios
de ser pela primeira vez presa do que nos fez nascer assim. o amanhã pertence a latas e trilhas extintas
pintaremos quadros com sorrisos de baleia
latem cães na madrugada de meus líquidos
escorrem édipos pelas ventosas do silêncio
tumores desabrocham no ouvido do suspiro
o livro da consciência gera o pelo da fome
roubaram da Terra a sua caixa de temperos
as têmporas embrulham o tifo da vontade
coleciono guimbas no chão de minh’alma.

escorre um western dos meus cotovelos


vejo passar a sorte com cachecol e bafo
sentidos enfraquecem a solução do ânus
penso em ti com tentáculos em febre alta
somos lilases dentro dos olhos da falácia
carinhos sempiternos são apenas difíceis
resta tempo para que não reste mais nada
as testas têm dobras de identidade usual
poemas alicates inflamam sisos de paixão
rodarei já que o amor usa bota ortopédica
há um mambo de trejeitos no osso da paz
com galocha espero a chuva da ocupação
é sair para falar, sentir o sorriso nas costas “escrevo agora como quem me dá a mão”
a paciência caolha bebe uísque em dublin
penetramos sem capa a chuva de pus ralo aqui te embalo para sempre em meus sonhos,
um charme de esgoto faz a vênia ao cego a ti, o próprio, fruto de todo prazer indubitável,
gangrenas de orquídeas onde ecoa o hino a quem ferimos com nomes e histórias de famílias,
ao sul de tua sorte há gânglios de veludo. mas que está aqui e agora, ainda circulando em peixe
dentro das veias e da pulsação que nos levará à morte,
e estar diante desta inafiançável situação é também
uma chance de contrapor a essa pobre velha cansada,
a morte, e que respeito tenho por ti, ó morte, agora,
quando me faltam as veias e as batidas do coração,
como à velha mãe faltaram na hora do enterro cego,
é você que guia os passos que não damos, a dor
que sentimos enquanto dizemos sou eu que sinto,
mas é mais que outra coisa, é mais que tudo isso,
e seria tão só você pudesse esta mesma coisa louca:
estar ao menos bem vestida quando me cuspisse
seus tenebrosos decassílabos, além do que odeio
o cheiro do seu caviar russo, e antecipo suas cáries.
“aquário” cheio
de nada.
forço no
mundo feito para
o que servir de
não sei. um outro,
o mundo montei a
pode redoma
ser no que me
máximo asfixia.
divertido
e no arruinado
mínimo talvez pela
intolerável. felicidade,
a coisa toda
não querer, ficará pior.
não querer
tudo que o íntimo é
se quer. demais ao
que serve
e querer de espaço.
demais
aquilo e não se
em que procura
nem se em fotos
pensa. a malha
finíssima
deses- do esque-
pero cimento.
desse
pote,
desse
vidro
“quinta de mahler – finale” “que fazer?”

para luiz cervasio ainda não existe o poema fundamental


para mulheres ainda não existe é fato
não seremos inteligentes, eis a dádiva. um homem que seja apto para a mulher
a tentativa da inteligência nos matou em dez segundos. um poema fundamental para o povo
diremos ao deitar, no ouvido da pessoa amada: não existe mais pontos vírgulas poemas
esta é a coisa mais importante que já me aconteceu.
fundamentais para não existe a morte
e isso será sempre sem inteligência.
aceitaremos as relíquias de uma atlântida nevada, mais nos poemas apenas um controle
e isso também será sem inteligência. sorriso de filme eslavo ou a naftalina
o que queremos é a rosa na boca do trompete. que é como uma parenta velha russa
a inteligência quer uma história, um contorno, que sabe o dia em que você nasceu
mas sabe-se o quão redonda pode ser a imprecisão. isso é pior que as catástrofes é pior
basta olhar um monte de pó que flutua no chão do teu quarto, que o apogeu de qualquer dinastia
e verás que a beleza não tem nada a ver com a inteligência, é pior do que eu mesmo enfurecido
e não haverá inteligência alguma enfim, e acolherás o pó. e é bem mais eu enfurecido que pior
somos os piores enfurecidos de todos
porque amamos nossos pais por tudo
e dedicamos a vida a ídolos anônimos.
“noturno da primavera” “geração cristal”

com o pensamento em maria rilke frases de éter nos salvarão.

quando nasce o dia em nós as correntes amamentadas


(porque é irrelevante quando nasce o dia no mundo) por búfalos portáteis em nós
arrumamos logo afazeres fundarão a língua brânquia.
que justifiquem sua morte em batalha:
arrumamos a estante, fumamos cigarros na janela, com as cabeças nas imagens
planejamos ilhas, ouvimos frases futuras, seremos sonhos sem cabeça.
falsos amores, algo parece coçar no corpo,
com trompetes em ferrugem
algo como uma presença maior que começa alucinaremos bebês antigos,
a invadir o espaço que nem sabíamos ter. manteremos sujas as marcas.
daí vêm os textos, frescos nas ideias, por não podermos entregar
pouco importa sejam ideias descartáveis; nosso estreito osso de amor
o descartável, com o pavor do que se aguarda, sorriremos firmes na chuva,
o dia que materializa e dispersa a louca colheremos falsas papoulas.
ideia de que somos algo e não qualquer coisa,
o dia que deverá, de todo modo, ser utilizado de nossa turbulenta ternura
até sua morte, sugado como um escravo, amarela um sol de abelhas
torna-se perceptível, justo e firme que faz jus à tripa receosa
como uma realidade intransigente. onde incha o nosso veneno.

férias em doença trarão paz


daí nos vem a ideia de colher aos túmulos da nossa elegia.
pequenas pétalas que caiam pelo chão. gotas nos olhos feito saúvas
daí a ideia de que, sendo noite de ninguém, ó rosa! são o mundo como antídoto.
fechaste tantas pálpebras em pleno dia.
ideia, planos, a vertigem e o medo do que, e que beleza é o morto-vivo,
apenas sendo, não se sabe o que é. que sem estar e até não sendo
vantagem e desvantagem da noite: compreende esse túnel pálido
dentro dela nós não passamos de onde emana a pura beleza
de restos do que não foi o dia. de não esperar, e querer tudo,
fazer rolar o dado, e se perder.
“ode à página” “segundo para marina”

não temos sido amigos, nem ao menos amigáveis. sei de ti em minúsculas pílulas,
nos despedimos regularmente, mas sem nobreza. como se fôssemos dependentes químicos,
diria até que nos despedimos com certa rispidez. selvagens amorosos que merecem cuidados,
mas são apenas pílulas,
quando faço por acaso bom uso da tua matéria que você cresceu, logicamente,
fico eufórico, te deixo de lado, nem me despeço e sempre está oferecendo seus pertences
e me lanço vesgo à embriaguez e falo, falo muito. às outras crianças e às tias.
os cabelos ainda bem clarinhos saltam
isso já vai mal, já vai muito mal e é impossível. já em cachos e chucas, as pernocas
como um leitãozinho encabulado,
você sabe que preciso de você e que só em você e que você fala, conta até dez, assina já
posso existir e só em você eu sou eu, só em você o próprio nome (ainda não sei o que é fazer isso),
garanto um instante entre os deuses e se te odeio e que, portanto, o pai está preocupado,
é porque você me assusta, você detém todo poder. ele me disse parece que marina
tem uma inteligência acima do normal,
embriago-me, portanto, quando sinto que te venço, mas em compensação não pula e se mexe
mas é justamente quando te venço, e ao te expulsar como as outras crianças, e tem uma sensibilidade
a hora errada de saber que levará um longo tempo. excessivamente mental.
enfim, saiba que isso é normal,
aceite meu ódio e pavor como forma de respeito. não mudará em milênios, e que pais nasceram,
vieram ao mundo para se preocupar conosco.
o que se odeia é a que indubitavelmente se pertence você ainda agradecerá por lhe ter dito isso,
e você é a minha granada silenciosa dentro de mim. e mesmo os erros se transformarão
em pequenas ternuras invioláveis,
e agora que você já troca umas palavras
e inclusive falou comigo ao telefone,
despedindo-se com a frase um beijo, amor,
agora é chegada a hora, porque seremos
sempre outra coisa que não mais essa agora,
que já foi, seremos amorosos um com o outro
e, espero, poderei te contar algumas boas histórias
pelo que – não tema – você dirá internamente “pé na estrada”
nossa, papai do céu me arrumou
um irmão um tanto esquisito, o amor fugiu, a estrada por onde foi
e temeremos, não há como evitar o sangue, leva para muito longe.
juntos pelas coisas, porque você é e, agora que ele se foi,
esse maior privilégio que me foi concedido, não sei mais o que dizer sobre ele,
alguém que posso ver como a um espelho melhor, não posso com emoção discerni-lo,
e que ainda por cima, com sorte, não terá problemas pois a fuga do amor nos deixa mais práticos,
com as questões de física, química e matemática. e para discernir é preciso todo erro do coração.

ele se foi, mas não se dá por desaparecido totalmente.


escorregou por uma fresta onde corre água limpa,
caiu no chão e sangue lhe escorreu pela boca.
talvez assustado ele tenha partido,
mais perdido do que eu, despejado noutro canto,
onde a estrada se perde e imagina-se
ingenuamente que ali há vida,
mas pobre amor ingênuo e sem forças
para mesmo aguentar as palpitações...

você foi correndo e se mandou,


talvez dentro de alguma mochila juvenil,
rumo a fronteiras bem mais perigosas,
logo você, que chegou aqui tão magro
e eu te dei o que nem tinha para comer,
sorri emprestado de mim mesmo morto,
o morto que ainda era vivo e sabia
emprestar o que não se pode repor.

emprestar é para sempre, você disse e se foi,


no deformar de uma sobrancelha em susto,
você se foi porque seu estado é estar sempre
a poucos metros de distância, e toda uma vida.
“adiantamento semiótico”
na partida não me explicou veja bem, será difícil,
é bom estar bem preparado, nada disso. o que eu quero de nós é o sim maior,
portanto agora, sem ter por que errar, porque é a única forma de que o não
vai ser mais duro aparecer em público, seja pequeno e não pequeno o sim,
voltarei a comer os dedos com fúria, é tempo ou então esse não maior que é sim,
de espanar as aventuras que moveram para manobrar o tempo palpável,
nossa relação silenciosa, nem por isso menos frágil. pedir um adiantamento e a conta,
quando no fundo o que eu quero
permita-me em fuga que, com delicadeza, é um adiantamento semiótico de ti,
eu possa tratar de mais este misterioso assunto. que abuses da minha índole e fira
o amor fugiu, até aí ninguém duvida. com entusiasmo as correntes frias
ando as ruas e vejo, em mãos dadas por um triz, que nos mantêm em uníssono sim
que ele já não se encontra mais disponível ao que não sabemos como se dará,
a ferir com vida nossos parcos sentimentos. e que nos faz guardar nãos no bolso
como pétalas manchadas de sangue.
sumiu, evaporou no álcool barato, em tremedeiras,
desapareceu com um beijo lançado para cima,
na poeira que faz a cena durar um milhão de anos.
não estou, acho que ninguém está preparado
para fuga tão abrupta do que, perfeito, escorrega
para além do ódio disfarçado, além do brilho,
escorrega arrastando milênios e fundando eras,
ansiosamente, como um sonho sem recordo
ele veio, fugiu, não ensinou nada, mas mostra
como andar sobre o patíbulo em chamas,
desempenhar o incrível sapateado de fogo –
eterna fuga que é a graxa entre a vida e a morte.
“cair de amor” é preciso cair, nas ruas, em postes,
nas filas dos desempregados,
é preciso cair de amor, nas blitz policiais e nos Bálcãs,
é preciso, é mais que tempo, mesmo em cemitérios é possível,
que seja uma terrível queda, nas fases de luto ou sem sorte,
uma intolerável queda de amor. bater e cair, quando, suando,
quando me olho no espelho, estiverem ainda desempenhados
quando fecho ou tiro o cinto, os pedaços da vertigem solene.
quando compro bússolas,
quando observo as vitrinas,
quando faço mal a barba
ou não faço a barba por semanas,
quando vejo um gato na chuva
ou me envergonho se karen dalton
enruga meu ventre com micro tons,
quando eu me virar assustado,
eu sei, é preciso, não há mais
tempo para fugas, não tenho mais
muito da minha reserva pessoal
de amor e quando pisco nas ruas
ou visto minha nobre jaqueta emprestada
e me atribuo tapinhas de incentivo,
quando fumo como um detetive suíço
ou faço as vezes de comediante asmático,
não pode ser, inevitável, existe prazo
limite para tudo e agora, sim, agora,
é mais que preciso cair de amor.
então não venha me falar quando
tivermos percorrido quilômetros
e na hora não soubermos dizer.
cair de amor, não existe a hora,
amor é o que faz cair e caído
permanece aos pés do que aos pés
“de onde vem” mesclar nada: está tudo aí.

porque tudo isso é muito nas dobras dos teus erros,


mais um asco moderado, na casa compartilhada,
um fermento leporino nos abusos do teu coração,
para inchar de antagonismos na força em aproximar,
o dormir e o permanecer. no lençol de realejos;
está sobretudo nos restos
não passa do estômago, do êxodo que não partilhaste.
manter por lá o quanto puder.
de lá para a privada, as contas dificultam o trajeto.
ainda que seja sem contar, morrerás logo.
uma privada divina. mas és de qualquer forma um vivo-
morto, pois nutres no estômago
enquanto injetarem-se mortes insuperáveis e deságuas
os olhos ainda vacilantes farpas como fossem marfim.
andarás, não sentirás, mas
verás como te observam
meneando as cabeças nas ruas
e saberás: ainda sou veloz.

e quando souberes: permaneces,


haverá de acontecer algo,
terás de fazer algo, pois que
permanecer é fazer algo,
e miseravelmente estarás pequeno
diante de um imenso portão;
e cairás de joelhos.

se tiveres fossa de escoamento


despejar, não sem elegância,
mesclar um novo sofrimento;
entenderás enfim que não precisas
“assalto à livraria” “esses bichos não duram mais que um dia”

suando e tremendo e sinta só meu coração valente foram anos sem ver seu corpo nu em pelo,
escorrendo a beleza única dos olhos virados mas ontem você precisou de um homem
quero escrever teus ossos tua carne e pelos e eu estava lá, meio homem meio morto,
preciso romper na tua carne o prazer do dia
quando uma cigarra invadiu o seu quarto,
tuas costas teus ombros teus dedos olhos nariz sobrancelhas
e meu deus esqueça as linhas exatas quero ser atropelado aos prantos ela pronunciava a seu modo
e fazer torta minha estrofe ansiosa de margens a morte que viria, não fosse a sua nudez
curta e longa e curta e longa como nosso ritmo é preciso diante dos anos sem que eu a visse nua,
variar através dos tempos porque agora aqui é o início dos tem- e você sabe o quanto temo insetos em geral,
pos e com medo eu disse não se preocupe,
quero que um carro me atropele esses bichos não duram mais que um dia,
quero que um cachorro morda meu tornozelo com raiva mas você viu que eu não olhava seu corpo
quero cair do mais alto penhasco diretamente, porque, afinal, os anos cegam,
quero colocar pedras nos bolsos e submergir no rio e reparou também no meu medo ancestral
quero um tiro no peito e gritar ó minha dulcinéia
de insetos e disse é uma cigarra, ela só canta,
e te juro meu amor eu cairei sorrindo e te darei meus dentes
então, diante do meu pavor e do seu corpo
e gengivas e sexo e pudor e sorrisos tímidos eu te darei a mim
eu quero te engordar eu quero te engordar eu quero te engordar nu eu me inflei de heroísmo e embrulhei
eu quero rasgar esta página e fazer com ela pássaros sombrios a pobre cigarra já sem voz num pano sujo
algo precisa acontecer uma catástrofe e a lancei pela janela e ela talvez até tenha
ou do contrário estarei apaixonado sobrevivido àquilo, pelo que me agradeceria
e apaixonado você disse para isso não é preciso muita coisa e eu a ela, se eu falasse a língua das cigarras,
uma aqui outra ali mas que se dane como é isso teria dito obrigado cigarra, pelo corpo nu
o que é preciso é preciso ou do contrário... dessa mulher que um dia eu conheci e que,
afogado em banheira de hotel congelado em desamor russo de mim, é provável, tenha também pensado
é preciso que de alguma forma eu me desintegre não se preocupe, esses bichos não duram
e retome o espírito ancestral sem causa e com fome
mais que um dia, e eu nem ao menos canto.
mas eles chegaram finalmente os homens com trabucos
eles não pediram identidade ou permitiram o desejo final
entraram e eram finalmente os piedosos em ação
a gente vai se tornando a gente muito lentamente
não dá tempo de mudar nada eu pensei quando o tiro
finalmente me fez em vermelho e eu estava com flores para ti.
“a palavra” “a comédia soturna”

nos separamos por não mais que duas semanas, duvidar de deus é crer nele
na terceira enlouqueço, mas no começo confesso (pascal via balzac)
que nem sinto falta, agarro-me a expressões inúteis,
agravo-me em dissipações alegres, escudos de bonança, já fizeram a comédia de deus e a comédia do homem,
afundo-me em risos falsos mas muito contagiantes, agora basta, é hora de falar a sério.
mergulho em piruetas acrobáticas de láudano sutil. a risada não deve mais ser um deboche ou uma análise perspicaz.
precisaremos em breve de um meio-termo, ou será o nosso fim.
engano-me demais e você some por não mais que duas semanas.
esse meio-termo é duvidar de tudo,
vai para bem longe, creio aliviar-me, iludo-me de certo livre-arbítrio, que é ao mesmo tempo deboche e análise perspicaz,
no entanto você vai, agora mesmo foi, e repare bem no meu estado: e não é também nenhum dos dois.
sorrio com firmeza, mas sem as alucinações da pureza serpentina.
mas para chegar a este equilíbrio perfeito,
sou capaz de dizer que amo, de fazer um brinde ao amor, já que descambamos para a pastelaria,
mas repare em mim: não sou nada, não sinto nada, sou feliz. é preciso endurecer a risada por uma ou duas gerações.

preciso que volte logo, agora digo que preciso imediatamente evitar a comédia é inevitável, somos seus portadores temporais.
ou recorrerei a esferas ainda mais desconhecidas e temerárias, mas endurecer é possível, mesmo que achem
provavelmente letais porque te chamo coceira púrpura, – os detentores das risadas anteriores –
cura e beleza pré-histórica, dobra da primeira separação. que nossos métodos sejam talvez muito truculentos.

por uma ou duas semanas no máximo você se afasta. ah certamente eles dirão: como são endurecidos,
como negam os bons momentos ou, se os aceitam,
e de repente volta quando sinto que estourei entre nós a fina fita como choram sem parar, como não sabem dizer sim.
e perdi o que não se pode recuperar, mas você volta,
e é quando penso numa espécie de divindade sinistra finalmente é preciso saber de uma vez por todas
e imediatamente quero que você vá novamente e me deixe, que não levam nada os que permitem passar.
mas eu simplesmente minto e me atiro em resoluções revoltosas estão aqui para isso: endurecer a risada, duvidar de tudo,
contra as benesses do deus solar de nossas peles. arrancar de uma vez as roupas coloridas que nos levaram ao disparate;
colorir a alma, em suma, é sempre mais difícil do que colorir as vestes.
clamo que volte e decepcione-me ainda uma última vez,
eu grito no que explodo em fragmentos de mil meteoros nos chamarão mancha negra da ressurreição, seremos duros,
e aqui está você, brilhando, luzindo, e já não me satisfaz. sim, duvidosos por nós e contra nós, mas num futuro próximo

e lá encontrarão nossa pedra suja e preciosa, e daí surgirá o novo


homem,
que fará da comédia soturna ao menos uma nova cruz, menos perene,
não uma cruz de lamentos ou devoções, mas uma cruz participativa. “soneto para claudia”
deixaremos os buracos de fechadura e os programas de auditório,
e a cruz rebentará com a leveza insuportável dos que virão depois,
te conheço há doze anos e te conheço há um minuto,
e os sorrisos serão sorrisos finalmente, e os abraços, abraços. nós nunca vamos conseguir resolver essa questão.
serão felizes os filhos da comédia soturna, ao contrário de nós, até aqui estávamos jogados, sem saber do mundo,
e não haverá felicidade maior que ver nossa própria cruz ser destruída agora estamos perdidos, abraçados em nossa porção.
pelos primeiros sorrisos verdadeiramente perpétuos do homem.
te amo há doze anos, mas te odiei por tantos minutos,
porque somos um espelho invertido e nele podemos ver
o quanto andamos tortos por tantos anos como vultos,
e então nos revemos sós, mas na solidão há um poder.

sós seremos, mas juntos poderemos ser sós e felizes,


não há esquema prateado que dure uma vida completa.
dê-me sua mão apenas e aprendamos a ser aprendizes,

não precisamos de conjugações futuras ou palavra reta.


contigo quero um filho de cabelos ruivos e olhos de índio,
e ele será o refugo de weimar e o mistério das florestas.
“ela chora” “peixe julia”

tenho sido pessimista, enquanto, ao meu lado julia bicalho mendes, você é meu peixe boi,
alguém se veste sem pressa e chora pesado. você é meu peixe espada, você deve furar a bolha
e penso que alguém que chora é bom partido e engolir, pois não há problema engolir um pouco,
para quem é impossível encontrar um caminho. o esgoto do mundo que é o que dá velocidade
e presença às nossas dores e alegrias terrenas,
ao meu lado alguém chora sem pressa, durmo, o que faz as pessoas crerem que nos divertimos
já não tenho lágrimas para entender o absurdo ou que nos fechamos, como disse o seu pai,
de quem chora por coisas em que falta o verbo. porque o mundo é muito grande, mas não é tudo,
afasto, calo, fujo, grito, inauguro-me de inverno. estamos suspensos por uma vontade de flutuar
um pouco sobre as lâminas de nossos pulmões,
com verbo demais me descontento, daí declino, portanto fure a bolha, meu peixe macio, meu girino
e como é linda, no fundo, essa raiva de menino de coração ventoso, espie belo buraco da fechadura
que acolhe com olhos inchados o que assusta. e então sente o pé na porta, afine as serpentes do cu,
jogue-se porque jogar-se é para nós, que carregamos
porque chora do que não sabe dizer, e a busca o coração em cadeiras de rodas rumo a china town.
por achar vida no sem verbo e no verbo demais não se esqueça, meu peixe martelo, de que os ventos
é a manta sobre o inverno, dos trapos da paz. sempre sopram ao largo quando a casa é de passagem.
“sírio coração”

levo a síria em meu peito. mas não sei o que é a síria. não
sei onde é a síria. não sei onde o meu peito. mas nele eu levo
a síria, com pequenos e grandes homens da síria. há bombas
nucleares, dizem, na síria que levo em meu peito. há bombas
nucleares e seres malignos negociando por sua paz. há mor-
tos na síria, mas não posso conhecê-los. não têm rosto os
mortos da síria que levo em meu peito. síria de meu peito,
não pronunciada potência enigmática, estás calada agora,
teus efeitos nucleares aceleram meu coração que, dizem,
também levo em meu peito. mas onde, em que espaço, entre
que mil outras bombas tão maiores? a síria pode causar preo-
cupação de poder à rússia ou aos estados unidos da américa,
mas não há megapotência avassaladora que propague a paz
na síria de meu peito. o negócio do mundo é a paz, ela é tudo
pelo que se fala e pelo que se promove a guerra. está sempre
noutro lugar, onde quem sabe chegaremos, enquanto
fabricamos foguetes nucleares, pela seguridade da paz.
todos lutarão, com seus pares e seus enganos e seus
interesses, pela síria que está lá fora – onde, não sei; o que
é, tampouco. mas ah, pobre síria morena e desvairada,
descabelado ornamento de esporas em ferrugem, ninguém
se procura enquanto te levo comigo a não sei mais que sítios,
e meu peito se abre para o anonimato das imensas sensações,
encobertas pelas bombas químicas que senhores frágeis, de
ternos e com bigodes ralos ou poucos cabelos, negociam
pelo bem do futuro, enquanto explodes em mil cores para
dentro da imposição de teu fogo constante em mim.
SONO PESADO
“porto alegre, preciso ir” “tudo é concha”

embrulha-me, outra vez, quem acha sem procurar é quem


no teu estômago cativo longamente buscou sem encontrar
(gaston bachelard)
e vomita-me no ordinário
de teus pés enregelados.
viramos a curva agora e não há lenço
na despedida do que se arrasta conosco,
não desfraldei a tua bandeira
mas são pedaços tristes de um vietnã
em nenhum navio de escravos.
retido em cada célula mas então adeus,
madrugadas com o coração em chamas
não sei a carne da tua língua,
nos postos de gasolina de meus anos,
mastigo o vácuo do abandono
adeus sem pressa, mas por fim adeus,
que, hoje, sozinho, retorno a ti.
cúpula tensa de cataclismos telúricos,
chave de braço do perdão e olho roxo,
teu frio já não me parte as veias.
ronco suave da droga no embalo mítico,
me deste uma escola de pelúcia
tudo é concha na mandíbula do soalho,
a que retribuo com lição de pedra.
susto cardíaco do amor, suor das veias,
reclame em perdigotos ao céu da fuga,
tempo sem tempo em que o tempo vive,
agora afogado na ampulheta do manejo,
rastro sem bicho do que caíram órgãos,
rumor de cimento nos poros da beleza,
azuis as fadas azul a tristeza azul o nada,
agora apenas amarelas as folhas mortas,
velho para a música e novo para calçar
os sapatos que nos cospem és um adulto,
portanto adeus ao que nem lembro e sou,
essa matéria que engole e cospe e somos
o que nos resta dela em cílios trêmulos e
bocas tortas para baixo num cerne rude,
agora já viramos a curva e não há lenço
nos narizes de antigas e dolorosas ninfas,
é passar ao largo e engolir o verde musgo
da vida ainda líquida da primeira latência, “poema didático para b. b.”
agora que lembrar é o crime da memória
e despedir-se é lançar através da vidraça e não será suficiente, mas este
os corpos perdidos que um dia pensamos: será teu poema, um por todos
têm frio mas, apesar de tudo, veem a luz, aqueles pelos quais você viveu,
verde entranha tracejada de escuro cínico. um contra a aberração no lugar
do absurdo, poema para poetas,
não preocupado com o público,
contra tudo que use a fraqueza
como trampolim para a ordem.

não será um poema sensorial,


mas um poema que fale: aqui,
está a sensação vital do poema.

não será tampouco um poema


que a partir de flores, primaveras,
transportasse a ideia de conforto
poético, em vez disso, será feito
máquina com pistões azeitados,
será alfinete no balão do tempo
das múmias transportadoras de
sentido, e não haverá um sentido
que esteja além da sua imitação,
a imitação será clara como a cal
que cobriu os corpos assustados
dos acusados de terem nascido.

e que seja belo, e que fique claro


que daqui nós não queremos mais
ser algo para não ser outra coisa.

queremos a medida exata do ser


algo aqui, depois ser um algo ali,
trabalhar, enfim, o que nos refere “democracia”
como algo sendo antes e depois,
como algo sendo síntese do agora nos dias frios
e principalmente como um abraço não ouço nada.
que se dá num desconhecido sujo, a noite passa,
e ser a distância do que se quer estou sozinho
e o que se pode e o que se tem. na madrugada.
e crio vozes
e quando pousares sobre mim os e limpo foices
olhos desatentos, não haverá um pro meu alívio
serafim ou beladona ou brilhantina, de ouvir nada
mas sim um paredão de sensações além da noite.
onde estará escrito: aqui estou eu, e minhas vozes
um poema para o sr. bertolt brecht, inventam outras
e sabendo o que sou, você saberá e criam ouvidos
o que te emociona e o que será pó, que ouvem nada
sem precisar forjar a esquizofrenia
e todos juntos
em algo que se pretenderia sentir.
se tornam frases
que não se amam
eu estarei na sua cara, leitor, eu
mas não se matam.
chorarei também no seu ombro e
criaremos uma relação só nossa,
e seremos mestres e aprendizes
e seremos mágicos e operários
e criaremos mundos e poremos
abaixo os pilares feitos da cinza
dos ossos de cada pálida inocência,
que não perdemos ainda, apenas
não sabemos mais como limpar
a cada cena nosso rosto marcado,
e talvez algum dia nós tenhamos
sido ostras e, como ostras, nós
tínhamos todos os sexos, todas
as formas, mas, diga, que ostras
poderiam ser o que somos agora?
“a crina de mariana” como já não somos mais, e agora nós
estamos aqui de novo, e você me pede
mariana, você pôs tudo a perder. um poema, lembranças, e são algumas,
eu era apenas um sujeito surdo mas nada como era a crina de mariana,
arrasado pela justiça e assado e não entristeça, mariana, porque eu disse
pelo tempo, e tinha tremeliques. que sem a crina você parecia até mesmo
não havia muito espaço entre nós uma dessas apresentadoras de telejornal.
e, ainda por cima, eu era um cara eu amaria a apresentadora de telejornal,
puro de espírito, com tremeliques. com sua sexualidade vazia, cabelo curto:
mariana, você não soube esperar mas não como amei a crina de mariana.
pela majestade que não se revela
na verdadeira fonte da felicidade.
andávamos de mãos dadas, víamos
as garças na praia da urca, e você
adorava o efeito das minhas coxas
no teu segredo raro entre as pernas.
outro dia te vi, mariana, sem a crina
pela qual você ficaria mundialmente
conhecida dentro de mim, sem crina
você me pediu escreva um poema
para mim, como fazia antigamente,
e eu disse mas sobre o que eu posso
falar que já não tenha falado antes?
quem falou: aquele que mais ama é
subjugado e tem que sofrer?, você disse.
não sei, thomas mann?, eu respondi.
sim, e o que você disse, você lembra?,
ela disse, e eu: não lembro, o que foi?
pelo menos, você terá amado mais,
foi isso que eu disse, e ela queria saber
o que eu lembrava e eu me lembrava,
mariana, da sua crina encaracolada,
primordialmente da sua crina isenta,
“bolaño’s heart hotel” “bravata”

sou eu aquele rapaz pulando eu sei, meu amor, que contigo aqui no meu colo,
uma cerca no interior de uma vila tuas pernas duras, eu não preciso de mais nada,
e eu sei, meu amor, eu sei, todos nós sabemos,
quente e seca num verão estorricante que você está certa, eu sempre sonhei com um amor
enquanto espero o ônibus, e tenho que, como você, pudesse me ver escrevendo,
um bigode de viking e um coração trabalhando no que mais amo e não trocaria nunca,
pálido, desavenças pelas quais fugi e eu sei, mamacita, dizemos sempre, ou tentamos,
de onde nasci e agora me entranho coisas doces um ao outro, dessas de seguir vivendo,
mas acontece, meu amor, que eu preciso morrer,
no centro da lama de um lugar alheio, eu preciso morrer horrivelmente, vergonhosamente,
meus trapos, meus sonhos beatniks eu preciso morrer como morreram meus heróis,
me embalam em direção ao mundo, eu preciso morrer numa estrada para o méxico,
os cães passam voando com suas línguas eu preciso morrer de tifo, de sífilis, de paixões abissínias,
de fora e sua adorável delicadeza eu preciso morrer sem deixar nada além de um prêmio nobel
e comentários inteligentes de homens já sem próstata,
estúpida e assassina, são perros románticos enquanto, nos jornais, eles dirão: grande escritor, abençoado
e vieram para nos matar de amor, com a capacidade de narrar as questões medulares da raça humana,
com o peso da fartura de nossos corpos morre de forma chocante, paródica, um tiro de espingarda na boca,
que correm ao léu, e deixam rastros e isso não será de todo feio, minha paixão, eu espero
e pistas selvagens sobre a sobrevivência que você me entenda, eu não preciso de cura ou benção,
estou abençoado pelas caronas nos trens de carga,
heroica dos pequenos abençoados quero estar tremendo um dia, numa estrada de neve,
exilados de deus – sou eu aquele rapaz, quero saber quem é quem nesse dia, por essa estrada,
o estômago pelo avesso, sou aquele e, sabendo quem é quem, quero tremer de medo, pensar:
rapaz que não pede, pequeno petulante: vergonha por tudo que pensei ter feito, e sentar,
aqueles eram meus longos cabelos. tocar uma bela punheta no meio do mato e sorrir
com os mesmos velhos dentes dos quais um dia disseram:
um belo sorriso, rapaz intrigante, a febre da raposa,
e quero morrer fulminantemente neste dia, no meio da neve,
mas agora você me dá seus pés, você deita seus pés no meu colo
enquanto escuto highway 61 e isso é tão bom quanto uma bravata,
mas talvez não tanto quanto esta porque, meu amor, eu farei.
“marina completa quatro anos” “poema para meu amor”

vagarosamente, mas com olhos rápidos, há uma ponte de safena entre nós,
há uma insuperável metamorfose que, e o problema, baby, é que ela nasce
se deixa de nos espantar, é porque de um aborto cultivado, a poesia é
é uma metamorfose também da percepção, uma outra coisa e, talvez, ela possa
de modo que tudo em volta começa também ser má comigo, com o que
a ganhar um novo critério, e estarás chamamos de nós-dois-juntos, ela
muito em breve acostumada a não saber nasce do sangue excessivo que nos
do que és feita, pois um novo critério joga na vida sem veias – e, é lógico,
afetará novamente a tua percepção é possível amar ainda, faremos isso,
cada vez mais deformada e, portanto, mas vive-se da poesia, vá perguntar
com nova forma, porque entenderás ao safenado – e a poesia, meu bebê,
em teu próprio corpo, agora pequeno, é uma outra coisa: as bases hesitam,
que o que deforma é também o que dá forma, há uma ponte de safena entre nós.
e nesse imbróglio de peles saltitantes
e partículas minúsculas em plena anarquia
saberás de onde vens cada vez menos –
isso poderia ser triste e talvez seja um pouco,
mas ao menos vale para todos nós e haverá,
contudo, algo mais espesso, como se fosse
uma espécie de secreção, escuro, fraterno pacto,
corrente em nossas alterações e nossas perdas,
e dentro de meu próprio caos incompreensível
saberei que haverá também o teu, porque viemos
dessa mesma calma, que esqueceremos juntos.
“mahler” “roman jakobson”

quando se ousou voar com os pássaros, a vida cotidiana


só se deve saber mais uma coisa: cair é apenas um sucedâneo
(maria rilke) da síntese do futuro.
(vladimir maiakovski)
chegou, enfim, o domador de abismos,
preparador de aquários de uma nova era. agora o câncer é a poesia
da medicina, e não valem
graças a deus, és o inoportuno, o macaco mais os gestos de punho
judeu com meio metro de testa, os olhos seco, as mortes políticas,
de serpente, a pose chapliniana, pequeno, mata-se finalmente por
o que dava pele aos fantasmas e, bem ali, vaidade, e como é belo
de nós até deus existe apenas um passo, o amor falso no qual nos
nos tíbios sentimentos pela ansiada paz. baseamos, e como é bom
transar sem camisinha,
grande ator fazendo um grande homem aturar em silêncio a veia
que caminha rua abaixo e segue os gritos que derrubou os cossacos,
proletários pensando: eles sim são meus e agora nós só transitamos
irmãos, porque eles são o futuro, e nós, entre estranhos talvez com
esse futuro, não sabíamos que se começa armas de tiro e que nunca
abatido a pauladas, e um intruso nunca sabem, tanto quanto nós
deixa definitivamente de sê-lo, e que há não sabemos que ainda
sementes de dúvidas no real significado é cedo e pálido crepúsculo,
da liberdade, parênteses entorno do amor para esperar o dia frágil
e da própria morte, mas você, o que sabe quando não há tiro nu,
da carne trêmula, se pudesse dizer, diria: conversa-se, droga-se,
e estamos nus no tempo,
não temam, meus filhos, é preciso saber e a gosma que deveríamos
que se bate com a cabeça contra a parede, apreciar está mais abaixo
mas, saibam, é a parede que terá o buraco. e temos medo e por isso
vamos longe, de cabeça,
mas já não há mais tiros
no peito de uma geração
inteira diluída em dúvidas: “festa entre artistas”
estamos perplexos, rindo
do sabe-se lá o quê, a base sempre deixe aberta a porta
fugiu para longe, os peitos do banheiro quando quiser
sob a mão não amedrontam que alguém por acaso esteja
e nem o suicídio é algo raro, na porta, ali, do outro lado,
pergunta-se: mas e se não for quem sabe até enlouquecido
maiakovski, por que interditar com a falta completa de amor,
a passagem do tempo? – talvez com essa proximidade falsa,
seja leitura demais, vivemos bem ali, do outro lado da porta,
o tempo da leitura demasiada, pensando em como seria abri-la
amplos no aspecto pequeno, e, apenas para mudar um pouco
e não sabemos, pobres de nós, os parâmetros, dar de repente
que o tiro já foi dado no tórax de cara com alguém defecando.
e não nos resta nada mais que
a simples primavera esgotada.
“jantar num restaurante chique” mas os possessos não sabem o que lhes injeta os olhos,
eles apenas sabem que cometeram absurdos impensados
dentro de mim há algo que precisa matar o rico, porque lhes assusta no âmago o estar por aí deste modo,
constranger ao menos sua existência e seu pudor destemida, incômoda forma de manter amigos distantes,
falso como é falsa também sua mágoa concentrada perdendo o prumo diante de uma atitude programada,
enquanto grito e falo coisas ruins como tire as mãos voltando a morrer e ao mesmo tempo tentando viver
de mim ou lhe darei um soco na cabeça, e me torno dentro desse corpo em que não cabe o que prolonga
um ex pugilista atual comediante ácido acima do peso essa ruga que se estica já um pouco abaixo dos olhos
bebendo vinhos e comendo gastronomias impossíveis e permite dizer estou vivo, destruo, estou vivo, destruo,
que nunca poderia pagar mesmo assim pagar, consumir, e de um modo peculiar amar até o que de mim escorre
comer aqueles pescoços de garça, dentro de um silente para o fim com os escombros e as edificações ciganas.
assassinato, com um cinzeiro de ouro numa das mãos,
os olhos marejados pela explosão de raiva por no fundo
e acima de tudo querer ser também rico e fazer de tudo,
mesmo que por uma noite, com meus bolsos estufados
com duas notas verdes e grandes – como são grandes!
e uma menor alaranjada, esta suja e feia e corrompida,
e há essa imperdoável assunção de algo que trago aqui
comigo e não me perdoo por isso e quero, não morrer,
mas matar o rico e estar com ele e cuspir nele e amá-lo,
andar por cima dele e dos seus conceitos dentro de vasos,
de mãos dadas com uma sombra sem a qual não se pode
acreditar porque realmente as coisas não parecem reais,
e no meu mais íntimo e longe dos meus dentes azulados,
trago intacto um pássaro magro e muito feio, um tísico,
e com ele tenho depositada a coragem e o erro de falar
e brigar e me ensanguentar em rouquidões cancerígenas
e querer matar e estar ao mesmo tempo com as pessoas,
acima de tudo porque alguma coisa precisa acontecer,
tenho as narinas arreganhadas e já desprezo as pernas
que me trouxeram até aqui nesse terrível cavalo manco
para me cuspir num mundo desprezível em que se age
como se alguma vez se tivesse sabido, compreendido,
“delicado” “as variações de glenn gould”

eu confesso que no fundo até me orgulho sinto que se afasta lentamente


das minhas feridas, das quedas de combate, a montanha rachada pelo vacilo,
dos joelhos infantis rasgados, das marcas os lábios untados de saliva ácida,
que cuido e lambo devagar como um gato, e talvez não tenha volta, a noite
e ali o combatente, o sangue claro como sua enquanto, no meu sentimento,
o das ovelhas em fila para o último abate, quebraram as mãos de glenn gould,
porque são muitos abates, serão milhares e agora eles se vestem de branco,
de tombos de corpo inteiro com as mãos afinal eles precisam, pobres de nós,
erguidas ao sol em tentativas desesperadas, estar de branco para dizer que você
e confesso que tudo isso me causa orgulho, está louco – branco, a cor da paz.
estou inclinado às constâncias mitológicas,
mas não se preocupe, permaneço delicado.
“tango dos afogados” “o desmanche da livraria”

hoje eu vi o mar duas vezes, eles estão firmes e dão medo


tentei resolver os problemas quando, estendidos em fileiras,
de costume, uni-me à parede nos olham como se acusassem
em suplício, acreditei no bem nossa falta de conhecimento.
enfim, mas tenho pendências
mui graves com graves amigos nós viemos para derrubá-los,
que vieram, foram, não voltam parecemos dizer sem firmeza,
mais, e os ajustes do cérebro e quando tratamos de fazê-lo,
não podem mais compreender sentimos o peso dos seus dias.
a elementar situação contida,
MAS NADA É ELEMENTAR! se eles eram mil, um milhão,
gritamos uns com os outros seu peso infinito nos ombros
no escuro, claro, já que tudo permite perder a conta, pesar
é difícil saber e fácil sentir: apenas um algo além da conta.
a morte, a doença, o amor,
é tudo simples e perigoso. mas agora acabou o trabalho,
hoje eu vi o mar duas vezes, nos lavamos, e somos muito
e isso é algo que não acontece pouco diante da surpreendente
nas atuais cidades submersas. cena, fruto do trabalho feito.

ali os que antes davam medo,


soldados rasos na testa do tempo,
e que pesaram muito ao desabar,
agora flutuam num holocausto

híbrido porque, mudados, ainda


sustentam a vergonha dos que,
com medo, os levaram ao chão,
jogados em letras de esqueleto.

não há perdão para tal mudança,


parecemos dizer a nós mesmos, “sol em câncer”
enquanto saímos para o mundo,
que, reparamos, não é o mesmo. com as tripas fora do lugar, por ora,
falarei um pouco da tal semiloucura,
fingimos não reparar no gemido que não é privilégio da nossa viagem,
mesopotâmico que sopra o estreito mas marca com firmeza a passagem
corredor apinhado de seis mil anos do arco de sombra em lenta comoção.
de bravos homens, uns nem tanto, protegei, senhor, aqueles que amamos
de nós mesmos, antecipe nossa cura.
de barbas longas, largas costeletas
e todo o conhecimento do mundo, meio loucos, portando, e sem dúvida,
transformados em massa de poeira, com as patas cansadas que adivinham
enquanto dormes um sono limpo. pedaços de sorte e pedras pontiagudas;
giram cascos em ciranda cancerígena.

meio louco, meio calmo demais, o sol


paira cegante ante a cruz que avizinha
a nota preciosa de nossa falha técnica,
a boca sulforosa do nosso susto pálido.

a latrina do nosso mantra diário é a voz


que às vezes se nos desdobra a garganta
e repudia o circo do mercúrio retrógrado.
vagas sicilianas de nossas complicações,
calor improvável de nosso passo sueco,
permita-nos retribuir rosas à psicopatia
do nosso signo que se força em pétalas.
“rosto cansado na noite em que chove” recuo sistemático ao que serve de declínio
apenas por que é tudo mais uma questão
a magnífica paragem dos desejos, de movimento para o cerne da estrutura,
armada em escombros de uma solidão ruidosa, mas no momento estás de olhos fechados.
vago esquecer por ora os tamancos na madeira,
esse rígido esmorecer na orelha das horas,
esplêndida pousada para o tecido da ação.
há folhas de muitas espécies nas paredes cotidianas,
e largas teus rastros em areia móvel,
interrompes tantas vezes o trajeto obscuro,
cansas de amar no que tocas teu corpo,
avanças ríspido por soluções forçosas
e acima de tudo tocas teu corpo usufruído,
conselho de morfina ao estrondo púbere,
apelo da manhã ao esfacelamento público
no recolhimento dessa varagem espessa,
maná da carne mortífera na colisão aérea,
enquanto não estás na enfermaria primeva,
e recolhes do dia um visco brutal que se inclina
rompendo as barragens da tua madeira de lei,
os bilhões de anos quando morreram estrelas,
para tombar no teu colo como um fruto
da árvore derrubada dos teus ciclos,
um aumento de viscose nos cílios madrugados,
um arrastar-se trêmulo pelo vazio dos delírios;
até aqui escapaste com a boa sorte dos enganos,
mas já não tarda teu perseguidor procurar-te
nos arrabaldes de versos que perderam a trilha
para cumprir sua função que é perseguir-te,
onde quer que esteja encontrar-te,
e já chega a noite do esmagamento inevitável,
as paredes brancas talvez na surda
falácia da pele dos teus temores,
“a frente polar” “por uma vida artística e cool”

é chegada a frente polar enquanto jovens destemidos agora é o fim das nossas noites áticas,
aumentam estatísticas oficiais e algo soca para a proa é preciso destruir um novo testamento.
o futuro de minhas células, o frio entra pela fresta enchemos de varizes as casas diárias
da janela e eu já não sei, estou desfazendo a mesa e pouco sobrou à comunhão do adeus.
parca e olhando para os farelos no chão machucado,
ela se arruma para ir embora e não me reconhece daremos as mãos e andaremos juntos,
e me dá impressão de que logo será a sibéria, enfrentaremos poderes inalcançáveis
estamos vivos porque ainda nos assustam e voltaremos para casa empalidecidos
as lágrimas que escorrem de nossos olhos já que o novo é mais forte que a vida.
abertos e cansados e sem saber o que mais olhar,
estão flácidos os corpos, arrastados pelo chão o desejo será comum a todos e todos
com máscaras medievais, há risadas murchas saberão exatamente o certo e o errado.
com bocas para baixo no eterno sono da bondade, os ratos serão defenestrados e haverá
espreme-se em meu peito a violência infligida paz para o ofício de uma vida artística.
durante a cega viagem, nunca percebi que na força
contrária às estatísticas estaria também o engano nada nos ocupará além de nós e tudo
da supervalorização do que em mim seríamos nós, o mais estará justamente aproveitado
metades arrastadas pelo chão em brasa dos últimos e criaremos uma arte sublime e cool
acontecimentos, votos de esperança, mensagem com judas enterrado aos sete palmos.
à magnífica acolhida cristã, pelas ruas o sangue
dos ungidos atua conforme mandam as escrituras mas judas jamais falece, ele ressurge
e eles tombam valentes por uma causa cooptada, em nós quando nos afastamos demais
enquanto separo a louça e sinto um frio nas ideias, do seu cerco, ele será adido cultural
porque agora ela se foi e era tudo o que faltava ir. na europa, e nós seremos brasileiros.

brasileiros como nunca, com o desejo


de confortar finalmente a pátria amiga
dos fajutos que dão aulas em genebra
enquanto nós invadimos casas vazias.
“cerco à casa do governador” sempre impossível e então como haveria de ser possível
fora de nós e ainda com outras pessoas quase sempre
existe um vazio no meio coletivo e quando percebo isso impossíveis em si mesmas ao nosso lado mesmo assim
é quando me odeio e se me odeio odeio o mundo que bom que ela se lembra de mim diga a ele que se tornou
e as pessoas do mundo e por isso é lógico eu imagino que um rapaz muito bonito acho que é porque nos conhecemos
como eu o resto das pessoas faça algo semelhante há doze anos então achamos que conhecemos de fato algo
mas ao mesmo tempo quanto mais coisas eu fico sabendo sobre nós enquanto na verdade muitas vezes o amor é nada
que as pessoas fazem menos eu as vejo semelhantes a mim além de tatear a verdade no escuro – sensacional ideia –
e isso faz eu adorar a ideia de concluir finalmente um vampirinho pastor – pense – um pastor eu engoli todos
que sou uma espécie de anjo mau ou diabo coxo e essa besta os impropérios ele tem uma natureza difusa isso assusta
ou cachos dourados é triste porque espera por toda que é um horror então paralisamos e quando paralisamos
a felicidade e se me perguntarem e por que triste vou dizer é que o horror piora porque precisamos nos mexer já
porque falar de ti é a única forma de te ter por perto e já nos acostumamos com a calma de deixar passar
e é claro ninguém parece impressionado com isso mas um dia resolveremos isso merecemos uma alegria
porque todos já cantaram em palcos e assobiaram você não pensa em deus de vez em quando já que falou
com as multidões mas eu não me mexo porque sinto na alegria que não temos e na alegria de que precisamos?
com firmeza que existe um vazio no meio coletivo penso em algo que não tem esse nome mas está por aí.
e quando abro os olhos sei que minha ardência nos olhos
jamais será coletiva veja bem a ardência é a febre
no intestino e as rajadas de acontecimentos de um showbiz
anunciado pelos que matam e pelos que morrem
num acordo de corda daquelas que as crianças puxam
para ver quem é mais forte onde tudo mais escorrega
à beira-mar na cidade mais odiada linda enevoada
do mundo para fora e cada um é um absurdo em si e todos
sabemos que injetamos muito mais do que vemos
em nossas veias e eu estou aqui expurgando meus pecados
na tela branca devia tomar o hábito de fazer isso
no fim de todo dia isso é claro se todo dia terminasse
como dia – imagino que sim – a ideia é escrever mesmo
os absurdos que cercam a cabeça – sim – vamos tomar
alguma coisa na rua enfrentar os perigos da nova revolução
vamos dar as mãos a desconhecidos que – não se esqueçam –
se odeiam também num grau austero muitas vezes se olham
com o maior desprezo do mundo mas carregam isso
nos olhos e no corpo e o peso é infinito porque é na medida
de deus aquele que nos aleijou com o desejo de algo superior
a nós e além do nosso mal porque temos sósias em toda parte
e sabemos que para nós mesmos dentro de nós é quase
“uma discussão crucial” “sobre a meditação laica”

toda essa dificuldade não é caminho. vou procurar a meditação,


mas que caminho haveria não fosse porque a meditação é relaxar
toda essa dificuldade não é caminho? sem se abandonar.
das coisas fáceis não se tem lembrança.
das difíceis vivemos, é isso que se ama. neste momento estou sabendo
existe a frase que falamos mal e juntos. mais sobre o assunto.
e porque não sabemos a frase achamos
que não sabemos nada, mas sabemos, o especialista tem uma bela dicção.
e não saber nada e saber, só no amor. já ao vê-lo falar, me sinto mais calmo.
porque o amor não constrói, empilha
os cacos do que não foi feito com amor. mas é preciso lembrar, não é relaxamento!
estamos a dois passos de chegar à ilha,
mas não podemos chegar, pois quando relaxamento é um abandono
olharmos o que não se vê, sentirmos e a meditação é um relaxamento
o que não se sente, saberemos demais, sem se abandonar.
bem demais para compreender o rito:
incompreendido, o amor é mais sólido. agora poderei olhar um objeto
já não temos pedras, amor, não temos. sempre com percepção renovada,
de modo que o mesmo objeto
nunca será o mesmo objeto.

isso parece bastante atraente.

o especialista usou a expressão


a nível de no momento em que dizia
quando você aplica isso a nível de cérebro.

será algo assim tão grave?

espero que não, continuo, em breve sentarei


com meu casaco velho que não tiro há dias
no chão velho com tacos gastos descolados mas estou livre, a ponto de tombar, livre e prestes,
da penitenciária onde pago um aluguel, no chão de uma penitenciária e portanto aceito
talvez nu da cintura para baixo, como for, entre os profissionais que trabalham no limite,
e então farei a minha meditação. com a única diferença que, no meu caso,
não acho que eu seja um profissional do limite.
dez minutos, da minha forma, tentarei isso.
isso precisa ser inserido na vida da pessoa,
de repente a entrevistadora muda de assunto, escuto o sempre calmo especialista falar.
fala dos profissionais que trabalham no limite,
cirurgiões, policiais, carcereiros, prisioneiros. estalo meus dedos e tremo nas pontas dos pés.
lá fora há uma obra interminável, homens gordos
não sou um profissional que trabalha no limite. e gentis trocam sanduíches no fim da tarde.
trabalho meu limite de forma pouco profissional. dentro de mim há uma obra interminável,
além do que, no momento, estou bem acima mas não há homens gordos e gentis trabalhando.
do meu limite e, por isso, vendo uma entrevista os pássaros vieram bem cedo e já se foram
sobre meditação e seus inúmeros benefícios. e agora é a hora, relaxar sem se abandonar,
e quem sabe dormir à noite, noutra cela.
como eu disse, vou procurar a meditação.

mas a questão levantada pela entrevistadora


me afeta, me angustia um pouco, não muito,
porque logo em seguida ali está ele outra vez,
o especialista de bela dicção e com voz tranquila
e que, ainda por cima, lembra o povo que deveria
ser o meu povo, mas de alguma forma não é.

a entrevista se aproxima do fim, os dois estão


agradecendo e mexendo as pernas nas cadeiras.
parecem amigáveis e lembro que farei em breve
minha meditação, sob a janela, ao brilho do sol.
e o meu chão é um velho chão, com tacos gastos.
e nem é meu chão, porque não leva meu nome.
é o chão de uma penitenciária o meu velho chão,
“adágio” no dia em que eu não estiver mais aqui
não serão necessários olhos, nem mesmo os teus, amor,
no dia em que eu não estiver mais aqui azuis como nunca o foram em verdade para meus olhos
um sol novo se abrirá nos corações pulsantes, de cílios longos como é longa a dolorosa incompreensão
as aves estarão no chão se debatendo, pequenas e grandes, da qual agora posso fazer meu riso, e tua mão secará
por um pedaço histórico de pão adormecido. contra a minha ainda uma última vez, e compartilharemos
reconhecer-me-ei, ó antigo, nas pequenas aves o raro frio entre os que se amam sem dar respostas
que, sem comer, alegram-se, e poderei assim a perguntas mudas, para tocarmos no que se espalha
dar o pulo fremente na direção do fantasma, ao ponto em que se comunica; um peixe chorará,
para entrar na ciranda primária do esquecimento. um polvo rebentará seus tentáculos, os amigos
farão um freio súbito para que se respire,
no dia em que eu não estiver mais aqui uma vez apenas e para nunca mais, a terra preciosa
haverá um sorriso modesto de um jovem sensível, de que não compreendemos os pontos,
porque um velho muito velho, de suspensórios, e produzimos vírgulas como grampos em nossa cruz.
passará inclinado pelo vento com a bengala para cima,
como se assim falasse algo secreto
no dialeto incompreensível dos velhos e de deus.

no dia em que eu não estiver mais aqui


não haverá mais cigarros duvidosos fumados nas janelas.
por um dia apenas, os que me amam
sentirão enfim minha presença que dali escapa,
deixando ao menos um abajur sem lâmpada num canto,
e no escape haverá o instante em que tudo que é presença
firmará a encarnação adorável do mistério da terra em nós.
por um instante, nesse dia, por não mais que um instante,
saberão os que sofrem algo a mais
sobre sofrer e perseguir o sofrimento, algo além
dos conselho sobrepostos por lágrimas,
algo além do corpo segundos antes da convulsão.
saberão que a convulsão traz consigo, segundos antes,
a claridade do que em tudo está contido,
e a escuridão ganhará um feixe de luz azul,
diferente dos filmes de ficção científica, meu pai,
aqui registro: amo-te, pai, e tudo o que fazemos neste mundo
tem esse vago propósito de dar conta do que em nós é menos,
menos mundo e mais do que está diante dos nossos olhos,
talvez infelizmente – quem sabe não sabe, sabe apenas que
“lohengrin – overture” “ainda assim chamaremos”

por entre os fios se abre uma estrada é preciso causar ainda alguma beleza,
que só aos cegos é permitido olhar. nem que seja o lenço caído no soalho,
aos que enxergam, as mãos atadas ou uma valsa vienense de outrora,
recriam nos fios a paz obrigatória tanto faz se não sabemos seu nome,
de quem pingou amor pela estrada ou mesmo se com sede recebemos
e agora, seco de paz, morto de amor, o que mais tarde iremos cuspir fora.
recolhe com os pés o vale do tempo. é preciso ainda assim alguma beleza,
um suspiro contínuo é só o que cabe uma palavra que acalente o coração,
ao potro sem capim do esquecimento. uma revelação diminuta de esperança,
fora das teorias humanas, ó humanos!
fora dos intestinos delgados do inferno,
numa jaula de pétalas, uma luz amarela,
algo no fim de algo que está no seu fim,
porque é acima de tudo agora preciso
causar alguma beleza nem que esteja
no triz que tremeluz pálpebras de aço,
na gota perene que se afoga no umbigo,
um vento no rosto, ainda que marcado
pela areia que escorreu pelo caminho
de outros que passaram e, sem saber,
deixaram restos do que nunca se soube
mas ainda assim chamaremos nossa fé.
“de qualquer outra forma não seria” “chopin”

sou o músico que não conhece o seu instrumento, às vezes sinto que sou um polonês,
mas ama-o, e quanto mais o ama, menos o conhece, um polonês entre a espada e a ditadura,
e só daí tira força para aumentar ainda mais um polonês que se esqueceu da música,
esse desconhecimento vital, que também se chama morte, um polonês ainda assim, baixo e robusto,
quando o silêncio se alimenta de rachaduras que sofre fora do mundo como bom polonês,
e tu que és o músico te sentas mais uma vez viajante paralisado nas alturas oceânicas.
diante de teu instrumento, com as mãos trêmulas
e nenhum domínio da tua língua, nada que possa encobrir às vezes sinto que sou um polonês
o catálogo de teus erros, a gota da tua seiva cujos pais viraram sabão e o sabão
secou no amparo da tua sorte, tudo se afasta agora tornou acético o que era sujeira tão nossa
e reconheces o milagre, o duro milagre da falta e as costas entortam no escambo do ouro
que te move para dentro, quando te assustas e as facas dão forma a superfícies macias.
e queres então sair e não há para onde sair
já que nunca entrastes, sempre observando à distância às vezes sinto que sou um polonês,
o que te cobra o cerne, tão lindo quanto mais distante, uma corda puxada por duas forças imensas,
tão puro quanto mais profundo é teu desamparo, pequenino diante do curso dos enganos,
mas de qualquer outra forma não seria amor. gigantesco no que explode para dentro
a nota segura da última barcarola.
“as datas” porque dessa forma já não dura muito a rosa criada,
não é preciso mais um holocausto para definir a espécie.
escrever história significa
dar fisionomia às datas que venham as datas e debaixo das datas a rosa
(walter benjamin) e dentro da rosa o não dito em seu corpo imperturbável.

é preciso no entanto dar nome às datas, não tens agora inteligência para o verbo concluso
essas feras esquecidas que só nos visitam aos pedaços. e a poesia gosta de coisas caras como as datas
o amor pelas datas e a vontade imensa de lembrá-las. que, marcadas, definem a fisionomia da morte.

nada são as datas, são futuros provisórios,


que se alteram conforme precisamos delas
onde do outro lado está uma invenção
porque é simplesmente impossível agora lembrar
e no entanto é preciso dar nome às datas.
o dia em que perdi a libido, a noite em que me suicidei,
o capacete alemão reluzindo à entrada do esconderijo,
as marcas, essas nunca perderás tempo olhando para elas,
e nem mesmo os anjos as encontrarão no teu corpo.

e só poder falar da rosa e nunca ter visto a rosa


e comer a rosa e esfregá-la embaixo dos braços,
talvez até despetalar a rosa ou usá-la como pedra,
por afinidade de parentesco endoidecê-la para enfim
te deixares consumir pelo que fora do drama não é rosa
e é tudo que é só teu e de mais ninguém e nunca vês
porque procuras a rosa com que criarás teu final instável
e aparentemente seguro porque criando a rosa sorris,
mas sabes, todos sabemos, quanto há fora da rosa
que nunca poderás tocar e jamais deixarás de pensar nisso,
ainda que com tua rosa inventada na mão corroída.

e a chuva cairá sobre ti um dia, uma chuva fortíssima,


e tu dirás a ti mesmo outra vez uma outra data,
como o dia em que a chuva, pobre essência incompreensível,
que apesar de solícita é inepta e por todos os lados ouves
abstêmio, confuso, magro, com o queixo tremendo impossível,
limpando-te de ti mesmo, escorrendo devagar
o que não sabe se é algo ou tudo o que nunca soube ou teve,
e se for tudo haverá de ser ao menos enlouquecido
“valquírias” “o corpo não pode”

viverei mil anos na galícia de tuas coxas, para belchior


teu pólen serão as ilhas onde descansarei
os navios apedrejados de minha esperança. o corpo não pode encontrar seu lugar dentro do corpo.
é preciso tempo para se apaixonar, é preciso esquecer
nos teus olhos, um enjambement de lírios, a violência de tanto tempo, a solidão e a fúria, a pressa
nos teus quadris, minha galáxia herdada. de correr perigo acabou por assentar os cascos de prata.
é no sul da alma que se encontra o estômago do desafio,
não falemos, então, nada além dos olhos, o egoísmo de acumular cifras como rastros dessa trilha.
firmarei em teus olhos minha vaga nação. um bandolim dedilha as cordas do meu coração infantil,
o sol dos quintais aquece o erro fugido às letras cifradas.
em sarabandas lunares repaginar carícias, vazar o céu da filosofia, romper o sono vínculo provável.
virar do avesso a ruína do segundo parto. não imaginavam que se pudesse fazer o que diz a beleza
daquelas tardes apoiadas ao violão do rapaz sem nome.
dentro de ti serei sempre o pastor anfíbio resta agora chorar dentro do carro, resta apenas o amor.
e a violência explodirá em sutis enxadas, a riqueza encolhe o ritmo da ancestral máquina humana,
enxadas e pisadas sobre nuvens velozes um corpo cai de muito alto, jamais atingirá o solo duro.
e já não estaremos mais entre os mortos.
o corpo não pode encontrar seu lugar dentro do corpo.
pelo instante em que tocarmos as pontas caindo do alto, procura tocar-se, procura algo que, útil,
do nosso milagre comum, afirmaremos saia do seu caminho, desprenda-se para fora do acerto.
a comunhão das espécies e o sono do fim. a felicidade, foi dito, é uma arma quente, no alto donde
cai o corpo está surdo todo o perigo, aqui a ferida viva
na parede da memória não conta mais os seus metais.
do alto dessa queda haverá alguém com quem morrer,
longe da família o familiar rebanho corre em muda paz.
cansado de não poder falar sobre essas coisas sem jeito,
o corpo deixou a sessão das cinco e o beijo sentimental,
o batom serve agora para marcar os espelhos dos hotéis
conforme vai-se fazendo a maior música, esquecimento
dos corpos atropelados que não deram o perigoso salto
e ficaram como as letras das velhas canções de outrora,
enjauladas pelo medo na juke box de um boteco imundo.
o corpo não pode encontrar seu lugar dentro do corpo. “muitos remédios”
o corpo vem de uma terra onde o céu é o próprio chão,
o que chama alma se entortou junto ao bagaço de cana, contra as forças que ainda me restam
garotos esperam por nova aparição em teatros-fantasma, arrasto as juntas de uma antiga expressão.
suam os versos de um tempo apodrecido de anteontem, uma frase foi grifada sobre outra frase
ficaram para trás paralelas nos estacionamentos da rima no caderno dos tempos doces vândalos.
e os antigos compositores baianos tornaram-se inchados,
protegidos pelo bolor dos festivais da canção onde vaias e nem com lupa se distinguem as letras,
são agora velhas senhoras nas salas de cinema das tardes. bolor ditado em abdominais noturnos.
tomba o corpo horizontalmente e seu prelúdio infanticida
são agora as cutículas de uma ordem infestada pelo brilho não se afogar sobre a poça da linguagem,
da tinta acrílica no bigode branco de um homem que vê não receber no peito o bico dos pássaros.
e agora fala o grande amor o sinal se abriu para o musgo cansar somente desse não de um outro
e as músicas são caixas de poeira na beleza da pista falsa. que comanda os dedos e desafia o verbo.

será sem rosto agora a maravilha,


haverá palavras em grave desencontro.
procuro em agendas os anos mortos
e assassino papéis com vultos notáveis
que fazem ciranda na minha garganta.

arrocham os matizes pálidos das tripas,


fogem para longe esse tão perto de ti,
essa poeira lenta das janelas fechadas.

fecharão os anjos outro acordo espacial?


suará em câncer a linguagem das camas?

a dimensão se rasga em véus extintos


e buscas ainda a franja do vulto,
abrolhos cegos de toda ruminação.
“óleo das horas dormidas” uma mulher de cabelos roxos me trouxe escova de dentes e creme dental.
nada saiu ainda de mim que se misture ao cheiro ruim deste lugar bonito.
pelas manhãs sinto no estômago a falta de meus dias. há uma área externa onde fazer exercícios, mas que usamos para fumar.
à noite uma caranguejeira me arrasta para o que esqueci. fuma-se muito mais quando se está louco e usam-se meias com chinelos.
na madrugada sonho que o ventilador é um caminhão de lixo. aqui sou como os outros e as palavras valem menos, mas há os insetos.
o caminhão de lixo passou e não me livrei daquelas caixas. eles me percorrem as feridas e escrevem à minha volta o preço da poesia.
uma senhora passa fumando pela janela do edifício térreo. ao fundo escutam-se marteladas de uma nova construção para a loucura.
em sua camisa há dizeres em sânscrito ou coisa que o valha. acima os helicópteros da vida má e, ao redor, velhas canções de amor.
a senhora não combina com os dizeres, mas eu não saberia dizer. a química me pesa no ventre como um feto, uma saudade da juventude.
passa também um açougueiro com seu cheiro peculiar de história. mas neste lugar bonito descobri que a juventude é uma invenção de velhos.
um eletricista sem uma perna que dorme num confortável colchão.
dorme num confortável colchão às portas da minha proteção inútil.
dorme como criança e imagino que o mesmo aconteça ao resto.
à velha dos dizeres em sânscrito e ao açougueiro da história.
a precisão destes versos tem a força de um delírio cômodo.
é preciso contorná-los de alguma forma para chegar ao final.
as lâminas não têm fio e o gás tem uma válvula de controle.
não há mais poetas pela região a não ser os que se presenteiam.
são dores de muco e pantufas prateadas de um natal em chamas.
agora estou de saída, pois arranjei um cabo de vassoura e um pai.
o cabo de vassoura para a válvula de gás e o pai até o asilo de loucos.
o lugar é bonito, cheira mal, lotado de pessoas com prisão de ventre.
anastácio cantor de impropérios, buda hesse, davi homem-leão.
os comprimidos noturnos são como as bolas dos pinheiros natalinos.
minha tuia holandesa morrerá agora sem a água dos meus tamancos.
papai-noel tem jaleco branco, orelhas mordidas e rosna docemente.
divido meu quarto com um senhor tatuado viciado em clorofórmio.
suas tatuagens são bonitas e fico pensando por onde teria viajado.
têm estilo oriental e ele está muito acima do peso e tem olhos claros.
bangkok, tanzânia, absínia, bangladesh, ele dorme e não come.
relata que não come há três dias e pergunta se eu também sou um DQ.
antes que eu responda ele dorme outra vez e eu também estou na cama.
somos todos pessoas que não souberam de alguma forma envelhecer.
pessoas que cantam sozinhas canções erradas de amor, novas e velhas.
estou na cama com meu livro aberto onde sublinho selfishness of quiet.
tenho no pulso uma tatuagem que o gordo ao meu lado não tem igual.
ela poderia ter sido feita em bangkok, tunísia, absínia, deve haver por lá.
foi por causa dela e não de clorofórmio que vim para neste lugar bonito.
prefiro deste modo mesmo que haja tantas outras maneiras de acontecer.
as tardes eu passo dormindo sob centopeias verdes das horas em musgo.
“vem dezembro” um atendimento tão humano
não se encontra em qualquer crise.
confundo tâmara com damasco.
quase perdi um dente com ameixa em passa. é tempo de cobrir as partes.

minha barba cheira a algo idealizado. troco sândalo por vândalo em sandalismo.
há uma sede de bílis em minhas pedras. muletas, cores de um despertar.
você precisa de tênis vermelhos,
o corpo de enfermagem, me diz a menina de vinte um anos.
escolho o corpo de enfermagem.
o corpo de enfermagem,
palhaços calvos como os dos filmes de terror escolho o corpo de enfermagem.
adentram aos risos o quarto cirúrgico.
há o escolher a vida ou o método, autorizam-me finalmente a cobrir as partes.
mas as doses aumentam é um vestido antigo o elo até a cabeça.
nos poros da minha curiosidade.
são lindos olhos os que o senhor tem.
instalações,
todos querem saber das instalações. fazer um colar com as pedras de bílis
parece fora de cogitação.
amanheço fora de todo concreto.
pastoso o frio no corpo superior. esta é apenas uma pesquisa
um incômodo de panos feita na casa de partos.
nas tranças de meu abecedário.
acima dos olhos os cílios de um paradeiro.
um homem muito bonito existem filas para a prevenção
entre os gases da minha adequação. de problemas bem maiores.
nublado e as pedras de bílis. se um vinho ao menos lembrasse
sem frio agora as rampas da vesícula. a preguiça de meus engenhos.

é preciso enviar flores. confundo tâmara com damasco.


quase perdi um dente com ameixa em passa.
é preciso render ainda que meia hora mais afastou-se o galo incerto, homem.
à solidão dos pulsos adestrados. mas sofro, além sofro, aquém sofro.
é chegada a hora do desague jurídico.
sonho percevejos deglutindo flores. o menino sobre o qual se põe o índice
seria de bom tom enviar do enredo dos enredos do enredo.
flores ao corpo de enfermagem.
fala-se vagamente
impressiona a todos minha rápida melhora. sobre um pouco de saliva e terra.
mensagens se acumulam no silêncio de dois lados. lembro-me vagamente
comediantes fartamente usufruem de algo neste sentido e sofro.
de minha essência para o ato técnico.
o jogo anfíbio permanece em giro autômato arteriado de círculos viciosos,
enquanto se briga pelo bilhete premiado. vem dezembro com suas trinta e uma peles rotas.

outra manhã se descalça num abracadabra civil. impossível não recordar o magro senhor doce;
cabeceio a inscrição das trinta e duas unhas da estação. farol irregular, o dia induz a dar-te algo.

tenho fé em ser forte. aqui me tens, paz de uma só linha.

um escândalo de mel se equilibra em meus trapézios. sei dos noivos defuntos desse diamante implacável.
escolha furtiva essa do bruto livre. dóceis se aproximam com sua fixada técnica.

o corpo de enfermagem, é o tempo da desora.


escolho o corpo de enfermagem.
bruto como postiço alcanço
entre onde e quando, um declive bromado a côncava mulher.
houve uma última vez antes entre duas nevascas. são quatro paredes
acalmo o cesto onde guardo meu réptil. nesses anos latitudinais.
está sombreado o terreno fértil das máscaras.

queimarei todas as naves


no sofrimento de mito em mito.

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