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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO

28º CPR

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Sumário
1.a. Desenvolvimento histórico do Direito Internacional. Terminologia. A sociedade internacional e suas características.
Soberania e a atuação do Direito nas relações internacionais. Princípios que regem as relações internacionais do Brasil. ........... 4
1.b. Fontes do Direito Internacional Público. Costume Internacional. Princípios Gerais. Jurisprudência e Doutrina. Atos
Unilaterais. Decisões de Organizações Internacionais. Jus Cogens. Obrigações erga omnes. Soft Law. ....................................... 6
1.c. Graves violações às Convenções de Genebra e crimes de guerra. Imprescritibilidade. Competência para processar e
Investigação pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. ............................................................................................................ 8
2.a. Direito Internacional Privado. Evolução histórica. Conflito de leis e espécies de normas. ...................................................... 10
2.b. Organização Internacional. Características. Evolução. Espécies e finalidades. Regime jurídico. Santa Sé. Prerrogativas e
imunidades no Brasil. .................................................................................................................................................................... 11
2.c. Desaparecimento forçado como crime internacional. Crime de ius cogens. Normativa internacional.
Imprescritibilidade. ........................................................................................................................................................................ 12
3.a. Espaços Globais Comuns. Princípios. Patrimônio Comum da Humanidade. Alto Mar. Fundos Marinhos. Antártica.
Ártico. Espaço Sideral. .................................................................................................................................................................. 13
3.b. Direito tributário internacional. Conceito. O fenômeno da bitributação. Acordos de bitributação. ........................................... 14
3.c. Princípio uti possidetis. Descobrimento e ocupação como critérios de aquisição territorial. ................................................... 15
4.a. Estados. Autodeterminação dos Povos. Reconhecimento do Estado e Governo. Direitos e Deveres. Território: aquisição e
perda. Faixa de Fronteira. Rios Internacionais e Regimes Fluviais. Domínio Aéreo...................................................................... 16
4.b. Tratados Internacionais. Reservas. Vícios de Consentimento. Entrada em vigor. Interpretação. Registro e Publicidade.
Efeitos sobre Terceiros. Modalidades de Extinção. ....................................................................................................................... 18
4.c. Interpretação e aplicação do direito estrangeiro. Prova do Direito Estrangeiro. Ordem Pública e exceções à aplicação do
direito estrangeiro.......................................................................................................................................................................... 20
5.a. Estrangeiros. Entrada, permanência e saída regular. Direitos do estrangeiro. Saída compulsória: deportação,
expulsão. ....................................................................................................................................................................................... 21
5.b. Imunidades. Imunidade pessoal e real. Imunidade cognitiva e executória. Imunidade diplomática e imunidade
consular. Imunidade de Estados. Imunidade de ex-chefes de Estado. Regime de tropas estacionadas por força de tratado.
...................................................................................................................................................................................................... 23
5.c. Uso da força no direito internacional: proibição (art. 2, para. 4, da Carta da ONU), direito de autodefesa ou de legítima
defesa (art. 51 da Carta da ONU). Papel do Conselho de Segurança da ONU na garantia da paz e da segurança
internacional. ................................................................................................................................................................................. 25
6.a. Nacionalidade. Originária. Derivada. Apatridia. Polipatria. Perda da nacionalidade. Estatuto da igualdade: portugueses.
Nacionais de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) ........................................................................................................ 27
6.b. Soberania estatal. Conceito. Tipos: soberania interna e soberania externa. Princípio da igualdade soberana dos
Estados. ........................................................................................................................................................................................ 28
6.c. Sucessão de Estados. Direitos e deveres. Tratados e patrimônio. ......................................................................................... 29
7.a. Tratados internacionais. Classificação. Terminologia. Negociação e competência negocial. Formas de expressão do
consentimento. Conflito entre tratados e com as demais fontes .................................................................................................... 31
7.b. Asilo. Refúgio. Regime Jurídico. Princípio do non-refoulement. Papel dos órgãos internos. A proteção ao brasileiro no
exterior. ......................................................................................................................................................................................... 32
7.c. Responsabilidade internacional do Estado. Obrigações primárias e obrigações secundárias. Atribuição de atos a Estados.
Reparação: restituição, indenização e satisfação. Obrigação de interrupção de ato ilícito continuado. Obrigação de não-repetição
de ato ilícito. Obrigação de perseguir ilícitos penais internacionais. .............................................................................................. 34
08.a. Solução pacífica de controvérsias: conceito, natureza e origem. Paradigma da Carta da ONU na solução pacífica de
controvérsias: funções do Conselho de Segurança, da Assembleia-Geral, da Corte Internacional de Justiça. Arbitragem
internacional e gestão diplomática. ............................................................................................................................................... 36
8.b. Crimes contra a humanidade ou de lesa humanidade: definição, natureza consuetudinária, imprescritibilidade. Elementos
dos crimes contra a humanidade: ataque à população civil, extensão, sistematicidade, elemento político. .................................. 38
8.c. Processo de formação e incorporação dos tratados internacionais no Brasil. Hierarquia. Acordo Executivo.
 ....................... 39
9.a. Crimes internacionais: conceito e classificação. Dever de perseguir e 
pretensão punitiva da comunidade internacional. .... 41
9 b. Auxílio direto e juízo de mérito. Competência da Justiça Federal e 
atribuições do Ministério Público Federal. Distinção da
cooperação policial. Meios de auxílio: videoconferência, quebra de sigilo, interceptação telefônica. Partilha de ativos (“asset
sharing”). ....................................................................................................................................................................................... 42
9.c. Organização das Nações Unidas. Desenvolvimento e principais órgãos. Corte Internacional de Justiça. Organizações
regionais das Américas. ................................................................................................................................................................ 43
10.a. Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional: divergências e convergências. Implementação direta e
indireta do Direito Internacional Penal. .......................................................................................................................................... 47
10.b. Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Correntes doutrinárias. Como o Direito Interno vê o Direito
Internacional. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno. A Constituição brasileira e o Direito Internacional. .... 48
10.c - Conflitos internacionais e conflitos não-internacionais. Art. 3º comum às quatro Convenções de Genebra. Condições
para a aplicação do Protocolo II de 1977. Convergências entre as garantias mínimas aplicáveis a conflitos não-internacionais
e o regime de derrogações excepcionais do art. 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 4º do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos. .................................................................................................................................... 50
11.a. Tribunais internacionais ad hoc e tribunais mistos. Princípio da primazia da jurisdição penal internacional e suas
mitigações. Dever de cooperar com os tribunais internacionais. ................................................................................................... 52
11.b. Desapropriação e seus reflexos no direito internacional. Proteção de nacionais desapropriados por
Estado estrangeiro. Indenização devida. ..................................................................................................................................... 54
11.c. Responsabilidade não-penal de indivíduos no direito internacional por sua participação em graves violações de direitos
humanos. ...................................................................................................................................................................................... 55
12. a. Direito internacional humanitário. Ius in bello e ius ad bellum: convergências e divergências. Direito de Genebra e Direito
da Haia. Princípio da distinção. Princípio da proteção. Princípio da necessidade militar. Princípio da proporcionalidade. ............ 56

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12.b. Extradição. Entrega. Execução de SEntenças Cíveis e Criminais. Transferências de presos. ............................................. 58
12.c. Tortura como crime internacional. Definição do art. 1º da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 e definição do art.
2º da Convenção Interamericana contra a Tortura: convergências e divergências. ...................................................................... 61
13.a. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Natureza jurídica. Acordo de sede e imunidades. Finalidades e funções de acordo
com as Convenções de Genebra de 1949 e com os Protocolos I e II de 1977. ............................................................................. 63
13.b. Indivíduo no Direito Internacional. Subjetividade jurídica controvertida. Responsabilidade individual penal derivada do
Direito Internacional. ..................................................................................................................................................................... 65
13.c: Redes internacionais de cooperação judiciária e entre ministérios públicos. Cooperação formal e informal. A Iber-Rede. A
Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos. A Reunião Especializada de Ministérios Públicos do Mercosul................. 67
14.a. Guerra contra o terror. Conceito de terrorismo. Atos de terror. “Combatentes ilegais”. Repressão internacional ao
financiamento de atividades terroristas. ........................................................................................................................................ 69
14.b. Assistência Jurídica Mútua. Convenções Bilaterais e Multilaterais. ...................................................................................... 71
14.c: Tribunal Penal Internacional: jurisdição ratione personae, ratione loci e ratione temporis. Princípio da complementaridade.
Poderes do Conselho de Segurança da ONU sobre a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. ............................................... 72
15.a Cooperação Jurídica Internacional. Evolução e fundamentos. Via diplomática. Via Autoridade Central. Via do contato direto
e cooperação internacional entre Ministérios Públicos. ................................................................................................................. 74
15. b Direito de autotutela: sanções, sanções “inteligentes”, contra-medidas e represálias. ......................................................... 76
15.c Responsabilidade internacional objetiva. Responsabilidade penal do Estado: conceito e controvérsias. Relação entre
responsabilidade internacional do Estado e responsabilidade internacional penal do indivíduo. Julgar. ....................................... 77
16.a Dívidas estatais e garantia de credores no direito internacional. Doutrina Drago. Cláusula Calvo. Cláusula de estabilização.
...................................................................................................................................................................................................... 78
16.b Princípio da especialidade e dupla incriminação como condição de assistência jurídica em matéria penal. Exceção de crime
político. .......................................................................................................................................................................................... 79
16.c Prisão preventiva para fins de deportação, expulsão e extradição. Competência e pressupostos. ....................................... 80
17.a. Limites à aplicação do direito estrangeiro no Brasil. Ordem pública. Moral e bons costumes. Garantias fundamentais. ..... 81
17.b. Princípios da fixação da Jurisdição internacional. Territorialidade e extraterritorialidade. ..................................................... 82
Jurisdição universal: conceito, limites e controvérsias. .................................................................................................................. 82
17.c. Repressão internacional ao trabalho e comércio escravo: histórico, base normativa e trabalho escravo contemporâneo.
“Repressão internacional ao trabalho e comércio escravo: histórico, base normativa e trabalho escravo contemporâneo”: ......... 84
18.a. Direito Internacional do Meio Ambiente. Princípios. Poluição Atmosférica. Poluição Marinha. Recursos marinhos vivos.
Biodiversidade, fauna e flora. ........................................................................................................................................................ 86
18.b. Carta rogatória: juízo delibatório, medidas cautelares com contraditório diferido, atos executórios e atos não-executórios. 89
18.c. Domínio marítimo. Mar Territorial. Zona Contígua. Plataforma. Continental. Zona Econômica Exclusiva. Ilhas costeiras e
oceânicas. Navios e aeronaves no Direito Internacional. .............................................................................................................. 91
19.a Comunicabilidade do estado civil. Homologação de sentença de divórcio. ........................................................................... 93
19.b. Prestação de alimentos no estrangeiro. Convenção de Nova York de 1956. Atribuições do Ministério Público Federal como
autoridade central.......................................................................................................................................................................... 94
19.c Povos indígenas no Direito Internacional. A Convenção OIT 169 e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos
Indígenas de 2007......................................................................................................................................................................... 95
20.a. Efeitos civis do sequestro de crianças. Competência da Justiça Federal. Atribuições do Ministério Público Federal e da
Advocacia Geral da União. Autoridade Administrativa Central. ..................................................................................................... 97
20.b. Genocídio como crime internacional: conceito, natureza e incorporação no ordenamento jurídico brasileiro. Competência
para seu processo e julgamento.................................................................................................................................................... 99
20.c: Direito da Integração Regional. Tipologia. Organização Internacional Supranacional. Mercado Comum do Sul. Evolução.
Características. Estrutura. Principais atos institutivos. Relação com o Direito brasileiro. ............................................................ 100

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1.a. Desenvolvimento histórico do Direito Internacional. Terminologia. A sociedade
internacional e suas características. Soberania e a atuação do Direito nas relações internacionais.
Princípios que regem as relações internacionais do Brasil.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º; PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional
Público e Privado, incluindo noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário, 4ª ed. Editora Jus Podivm; AMARAL
JUNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Atlas; SHAW, Malcolm N. Direito Internacional,
2010. Martins Editora.
Desenvolvimento histórico do Direito Internacional: O Direito Internacional nasceu como ramo autônomo do Direito
público na Europa do Século XVIII, com o Tratado de Westfalia (1648), que pôs fim à Guerra dos 30 anos. Hugo Grotius
contribuiu para a sua autonomização. O DIP está dividido em basicamente duas fases: na Fase clássica (1648-1918),
marcada pelo Direito à Guerra (Jus ad bellum) e à colonização, o DIP se preocupa basicamente com o estudo das relações
entre os Estados; na Fase moderna ou contemporânea (a partir do fim da Segunda Guerra Mundial), o seu enfoque passa
a ser a proteção internacional da pessoa humana – começam a aparecer limitações ao poder soberano dos Estados; o uso
da força no cenário internacional passa a ser regulado; a colonização é vedada; e há exaltação do Direito de Guerra (Jus in
bello – Direito de Haia) e do Direito Humanitário (Direito de Genebra). Ocorre a especialização do DIP em ramos (ambiental,
trabalho, etc.), proliferam-se as Organizações Internacionais e o indivíduo passa a ser considerado sujeito de Direito
Internacional.
Terminologia: A terminologia “Direito Internacional” foi criada em 1780, por Jeremy Bentham, para distinguir o direito
que cuida das relações entre os Estados do Direito Nacional e do Direito Municipal. A complementação “Direito Internacional
Público” surgiu mais tarde na França, para diferenciar o DIP do DIPriv. Outros termos utilizados são “Direito das Gentes” ou
“jus gentium” ou jus inter gentes.
A Sociedade internacional e suas características: Sociedade internacional é o “conjunto de vínculos entre diversas
pessoas e entidades interdependentes entre si, que coexistem por diversos motivos e que estabelecem relações que
reclamam a devida disciplina” (PORTELA:2012, p. 44-45). A vontade (racional) é o elemento decisivo para a aproximação
dos seus membros.
As características da sociedade internacional são a universalidade (abrange no mundo inteiro, embora o nível de
integração varie bastante), a heterogeneidade (os atores que a compõem apresentam mudanças significativas dos pontos
de vista social, econômico, político, educacional, etc.), a descentralização (não há um governo central), a cooperação
(corolário da descentralização, importa na ausência de subordinação entre os seus atores), a descentralização (não há um
poder central) e caráter paritário (igualdade jurídica entre seus membros. A crítica é que não há igualdade de fato, o que
acaba por influenciar as relações internacionais). Parte da doutrina defende ser a sociedade internacional interestatal (ou
seja, é composta meramente por Estados), mas há críticas a esse entendimento a partir do reconhecimento das organizações
internacionais como sujeitos de Direito Internacional e com a crescente participação direta das ONGs, dos indivíduos e de
outros agentes no cenário internacional.
Sociedade Internacional não se confunde com comunidade internacional A COMUNIDADE fundamenta-se em
vínculos espontâneos, de caráter subjetivo, envolvendo identidade e relações culturais, emocionais, históricos, sociais,
religiosos, familiares etc. Caracteriza-se também pela ausência de dominação, pela cumplicidade e pela identificação entre
seus membros, cuja convivência é harmônica. Segundo entendimento doutrinário que prevalece, ainda não há uma
comunidade internacional, visto que o que une os Estados são os seus interesses, inexistindo laços espontâneos. Há,
contudo, quem defenda a existência de uma comunidade internacional, à luz de problemas globais, que se referem a todos
os seres humanos, como a segurança alimentar, o meio-ambiente, desastres naturais etc.

Comunidade internacional Sociedade internacional


Aproximação e vínculos espontâneos. Aproximação e vínculos intencionais.
Aproximação por laços culturais, religiosos, Aproximação pela vontade.
linguísticos etc.
Identidade comum. Objetivos comuns.
Ausência de dominação. Possibilidade de dominação.
Cumplicidade entre os membros. Interesse.

Soberania e a atuação do Direito nas relações internacionais: o conceito de soberania foi primeiramente
desenvolvido pelo filósofo francês Jean Bodin. Classicamente, designa “o poder de declarar, em última instância, a validade
do direito dentro de um certo território” (AMARAL JÚNIOR:2008 , p.99). Atualmente, entende-se soberania como o alcance
de patamares de desenvolvimento econômico e social que garanta a um Estado a plena independência das suas decisões
políticas, sem a necessidade de auxílios internacionais. Nesse sentido, soberania é um dos elementos constitutivos do
Estado, possuindo um aspecto interno (supremacia dentro de um determinado território) e um aspecto internacional
(igualdade formal entre os Estados na sociedade internacional e independência do ente estatal frente a outros).
O Direito, seja o natural ou o positivo, atua nas relações internacionais como instrumento de respeito, cortesia,

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cooperação, relação que sustentam a horizontalidade e a igualdade jurídica entre os Estados componentes da ordem
internacional. Os “Estados precisam do Direito para buscar atingir certos objetivos, que vão desde o bem-estar econômico
até a promoção de uma ideologia, passando pela segurança ou pela simples sobrevivência” (SHAW:2010, 38).
Princípios que regem as relações internacionais do Brasil: estão previstos no art. 4º da CRFB/88, sendo eles: I.
independência nacional; II. prevalência dos direitos humanos; III. autodeterminação dos povos; IV. não intervenção; V.
igualdade entre os Estados; VI. defesa da paz; VII. solução pacífica dos conflitos; VIII. repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX. Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e X. concessão de asilo político.

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1.b. Fontes do Direito Internacional Público. Costume Internacional. Princípios Gerais.
Jurisprudência e Doutrina. Atos Unilaterais. Decisões de Organizações Internacionais. Jus Cogens.
Obrigações erga omnes. Soft Law.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º; PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional
Público e Privado, incluindo noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário, 5ª ed. Editora Jus Podivm; AMARAL
JUNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Atlas; SHAW, Malcolm N. Direito Internacional,
2010. Editora Martins Editora; RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos
Humanos, 1ª ed. Editora Renovar, 2004.
Fontes do DIP: Fontes do Direito são os motivos que levam ao aparecimento da norma jurídica, bem como os
modos pelos quais ela se manifesta. Vejamos:
Fontes materiais Fontes formais
São os elementos que provocam o aparecimento São o modo de revelação e exteriorização da
das normas jurídicas. Ex.: II Guerra Mundial. São também norma jurídica.
os fundamentos sociológicos das normas internacionais, a
sua base política, moral ou econômica. O art. 38 (1) do Estatuto da CIJ traz um rol
exemplificativo das principais fontes formais do Direito
Internacional. O referido diploma elencou: os tratados, os
costumes e os princípios gerais do Direito como fontes, e
fez referência à jurisprudência internacional e à doutrina
como “meios auxiliares na determinação de direito”.
Há quem classifique as 3 primeiras como fontes
primárias, e as duas últimas como fontes secundárias do
DIP.
OBS 1: A doutrina majoritária entende que não há hierarquia entre as fontes do DIP.
OBS 2: O Estatuto da CIJ estabelece que, não obstante as fontes elencadas, a solução para o conflito por se dar
por ex aequo et Bono, ou seja, por equidade, se as partes assim concordarem.
OBS 3: o Contrato internacional e a Lex mercatória são considerados fontes de direito internacional privado.
Costume Internacional: resulta de uma prática geral aceita como sendo o direito. A parte que o invoca deve
provar sua existência. Compõe-se de dois elementos: (a) a prática generalizada, uniforme, constate e reiterada de
determinados atos na esfera das relações internacionais ou no âmbito interno, com reflexos externos (elemento material ou
objetivo), que deve ser justa e estar de acordo com o Direito Internacional; e (b) a “opinio juris”, ou seja, a convicção da
justiça e da obrigatoriedade jurídica dos atos praticados (elemento subjetivo).
OBS 1: A generalidade não se confunde com a unanimidade, bastando que um grupo amplo e representativo
reconheça a sua obrigatoriedade. Também não é sinônimo de universalidade, pois há costumes regionais e até mesmo
empregados exclusivamente em relações bilaterais.
OBS 2: existe a possibilidade de que um sujeito de DIP não reconheça expressamente um costume existente ou
em gestação, traduzida pela figura do persistente objector.
OBS 3: Parte da doutrina entende que o costume internacional é fonte convencional, pois decorre e aceitação
tácita ao longo do tempo (voluntaristas). Outra parte entende que é fonte não-convencional, pois se deu com o
desenvolvimento da sociedade internacional (objetivistas).
OBS 4: O costume internacional vincula? Depende da teoria adotada. Partindo da premissa voluntarista, o
costume valeria apenas entre aqueles entes que implicitamente concordassem com certa prática e aceitassem seu caráter
jurídico. Por outro lado, o entendimento objetivista vê o costume como uma manifestação sociológica, que obriga erga omnes
quanto mais difundido fosse, vinculando inclusive Estados que com ele não concordaram. Em todo caso existe a
possibilidade de um sujeito de direito internacional não reconheça expressamente um costume, que é a figura do persistent
objector.
Formas de extinção do costume: O costume extingue-se pelo desuso (perda de um dos dois elementos acima
descritos), pelo aparecimento de um novo costume que substitua outro anterior, ou por sua substituição por tratado
internacional que incorpore as normas costumeiras (“Codificação do Direito Internacional”)
OBS 1: O fenômeno da codificação do direito internacional O costume vem sendo paulatinamente sendo
substituído pelos tratados como fonte principal do direito internacional público, desde a Paz de Vestfália, pois os tratados
oferecem maior estabilidade às relações, maior precisão de seu conteúdo (adota forma escrita), não cabe alegação que
desconhece o tratado (pois o assinou) e é fácil constituir prova (o que pode ser complexo em relação ao costume). Por estas
razões, os costumes vêm sendo integrados a textos de tratados, como é o caso da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas de 1961.
Princípios Gerais: originários do direito interno dos Estados, ascenderam para o Direito Internacional. Foram
previstos no art. 38 para preencher as lacunas do sistema e evitar o non liquet (função interpretativa). Os princípios gerais
do direito são normas de caráter mais genérico e abstrato que incorporam os valores que fundamentam a maioria dos
sistemas mundiais. Ex.: proteção da dignidade da pessoa humana, pacta sunt servanda; boa-fé, devido processo legal, res

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judicata, boa fé, pacta sunt servanda, coisa julgada e direito adquirido.
Princípios gerais do DIP: Dentre os princípios gerais do DIP, destacamos: a soberania nacional; a não-intervenção;
a igualdade jurídica entre os Estados; a autodeterminação dos povos; a prevalência dos direitos humanos; a cooperação
internacional; a solução pacífica de conflitos; a proibição de ameaça ou de uso da força; e o esgotamento dos recursos
internos antes do recurso a tribunais internacionais.
Jurisprudência e Doutrina: segundo o Estatuto da CIJ, são meios auxiliares na determinação do direito.
A Jurisprudência é formada pelo conjunto de decisões reiteradas das Cortes Internacionais (CIJ, CIDH, TPI) em
um mesmo sentido. A Doutrina, como fonte auxiliar, tem como principal função “contribuir para a interpretação e aplicação
da norma internacional, bem como para a formulação de novos princípios e regras jurídicas” (PORTELA:2012, 82). Tem que
ser de produzida por juristas internacionalistas, que publicam textos internacionalmente e que sejam mundialmente
reconhecidos. Ex. Hugo Grotius.
Atos Unilaterais: podem produzir importantes consequências jurídicas na seara internacional, independente da
aceitação ou do envolvimento de outros entes estatais. Os atos unilaterais podem ser expressos ou tácitos. Exemplos: a)
PROTESTO:Manifestação expressa de discordância quanto a uma determinada situação, destinada ao transgressor de
norma internacional e voltada a evitar que a conduta objeto do protesto se transforme em outra; b) NOTIFICAÇÃO: Ato pelo
qual um Estado leva oficialmente ao conhecimento de outro ente estatal fato ou situação que pode produzir efeitos jurídicos,
dando-lhe “a necessária certeza da informação”; c) RENÚNCIA: É a desistência de um direito. A bem da segurança jurídica,
deve ser sempre expressa, nunca tácita ou presumida; d) DENÚNCIA: Ato pelo qual o Estado se desvincula de um tratado;
e) RECONHECIMENTO: Ato expresso ou tácito de constatação e admissão da existência de certa situação que acarrete
consequências jurídicas. Ex.: reconhecimento de Estado e de governo; f) PROMESSA: Compromisso jurídico de adoção de
certa conduta; g) RUPTURA DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS: Ato que suspende o diálogo oficial com um Estado nas
relações internacionais.
Decisões de Organizações Internacionais: Podem ser internas (aplicáveis apenas ao funcionamento da
organização) ou externas (voltados a tutelar direitos e obrigações de outros sujeitos de Direito Internacional). Os organismos
internacionais podem praticar os mesmos atos unilaterais que os Estados. Contudo, há decisões típicas de organizações
internacionais, como os atos preparatórios da negociação de tratados, a convocação de reuniões internacionais, as
recomendações e resoluções. As Resoluções podem ser cogentes (impositivas, pois vinculam os sujeitos de Direito
Internacional. Ex.: resoluções do CSONU) ou facultativas (não possuem força jurídica, são cumpridas voluntariamente pelos
Estados por força moral ou política – “Power of shame” - Ex.: Resoluções da ONU, OMS, OMC, OIT, etc.). OBS: As
resoluções deverão ser executadas no Brasil por meio de Decreto presidencial.
Jus Cogens: são normas aceites e reconhecidas pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como
norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com
a mesma natureza (art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – CVDT). A norma de jus cogens tem efeito
erga omnes e o poder de derrogar tratado anterior ao seu surgimento (leva à nulidade o preceito anterior apenas a partir de
seu surgimento, não gerando efeitos retroativos nem afetando a validade do acordo quando a norma cogente ainda não
existia, ou seja, efeitos ex nunc, não havendo retroatividade) (art. 64 da CVDT). Ou seja: caso ocorra conflito entre norma
de tratado e preceito de jus cogens superveniente é nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível
com o jus cogens (art. 53 da CVDT). Crítica de Portella: não deve ser todo o tratado nulo, e sim apenas a norma que viole o
jus cogens, pois seria desproporcional.
Obrigações Erga Omnes: são aquelas que criam deveres a serem observados por toda a comunidade de
Estados. Essas obrigações foram conceituadas, em obiter dictum na sentença do caso Barcelona Traction (CIJ, 1972), como
aquelas em que “tendo em vista a importância dos direitos em causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo
um interesse jurídico em que esses direitos sejam protegidos”. A CIJ já entendeu, em parecer consultivo, que o dever de
respeitar o direito à autodeterminação dos povos é uma obrigação erga omnes.
Soft Law: Trata-se de nova modalidade normativa, de caráter mais flexível e de contornos ainda imprecisos, são
regras cujo valor normativo seria limitado, seja porque os instrumentos que as contêm não seriam juridicamente obrigatórios,
seja porque as disposições em causa, ainda que contidas num instrumento constringente, não criariam obrigações de direito
positivo ou criariam obrigações pouco constringentes. A sanção pelo seu descumprimento é o embaraço internacional
(Power of shame ou Power of embarrassment) e para serem cumpridas dependem da vontade dos Estados. Ex.: acordos
de cavalheiros (gentlemen’s agreements), atas de reuniões internacionais, códigos de condutas, resoluções não-vinculantes
de organismos internacionais (como a Declaração Universal dos Direitos Humanos).

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Ponto 1.c. Graves violações às Convenções de Genebra e crimes de guerra.
Imprescritibilidade. Competência para processar e Investigação pelo Comitê Internacional da Cruz
Vermelha.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º; PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional
Público e Privado, incluindo noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário, 4ª ed. Editora Jus Podivm; AMARAL
JUNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Atlas; SHAW, Malcolm N. Direito Internacional,
2010. Editora Martins Editora; RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos
Humanos, 1ª ed. Editora Renovar, 2004.
Graves violações às Convenções de Genebra: Crimes de guerra são atos ilícitos cometidos contra as normas
do Direito de Guerra (Jus in bello - Direito de Haia) e do Direito Humanitário (Direito de Genebra) – que, juntos, formam um
único sistema complexo: o Direito Humanitário Internacional – CIJ (SHAW, 2010).
As leis de guerra foram sistematizadas nas Convenções sobre a Resolução Pacífica de Controvérsias
Internacionais (Conferências de Haia) de 1899 e 1907, nas quais foram adotadas várias convenções que tratavam da
guerra terrestre e marítima. Após, vieram as quatro Convenções de Genebra de 1949 (“Convenções da Cruz Vermelha”),
todas promulgadas pelo Brasil pelo Decreto nº 42.121/1957: Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos
dos Exércitos em Campanha (I Convenção); Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das
Forças Armadas no Mar (II Convenção); Convenção relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra (III Convenção); e
Convenção relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra (IV Convenção).
Em virtude do aumento do número de guerras revolucionárias de libertação nacional e civis após a Segunda
Guerra mundial, as Convenções de Genebra foram atualizadas pelo Protocolo Adicional às Convenções de Genebra relativo
à Proteção das Vítimas de Conflitos Armados Internacionais (Protocolo I) e Não-Internacionais (Protocolo II), ambos de 1977
e promulgados no Brasil pelo Decreto nº 849/1993.
A III Convenção (prisioneiros de guerra) considera violações: mutilação física, experiência médica ou científica de
qualquer natureza que não seja justificada pelo tratamento médico do prisioneiro referido e no seu interesse, atos de violência
ou intimidação, insultos, exposição à curiosidade pública e medidas de represália (arts. 13 e 14). Prisioneiros de guerra, após
capturados, devem ser levados a locais nos quais não estejam expostos a perigos das zonas de combate, nem devem ser
usados para tornar áreas imunes a operações militares (art. 23).
O conceito de civil, para fins de proteção pela IV Convenção, é dado por exclusão (basicamente, é qualquer
indivíduo não-combatente – art. 50 do Protocolo I/1977). Em caso de dúvida, qualquer pessoa deve ser considerada civil.
População e bens civis não podem ser alvo de ataque, sendo proibidos atos ou ameaças com objetivo de disseminar terror,
ataques indiscriminados (atingem tanto objetivos militares quanto civis - arts. 51 e 57 do Protocolo I).
O direito das partes de escolher os meios de guerra não é ilimitado (art. 22, Conferência de Haia/1907), sendo
proibido o uso de armas, projéteis ou materiais destinados a causar sofrimento desnecessário (art. 23). As violações e os
crimes de guerra podem ocorrer em conflitos armados internos (o art. 3º, comum a todas as quatro Convenções de Genebra,
fornece, para os conflitos armados não-internacionais no território de uma das partes, garantias mínimas para proteção dos
que não tomaram parte nas hostilidades, bem como enfermos e feridos). Com o Protocolo II/1977, o citado artigo passou a
ser aplicado a todos os conflitos armados não-internacionais no território de Estado-parte entre suas forças armadas e forças
armadas dissidentes/grupos armados organizados (SHAW: 2010).
Crimes de guerra: o art. 6º do Acordo de Londres/1945 (que criou o Tribunal de Nuremberg) tipificou crimes de
guerra, assim como o art. 3º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (Resolução CSONU nº 827).
Segundo Bassiouni, os crimes de guerra consistem em categoria que envolve 71 instrumentos relevantes datados
de 1854-1998, muitos dos quais corporificam, codificam ou evidenciam o direito internacional costumeiro – cuja regulação
de conflitos armados também se aplica. A maioria de tais instrumentos foi delineada com clareza e especificidade suficientes,
o que evidencia suas características penais. Bassiouni menciona que as quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus
dois Protocolos adicionais são as codificações mais abrangentes e com as características penais mais específicas e aponta
que se trata de jus cogens.
Atualmente, os crimes de guerra se encontram definidos no art. 8º do Estatuto de Roma (Tribunal Penal
Internacional). Integra a definição de tais crimes a circunstância especial de serem parte integrante de um plano ou de uma
política ou de uma prática em larga escala (art. 8.1).
Imprescritibilidade: Nem o Estatuto de Nuremberg/Tóquio, nem a Convenção sobre o Genocídio de 1948, nem
as quatro Convenções de Genebra/1949 a preveem expressamente. Apesar disso, o Tribunal da Ex-Iugoslávia (Caso
Furundzija) afirmou que “a natureza imperativa da proibição da tortura produz a imprescritibilidade desta infração,
acrescentando que os crimes de competência da Corte não são prescritíveis” (estende o campo de aplicação da
imprescritibilidade às violações graves das Convenções de Genebra de 1949, à infração das leis e costumes da guerra, ao
genocídio e aos crimes contra a humanidade).
Apesar de a Assembleia Geral da ONU ter elaborado a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de
Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade (Convenção de Nova York, 1968), esta não obteve muitas ratificações, sendo
criticada pela aplicação aos crimes cometidos antes de sua entrada em vigor (art. 1º); por outro lado, a Convenção Europeia
sobre a Imprescritibilidade (Estrasburgo, 1974), que não previa a sua retroatividade, também só foi ratificada pelos Países
Baixos/Romênia – o que evidencia a então falta de consenso sobre o tema.

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O Estatuto de Roma (TPI) adotou a imprescritibilidade expressa, geral e definitiva (ação penal e penas – art.
29/duas vertentes: obrigação de fazer com que tais crimes sejam imprescritíveis no âmbito interno dos Estados ou que os
crimes são imprescritíveis perante o TPI apenas). Parte da doutrina considera que tal Estatuto tem efeito apenas declaratório
de regra costumeira prévia; outros acreditam que a baixa adesão à Convenção demonstra a falta de consistência costumeira
(ausência de opinio juris); parte da doutrina entende, ainda, que o art. 29 reflete o estado do direito internacional costumeiro
ou configura norma costumeira em formação.
A favor da imprescritibilidade: Relatório do XV Encontro Nacional de Procuradoras e Procuradores dos Direitos
do Cidadão, 2009: “Como se tratam de crimes jus cogens, a prescritibilidade desses crimes pela inação do Estado não é
admitida pelo direito costumeiro internacional. O Brasil não firmou a Convenção da ONU sobre crimes imprescritíveis, mas
esta tem efeito declaratório e não constitutivo, expressa um consenso”. Sobre o tema, Debate sobre a imprescritibilidade da
tortura/ desaparecimento forçado, que se aplicam ao tema: “Marcelo Miller – PRDC/ RJ –(...) O primeiro ponto diz respeito à
existência de um costume de imprescritibilidade com base na Convenção das Nações Unidas, que até a década de 30 tinha
poucos Estados partes, não se podendo falar assim de prática reiterada. Falar de um conteúdo declaratório da Convenção
é também uma dificuldade, porque a convenção estabelece apenas um dever de se criar imprescritibilidades e não as
declara. E esse costume de imprescritibilidade seria oponível perante a ordem internacional e não interna. Também quando
o TPI fala nos crimes mais graves de violação aos direitos humanos exigem uma tipificação além da prevista no Estatuto de
Roma. Eugênio Aragão – Compreendo suas ponderações. O assunto não é fechado. Entendo que o Tratado de Roma para
obrigar os Estados a legislarem antes declaram a imprescritibilidade desses crimes”.
Competência para processar: A jurisdição do TPI limita-se a crimes cometidos após 1º/07/2002, atuando de
forma complementar aos sistemas nacionais. Também é possível a jurisdição universal por parte dos Estados. Lembrar que
o exercício da jurisdição penal internacional pelos Estados é, em regra, livre, cabendo ao Estado que se opõe comprovar o
impedimento: CIJ, Caso Lótus (Império Turco x França); e Caso Bélgica x Congo. A competência do TPI está restrita aos
crimes de guerra previstos no tratado que o criou (nullum crimen sine lege). Não basta subsunção formal ao art. 8º do
Estatuto de Roma, mas também lesão efetiva à comunidade internacional (art. 17.1.d). Restringe-se aos crimes ocorridos
no território de Estado-parte ou réu nacional de Estado-parte (iniciativa do Procurador/Estado-parte)
Para os crimes anteriores houve a criação de Tribunais “ad hoc” (Iugoslávia, Ruanda, Tóquio) – que, por definição,
julgam crimes anteriores à sua constituição. Não há limitações territoriais quando a iniciativa é do Conselho de Segurança
da ONU (ex.: Líbia).
Investigação pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha: O Comitê é competente para cuidar da assistência
à pessoa nos conflitos armados/catástrofes/tragédias, naturais ou não. É competente também para velar pela aplicação do
Direito Humanitário por parte dos Estados, para o que tem poderes inclusive para investigá-los ou para servir de intermediário
entre entes estatais em tratativas que envolvam matéria humanitária (PORTELA, 2009).
A competência investigativa pode ser extraída do artigo 4º do Estatuto do CICV: "1. O papel do CICV será: c)
empreender as tarefas determinadas pela Convenção de Genebra, trabalhar pelo cumprimento correto do Direito
Internacional Humanitário em casos de conflitos armados e tomar conhecimento de quaisquer queixas baseadas em
supostos casos de desrespeito deste direito; 2. Na qualidade de instituição neutra, independente e de intermediação, o CICV
pode promover qualquer iniciativa humanitária que tenha relação com o seu papel, e pode examinar qualquer problema que
necessite de análise por uma instituição deste tipo".

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2.a. Direito Internacional Privado. Evolução histórica. Conflito de leis e espécies de normas.

Embora consagrada, a expressão “direito internacional privado” costuma ser criticada, pois o ramo jurídico a que
se refere integraria o direito interno e abrangeria, p. ex., questões processuais, alheias ao direito privado. De fato, o objeto
do direito internacional privado inclui:
(1) conflito de leis interespacial ou interpessoal (possibilidade de aplicação simultânea de mais de um sistema
jurídico para regular determinada situação —para Dolinger (1997, p. 23), podem colidir até mesmo sistemas pessoais
diversos, como os baseados em etnias—);
(2) conflito de jurisdições;
(3) cooperação jurídica internacional, incluindo o reconhecimento de sentenças estrangeiras. Na França,
diversamente do que ocorre nos EUA, parte da doutrina inclui no DIPRI: (1) nacionalidade, i.e., caracterização dos nacionais
do Estado; (2) condição jurídica do estrangeiro no País; por outro lado, exclui-se o que “não corresponde ao direito privado”,
como, p. ex., extradição.
Atualmente, a exemplo de Valladão, a doutrina brasileira tende a congregar a opção americana e a francesa, com
algumas variações.
Sécs. XII e ss.: comércio entre cidades do norte da Itália e entre províncias francesas cria situações de conflito de
leis no espaço. 1849: a consolidação científica do DIPRI dá-se em 1849, em obra de Savigny, que propõe encontrar a sede
da relação jurídica para determinar se aplicável a lei nacional ou estrangeira: “Abandonando o unilateralismo, a idéia que o
legislador só poderia criar normas que se aplicassem em seu território e a seus nacionais, Savigny pregava a igualdade
entre direitos e uma comunidade de direito entre as nações, a permitir o bilateralismo, isto é, a aplicação em pé de igualdade
da lei nacional ou da lei estrangeira” (MARQUES, 2008, p. 335). Na América Latina, busca-se de modo pioneiro a codificação
do DIPRI, a exemplo do Código Bustamante. Posteriormente, as cortes norte-americanas criticam a indiferença com o
resultado material na solução do conflito de leis no método europeu e, nos anos 60, passam a considerar o resultado material
na escolha da norma a ser aplicada especialmente em matéria contratual e de responsabilidade civil (busca da justiça
substancial no caso concreto – Caso Babcock/1963: troca da regra de conexão clássica “lex loci delicti” pela flexível “proper
law of the tort”). Na Europa, atualmente, a evolução do DIPRI, propulsionada pelas normas comunitárias, levou ao pluralismo
de métodos (recurso a regras materiais de DIPRI e regras alternativas) e flexibilização das normas de conflito (cláusulas de
exceção e adoção de princípios como o da proximidade). A evolução recente do DIPRI na América Latina, foi provocada
pela OEA (CIDIPs), iniciativas do Mercosul e reformas legislativas em alguns países. No Brasil, o DIPRI tradicional está
incorporado à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e a evolução faz-se sentir especialmente nos tratados.
Atualmente, as espécies de normas de DIPRI não se limitam a princípios (tal qual a ordem pública) e regras de
conexão clássicas (ou rígidas). Para alcançar resultados materialmente equitativos, hoje o DIPRI conta também com: (1)
normas materiais: regulam a conduta, solucionando diretamente o caso; (2) normas narrativas: sem regular conduta, ditam
diretrizes e fins, para a interpretação de outras normas (soft law); normas alternativas, como, p. ex., a aplicação da lei
favorável ao consumidor; normas flexíveis: permitem ao juiz ou partes valorar elementos do caso concreto, para determinar
a lei aplicável, p. ex. aplicando o princípio da proximidade.

PALAVRAS-CHAVE: Direito internacional privado. Conflito de leis interespacial (Dolinger: ou interpessoal).


Valladão alarga objeto do DIPRI. Comércio local na Itália e França (XII ...). Savigny 1849. Código Bustamante (AL). Princípios
e regras de conexão clássicas (relativa indiferença com o resultado material). Babcock/1963. Pluralismo de métodos. Normas
materiais, narrativas, alternativas e flexíveis.

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2.b. Organização Internacional. Características. Evolução. Espécies e finalidades. Regime
jurídico. Santa Sé. Prerrogativas e imunidades no Brasil.

Item 1. Organização Internacional: entidades compostas por Estados por tratado multilateral (“Carta”) de caráter
especial (natureza convencional e institucional), c/ aparelho institucional permanente (órgãos/agentes; em geral: órgão
plenário/órgão executivo/secretariado) e personalidade jurídica própria de direito internacional (derivada= porque origina-se
dos Estados) p/ cooperação internacional em temas de interesse comum. A personalidade jurídica ou está no ato constitutivo
ou é inferida dos poderes/objetivos da organização e sua prática (vide “caso Reparação por ferimentos recebidos a serviço
das N. Unidas”- CIJ: ONU tem direito à reparação pela morte de seu mediador (Folke Bernadotte) em Jerusalém/1948 e tem
personalidade jurídica internacional objetiva (vale também perante Estados não membros) porque era indispensável p/ atingir
seus objetivos/princípios. Não se confundem c/ ONG´s: entes privados c/ personalidade jurídica de direito interno que
eventualmente atuam no âmbito internacional. (PORTELA).
Item 2. Características: multilateralidade (mín. 3 membros); permanência (prazo indeterminado);
institucionalização (órgãos/agentes próprios); voluntariedade da associação; poder normativo (interno: suas atividades;
externo: p/ demais suj. de DIP); princípio majoritário (Mercosul é por consenso); controle (competência p/ supervisionar
cumprimento de tratados/normas de seu âmbito); competência impositiva (impor suas decisões/ aplicar sanções).
Item 3. Evolução: surgimento com evolução do Estado moderno e de uma ordem internacional que demandava
cooperação internacional que a diplomacia não satisfazia. Surgiram as conferências internacionais: reuniões p/ tratar de
problemas entre Estados. Após Congresso de Viena/1815: conferências internacionais regulares que ensejaram surgimento
de “instituições internacionais” (SHAW). Séc. XIX: desenvolvimento de instituições internacionais não governamentais
privadas (Comitê Internacional Cruz Vermelha/Associação de Direito Internacional) e também organizações internacionais
públicas. Conceitos introduzidos por elas (encontros regulares/ secretariados permanentes/ decisão por maioria/ voto
ponderado/ contribuição financeira proporcional) formam as bases das organizações internacionais do séc. XX: grande
inovação é a abrangência global (ONU).
Item 4. Espécies e finalidades: (REZEK):Quanto ao alcance: universal (maior número de Estados sem restrições
geográfica/cultural/etc; ONU/Agências Especializadas da ONU como OIT/UNESCO) e regional
(Estados com vínculo geográfico/cultural/histórico; Ex:OEA/Liga dos Estados Árabes-LEA/Mercosul); Quanto ao
domínio temático: vocação política (principalmente paz e segurança – ONU/OEA) e vocação específica (fim
econômico/financeiro/cultural/técnico. Ex: Agências Especializadas da ONU/FMI/OMS)
(PORTELA):Quanto à natureza dos poderes exercidos: intergovernamentais (relação de coordenação com os membros;
decisões por maioria/consenso) e supranacional (relação de subordinação: decisões imediatamente executáveis nos
Estados)
Item 5. Regime jurídico: como são criadas por tratados e estes devem ser interpretados/aplicados por meio do
DIP, este é, em regra, o direito aplicável às organizações internacionais. A regulamentação interna da organização rege
relações de trabalho/criação de órgãos/serviços administrativos. Se não há previsão, o DIP aplica-se subsidiariamente. O
direito interno dos Estados rege: aquisição/arrendamento de terras, contratos de equipamentos/serviços, responsabilidade
civil danos causados pela organização ou contra ela (SHAW).
Item 6. Santa Sé: Cúpula governativa da Igreja Católica, não é Estado (embora tenha território/pop./governo; não
preenche o critério teleológico= fins do Estado e não possui dimensão pessoal= nacionais); não é organização internacional
e sim caso único de personalidade internacional anômala (REZEK). Atual configuração: Acordos de Latrão (1929):
concordata+tratado político+convenção financeira (+ reconhecimento de propriedade de imóveis dispersos/plena soberania
nos 44 hectares da colina vaticana = Estado da Cidade do Vaticano). Celebra concordatas: compromissos sobre as relações
da Igreja c/ Estado.
Item 7. Prerrogativas e imunidades no Brasil: As imunidades das organizações internacionais estão fundadas
na necessidade para o efetivo exercício de suas funções (preservar independência). Prerrogativas e imunidades de
representantes também é abordada em acordos sobre sedes entre as organizações e os Estados (em regra: imunidade de
jurisdição interna/ inviolabilidade de prédios e arquivos/privilégios fiscais e monetários/liberdade de comunicação). Não
existem regras generalizadas e sim acordos específicos. A ONU e suas Agências Especializas tem ampla imunidade prevista
em sua Carta e Convenções Gerais de 1947(SHAW). No Brasil: STF (RE 578543/MT): cassou decisão do TST que não
reconheceu imunidade da ONU/PNUD em reclamação trabalhista (a relativização da imunidade de jurisdição dos Estados
estrangeiros é baseada na igualdade soberana e reciprocidade, distinguindo-se atos de império/gestão c/ base em norma
costumeira internacional e não se aplica às organizações internacionais porque não têm as mesmas características
daqueles). Sua imunidade tem fundamento em tratados (vontade dos Estados). Segundo REZEK, é possível que isso mude
por coerência e face a interesses sociais relevantes para situação análoga a dos Estados. Obs: parecer consultivo da CIJ
Imunidade ao processo legal (reconheceu imunidade de Cumaraswamy, Relatoria Especial da Comissão de Direitos
Humanos da ONU sobre independência de juízes e advogados na Malásia em relação a palavras pronunciadas em entrevista
publicada em jornal e que a Malásia tinha obrigação de informar seus tribunais sobre a decisão do Secretário Geral da ONU
nesse sentido – SHAW).

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2.c. Desaparecimento forçado como crime internacional. Crime de ius cogens.
Normativa internacional. Imprescritibilidade.

Desde a década de 80 a ONU se debruça sobre o tema do desaparecimento forçado, no entanto, foi apenas
em 2006 que a Assembleia Geral aprovou a Convenção para Proteção de Pessoas Contra o Desaparecimento
Forçado definindo-o como crime contra a humanidade. Na Convenção, os Estados comprometem-se a incluir o
crime no código penal e garantir mecanismos para aplicação da lei nos seus territórios.
O art. 7° do Estatuto do TPI também criminaliza a prática do desaparecimento forçado como crime contra a
humanidade, sendo que sua competência está circunscrita aos ataques generalizados/ou em grande escala contra
população civil, que tenha como autores não apenas o Estado, mas também organizações políticas e motivações
políticas. Salienta-se que a categoria de crimes contra a humanidade surgiu ainda na década de 50, com o Tribunal de
Nuremberg, sendo reafirmada no Estatuto de Roma.
A normatividade internacional conta também com a Convenção Interamericana contra o
Desaparecimento Forçado, que entrou em vigor em 1996, sendo considerada precursora na normativa internacional
sobre o tema (HEINTZE, 2009:56).
O crime de desaparecimento forçado é crime de lesa-humanidade e como tal abarcado pela Convenção
sobre a Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade de 1968, que foi assinada pelo Brasil,
o q u a l , no entanto, não a ratificou, o que não impede sua aplicação a todos os Estados, conforme relembrou
ex-presidente da Corte, A.A. Cançado Trindade, em seu voto separado no Caso Almonacid: que a configuração
dos crimes contra a humanidade é uma manifestação mais da consciência jurídica universal, de sua pronta reação
aos crimes que afetam a humanidade como um todo. Destacou que com o passar do tempo, as normas que vieram
a definir os “crimes contra a humanidade” emanaram, originalmente, do Direito Internacional
consuetudinário, e desenvolveram-se, conceitualmente, mais tarde, no âmbito do Direito
Internacional Humanitário, e, mais recentemente no domínio do jus cogens, do direito imperativo (Almonacid, parágrafo
28). Esse entendimento foi um dos fundamentos para condenação do Brasil, Caso Gomes Lund e outros(Guerrilha do
Araguaia) VS. Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Crimes contra a humanidade são reconhecidos como normas de ius cogens (conforme esposado no
entendimento da Corte Interamericana), que é a norma aceita pela comunidade internacional de Estados que não
permite nenhuma derrogação. Também chamada de norma peremptória ou cogente (Aragão, 2009:360). Dessas
afirmações decorre a conclusão de imprescritibilidade do crime de desaparecimento forçado: 1) regras de ius cogens
não estão sujeitas à prescrição, além, como já dito, 2) da natureza de crime contra a humanidade, também não
prescritíveis. Ademais, a jurisprudência Internacional, inclusive da Corte Interamericana, também alude à natureza
permanente do crime de desaparecimento forçado, que embora não seja em si um fator de imprescritibilidade,
impede a contagem do prazo prescricional, enquanto desaparecida a pessoa, impedindo a alegação da prescrição do
crime pelo Estado infrator.
Palavras-Chave: Desaparecimento forçado- Crimes contra Humanidade – ius cogens –
imprescritibilidade.

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3.a. Espaços Globais Comuns. Princípios. Patrimônio Comum da Humanidade. Alto Mar.
Fundos Marinhos. Antártica. Ártico. Espaço Sideral.

1. ESPAÇOS GLOBAIS COMUNS: Também conhecidos como “patrimônio comum da humanidade” (res
communnis, diferente de res nullius), constituem territórios sobre os quais inexiste soberania d e qualquer Estado ou
cuja utilização suscite especial interesse de mais de Estado soberano, ainda quando sujeito à determinada soberania. Todos
podem explorar os espaços comuns. Seus princípios são 1) impossibilidade de apropriação nacional; 2) liberdade de
acesso pesquisa e exploração; e 3 ) não-militarização. Atualmente, tais áreas são somente o mar, o espaço aéreo, as
zonas polares, o espaço extra-atmosférico (PORTELA, 588). OBS.: Existem áreas que, embora pareçam de grande
importância para a humanidade, não são consideradas domínio público internacional. São elas a Amazônia, o Saara e a
Sibéria.

2. ALTO MAR: É a parte do mar sobre a qual não incide o poder soberano de qualquer Estado, tendo eles, no
entanto, alguns deveres, tais como o de prestar assistência, impedir e punir o transporte de escravos, combater a pirataria e
reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes. Princípios: liberdade de navegação e sobrevoo, colocação de cabos e dutos
submarinos, construção de ilhas artificiais e instalações congêneres e pesquisa. Jurisdição: a preservação da ordem
se dá pelo conceito de nacionalidade do navio e a consequente jurisdição do país de registro sobre a embarcação em
alto mar (princípio da exclusividade de jurisdição; caso Lotus). Nacionalidade das embarcações: a nacionalidade
deve ser única, não pode ser de conveniência, mas sim efetiva (ligação genuína). O navio deve sempre navegar com
a bandeira do Estado de registro hasteada.

3. FUNDOS MARINHOS: Compreendem as áreas subaquáticas, o leito e o subsolo das águas internacionais, que
não pertencem a nenhum Estado. São também conhecidos como “Área” na Convenção de Montego Bay (1982). Princípios:
a área e seus recursos são insuscetíveis de apropriação, mas os minerais eventualmente extraídos são alienáveis; a
exploração deve necessariamente reverter em prol da humanidade em geral (benefícios distribuídos equitativamente)
pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.
1) Estágio inicial (regime de Estados em reciprocidade): os Estados começaram a promulgar leis internas
para estabelecer uma estrutura provisória de pesquisa e exploração da área, normalmente com uma política fundada
em reciprocidade, i.e., reconhecimento mútuo de licenças de exploração e de regimes tributários. 2) Estágio atual (acordo
de 1994 sobre a Implementação dos Dispositivos da Convenção de 1982 sobre o Direito do Mar Referente ao Leito
Oceânico): iniciativa da ONU para evitar conflito de regimes estabelecidos autonomamente pelos Estados.

4. ANTÁRTIDA: Junto com o Ártico, é uma das duas zonas polares do mundo. Trata-se de um continente
coberto de gelo, que foi regulado pelo Tratado da Antártica (1959) fulcrado em 4 pontos nodais: suspensão de
reivindicações territoriais, não-militarização, preservação ambiental e liberdade de pesquisa científica. Princípios: interesse
de toda a humanidade no uso pacífico da Antártida e relevância das pesquisas científicas para todos.

5. ÁRTICO: Ao contrário da Antártica, o Ártico não é uma massa de terra, mas meramente uma região formada
pelo congelamento das águas, daí porque seu regime se confunde enormemente com os regimes territorial países
próximos e de alto mar (v. caso Groelândia Oriental, para aprofundar sobre regime de ocupação do Ártico). Não conta
com regramento específico.

6. ESPAÇO SIDERAL: Noção que ganhou espaço após a corrida espacial, informada pelos princípios da
cooperação e do pacifismo relativo (a Lua só pode ser usada para fins pacíficos; no entanto, sua órbita comporta o uso de
material militar, vedado, entretanto, o uso de armas nucleares e quaisquer artefatos de destruição em massa).

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3.b. Direito tributário internacional. Conceito. O fenômeno da bitributação. Acordos de
bitributação.

1. Conceito de Direito Tributário Internacional. “[…] normas editadas em nome do Direito Internacional Tributário
são aquelas produzidas mediante acordos de vontades de distintos Estados soberanos, através de órgãos e procedimentos
por eles em conjunto estipulados para tanto. Poderíamos dizer, com segurança, que as principais normas que integram tal
ramo didaticamente autônomo do direito são os tratados internacionais em matéria tributária. […] Por outro lado, as normas
do Direito Tributário Internacional são normas internas, dotadas daquilo que cursivamente se denomina elemento de
estraneidade” (BASSANEZE, 2003, p. 436).

2. O fenômeno da bitributação. Consiste na dupla imposição de tributos sobre as transações comerciais, decorrente
da intensificação e da dinâmica do comércio exterior. Nas palavras de Heleno Tôrres, a bitributação internacional significa
o “fenômeno por meio do qual um único fato implica obrigações semelhantes impostas por mais de um Estado soberano,
imputando, ao mesmo contribuinte, impostos análogos”. A bitributação internacional cria obstáculos às transações
comerciais internacionais, prejudicando a competitividade do Estado. Em razão disso, é importante que o Brasil implemente
uma política fiscal no sentido de limitar o exercício de sua competência tributária.
Vale a pena trazer à baila o entendimento do doutrinador Eduardo Sabagg, quando aborda a relação entre o direito
tributário e o direito internacional público, nos seguintes termos: “há forte laço comunicante entre as searas jurídicas em
destaque, uma vez imprescindível o devido tratamento a ser dado aos tratados e convenções internacionais, com o fito de
inibir a bitributação internacional, ao lado da inafastável necessidade de sistematização dos impostos aduaneiros, perante
suas implicações no plano econômico interno.”(SABAGG, 2012, p. 54).

3. Acordos de bitributação. Os acordos de bitributação são os instrumentos de que se valem os Estados para evitar
ou mitigar os efeitos da bitributação por meio de concessões mútuas. No Brasil, há inúmeras Convenções para evitar a
bitributação da renda e evitar a evasão, em que é acordado critério uniforme para que a tributação se dê apenas em um dos
países, ou seja, só no de residência ou só no de percepção da renda. Para tanto é que foi firmada a Convenção Brasil-Chile
para evitar a dupla tributação, promulgada pelo Decreto 4.852/03 e a Convenção Brasil-África do Sul, promulgada através
do Decreto 5.922/06, dentre muitas outras. Observação: Segundo Leandro Palsen, o Brasil não é membro da Organização
para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), mas adota, ao menos parcialmente, muitos dos seus Modelos
de Convênio, inclusive relativos à dupla tributação da renda.

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3.c. Princípio uti possidetis. Descobrimento e ocupação como critérios de aquisição territorial.

1. Princípio do uti possidetis: decorre da expressão uti possidetis, ita possideatis, que significa “quem possui
de fato, deve possuir de direito”. Tradicionalmente, implica reconhecer que as terras ocupadas por um povo, a ele pertencem.
Foi esse sentido que orientou sua aplicação pelo Tratado de Madri (1750), celebrado entre Portugal e Espanha para substituir
o Tratado de Tordesilhas. Neste exemplo histórico, definiu-se que as terras habitadas por portugueses eram terras
portuguesas, garantindo a Portugal a maior parte do que hoje constitui o território brasileiro.
De origem latino-americana, este princípio contempla duas variantes, que foram suscitadas no âmbito do processo
de descolonização da América Latina: a uti possidetis iuris e a uti possidetis facto. A primeira informa que as fronteiras dos
países são aquelas originalmente definidas nos tratados e acordos firmados pelas antigas metrópoles. Pela segunda
variante, devem ser consideradas a posse de fato para a definição dos limites territoriais, sendo frequentemente designado
pela CIJ como “efetividades”, que significa a consideração do efetivo exercício da soberania sobre determinado
território.
Aplicação moderna:
Corte Internacional de Justiça – Caso Burkina Faso e Mali (1986). Uti possidetis é um princípio geral, conectado
logicamente com o fenômeno da obtenção de independência, onde que ele ocorra. Seu propósito é impedir que a
independência e estabilidade de novos Estados sejam ameaçadas por lutas fatricidas provocadas pela mudança de
fronteiras após a retirada do poder que administrava o local (colonizadores).
Corte Internacional de Justiça – Caso Noruega vs Dinamarca (1932). A necessidade de ocupação efetiva do
território tornou-se um costume internacional e, neste caso, a Dinamarca, que possuía e exercia soberania sobre toda a ilha
da Groelândia, teve reconhecida a incorporação do território, independente de, ao longo dos anos, os cidadãos noruegueses
terem levado a cabo uma série de atividades na ilha. Assim, a declaração de ocupação promulgada pelo governo Norueguês,
em julho de 1931, e quaisquer outras medidas tomadas nesse sentido, foram uma violação à situação jurídica existente à
época e, dessa forma, ilegais e inválidas.
Corte Internacional de Justiça – Caso da península de Bakassi e a área do Lago Chad (Camarões vs. Nigéria,
intervenção da Guiné Equatorial). A Corte afirmou que, no que tange aos limites territoriais, atua seguindo certos princípios:
1) dá primazia aos tratados anteriores (interpreta-os até deles extrair delimitação clara e completa); 2) effectivités (atos de
soberania e consolidação histórica) alegadas pela Nigéria não prevalece sobre o título de Camarões; 3) valorização do uti
possidetis iuris favorecendo Camarões.
Corte Permanente de Arbitragem – Caso EUA vs Holanda (1928). A efetividade da ocupação do critério da
decisão no caso das Ilhas de Palmas para a Holanda.

2. Descobrimento e ocupação como critérios de aquisição territorial: O território é a base física ou o âmbito
espacial do Estado, onde ele se impõe para exercer, com exclusividade, a sua soberania. No passado era comum que os
Estados que faziam parte das potências navais adquirissem território por descoberta, seguida da ocupação efetiva (com o
exercício contínuo ou a demonstração efetiva de soberania) ou presumida. A descoberta tinha por objeto a terra desabitada
(terra nullius – ‘terra de ninguém’) ou habitada por povos que não seguiam o modelo de organização estatal e que não
estavam sob o poder de nenhuma soberania. Outro modo de aquisição de território no passado, embora não tão frequente,
foi a terra derelicta, ou seja, a terra abandonada por seu antigo descobridor, cujo estatuto jurídico equivalia ao da terra nullius.
A partir da ocupação da terra desabitada ou abandonada, novos territórios eram adquiridos por contiguidade, ou
seja, pelo avanço da ocupação para terras adjacentes até que se encontrasse outra soberania. Depois de descoberto, o
Estado se instalava nesse território, a fim de manter a efetividade da posse, conservando o seu domínio.
Assim, pode-se dizer que as condições necessárias para que a ocupação seja considerada legítima, são as
seguintes: a) ser o território res nullius; b) ter sido a sua posse tomada para o Estado e em nome dele; c) ser real e efetiva
a posse exercida pelo Estado sobre o território res nullius; e d) ser a ocupação formalmente notificada aos demais membros
da sociedade internacional. Daí se entender que a descoberta faz nascer para o Estado-descobridor um título condicionado,
oponível aos outros Estados enquanto não contestado pela presunção juris tantum de veracidade (e da efetividade por um
período razoável) dos atos ocupatórios.

15
Ponto 4.a. Estados. Autodeterminação dos Povos. Reconhecimento do Estado e Governo.
Direitos e Deveres. Território: aquisição e perda. Faixa de Fronteira. Rios Internacionais e Regimes
Fluviais. Domínio Aéreo.

Legislação básica: Convenção dos Direitos e Deveres dos Estados de 1933 (Montevidéu); art. 1º, cap. 1 da
Carta da ONU; art. 1º, do PIDCP e PIDESC; art. 15 da DUDH; art. 1º da Lei 6.634/79; Convenção de Varsóvia de 1929
(Decreto 20.704/31); Convenção de Chicago de 1944 (Decreto 21.713/46); Convenção de Montreal de 1999 (Decreto
5910/06); arts. 31 a 33, 48 a 51 da CV sobre Direitos dos Tratados de 1969; Convenção de Viena de 1986; art. 337 do CPC;
arts. 5º, 14 e 16 da LINDB.
Estados. Noções Gerais: Estado pode ser definido como um agrupamento humano, estabelecido
permanentemente num território determinado e sob um governo independente (Accioly, 2002, p.83). Estado não se confunde
com o conceito de nação ou povo (grupos sociais unidos por afinidades culturais, históricas, étnicas e religiosas), já que as
nações podem estar espalhadas por vários Estados, e o território de um ente estatal específico pode conter diversas nações.
Elementos Constitutivos: Para a Convenção dos Direitos e Deveres dos Estados (art. 1), o Estado, como pessoa de direito
internacional, possui os seguintes requisitos: população permanente, território determinado, governo soberano e capacidade
de firmar relações com os demais Estados. Para alguns (SHAW, p. 199), essas disposições não são exaustivas ou imutáveis,
de modo que outros fatores podem ser relevantes, dentre eles os aspectos relativos à autodeterminação dos povos e o
reconhecimento dos Estados na seara internacional.
Autodeterminação dos povos. Noções Gerais: O conceito de autodeterminação dos povos está intimamente
relacionado à noção de povo (elemento humano constitutivo do Estado) e de soberania (elemento governo constitutivo do
Estado). No tocante ao conceito de povo, muitos autores diferenciam os termos “povo” e “população”: ideia de “povo” está
ligada ao conjunto de pessoas naturais, vinculadas juridicamente a um ente estatal por meio da nacionalidade (Portela, 2014,
p.175), enquanto que “população” se refere a todas as pessoas presentes no território do Estado, num determinado
momento, inclusive estrangeiros e apátridas (Bonavides, ciência política, p.68). Já a soberania pode ser compreendida, no
âmbito interno, como o poder que tem supremacia sobre as pessoas, bens e relações jurídicas dentro de um dado território;
no âmbito internacional, como a independência do ente estatal em relação à outros Estados, tendo como um de seus
corolários o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Aqui, alguns autores lembram a
possibilidade de um ente estatal ser aceito como independente, mesmo quando algumas funções de governo são colocadas
nas mãos de um organismo externo, a exemplo do que ocorreu com a Bósnia e Herzegovina no Acordo de Paz de Dayton
de 1955 (SHAW, p. 203). Através de tais conceitos, tem-se que a autodeterminação dos povos é o princípio que garante à
todo povo de um país o direito de se autogovernar, tomar suas escolhas sem intervenção externa, o direito à Soberania (de
um povo determinar seu próprio status político). Seria o direito que o povo de determinado país tem de escolher como será
legitimado o direito interno sem influência de qualquer outro país. A CIJ, ao manifestar-se sobre o caso de Timor Leste,
entendeu que a autodeterminação dos povos tem caráter erga omnes.
Reconhecimento do estado e governo. Conceito: trata-se de instituto ligado à capacidade de um ente estatal
manter vínculos com outros Estados e organismos internacionais, inserindo-se na dinâmica das relações internacionais. I-
Reconhecimento de Estado: é um ato unilateral pelo qual um ente estatal constata o aparecimento de um novo Estado e
admite as consequências jurídicas desse fato (ex: estabelecimento de relações jurídicas). Características: a) Ato
declaratório (maioria doutrinária): apenas atesta o surgimento do novo estado, de modo que o Estado que “reconhece”
apenas aceita a personalidade do “reconhecido” (não o constitui, não é seu elemento essencial, não define a existência do
próprio ente, como defendido pela corrente minoritária). Art. 3 da Convenção de Montevidéu (a existência política de um
Estado é independente do seu reconhecimento pelos demais); b) Ato discricionário (fundado em razões de interesse
nacional); c) Não obrigatório (não é um dever do Estado que o concede nem um direito do Estado que o requer); d)
Incondicionado (apesar de se exigir o respeito às normas jus cogens pelo novo Estado); e) Retroativo (gera efeitos a partir
do instante em que se forma o Estado); f) Irrevogável; g) Expresso ou tácito; h) Pode ser concedido sem qualquer solicitação;
i) Pode ser individual (feito só por um Estado) ou coletivo (concedido a um grupo de Estados). Efeitos: o Estado reconhecido
pode celebrar tratados, participar de organizações internacionais, manter relações diplomáticas, utilizar de mecanismos
judiciais internos no Estado que o reconhece e a ter direito de propriedade sobre os bens existentes no território do Estado
que o reconhece. II- Reconhecimento de Governo: é o ato pelo qual um Estado admite um novo governo de outro Estado
como representante deste nas relações internacionais. Aplica-se apenas aos governantes cuja investidura resulte de
rupturas da ordem constitucional anterior (ex: golpes de Estado). O reconhecimento de Governo não altera o reconhecimento
de Estado anterior. Características: unilateral, discricionário, não obrigatório, irrevogável e incondicionado. Duas doutrinas
principais Doutrina Tobar (Equador, 1907): só deve ser concedido o reconhecimento de governo quando este último contar
com o apoio popular (adotada pelos EUA); Doutrina Estrada (México, 1930): o não reconhecimento ou o reconhecimento
expresso de um novo governo é uma intervenção indevida em assuntos internos de outros entes estatais (caso o Estado
esteja insatisfeito com o novo governo de outro Estado, deve apenas romper relações diplomáticas com ele).
Direitos e deveres. Consagrados em costumes e normas escritas (Convenção de Montevidéu). Direitos:
Convenção consagra os direitos de o Estado: existir independentemente de reconhecimento; ainda que não reconhecidos,
a defesa de sua integridade, conservação, prosperidade e independência; de legislar sobre seus interesses, administrar seus
serviços e determinar a jurisdição/competência de seus tribunais; Direito à conservação: território do Estado é inviolável, não
podendo se objeto de ocupação militar ou de qualquer medida de força temporária ou permanente (salvo: legítima defesa
ou ação internacional voltada a manter ou restaurar a paz e a segurança internacional). Direito à soberania: confere tanto
direito à liberdade (possibilidade de determinar autonomamente seus rumos) como de exercer jurisdição sobre todas as
pessoas que se encontrem em seus territórios. Deveres: proteger igualmente nacionais e estrangeiros (embora estes não
possam exigir direitos diferentes ou mais extensos que dos nacionais); não intervirem em assuntos da soberania de outros
estados; busca de solução de controvérsias entre si de forma pacífica; e dever de não reconhecer aquisições territoriais ou
quaisquer outras vantagens obtidas pela força ou coação.

16
Territórios. É o espaço físico dentro do qual o Estado exerce seu poder soberano. Composição: solo, águas
interiores e fronteiriças (até o limite com o ente estatal vizinho). Estado exerce jurisdição: sobre o subsolo abaixo da área
que ocupa, o espaço aéreo acima de suas fronteiras, mar territorial, plataforma continental e ZEE. Não fazem parte do
território: embaixadas e consulados no exterior; embarcações e aeronaves militares (em qualquer lugar); embarcações e
aeronaves civis (águas e espaço aéreo internacionais). Elemento que integra o conceito de Estado é território (e não território
estável). Logo, a qualidade de ente estatal não é afetada quando parte de seu território não está sobre o controle do governo
(guerras civis, invasão estrangeira e disputa de fronteiras). Formas de Aquisição: no passado, descoberta, posse, ocupação
da terra desabitada, conquista militar de áreas pertencentes a outros Estados (método atualmente considerado ilícito, sendo
vedadas guerras de conquista e ações militares para anexações de territórios); no presente, negociações internacionais,
cessão, adjudicação (decisão tomada por mecanismo internacional de solução de controvérsia), acessão (forças da
natureza, como aluvião ou avulsão), a título gratuito ou oneroso. Perda do território: com a aquisição por outros Estados.
Faixa de fronteira. A zona de fronteira é constitucionalmente definida como a faixa de até 150km de largura, ao
longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para defesa do território nacional (art. 20, § 2º). Conceito: trata-se
de limite físico do território e do exercício de poder do Estado; são normalmente estabelecidas por tratados (embora possa
ser provenientes de arbitragem ou mediação). Podem ser naturais (resultantes de acidentes geográficos, como rios e
cordilheiras) ou artificiais (criadas pelos Estados, normalmente, aproveitando-se de paralelos e meridianos). Doutrinas. A)
Doutrina uti possidetis (principio da intangibilidade das fronteiras coloniais): divisões administrativas que foram determinantes
para a constituição dos limites entre os Estados colonizados, devem permanecer servindo de limites dos Estados sucessores,
recém independentes (Shaw p. 525); princípio de DI segundo o qual os que de fato ocupam um território possuem direitos
sobre este. B) Doutrina das efetividades: Nem sempre o princípio uti possidetis é apto à fixação de fronteiras (Casos Burkina
Faso-Mali e El Salvador-Honduras); devendo-se ater à noção de prova do efetivo exercício de jurisdição territorial em
períodos colonial, imediatamente pós colonial e mais recentes (Shaw, p. 529). S.477/STF: As concessões de terras devolutas
feitas nas faixas de fronteiras, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda
que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores.
Rios internacionais e regimes fluviais. Conceito: são os que banham mais de um Estado. Espécies: a)
sucessivos (passam consecutivamente por um Estado e depois por outro); b) contíguos, limítrofes ou fronteiriços (separam
os territórios dos Estados). Há rios que podem reunir as duas características: sucessivo em uma dada extensão e contíguos
em outra. Regime Jurídico: não há um tratado geral sobre o tema, de modo que a matéria termina sendo regulamentada
pelos Estados que compartilham os cursos d´água, sendo um direito casuístico (Rezek, DIP, p. 322).
Domínio aéreo. Espaço Aéreo: compreende o espaço acima da área terrestre, do mar territorial, de áreas sob a
soberania, jurisdição, proteção ou mandato do Estado. Algumas Regras: I. Estado exerce sua soberania sobre o espaço
aéreo de maneira absoluta e exclusiva; II. Não há um direito de passagem inocente no espaço aéreo, devendo todo sobrevôo
no território de outro Estado ser objeto de autorização (REZEK, p. 326). Entretanto, a Convenção sobre Aviação Civil de
Chicago permite que aeronaves de Estados-partes, desde que em vôos não regulares, sobrevoem outros Estados-partes
sem fazer escalas, ou fazendo escalas apenas para fins não comerciais, sem necessidade de obter licença prévia; III. Todo
Estado deve se abster, quanto ao uso de armas contra aeronaves civis em vôo, sendo que, em caso de interceptação, não
podem ser postas em perigo a vida dos ocupantes da aeronave e a segurança dos equipamentos (Protocolo à Convenção -
Decreto 3032/99). Convenção de Chicago só se aplica às aeronaves civis (não às aeronaves militares e as usadas pelo
governo). Nacionalidade das Aeronaves: toda aeronave deve ter uma nacionalidade, definida a partir de sua matrícula ou
de seu registro no Estado; cada aeronave terá apenas uma nacionalidade e uma matrícula, ainda que pertença a uma
companhia multinacional; é proibido o registro em mais de um Estado. Tráfego Aéreo: Regime das “5 liberdades” (2 de
caráter técnico, e 3 comerciais). Liberdades Técnicas: I. Liberdade de Sobrevôo, sem escalas (Estado sobrevoado apenas
pode proibir o vôo sobre áreas determinadas ou pode pré-determinar rotas); II. Liberdade de escala técnica, sem fins
comerciais ou em casos de emergência. Liberdades Comerciais: I. Desembarcar passageiros e mercadorias provenientes
do Estado de origem da aeronave; II. Embarcar passageiros e mercadorias com destino ao Estado de origem da aeronave;
III. Embarcar ou desembarcar passageiros ou mercadorias procedentes de, ou com destino a, terceiros países.

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Ponto 4.b. Tratados Internacionais. Reservas. Vícios de Consentimento. Entrada em vigor.
Interpretação. Registro e Publicidade. Efeitos sobre Terceiros. Modalidades de Extinção.

Legislação básica: CV sobre Direitos dos Tratados (CVDT) de 1969 (Decreto 7030/09), CV sobre o Direito dos
Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre OI’s de 1986 (Brasil assinou em 1986, mas ainda não foi
aprovada pelo Congresso Nacional).
Tratados internacionais. CVDT estabelece tratado como acordo internacional concluído por escrito entre
Estados e regido pelo DI, quer conste de instrumento único, quer de dois ou mais conexos, qualquer que seja a sua
denominação específica. Somente com a CV de 1986 conferiu-se, explicitamente, às OI’s o poder de concluir tratados (que
já era feito na prática). Sujeitos celebrantes: apenas Estados e OI’s podem celebrar tratados. Características principais:
a) tratados não podem violar as normas jus cogens; b) termo “tratado” é gênero, que incorpora várias espécies (convenção,
acordo, pacto, protocolo); c) possuem caráter obrigatório.
Reservas: trata-se de uma declaração unilateral (qualquer que seja sua denominação) feita por um Estado ao
assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições
do tratado em relação ao Estado. As reservas são também chamadas de salvaguardas. Características: I. é aplicável
especialmente em tratados multilaterais (alguns autores como Mazzuoli - DIP, parte geral, p.58 - não aceitarem as reservas
em tratados bilaterais; outros como Portela – 2014, p. 122 – aceitam; embora a não aceitação da reserva acarrete a não
conclusão do tratado); II. reservas podem ser formuladas em qualquer momento durante a elaboração do tratado, embora
possam sofrer restrições (art. 19 da CVDT determina que uma reserva não poderá ser feita se proibida pelo tratado ou
incompatível com sua finalidade); III. reserva não modifica as disposições do tratado quanto às demais partes do
compromisso; IV. a reserva, sua aceitação expressa ou objeção, devem ser formuladas por escrito (assim como as retiradas
de uma reserva ou de uma objeção à reserva); V. uma reserva formulada quando da assinatura do tratado, condicionada à
futura ratificação ou aceitação, deve ser formalmente confirmada pelo Estado quando manifestar seu consentimento
definitivo (diferentemente, a aceitação ou objeção feita a uma reserva antes do consentimento definitivo do Estado que a
formulou não requer posterior confirmação do Estado que aceitou ou objetou); VI. as reservas podem ser exclusivas (excluem
os efeitos de certas cláusulas) ou interpretativas (o Estado declara a forma como dadas clausulas devem ser aplicadas a
ele). A CIJ, em 1951, num caso consultivo sobre as reservas à Convenção contra o Genocídio, definiu que quando um
Estado faz reservas não contrárias ao objeto do tratado, ao que alguns se opõem e outros concordam, o Estado que fez a
reserva será parte em relação aos que concordarem, e não aos que negaram, gerando duplicidade de regimes jurídicos.
Regra: reserva é unilateral. Exceções (reserva depende de anuência das outras partes): a) quando se infere do número
limitado de Estados ou do objeto do tratado que a aplicação do acordo na íntegra entre todas as partes é condição essencial
para cada uma das partes obrigarem-se pelo acordo; b) quando o tratado é ato constitutivo de uma OI (ocasião em que a
reserva deverá ser aceita pelo órgão competente).
Vícios de consentimento. O consentimento livre e sem vícios é pressuposto da formação dos tratados. Os vícios
de consentimento podem ser decorrentes de: a) erro (há falta de informação sobre o objeto do tratado ou quando esse objeto
não condiz com a verdade. Para que torne o tratado inválido, o erro deve atingir a essência do ato. O erro não se configura
se o Estado contribuiu para o fato com a sua conduta e se, pelas circunstâncias, o Estado tivesse possibilidade de perceber
o erro); b) dolo (é a informação distorcida intencionalmente por meio ardil, manobra ou artifício); c) coação (conclui-se o
tratado em virtude do emprego de forças, ameaças ou pressões); d) corrupção do representante de um estado (ação direta
ou indireta do outro Estado negociador). Apesar de alguns afirmarem que os vícios de consentimento geram a anulabilidade
do tratado, outros elencam causas de anulabilidade (efeitos ex nunc) e simultaneamente causas de nulidade do tratado
(efeitos ex tunc). Mazzuoli afirma que a CVDT regula: 1) os vícios que podem influir no consentimento do Estado em obrigar-
se pelo tratado, dividindo-os em anuláveis (arts 46/50) e nulos (hipótese única do art. 517); 2) casos de nulidade do tratado
propriamente dito (arts. 52 e 538). Daí, segundo o autor, seria mais apropriado se estudar o tema sob a rubrica “Vícios do
Consentimento e Nulidade dos Tratados”.
Entrada em vigor. Tratado entra em vigor na forma e data prevista nele ou conforme acordado pelos Estados
negociadores (art. 24, §1 e 2 da CVDT). Tratados Bilaterais: ambas as partes precisam ratificar as trocas de informações
entre si, através dos procedimentos de notificação de ratificação e troca dos instrumentos de ratificação. A entrada em vigor
poderá ser no dia em que for feita a última notificação de ratificação, no dia em que houve a troca dos instrumentos, ou,
ainda, em data posterior (se o acordo assim estabelecer). Tratados Multilaterais: as hipóteses anteriores podem ser pouco
práticas (principalmente se o acordo envolver muitos Estados); diante disso, desenvolveram-se procedimentos diferenciados
(dentre eles: I. o estabelecimento de um depositário, o qual será um Estado ou uma OI que receberá os instrumentos de
ratificação e informará as partes que assinam o tratado a respeito - o depositário não precisa ser parte no tratado -; II. a
exigência de um número mínimo de ratificações - antes que seja atingido esse número mínimo, o tratado não gerará efeito
para a parte que o ratificou -; III. na data do recebimento da última ratificação exigida; IV. após certo prazo estabelecido no
acordo. No Brasil, após o tratado ser ratificado pelo CN, deverá ser promulgado por meio de decreto do PR. Vigência (início
da aplicabilidade do tratado no universo jurídico): a) Vigência contemporânea (o ato entra em vigor tão logo seja manifestado
o consentimento definitivo das duas partes - tratado bilateral - ou de um mínimo de signatários - tratado multilateral). b)
Vigência diferida (o texto do tratado estipula um prazo para sua entrada em vigor após expressão final da vontade dos
signatários); c) tratado pode entrar em vigor de maneira escalonada (em momentos diferentes para alguns signatários).
Interpretação. CVDT: o contexto do tratado é formado por preâmbulo, texto e anexos (expressões autênticas das
intenções das partes). Métodos: interpretação poderá ser autêntica, governamental, jurisdicional e doutrinária, podendo
levar em consideração os costumes e acordos posteriores (relativos à interpretação do tratado e suas aplicações). Além
desses meios, podem ser empregados métodos suplementares, dentre eles: as circunstâncias de conclusão do acordo, os
trabalhos preparatórios, o preâmbulo do acordo e seus anexos. Para dirimir os conflitos advindos das diferentes traduções
feitas do tratado, a CVDT estabelece que todas as versões autênticas do ato, ainda que em língua diversa da dos Estados
envolvidos, têm fé e são iguais entre si. Entretanto, uma das versões poderá prevalecer para fins de interpretação caso as
partes assim decidam no texto do acordo ou no caso concreto.

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Registro e publicidade. Carta da ONU (art. 102) determina que todo tratado concluído por qualquer um de seus
Estados Membros deverá ser registrado e publicado pelo Secretariado Geral da ONU, para que possa ser invocado perante
o órgão das Nações Unidas. Assim, parte da doutrina entende que o registro do acordo na ONU e sua respectiva publicação
é condição para que o ato entre em vigor. Na prática, entretanto, os atos internacionais entram no universo jurídico do direito
internacional independentemente de registro, tendo em vista que, a própria Carta da ONU, no dispositivo anteriormente
referido, afirma que o registro é mera condição para que uma norma seja invocada nos órgãos das Nações Unidas. No
mesmo sentido, a CVDT (art.80) dispõe que “após sua entrada em vigor, os tratados serão remetidos ao Secretariado das
Nações Unidas para fins de registro ou de classificação e catalogação, conforme o caso, bem como de publicação”. Do
exame de tal disposição, é possível se observar que a vigência do acordo independe do registro na ONU (Portela, p. 114).
Por fim, saliente-se que os tratados não necessitam de aprovação das Nações Unidas para entrarem em vigor.
Efeitos sobre terceiros. Princípio do pacta sunt servanda e da boa fé: art. 26 da CVDT prevê os referidos
princípios ao afirmar que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Aplicação no
tempo (Irretroatividade dos tratados): os tratados geram, em regra, efeitos ex nunc, não retroagindo, salvo disposição em
contrário. É com base em tal ideia que o STF (ADPF 153), alegou que a Convenção contra a Tortura de 1984, por ter entrado
em vigor no Brasil apenas em 1989, não poderia ser aplicada aos agentes estatais acusados da prática de tortura durante o
período de exceção (a partir de 1964), não afetando, portanto, a Lei de Anistia. Aplicação no espaço: tem-se que tais
acordos aplicam-se, em princípio, somente aos entes estatais e OI’s que o celebraram. A possibilidade de os atos
internacionais repercutirem sobre partes não contratantes depende, em geral, do consentimento destas. Entretanto, um
tratado pode impor obrigações ou criar direitos para um terceiro ente. Duas situações: (1) Tratado que impõe deveres a
Estado não parte (no caso de o tratado impor obrigações à terceiro, é necessário que este as aceite expressamente e por
escrito - art. 34 da CVDT -; tais obrigações só poderão ser modificadas e revogadas com a concordância das partes do
tratado e do ente que não seja seu signatário, salvo disposição em contrário); (2) Tratado que cria direitos para Estado
não parte (tais direitos só não prevalecerão se o beneficiário não consentir a respeito e, a menos que o ato internacional
determine diversamente, a anuência do favorecido é presumida até indicação em contrário - art. 36 da CVDT; os tratados
abertos são, por definição, tratados que conferem direitos a terceiros - o direito de aderir ou de se tornar parte
supervenientemente). Há que se ressaltar a possibilidade de um tratado gerar efeitos para terceiros independentemente do
consentimento destes, como, por exemplo, um acordo de fixação de fronteiras. Questão diversa da eficácia dos tratados
perante terceiros, é a questão da oponibilidade erga omnes (eficácia externa) dos tratados: todos os Estados devem respeitar
os tratados concluídos por outros Estados e não interferir na sua execução.
Modalidades de extinção. Tratado pode ser extinto pela: a) execução integral; b) vontade comum das partes
(ab-rogação), a qual pode ser prévia (pré-determinação ab-rogatória ou termo final) ou posterior (decisão ab-rogatória
superveniente); c) impossibilidade de execução; d) mudança imprevisível de circunstâncias fundamentais (cláusula rebus
sic stantibus); e) cumprimento do objeto; f) caducidade; g) superveniência de jus cogens que o torne nulo; h) cumprimento
de dada condição resolutiva; i) ato unilateral, a exemplo da denúncia. No que diz respeito aos tratados multilaterais, estes
somente serão extintos na hipótese de um número de partes ser inferior a um determinado número mínimo, se tal
circunstância estiver prevista em suas normas (Portela, 2014, p. 125). No caso de violação substancial, têm-se duas
situações: I. A violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes autoriza a outra a invocar tal transgressão
como causa de extinção ou de suspensão da execução do tratado, no todo ou em parte. II. A violação substancial de um
tratado multilateral por uma parte autoriza as outras a suspenderem a execução do acordo (no todo ou em parte) ou
extinguirem o ato, em relação apenas ao ente faltoso ou à todos os signatários, desde que haja consentimento unânime.
Situações que não geram a extinção dos tratados: a) a impossibilidade temporária (enseja apenas a suspensão); e b) o
rompimento de relações diplomáticas e consulares (salvo se tais relações forem indispensáveis à aplicação do ato).

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4.c. Interpretação e aplicação do direito estrangeiro. Prova do Direito Estrangeiro. Ordem
Pública e exceções à aplicação do direito estrangeiro

Interpretação e aplicação do direito estrangeiro (Paulo Henrique Gonçalves Portela, 2014, p. 685/687). Em
princípio, o direito aplicável às relações humanas é o direito interno do Estado onde elas têm lugar, composto pelas normas
nacionais e tratados dos quais o ente estatal faça parte. No entanto, um direito estrangeiro pode, excepcionalmente, gerar
efeitos (ser aplicado) em outros Estados (a depender do que for disposto pela ordem jurídica interna de um Estado e por
tratados pertinentes). Para a definição da norma a ser aplicada, o magistrado deve decidir em conformidade com a lex fori.
Assim, é o ordenamento interno que vai determinar qual a norma aplicável ao caso: estrangeira ou nacional. No entanto, o
direito estrangeiro não poderá ser aplicado quando: (1) houver tentativa de fraudar a legislação interna; (2) houver ofensa à
ordem pública, soberania nacional ou aos bons costumes (art. 17 da LINDB). Uma vez provada a existência de uma norma
estrangeira, poderá surgir dúvidas quanto à interpretação de seu conteúdo. Diante disso, a aplicação e a interpretação do
direito estrangeiro é objeto de polêmica, existindo 3 correntes sobre o tema 1ªC: o juiz deve aplicar a norma estrangeira
de ofício (o que não impede a possibilidade dele exigir que as partes contribuam para provar a existência da norma ou
determinar a realização de diligências para apuração do conteúdo do preceito); 2ªC: só as partes do processo podem alegar
e provar o direito estrangeiro; 3ªC: coloca ao critério do juiz estabelecer o modo que deve ser aplicada a norma estrangeira
(decisão do juiz favorável ou contrária ao direito estrangeiro). O art. 337/CPC afirma que “a parte que alegar direito
estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”. Já o art. 14/LINDB prevê que
“não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca a prova do texto e vigência”. Na prática brasileira,
o magistrado pode aplicar a norma estrangeira de ofício (mesmo sem ter sido provocado pelas partes), como também
requerer a colaboração delas. STJ (aplicação da norma estrangeira): sendo caso de aplicação de direito estrangeiro,
consoante normas de DIPrivado, caberá ao juiz fazê-lo, ainda que de ofício; não se poderá, entretanto, carregar à parte o
ônus de trazer a prova de seu teor e vigência, salvo quando por ela invocado; não sendo viável produzir-se essa prova, como
não pode o litígio ficar sem solução, o juiz aplicará o direito nacional (3ª T, Resp 254.544/MG). A LINDB estabelece que a
aplicação e a interpretação do direito estrangeiro deverão ainda observar alguns parâmetros: aplicação atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum (art. 5º); quando houver de aplicar a lei estrangeira, deverá ser
desconsiderada qualquer remissão por ela feita, proibindo-se o reenvio (art. 16). Bregalda: juiz deve aplicar a norma
estrangeira de modo mais integral possível, e que a interpretação deve seguir a doutrina e a jurisprudência estrangeira,
aplicando-se a norma com o sentido que tem no ordenamento de origem. O direito estrangeiro pode ser adaptado às
circunstâncias nacionais; assim, um instituto não existente n Brasil pode se aqui aplicado por meio de instituto semelhante,
encontrado no ordenamento pátrio; é o instituto da adaptação, que era aplicado no Brasil, antes da lei do divórcio, aos
divorciados no exterior, a quem era concedido o desquite.
Prova do direito estrangeiro (Portela, 2014, p. 686/687). A jurisdição é exercida de acordo com o princípio iura
novit curia, pelo qual o magistrado deve aplicar a norma de ofício aos casos que examina, por presumivelmente ter
conhecimento do ordenamento pátrio. A aplicação do direito estrangeiro pode ser problemática, pois o juiz não é obrigado a
conhecer o Direito de outro ente estatal. É possível que exista a necessidade de provar a existência da norma estrangeira
no curso do processo, o que ocorrerá caso o juiz não conheça o preceito de outro estado. Caso não seja possível provar a
existência e o teor da norma estrangeira dentro do processo, surgem as seguintes possibilidades elencadas pela doutrina:
conversão do julgamento em diligência; julgamento da lide contra a parte que invoca a norma estrangeira; julgamento em
conformidade com os princípios gerais de direito; e, especialmente, caso nenhuma dessas alternativas prove o conteúdo e
a vigência da norma estrangeira, a aplicação da norma lex fori, alternativa preferida da doutrina (Rechsteiner, DIPriv, p. 240).
A verificação e prova do direito estrangeiro regem-se pela lex fori. Dentre os meios que podem comprovar a existência da
norma estrangeira, podem ser citados: a doutrina estrangeira e de direito comparado; pareceres de juristas; publicações
oficiais que contenham o texto legal; cartas rogatórias; etc. A verificação e prova do direito estrangeiro é também objeto de
tratados. O Brasil é parte da Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do direito estrangeiro (1979),
Convenção de Montevideu, que regula a cooperação entre Estados americanos para a obtenção de elementos de prova e
de informação a respeito das respectivas ordens jurídicas.
Ordem pública e exceções à aplicação do direito estrangeiro (Portela, 2014, pág. 690). O direito estrangeiro,
quando aplicado, equipara-se à legislação ordinária. Nesse sentido, as normas estrangeiras podem ser objeto de controle
de constitucionalidade (até porque a violação a dispositivos da CF configura uma forma de afronta à ordem pública). Neste
ponto, há autores que salientam que somente é possível o controle incidental da norma estrangeira (Rechsteiner, págs. 235-
236). Nem sempre a norma estrangeira será aplicada. No Brasil, as normas de outro Estado não terão eficácia quando
ofenderem a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes (art. 17 da LINDB). Também não haverá aplicação da
norma estrangeira quando houver fraude à lei, instituição desconhecida e lei imperfeita. Por fraude à lei, entende-se a ação
deliberada no sentido de evitar a aplicação da norma no caso concreto. Já a instituição desconhecida surge quando
determinada matéria, regulada em ordenamento estrangeiro, não é objeto de previsão na ordem jurídica do Estado onde se
pretende aplicar norma de outro ente estatal. Tal situação pode ser resolvida pela adaptação (emprego de norma que regule
instituto semelhante). A lei imperfeita pode ser entendida como a que prevê a aplicação do direito interno ou a do direito
estrangeiro, a exemplo da norma inserida no art. 10, §1 da LINDB.

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5.a. Estrangeiros. Entrada, permanência e saída regular. Direitos do estrangeiro.
Saída compulsória: deportação, expulsão.

INTRODUÇÃO: Os temas do ponto, que também recebem a nomenclatura de “condição jurídica do estrangeiro”,
estão inseridos dentro da conjuntura dos “indivíduos” e o “Direito Internacional”, tratando especialmente sobre: a) admissão
do estrangeiro do território nacional; b) títulos de intresso; c) permanência de estrangeiros no território nacional; e d) motivos
e modos de exclusão por iniciativa estatal. ESTRANGEIROS: A aquisição da condição de estrangeiro se dá com o ingresso
na jurisdição de Estado diverso do de origem. Nota-se na atualidade uma aproximação de direitos dos estrangeitos e dos
nacionais, ante a universalização dos direitos humanos, do fluxo internacional de pessoas e da formação de espaços
internacionais comuns. ENTRADA, PERMANÊNCIA E SAÍDA IRREGULAR: I. A aceitação de estrangeiros em território
nacional é um ato discricionário do Estado, sendo válido que os Estados estabeleçam condições para entrada e residência
de estrangeiros (art. 1°, Convenção de Havana/1928). O Estado tem o direito de decidir quem ingressa em seu território
(Ag. 1.118.724/RS/STJ). II. A entrada de estrangeiro está condicionada ao “justo título”, em regra um documento de
viagem acompanhado de visto: a) passaporte: normalmente emitido pelo Estado de nacionalidade, sendo de propriedade
deste, muito embora na posse do indivíduo. Excepcionalmente o Brasil concede passaporte a não brasileiros, por exemplo,
apátridas, asilados e refugiados (art. 55 Lei 6.815/80, Estatuto do Estrangeiro); b) laissez-passer: emitido pelo Estado
receptor em circunstâncias excepcionais, como estado de origem não reconhecido ou não válido para o Brasil; c)
documento de identidade: a depender de tratados é possível que seja considerado documento válido, como é o caso de
nacionais de países do MERCOSUL e do Chile, viajando dentro do bloco a turismo; III. Visto é ato discricionário (a saída
não está condicionada ao visto, exceto, em casos excepcionais determinados pelo MJ em prol da Segurança Nacional),
cujas bases estão no interesse público, que cria mera expectativa de direito de admissão, observados os requisitos legais
e convencionais (art. 3° Estatuto), são espécies previstas nos arts. 4/21 do Estatuto: a) de trânsito: o estrangeiro apenas
passa pelo Brasil para chegar a outro país de destino; b) de turista: fins não remunerados e não migratórios, tendo o
Estatuto do Estrangeiro sido reformado pela Lei 12.968/14 para prever a prever a possibilidade de visto solicitado e emitido
por meio eletrônico (pode ser dispensado havendo reciprocidade); c) temporário: viagem cultural, missão de estudos, fins
artísticos, atléticos, estudantis, acadêmicos, correspondente de jornal; d) permanente: fixação definitiva, conforme
requisitos do Conselho Nacional de Imigração (CNIg); e) de cortesia: casos omissos; f) oficial: autoridades; g)
diplomático: agentes consulares, diplomáticos e famílias. IV. Vitos podem ser transformados de uma categoria para outra
nas hipóteses legais, embora não seja possível a legalização de entrada irregular ou clandestina, tampouco a transformação
de visto “permanente” em hipóteses menos duradouras (ex. visto de turista); V. Diz o Estatuto: “Art. 21. Ao natural de país
limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-
á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. §1º Ao
estrangeiro, referido neste artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou freqüentar estabelecimento de ensino
naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira
de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso. §2º Os documentos referidos no parágrafo anterior não conferem o
direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios.” VI. Não se
concede visto e, caso concedido, mesmo assim é possível impedir a entrada em território nacional: a) a menor de 18
desacompanhado do responsável legal ou sem autorização expressa; b) a pessoas nocivas à ordem pública ou aos
interesses nacionais; c) ao expulso, salvo quando a expulsão tiver sido revogada; d) ao condenado ou processado em outro
país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira; e) ao que não atenda condições do Min. da Saúde. f)
Atenção: A posse ou propriedade de bens no Brasil não dá direito a obter visto (art. 7° Estatuto). DIREITOS DO
ESTRANGEIRO: I. o Estado não é obrigado a admitir o estrangeiro em seu território, mas o fazendo deve conceder
tratamento protetivo mínimo, motivo pelo qual a CR prevê isonomia entre nacionais e estrangeiros residentes, o que é
estendido pela jurisprudência para os estrangeiros não residentes, mesmo quem em condição irregular. II. Neste sentido,
não estão vedados os direitos sociais do art. 6° aos estrangeiros; é possível a substituição de PPL por PRD para os
estrangeiros; não podem ser vedados benefícios da execução penal ao reeducando pelo simples fato deste ser estrangeiro
(ex. havendo processo de expulsão em aberto não há unanimidade, nesse sentido STJ HC 223.688/SP vs. HC 274.249/SP);
lembrar que o STF entendeu, recentemente, possível a progressão de regime mesmo que exista extradição já deferida
(Info 748); na Ext. 1.021/Fra o STF indeferiu pedido de interceptação telefônica para achar o cabra, salientando que não
há previsão legal para tanto na CR, aplicando-se tais garantias inclusive aos estrangeiros, inclusive irregulares; III. É vedado
aos estrangeiros, pela Constituição: a) em regra, não são assegurados direitos políticos, exceto casos muito excepcionais,
como o é dos Portugueses abarcados pelo Estatuto da Igualdade; b) sucessão de bens estrangeiros situados no Brasil
será regulamentada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou filhos brasileiros, sempre que mais favorável do que a lei
pessoal do de cujus; c) participação em concursos públicos depende de norma reguladora (não criada); d) podem ser
admitidos como professores, técnicos e cientistas em universidades e instituições de pesquisa; e) é vedada a particição
direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo casos previstos em lei; f) a propriedade
de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há
mais de 10 anos ou de PJ constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país, em qualquer caso pelo menos
70% do capital votante deverá ser de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, cabendo a estes a gestão das
atividades, conteúdo e responsabilidade editorial. V. Direitos e Vedações no Estatuto do Estrangeiro: a) estrangeiro
goza dos direitos reconhecidos aos brasileiros, exceto previsões constitucionais; b) atendidas os requisitos, em tempos de
paz todo estrangeiro poderá entrar, peramencer, e circular pelo Brasil; c) o permanente, temporário e asilado, registrado
em até 30 dias no MJ, receberá uma cédula de identidade de estrangeiro (caso naturalizado brasileiro este registro será
cancelado), suas mudanças de endereço devem ser comunicadas; d) é vedado ao estrangeiro ser proprietário, armador ou
comandante de NAVIO NACIONAL, inclusive nos serviços de navegação fluvial e lacustre, exceto pesca; Ser CORRETOR
DE NAVIOS, fundos públicos, LEILOEIRO e DESPACHANTE ADUANEIRO; Participar da ADMINISTRAÇÃO OU
REPRESENTAÇÃO DE SINDICATO ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de
profissão regulamentada; Prestar ASSISTÊNCIA RELIGIOSA ÀS FORÇAS ARMADAS e auxiliares e nos estabelecimentos
de internação coletiva; Obter CONCESSÃO ou AUTORIZAÇÃO para a pesquisa, prospecção, exploração e aproveitamento

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das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica. SAÍDA COMPULSÓRIA:
DEPORTAÇÃO E EXPULSÃO. I. Deportação: a deportação é menos grave que a expulsão, uma vez que se dá quando o
estrangeiro entrou ou permanceu no Brasil de forma irregular, como nos casos de passaporte e visto vencido. É ato de
ofício do país, de competência do Departamento da Polícia Federal, sendo o deportado mandado para o seu país de
nacionalidade ou outro que aceite recebê-lo. Pagas as despesas e multas pode o deportado voltar para o Brasil. II.
Expulsão: a) ato político-administrativo de maior gravidade que a deportação, reservado para casos em qeu o estrangeiro
seja nocivio ou inconveniente aos interesses nacionais (ex. prática de crime, entrada com passaporte falso, considerada
tão grave esta irregularidade que acarreta a expulsão e não mera deportação) motivo pelo qual sujeito ao contraditório e
ampla defesa, em procedimento que corre perante a PF, mas cuja competência final para decisão é do MJ, por delegação
do Presidente da República através do Decreto 3.447/00. Enquanto hígido o decreto de expulsão não poderá o estrangeiro
retornar ao Brasil. b) cabe pedido de reconsideração da decisão de expulsão em 10 dias, com efeito suspensivo, que não
caberá em determinados casos gravísimos (ex. infração contra segurança nacional ou facilitação ligada a entorpecentes,
vide arts. 71 e 72 do estatuto), hipóteses em que o inquérito de extradição será sumário devendo ser finalizado em até 15
dias. c) NÃO CABE EXTRADIÇÃO: que configurar extradição inadmitida; quando violar o non refolument; quando o
estrangeiro é casado c/ brasileiro há mais de 5 anos, incluindo relações homoafetivas, ou; quando tenha filho brasileiro sob
sua guarda e dependência econômica [Atenção 1: essas duas regras SE APLICAM APENAS À EXPULSÃO, não impedindo
nem a extradição nem a deportação]; c) NÃO IMPEDEM A EXTRADIÇÃO: adoção ou reconhecimento de filho após fato
que ensejou expulsão (arts. 65/75 do E.E. E Súmula1/STF). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a
interpretação do art. 65, inciso II, da Lei 6.815/80, para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que
nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório para tutelar a família, a criança e o adolescente, desde
que provada a dependência econômica e a convivência sócio-afetiva (HC 232640/DF). O STF reconheceu repercussão
geral na matéria RE 608.898/SP . d) Prisão administrativa para deportação (60 dias) e expulsão (90) deve ser autorizada
judicialmente, conforme interpretação aos olhos da CR; d) é vedada extradição coletiva (art. 22, §9°, CADH).

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5.b. Imunidades. Imunidade pessoal e real. Imunidade cognitiva e executória.
Imunidade diplomática e imunidade consular. Imunidade de Estados. Imunidade de ex-chefes de
Estado. Regime de tropas estacionadas por força de tratado.

IMUNIDADES: O fundamento da imunidade está na proteção das pessoas naturais e jurídicas que atuam nas
relações internacionais, que precisam contar com a prerrogativa de exercer suas funções sem constrangimentos de
qualquer espécie. Trata-se de limitação direta da soberania. IMUNIDADE REAL PESSOAL VS. IMUNIDADE REAL: A
imunidade pode ser pessoal (diplomatas e cônsules) e real (local das embaixadas e objetos). IMUNIDADE COGNITIVA VS.
EXECUTÓRIA: a) A imunidade do Estado, na visão clássica era baseada na teoria da imunidade absoluta, calcada no
princípio par in parem non habet judicium, de forma que um Estado não estaria sujeito à jurisdição doméstica de outro
Estado, salvo seu consentimento; na visão moderna, difere-se os atos de império (prerrogativas soberanas) e atos de
gestão (quando equipara-se ao particular), de forma que a imunidade estaria apenas para aqueles (atos de império), todavia
tal diferenciação importa apenas na fase cognitiva, pois na fase da execução será absoluta em ambos os casos, conforme
entendimento do STF, embora o TST conserve entendimento que apenas os bens que estejam afetos às atividades
diplomáticas e consulares estão a salvo (ROMS 282/2003-000-10-00-1); b) A noção de atos de império e atos de gestão
como referências para a análise da incidência ou não de imunidade de jurisdição aplica-se apenas à imunidade do Estado
no processo de conhecimento, não se referindo nem à imunidade de jurisdição estatal no campo da execução nem às
imunidades de autoridades estrangeiras e, ultimamente, também das organizações internacionais. c) O Brasil adotava a
teoria clássica até a mudança realizada pelo STF, no julgamento da ACI 9.696, em 1989, que admitiu não haver imunidade
cognitiva do Estado estrangeiro em matéria trabalhista. Decidiu-se que “privilégios diplomáticos não podem ser invocados,
em processos trabalhistas, para contestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento
de trabalhadores residentes em território brasileiro”. d) A possibilidade de o Estado estrangeiro se submeter ao Judiciário
brasileiro só poderá ser apurada em juízo. Cabe ao magistrado comunicar-se com o ente estatal externo para que este,
querendo, oponha resistência à sua submissão à autoridade judiciaria brasileira e para que se possa discutir se o ato é de
império ou de gestão. Ou seja, diante de um processo relativo a um ato de império, o juiz não deve, de imediato,
extinguir o processo, mas sim contactar o ente estatal estrangeiro, por meio de comunicação à Embaixada, para
que o Estado estrangeiro “exerça o seu direito à imunidade” (STJ, RO 39/MG, DJ 06.03.06). Vale ressaltar que a
jurisprudência do STJ foi, durante algum tempo, oscilante quanto a ser ou não ser citação a comunicação ao Estado
estrangeiro. Atualmente, prevalece que tal ato não é a citação prevista no art. 213 do CPC, mas MERA COMUNICAÇÃO.
Por fim, ressalte-se que o Estado estrangeiro pode, a qualquer tempo, renunciar à imunidade. e) Em matéria de execução
fiscal, o STF tem mantido a imunidade de execução do Estado estrangeiro, apesar do entendimento do TST e de alguns
posicionamentos isolados no STF de que a imunidade de execução se dá apenas para os bens que estejam afetos às
atividades diplomáticas e consulares. Por Exemplo, STJ, 2014: “Execução fiscal proposta contra Estado-estrangeiro:
imunidades tributária, de jurisdição e de execução: Os Estados estrangeiros gozam de imunidade tributária. Em virtude
disso, em regra, não pagam impostos nem taxas no Brasil. Essa imunidade tributária não abrange taxas que são cobradas
por conta de serviços individualizados e específicos que sejam prestados ao Estado estrangeiro. Sendo esse o caso, o país
estrangeiro terá que pagar o valor da taxa, não gozando de isenção. Com base nesse entendimento, o Município não pode
cobrar IPTU de Estado estrangeiro, mas poderá exigir o pagamento de taxa de coleta domiciliar de lixo. Os Estados
estrangeiros gozam também de imunidade de execução, ou seja, possuem a garantia de que os seus bens não serão
expropriados, isto é, não serão tomados à força para pagamento de suas dívidas. Vale ressaltar, no entanto, que a
imunidade de execução pode ser renunciada. Assim, antes de se extinguir a execução fiscal para a cobrança de taxa
decorrente de prestação de serviço individualizado e específico, deve-se cientificar o Estado estrangeiro executado, para
lhe oportunizar eventual renúncia à imunidade. [STJ. 2ª Turma. RO 138-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
25/2/2014]”. Estudo sobre esse precedente: A execução foi proposta na Justiça Federal de 1ª instância do Rio de Janeiro.
Isso porque as ações judiciais (inclusive as de execução) propostas por Município contra Estado estrangeiro (e vice-versa)
são julgadas pelo juiz federal de 1ª instância, conforme prevê o art. 109, II, da CF/88. O recurso cabível contra essa sentença
do juiz federal é o recurso ordinário constitucional, interposto diretamente no STJ. Trata-se de peculiar caso em que o
recurso contra a decisão do juiz federal não passará pelo TRF. É o que determina o art. 105, II, “c”, da CF/88. f) Para
PORTELA, a imunidade de execução é QUASE ABSOLUTA. Isso porque podem ser elencadas as seguintes possibilidade
de satisfação do débito: Pagamento voluntário; Negociações conduzidas pelo Ministério das Relações Exteriores;
Expedição de carta rogatória; Execução de bens não afetos aos serviços diplomáticos e consulares (polêmico); Renúncia
à imunidade. IMUNIDADE DIPLOMÁTICA E IMUNIDADE CONSULAR: a) A imunidade diplomática abrange a jurisdição
penal, cível, administrativa e trabalhista, embora a Convenção de Viena reconhece exceções, tais como causas envolvendo
imóveis particulares que não o residencial, feitos sucessórios a título estritamente pessoal e ação referente a qualquer
profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente, também não abrangendo eventuais reconvenções que
enfrentem caso tenha acionado o judiciário local. b) A imunidade consular é semelhante à diplomática, mas restrita às
funções consulares. c) Tanto a imunidade diplomática quanto a consular estendem-se aos familiares. IMUNIDADE DE
ESTADOS: A imunidade dos Estados não é objeto de tratado sendo regras costumeiras. A imunidade de jurisdição se
refere à impossibilidade de que certas pessoas sejam julgadas por outros Estados contra a sua vontade e que seus bens
sejam submetidos a medidas por parte das autoridades dos entes estatais onde se encontram ou onde atuam. Tais pessoas
são: os Estados estrangeiros, as organizações internacionais e os órgãos (autoridades) de Estado estrangeiros.
IMUNIDADE DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: ENQUANTO AS REGRAS REFERENTES ÀS IMUNIDADES
DOS ESTADOS SÃO COSTUMEIRAS, AS REGRAS RELATIVAS ÀS IMUNIDADES DAS ORGANIZAÇÕES
INTERNACIONAIS SÃO CONVENCIONAIS. Em princípio, as regras relativas às imunidades das organizações
internacionais são estabelecidas dentro de seus atos constitutivos ou em tratados específicos, celebrados com o s Estados
com os quais o organismo internacional mantenha relações. Em alguns casos, porém, as normas são vagas. Prevalece
hoje a IMUNIDADE ABSOLUTA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, diversamente do que ocorre para os Estados,
isso porque as imunidades das organizações internacionais estão previstas em tratados específicos. Por exemplo, STF,

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2013: a Organização das Nações Unidas (ONU) e sua agência Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) possuem imunidade de jurisdição e de execução, abrangendo, inclusive, as causas trabalhistas. IMUNIDADES DE
EX-CHEFES DE ESTADO: “O atual entendimento prevalecente é o de que as imunidades de ex-Chefes de Estado não
persistem diante de atos contrários aos princípios e objetivos das Nações Unidas, mormente as violações dos direitos
humanos, os crimes de guerra e os crimes contra a paz, chamados genericamente de ‘crimes contra a humanidade’. Com
isso, seria possível o julgamento de um ex-Chefe de Estado por cortes internas de Estados estrangeiros ou por tribunais
internacionais por conta de atos cometidos por essa autoridade durante o período em que exerceu o poder, o que antes
não seria viável.” (PORTELA) REGIME DE TROPAS ESTACIONADAS POR FORÇA DE TRATADO: a) Quanto ao “regime
de tropas estacionadas por força de tratado”, Recentes acordos de cooperação estão a implicar o exercício extraterritorial
da competência de um Estado em matéria de defesa e segurança, abrindo uma polêmica relativa a potenciais atos de
agressão contra terceiros. b) Em princípio tais acordos são lícitos e já existiam no estudo do direito internacional. Todavia,
se tropas militares de um determinado Estado, servirem-se da convenção para um ato de agressão contra um terceiro
Estado, deve ser avaliada de forma cuidadosa a responsabilização das partes envolvidas. c) Exemplos: pode tal situação
verificar-se nos acordos de cooperação entre a Colombia/EUA e Aruba/EUA, também assim no conhecido caso Cuba/EUA,
que serviu-se de antigo tratado entre tais países para instalar base militar na época da Guerra Fria, mantendo-se até o
presente momento para manutenção das base de Guantanamo. d) Também, o Brasil tem acordos neste sentido firmado
com Peru, Espanha e Inglaterra. e) No caso de tropas estacionadas, por força de tratado, de um Estado em outro, tem-se
que a imputação de responsabilidade recai sobre o Estado de origem (Estado que remeteu as tropas estacionadas em outro
Estado), salvo se os atos do Estado de acolhida (Estado que recebe as tropas estacionadas do Estado de origem) forem
tais sobre as tropas estacionadas/acolhidas a ponto de serem imputados de forma independente e autônoma ao Estado de
acolhida, ou ainda no caso deste assumir tais atos como próprios. STATUS FORCE AGREEMENT (SOFA): Acordos
celebrados entre Estado que envia e Estado que recebe tropas militares estrangeiras, visando regular o estatuto jurídico
dessas forças, estabelecendo os direitos e deveres dos integrantes dessas unidades militares, os termos das operações e
o alcance da jurisdição do Estado local sobre as forças estrangeiras e seus bens, normalmente como parte de um arranjo
mais amplo entre as partes no campo da segurança.

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5.c. Uso da força no direito internacional: proibição (art. 2, para. 4, da Carta da ONU), direito
de autodefesa ou de legítima defesa (art. 51 da Carta da ONU). Papel do Conselho de Segurança da
ONU na garantia da paz e da segurança internacional.

PROIBIÇÃO DO USO DA FORÇA NO DIREITO INTERNACIONAL: a) VALERIO MAZZUOLI esclarece que “(...)
o direito à guerra é atualmente considerado um ato ilícito internacional, não podendo ser utilizado pelos Estados, a não ser
em casos de legítima defesa de seus direitos, comprovada por uma agressão injusta ou por um perigo de dano atual e
iminente”. O art.2, § 4º da Carta da ONU inclui entre os princípios da ONU que “os membros deverão abster-se nas suas
relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência
política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas”. No sistema
da ONU, o emprego legítimo de esforço armado singular é aquele com o que certo Estado se defende de uma agressão,
de modo imediato e efêmero. Além dele, admite-se apenas o uso da força de segurança coletiva, a cargo do Conselho de
Segurança. b) Noções gerais: JUS AD BELLUM- “direito de promover a guerra”. Atualmente somente é reconhecido em
duas situações: a) direito de se defender de agressões externas e b) o direito da ONU, por meio do seu Conselho de
Segurança, tomar medidas para evitar a guerra e restaurar a paz. JUS IN BELLO - “normas aplicáveis durante os conflitos”.
É o “Direito de Guerra” ou “Direito de Haia” e “Direito de Genebra”. DIREITO DE AUTODEFESA (LEGÍTIMA DEFESA): a)
O art. 51 da Carta da ONU dispõe que “nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual
ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de
Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas
tomadas [...] serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a
autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a
ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais”. b) “No plano
internacional, o estudo da legitima defesa remete ao caso do navio Caroline, ocorrido em 1837, conhecido como o marco
jurisprudencial relativo à matéria” (MAZZUOLI). No caso, ingleses atacaram o navio enquanto ele estava ancorado nos
EUA, alegando que ele trazia homens e armas para municiar Canadenses insurgentes. Os Britânicos alegaram legítima
defesa para justificar o ataque. “Apensar de o caso ter terminado com um pedido formal de desculpas, o que se tira do caso
Caroline em termos jurídicos, é a tese de fundo da legítima defesa com as posições contrárias da Grã-Bretanha (defendendo
um direito natural à legítima defesa) e dos Estados Unidos (limitando esse direito à proporcionalidade do mal causado pelo
ato original). Essas posições antagônicas acabaram por demonstrar que, assim como no Direito interno, no plano
internacional o uso da legítima defesa só seria lícito se exercido imediatamente a uma agressão injusta ou a um perigo de
dano atual ou iminente´(MAZZUOLI). c) A CIJ, no caso das atividades militares na Nicarágua, ajuizado por esse país contra
os EUA em 1984, entendeu que a legítima defesa pressupõe ataque armado direto, não podendo ser preventiva e,
em razão disso, deu razão à Nicarágua, determinando aos EUA que cessasse as agressões (que eram cometidas pelos
EUA mediante envio de recursos a opositores do Governo). A CIJ, no caso, rejeitou a alegação dos EUA no sentido de que
estariam agindo em legítima defesa preventiva, uma vez que o ataque deveria ser direto, o que inocorria no caso. O ataque
armado pode ser atual ou iminente (como na Guerra dos Seis Dias / Israel). Nessa linha, os EUA defendem a extensão do
direito à legítima defesa preventiva, contra o terrorismo. Essa posição acabou prevalecendo em face dos ataques de 11/09,
tendo o CS/ONU acolhido a aplicação do artigo 51 da Carta da ONU na “Guerra contra o Terror”, através de sua Resolução
1.368 de 2001 (Questão 34, 25° Concurso CPR). d) A legítima defesa não pode se voltar contra ataques indiretos (CIJ,
Caso Nicarágua vs. EUA). Na legítima defesa, a reação deve ser proporcional ao ataque real ou potencial e dirigida ao
Estado agressor. A reação deve ser imediatamente comunicada ao CS/ONU. Pode haver reação de um ou mais Estados,
em defesa do que sofreu ou está na iminência de sofrer ataque, pressupondo a concordância desse. Não pode ser solicitada
por grupos de oposição interna. Na realidade, a grande discussão é se o artigo 51 da Carta da ONU admite a legítima
defesa preventiva, ou se é imprescindível para o seu uso lícito a ocorrência de um ataque armado. O que é certo, todavia,
é que a legítima defesa é um direito transitório, vez que as medidas tomadas em termos de legítima defesa devem ser
levadas imediatamente ao CS/ONU. É relevante ressaltar que este dispositivo da Carta da ONU (art. 51) é destoante,
segundo MAZZUOLI, do que prescrito pelo costume internacional, que admite também a legítima defesa preventiva a um
ataque armado, não exigindo que este ataque armado tenha ocorrido efetivamente, como determina o mencionado
dispositivo. Para MAZZUOLI, o cotejo do artigo 51 com o artigo 2°§ 4° da Carta da ONU permite concluir que a legítima
defesa preventiva deve ser compreendida como um método ilícito do uso da força. O fato é que a doutrina diverge, valendo
notar que o Examinador, no 25° concurso foi obsequioso à literalidade do artigo 51 da Carta, ao se limitar a tratar da legítima
defesa à luz do artigo 51 da Carta. f) “Convém ainda diferenciar a legítima defesa preventiva da legítima defesa preemptiva.
Esta última existe quando o Estado responde antecipadamente a um ataque em abstrato (ou seja, o Estado se antecipa à
ação do inimigo, atacando-o). A chamada doutrina Bush (defendida pelo então Presidente dos EUA quando da Guerra do
Iraque) notabilizou-se por tentar introduzir essa modalidade de ‘defesa’ como nova exceção à proibição do uso privado da
força. (...) Trata-se de medida motivada mais pelo medo que pela ambição. Daí a expressão ‘guerra preemptiva’ ser utilizada
quando um Estado ataca a outro porque sente ou supõe que a curto prazo será atacado por este”(MAZZUOLI). Importante
consignar que a doutrina diverge entre admitir ou não a guerra preemptiva, advertindo o autor, no entanto, que não há nada
no artigo 51 da Carta da ONU que autorize esse tipo de medida. SEGURANÇA COLETIVA: é o nome que se dá à ação da
comunidade internacional contra um Estado ou um grupo deles, considerados pela maioria como culpados por violar a paz
internacional, sendo modalidade de defesa prevista no mesmo artigo 51 da Carta da ONU. Está previsto em três situações:
ameaça à paz internacional, ruptura da paz internacional e diante de atos de agressão. Atualmente, defende-se o direito de
intervenção humanitária, em face de graves violações de direitos humanos. A partir da resolução 1723/2001, o CS passou
a considerar o terrorismo como ameaça à paz internacional. O CS é o responsável pela manutenção da paz e da segurança
internacionais, possuindo, nessa função, duas ordens de atribuições: dirigir recomendações aos Estados em litígio, para a
solução pacífica dos conflitos ou casos de ameaça à paz, ruptura da paz ou de ato de agressão; e pode ainda formular
recomendações ou tomar decisões que podem acarretar o uso das forças armadas que irão intervir nos países que estão

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em disputa. As resoluções do CS nessa matéria são obrigatórias para todos os Estados, que deverão dar suporte às ações
do CS. A ONU não tem tropas próprias, usando as tropas de membros, que atuam em nome da ONU. O CS realiza três
modalidades de operações: a) manutenção da paz – para evitar a eclosão de conflito; b) restauração da paz – quando o
conflito já existe; e c) reconstrução da paz após intervenção da ONU, para reconstruir o estado e suas instituições.

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6.a. Nacionalidade. Originária. Derivada. Apatridia. Polipatria. Perda da nacionalidade.
Estatuto da igualdade: portugueses. Nacionais de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa física a um Estado, do qual decorre uma série
de direitos e obrigações. A nacionalidade é um direito fundamental do ser humano, garantido internacional e internamente.
Aquisição de nacionalidade pode ser: a) Originária ou primária: esse tipo, em geral, não está relacionado a um ato de
vontade, pois decorre de um fato natural, o nascimento. Dois critérios predominam para definição da nacionalidade primária:
o jus solis e o jus sanguinis. O jus solis, ou critério territorial, determina a nacionalidade pelo lugar do nascimento,
sem influência da nacionalidade dos ascendentes. É adotada em países que formaram seu povo com grande influência
de imigrantes. Nos países onde predomina a emigração, o critério predominante é do jus sanguinis, que atribui a
nacionalidade pelos ascendentes, é o critério mais antigo. b) Secundária ou adquirida: é adquirida por fato posterior ao
nascimento, em geral por um ato de vontade. Esse elemento é muito importante, uma vez que o Direito Internacional
repugna a atribuição forçada de nacionalidade secundária, que é por excelência a naturalização, na qual o indivíduo
manifesta sua vontade em adquirir uma determinada nacionalidade e o Estado, por ato discricionário, pode concedê-la ou
não (expectativa de direito). Existem outros critérios como casamento (não adotado no Brasil, embora possa diminuir o
prazo mínimo de residência no Brasil para obter a naturalização); do vínculo funcional (Ex. Vaticano pode conceder
nacionalidade a seus servidores, também não adotado no Brasil, embora também possa diminuir o prazo de
residência para a naturalização); desaparecimento de um Estado, seja por anexação, cessão ou unificação;
nacionalização unilateral (atribuída por mero ato do Estado ou vontade da lei, como ocorreu na CF brasileira de 1981).

Apatridia: é um conflito negativo de atribuição de nacionalidade, ocorrendo pela sua perda arbitrária, em geral
por motivos políticos, ou não incidência de qualquer critério de atribuição de nacionalidade a uma pessoa. Essa situação
fere o direito humano à nacionalidade.

Polipatria ou plurinacionalidade: é um conflito positivo na atribuição da nacionalidade devido à coincidência


de critérios para uma mesma pessoa. Não há restrição para a múltipla nacionalidade de brasileiros que possuam
nacionalidade originária estrangeira em virtude do nascimento (jus soli) ou de ascendência (jus sanguinis).

Perda da Nacionalidade: muito embora a nacionalidade seja, primariamente, assunto de Direito interno
(Convenção de Haia Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade, de 1930),
o direito internacional regula alguns dos seus aspectos, importa aqui mencionar essa regulamentação no âmbito das
normas referentes à perda da nacionalidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XV, § 2°) afirma que
“ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade”, ou seja, é possível a perda da nacionalidade, contanto que
seja em decorrência de regras previamente estabelecidas e compatíveis com as normas internacionais de direitos
humanos. O Direito Internacional repugna a retirada da nacionalidade por motivos políticos, raciais ou religiosos, ou a
partir de considerações de caráter meramente discricionário (PORTELA, 2011:261). A perda da nacionalidade pode atingir
tanto o brasileiro nato quanto o naturalizado. O brasileiro nato e o naturalizado podem perder sua nacionalidade pela
aquisição de outra nacionalidade, por naturalização voluntária exceto se nas hipóteses do art. 12, § 4º, inc. II, alíneas “a” e
“b” (aquisição de nacionalidade originária ou imposição de naturalização por outro Estado). O brasileiro naturalizado também
pode perder sua nacionalidade por cancelamento da naturalização brasileira, por sentença judicial, em razão de atividade
nociva ao interesse nacional (ex.: se condenado pelo crime de tráfico de drogas – mas não é efeito direto ou automático da
condenação penal, pois a perda da nacionalidade é sanção de caráter administrativo. Atenção: não existe hipótese de perda
da nacionalidade brasileira como sanção de caráter penal).

O Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal: (Dec. 3.927/2000) fundamentalmente determina que os


brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos
deveres dos nacionais desses Estados, exceto os direitos expressamente reservados pela Constituição de cada uma das
partes aos seus nacionais (PORTELA,2011:317). Tais benefícios não são automáticos e exigem que os brasileiros e
portugueses que o requisitarem sejam civilmente capazes, tenham residência habitual no país que pleiteiam (para direitos
políticos a residência deve ser de pelo menos 3 anos), e serão atribuídos mediante decisão dos órgãos internos com
competência para tanto. Rezek entende, ao contrário da maior parte da doutrina, que brasileiro naturalizado e português
beneficiário do Estatuto não se identificam, visto que o cidadão de Portugal pode ser extraditado (só para Portugal) e
expulso, e conta apenas com a proteção diplomática do Estado de origem.

Nacionais de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul): não há prerrogativas de nacionais entre as
diferentes nacionalidades ligadas ao Mercosul. Algumas medidas de caráter social podem ser citadas, como o Acordo
sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul (Dec.6.964/09) que visa facilitar a circulação de pessoas
dentro do bloco, amenizando regras para a concessão da residência aos nacionais dos Estados mercosulinos; regras
trabalhistas mais uniformes como as constantes da Declaração Sócio-laboral do Mercosul(1998).

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6.b. Soberania estatal. Conceito. Tipos: soberania interna e soberania externa. Princípio
da igualdade soberana dos Estados.

Soberania estatal. Noções Gerais e Conceito: A noção de soberania nasce com o processo de construção do
Estado-Nação, sobretudo a partir do final da Idade Média, na Europa, e evolui conforme a própria evolução do conceito de
Estado (ou seja, o conceito de soberania é construído historicamente). Na sua concepção clássica, a soberania tem os
atributos da unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Na concepção moderna, é limitada, relativa,
circunstancial e vinculada à ordem internacional. Segundo Rezek, a soberania estatal é um atributo fundamental do Estado,
consistente na capacidade do ente estatal de cuidar de seu próprio desenvolvimento e bem-estar sem se colocar sob jugo
de outros Estados, desde que não viole os direitos legítimos destes últimos (Projeto de Decl. sobre os Dir. e Deveres dos
Est.-1949 – Comissão de Dir. Internac.) (Shaw). É conceito jurídico que se sujeita às normas de DIP, que define seu âmbito
e conteúdo (limites), dando aos Estados plena liberdade de ação, salvo norma expressa em contrário (Parecer consultivo
sobre a legalidade de armas nucleares – CIJ/1996: a ilegalidade de certas armas não decorre de falta de autorização e sim
de proibição; Caso Lótus – TPIJ/1931: não se pode presumir nenhuma restrição à independência de um Estado; Caso
Nicarágua – CIJ/1986: no DIP não há normas, exceto se aceitas por um Estado, que imponham limitações aos armamentos
que podem ser possuídos por um Estado soberano). A soberania (Shaw chama de independência) implica série de direitos
e deveres: exercer jurisdição sobre seu território e população; defender-se em determinadas situações; dever de não se
intrometer em assuntos internos de outros Estados (a definição destes é controversa: atualmente direitos humanos e
opressão racial já não são mais considerados temas internos fechados) (SHAW). O conceito clássico de soberania, de poder
absoluto e perpétuo do Estado (ilimitado, acima do direito interno e livre para acolher ou não o direito internacional) (Jean
Bodin) não mais subsiste. Na atualidade, prevalece a premissa básica do Estado de Direito pela qual o ente estatal
atua dentro de certos limites, estabelecidos internamente pela ordem jurídica nacional e, externamente, pelo Direito
Internacional. (PORTELA). Segundo Ferreira Fillho: "o atual tipo de Estado, o Estado de base nacional, de poder soberano,
ajusta-se mal ao fenômeno da globalização. É ele ‘pequeno’ demais para controlar as consequências da mundialização das
questões econômicas ou de segurança. Em vista disto, nota-se uma tendência ao seu reagrupamento em unidades maiores.
Isto, entretanto, não deverá levar a um Estado mundial em vista da persistência e, mais, da oposição entre as civilizações
existentes. E, concluindo, essa integração, contudo, não significará a extinção de tais Estados que continuarão a existir como
integrantes do novo ente. Sem dúvida, isto tenderá a eliminar do quadro político o elemento ‘soberania’, no sentido preciso
do termo, embora o uso desta possa sobreviver, sobretudo, por motivos de orgulho nacional".

Tipos: Soberania interna e soberania externa: A soberania interna representa o poder do Estado em relação
às pessoas e coisas dentro do seu território ou, melhor, dentro dos limites da sua jurisdição. É também chamada autonomia.
A soberania interna compreende os direitos: a) de organização política, ou seja, o de escolher a forma de governo, adotar
uma constituição política, estabelecer, enfim, a organização política própria e modificá-la à vontade, contanto que não sejam
ofendidos os direitos de outros Estados; b) de legislação, ou seja, o de formular as próprias leis e aplicá-las a nacionais e
estrangeiros, dentro, naturalmente, de certos limites; e) de jurisdição, ou seja, o de submeter à ação dos próprios tribunais
as pessoas e coisas que se achem no seu território, bem como o de estabelecer a sua organização judiciária; d) de domínio
— em virtude do qual o Estado possui uma espécie de domínio eminente sobre o seu próprio território. A soberania externa
é uma competência conferida aos Estados pelo direito internacional e se manifesta na afirmação da liberdade do Estado em
suas relações com os demais membros da comunidade internacional. Confunde-se, pois, com a independência. A soberania
externa compreende vários direitos, entre os quais: o de ajustar tratados ou convenções, o de legação ou de representação,
o de fazer a guerra e a paz, o de igualdade e o de respeito mútuo (ACCIOLY, Hidelbrando).

Princípio da igualdade soberana dos Estados: princípio fundamental das relações internacionais que se
materializa no Direito Internacional clássico por meio do entendimento de que todos os Estados soberanos são iguais para
a ordem jurídica internacional, sem considerações de ordem social, econômica, cultural ou política. Trata-se de um princípio
derivado da ideia de comunidade internacional, que foi inspirada na comunidade de indivíduos, na qual todos são iguais
perante a lei. Reconhecido na Carta da ONU (art. 2, §1º) e em diversos julgados da jurisprudência internacional. Trata-se de
igualdade jurídica, ou seja, de direitos e deveres legais (capacidades e funções jurídicas), independentemente do tamanho
e poder do Estado. Vige a igualdade perante a lei: de personalidade e capacidade jurídica, mas não de criar o direito, em
que os Estados mais fortes têm influência proporcional à sua condição (Assembleia Geral da ONU: cada Estado tem 1 voto;
no Conselho de Segurança: EUA, Rússia, China, Reino Unido e França tem poder de veto). Princípio reconhecido também
pela Declaração dos Princípios de Direito Internacional referentes às Relações de Amizade e Cooperação entre Estados
adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1970 – elementos: igualdade jurídica; todos os Estados gozam dos direitos
inerentes à plena soberania; dever de respeitar a personalidade dos outros Estados; integridade territorial e independência
política dos Estados são invioláveis; direito livre de escolher seus sistemas político, social, econômico e cultural; dever de
cumprir plenamente e de boa fé suas obrigações internacionais e conviver em paz c/ os outros Estados. Tem origem no
pensamento jusnaturalista: igualdade é da essência do ser humano, assim como a igualdade é a condição normal dos
Estados. A visão positivista dá outro enfoque: direito internacional é fundado no consentimento dos Estados. (SHAW).

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6.c. Sucessão de Estados. Direitos e deveres. Tratados e patrimônio.

Sucessão de Estados: substituição de um Estado por outro no tocante à responsabilidade pelas relações
internacionais de um determinado território (SHAW). Funda-se, segundo REZEK, no princípio da continuidade do Estado:
como realidade física, tende a continuar existindo, ainda que com roupagem política diversa e modificações expressivas na
titularidade da soberania. Modalidades: a) fusão ou agregação: dois ou mais Estados passam a constituir um único; b)
secessão ou desmembramento: dois ou mais Estados resultam da divisão do que até então era uma única soberania; c)
transferência territorial: os Estados preexistentes subsistem com suas identidades, sendo que uma área territorial de um
deles transfere-se para o outro (REZEK).

Direitos e deveres: “o tema da sucessão entre Estados pode surgir em diversas circunstâncias, que refletem as
formas pelas quais a soberania política pode ser adquirida: por exemplo, pela descolonização da totalidade ou parte de uma
unidade territorial, o desmembramento de um Estado existente, a secessão, anexação e a fusão. Em cada um desses casos,
uma entidade anteriormente reconhecida desaparece total ou parcialmente e é sucedida por alguma outra autoridade,
precipitando assim problemas de transmissão de direitos e obrigações. Entretanto, a questão da sucessão entre Estados
não incide sobre os direitos e deveres normais dos Estados no âmbito do direito internacional. Estes existem em virtude dos
princípios fundamentais do direito internacional e como consequência da soberania, e não como resultado da transferência
oriunda do soberano anterior.” (SHAW). Em muitos casos, não está claro que direitos e deveres passarão de uma autoridade
a outra e muito depende das circunstâncias específicas do caso. Quando surge nova entidade, é necessário decidir se se
trata de uma pessoa totalmente separada de sua predecessora ou se é uma continuação desta. Em caso de
cessão/secessão de um Estado existente, isso não afeta a continuidade deste, mesmo com menor território e população,
com todos os direitos e deveres que lhe incumbem, exceto aqueles ligados especificamente ao território cedido ou resultante
da secessão. Em caso de desmembramento, os direitos e deveres serão distribuídos entre os Estados sucessores.

Tratados e patrimônio: O DIP dispõe de poucos princípios firmemente estabelecidos no tema e a aplicação
destes deve ser determinada caso a caso. Os aspectos internacionais são regidos por normas de direito internacional
consuetudinário, as quais foram, em parte, codificadas na Convenção de Viena 1978 sobre a sucessão de Estados em
matéria de tratados e a Convenção de 1983 sobre a sucessão de Estados em matéria de bens, arquivos e dívidas (esta
última ainda não vigora no mundo e ambas não estão em vigor no Brasil). a) Quanto aos tratados, regem a matéria o
costume internacional, a Convenção de Viena sobre a Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 1978 (SHAW, p.
720), além dos tratados territoriais [que impõem direitos ou obrigações a unidades territoriais identificáveis. Porém, as
fronteiras estabelecidas por tratados não são prejudicadas (SHAW, p. 722). O art. 12 da Convenção estipula que os direitos
ou obrigações relacionados ao uso de qualquer território e estabelecidos por tratado não são afetados pela sucessão (SHAW,
p. 723)] e políticos ou “pessoais” (que criam direitos ou obrigações ligados ao regime em vigor no território e sua orientação
política e não vinculam os Estados sucessores) (SHAW. p. 723). Na fusão, os tratados continuam em vigor, salvo quando
não há interesse, os demais não o aceitam ou sua participação mostra-se incompatível com a finalidade do tratado
(VARELLA, p. 275) [Shaw lembra que o art. 31 (2) prevê que tais tratados aplicam-se apenas à parte do território em que já
vigia, salvo notificação ou acordo em contrário. Além disso, o autor ressalta que na absorção, mais adequado se mostra o
modelo adotado na unificação da Alemanha (p. 724-725)]. Na cessão de território, passam a valer para esse território os
tratados do sucessor (PORTELA, p. 178), conforme art. 15 da Convenção, salvo quando houver incompatibilidade com o
objeto e a finalidade do tratado ou vier a modificar substancialmente as condições de sua execução (SHAW, p. 726). No
desmembramento, compromissos assumidos em tratados bilaterais pelo Estado matriz não afetam o novo Estado e mesmo
os tratados multilaterais não o obrigam, exceto se quiser tornar-se parte, mediante envio de notificação de sucessão ao
depositário (PORTELA, p. 178). Porém, segundo Shaw, “pode-se hoje em dia afirmar que a comunidade internacional está
se orientando para uma postura de presunção da continuidade dos tratados” (SHAW, p. 729). Apesar disso, é ainda muito
cedo “para declarar que a continuidade ou a presunção de continuidade já é norma estabelecida” (SHAW, p. 729). Os novos
Estados independentes [Territórios descolonizados (SHAW, p. 729)] igualmente não se tornam automaticamente partes nos
tratados ratificados ou aderidos pelos predecessores (VARELLA, p. 274), incidindo o princípio tradicional da tabula rasa
(SHAW, p. 729). No tocante aos tratados bilaterais, o art. 24 da Convenção estabelece que entrará em vigor com a
manifestação expressa ou se manterá em vigor quando, em razão da condutas dos Estados, “se deva entender que assim
convencionaram”. (SHAW, p. 730) Na dissolução de Estados [Entes estatais desaparecem para dar lugar a novos Estados.
Ex: União Soviética e Iugoslávia], presume-se que os novos Estados têm o direito de dar continuidade a todos os tratados
relacionados ao Estado anterior (VARELLA, p. 276). Consoante art. 34 da Convenção de Viena, os tratados “continuarão
vigorando para o território específico onde se aplicavam, a não ser que os Estados interessados acordem outra coisa, ou ao
menos que transpareça do tratado, ou se estabeleça de outro modo, que a aplicação do tratado seria incompatível com o
objeto e a finalidade daquele tratado ou que mudaria radicalmente as condições de sua execução.” (SHAW, p. 731) Quanto
aos tratados sobre direitos humanos, há de prevalecer a sucessão automática conforme o caso Aplicação da Convenção
sobre o Genocídio (Bósnia e Herzegovina vs. Iugoslávia) (SHAW, p. 734; na mesma linha VARELLA, p. 274). b) Quanto aos
bens, “normalmente é fruto de ajustes entre o Estado predecessor e o sucessor. Não havendo acordo, caberão ao sucessor
os bens que fiquem em seu território, tanto os imóveis como os móveis. (...) Na fusão, os bens dos antigos Estados passam
a pertencer ao novo ente estatal.” (PORTELA, p. 178) Aplica-se, de regra, o critério territorial. Shaw, ressaltando que a
distinção entre bens públicos e privados deve tomar por parâmetro o direito interno do Estado predecessor (p. 737), acentua
que, quanto aos bens imóveis no exterior, esses devem permanecer sob o domínio do predecessor, salvo estipulação em
contrário (p. 738) [Shaw ressalta que o art. 15(1)b da Convenção traz disposição polêmica, transferindo aos “Estados de
recente independência” bens imóveis situados fora de seu território que tenham pertencido ao território afetado pela
sucessão de Estados e que tenham se tornado propriedade estatal do Estado predecessor durante o período de dependência
(p. 739)]. Já, quanto aos bens móveis no exterior, “devem passar ao Estado sucessor em proporção equitativa” [Art. 17(1)c
da Convenção de Viena de 1983] (SHAW, p. 740). c) quanto aos arquivos públicos “deverão ser objeto de acordo entre o

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predecessor e o sucessor. Em sua falta, o sucessor deverá ficar com os arquivos que lhe digam respeito.” (PORTELA, p.
179) Varella destaca que são partes integrantes do patrimônio histórico e cultural (p. 279). d) quanto às dívidas, “a priori”,
transferem-se para o Estado sucessor (VARELLA, p. 279). No caso de fusão, o novo Estado assume a dívida (PORTELA,
p. 179). Em caso de secessão, quando o Estado predecessor continua a existir, a dívida, de regra, permanece com esse
(princípio geral da não divisão da dívida pública) (SHAW, p. 745). No desmembramento, a dívida nacional passa a ser do
sucessor de forma proporcional (SHAW, p. 746). Na dissolução, dá-se o rateio da dívida pública (SHAW, p. 747). “Excluem-
se da responsabilidade do Estado sucessor, entretanto, as chamadas dívidas de regime, 14 contraídas pelo governo anterior
em seu proveito único (contraídas normalmente para sustentar campanhas coloniais). A Argélia, assim, corretamente não
aceitou assumir as obrigações que a França fizera em seu território antes da independência em 1962, para a manutenção
da ordem na área.” (MAZZUOLI, p. 483) De acordo com a doutrina, distinguem-se dívidas de Estado, “contraídas no interesse
geral da comunidade, e por isto próprias para serem compartilhadas na hora da sucessão” (REZEK, p. 340), de dívidas de
regime, “contraídas no interesse do esquema de poder preexistente, e muitas vezes para sustentar a campanha colonial”
(REZEK, p. 340). e) quanto aos direitos adquiridos gera divergência teórica à luz dos interesses políticos, sendo defendido
pelos Estados europeus a sua manutenção [Shaw faz referência ao caso dos Colonos alemães, cujos direitos foram
contestados pelas novas autoridades polonesas (SHAW, p. 748)], especialmente aqueles iniciados durante o período
colonial, enquanto os Estados em desenvolvimento, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, sustentam a sua
anulação, o que foi acolhido pela Convenção de 1983. (VARELLA, p. 280-281). f) quanto à nacionalidade, “o Estado deve
possibilitar que todos aqueles que nasçam em seu território tenham direito a sua nacionalidade. O Estado que transferiu
parte do território deve respeitar o desejo daqueles que querem manter sua nacionalidade anterior, ou seja, do Estado
predecessor.” (VARELLA, p. 280) Shaw destaca que a questão envolve direitos humanos, devendo ser garantido pelos
Estados envolvidos que “ninguém fique privado de nacionalidade” em razão de mudança específica de soberania (SHAW,
p. 750), bem como de sucessão (p. 751). g) de regra, para a participação em organizações internacionais, há necessidade
de solicitação de ingresso, não havendo sucessão automática. (SHAW, p. 735-76; VARELLA, p. 281; PORTELA, p. 179) h)
a legislação “do Estado sucessor passa a vigorar no território que a ele foi incorporado. Em caso de emancipação ou
secessão, é possível que a lei do antecessor ainda se aplique por algum tempo, antes de o novo ente estatal criar sua própria
ordem jurídica. Na fusão, vigorarão as normas que os Estados antecessores escolherem enquanto as normas do novo ente
estatal não são elaboradas.” (PORTELA, p. 179).

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7.a. Tratados internacionais. Classificação. Terminologia. Negociação e competência
negocial. Formas de expressão do consentimento. Conflito entre tratados e com as demais fontes

- Tratados internacionais. Trata-se de fonte do direito internacional caracterizada por seu processo de produção
e pela forma final, não pelo conteúdo. São um simples instrumento. Para a Convenção de Viena, "tratado" significa
um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste
de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.
Também caracterizam os tratados o consensualismo, a ausência de hierarquia entre as partes. Atualmente, também
podem tomar parte em tratados as Organizações Internacionais.
- Terminologias comumente utilizadas para o gênero tratado: tratado: como espécie, define tratado solenes, como
os de paz; declarações: um tratado que cria princípios gerais, mas não gera compromissos no DIP; ato ou ata: cria
regras de direito, não produzindo efeitos obrigatórios, mas apenas morais; carta e constituição: constituem
organizações internacionais; estatuto: cria cortes internacionais; acordo: tratados de cunho econômico;
concordata: tratados firmados pela Santa-Sé para regular relacionamento Igreja x Estado; compromisso: pelo
qual Estados aceitam submeterem-se à arbitragem; convênio: tratado em matéria cultural ou de transporte; contrato:
tratado entre Estados, pelo qual um se submete à lei do outro; convenção: caráter mais amplo, criando normas gerais,
que serão regulamentadas por outros, mais específicas, chamados de protocolos; pacto: tratados de importância
política; pacto de contraendo: Estado assume obrigação de concluir um tratado final sobre determinada matéria;
pactum de negociandum: o Estado assume a obrigação de iniciar negociações para concluir um tratado; modus
vivendi: instrumento da diplomacia ordinária, que visa a deixar as coisas como estão ou estabelecer bases para
a negociação futura.
- Os gentlemen’s agreement diferem dos tratados por serem acordos de estadistas, fundados na honra e
condicionado à permanência no poder desses estadistas.
- Acordo executivo: designa o acordo internacional que não precisa ser submetido ao congresso nacional. No Brasil,
Rezek entende que só é admissível em 3 hipóteses: a) interpretem tratado em vigor; b) decorrem de tratado em
vigor, como seu complemento; e c) modus vivendi.
- Troca de notas: pode designar um meio de comunicação diplomático ou um método negocial, um processo de
conclusão de tratados bilaterais, que substitui a assinatura como forma de conclusão do tratado.
- Classificação dos tratados: 1 – quanto ao número de partes: bilateral ou multilateral; 2 – quanto à qualidade das
partes: entre Estados ou entre eles e organizações internacionais; 3- quanto ao procedimento: formais, que exigem
aprovação do legislativo, e informais, que não exigem (ex. acordos executivos); 4 – quanto à natureza das normas:
tratados contratuais, que criam obrigações e benefícios recíprocos, e tratados normativos, que criariam regra direito
objetivamente válida, sem contraprestação específica dos Estados; 5 – quanto à execução no tempo: criadores de
obrigação de vigência jurídica estática, objetiva e definitiva, como tratados de fronteira e os criadores de uma relação
jurídica obrigacional dinâmica, por prazo certo o indefinido.
- Negociação e competência negocial: a iniciativa das negociações pode ser de Estado ou de organização
internacional. Em geral, a competência interna para tanto é do poder executivo. A negociação é realizada pelo
representante do Estado. Possuem poderem amplos para tanto o Chefe de Governo ou Chefe de Estado, o
Ministro de Relações Exteriores e os chefes da missão diplomática em relação ao país onde exerça a função. Os demais
representantes (plenipotenciários), agentes públicos ou não, dependem de carta de plenos poderes concedida pelo
chefe do executivo, para tanto. O Estado pode mandar uma delegação, para a negociação, que será chefiada pelo
plenipotenciário. A negociação pode ser bilateral, se envolver dois Estados, ou multilateral, se mais.
- Formas de expressão do consentimento: o consentimento do Estado pode ser feito pela assinatura, que põe fim na
negociação, fixa e autenticando o texto do compromisso e, ainda, exterioriza o aceite definitivo, obrigando os
Estados (diferente da assinatura como mero aceite provisório, dependente de ratificação). Também pode expressar
o consentimento estatal a troca de instrumentos – intercâmbio instrumental, que, diferente da assinatura em um
documento único, representantes de cada Estado assinam um instrumento e transmitem ao outro, simultânea ou
sucessivamente – pode exigir o consentimento prévio do Congresso Nacional. Outra forma de consentir é a
ratificação, que é o ato internacional pelo qual o Estado manifesta o consentimento perante outras pessoas jurídicas
de DIP, sobre aquilo que, após a fase negocial, ficara pendente de aceite definitivo. No Brasil, exige-se autorização
prévia do Congresso para a ratificação.
Conflito entre tratados e com as demais fontes: não há hierarquia entre as fontes do DIP, sendo que o conflito
entre tratados e outras fontes será solucionado por critérios de especialidade e cronológico, exceto se o conflito for com
uma norma imperativa de direito internacional – jus cogens, o tratado será considerado nulo. No caso de conflito entre
tratados, devem-se distinguir as hipóteses de identidade e de diversidade de fontes de produção normativa. No caso de
identidade, quando as partes são as mesmas, não há conflito, prevalecendo o posterior ou o especial. Já quando as
partes não coincidem, haverá um conflito real, sem solução jurídica.

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7.b. Asilo. Refúgio. Regime Jurídico. Princípio do non-refoulement. Papel dos órgãos
internos. A proteção ao brasileiro no exterior.

ASILO: O asilo é apenas indiretamente vinculado ao prestigio da dignidade humana. É primordialmente um


instrumento de condução da politica externa do Estado. Daí porque o asilo é discricionário e concedido intuito
personae. Embora seja de competência do MJ, o MRE deve ser ouvido. Não há propriamente um processo
de asilo. Como decisão estatal que é, o ato vai ter que ter forma escrita, observar pressupostos de competência,
entre outros, mas não é um procedimento administrativo de asilo. ASILO TERRITORIAL E ASILO DIPLOMÁTICO:
Asilo se desmembra em asilo territorial e asilo diplomático. O asilo diplomático surge na América do Sul
como um autêntico costume regional sul americano. O asilo diplomático é a utilização das imunidades
diplomáticas e em especial da inviolabilidade dos locais da missão para abrigar uma pessoa que o Estado
asilante entenda ser merecedora do asilo. Ele destina-se a acautelar a intangibilidade do asilado para permitir que
ele vá ao território do Estado asilante e ai possa receber o asilo territorial propriamente dito. SALVO CONDUTO é o
instrumento pelo qual o Estado permite a passagem do asilado diplomático pelo seu território para fins de convolação do
asilo diplomático em asilo territorial. Vários estados têm um problema sério para expedir o salvo conduto dizendo que
não podem preterir o exercício da sua jurisdição penal. Essa discussão foi parar na Corte Internacional de Justiça
no caso Haya de La Torre, década de 1950, envolvendo Peru e Colômbia. A Corte entendeu que há um costume
regional sul americano de concessão de asilo diplomático. Foi importante a Corte assentar esse entendimento porque
uma das alegações do Peru era de que estaria havendo abuso de imunidade diplomática. Existe um dispositivo na
Convenção de Viena sobre as Relações Diplomática (art. 41, § 3º) que diz que os locais da missão não podem
ser utilizados para razões incompatíveis com a missão. Entretanto, a CIJ entendeu que o Peru não estava obrigado
a respeitar o costume do asilo diplomático por ser um objetor persistente. A concessão de asilo precisa de existência
preliminar de norma de direito internacional que autorize aquele uso. Quanto ao salvo conduto, a Corte disse que
a sua concessão é obrigatória desde que o crime que respalde a persecução empreendida contra o asilado em face do
Estado territorial seja um crime politico. Se for um crime comum, a concessão do salvo conduto não é obrigatória. Os
dois Estados devem fazer a classificação, não é unilateral. A Corte manteve abertas as vias do impasse. Basta que o
Estado territorial diga que ó crime é comum que ele vai se desobrigar de conceder o salvo conduto. Depois disso,
foram celebradas duas convenções que trouxeram avanços para a matéria. São as duas convenções sobre asilo
diplomático e asilo territorial . Art. 4º da Convenção de Caracas sobre asilo diplomático diz que compete ao
Estado asilante a classificação da natureza do delito ou dos motivos da perseguição. E o art. 12 prevê
a obrigatoriedade da concessão de salvo conduto. Atenção: Não existe um costume universal de concessão
de asilo diplomático.

REFÚGIO: Diferentemente do asilo, o refugio não é guiado por razões políticas. É instituto humanitário. Não existe
um regime internacional universal sobre asilo. O refúgio, por outro lado, é universal e está disciplinado em instrumento
de alcance universal, que é a Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Esta convenção,
da qual o Brasil é parte, infundiu o conteúdo da Lei 9474, que é a lei brasileira do refúgio. Refugiado no Brasil:
somente o estrangeiro. Não podem ser refugiados os residentes no Brasil e pessoas que tenham direitos e
obrigações relacionados com a condição de brasileiro. Segundo Marcelo Müller, a lei brasileira de refúgio adota em
seus arts. 1º e 3º um sistema de atribuição de um direito publico subjetivo de refúgio ao estrangeiro, estabelecendo
também clausulas de exclusão desse direito. Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a
fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas
encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; -
Basta que exista uma expectativa de ser perseguido. Não existe refúgio diplomático; o refugiado TEM QUE entrar
no território nacional; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual,
não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; - A índole da lei é
proteger contra um algoz, não é proteger contra um infortúnio, como calamidades naturais; III -devido a grave e
generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em
outro país. Esse dispositivo vai além do previsto no Estatuto dos Refugiados. O refugiado não precisa ter sido
perseguido ou ter fundado temor de o ser. Basta que ele seja alvo de um quadro sistemático de violação grave de
direitos humanos O art. 3º traz as hipóteses de exclusão. Duas são mais relevantes.1) Para quem tenham praticado
atos contrários aos princípios e propósitos da Nações Unidas. Exclui a concessão de refugio para Chefes de
Estado e dirigente militares que tenham, por exemplo, determinado um ataque a determinado pais. Não impede o
asilo; 2) Para quem tenha praticado crime contra a humanidade, crime contra a paz, crime de tráfico, etc.

Princípio da proibição do rechaço ou Princípio do non-refoulement: consagrado pelo direito internacional


dos refugiados e pela legislação brasileira. Significa que o estrangeiro não pode ser devolvido, em caso de
impedimento ou entrada ou qualquer saída compulsória, para onde a sua vida ou sua integridade física esteja em
risco. Não um risco genérico. O simples requerimento de refugio pelo estrangeiro já suspende qualquer processo
relativo a utilização de documento falso para a sua entrada no pais. O pedido de refúgio suspenderá, até decisão
definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseados nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio”. Lei 9.474/97, arts. 33 a 35. Entretanto, a Convenção relativa ao Estatuto
dos Refugiados admite (art. 33, § 2º) que o potencial refugiado pode ser rechaçado pelo Estado de refúgio
quando “por motivos sérios seja considerado um perigo à segurança do país no qual ele se encontre ou que, tendo
sido condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do
referido país. Non-refoulement indireto. O respeito pelo princípio de non-refoulement também requer que o refugiado
ou o requerente de asilo não seja reenviado para um país a partir do qual possa ser enviado para o local onde a sua vida
ou liberdade esteja em perigo.
Papel dos órgãos internos: 1) Polícia Federal: papel mais contido. Após preenchido o formulário solicitando o

32
refúgio, imediatamente a Polícia Federal encaminha o solicitante para uma rede social de proteção. 2) Comitê
Internacional para os Refugiados (CONARE): é o órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, que reúne
segmentos representativos da área governamental, da Sociedade Civil e das Nações Unidas, e que tem por finalidade:
analisar o pedido de refúgio, declarar o reconhecimento da condição de refugiado ou determinar, em primeira instância,
sua perda. ATENÇÃO: Se o CONARE denega o refúgio, cabe recurso administrativo para o Ministro da Justiça. Foi
o que aconteceu no caso Cesare Batistti. Em 2009, o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, concede status de
refugiado político a Battisti, baseado no 'fundado temor de perseguição por opinião política', contrariando decisão
do Conare. 3) Poder Judiciário : No pedido de extradição do Padre Medina (EXT 1008), o STF disse que a concessão
do refúgio era um ato que revelava a discricionariedade politica do Executivo e que, portanto, se mostrava insuscetível
de revisão judicial. Por maioria dos votos, a Corte entendeu ser aplicável o artigo 33 da Lei 9.474/97 que determina
que o reconhecimento da condição de refugiado impede o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos
fatos que fundamentaram a concessão de refúgio. Posteriormente, no caso Battisti 1, o STF muda de posição. De acordo
com o caso Battisti: a) a concessão do refúgio pode ser analisada pelo Judiciário, como qualquer ato administrativo;
ATENÇÃO: Forte corrente no Brasil, inclusive adotada por membros do MPF 2, fala que o Judiciário, ao assim fazer,
estaria indevidamente ingressando nas relações internacionais; b) O Supremo apenas autoriza a extradição e o
Presidente, com base em tratados, a determina. Assim, o Presidente pode não determinar a extradição, com base em
uma cláusula de exclusão do tratado. Por exemplo, no Tratado Brasil-Itália constava que, por motivo de perseguição,
o Estado solicitado poderia não extraditar.
A proteção ao brasileiro no exterior: Tema muito novo. Dois pontos para a reflexão, propostos pelo Prof. André
de Carvalho Ramos: 1) A rede consular brasileira seria o palco ideal para a proteção dos interesses dos brasileiros
no exterior 3; 2) A Constituição prevê o direito a assistência jurídica integral. Em face disso, não seria desarrazoado
pensar que a Defensoria Pública da União também pode obter recursos para defender os brasileiros que estejam
respondendo a processo no exterior.

1 CASO CESARI BATTISTI (Extradição nº 1085) - RESUMO DO PARECER DO PGR NA RECLAMAÇÂO n. 11.243: 2007- Battisti foi preso
no Rio de Janeiro, tendo a Itália formalizado pedido de extradição executória do seu nacional, com fundamento no Tratado de Extradição
firmado com o Brasil e promulgado pelo Decreto n° 863/1993.O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o pedido, anulou decisão do Ministro
da Justiça que concedera ao extraditando a condição de refugiado político e, em seguida, deferiu a sua extradição. RECONHECEU QUE A
DECISÃO DE DEFERIMENTO DA EXTRADIÇÃO NÃO VINCULA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA.DEZ 2010- Lula nega o pedido de
extradição, com base em parecer da AGU. Contra este ato do Presidente da República foi ajuizada reclamação ao argumento de que a
negativa da extradição afrontou a decisão do Supremo Tribunal Federal que a deferiu. PGR OPINA PELO NÂO CONHECIMENTO DA
RECLAMAÇÂO. NO MÉRITO, O PGR OPINOU PELA IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO. Quanto ao primeiro ponto, entendeu que não
parece ser possível ao Supremo Tribunal Federal decidir se o Presidente da República descumpriu o Tratado específico firmado entre o
Brasil e a Itália ou se praticou algum ilícito internacional ao não extraditar Cesare Battisti. A pretensão da Itália, segundo o PGR: 1) ignora
a densidade do atributo da soberania nacional na decisão extradicional; 2) ignora aspectos mais elementares do próprio formato do
processamento da solicitação; 3) cria o risco de ampliação indevida do poder judiciário no processo de extradição; 4) cria o risco de exacerbar
a capacidade de Estado estrangeiro para estar em juízo no Brasil.
2
A decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de negar a extradição do ativista italiano Cesare Battisti está correta do ponto de vista
formal. A opinião é do especialista em Direito Internacional e subprocurador-geral da República Eugênio Aragão. Para ele, a Constituição
determina que a última palavra seja do presidente da República e que, quanto a isso, não há contestação.- Essa [extraditar ou não] é uma
avaliação estritamente política. E quem faz política externa no país é o Executivo. A responsabilidade internacional do estado brasileiro é
tratada, inclusive pelo Supremo, como uma questão política e não jurídica.Para Aragão, é um erro tentar desautorizar o poder do Executivo
por meio de recursos no STF (Supremo Tribunal Federal). http://noticias.r7.com/brasil/noticias/subprocurador-geral-diz-que-brasil-acertou-
ao-negar-extradicao-de-battisti-20110107.html, acesso em 29/12/2011.
3 É fundamental contar com um bom atendimento nas representações diplomáticas, por exemplo, quando documentos forem roubados,

algum tipo de credenciamento se fizer necessário, ou apenas para obter alguma informação. Eis alguns dos documentos que podem ser
solicitados nos consulados: passaporte, certidão de nascimento, casamento ou óbito, procuração, legalização de documentos estrangeiros
e até cadastramento eleitoral. Além disso, os brasileiros têm direito à proteção diplomática quando se encontram no exterior. O programa
Assistência a Cidadãos Brasileiros no Exterior objetiva prestar assistência aos brasileiros que estejam fora do país. Extraído de:
http://www.abrasil.gov.br/nivel3/index.asp?id=261&cod=VCIDA, acesso em 28/12/2011.

33
7.c. Responsabilidade internacional do Estado. Obrigações primárias e obrigações
secundárias. Atribuição de atos a Estados. Reparação: restituição, indenização e satisfação. Obrigação
de interrupção de ato ilícito continuado. Obrigação de não-repetição de ato ilícito. Obrigação de
perseguir ilícitos penais internacionais.

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO. Instituto que visa a responsabilizar determinado


Estado pela prática de um ato atentatório ao Direito Internacional (ilícito) perpetrado contra outro Estado, prevendo certa
reparação a este último pelos prejuízos e gravames que injustamente sofreu. A jurisprudência internacional considerou
a responsabilidade internacional do Estado como sendo um princípio geral do Direito Internacional. A Corte
Permanente de Justiça Internacional consagrou esse princípio na análise dos fatos envolvendo a Fábrica de Chorzów 4.
Para Rezek (2008, pg 269) O Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve
ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada. O conceito se aplica igualmente às organizações
internacionais. De acordo com Hans Kelsen (2010, pg 164) a responsabilidade do Estado estabelecida pelo Direito
Internacional geral não é responsabilidade civil nem penal. Não há distinção entre Direito Civil e Penal no DIP. A
responsabilidade internacional de um Estado por não pagamento ou dívidas baseadas em Direito Internacional não
é diferente de sua responsabilidade pela violação de qualquer outra obrigação internacional. Ainda que um delito
internacional – por exemplo, a recorrência a uma guerra ilícita – è às vezes chamado de “crime”, a responsabilidade
coletiva do Estado por tal delito não é responsabilidade penal, pois represálias e guerra não têm caráter específico de
pena. As características essenciais da responsabilidade dependem de alguns fatores básicos: primeiro, a existência de
uma obrigação jurídica internacional em vigor entre dois Estados determinados; segundo, que tenha ocorrido um ato
ou omissão que viole essa obrigação e seja imputado ao Estado responsável; e, por fim, que tenha resultado perda ou
dano desse ato ou omissão ilegal. (SHAW, 2010, pg. 574). OBRIGAÇÕES PRIMÁRIAS. As normas primárias contêm
obrigações de Direito Internacional cujo descumprimento enseja a responsabilidade internacional do Estado.
OBRIGAÇÕES SECUNDÁRIAS. São regras abstratas que têm por objeto determinar se houve violação de norma
primária e quais suas conseqüências. As normas primárias representam as regras de conduta, que se violadas, fazem
nascer as obrigações secundárias. O sentido final da obrigação secundária é o de substituir a obrigação primária, o
que pode ser feito com o retorno ao status quo ante, com a reparação de todos os danos causados e ainda com a
aplicação de pena de desestímulo ao Estado infrator (RAMOS, 2004, pg. 74-75). Para Kelsen (2010, pg. 49) a obrigação
de reparação pode ser chamada obrigação substituta, ou seja, uma obrigação que tem origem quando o Estado não
cumpriu sua obrigação principal. A obrigação de reparar o dano substituiu a obrigação de restabelecer a situação
anterior.ATRIBUIÇÃO DE ATOS A ESTADOS. Para que se configure a responsabilidade internacional, são necessários
três elementos: 1) ato ilícito: conduta comissiva ou omissiva que viola norma de DI. O mero dano a um interesse não
é suficiente para caracterizar a responsabilidade internacional, como entendeu a CIJ no caso Barcelona Traction, Bélgica
x Espanha, Haia, 05/07/1970 5; 2) Imputabilidade: vínculo entre a violação da norma internacional e seu responsável,
podendo ser direta ou indireta (pessoa natural ou pessoa jurídica vinculada ao Estado); 3) Dano: prejuízo decorrente
do ato ilícito, pode ser material ou moral.
A imposição de responsabilidade objetiva sobre o Estado toda vez que um funcionário seu envolver-se
num ato ilegal estimula o Estado a exercer maior controle sobre seus vários departamentos e representantes (SHAW,
2010, pg. 577). A rtigo 4º do projeto de convenção sobre a responsabilidade internacional do Estado da Comissão
de Direito Internacional admite-se a responsabilidade internacional do Estado por atos administrativos, legislativos
e mesmo judiciais. Ato do poder executivo: há consenso entre a doutrina em responsabilizar o Estado por estes
atos. Ato ultra vires: deve ser atribuído ao Estado pela sua própria conduta em escolher determinado agente, que
ultrapassou as competências oficiais do órgão. A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou ser um
princípio do Direito Internacional a responsabilização do Estado pelos atos ultra vires de seus agentes. Ato de
particular: é observada tanto no caso de conduta de agentes estatais agindo a título privado (ou seja, como particulares)
quanto no caso de conduta de agentes estatais no momento do ato de particulares. A responsabilidade internacional
do Estado não poderia ser firmada quando a conduta não fosse relacionada de alguma maneira com a função oficial
exercida. Mas em determinadas hipóteses o ato de um mero particular pode acarretar a responsabilidade
internacional do Estado. A omissão desses mesmos agentes, em face de atos de particulares, pode acarretar
a responsabilização internacional do Estado. Ato do Poder Legislativo: para a CPJI, as leis nacionais, para ao Direito
Internacional, são simples fatos, manifestações da vontade e da atividade dos Estados, como atos administrativos e

4
132 Casos da Fábrica de Chorzów, CPJI, 1928. A Alemanha ocupava a região. Com o fim da 1ª Guerra Mundial a região ficou sob
soberania polonesa. Vários alemães seguiram vendendo e investindo na região que era industrial. A Polônia editou uma lei que dizia que o
Estado polonês expropriaria ativos alemães na região por simples alteração de registro (sem indenização). A Alemanha concedeu proteção
diplomática aos nacionais e propôs ação contra a Polônia na Corte Permanente de Justiça Internacional. DECISÃO: pela primeira vez a
corte entendeu que para o Direito Internacional o direito interno é mero fato (refutando a alegação da Polônia de que havia lei). Também
que os alemães proprietários tinham direito adquirido quando a região passou à soberania polonesa, oponíveis mesmo em caso de sucessão
de Estados. Também que a desapropriação deve ter utilidade pública, não pode caracterizar medida discriminatória em relação aos não-
nacionais e deve ser seguida de indenização.
5 Caso Barcelona Traction, Bélgica X Espanha: A empresa Barcelona Traction foi constituída para prestar serviços de iluminação na

Espanha, com sede e administração no Canadá. O controle acionário estava com belgas. A Espanha criou dificuldades de operações para
empresa no que tange à transferência de dinheiro. A empresa ficou insolvente e foi liquidada pelo judiciário. Foi a empresa expropriada para
que os serviços fossem prestados pelo executivo espanhol. A Bélgica entrou com ação com base na Proteção Diplomática. DECISÃO DA
CIJ: não tinha a Bélgica legitimidade ativa para propor a ação porque a nacionalidade da empresa era canadense. Também decidiu que se
o Canadá fosse um país incapacitado para prestar proteção diplomática seria possível a legitimidade da Bélgica. Ou seja, a CIJ aceita que
a proteção diplomática às empresas pode ser prestada por Estado que não seja da nacionalidade (excepcionalidade). E seria possível que
um Estado prestasse proteção diplomática ainda que não da nacionalidade da empresa desde que houvesse um acordo de proteção de
investimentos: dois Estados se comprometem a proteger investimentos feitos por nacionais do outro.

34
decisões judiciais (RAMOS, 2004, pg. 168). É importante lembrar do Caso Lund6 (Guerrilha do Araguaia). Ato do
Poder Judiciário: no caso de denegação de justiça que engloba tanto a inexistência do remédio judicial quanto as
deficiências do mesmo. Ato privativo do Ministério Público: quando há falta de investigação, persecução criminal,
condenação e detenção dos responsáveis por violações de DH. Ato de ente federado: a Federação responde pela
conduta de seus entes internos, sendo rechaçada a imposição de cláusula federal.
REPARAÇÃO. Toda e qualquer conduta do Estado infrator para eliminar as conseqüências do fato
internacionalmente ilícito, o que compreende vários atos, inclusive as garantias de não-repetição. O princípio
fundamental referente à reparação foi exposto no caso da Fábrica de Chorzów, quando o Tribunal Permanente de
Justiça Internacional ressaltou que “o princípio essencial contido na real noção de ato ilícito é que a reparação deve,
tanto quanto possível, anular todas as conseqüências do ato ilícito e restabelecer a situação que, com toda
probabilidade, existiria se esse ato não tivesse sido cometido” (SHAW, 2010, pg. 589). a) RESTITUIÇÃO (restitutio
in integrum): a melhor forma de reparação. A vítima tem direito de exigir do autor do fato internacionalmente ilícito o
retorno ao status quo ante. No caso da Fábrica de Chorzów, a CPJI, considerou ser a restituição na íntegra a
melhor forma de reparação. b) INDENIZAÇÃO: na impossibilidade do retorno ao status quo ante deve o
Estado indenizar pecuniariamente o ofendido pelos danos causados. (Casos da CtIDH em que se aplicou essa
reparação: Suaréz Rosero 7, Velasquez Rodrigues 8). c) SATISFAÇÃO: conjunto de medidas de declaração da infração
cometida e de garantias de não-repetição. Caso do Estreito de Corfu julgado pela CIJ em 1949 9, reparação
por danos sofridos a serviço da ONU. d) Obrigação de interrupção de ato ilícito continuado: o Estado violador de
obrigação internacional deve interromper imediatamente sua conduta ilícita, sem prejuízo de outras formas de
reparação. Caso Loayza Tamayo 10 julgado pela CtIDH, que determinou a libertação da Sra. Loyaza. e) Obrigação
de não-repetição de ato ilícito: obtenção de salvaguardas contra a reiteração da conduta violadora de obrigação
internacional. Só aplicável nos casos em que há possibilidade de repetição da conduta. Caso Velásquez
Rodrigues, julgado pela CIDH, cabe aos Estados prevenir a ocorrência de novas violações. f) Obrigação de
perseguir ilícitos penais internacionais: evitar a impunidade e prevenir a ocorrência de novas violações. Caso
Villagrán Morales y Otros (5 meninos de rua assassinados por policiais na cidade da Guatemala em 1990), a CtIDH
estabeleceu a obrigação de investigar e sancionar as violações. O princípio aut dedere aut judicare (extraditar ou
julgar) remonta Grocius e tem como objetivo assegurar punição aos infratores de normas internacionais, onde quer
que eles estejam.
Palavras-chave: igualdade entre os Estados – responsabilidade internacional do Estado -regras
costumeiras.

6 Com base no direito internacional e em sua jurisprudência constante, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia
que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem
de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a
identificação e a punição dos responsáveis.
7
Caso Soarez Rosero X Equador: Rafael S. Rosero foi preso cautelarmente por um mês, incomunicável, em razão de suposta violação
da lei de drogas, sem expedição de ordem judicial. Ficou preso cautelarmente por 4 anos quando a pena máxima para o delito era de 2
anos. O Equador foi condenado, dentre várias medidas, a adotar leis que efetivassem os direitos de liberdade previstos no Pacto de San
Jose. O Equador revogou o artigo que permitia prisão cautelar por prazo acima do razoável quando se tratasse de crime da lei de
entorpecentes.
8
Caso Velásquez Rodrigues X Honduras: Estudante violentamente detido pelas Forças Armadas de Honduras, sofreu tortura e foi
acusado de crimes políticos, sem mandado judicial. Honduras foi condenada por violação à liberdade pessoal, integridade física, ofensa à
vida e teve de indenizar a família da vítima.
9
Caso do Estreito de Corfu, CIJ, 1948. Dois destroyers britânicos colidiram com minas em águas albanesas e sofreram danos, incluindo-
se perdas de vida. O Reino Unido interpelou o Conselho de Segurança das Nações Unidas que, por uma resolução de 19 de abril de 1.947,
aconselhou os dois governos a submeter a disputa ao Tribunal. Por esta razão, o Reino Unido encaminhou uma Petição que depois de uma
objeção à sua admissibilidade, levantada pela Albânia, esta petição foi assunto de julgamento, datado de 25 de março de 1.948, no qual o
Tribunal declarou que ele tinha jurisdição.
10 Caso Loayza Tamayo X Peru: Em 06 de fevereiro de 1993 a Sra. Maria Elena Loayza Tamayo foi presa por membros da Comissão

Nacional contra o Terrorismo da Polícia Nacional do Peru. O Estado peruano, sem observar o procedimento de verificação mencionada Lei
e seus regulamentos, prendeu a Sra. Loayza Tamayo sem um mandado emitido pela autoridade competente, como colaboradora de suposto
grupo subversivo.

35
08.a. Solução pacífica de controvérsias: conceito, natureza e origem. Paradigma da Carta da
ONU na solução pacífica de controvérsias: funções do Conselho de Segurança, da Assembleia-Geral,
da Corte Internacional de Justiça. Arbitragem internacional e gestão diplomática.

De acordo com Rezek (citando a decisão da Corte Permanente de Justiça Internacional no caso Lotus, de 1927),
conflito internacional é todo desacordo sobre certo ponto de Direito ou de fato, toda contradição ou posição de teses jurídicas
ou de interesses entre dois Estados.

Atualmente, além dos Estados, podem tomar parte em conflitos internacionais conjunto deles ou organizações
internacionais.

A guerra, hoje caracterizada como ilícito internacional, era até o começo do século XX uma opção legítima para
resolução de pendências entre Estados. Atualmente, os conflitos internacionais são resolvidos por meios pacíficos, divididos
entre meios não jurisdicionais (diplomáticos, políticos) e jurisdicionais – sem hierarquia entre eles.

Na Carta da ONU, lê-se que se insere nos propósitos das Nações Unidas “Manter a paz e a segurança
internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de
agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos (...)”. Insere- se como princípio da ONU que “Todos
os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a
paz, a segurança e a justiça internacionais.”

Conforme a Carta da ONU, a Assembleia Geral – AG poderá recomendar medidas para a solução pacífica de
qualquer situação, fazendo recomendações aos Estados interessados ou ao Conselho de Segurança – CS, ou a ambos,
podendo solicitar atenção desse último.

Percebe-se, contudo, que a ampla pertinência temática da AG não é ilimitada: a Assembleia não fará nenhuma
recomendação quando o CS estiver cuidando dessa controvérsia ou situação, a menos que solicitada por ele.

Ainda segundo a Carta da ONU, as controvérsias de caráter jurídico devem, regra geral, ser submetidas pelas
partes à Corte Internacional de Justiça - CIJ.

No que diz respeito ao Conselho de Segurança, sabendo que cabe a este assegurar a paz, se admite que ele adote
qualquer medida para garantir a mantença da paz. Isto é, desde chamar os litigantes para negociar, medidas intermediárias:
adoção de medidas para busca da paz que não envolvam violência (sanções econômicas, embargos aéreos) e, por fim,
utilizar a força para preservar a paz.

No que diz respeito aos meios pacíficos de solução de controvérsias, estes dividem-se nas seguintes
modalidades:

a) Meios Não Jurisdicionais:


a.1) meios políticos: todo mecanismo de solução de divergências que não se baseia exclusivamente no Direito
Internacional, mas sim na discricionariedade política entre os Estados (o exemplo clássico é a negociação
diplomática e o recurso a organizações globais ou regionais, como a ONU ou OEA).
A negociação (também
chamada de gestão diplomática) compreende as iniciativas dos próprios Estados envolvidos, para equacionarem
o máximo possível suas controvérsias, sem a participação de outros ator.


a.2) bons ofícios: trata-se da solução da controvérsia mediante intervenção de um terceiro que reabre a
comunicação entre as partes litigantes. Assim, os Bons Ofícios sequer seriam uma forma de solução pacífica de
controvérsias, haja vista que não solucionam nada, tão somente possibilitam o diálogo.

a.3) sistema de consultas: entendimento direto programado, onde as partes consultam-se


mutuamente sobre seus desacordos de forma combinada.


a.4) mediação: consiste na intervenção de terceiros ao litígios e este terceiro (mediador) busca apenas mostrar às
partes os pontos nos quais elas tem convergência e tentar eliminar as divergências; é sempre um acordo entre as
partes litigantes que irá solucionar a controvérsia.

a.5) investigação/ inquérito: tem o objetivo de apurar os fatos e o direito relativo a um conflito


a.6) conciliação: é uma variante da mediação, caracterizada por maior aparato formal e exercido por uma comissão
de conciliadores (difere da mediação, que tem apenas um mediador).
Ademais, diferente da mediação, este é um
meio de solucionar as controvérsias pelo qual um terceiro apresenta uma solução e a conciliação será um acordo
entre as partes litigantes.

c) Meios jurisdicionais: determinam uma solução jurídica, obrigatória, do litígio.


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c.1) arbitragem: é a primeira espécie de mecanismo jurídico que nasce na história do Direito Internacional. Na
arbitragem, as partes escolhem o árbitro, descrevem a matéria e delimitam o direito aplicável. Sua decisão é
irrecorrível, podendo haver “pedido de interpretação” ou alegação de nulidade. A sentença, apesar de obrigatória,
não é executável, devendo ser cumprida de boa- fé. A principal vantagem do uso da Arbitragem é a sua flexibilidade,
além disso, ela tem custos baixos, é criada para resolver um litígio isolado e assim não exige uma estrutura
permanente e sua celeridade. A arbitragem possui duas espécies. A primeira espécie é a Arbitragem Internacional
Ad Hoc (jurisdição ad hoc): é a arbitragem para um único caso. A segunda espécie é a Arbitragem Internacional
Institucional: é a que se consolida no final do século XIX, começo do século XX, na Conferência de Haia de 1899
há discussões de como resolver pacificamente as controvérsias. Porém, é no começo do século XX, na segunda
Conferência de Haia que nasce a Corte Permanente de Arbitragem. A Corte Permanente de Arbitragem é tão
somente uma Corte Institucional que consiste em regras de arbitragem e com listas pré-estabelecidas de árbitros.
O Brasil é parte da Corte Permanente de Arbitragem, mas nunca tivemos um caso julgado. A vantagem da
Arbitragem, como já visto, é que ela é barata e rápida. Sua desvantagem é que ela não cria uma coerência de
julgados internacionais, não permite uma continuidade de precedentes, tudo depende dos árbitros. Assim, quando
existem litígios em série, é muito melhor para os Estados investirem e aceitarem e Tribunais Internacionais, haja
vista que estes garantem coerência, segurança jurídica e interpretações contínuas do Direito Internacional.

c.2) solução judicial: decorre da criação, por um grupo de Estados, diretamente ou por meio de uma organização
internacional, de um tribunal internacional com competência para solucionar controvérsias de forma definitiva e
obrigatória. Não há hierarquia entre as diversas cortes internacionais. É soberana a decisão dos Estados de
submeterem suas controvérsias à jurisdição de cortes internacionais. Dentro da Solução Judicial, vale mencionar o
papel da Corte Internacional de Justiça – CIJ.

A solução pacífica de controvérsias é o cerne de atuação da Corte Internacional de Justiça. A Corte possui uma
relação íntima com o Conselho de Segurança: os juízes da CIJ são aprovados pelo Conselho de Segurança e pela
Assembleia Geral.

Ademais, lembramos que a CIJ tem uma jurisdição contenciosa limitada aos Estados (Estado-Autor e Estado-Réu),
mas também tem uma jurisdição consultiva ao dispor do Conselho de Segurança e Assembleia Geral, com pertinência ampla,
e as Agências e Órgãos especializados da ONU, desde que suas perguntas digam respeito aos seus temas de atuação
(pertinência temática).

Por último, vale destacar que a sentença da Corte Internacional de Justiça, se não for cumprida, será encaminhada
ao Conselho de Segurança. A CIJ busca o apoio do Conselho de Segurança porque não cumprir uma de suas decisões é
vista como uma ameaça à paz (em geral os Estados cumprem as decisões da Corte Internacional de Justiça – Brasil já foi
condenado e já cumpriu a sentença em favor da França).

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8.b. Crimes contra a humanidade ou de lesa humanidade: definição, natureza consuetudinária,
imprescritibilidade. Elementos dos crimes contra a humanidade: ataque à população civil, extensão,
sistematicidade, elemento político.

Definição de Crimes Contra a Humanidade: consiste no conjunto de atos odiosos cometido num contexto de
ataque sistemático à população civil visando atingir determinada política de Estado ou de uma organização privada (ex.:
milícia). Busca-se, então, punir aqueles que, em regimes ditatoriais ou totalitários, usam a máquina do Estado ou de uma
organização privada para promover violações graves de direitos humanos em uma situação de banalização de ataques a
população civil.

No que diz respeito à Natureza Consuetudinária, destacamos a Cláusula Martens, uma cláusula de abertura que
prevê que todas as condutas militares, mesmo que não expressamente proibidas, mas que ofendam princípios de
humanidade são consideradas proibidas. Hoje, esta cláusula é tida como Norma Costumeira do Direito Internacional
Humanitário..

Entretanto, mais que esta cláusula, os crimes contra a humanidade tem um intimidade com o Estatuto do Tribunal
Internacional de Nuremberg. Neste Estatuto (também chamado de Acordo de Londres) temos a definição de crime contra a
humanidade conexo com crime de guerra.

Ocorre que o conceito de crimes contra a humanidade evolui e acaba perdendo a conexão com os crimes de guerra
– o fato de não estarem conexos aos crimes de guerra não descaracteriza o crime contra a humanidade – consagra-se o
crime contra a humanidade como um instituto autônomo (abandono do requisito do War Nexus).

Hoje em dia, temos a estrutura dos Crimes Contra a Humanidade definidos a partir de Costumes Internacionais –
atualmente a natureza dos Crimes contra a Humanidade é uma natureza consuetudinária. Esta natureza tem por espelho a
Resolução 95 de 1946 da Assembleia Geral.

Assim, não é porque os crimes tem previsão em Estatutos de Tribunais Internacionais (Ruanda, Ex-Iugoslávia, de
Tribunal Internacional de Roma) que eles surgem – os crimes contra a humanidade existem de modo autônomo, eles têm
natureza consuetudinária. Só assim fica explicado porque não ofende a irretroatividade da lei penal mais gravosa o Estatuto
do Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia. No CASO TADIC o Tribunal Internacional para a Ex-Iugoslávia deixa bem claro que
o julgamento não ofende ao princípio da irretroatividade penal pelo fato daqueles crimes cometidos por Tadic já possuírem
base costumeira.

Quanto à Imprescritibilidade dos crimes contra humanidade, esta foi reconhecida pela Convenção sobre a
Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, celebrada em 1968. Entretanto, esta
convenção não foi ratificada pelo Brasil.

Todavia, além desta Convenção existe, também, o artigo 29 do Estatuto de Roma que confirma a imprescritibilidade
dos crimes contra Humanidade. Havendo ainda consenso na doutrina e jurisprudência internacional de que tais delitos, bem
como a ideia de imprescritibilidade, compõe norma de jus cogens. Fato que já foi confirmado pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, inclusive no voto do Juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas, no caso Gomes Lund (Guerrilha do
Araguaia).

No que diz respeito aos Elementos dos Crimes contra a Humanidade, estes são os seguintes: Ataque à
População Civil, Extensão, Sistematicidade, Elemento Político.

No que tange ao “Ataque à População Civil” vide o art. 7o , § 2º, do Estatuto de Roma. Referente à “Extensão”,
trata-se do entendimento de que para um crime ser levado à categoria de crime contra a humanidade exige-se uma
dimensão, ou seja, exige-se que o crime tenha consequências volumosas. O ataque deve ser extenso e sistemático, é
necessário que haja certo grau de maquinação por trás dos crimes, planejamento e coordenação anterior. Existem, todavia,
crimes contra a humanidade que não são planejados, são cometidos apenas por se aproveitar da euforia da turba.

Quanto ao “Elemento Político”, que pode ser referente a Estado ou Organização Internacional, mas também por
alguma entidade diferenciada (Exércitos Privados, Mercenários, Organizações Criminosas), exige-se que o crime contra a
humanidade seja cometido com objetivos de se obter assegurar ou remover o Poder Político.

38
8.c. Processo de formação e incorporação dos tratados internacionais no Brasil. Hierarquia.
Acordo Executivo.


No Brasil, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados internacionais (art. 84, VIII, CRFB),
todavia tal competência pode ser delegada para qualquer pessoa, desde que por meio de uma “Carta de Plenos Poderes” –
o titular desta carta será chamado de “Representante Plenipotenciário”.

A formação e incorporação dos tratados passa por quatro fases:

Fase de Assinatura / Fase Executiva: a primeira fase do processo de formação e incorporação dos tratados ocorre
no plano internacional, são as negociações preliminares e a assinatura. Durante as negociações, há uma fase intermediária
de votação entre os negociantes, para aprovação do texto, o que se dá pela maioria de 2/3 dos membros (art. 9o (2) da
Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados - CVDT). A assinatura, em virtude do princípio da boa fé (princípio geral
de direito internacional) implica em que os signatários não podem atuar de modo a comprometer o objeto do tratado, ainda
que não vincule à ratificação.

Fase Congressual / Fase do Decreto Legislativo: a segunda fase é interna, consiste no referendo congressual
(art. 49, I, CRFB), de competência exclusiva do congresso nacional (a votação é separada, ocorre primeiro na Câmara e
depois no Senado), o que se faz por meio de decreto legislativo, o qual é aprovado por 3/5 em dois turnos, se seguir o rito
do art. 5o, §3o, nos tratados de direitos humanos, ou por maioria simples nos demais tipos de tratados. O referendo
congressual autoriza o Presidente da República a ratificar o tratado no plano internacional.

Fase de Ratificação: a terceira fase é a ratificação, ocorre no plano internacional, sendo o ato administrativo
discricionário, pelo qual o Presidente da República confirma a assinatura anteriormente aposta, declarando a vontade do
Estado em definitivamente fazer parte do tratado. Esta é a fase do consentimento, que dá eficácia ao tratado no plano
internacional.

Fase de Promulgação / Fase do Decreto de Promulgação: a quarta fase consiste na promulgação e publicação
do Tratado no Diário Oficial, por meio de Decreto do Presidente da República, ato que dá eficácia interna ao tratado.

Pelo exposto, a doutrina majoritária entende que o Brasil adota o sistema da Recepção Legislativa (Dualismo). A
exceção fica por conta de Flavia Piovesan (2011, p. 146) e Cançado Trindade que entendem que para os tratados de direitos
humanos adota-se o sistema da recepção automática, uma vez que estes tratados seriam auto executórios (self executing),
ou seja, que se incorporam ao direito brasileiro tão logo ratificados. Para a citada autora, o Brasil adota a concepção dualista
para a vigência interna dos tratados em geral, para os trados de direitos humanos a concepção monista, que prescinde da
promulgação, em virtude da eficácia imediata que o art. 5o, §1o e 2o, lhes outorga.

Lembramos que este entendimento é minoritário, a doutrina majoritária entende que o Brasil é dualista tendo em
vista que existem dois momentos quanto à incorporação da norma internacional – num primeiro momento (fase de ratificação)
o tratado começa a ter validade internacional, mas apenas num segundo momento (fase de promulgação) o tratado começa
a ter validade nacional. Como o Tratado passa a valer internacionalmente com a ratificação (3ª fase) e só passa a valer
nacionalmente com a fase de decreto de promulgação (4ª fase), contata-se que são dois mundos, então o Brasil adota o
Dualismo.

No que diz respeito à hierarquia é necessário analisar três momentos do Ordenamento Jurídico Pátrio.

De 1988 até 2004: era uma matéria muito polêmica, tínhamos três posições: i) Posição Majoritária (Posição do
STF): tratados de Direitos Humanos são equivalentes à Lei Ordinária Federal. ii) Posição da Doutrina Minoritária: tratados
de Direitos Humanos tinham natureza constitucional (equivalente à emenda constitucional) por conta do art. 5, §2o, da CRFB.
Era o entendimento de Flávia Piovesan e Cançado Trindade. iii) Posição “Unitária” do Ministro Sepúlveda Pertence: O
Ministro entendeu que os Tratados de Direitos Humanos teriam natureza supralegal. Esta posição foi expressa num voto do
Min. no Recurso em HC 79785/RJ – Caso de Georgina, fraude do INSS. Por tudo isto, o STF entendia que eles tinham
equivalência à Lei Ordinária.

De 2004 até 2008: em 2004 tivemos a EC 45 que incluiu o art. 5, §3o, na CRFB. A primeira reação da Doutrina foi
dizer que agora tínhamos dois estatutos: tratados de direitos humanos com força de lei ordinária e tratados de direitos
humanos com força de emenda constitucional. Como os grandes tratados de Direitos Humanos já tinham sido aprovados no
Congresso Nacional, a existência dessa disparidade era prejudicial aos interesses dos movimentos de Direitos Humanos.
José Afonso da Silva diz que, sendo Lei Ordinária, lex posteriori “revogat” priori: qualquer lei posterior vai suspender a eficácia
de tratado posterior. Era preciso encontrar uma compatibilidade entre o texto da Emenda 45 e a visão doutrinária de que
todos os Tratados já tinham natureza constitucional. Flávia Piovesan sugeriu o seguinte: os Tratados de Direitos Humanos
tem uma natureza dupla, todos seriam constitucionais, quer anteriores, quer posteriores à EC 45/2004. Todavia alguns
seriam materialmente constitucionais, os aprovados no Rito Simples, e outros seriam (além de materialmente constitucionais)
formalmente constitucionais, os aprovados pelo Rito Especial. Qual a diferença entre ser materialmente e formalmente
constitucionais? Apenas os formalmente constitucionais não podem ser denunciados.

De 2008 até o presente: Teoria do Duplo Estatuto. Entendimento proferido no Recurso Extraordinário 466.343/SP
com relatoria do Min. Peluso, mas com voto de destaque do Min. Gilmar Mendes. A Teoria do Duplo Estatuto prevê hierarquia

39
supralegal para os Tratados de Direitos Humanos aprovados pelo Rito Simples (quer tenham sido aprovados antes ou depois
da EC 45/2004) e hierarquia de Emenda Constitucional para os Tratados de Direitos Humanos aprovados pelo Rito Especial.

Por fim, os demais tratados internalizados no Brasil, têm equivalência de lei federal ordinária. Os tratados de direito
tributário, em virtude do art. 98 do CTN, têm, segundo PORTELA (2011, 141), status supralegal.

Acordo Executivo (executive agreement), segundo REZEK (2008, p. 26), é “expressão criada nos Estados Unidos
para designar aquele tratado que se conclui sob a autoridade do chefe do poder Executivo, independentemente de parecer
e consentimento do Senado”. São tratados que adotam um procedimento simplificado para sua conclusão, sem a
participação do Poder Legislativo, em oposição à forma solene, de participação dos dois Poderes.

Via de regra, os Acordos Executivos não são permitidos no Brasil, em virtude do disposto no art. 49, I, da CRFB/88.
Porém, REZEK (2008, 62) designa três categorias de tratados que podem ser pactuados sob a ótica de um acordo executivo
(leia-se: sem participação do Congresso) compondo-se por assuntos de competência privativa do Poder Executivo:
I. Acordos que consignem apenas a interpretação de cláusulas de um tratado já em vigor;
II. Os que apenas complementem, por decorrência lógica, um tratado já vigente;
III. Os que apenas firmem as bases para uma negociação futura.

PORTELA (2011, 96), por sua vez, entende que os acordos executivos são mais adequados para dar execução a
outro tratado já firmado e de escopo mais amplo, complementando-o, e para aqueles que não impliquem em assunção de
novos compromissos. Alega este autor, que nos termos do art. 49, I, da CRFB/88, o Brasil adota, predominantemente, a
forma solene de recepção, permitindo a forma simplificada quando o ato não trouxer compromissos adicionais para o Estado
brasileiro.

André de Carvalho Ramos, entende pela possibilidade apenas em casos excepcionais. De acordo com o autor é
cabível Acordo Executivo nos seguintes casos:
• Acordo Executivo para Execução de Tratado Formal;
• Acordo Executivo para Interpretação de Tratado Formal;
• Acordo Executivo de Modus Vivendi e;
• Acordo Executivo de Diplomacia Ordinária.

A lógica é que, nestes quatro casos, não há usurpação da competência privativa do Congresso de aprovar Tratados,
pois não levaria a um acréscimo de obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, configurando-se, no máximo, como
atos de diplomacia ordinária.

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9.a. Crimes internacionais: conceito e classificação. Dever de perseguir e 
pretensão punitiva
da comunidade internacional.

CONCEITO DE CRIMES INTERNACIONAIS: para Mahmoud Cherif BASSIOUNI os crimes internacionais são
aqueles que lesam bens jurídicos titulados ou interesses tutelados pela sociedade internacional (aulas do Professor Marcelo
MILLER). Referidos crimes tem previsão em tratado ou costume. No Direito Internacional Penal, segundo o Professor
Marcelo MILLER, vigora a ordem “nullum crimen, nulla poena, sine jure”, construção que permitiu a instalação do Tribunal
Militar Internacional de Nuremberg, já que como referidos crimes não contavam com previsão em nenhum tratado
internacional, não haveria como puni-los caso se exigisse a legalidade estrita (sustenta-se que o Acordo de Londres teria
apenas declarado os tipos penais, os quais já existiriam no Direito Internacional). Os Tribunais Internacionais para a ex-
Iugoslávia e para Ruanda também vigoraram sob o crivo do mesmo postulado. Vale lembrar que o Estatuto de Roma, por
sua vez, atento às críticas sofridas pelos Tribunais Internacionais que lhe precederam (tachados de tribunais “ad hoc”), previu
a máxima do “nullum crimen, nulla poena, sine lege”, o que apenas se aplica ao Tribunal Penal Internacional erigido pelo
Estatuto.

DEVER DE PERSEGUIR E PRETENSÃO PUNITIVA DA COMUNIDADE INTERNACIONAL: o Estado tem o dever


de investigar e perseguir os crimes internacionais e reparar as vítimas como decorrência de uma responsabilidade
internacional, eis que os citados crimes perpetrados com a participação ou mesmo com a omissão ilícita do Estado
configuram violação por parte deste de normas internacionais. Ao atingirem bens jurídicos caros a comunidade internacional,
violando direitos humanos, os crimes internacionais atingem a própria ordem internacional, de forma que a respectiva
persecução interessa à comunidade internacional. A pretensão interessa/pertence à comunidade internacional e o Estado
age como substituto desta. A comunidade internacional retoma o direito de perseguir caso haja omissão do Estado. Não
está a disposição do Estado perseguir ou não (querer ou não perseguir); não se trata, pois, de mera faculdade. O Estado
age em nome próprio para defender interesse da comunidade internacional, do qual não pode dispor. Impende dizer que
embora o Brasil não tenha firmado a Convenção da ONU sobre crimes imprescritíveis, referida Convenção tem mero efeito
declaratório e não constitutivo. A aventada Convenção expressa um consenso. Note-se que há princípios de direito
internacional que são inderrogáveis e a sua defesa, inclusive em face de Estados que não sejam parte do tratado ou não
sejam membros da ONU (chamados “terceiros”), incumbe à ONU e ao Conselho de Segurança (segundo a Carta da ONU).
Quer dizer, o Estado que surge hoje já nasce com obrigações internacionais, ainda que não tenha aderido a ONU. Esses
princípios de direito internacional já nascem com o Estado e neles se incluem o dever de atuação dos Estados (dever de
perseguir) em relação aos crimes de “jus cogens” (que são fruto de um consenso). Segundo a aula ministrada pelo Dr.
Eugênio Aragão (acima referida) uma das condições necessárias ao funcionamento do direito internacional penal na maioria
dos casos é o cumprimento por parte dos Estados do dever de perseguir os crimes internacionais, cuida-se da chamada
implementação indireta do direito internacional penal por meio dos Estados. A razão disso está em que, como regra, as
normas penais internacionais não tem como destinatários instituições persecutórias internacionais eis que os tribunais penais
internacionais são exceção e atuam de forma residual, com competência jurisdicional pontual. Na implementação indireta o
Estado exerce sua jurisdição de modo pleno e atua, como afirmado alhures, como substituto da comunidade internacional.
De outro lado, há duas formas de implementação direta: a perfeita, na qual o tribunal internacional tem domínio de todo o
ciclo persecutório (investigação, acusação, processo de formação de culpa, julgamento, execução de pena) e a imperfeita.
A maioria não tem implementação perfeita porque, como regra, o crime é cometido dentro do território do Estado onde este
exerce soberania. Exemplos de implementação perfeita: Tóquio e Nuremberg (mas nesses casos os Estados não tinham
sua soberania perfeitamente funcional – situação excepcional). Nos Tribunais para a ex – Iugoslávia, Ruanda, Serra Leoa,
Camboja, a implementação direta foi imperfeita.

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9 b. Auxílio direto e juízo de mérito. Competência da Justiça Federal e 
atribuições do
Ministério Público Federal. Distinção da cooperação policial. Meios de auxílio: videoconferência,
quebra de sigilo, interceptação telefônica. Partilha de ativos (“asset sharing”).

AUXÍLIO DIRETO E JUÍZO DE MÉRITO: trata-se de instituto relativo à cooperação jurídica internacional,
empregado, consoante apregoa Paulo Henrique Gonçalves Portela, quando um Estado necessita que seja tomada, no
território de outro Estado, providência relevante para um processo judicial que tramita em seu Judiciário. Normalmente,
costuma-se restringir o uso da expressão “auxílio direto” às hipóteses em que a cooperação jurídica internacional requer a
produção de atos jurisdicionais (a necessidade de prática de atos meramente administrativos denomina-se “cooperação
administrativa”). Embora se assemelhe à carta rogatória, com esta não se confunde. Comparando os institutos verifica-se
que o que se pretende com o auxílio direto é obter uma decisão judicial estrangeira sobre um processo que tramita no Estado
que solicita auxílio; não há neste instituto uma decisão do Estado requerente, mas um pedido de que o requerido profira uma
decisão que vai ter influência sobre um caso em curso no primeiro ente estatal (o requerente); o pedido de auxílio requer
uma decisão de mérito do Estado requerido. Na rogatória, de outro vértice, o escopo é permitir que um ato processual cuja
realização foi determinada pelas autoridades judiciárias de um Estado seja praticado em outro, já existe aqui um provimento
jurisdicional do Estado rogante; a rogatória envolve apenas um juízo de delibação das autoridades do Estado rogado. Os
pedidos de auxílio – direto em geral baseiam-se em tratados entre as partes, mas podem ter a promessa de reciprocidade
como fundamento.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E ATRIBUIÇÃO DO MPF: a competência da Justiça Federal se justifica
com base no art. 109, incisos I e III, da CR/88. Dessa forma, no Brasil, os pedidos de auxílio direto de autoridades
estrangeiras são julgados pelos Juízes Federais de 1o grau: seja porque a União ou o Ministério Público Federal figuram
como partes interessadas, ou mesmo porque tais pedidos se fundam em tratados internacionais. O mecanismo do auxílio
direto pressupõe a existência de autoridades centrais, normalmente uma estrangeira e uma nacional. Contudo, é possível
que o interessado, ao invés de submeter seu pleito à autoridade central estrangeira (a do seu foro), para que esta submeta
á autoridade central nacional (no caso, a do Brasil), venha a submeter diretamente seu pleito à autoridade central nacional.
O MPF funciona como autoridade central, em matéria penal, no Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo
da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, de 1991 (Decreto 1320, de 30/11/1994) e o Tratado
de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá (Decreto
6747, de 22/01/2009); e, em matéria civil, na Convenção de Nova Iorque sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de
1956. As atribuições do MPF enquanto autoridade central nesses casos são semelhantes às previstas no Decreto n.
4.991/04, que disciplina a atividade do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional - DRCI
enquanto autoridade central na quase totalidade dos acordos existentes.
DISTINÇÃO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA POLICIAL: a cooperação jurídica policial é promovida
internacionalmente pela Interpol, que não se trata de uma polícia internacional, mas de simples banco de dados que compila
as informações referentes aos mandados de busca e de prisão expedidos pelos Estados-membros desta organização,
facilitando a captura dos procurados. Trata-se, portanto, de cooperação administrativa.
MEIOS DE AUXÍLIO DIRETO: são os mais diversos, normalmente previstos em tratados genéricos (como as
Convenções de Mérida e de Palermo – v. p. ex., Capítulo IV da Convenção de Mérida e art. 18 da Convenção de Palermo)
ou em tratados específicos (como nos acordos bilaterais já citados). Exemplos: comunicações de atos processuais; fixação
de pensões alimentícias; determinação de medidas cautelares (como o bloqueio de ativos financeiros e o sequestro de bens);
produção de certas provas, entre outros. Apenas é importante lembrar que, se para a consecução da medida desejada for
necessária, segundo nosso ordenamento jurídico, a intervenção judicial, não será possível cooperação meramente
administrativa (será necessário acionar o Judiciário, por meio da autoridade competente).
PARTILHA DE ATIVOS: Alguns tratados preveem, grosso modo, a possibilidade de que os ativos recuperados
com base em cooperação jurídica internacional venham a ser partilhados entre os Estados participantes da cooperação.
Sobre o ponto, ganham relevância o Capítulo V da Convenção de Mérida e o art. 14 da Convenção de Palermo. Existem
previsões da mesma espécie em acordos bilaterais (como, p. ex., o art. XVI do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria
Penal entre o Governo da República Federativa do entre o Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América – Decreto n.
3.810, 2001). ATENÇÃO: com a reforma promovida na Lei de Lavagem de Capitais, foi consignado no art. 8, § 2 que na falta
de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores privados sujeitos a medidas assecuratórias por solicitação de
autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre o Estado requerente
e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. (Redação dada pela Lei nº
12.683, de 2012).

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9.c. Organização das Nações Unidas. Desenvolvimento e principais órgãos. Corte
Internacional de Justiça. Organizações regionais das Américas.

ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS: a Organização das Nações Unidas foi criada após o fim da Segunda
Guerra Mundial, à luz do planejamento e das intenções expressas pelos Aliados durante aquele conflito. Foi idealizada pelos
Aliados nos encontros de Dumbarton Oaks e Yalta. A efetiva criação da ONU deu-se em 24 de outubro de 1945. SHAW
aduz que os propósitos da ONU expostos no art. 1o de sua Carta embora sejam muito abrangentes (manter a paz e a
segurança internacionais, desenvolver relações amistosas entre as nações, alcançar a cooperação internacional, entre
outros) resumem a diversidade dos interesses da ONU. A Carta de São Francisco previu seis órgãos como os principais:
Assembleia Geral, Conselho de Tutela, Conselho de Segurança, Secretaria, Conselho econômico e Social e a Corte
Internacional de Justiça. O conselho de segurança é o órgão executivo da ONU, com a missão primária de manutenção da
paz e segurança internacionais. É formado por quinze membros, cindo dos quais permanentes (EUA, Reino Unido, Rússia,
China e França). Os cinco membros permanentes possuem poder de veto. Segundo o art. 27 da Carta a ONU, as decisões
do Conselho sobre todos os assuntos, exceto os temas regimentais, devem ser tomadas pelo voto afirmativo de nove
membros, incluindo os votos favoráveis dos membros permanentes. Com o tempo, se interpretou o art. 27 de modo que a
abstenção de um membro permanente não implicasse em veto automático. Um voto negativo por parte de qualquer dos
membros permanentes, porém, é suficiente para vetar qualquer resolução do Conselho. As decisões do Conselho vinculam
todos os Estados – membros. Seus poderes concentram-se em duas categorias, em especial, a solução pacífica dos conflitos
e a adoção de medidas coercitivas. Resoluções vinculantes do Conselho de Segurança: o Conselho de Segurança tem a
atribuição básica de manter a paz mundial e para tanto pode editar resoluções vinculantes e não vinculantes. Conteúdo das
decisões do Conselho: indeterminado – a Carta da ONU no máximo elenca exemplos. Nada está excluído da ação do
Conselho. Isso gera dúvidas sobre se alguém pode controlar as suas ações: este Conselho chegou a editar resolução
vinculante para criação de Tribunais Penais Internacionais para julgar indivíduos (os Tribunais Penais Internacionais para a
ex - Iugoslávia e para Ruanda, por exemplo, foram criados por resoluções) sob a justificativa de que paz pode ser afetada
por crimes internacionais. É possível que resoluções vinculantes do Conselho de Segurança aprovadas por decretos
presidenciais sejam questionadas? Quando o Conselho de Segurança edita resoluções vinculantes em relação a indivíduos
estes não podem questionar, não tem acesso a Corte Internacional de Justiça- CIJ. O Conselho edita as Listas sujas: são
decisões do Conselho de Segurança considerando que determinadas pessoas ou organizações não governamentais apoiam
o terrorismo. O mecanismo da lista suja funciona da seguinte forma: os nomes podem ser inseridos por Estados e pelo
próprio Conselho de Segurança. Para tirar o nome: consultar o Estado e o Conselho deve aprovar. Consequências da lista
suja: bens e autorizações de viagens internacionais devem ser bloqueados. Segundo SHAW o Conselho não tem
correspondido, em geral, às expectativas nele depositadas nos anos que se seguiram à criação da ONU e isso se deu
basicamente por conta da rivalidade entre as superpotências, que pelo recurso ao veto, impediram a atuação efetiva do
Conselho em qualquer questão considerada importante por qualquer dos cinco membros. A Assembleia Geral é o órgão
parlamentar da ONU e é formada por representantes de todos os Estados-membros, que somam hoje 191. Pelo art. 4o da
Carta tem-se que a condição de membro é aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitem as obrigações constantes
da Carta. Na linha do art. 18, cada membro tem direito a um voto e as “questões importantes” (admissão de novos membros,
recomendações relativas à paz e segurança internacionais) serão tomadas por maioria de 2/3 e as demais por maioria
simples dos membros presentes e votantes. Exceto em determinados assuntos internos, como o orçamento, a Assembleia
não tem o poder para obrigar seus membros. Assim, não é um órgão legislativo, e suas resoluções tem o simples valor de
recomendações. Conforme enuncia SHAW boa parte do trabalho da ONU nos campos econômico e social é desempenhada
pelo Conselho Econômico e Social, um dos principais órgãos da instituição. Referido Conselho tem competência para discutir
uma grande variedade de temas (art. 62), mas dispõe de poder limitado e suas resoluções não são vinculantes. Possui
diversos órgãos subsidiários (notadamente a antiga comissão de direitos humanos). O Secretariado da ONU é formado pelo
Secretário-Geral e demais funcionários e assessores, e constitui, virtualmente, segundo SHAW, um serviço público
internacional. A essência da autoridade do Secretário – Geral consta do art. 99 da Carta, que lhe dá poder para submeter
ao Conselho de Segurança qualquer assunto que considere capaz de fortalecer a manutenção da paz e da segurança
internacional. O Secretario - Geral tem a tarefa especialmente importante de exercer seus bons ofícios para conter ou
solucionar crises internacionais. De acordo com o art. 97 o Secretário-Geral é nomeado pela Assembleia Geral mediante
recomendação unânime do Conselho de Segurança. Conforme anota SHAW o Conselho de Tutela foi criado para
supervisionar os territórios tutelados que surgiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Seriam eles territórios sob mandato,
ou seja, as áreas destacadas de territórios inimigos em decorrência da guerra. Com a independência de Palau, último
território sob tutela, ocorrida em 1o de outubro de 1994, o conselho suspendeu suas operações. O princípio do direito
internacional que move a criação de novos Estados no século XX é a autodeterminação dos povos e não estava tão evidente
no contexto da Liga das Nações uma vez que muitos dos seus membros fundadores eram potências colonizadoras: França,
Reino Unido. Depois da primeira guerra foi criado o instituto do mandato: a ideia era que nós tivéssemos potências
mandatárias em nome de um mandante (a própria Liga das Nações). O mandato tinha, porém, um objetivo nobre: permitir o
desenvolvimento e a emancipação desses povos, mas sem controle sobre o atingimento desses fins. Após a primeira guerra,
com a decadência das potências europeias coloniais o processo de descolonização ganha fôlego. A tutela constitui-se em
um mandato aperfeiçoado pela existência de controle e cronograma. Tem-se a supervisão da obtenção da emancipação. O
Conselho de Tutela é órgão composto pelos Estados administradores e pelos membros permanentes da ONU. Não existem
mais territórios sob tutela (as ilhas sob tutela foram desativadas). O Conselho em apreço está suspenso. Segundo o
Professor André de Carvalho Ramos não se alterou a Carta da ONU por falta de consenso politico.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA: órgão judicial da ONU. Segundo SHAW (792) “trata-se, essencialmente,
de uma continuação do TPJI, dotada virtualmente do mesmo estatuto e jurisdição e com uma linha contínua de
jurisprudência, não se fazendo distinção entre litígios decididos pelo TPJI e pela CIJ”. Origem histórica (aula Professor André
de Carvalho Ramos, federal concursos/Carreiras Jurídicas Federais 2011): tem como antecessora a Corte Permanente de
Justiça Internacional – a CPJI já mencionada no Tratado de Versalhes (quando esse tratado cria a Liga das Nações

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determina que seja criada uma Corte Permanente). O primeiro tribunal permanente do mundo: Corte de Cartago de 1907 –
é também chamada de Corte Centro Americana de Justiça, foi extinta em 1918. Em 1946 nasce a Corte Internacional de
Justiça como sucessora da CPJI: basta verificar que o art. 38 do Estatuto da Corte Permanente e o art. 38 do Estatuto da
CIJ possuem a mesma redação. O Estatuto foi literalmente herdado: há mudanças tão-apenas na atualização da redação.
A CIJ tem a função de ofertar uma solução pacífica de controvérsias: jurisdição contenciosa; esta difere da Jurisdição interna
brasileira eis que no âmbito da CIJ sempre é necessária a anuência de ambas as partes, quer dizer, o réu tem que concordar
com a ação. A Jurisdição contenciosa da CIJ é regida por: a) só Estados podem ser autores ou réus (não pode ter
Organizações internacionais, indivíduos, conselho de segurança, etc); b) não basta ser membro da ONU – ser membro da
ONU significa tão somente ser dispensável à adesão específica ao Estatuto da Corte Internacional de Justiça – se não é
membro da ONU para demandar na CIJ deve ter uma adesão específica ao Estatuto da Corte Internacional de Justiça (seja
anuência expressa ou implícita à Jurisdição da Corte). Hipóteses de reconhecimento da jurisdição da Corte: primeira hipótese
de reconhecimento: 1) cláusula Raul Fernandes: é o reconhecimento facultativo da jurisdição obrigatória da Corte; uma vez
realizado este reconhecimento (o Brasil não fez nem na CPJI, nem na CIJ) todos os litígios podem ser submetidos a Corte;
vale anotar que parte expressiva da comunidade internacional não aceita essa cláusula (inclusive o Brasil); 2) segunda
hipótese de reconhecimento: o reconhecimento da jurisdição da Corte consta de tratados específicos – nesse contexto, é
possível dizer que o Brasil não reconhece a jurisdição obrigatória da CIJ para todo e qualquer litígio, mas é parte de diversos
tratados aceitando a jurisdição da corte – o Brasil se inclui nessa segunda hipótese de reconhecimento da jurisdição da
Corte; há também tratados esparsos que o Brasil celebrou que submetem controvérsias a CIJ (assim, nessa segunda
hipótese podemos ter tratados específicos de solução de controvérsias – Pacto de Bogotá em Honduras, por exemplo – que
submetem qualquer controvérsia a CIJ; mas podem também ser tratados temáticos); 3) terceira hipótese: acordo específico
– nesse caso surge o litígio e a partir dai os Estados submetem o caso a CIJ – ex: caso Brasil e França nos “empréstimos
franco brasileiros” na CPJI; 4) quarta hipótese: reconhecimento implícito: basta que o Estado réu, na contestação, não refute
a competência da CIJ – não alegue a falta de jurisdição da Corte – “Estreito de Corfu” Albânia x Reino Unido, Albânia
defende-se no mérito e só depois, muito tarde, alega falta de jurisdição; isso gerou reconhecimento implícito da jurisdição
da Corte. É o único caso de reconhecimento implícito. Processo perante a Corte: a Corte recebe a petição de um agente
acreditado a atuar em nome do Estado; mesmo que não haja o reconhecimento da jurisdição por parte do Estado Réu a
Corte o notifica tendo em vista a possibilidade de reconhecimento implícito. A sentença é elaborada através de um método
dialógico, não há a figura do relator. São quinze membros. O Presidente pode participar da votação; é possível a criação de
câmaras setoriais, por exemplo: meio ambiente. Os juízes deliberam em conjunto. A sentença internacional é
voluntariamente cumprida. É vinculante, mas não é autoexecutável, cabe a cada Estado implementá-la. São irrecorríveis.
Os Tribunais Internacionais Penais hoje tem duplo grau. Na Corte só há recurso de interpretação. É possível ação de revisão
desde que se prove um fato novo desconhecido (desconhecido por vontade alheia às partes) pelas partes (como se fosse
uma ação rescisória). A própria Corte avalia se o Estado cumpriu ou não a sentença. Não existe execução forçada, mas os
casos de não cumprimento são raros porque o reconhecimento da jurisdição já exige uma reflexão, faz parte do cálculo
político do Estado quando reconhece a jurisdição. A Corte pode solicitar auxilio do Conselho de Segurança se não houver
cumprimento (o TPI não é órgão judicial da ONU, por isso não pode solicitar auxílio do Conselho de Segurança para solicitar
força militar e entrar em um Estado e efetivar as ordens de prisão). Há a existência de medidas cautelares ou medidas
provisórias, as quais são vinculantes. Consistem em medidas que podem ser indicadas pela Corte visando a preservar os
respectivos direitos de cada parte. Até hoje a Corte teve 140 casos julgados. Jurisdição consultiva: é importante no Direito
Internacional porque esclarece o seu alcance. Não é vinculante. Quem pode solicitar uma opinião consultiva da Corte:
Assembleia Geral, Conselho de Segurança (qualquer pergunta), agência especializada que tenha sido autorizada pela
Assembleia Geral (pertinência temática). A CIJ, com sede em Haia, é composta por 15 juízes eleitos para um período de 9
anos, com renovação de 1/5 da Corte a cada 3 anos. Os Estados que já não possuírem um juiz de sua nacionalidade na CIJ
podem escolher um juiz ad hoc para a causa em que forem parte. Como são eleitos os membros da CIJ? Quem indica são
as seções nacionais de cada país da Corte Permanente de Arbitragem (solução pacífica de controvérsias tradicionais/ 1907);
senão existir esse vínculo do país com a corte de arbitragem quem indicará será o Executivo. O Brasil é membro fundador.
Essa indicação vai para a ONU: participam a Assembleia geral e o Conselho de Segurança, os quais decidirão por maioria
absoluta. Os indicados devem ter a mais alta qualificação para ocupar as Cortes do País. Todos os membros permanentes
tem direito a um assento: vagas natas (representação política); representação geográfica: um da América do Sul, por
exemplo; o mandato é de nove anos; tem direito a recondução, a forma de escolha exige um comprometimento político muito
forte. Assim como vários tribunais internacionais, a Corte tem a previsão do “juiz ad hoc”, este será considerado um juiz com
todos os direitos e deveres, mas só atuará naquele caso. Pode ter um caso da CIJ que venha a ser julgado por dezessete
juízes e não quinze, basta que não exista na Corte um juiz da nacionalidade do Estado, este Estado terá direito de designar
um juiz para o caso. Aduz SHAW que a Corte Internacional é uma instituição judicial que decide as causas com base no
direito internacional tal como existe na data da decisão. Não tem poder para criar formalmente o direito, já que não é órgão
legislativo. Suas opiniões sobre qual é o direito aplicável tem a mais alta autoridade. Cabe a própria Corte decidir sobre sua
competência (isso foi frisado no julgamento Qatar/ Bahrein), e a competência deve ser determinada à época em que proposta
a demanda, de maneira que se a Corte possuía jurisdição naquele momento, continuará a tê-la, independentemente dos
acontecimentos ulteriores. O art. 36 (2) do Estatuto da Corte exige que as questões a ela submetidas sejam questões
jurídicas.

ORGANIZAÇÕES REGIONAIS DAS AMÉRICAS: Organização dos Estados Americanos (aula Professor André
de Carvalho Ramos, federal concursos/Carreiras Jurídicas Federais 2011): fruto de uma longa evolução visando a união
mais estreita dos povos das Américas. Antecessor: Bolivarianismo, que consistia no sonho de Simon Bolívar de estabelecer
uma união entre os Estados recém- emancipados. Houve a necessidade de um passo adicional que foi dado com a Doutrina
Monroe dos EUA. Os EUA pregaram “américa para os americanos”: busca de união dos Estados das Américas em virtude
de uma possível volta dos colonizadores. Reflexos dessa doutrina: pan-americanismo: consiste em um processo de união
de esforços dos Estados da América para firmar acordos. Inicialmente era mais uma iniciativa diplomática. União pan-
americana: reuniões/ conferências entre os Estados, sede em Washington, essas conferências pan-americanas geraram

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tratados de direito internacional privado, entre os quais o Código de Bustamante, aprovado na Conferência pan-americana
de Havana, ratificado pelo Brasil. As conferências pan-americanas geraram mais um fruto pós - segunda guerra mundial:
em 1948 em uma conferência pan-americana realizada em Bogotá os EUA e “seus aliados”, no contexto da guerra fria,
aprovaram dois diplomas importantes: Carta de Bogotá – tratado internacional que cria uma organização, a Organização dos
Estados Americanos - OEA (com sede em Washington), e a Declaração de Direitos e Deveres do Homem (esta declaração
é de maio de 1948 e a Declaração Universal é de dezembro, assim, a mais antiga é a declaração de Bogotá). A Declaração
de Bogotá não tem força vinculante, mas a Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH considera que é vinculante
porque consiste na declaração/ interpretação autêntica do termo genérico direitos humanos previsto na Carta da OEA. A
Carta da OEA não explicita quais seriam esses direitos. Conforme explica SHAW a Organização dos Estados Americanos
surgiu depois da Segunda Guerra e foi constituída por dois tratados principais (o professor André referiu apenas a Carta de
Bogotá): o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Rio), de 1947 (que é um sistema coletivo de autodefesa) e o
já referido Pacto de Bogotá, de 1948. SHAW explica que este constitui a Carta original da OEA. Atualmente conta com 35
Estados-membros. Para Shaw a OEA é um sistema de segurança coletiva que considera um ataque contra um Estado –
membro como um ataque contra todos. A OEA é uma organização regional. Só podem a ela ascender os Estados da
América. Possui hoje 34 membros. Situação de Cuba: Cuba é membro fundador da OEA, mas o governo cubano foi
suspenso em 1962 da OEA, sob os auspícios dos EUA. Cuba continuou a fazer parte da OEA, mas seu governo foi suspenso.
Ao mesmo tempo em que não poderia exercer nenhum direito porque seu governo estava suspenso, ficou com deveres
porque ainda era membro da OEA. Em 2009 essa suspensão de governo foi revogada. Além dessa abrangência territorial,
a OEA também tem uma abrangência temática parecida com a ONU já que a sua Carta estabelece que são objetivos da
Organização a solução pacífica das controvérsias, etc. Na OEA falta um mecanismo de segurança coletiva. Não há um
compromisso dos maiores Estados da região de zelar pela paz mundial. As votações/ resoluções da OEA são feitas pelo
consenso. A OEA não possui claramente um órgão judiciário. A CIDH não é órgão da OEA. A CIDH conta o apoio desta e é
financiada por esta, usa a OEA para pedir soluções de cumprimento de sentença. Há tratados da OEA que remetem os
Estados para a CIJ. Cuida-se, em verdade, de uma organização internacional que mimetiza os objetivos da ONU no âmbito
regional. Órgãos da OEA: Assembleia geral onde todos os estados são representados; órgãos permanentes: reunião de
Ministros, estes podem continuamente realizar tratativas e coordenar a atuação da OEA; Secretariado Geral: tem função de
estimular os Estados a cumprir os objetivos da OEA (na crise de Colômbia e Venezuela o Secretario Geral realizou trabalho
de aproximação entre os dois Estados). Há ainda um órgão: Comissão Interamericana de direitos humanos, com sede em
Washington, papel importante na defesa dos direitos humanos; é também prevista na Convenção Americana de DH: é o
mesmo órgão; a comissão interamericana ostenta essa situação híbrida. A comissão não constava originariamente da Carta
da OEA, a qual foi emendada para incluí-la, trata-se de “um órgão autônomo”. SHAW menciona ainda um órgão não referido
pelo Professor André: um Conselho Permanente sujeito a autoridade das instituições já mencionadas e que desempenha
funções tanto secretariais e de supervisão quanto políticas. Além disso, há vários órgãos subsidiáreis. O papel da OEA seria
maiúsculo: mas nesses mais de sessenta anos de atuação a OEA mostra que não cumpriu seus objetivos. Tão apenas em
1991 – não contando com Cuba – passou a ostentar somente democracias entre seus membros. Antes disso era repleta por
Estados ditatoriais. Em primeiro lugar a fragilidade da OEA é fruto das truculências dos Estados; da ausência de interesse
dos EUA (o qual prefere estimular relacionamentos bilaterais). Houve grande crise também com a invasão pela Argentina
das Malvinas – não houve apoio da OEA à Argentina quando o Reino Unido retomou as Malvinas. Surgiram outras
organizações internacionais em decorrência dessas crises da OEA. No âmbito do desenvolvimento econômico temos
organizações que posteriormente vão dar origem ao MERCOSUL: tratado de Montevidéu que criou a associação latino-
americana de livre comércio. A OEA acaba sendo substituída do ponto de vista econômico. Do ponto de vista político,
entrementes, ainda temos a OEA. TRATADO DE BRASÍLIA DE 2008: UNIÃO SUL AMERICANA (OU UNIÃO DAS NAÇÕES
SUL AMERICANAS) – UNASUL. Este tratado foi assinado por todos os países da América do Sul; cuida-se de uma
organização regional que possui objetivos amplos: políticos, econômicos, infraestrutura cultural; atuação ainda insipiente
porque nem foi ratificada pelos países; há previsões de algum arcabouço institucional diferente do que existe na OEA: um
parlamento. Fragilidade: não há nenhum mecanismo que assegure o cumprimento dessa vontade política por parte dos
estados. A UNASUL exclui os EUA. Além da OEA há um grande número de organizações americanas (algumas já citadas
acima) cujo propósito é promover a integração e o desenvolvimento econômico de seus membros, tais como o MERCOSUL,
NAFTA, ALADI, UNASUL, etc.

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10.a. Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional: divergências e
convergências. Implementação direta e indireta do Direito Internacional Penal.

DIREITO INTERNACIONAL PENAL E DIREITO PENAL INTERNACIONAL. DIVERGÊNCIAS. O Direito


Internacional Penal é o ramo do Direito Internacional que visa a reprimir atos que ofendam valores basilares na
convivência internacional. Tem como objeto preciso o combate aos chamados “crimes internacionais”, com o intuito de
promover a defesa da sociedade internacional, dos Estados e da dignidade humana contra ações que possam
provocar danos a bens jurídicos cuja proteção permite que a convivência se desenvolva dentro de um quadro de segurança
e de estabilidade, como a manutenção da paz, a proteção dos direitos humanos, a preservação ambiental, etc. O Direito
Penal Internacional é o ramo do Direito das Gentes que regula a cooperação internacional no combate à criminalidade.
Visa a combater crimes ocorridos dentro dos Estados e cujo enfrentamento pode exigir o apoio de outros entes estatais,
como os ilícitos transnacionais ou atos que demandem investigações no exterior.

CONVERGÊNCIAS. Para o procurador da República Marcelo Mulller essa distinção não faz mais tanto sentido
porque não há ponto de corte ontológico ou epistemológico entre a aplicação do direito penal transnacional e a
instituição pelos Estados de um sistema internacional de direito criminal. São profundamente imbricados. Para André
de Carvalho Ramos (trecho de aula) a nota característica desse direito penal internacional é o impacto transfronteiriço.
Então, a nota característica são os valores essenciais, o crime de genocídio, por exemplo, pode ter sido cometido
contra uma parte do seu próprio povo, mas mesmo assim o direito internacional se interessa. Vínculo que une vários
países, que se encaixa dentro de uma linha de defesa da humanidade.

IMPLEMENTAÇÃO DIRETA E INDIRETA DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL. Implementação direta ocorre


quando o Estado assume essa missão de punir aquele que violou valores da comunidade internacional como um
todo, através de investigação e punição dos seus autores. A lógica vai ser extraditar ou punir. Já na implementação
indireta, o direito internacional irá punir. Organizações internacionais vão investigar, mandar prender, vão processar,
punir e vão mandar para cadeia; execução de pena supervisionada por órgão internacional. Exemplos: TPI da
Iugoslávia, TPI de Ruanda, TPI permanente (trecho de aula Dr. André de Carvalho Ramos).

IMPLEMENTAÇÃO DIRETA E INDIRETA DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL. IMPLEMENTAÇÃO INDIRETA


– A implementação indireta se dá quando o Estado assume a missão de punir o violador dos valores da comunidade
internacional como um todo. Exerce sua jurisdição de modo pleno. Quando ocorre a persecução do crime internacional pelo
Estado, diz-se que o Estado está funcionando como substituto processual da comunidade internacional: defende, em nome
próprio, direito alheio – o bem jurídico lesado é titularizado pela comunidade internacional, agindo o Estado em nome da
pretensão punitiva da comunidade internacional. É claro que isso depende da perspectiva, do ponto de vista. Mas, se o
Estado não cumprir sua obrigação de perseguir, será estigmatizado e responsabilizado. A comunidade internacional pode
retomar a pretensão punitiva, por meio de tribunais internacionais ou eventualmente pelo exercício de jurisdição
extraterritorial: entrega para outro estado punir. Ex: Baltazar Garzon julgou os crimes cometidos pelo governo chileno, pois
o Chile frustrou a pretensão punitiva da comunidade internacional.
IMPLEMENTAÇÃO DIRETA - A implementação direta ocorre quando o próprio organismo internacional aplica o
direito penal, por exemplo o TPI. O TPI é o principal órgão jurisdicional internacional voltado ao combate aos crimes
internacionais. O Brasil é parte do TPI (decreto 4.388/2002), tendo se vinculado também constitucionalmente, conforme Art.
5, § 4, da CR/88. Segundo Aração há “duas espécies de implementação direta: perfeita (tribunal internacional tem
domínio de todo o ciclo persecutório, desde a investigação, acusação, processo de formação de culpa, julgamento, execução
da pena) e imperfeita. A maioria não tem a implementação direta perfeita, pois o crime, em regra, é cometido no território do
Estado, em que o Estado tem soberania. O TPI não pode sair colhendo evidências, ouvindo e intimando testemunhas, etc.
Então, normalmente, vai precisar da colaboração do estado – por isso, em regra, a implementação direta é imperfeita. Só
em Nuremberg e em Tóquio foi direta, mas ali os Estados não tinham sua soberania perfeitamente funcional, dada a situação
excepcional. O mesmo não acontece no tribunal da Iugoslávia, Ruanda, Serra Leoa, Camboja – nesses casos houve a
participação do Estado, sendo a implementação direta e imperfeita.”
A implementação direta do Direito Internacional Penal por tribunais internacionais remonta ao artigo 227 do Tratado
de Versailles, que previa um tribunal especial com juízes das potências vencedoras para julgar o Kaiser Guilherme da
Alemanha vencida. (ACR, Curso)

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10.b. Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Correntes doutrinárias. Como o
Direito Interno vê o Direito Internacional. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno.
A Constituição brasileira e o Direito Internacional.

Com a expansão do D. Internacional, passou a regular quase todos os campos da atividade humana, acentuou-
se seu relacionamento com o direito interno.
Um dos impactos desse novo D. Internacional no D. Interno é o bloqueio de competências, através do qual um
tratado internacional com dispositivos genéricos é usado como mecanismo de bloqueio de discussão e produção
normativa interna.
O Estado assume o compromisso internacional e retira de sua agenda interna a possibilidade de dar nova orientação
normativa ao assunto. A transferência de competência é fenômeno conexo, através do qual desenvolvimentos futuros
de uma determinada matéria são frutos do trabalho de organismos internacionais, amparados nos dispositivos
genéricos de um determinado tratado (produz direito derivado do tratado).
Outro fenômeno decorrente da expansão do D. Internacional é o controle de convencionalidade das normas
nacionais, pelo qual as normas locais têm sua compatibilidade aferida face às normas internacionais.
Internacionalmente, esse controle pode ser feito de modo unilateral pelos Estados partes do tratado, ou através de
mecanismos coletivos (com procedimento, devido processo legal e imparcialidade). Por isso, o mecanismo
coletivo de controle de convencionalidade é mais legítimo e, portanto, preferível (ex: controle efetuado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos).
Essa relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno deve ser analisada sob os dois primas. “Como o D. Interno
vê o D. Internacional”: o tema é estudado a partir de duas correntes doutrinárias (dualismo e monismo). Caracteriza o
monismo a possibilidade de aplicação direta e automática das normas de Direito Internacional pelos agentes do
Poder Estatal, sem necessidade de novo diploma legal de internalização da norma de direito internacional (para essa
corrente d. interno e internacional integraram o mesmo sistema, uma mesma ordem jurídica). Kelsen é o principal expoente
da corrente monista, tendo se debruçado sobre o tema nos anos 20.
O monismo se divide em duas correntes. Para o monismo nacionalista, em caso de conflito deve prevalecer o
direito interno de cada Estado. Para o monismo internacionalista, há o primado do d. Internacional, a que se
ajustariam as ordens internas (REZEK, 2000, pág. 4). É a teoria adotada pelo Direito Internacional, como determina o artigo
27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. Subdivide-se ainda em: radical – onde o tratado teria total
supremacia sobre o Direito Nacional; e, moderado – onde tanto o Direito Internacional quanto o Nacional poderiam ser
aplicados dentro do que determina o ordenamento estatal.
Atenção: ACR afirma que não existe monismo nacionalista, alerta que o candidato que guarde essa informação estará
à frente da maioria dos candidatos que estudam por manuais tradicionais. Chama o monismo nacionalista de “ouro de tolo”,
um falso brilhante. Isso porque, explica ele, é em um país monista, com supremacia da norma interna, se um tratado se
choca com a constituição ele é descartado, embora internacionalmente continue válido. Eis que, para que seja inválido
internacionalmente é necessária a denúncia. E a justificativa interna não é a mesma da justificativa internacional, são dois
mundos. Assim, no monismo nacionalista, se o tratado viola a constituição, supostamente, ele é expurgado internamente,
mas no plano internacional ele continua válido, até que haja denuncia, o que retrata uma situação verdadeiramente dualista,
e não monista.
Além disso, ACR defende (minoritariamente) que o decreto de promulgação é dispensável, por não ter previsão na
CF/88. Assim, o tratado internacional já estaria internalizado com a publicação do decreto legislativo. Lembra a solução
portuguesa, em que, assim que o tratado entre em vigor internacionalmente (com a ratificação) ele é publicado no diário
oficial pelo ministério das relações exteriores, passando a valer no plano interno. E ainda que se entenda necessário o
decreto de promulgação, defende ele que o Presidente da República está obrigado a promulgar depois de realizada a
ratificação, sob pena de crime de responsabilidade, por atentar contra a constituição.
Já a corrente dualista exige uma transformação do Direito Internacional em Direito Interno, por meio de norma
legislativa interna, que incorporaria as normas expostas no instrumento internacional (“incorporação, “transformação” ou
“recepção”). Completa separação entre Direito Interno e Internacional. Na visão dualista, o direito internacional regula a
convivência entre os Estados, enquanto o direito interno trata das relações entre os indivíduos e entre estes e o ente estatal.
Em regra, cabe verificar na Constituição de cada Estado a visão interna da norma internacional, como frisou Celso de
Mello na ADI-mc 1480/DF. No Brasil, o STF entende que é necessária a incorporação interna das normas internacionais
através de um “decreto de execução presidencial”, mas não exige a edição de lei interna para incorporar a norma
internacional. Por isso, parte da doutrina entende que o STF adotou a corrente do “dualismo moderado” ou “monismo
moderado” (Mazzuoli, 2010). Outros entendem que essa opção do STF é dualista (Nádia de Araújo, citado por RAMOS,
2004, pág. 301).
A Constituição brasileira não possui regra específica entre dualismo ou monismo. Também não prevê a figura
do decreto presidencial para a entrada em vigor do tratado. A CF/88 prevê apenas a participação do Legislativo e
Executivo no processo de formação do tratado. Internacionalmente, o tratado entra em vigor com a ratificação, salvo previsão
diversa pelo próprio tratado. Por tal razão, doutrina critica a posição do STF ao exigir o decreto presidencial,
desconsiderando que o tratado já está em vigor internacionalmente em momento anterior.
Em relação a hierarquia normativa do tratado internacional (ainda considerando a visão do D Interno), o STF
entende que, regra geral, o “status” normativo é de lei ordinária. Doutrina internacionalista critica essa posição por permitir
que lei posterior interna supere o tratado (“treaty override”), em violação ao compromisso internacional assumido (denúncia
é o meio próprio para “revogar” tratado).
Em relação aos tratados de direitos humanos, o STF passou a entender que possuem caráter supralegal. Se
forem incorporados seguindo o rito do art. 5º, § 3º, da CF, possuem “status” de emenda constitucional.
“Como o Direito Internacional vê o Direito Interno”: a prática reiterada dos Estados e das Cortes Internacionais
é de considerar a norma interna um “mero fato”, que expressa a vontade do Estado (CIJ considerou esse fundamento

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ao julgar o caso “barcelona traction”, citado de passagem por RAMOS, 2004, pág. 302).
Direito Internacional possui suas próprias fontes normativas. Estado é considerado “uno” perante a comunidade
internacional. D. Interno só será utilizado se a norma internacional a ele fizer remissão.
Atos normativos internos são expressões da vontade de um Estado, que devem ser compatíveis com seus
engajamentos internacionais anteriores, sob pena de ser o Estado responsabilizado no plano internacional. Norma interna,
incluindo a Constituição, não pode ser alegada para justificar descumprimento de tratado (artigo 26 da Convenção
de Viena). Jurisprudência das Corte Internacionais nesse sentido.
Nessa linha de raciocínio, até uma decisão do STF pode ensejar a responsabilidade internacional do Estado
Brasileiro, como ocorreu no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), no qual o Brasil foi condenado pela prática de
diversos atos de desaparecimento forçado, e ainda não cumpriu toda a decisão.
Como leciona André de Carvalho Ramos, “Para o Direito Internacional, então, não importa se o ordenamento local
(leia-se Constituição) é dualista ou monista. Para o Direito Internacional deve o Estado sempre cumprir a norma internacional.
Ou seja, como já vimos, importa ao Direito Internacional apenas suas próprias fontes normativas. O direito interno só será
utilizado se norma internacional a ele fizer remissão, conforme já visto acima. E é isso o que ocorre no chamado princípio
da primazia da norma mais favorável ao indivíduo.” (Supremo Tribunal Federal Brasileiro e o controle de convencionalidade:
levando a sério os tratados de Direitos Humanos)

Única exceção: Estado somente pode alegar, para afastar a aplicação do tratado, que seu consentimento
se deu em violação manifesta a respeito de norma de seu D. Interno, de importância fundamental, sobre competência
para concluir tratados (art. 46 da Convenção de Viena). Exemplo, no caso brasileiro, seria um tratado ratificado sem a
prévia aprovação do Congresso Nacional (ratificação imperfeita ou inconstitucionalidade extrínseca).
“Constituição brasileira e o D. Internacional”: Nossa Constituição não contesta a expansão e
institucionalização do D. Internacional. Dispositivos constitucionais fazem referência genérica a temas de D. Internacional
(proteção do meio ambiente, direitos humanos etc). Casos de abertura constitucional ao D. Internacional.
Cláusulas constitucionais abertas que permitem a compatibilidade do Direito Constitucional brasileiro face
ao D. Internacional. Diversas normas internacionais produzidas, então, são justificadas como “densificação normativa”
de sentimentos constitucionais amplos (RAMOS, 2004, pág. 314).
A Constituição Federal tem algumas passagens sobre o Direito internacional convencional, como é o caso do art. 84,
inciso VIII, o art. 49, inciso I, o art. 5º, parágrafo 3º, que fala dos tratados de direitos humanos, o art. 5º, parágrafo 4º, que
fala de justiça penal internacional e também art. 4º, inciso IX, sobre cooperação. Contudo, a constituição nada fala sobre as
normas consuetudinárias internacionais.
Essa abertura constitucional ao direito internacional se dá, em larga escala, com proeminência das influências do
Direito Internacional, havendo, no caso do Brasil, expressa previsão constitucional. Sobre o assunto, as palavras de Celso
Mello: “Parece-nos ser esta a melhor posição para ver uma Constituição, vez que estamos vivendo em uma época histórica
de grandes transformações, que ocorrem simultaneamente de modo contraditório impedindo que se possa discernir o seu
rumo. Acrescenta-se ainda que a ‘Constituição Aberta’ mostra estar o estado inserido em uma sociedade internacional. Na
verdade, a própria palavra ‘estado’ só tem sentido em uma sociedade internacional.”

Constituição é cumprida, assim, pelo recurso às normas internacionais (RAMOS, 2004, pág. 314).

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10.c - Conflitos internacionais e conflitos não-internacionais. Art. 3º comum às quatro
Convenções de Genebra. Condições para a aplicação do Protocolo II de 1977. Convergências entre as
garantias mínimas aplicáveis a conflitos não-internacionais e o regime de derrogações excepcionais
do art. 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 4º do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos.

Conflitos (armados) intencionais e conflitos (armados) não-internacionais – Segundo SHAW (881) “No
passado, a distinção entre os conflitos armados internacionais e os não internacionais baseava-se na diferença entre
as relações entre os Estados, que constituem o escopo propriamente dito do direito internacional, e os assuntos
intra-Estados, tradicionalmente entregues à jurisdição interna dos próprios Estados e, portanto, inacessíveis em princípio
à regulamentação jurídica internacional. No entanto, essa distinção vem desaparecendo nas últimas décadas. Isso
pode ser observado, no âmbito do direito humanitário, na extensão gradual da aplicação dessas normas aos conflitos
armados internos.”
Na acepção do direito internacional humanitário, classicamente, o conflito armado internacional envolve o uso das
forças armadas de um Estado contra o outro. O conflito armado não internacional diz respeito às hostilidades entre as forças
armadas do governo e grupos armados organizados ou entre esses grupos dentro de um Estado.
Entretanto, diante dos reflexos no plano internaconal de um conflito inicialmente interno, sobretudo diante de
crises migratórias, esse conceito tem sofrido mitigação.

Art. 3° comum as quatro Convenções de Genebra – As Convenções de Genebra são uma série
de tratados formulados em Genebra, na Suíça, definindo as normas para as leis internacionais relativas ao Direito
Humanitário Internacional. Apesar de as convenções serem voltadas para os conflitos entre Estados, o art. 3º já previa
regras e garantias mínimas para os conflitos não internacionais:
1) As pessoas que não tomem parte diretamente nas hostilidades, incluindo os
membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas
fora de combate por doença, ferimento, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas
as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de caráter desfavorável,
baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério
análogo.
Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar
relativamente às pessoas acima mencionadas:
a) As ofensas contra a vida e integridade física, em especial o homicídio sob todas as
formas, as mutilações, os tratamentos cruéis, torturas e suplícios;
b) A tomada de reféns;
c) As ofensas contra a dignidade das pessoas, em especial os tratamentos humilhantes e
degradantes;
d) As condenações proferidas e as execuções efectuadas sem prévio julgamento,
realizadas por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais
reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados.
2) Os feridos, os doentes e os náufragos serão recolhidos e tratados.

Condições para a aplicação do Protocolo II de 1977 –


Há três protocolos de emenda às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949:
Protocolo I: adotado em 8 de junho de (1977) se refere à proteção das vítimas de conflitos armados
internacionais, considerando que conflitos armados contra a dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas
devem ser considerados como conflitos internacionais.
Protocolo II: também adotado em 8 de Junho de 1977 pela mesma Conferência Refere-se à proteção das vítimas
durante conflitos armados não internacionais (guerras civis) .
Segundo entende o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, alguns artigos contidos em ambos os protocolos são
reconhecidos como regras do Direito consuetudinário, válidas para todos os Estados - mesmo para aqueles que não
ratificaram os Protocolos.
Protocolo III: adotado em 8 de dezembro de 2005, pela Conferência Diplomática de 2005, autoriza o uso de um
novo emblema distintivo das Convenções de Genebra – o cristal vermelho, também conhecido como "emblema do terceiro
protocolo", neutro de significados políticos e religiosos, adicional à cruz vermelha e ao crescente vermelho, Xsímbolos
universais de assistência a vítimas de conflitos armados.

Segundo SHAW (885), o p r o t o c o l o I I é aplicável “a todos os conflitos armados não internacionais que
ocorram no território de um Estado-parte entre suas forças armadas e forças armadas dissidentes. Estas últimas devem
estar sujeitas a um comando responsável e exercer um controle sobre parte de seu território que as habilite a
empreender operações militares continuadas e coordenadas e a implementar na prática o Protocolo II. Este não se
aplica a situações de distúrbios internos, como tumultos e desordens, atos de violência isolados e esporádicos e outros
atos de natureza semelhante que não sejam conflitos armados.”

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Convergências entre as garantias mínimas aplicáveis a conflitos não-internacionais e o regime de
derrogações excepcionais do art. 27 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 4° do Pacto
Intencional de Direitos Civis e Políticos – Ambos os dispositivos autorizam a suspensão da aplicação dos
respectivos tratados em situações excepcionais (guerra, perigo público ou, genericamente, qualquer “emergência pública
que ameace a existência da nação”). No entanto, ambos expressamente proíbem que sejam adotadas medidas
discriminatórias (raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social) ou incompatíveis com outras obrigações de direito
internacional. Tal disposição, por si só, já garantiria a aplicação das garantias mínimas previstas pelo art. 3º das
Convenções de Genebra e pelo 2º Protocolo Adicional, porém ao permitirem a derrogação excepcional, ambos os
tratados expressamente excluem certos direitos e garantias de tais derrogações como o direito ao reconhecimento
da personalidade jurídica, direito à vida, direito à integridade pessoal (inclusive vedação à tortura e tratamento cruel),
proibição da escravidão e da servidão, princípio da legalidade e da retroatividade, liberdade de consciência e
religião, proteção da família, direito ao nome, direitos da criança, direito à nacionalidade e direitos políticos. O conjunto
dos direitos e garantias cuja derrogação é expressamente vedada termina sendo ainda mais amplo que as garantias
mínimas das Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.
Como informa o Manual da ESPMU, deve-se ressalvar que essas cláusulas são resultado, antes de mais nada,
de negociações entre Estados. Sua formulação muitas vezes “esponjosa” revela que eles tentaram conceder a si próprios
um considerável espaço de discricionariedade, para poderem ficar “donos da situação”. No entanto, é a tarefa dos órgãos
internacionais competentes de monitoramento fiscalizar e questionar a legalidade das medidas tomadas pelos Estados com
base na avaliação da situação dada no caso concreto.
Além disso, há direitos humanos que jamais podem ser suspensos, porque tal medida seria sempre
desproporcional. Esses direitos são fixados pelas cláusulas de derrogação como direitos humanos “não derrogáveis”. Nem
sempre são os mesmos direitos. Quem lê, por exemplo, o art. 27° (2) da ConvADH, vai descobrir que ele é mais abrangente
do que o art. 4° (2) do PIDCP. Direitos não derrogáveis que
praticamente todas as cláusulas de derrogação têm em comum são o direito à vida, a proibição da tortura e da
escravidão e servidão, assim como o princípio da legalidade (nulla poena sine lege) e da não discriminação por motivos de
raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
Outro pressuposto de suspensão é a compatibilidade das medidas tomadas pelo Estado com “as demais
obrigações que lhe impõe o direito internacional” Pertencem a essas obrigações aquelas estipuladas pelo costume
internacional e, em particular, pelo ius cogens. Desse modo, pode ser estendido o círculo de garantias não derrogáveis não
explicitamente estipuladas. Além disso, podem se tornar relevantes
outros tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado derrogador que estipulam pressupostos mais restritos
do que o do acordo em questão.

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11.a. Tribunais internacionais ad hoc e tribunais mistos. Princípio da primazia da jurisdição
penal internacional e suas mitigações. Dever de cooperar com os tribunais internacionais.

TRIBUNAIS INTERNACIONAIS AD HOC: são aqueles instituídos em razão de determinada matéria, ex post facto
e com caráter temporário. Os seguintes tribunais internacionais ad hoc são de fundamental importância:
1) Tribunal Militar de Nuremberg (TMN), instituído pelo Acordo de Londres em 1945/46, para julgar os (a) crimes
de guerra, (b) crimes contra a paz, (c) crimes contra a humanidade[*] e (d) crimes de conspiração praticados pelos nazistas
no Holocausto. Esse tribunal “importou numa nova ordem nas relações jurídicas e políticas entre as nações, limitando a
soberania ante o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário” (SOUZA, p. 13). O rol de
delitos do TMN fixou as bases dos ilícitos dos tribunais internacionais subsequentes. Admitiu o julgamento de pessoas físicas
e jurídicas (SOUZA, p. 14);
[*O julgamento de Nuremberg não violou o princípio da irretroatividade da norma penal no que diz respeito aos
crimes contra a humanidade porque a violação das leis contra a humanidade já atentava contra os costumes da guerra
desde a Cláusula Martens inserida Convenção de Haia de 1907 (cf. ARAGÃO). No direito internacional, em que o costume
é tido como uma importante fonte, vigora a máxima nullum crimen nulla poena sine iure (obs.: o Est. de Roma, porém, utiliza
a fórmula nullum crimen nulla poena sine lege – arts. 22 e 23)].
2) Tribunal Militar Internacional de Tóquio (ou Tribunal para o Extremo Oriente), instituído entre os anos de 1946/48
para julgar os crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade praticados por autoridades políticas e
militares no Japão imperial. Ao contrário do TMN, não foi incluído o tipo penal da conspiração e somente foram julgadas
pessoas físicas;
3) Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia (TPII), criado em 1993 por deliberação do Conselho de Segurança da ONU
(Resolução 827), para julgar violações graves às Convenções de Genebra, às leis e aos costumes de guerra, genocídio e
crimes contra a humanidade praticados no território da antiga Iugoslávia [Caso Tadic]. Somente julgou pessoas físicas e, o
que é mais importante, previu jurisdição concorrente à jurisdição interna, sobrepondo-se a quaisquer processos em curso
nas cortes nacionais (diferentemente do Tribunal Penal Internacional de Roma – TPI, que possui jurisdição complementar).
[No caso Tadic (1995), o TPII decidiu que a circunstância de um crime ser ou não cometido no contexto de um
conflito armado não é relevante para a definição de crimes contra a humanidade, mas sim para delimitar a competência
material de um tribunal internacional (v. questão 53 da prova objetiva do 25º concurso)].
4) Tribunal Penal para Ruanda (TPIR), criado em 1994 também por deliberação do Conselho de Segurança
(Resolução 955), para julgar as inúmeras violações de direitos perpetradas em Ruanda. Sua estrutura é similar à do TPII,
inclusive no que diz respeito à jurisdição concorrente à jurisdição interna.
“O TPII e o TPIR constituíram os únicos exemplos de jurisdição penal instituída pela comunidade internacional
representada pela ONU, não sendo, tecnicamente, tribunais impostos por ‘vencedores aos vencidos’” (SOUZA, p. 17).
TRIBUNAIS MISTOS: surgiram como alternativa ao modelo dos tribunais internacionais ad hoc, cujas falhas
incluíam a ausência de participação da população local e a falta de legitimidade de suas decisões no plano interno. Os
tribunais mistos são criados para julgar atrocidades cometidas em um Estado mediante acordo entre a ONU (Conselho de
Segurança) e esse Estado – ou, no caso do Kosovo e do Timor Leste, por iniciativa exclusiva da ONU –, advindo seu caráter
híbrido da composição por juízes nacionais e internacionais (em menor número) e da localização da sua sede no próprio
país em que ocorreram os crimes. Não possuem um modelo institucional uniforme pré-definido, notadamente quanto à base
legal aplicável para julgamento. O primeiro deles, criado em 2001, foi o Tribunal Especial para Serra Leoa, seguido pelas
Câmaras Especiais ou Extraordinárias nos Tribunais em Camboja (crimes cometidos pelos Khmer Vermelho – Resolução nº
57/228B da AG da ONU, de 2003), pelo Tribunal Especial para o Líbano (para investigar o assassinato do primeiro ministro)
e pelos painéis mistos de julgamento em Kosovo e em Timor Leste.
PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA JURISDIÇÃO PENAL INTERNACIONAL E SUAS MITIGAÇÕES: os tribunais
penais ad hoc para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, como dito, previram a jurisdição concorrente em relação à jurisdição
interna. Para solucionar, então, o conflito entre jurisdições, os respectivos estatutos contemplaram o princípio da primazia
da jurisdição penal internacional desses tribunais, que deriva do caráter vinculante da resolução do Conselho de Segurança
da ONU que instituiu tais tribunais. Em síntese, portanto, no caso de conflito de competência, prevaleceria a jurisdição
internacional do TPII ou do TPIR. [Veja-se, por exemplo, o art. 8º do Estatuto do TPIR: “Artigo 8º: Jurisdições Concorrentes
[...] 2. O Tribunal Internacional para a Ruanda tem primazia sobre as jurisdições nacionais de todos os Estados, podendo,
em qualquer fase do processo, solicitar oficialmente às jurisdições nacionais que renunciem à respectiva competência a seu
favor, em conformidade com o presente Estatuto e com o Regulamento Processual”. No mesmo sentido, v. art. 9º do TPII].
Contudo, para evitar sobrecarga de processos nos tribunais internacionais, também foram previstas mitigações ao
princípio da primazia da jurisdição penal internacional, como no caso do art. 11 do Regulamento Processual ou Regras de
Procedimento e Prova do TPIR, que permite ao tribunal internacional entregar o caso para julgamento por outra corte do
Estado (i) em cujo território o crime foi cometido; ou (ii) no qual o acusado foi preso; ou (iii) que tenha jurisdição e esteja
disposto e adequadamente preparado para aceitar tal caso. Na prática, então, o TPIR passou a funcionar, em certa medida,
de maneira complementar aos tribunais nacionais.
Diversamente do TPII e do TPIR, o TPI não antecede nem tem primazia sobre a jurisdição interna, regendo-se pelo
princípio da complementariedade. Assim, sua jurisdição somente tem lugar quando o Estado, no exercício da sua jurisdição
doméstica, demonstre-se indisposto ou incapaz de processar e julgar determinado crime, nos termos do art. 17 do Estatuto
de Roma.
DEVER DE COOPERAR COM OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS. A ratificação de uma convenção multilateral
para a criação de um tribunal internacional constitui ato de soberania do Estado. Os tribunais internacionais não são foros
vinculados a uma soberania em particular, mas sim entes criados voluntariamente pelos próprios Estados para exercer
jurisdição sobre si e, desse modo, contribuir para o tratamento de temas de interesse comum [ADCT: Art. 7º: “O Brasil
propugnará pela formação de um Tribunal Internacional dos Direitos Humanos”].
O dever de cooperar com os tribunais internacionais advém, portanto, da manifestação soberana dos Estados

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quando da ratificação dos tratados que criaram tais tribunais. Existem basicamente dois modelos de cooperação: a) vertical,
pelo qual o tribunal internacional pode emitir ordens de caráter vinculante aos Estados; b) horizontal, pelo qual as relações
entre os Estados e o tribunal internacional são delineadas conforme o padrão interestatal de cooperação, não havendo
autoridade do tribunal sobre os Estados (JANKOV, p. 264-265). Esses dois modelos são tratados por BASSIOUNI,
respectivamente, como sistemas enforcement direto (Tribunais Militares de Nuremberg e Tóquio) e de enforcement indireto
(TPIR e TPII) [De acordo com Marcello Miller (Prof.º do Alcance), o enforcement indireto pode ter funcionamento vertical
(manejo repressivo do sistema de justiça criminal pelos Estados, em cumprimento a normas internacionais) ou horizontal
(manejo cooperativo do sistema de justiça criminal pelos Estados, em cumprimento a normas internacionais)].
O TPI contempla um sistema híbrido de implementação (enforcement), pois prevê a atuação complementar do
tribunal ao sistema jurisdicional dos Estados, sem dispensar, porém, a cooperação estatal, conforme arts. 86 e seguintes.
Diante de recusa à obrigação de cooperação, “o Tribunal poderá elaborar um relatório e remeter a questão à Assembleia
dos Estados Partes ou ao Conselho de Segurança, quando tiver sido este a submeter o fato ao Tribunal” (art. 87, par. 7). O
ETPI poderia ter ido além e previsto as consequências para a não cooperação, pois, “se um Estado não coopera com o
tribunal, está violando o tratado” (JANKOV, p. 269).
Por fim, em razão do dever de cooperar, entende-se que as sentenças de tribunais internacionais aos quais o Brasil
aderiu (TPI, CIDH) não estão sujeitas a homologação pelo STJ (PORTELA, p. 846-847).
QUESTÕES DE CONCURSO:
Explicar o princípio da primazia. O Brasil é obrigado a cumprir prisões determinadas por tribunais da ex
Iugoslávia Ruanda etc.? E de tribunais híbridos? Eu disse que sim e parece q ela gostou. Eu disse q os tpis foram
criados pelo CS e a carta da ONU da poderes p isso e o Brasil se comprometeu a cumprir a carta da ONU.
(COMENTÁRIOS DO ATUALIZADOR ANTERIOR)

Palavras-chave: TPI – tribunal permanente – Justiça Penal Internacional.

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11.b. Desapropriação e seus reflexos no direito internacional. Proteção de
nacionais desapropriados por Estado estrangeiro. Indenização devida.

DESAPROPRIAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL. A desapropriação de bens estrangeiros suscita um


conflito entre dois interesses bem definidos: o dos investidores estrangeiros (que desejam proteção e segurança para
investirem no exterior) e o dos países importadores de capital (que precisam ter atenção com os impactos financeiros
nacionais de grandes investimentos estrangeiros, tal como a drenagem da moeda). Em DIP, desapropriação significa
algo mais do que a total tomada da propriedade, abrangendo também certos atos que não chegam ao ponto de retirar
completamente a posse direta dos bens (p. ex., qualquer influência injustificada no uso, gozo ou disposição de bens que
permita deduzir que o proprietário não poderá exercer tais faculdades por um período razoável de tempo e, ainda, o
confisco da maioria das ações com direito a voto de uma companhia). A desapropriação de bens estrangeiros é uma
medida legítima no DIP, desde que adimplidas algumas condições, como uma razão de utilidade pública e a ausência de
tratamento discriminatório em face do estrangeiro (seja em relação ao nacional, seja em relação a estrangeiros de
terceiros Estados).
Sobre tais condições, ganha destaque o caso da Fábrica de Chorzow (CPJI, 1928): a Alemanha ocupava
territorialmente a Alta Silésia, mas, ao final da Primeira Guerra, a região ficou sob a soberania polonesa. Porém, diversos
alemães permaneceram na região. A Polônia editou uma lei dispondo que o Estado expropriaria ativos alemães na Alta
Silésia por simples alteração de registro (sem desapropriação e sem indenização). A Alemanha propôs, então, uma ação
perante a Corte Permanente de Justiça Internacional (antecessora da CIJ). O caso da Fábrica de Chorzow chama atenção
para dois temas: A PROTEÇÃO DE NACIONAIS DESAPROPRIADOS POR ESTADO ESTRANGEIRO e a INDENIZAÇÃO
DEVIDA.
Quanto à proteção de nacionais, a Alemanha entendeu que houve o chamado “endosso”, ou seja, que o ato
transcendeu a esfera dos interesses de seus nacionais, saindo da esfera da responsabilidade civil e para a responsabilidade
internacional. O endosso é ato discricionário.
Já no que diz respeito à indenização devida, a CPJI entendeu pela primeira vez que, PARA O DIREITO
INTERNACIONAL, O DIREITO INTERNO É MERO FATO. Ou seja, o DIP não reconhece caráter jurídico ao direito
interno. Assim, considerando que os alemães proprietários da fábrica de Chorzow possuíam direito adquirido de
propriedade, que era oponível mesmo em caso de sucessão de Estados, a CPJI declarou que toda violação de um
compromisso envolve a obrigação de reparar (princípio geral de direito). A CPJI valeu-se de uma definição ampla de
restituição na íntegra (restitutio in integrum) como a melhor forma de reparação, em célebre passagem: “a reparação deve,
tanto quanto possível, apagar todas as consequências do ato ilícito e restabelecer o estado que provavelmente
existiria se o referido ato não tivesse sido cometido”.
Outro precedente importante no que diz respeito à proteção de nacionais desapropriados é o caso Barcelona
Traction (CIJ, 1970). A Bélgica, com base no instituto da proteção diplomática, pedia reparação por danos sofridos por seus
nacionais, que eram acionistas da Cia Barcelona Traction, empresa canadense que prestava serviços na Espanha. Em
determinado momento, o governo espanhol criou dificuldades para operações internacionais de captação de recursos, o que
gerou situação de falência à Cia, que foi decretada na Espanha, tendo seus ativos expropriados para que os serviços de
iluminação pudessem ser desenvolvidos pelo Estado espanhol.
A CIJ entendeu que a Bélgica não possuía jus standi para propor a ação em defesa dos interesses dos acionistas,
pois a nacionalidade da companhia é definida pelo local da sua constituição (prevalência da nacionalidade nominal sobre a
efetiva) e, assim, somente o Canadá é quem poderia pleitear proteção diplomática da empresa canadense, uma vez que as
medidas reivindicadas se referiam à própria companhia (e não seus sócios ou acionistas, sendo assim irrelevante, para a
proteção diplomática, a nacionalidade deles). Somente se o Canadá não tivesse capacidade de prestar proteção diplomática
à empresa é que seria possível considerar a legitimidade da Bélgica; ou seja, seria possível, apenas em tese, a proteção
diplomática por país diverso da nacionalidade da empresa.
A CIJ decidiu também que um Estado poderia prestar proteção diplomática a investimentos estrangeiros que se
encontrassem em seu território desde que haja um acordo de proteção de investimentos; ou seja, seria possível a celebração
de tratado para fins de proteção de investimentos dos nacionais dos países acordantes que estivesse no outro país [Para
evitar alguns efeitos danosos da desapropriação, é comum que se firmem acordos bilaterais ou multilaterais de investimento
no exterior, os quais trabalham com a ideia de incentivo ao capital e bens estrangeiros, com estabelecimento de condições
favoráveis ao investimento. Muitas disputas acerca da desapropriação de bens estrangeiros foram resolvidas diretamente
pelos Estados envolvidos por uso de acertos de pagamento por soma global (lump-sum), com valor total muito abaixo do
valor de mercado dos bens. Existe a Conv. Fundação da Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (1985), que
procura regulamentar justamente aspectos de investimentos estrangeiros no exterior, a fim de buscar um equilíbrio. Essa
agência faz parte do Banco Mundial e oferece um seguro aos investidores e credores contra o risco político de
desapropriação], o que não era o caso da Bélgica e da Espanha.
Outro ponto muito importante da decisão foi a definição de obrigação erga omnes como conjunto de obrigações
que veiculam valores essenciais para a comunidade internacional como um todo (ex.: instrumentos universais ou quase
universais de proteção de DH), em contraposição à proteção diplomática (que foi o instituto aplicado no caso) – RAMOS, p.
341-342. No caso, não se reconheceu o caráter erga omnes das obrigações violadas (relativas à desapropriação de bens
estrangeiros), pelo que se negou à Bélgica o jus standi (a Bélgica foi considerada um Estado terceiro sem legitimidade para
exigir o cumprimento de obrigações pela Espanha).
QUESTÃO DE CONCURSO: Desapropriação. O dip autoriza desapropriação? Qual o regramento?

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11.c. Responsabilidade não-penal de indivíduos no direito internacional por sua participação
em graves violações de direitos humanos.

Desde os horrores praticados no bojo da segunda grande conflagração mundial, o mundo procurou
criar e fortalecer mecanismos de proteção dos direitos humanos, a fim de evitar que tais barbaridades se repitam
na história da humanidade.
Mas essa visualização de combate a esse tipo de violação possui raiz histórica já no pós primeira grande
guerra, pois ali se buscou estruturar mecanismos para punir os brutais ataques, em especial os realizados contra os
armênios. E, embora essa tentativa não tenha se concretizado, deu subsídio para a efetivação dessa punição no pós
segunda guerra mundial. Logo, a criação do Tribunal de Nuremberg, ainda que visto por alguns como tribunal de
exceção, tem legitimação histórica no movimento ocorrido no pós primeira guerra. Assim, cada vez mais tem se reprovado
violações de direitos humanos.
O curso da história revela que os Estados são os grandes responsáveis por tais violações. Essa prática
nefasta pode se manifestar tanto por ações como por omissões. Ou seja, direitos humanos podem ser violados por
atos praticados por agentes estatais como por omissões quando o Estado deveria agir para obstar ataques a direitos
humanos.
Assim, sendo materializada a responsabilidade estatal, haverá a responsabilização do respectivo Estado,
que será tanto a de fazer cessar o ataque como de buscar restaurar no mais que puder ao estado anterior os direitos
humanos que foram objeto da violação. Mas o Estado nem sempre será responsabilizado diretamente pela
violação, afinal pode não ter sido esta praticada por um agente seu nem tivesse o Estado condições de agir para
impedir o ataque. De qualquer forma, havendo violação a direitos humanos, ainda que não possa isso ser atribuído
ao Estado, este deve agir para proteger e promover os direitos humanos atingidos.
A responsabilidade pode se manifestar com relação ao agente violador tanto penal como civilmente.
A jurisprudência internacional tem se encaminhado no sentido de exigir a persecução penal dos acusados de violação
de direitos humanos, funcionando a jurisdição penal internacional de forma complementar às dos Estados. Nessa
linha, a Corte Interamericana tem rechaçado constantemente as leis de anistia referente a atos de violação de direitos
humanos, havendo inclusive julgado recentemente caso envolvendo a guerrilha do Araguaia, em que se manifestou
contrariamente ao julgamento do STF validando a Lei que concedia anistia a fatos ocorridos durante o regime militar.
Na esfera civil (não penal), várias medidas podem ser impostas aos violadores de direitos humanos.
Assim sendo, o responsável particular deve ser impelido pelas instâncias oficiais a atuar no sentido de, se possível,
fazer desaparecer os efeitos da violação, restaurar a situação ao “status anterior quo ante”, indenizar a vítima no
que couber e promover meios de esta retomar a sua vida anterior e continuar a sua caminhada rumo à realização
como pessoa.
Havendo violações de direitos humanos não diretamente imputadas ao Estado, este ainda assim deve agir
para, no mínimo, fazer cessar o ataque e impedir novas ocorrências dessa natureza.
A obrigação de faceta negativa implica em abstenção de ingerência no âmbito de proteção dos direitos
humanos. Essa foi a primeira manifestação de proteção, em que se impunha ao Estado a não-ação arbitrária na vida
das pessoas.
Mas esse direcionamento vertical progrediu para alcançar também um sentido horizontal, de modo que
indivíduos também não podem violar direitos humanos de outrem. As obrigações de matriz positiva compõem um
modelo tridimensional: dever de respeitar, dever de proteger e dever de garantir.
O desdobramento dessas obrigações se materializa sob cinco aspectos: - cessação da violação de direito;
- omissão de futuras violações de direito; - restituição natural; - indenização e satisfação. A indenização tomará
forma quando a restituição natural (restabelecimento da situação ao seu estado anterior) não for possível.
Satisfação implica em medidas que assumem formas imateriais, tais como manifestação oficial de desculpas ou
criação de memoriais destinados a relembrar violações a fim de que sirva de alerta para a não repetição.
O Estatuto de Roma, conquanto norma penal, traz em seu bojo, artigo 75, dispositivo de efeito não-
penal, qual seja a reparação em favor das vítimas, a qual se consolidará por meio de restituição, indenização
ou reabilitação.
Na legislação brasileira, são exemplos desses efeitos não-penais os artigos 45, § 1º e o 91, I, ambos do Código
Penal e o artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, inserido com essa redação pela Lei 11.719/2008.
Por fim, a Lei 11.340/2006, que foi editada tendo em vista que o Brasil aderiu a Convenções Internacionais
de proteção à mulher, traz várias conseqüências não-penais em relação ao agente que incorreu em violação no
âmbito doméstico a direitos humanos de pessoa do sexo feminino.

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12. a. Direito internacional humanitário. Ius in bello e ius ad bellum: convergências e
divergências. Direito de Genebra e Direito da Haia. Princípio da distinção. Princípio da proteção.
Princípio da necessidade militar. Princípio da proporcionalidade.

Direito internacional humanitário. É “o ramo do Direito Internacional e do Direito Internacional dos Direitos
Humanos que visa a reduzir a violência inerente aos conflitos armados, limitando o impacto das hostilidades por meio da
proteção de um mínimo de direitos inerentes à pessoa humana e pela regulamentação da assistência às vítimas das guerras,
externas ou internas” (PORTELA, p. 717). O marco inicial do direito humanitário foi a Convenção de Genebra de 1864,
resultado do trabalho pioneiro de Henry Dunant retratado em seu livro Uma Lembrança de Solferino (SHAW, p. 869). As
fontes são de origem consuetudinária, mas foram amplamente codificadas durante o século XX. O Objetivo do Direito
Humanitário é limitar a violência inerente à guerra. Princípios: neutralidade [A assistência humanitária não pode ser vista
como “intromissão no conflito”]; universalidade; não-discriminação [Suas normas se aplicam a todas as pessoas, bem como
a conflitos INTERNOS ou EXTERNOS]; humanidade [Os meios empregados nos conflitos armados devem ser “somente os
necessários para pôr o inimigo em condição de rendição”]; normas aplicadas em todas as circunstâncias e em quaisquer
tipos de conflitos (externos ou internos) e responsabilidade [O Estado é o responsável pela aplicação das normas de Direito
Humanitário, bem como os indivíduos que fazem parte da tropa]. Pessoas e bens protegidos: pessoas, bens e locais não
militares; civis e bens de uso civil; militares feridos, doentes, náufragos ou prisioneiros de guerra; pessoal, instalações e
equipamentos sanitários; religiosos; pessoal da imprensa; mortos; prioridade na proteção de crianças, mulheres grávidas,
parturientes e mães de lactentes ou com filhos de pouca idade. Principais normas: os não-combatentes e combatentes fora
de combate devem receber tratamento humano; proibição de ataques a pessoas e bens informados no tópico anterior;
proteção de bens culturais; proibição de represálias, tomadas de reféns, cercos etc.; os feridos, doentes e prisioneiros em
poder do inimigo devem ser tratados humanamente, proibindo-se tortura e garantindo-se assistência médica, alimentação
etc.; liberdade de atuação do pessoal sanitário; o processo judicial deve ser conduzido de acordo com as garantias
reconhecidas pelos povos civilizados (PORTELA, p. 731). Cláusula Martens: “em caso de ausência de norma em uma guerra,
as partes sempre têm que ter em mente que o conflito é entre beligerantes, e não entre pessoas que nada têm a ver com o
conflito, que estão fora do combate. Em relação a essas devem ser sempre aplicadas as leis de humanidade”.1 Encontra
previsão na Convenção da Haia, de 1907, sobre os Costumes da Guerra Terrestre (Convenção nº 4).
OBS 2: A aplicação do Direito Humanitário, a ONU e a Cruz Vermelha: Todos os órgãos da ONU que tenham
competência para tratar de direitos humanos podem velar pela aplicação das normas das Convenções de Genebra. Atenção:
A ONU PODE ATUAR NO CAMPO HUMANITÁRIO! Pode inclusive emitir recomendações. A ONU inclui também órgãos
específicos, a exemplo dos seguintes: ESCRITÓRIO DE COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS HUMANITÁRIOS;
REPRESENTANTE ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL PARA QUESTÃO DAS CRIANÇAS E DOS CONFLITOS
ARMADOS; ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (ACNUR). Para contribuir com o
monitoramento, as Convenções de Genebra estabeleceram uma Conferência Internacional, formada pelos Estados-partes
desses tratados, que se reúne a cada quatro anos, em Genebra.

2. Ius in bello e ius ad bellum: convergências e divergências. Ius in bello: direito aplicável na guerra; busca
regulamentar a condução das hostilidades. Cuida de regras que devem ser observadas pelas partes envolvidas em um
conflito armado. É chamado de “Direito de Guerra” ou “Direito da Haia”. Ius ad bellum: direito de promover a guerra; diz
respeito às leis que regem o uso da força. Trata de situações em que uma parte pode empreender uma “guerra justa” contra
outra. Ambos abrangem o tema guerra ou, mais especificamente, o uso da força nas relações internacionais. A ideia do ius
ad bellum é antiga e se baseou, em um primeiro momento, na necessidade de os Estados justificarem perante a comunidade
internacional as guerras que empreendiam como justas, e na fase da Liga das Nações em uma tentativa de submeter as
partes em conflito à métodos de solução de controvérsia diversos antes de efetivamente entrarem em conflito armado. O ius
in bello, por sua vez, é mais recente, inspirado pelo incremento do potencial destrutivo da guerra desde o fim do século XIX.
A principal convergência parece ser a tentativa de regular a guerra e suas consequências nefastas (em especial na fase
mais recente do ius ad bellum), ambas buscando uma progressiva humanização dos conflitos armados. Por outro lado, a
principal divergência está no foco. Enquanto o ius ad bellum visa evitar (ou justificar) o uso da força, o ius in bello objetiva
regular a conduta dos beligerantes. É interessante observar que o ius ad bellum atualmente restringe-se a duas
possibilidades: (i) legítima defesa individual ou coletiva no caso de ataque armado contra um Estado-membro das Nações
Unidas; e (ii) ação militar determinada pela própria ONU, através do Conselho de Segurança, para evitar a guerra ou restaurar
a paz. Pelo Tratado de Renúncia à Guerra, de 1928, mais conhecido como Pacto de Paris ou Briand-Kellog, os Estados
declaram que condenam o recurso à guerra para a solução das controvérsias internacionais, a ela renunciando como
instrumento de política nacional nas suas mútuas relações, bem como entendem que a solução das controvérsias deverá
ser sempre feita por meios pacíficos.
3. Direito de Genebra e Direito da Haia. Direito de Genebra ou Direito Humanitário refere-se às quatro
convenções de 1949, denominadas “Convenções da Cruz Vermelha”, e os protocolos adicionais de 1977, que tratam da
proteção da pessoa humana em caso de conflito armado, tanto os militares fora de combate, bem como as pessoas que não
participem nas operações militares, sob a regência de três princípios: (i) neutralidade; (ii) não-discriminação; e (iii)
responsabilidade (RESEK, p. 376). Direito da Haia ou Direito da guerra propriamente dito, relativo às Convenções de 1899
e 1907, “é voltado à regulamentação das operações militares, estabelecendo os direitos e deveres dos beligerantes nos
combates e, portanto, limitando as ações dos Estados nos conflitos armados” (PORTELA, p. 719). Estas regras têm vista a
necessidade de ter em conta necessidades militares das parte em conflito, nunca esquecendo porém os princípios de
humanidade.
Segundo SHAW (p. 870/871): “A Corte Internacional de Justiça afirmou que o ‘Direito de Haia’ – que aborda
principalmente as normas interestatais que regem o uso da força ou as ‘leis e costumes da guerra’, como eram chamados
tradicionalmente – e o ‘Direito de Genebra’ – que trata da proteção de pessoas contra os efeitos dos conflitos armados –
‘tornaram-se tão intimamente inter-relacionados que se pode considerar que aos poucos vieram a constituir um único sistema

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complexo, atualmente conhecido como direito humanitário internacional’”. Portanto: Direito Humanitário x Direito de Haia:
Não se confundem. Direito de Genebra visa a proteção das vítimas de guerra. Direito de Haia é Voltado à regulamentação
das operações militares, estabelecendo direitos e deveres dos beligerantes.
Obs. As chamadas regras de Nova Iorque prende-se com a protecção dos direitos humanos em período de conflito
armado. Encontra-se na sua base a actividade desenvolvida pelas Nações Unidas no âmbito do direito humanitário. Com
efeito é importante referir que em 1968 a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Resolução 2444 (XXIII) com o
título "Respeito dos direitos humanos em período de conflito armado", o que constitui um marco, verdadeiro sinal da mudança
de atitude desta organização no que diz respeito ao Direito humanitário. Se, desde 1945 a O.N.U. não se ocupou deste ramo
do direito com a justificação de que tal indiciaria uma falta de confiança na própria organização enquanto garante da paz, o
ano de 1968 pode ser considerado como o do nascimento deste novo foco de interesse. As Nações Unidas têm desde então
vindo ainda a mostrar um grande interesse em tratar questões como as relativas às guerras de libertação nacional, e à
interdição ou limitação da utilização de certas armas clássicas.
4. Princípio da distinção. Devem-se distinguir combatentes (militares) de não combatentes (pessoas e bens
civis). Operações militares devem se restringir a alvos militares. “A fim de garantir respeito e proteção à população civil e aos
bens de caráter civil, as Partes em conflito deverão sempre fazer distinção entre a população civil e os combatentes, entre
os bens de caráter civil e os objetivos militares e, em conseqüência, dirigirão suas operações unicamente contra os objetivos
militares” (art. 48 do Prot. I).
5. Princípio da proteção. “Todos os feridos, enfermos e náufragos, qualquer que seja a Parte a que pertençam,
serão respeitados e protegidos.” (art. 10, 1, do PI). Vide, ainda, arts. 51 e ss.: proteção da população civil, de bens de caráter
civil, de bens culturais e dos lugares de culto, de bens indispensáveis à sobrevivência da população civil, do meio ambiente
natural, de obras e instalações contendo forças perigosas, de refugiados e apátridas, de mulheres, crianças e jornalistas.
6. Princípio da necessidade militar. Os ataques devem ser estritamente limitados aos objetos militares. Para
atingir o objetivo de derrotar o inimigo a parte em conflito pode impor danos a bens e direitos de civis, na estrita medida da
necessidade militar, desde que não caracterize tratamento desumano ou alguma outra atividade proibida por normas de DIP.
“Quando é possível eleger entre vários objetivos militares para se obter uma vantagem militar equivalente, optar-se-á pelo
objetivo cujo ataque, segundo seja de prever, apresente menor perigo para as pessoas civis e os bens de caráter civil.” (art.
57, 3, do PI). Este princípio deve sempre ser aplicado tendo em vista o princípio da proporcionalidade.
7. Princípio da proporcionalidade. A força utilizada deve ser proporcional ao fim desejado. “A proporcionalidade,
como a própria palavra sugere, é a relação proporcional entre o uso da força e da violência física para alcançar o objetivo
militar, porém, pelo fato dos inevitáveis efeitos colaterais, como morte de civis, danos aos bens civis dispersos no campo de
batalha etc., a destruição deve ser minimizada assim como casualidades colaterais.”2 São vedados, assim, “os ataques
quando se pode prever que causarão incidentalmente mortos e ferimentos entre a população civil, ou danos a bens de
caráter civil, ou ambas as coisas, e que seriam excessivos em relação à vantagem militar concreta e diretamente prevista”
(art. 51, 5, b, do PI).

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12.b. Extradição. Entrega. Execução de SEntenças Cíveis e Criminais. Transferências de
presos.

1. Extradição. É uma medida de cooperação judiciária internacional, tendo por objetivo permitir a entrega de
indivíduo para outro Estado a fim de que possa responder a processo penal ou cumprir pena. A extradição pressupõe que
exista, no país requerente, sentença penal transitada em julgado ou processo penal com prisão decretada. A extradição tem
como base jurídica tratado de extradição entre os países ou promessa de reciprocidade. Para realizar promessa de
reciprocidade, é necessário que o Poder Executivo do outro país tenha competência constitucional para tanto (foi o que
impediu a extradição de Ronald Biggs para o Reino Unido).
Pela Convenção da ONU de 1984, a tortura é sempre crime extraditável entre os signatários, que não extraditarão
para país onde haja tal risco. O terrorismo também não é considerado crime político para fins de extradição. Não impede a
extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro (Súmula 421-STF). No Brasil,
adotou-se o sistema belga, ou da contenciosidade limitada, de modo que o STF só examina a legalidade da extradição em
seus aspectos formais. Dessa forma, a efetiva entrega é discricionária, sendo decisão soberana do país, decidida pelo
Presidente da República (caso Battisti: Ext 1085 e Rcl 11243). A decisão do STF só vincula quando reconhece
irregularidades na extradição. A prisão preventiva é condição de procedibilidade para o processo de extradição e, tendo
natureza cautelar, destina-se a assegurar a execução de eventual ordem de extradição (arts. 81 e 84 da Lei 6.815/90), não
cabendo liberdade provisória ou prisão domiciliar, salvo em situações excepcionais (STF, Ext 1234). No entanto, esse
entendimento já foi mitigado (STF, Ext 1254 QO).
São requisitos da extradição: dupla tipicidade (não é necessária absoluta coincidência entre a denominação dos
delitos), inexistência de prescrição em nenhum dos países (dupla punibilidade), não ser crime político ou de opinião (sendo
possível a extradição se for conexo com crime comum), comutação da pena de morte em reclusão máxima de 30 anos, que
o extraditando não seja torturado ou submetido a tribunal de exceção, respeito ao princípio da especialidade (o extraditando
não pode ser processado ou crime diverso do que motivou a extradição). O extraditado não pode ser entregue a terceiro
país sem autorização do Brasil. O Brasil não extradita se for competente para julgar o crime; quando a lei brasileira impuser
ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano; quando o extraditando estiver a responder a processo ou já houver
sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato (PROIBIÇÃO DO BIS IN IDEM EM MATÉRIA EXTRADICIONAL)
(se for crime diverso pode); quando condenado no estrangeiro a pena diversa da privativa de liberdade; quando for menor
de 18 anos (pois no Brasil eles não praticam crimes, logo não é possível preencher o requisito da dupla tipicidade).
A ausência de processo contra o extraditando não constitui obstáculo ao deferimento do pleito extradicional, pois
o STF vem admitindo a “EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA”
Legitimidade: A extradição somente pode ser requerida por ESTADOS onde o ordenamento que foi violado.
mesmo que o crime não tenha sido cometido no território de determinado Estado.
Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. Em caso
de opção da nacionalidade, suspende-se a extradição até a conclusão do processo de opção, pois se reconhecida, a
nacionalidade será nata. Em caso de pedido de naturalização, somente passa a ser considerado brasileiro naturalizado, para
fins de extradição, após a entrega solene pela justiça federal do certificado de naturalização, salvo nos casos de
naturalização extraordinária, pois seus efeitos retroagem à data da solicitação.
STF: Se o estrangeiro está respondendo a ação penal por crime tributário no exterior, ele poderá ser extraditado
mesmo que ainda não tenha havido a constituição do crédito tributário no país requerente. O que se exige, para o
reconhecimento do pedido [e atendimento do requisito da dupla tipicidade], é que o fato seja típico em ambos os países, não
sendo necessário que o Estado requerente siga as mesmas regras fazendárias existentes no Brasil [STF, 2ª Turma,
20/08/2013].
OBS: se, no Estado solicitante, a pena for do tipo considerada proibida no Brasil, deverá haver compromisso de
comutação.
OBS: o emprego de prova não reconhecida pelo Direito brasileiro pode contribuir para o indeferimento da
extradição. 2) Princípio da especialidade: Não será concedida extradição, senão para que o extraditado seja processado
pelos fatos constantes do pleito extraditório. não impede que o Estado requerente de extradição já concedida solicite sua
extensão para abranger delito diverso, anteriormente cometido, mas só apurado em data ulterior pela justiça estrangeira.
Obs.1: a extradição pode ser deferida parcialmente, ou seja, para que o individuo responda apenas por alguns dos atos
indicados no pedido. Obs.2: o Estado solicitante não poderá entregar o extraditado a um terceiro Estado. 3) Princípio da
contenciosidade limitada: A autoridade do Estado solicitado não examina o mérito da ação penal que motiva o pedido de
extradição, cuja análise é competência das autoridades do ente estatal solicitante. Exceção: no caso de extradição do
naturalizado por envolvimento em narcotráfico, analisa-se parcialmente o mérito da questão.
OBS: Se houver pena para ser cumprida aqui, a extradição será deferida, mas a entrega só ocorrerá após o
cumprimento.
OBS: Múltiplos pedidos de extradição: Tem preferência o Estado em cujo território a infração houver sido
cometida. Se os crimes forem diversos, terão preferência, sucessivamente: Estado requerente em cujo território haja sido
cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira; O que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando; O
Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando.
STF, 2014: O fato de o STF ter deferido a extradição a um Estado estrangeiro não prejudica o novo pedido de
extradição feito por outro Estado, com base em fatos diversos. O que vai acontecer é que o primeiro Estado requerente terá
preferência na entrega do extraditando. Cumprida a pena no primeiro Estado, depois será reextraditado para o outro.
OBS: Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro
(Súmula 421-STF). A residência permanente em território brasileiro tampouco impede.
OBS: Extradição e crimes políticos: É vedada a extradição por crime político. Além disso, o Brasil não concede a
extradição quando o extraditado estiver sujeito a juízo de exceção. Pergunta-se: e se o crime político for conexo a crime
comum? Nesse caso, existe a possibilidade de extradição, pela aplicação do PRINCÍPIO DA PREPONDERÂNCIA. Por este

58
princípio, a extradição deverá ser concedida se o fato constituir principalmente infração comum. Obs.1: o terrorismo não é
delito de natureza política. Obs.2: o STF também condiciona a extradição à necessidade de que, no Estado que a solicita,
sejam observados os parâmetros do devido processo legal e dos direitos humanos. Obs.3: o reconhecimento da condição
de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição, sendo aplicado também o non refoulement.
OBS: É necessário o pedido pelo Estado requerente pela via diplomática [ou seja: a extradição não pode ser de
ofício como é possível na expulsão ou deportação].

2. Entrega. É instituto, também conhecido como surrender ou remise, previsto no Estatuto de Roma que visa à
localização, captura e entrega ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de pessoa perseguida criminalmente. Difere da
extradição que é ato de colaboração “horizontal” entre Estados, enquanto a entrega é ato de colaboração “vertical”. Dessa
forma, não há impedimento de entrega de nacionais, pois o Brasil se submete a jurisdição do TPI (art. 5º, § 4º, da CF). Artur
Gueiros afirma que “o instituto da entrega, juntamente com os demais mecanismos de cooperação penal arrolados no art.
93 do Estatuto, coloca-se em consonância com o escopo de tutelar amplamente os direitos fundamentais dos seres
humanos, por intermédio da efetiva punição dos autores de graves crimes que atentem contra tais direitos. Desse modo, por
meio do instrumento da entrega obrigatória do suspeito de crimes da alçada do TPI, independentemente de sua
nacionalidade, conjugado com o princípio da complementaridade, no qual a jurisdição da Corte só surge quando há fundado
receio do fenômeno da ‘impunidade’ por parte da jurisdição interna, fecha-se o leque de persecução penal dos crimes
tipificados no art. 6º do Estatuto.”3

3. Execução de Sentenças Cíveis e Criminais. Qualquer provimento, inclusive não judicial, proveniente de uma
autoridade estrangeira só terá eficácia no Brasil após sua homologação pelo STJ (v. Resolução 9/2005). As sentenças penais
podem ser homologadas no Brasil para surtir efeitos civis (STJ, AgRg na SE 3.395/ES). É atribuição do Presidente do STJ
homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur às cartas rogatórias, com base em juízo de delibação (revisão
limitada). Porém, havendo contestação, o processo será submetido a julgamento pela Corte Especial do STJ e distribuído a
um de seus Ministros. Requisitos: (i) haver sido proferida por autoridade competente; (ii) terem sido as partes citadas ou
haver-se legalmente verificado a revelia; (iii) ter transitado em julgado; (iv) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e
acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil; (v) ter sido homologada pelo STJ; e (vi) não ofender
a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. É possível a concessão de tutela antecipada. A defesa somente
poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos da Resolução. Após
transitada em julgado a decisão que homologar a sentença estrangeira, cumpre ao interessado requerer a extração da Carta
de Sentença, com a qual procederá à execução da sentença estrangeira na Justiça Federal competente. A homologação
não pode abranger e nem se estender a tópicos, acordos ou cláusulas que não se achem formalmente incorporados ao texto
da decisão homologanda (STJ, SEC 7.241/EX). A atuação do STJ no processo de homologação de sentença arbitral
estrangeira encontra balizas nos arts. 38 e 39 da Lei 9.307/96; se não houver transgressão aos bons costumes, à soberania
nacional e à ordem pública, não se discute a relação de direito material subjacente à sentença arbitral (STJ, SEC 6335/EX).
As sentenças proferidas por Tribunais Internacionais não necessitam de homologação (PORTELA, p. 573). No âmbito do
Mercosul, foi firmado o “Protocolo de Las Leñas” de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial,
Trabalhista e Administrativa, concluído por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (Decreto 6.891/2009), aplicável ao
reconhecimento e à execução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições desses Estados nas citadas
matérias, bem como aos efeitos civis de sentenças penais. Nesse caso, a homologação de sentença estrangeira tem
procedimento facilitado (art. 19), o que, entretanto, não elide a necessidade de homologação pelo STJ (STF, CR 7613
AgR/AT).

4. Transferência de presos. A princípio, um indivíduo que comete um delito de acordo com as leis de um Estado
deve cumprir a pena cabível no território desse ente estatal. Todavia, existe, em alguns casos, a possibilidade de que um
estrangeiro que tenha cometido um crime num país cumpra a pena no território do Estado do qual é nacional. É a
transferência de presos, que é possível quando há tratado nesse sentido. Conceito: é a remoção de um indivíduo condenado
em um Estado para cumprir pena no território do seu Estado de origem. É um mecanismo de cooperação jurídica em matéria
humanitária. É uma espécie de execução de sentença penal estrangeira, consistente em ato bilateral internacional
discricionário. Natureza jurídica: parte da doutrina entende que tem natureza administrativa e, consequentemente, não exige
a prévia homologação da sentença condenatória estrangeira. Artur Gueiros e Vladimir Aras entendem que este instituto é
de natureza de direitos humanos, dada a finalidade de ressocialização, com todas as suas implicações decorrentes.
Fundamento formal: existência de tratado bi ou multilateral. Fundamentos materiais: (i) custo financeiro da gestão da
população prisional estrangeira; (ii) irracionalidade da execução penal dirigida ao preso estrangeiro, cuja finalidade é a
reinserção social do condenado, se, ao final, ele é expulso para o seu país de origem; (iii) o Estado deve assumir a tarefa
de execução da pena de seu nacional, pois faz parte da responsabilidade pela violação da ordem jurídico-penal de outro
Estado; e (iv) princípio da humanidade, que exige minorar o sofrimento de quem se encontra encarcerado e distante de seu
círculo familiar e cultural. Finalidades: fomentar a cooperação mútua em matéria penal, a boa administração da justiça e
promover a reinserção social do condenado. Condições: (i) nacionalidade da pessoa condenada correspondente ao Estado
recebedor; (ii) trânsito em julgado da sentença. (iii) lapso mínimo de pena pendente de cumprimento, em geral seis meses;
(iv) consentimento voluntário e expresso do preso; (v) dupla incriminação do fato como crime; (vi) conformidade com a ordem
jurídica do Estado receptor; e (vii) concordância dos Estados partes com a transferência. O art. III da Convenção
Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior estabelece outras condições. Limitações: a pessoa
transferida não poderá ser detida, processada ou condenada novamente no Estado recebedor pelo mesmo crime (veda-se
o bis in idem) e, no caso do Brasil, não é possível a redução dos períodos de prisão ou do cumprimento alternativo da pena.
Efeito: suspende a execução da pena no Estado sentenciador.

JURISPRUDÊNCIA:

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a) É cabível a incidência do art. 366 do CPP em processo de extradição: (...) Aduziu-se que os embargos não
mereceriam acolhida no que concerne à aplicação do art. 366 do CPP ao processo de extradição. Destacou-se jurisprudência
do STF acerca da constitucionalidade da mencionada norma, inexistente qualquer incompatibilidade com a Constituição. Ext
1218 ED/EUA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.3.2013, 2ª Turma. (Informativo 699).
b) Extradição e constituição de crédito tributário: Não há que se falar na exigência de comprovação da constituição
definitiva do crédito tributário para se conceder extradição. (...) Enfatizou-se que se exigiria a tipicidade em ambos os Estados
para o reconhecimento do pedido, e não que o Estado requerente seguisse as mesmas regras fazendárias existentes no
Brasil. Ext 1222/República Federal da Alemanha, 20.8.2013. 2ª Turma. (Informativo 716).
c) Extradição e art. 89 do Estatuto do Estrangeiro. Estrangeiro responder ação penal na transitada em julgado
não impede a sua entrega por pedido de extradição á transitado em julgado.(...).. Aduziu que, nos termos da Lei 6.815/80,
caberia ao Presidente da República avaliar a conveniência e a oportunidade da entrega do estrangeiro antes da conclusão
da ação ou do cumprimento da pena. Ressaltou, ademais, a peculiaridade do caso e a iminência da extinção da pena do
extraditando. Por fim, julgou prejudicado pedido de transferência para outra superintendência da polícia federal. Ext 1232
QO/Governo da Espanha, rel. Min. Gilmar Mendes, 8.10.2013. 2ª Turma. (Informativo 723).
d) Pedido de reextradição e prejudicialidade: O anterior deferimento de extradição a outro Estado não prejudica
pedido de extradição por fatos diversos, mas garante preferência ao primeiro Estado requerente na entrega do extraditando.
(...) A Turma concluiu que o Estatuto do Estrangeiro permitiria a reextradição a outro país, desde que houvesse
consentimento do Estado brasileiro (“Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o
compromisso: ... IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame”). Ext
1276/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.3.2014. 2ª Turma. (Informativo 740).
e) O apenado poderá progredir para o regime semiaberto, mesmo havendo uma ordem de extradição ainda não
cumprida. Segundo decidiu o STF, o fato de estar pendente a extradição do estrangeiro não é motivo suficiente para impedir
a sua progressão de regime. STF. Plenário. Ext 947 QO/República do Paraguai, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
28/5/2014 (Info 748).
f) A Interpol tem legitimidade para requerer, no Brasil, prisão cautelar para fins de extradição. O Estatuto do
Estrangeiro (Lei 6.815/80) foi recentemente alterado pela Lei 12.878/2013 e passou a prever expressamente que o pedido
de prisão cautelar pode ser apresentado ao Ministério da Justiça pela Interpol, desde que exista ordem de prisão proferida
por Estado estrangeiro (art. 83, § 2º). STF. 2ª Turma. PPE 732 QO/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 11/11/2014
(Info 767).
g) Se na data em que foi praticado (2011, p. ex.), o fato era considerado crime apenas no país estrangeiro (não
sendo delito no Brasil), não caberá a extradição mesmo que, posteriormente, ou seja, em 2012 (p. ex.), ele tenha se tornado
crime também aqui em nosso país. Resumindo: a dupla tipicidade deve ser analisada no momento da prática do crime (e
não no instante do requerimento). STF. 2ª Turma. PPE 732 QO/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 11/11/2014 (Info
767).

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12.c. Tortura como crime internacional. Definição do art. 1º da Convenção da ONU contra a
Tortura de 1984 e definição do art. 2º da Convenção Interamericana contra a Tortura: convergências e
divergências.

1. Tortura como crime internacional. A tortura é um crime internacional tanto fora quanto dentro de um conflito
armado, sendo um crime de guerra quando cometido por pessoal das forças armadas e forças ocupantes contra militares,
por pessoas hors de combat (soldados incapazes de exercer função militar por estarem detidos, doentes etc) ou pela
população civil. A proibição da tortura é considerada atualmente uma obrigação erga omnes e norma de jus cogens [Tribunal
Penal para a Ex-Iugoslávia. Caso Furundzija. Sentença de 10 de dezembro de 1998] (SHAW, p. 98 e 250), sendo um direito
prioritário, pois não pode ser derrogado “nem em tempo de guerra ou de outra calamidade pública que aflija o país” (SHAW,
p. 211). A Declaração Universal dos Direitos Humanos prescreve que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante” (art. V). A tortura encontra-se igualmente prevista no Estatuto de Roma,
classificado no rol dos crimes contra a humanidade enumerados no art. 7º, “quando cometido no quadro de um ataque,
generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque”. A definição adotada
pelo Estatuto encontra-se no parágrafo 2º, letra “e” do mesmo artigo, como o “ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos
agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do
acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas
sanções ou por elas ocasionadas”. A dignidade da pessoa humana é o bem jurídico protegido.

2. Definição do art. 1º da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 e definição do art. 2º da Convenção
Interamericana contra a Tortura: convergências e divergências.
Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984: “Artigo
1. 1. Para os fins da presente Convenção, o termo ‘tortura’ designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos,
físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações
ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza;
quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas,
ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou
sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas
decorram.”
Esse artigo estabelece a definição internacionalmente aceita de atos que constituem tortura, indicando três
objetivos: a obtenção de informações ou confissões, o castigo e a intimidação ou coação de certas pessoas. Os elementos
da conduta classificável como tortura extraídos dessa convenção são: ação ou omissão não qualificável como legítima;
intenção; dor severa e sofrimento; propósito e vinculação do agente ou responsável, direta ou indiretamente, com o Estado.
“No Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998, porém, para a tipificação da tortura não se exige que o ato criminoso
seja praticado por instigação ou com a aquiescência de um agente público ou outra pessoa no exercício de funções públicas”.
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 1985:“Artigo 2. Para os efeitos desta Convenção,
entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou
mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como
pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes
a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia
psíquica.
Não estarão compreendidos no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam
unicamente conseqüência de medidas legais ou inerentes a elas, contato que não incluam a realização dos atos ou aplicação
dos métodos a que se refere este Artigo.”
Pontos de convergência entre as Convenções: 1) os elementos que integram os conceitos são similares; 2) o
propósito da tortura não é limitado à extração de informações no processo de investigação criminal (a lista de propósitos
contida na convenção das Nações Unidas é exemplificativa, embora de escopo ligeiramente menos amplo que o da
Convenção Interamericana: na primeira é empregada a fórmula “para propósitos tais como” ou for such purposes as no
original em inglês; na segunda, “ou com qualquer outro fim”); 3) o delito autônomo de tortura é “próprio”, isto é, cometido
apenas por funcionários ou empregados públicos em autoria mediata ou imediata e, ainda, por indução ou instigação
a que o provoquem, prevista também, a responsabilidade decorrente da omissão de tais agentes no impedimento da
realização do fato delituoso, quando possível efetuá-lo (todavia, a Lei 9.455/97 não definiu o tipo delituoso como crime
próprio, mas ao contrário, o fez de maneira ampla, tornando possível que qualquer pessoa do povo o pratique); 4) não há
tortura quando esta for decorrência de aplicação de sanções legais. Relevante anotar que a versão adotada no decreto
brasileiro que incorporou a convenção das Nações Unidas omitiu a fórmula geral ora referida, dando conotação de uma
enumeração taxativa ao texto.
Pontos de divergência: 1) o conceito de tortura na Convenção Interamericana é mais amplo do que na
Convenção da ONU, indo além daquela praticada pelos órgãos do Estado; 2) na Convenção Interamericana é possível
a prática de tortura mesmo que não cause “dor física ou angústia psíquica”, o que não ocorre na Convenção da ONU;
3) a Convenção da ONU “não faz referência ao vocábulo pena, estabelecendo, com nitidez, a distinção entre o tormento
utilizado na fase de formação da culpa ou na tortura processual, e aquele aplicado quando da execução da pena,
caracterizando esta como cruel ou degradante”; porém na Convenção Interamericana essa diferenciação não existe;
4) o uso de drogas ou outras técnicas para diminuir a resistência é considerado tortura pela Convenção
Interamericana, enquanto uma interpretação ortodoxa do texto da convenção das Nações Unidas afasta a caracterização
de tal conduta como tortura, porquanto exigida nesta última a presença de dor ou sofrimento.
O tema foi cobrado na dissertação (item b) da prova subjetiva do 25º CPR.

61
3. Casuística. São “inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de
excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações
dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados,
todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos”. [Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha Do Araguaia”) Vs. Brasil. Sentença de
24/11/2010, § 171 (citando o Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14/03/2001)].
“As ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime
Militar de exceção são imprescritíveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932.” STJ, EREsp
nº 816.209/RJ.

62
Ponto 13.a. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Natureza jurídica. Acordo de sede e
imunidades. Finalidades e funções de acordo com as Convenções de Genebra de 1949 e com os
Protocolos I e II de 1977.

1. Noções gerais/ Natureza jurídica. Seu nome completo (cobrado em concursos) é o MOVIMENTO
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA E DO CRESCENTE VERMELHO, tendo sido criado em 1863, a partir das ideias
do suíço Henri Dunant.
O Direito internacional humanitário tem como sua fonte este movimento. Este status especial de organizar
conferências internacionais com o escopo de mobilizar os estados para aceitarem obrigações no tocante à proteção de
pessoas vulneráveis em conflitos armados – feridos nos campos de batalha, prisioneiros em campos de guerra, náufragos
em batalhas navais, população civil. Todos esses têm proteção do comitê. Por isso nas convenções sobre esses temas
foram lhe conferidas tarefas especiais.
É formado por várias entidades, nacionais e internacionais, de caráter privado, mas sem fins lucrativos, unidas pro
princípios, objetivos, funções e filosofia comuns. A principal dessas entidades é o COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ
VERMELHA (CICV), com sede em Genebra, na Suíça. Não é nem organização internacional intergovernamental nem um
órgão do Governo Suíço, tratando-se de entidade privada sem fins lucrativos. O CICV NÃO SE CONSIDERA UMA ONG,
QUALIFICANDO-SE COMO ENTIDADE SUI GENERIS, DE NATUREZA HÍBRIDA. É formado por um grupo de 15 a 20
cidadãos suíços.
Competência: cuida da assistência à pessoa nos conflitos armados e em tragédias. O CICV pode também
impulsionar as negociações internacionais em Direito Humanitário. Pode haver, em cada país, uma Sociedade Nacional da
Cruz Vermelha ou do Crescente Vermelho, entidades privadas.
Os dois princípios gestores desse direito humanitário são o princípio da humanidade e o princípio da necessidade.
Outros princípios importantes: IMPARCIALIDADE; INDEPENDÊNCIA; UNIVERSALIDADE; HUMANITARISMO;
TRABALHO VOLUNTÁRIO; SINGULARIDADE.
Após a II Guerra Mundial em razão da clara necessidade de proteção à população civil em tempo de guerra, o Comitê
Internacional de Cruz Vermelha apresentou em agosto de 1948 quatro projetos de convenção, na XVII Conferência
Internacional de Cruz Vermelha em Estocolmo. Em 1949 - convenção n° 1 tratando dos feridos em campo de batalha; n° 2
náufragos; n° 3 prisioneiros de guerra; e n° 4 população civil. Além delas foram apresentados dois protocolos adicionais.
Protocolo n° 1: aprofunda regime de proteção nos conflitos internacionais; e Protocolo n° 2: aprofunda regime de proteção
nos conflitos não internacionais. Ou seja, as Convenções e o Protocolo Adicional I se aplicam aos conflitos armados
internacionais, enquanto o Protocolo Adicional II se aplica à proteção das vítimas dos conflitos armados internos. (questão
– oral: Fale sobre as Convenções de Genebra de 1949 e dos Protocolos de 1977).
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem natureza jurídica de entidade privada constituída sob as leis suíças.
Parte da doutrina, entretanto, a colocam como sujeito de direito internacional público, com capacidade limitada de celebrar
tratados.
ACR atenta para o fato de o direito de Genebra (convenções e protocolos) lhe fazer expressa remissão, sobressaindo,
desta feita, sua natureza jurídica híbrida de instituição neutra e protetora entre os combatentes: “é uma associação civil
sem fins lucrativos de direito privado suíço, só que a sua participação no direito humanitário que deu essa característica
híbrida. Inclusive, o Brasil tem um acordo internacional com o comitê internacional da Cruz Vermelha dando as mesmas
prerrogativas de uma organização internacional. O papel desse comitê é tão importante que é considerado crime de guerra
atentar contra as pessoas que trabalham para a Cruz Vermelha ou usar falsamente seus símbolos”.
A doutrina, ratificando esse entendimento, salienta que, em 1.994, a própria Suíça celebrou com o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, lá sediado, um acordo que reconhece imunidade de jurisdição ao Comitê Internacional da
Cruz Vermelha. A natureza jurídica desse acordo é, obviamente, de um tratado.
SHAW (958) a denomina de “associação internacional não governamental”. Nas Convenções de Genebra é
classificada como “organismo humanitário imparcial” (art. 9º ou 10).
2. Acordo de sede e imunidades. Em 19 de março de 1993 a Suíça e o CICV assinaram um acordo de sede.
O acordo reconhece a personalidade internacional do CICV e garante a inviolabilidade dos imóveis utilizados pelo
CICV e de seus arquivos. Também é garantido ao CICV imunidade de jurisdição (com algumas exceções, notadamente
questões trabalhistas, previdenciárias e acidentes com veículos- art. 5º) e impede constrição ou execução de seus bens.
Independente da nacionalidade, o Presidente, membros do comitê e pessoal técnico tem imunidade total, mesmo
após deixar o cargo, com relação a declarações e atos praticados no exercício de suas funções e inviolabilidade de todos
os seus documentos e papéis (art. 11).
O pessoal não suíço possui facilidades na entrada no país (art. 12).
O pessoal suíço pode ser dispensado do serviço militar (art. 14)
A Suíça não possui responsabilidade por qualquer ato do CICV ou seus membros (art. 20).
Atenção: O CICV possui tratado de sede com vários países (inclusive com o Brasil, de 1991). O tratado com a Suíça
é particularmente importante por esta reconhecer personalidade internacional e imunidades a uma entidade privada interna.
3. Finalidades e funções de acordo com as Convenções de Genebra de 1949 e com os Protocolos I e II de
1977. As convenções e protocolos têm finalidade e funções múltiplas, mas todas elas ligadas à observância dos direitos
humanitários. Proteção a feridos, doentes, náufragos, prisioneiros de guerra e populações civis, bem como pessoal de
serviços de saúde e religiosos.
Os Estados envolvidos no conflito têm obrigação de proteção a tais pessoas, porém aqueles que não tiverem
condições de cumprir suas obrigações de proteção podem solicitar ao CICV que realize tais funções humanitárias.
O CICV também oferece “bons ofícios” para ajudar os Estados em conflito a negociarem desentendimentos sobre
aplicação das Convenções e Protocolos e a estabelecerem “zonas sanitárias” (áreas para os feridos e doentes).
Possui função de fiscalização, em especial com relação aos prisioneiros de guerra e populações civis.
Atua, ainda, como substituto de potência protetora, pois no inicio das hostilidades, há ruptura das relações

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diplomáticas, então há indicações de potências protetoras. Tem ainda bons contatos entre as partes adversárias.
Visita e entrevista sem testemunhas os prisioneiros e civis. Nesse aspecto particular, lembra ACR que o grande
problema de Guantánamo foi que só muito depois a cruz vermelha foi autorizada a visitar prisioneiros e havia sempre a
presença de testemunhas. Isso é ilegítimo, porque ninguém vai falar livremente.
Esses são as principais finalidade e funções, de acordo com a Convenção de Genebra de 49 e com os protocolos de
Genebra de 77.
As convenções de Genebra, todas elas, foram ratificadas e promulgadas no Brasil pelo Decreto 42.121 de 1957.
Os protocolos tentam introduzir o conceito de vítimas, nos conflitos armados internacionais e nos conflitos armados
internos. O Brasil é parte de todos eles.
Todo não combatente tem direito à vida, a ter contato com os familiares, tem direito ao silêncio. Os feridos tem que
ser recolhidos. A cruz vermelha oferece assistência médica e o pessoal da cruz vermelha tem imunidade também. Quando
ele é combatente ele não tem direito à vida.

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13.b. Indivíduo no Direito Internacional. Subjetividade jurídica controvertida.
Responsabilidade individual penal derivada do Direito Internacional.

1. INDIVÍDUO NO DIREITO INTERNACIONAL.


Personalidade jurídica de DIP: aptidão de exercer direitos e contrair obrigações de direito internacional. É
necessário que se prove que o indivíduo exerce direitos em nome próprio e tenha contraído obrigações diretamente.
O direito internacional reconhece em seus sub-ramos direitos titularizados pelos indivíduos: DH.
Personalidades jurídicas OBJETIVAS: Para Estado e Organismo Internacional basta que existam para que tenham
a personalidade jurídica.
Personalidade do indivíduo: só reconhecida em alguns sub-ramos do DIP. E esse reconhecimento depende de
Estados. Quem aceitou essa personalidade foi o Estado. O Brasil aceitou que o indivíduo pudesse peticionar contra o Brasil
na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Tendência: cada vez mais o indivíduo passa a ter direitos em nome próprio no plano internacional. Por exemplo,
direito da integração (UE, Mercosul – empresa ou indivíduo pode peticionar à seção nacional do mercado comum),
participação como observadoras de OI, participação no Conselho de DH, ACDH e ONU.
E no elemento obrigações a tendência é aceitar, pois o indivíduo no campo penal, especialmente, tem obrigações
internacionais.
2. SUBJETIVIDADE JURÍDICA CONTROVERTIDA. Uma primeira distinção que se faz é em relação a sujeito e ator
internacional. O conceito de sujeito internacional remete à titularidade de direitos e deveres na ordem internacional. Parecido
com o conceito de personalidade jurídica, mas não se usa esta expressão, com exceção da convenção de Montevidéu: “todo
estado é dotado de personalidade jurídica internacional” (Aragão).
Já o conceito de ator internacional remete para outra realidade. São todos que de uma forma ou outra possam vir a
influenciar, mobilizar agendas internacionais. Quaisquer pessoas ou não pessoas, indivíduos, ONGs, movimentos rebeldes,
movimentos terroristas, movimentos de libertação nacional, corporações internacionais, bancos internacionais, sistema
financeiro internacional, rede extremamente complexa.
Os sujeitos internacionais, portanto, são mais restritos. Há aqueles que em todos os manuais estão definidos como
tais (sujeitos de direito internacional) e outros em que não há consenso. Os incontroversos são estados, organizações
internacionais, a Santa Sé, Ordem Soberana Internacional, Ordem Soberana Internacional de Malta, ONGs que atuam dentro
do sistema internacional.
Entre os controvertidos há, em especial, os indivíduos. Alguns se filiam à corrente realista das relações
internacionais negando esta qualidade aos indivíduos. Outros, corrente pluralista, admitem os indivíduos como sujeitos de
direito internacional. É dizer, o indivíduo teve o seu papel no direito internacional como objeto, não como sujeito do direito
internacional. Tradicionalmente era objeto e quem era sujeito, eram os estados e as organizações internacionais.
Como se prova que o indivíduo é sujeito de direito do direito internacional? Da mesma maneira que se prova no direito
interno. Aptidão para exercer direito e contrair obrigações. (ACR)
Alguns internacionalistas como Rezek entendem que não há direito internacional sem Estados. Afirmam que indivíduo
é objeto de proteção do direito internacional, não sujeito, deve ser intermediado pelo Estado. Garante obrigações aos
Estados de garantir esses direitos. Isso valia há 20 anos, atualmente há uma ordem jurídica internacional que se destina a
vários atores, não apenas ao Estado, incluindo atores que apesar de não terem de formar normas internacionais, não são
sujeitos tão completos. Cansado Trindade afirma que estes catálogos são reconhecimento de patrimônio jurídico individual.
Indivíduos têm capacidade postulatória, podem se dirigir a instâncias internacionais. Quando o Estado falece a comunidade
internacional deve agir garantindo direitos (Aragão, cadernos).
ACR faz observação relevantíssima no sentido de que esses direitos dos indivíduos só existem em alguns
subsistemas e não em todos. “Por exemplo, na OMC, apesar de envolver claramente os atores econômicos, o indivíduo
não tem acesso ao sistema de solução de controvérsia. Outro exemplo, o setor de algodão pode estar sendo pisoteado, só
que esses atores econômicos dependem do Brasil para processar o Canadá, para processar os Estados Unidos. Isso mostra
que no direito internacional são evidentes os direitos desses atores econômicos. Então em alguns subsistemas do direito
internacional se antevê claramente indivíduos e pessoas jurídicas que deveriam ter personalidade jurídica e não tem. Onde
se vê mais essa personalidade jurídica? Direitos humanos, direitos da integração da comunidade europeia, direito
internacional penal”.
Quanto a esse específico ponto Eugênio se utiliza de classificação da doutrina internacional para separar os sujeitos
de direito internacional em limitados e os absolutos. “Os limitados seriam aqueles que têm titularidades de direitos e
deveres restritos a certas agendas. Podem participar apenas em foros muito limitados (ex.: indivíduos), direitos humanos,
direito dos refugiados, direito penal internacional - indivíduos têm direitos e deveres. Entretanto o indivíduo não tem nada
em relação ao comércio internacional ou ao uso da força. Subjetividade jurídica internacional limitada”.
Por outro lado, só o estado tem subjetividade internacional absoluta. Só o estado pode discorrer e pretender qualquer
tipo de matéria e agenda. As organizações internacionais são limitadas ao objeto para o qual foram criadas.
Refere, ainda, Eugênio, em outra classificação, a sujeitos de direito internacional relativos e gerais. Relativos porque
há subjetividade internacional reconhecida por alguns estados e não por outros. A organização pode não significar nada
para alguns estados e sim para outros. Entretanto, adverte, estados não precisam que outros estados tenham relações com
eles para terem subjetividade. O estado existe mesmo sem este reconhecimento, têm personalidade genérica, é declaratória.
Em conclusão, pode-se afirmar, com Mazzuoli (2011, pg. 420), que os indivíduos compõem o conceito contemporâneo
de Direito Internacional Público ao lado dos Estados e das Organizações Internacionais intergovernamentais. Isso como
decorrência do processo de desenvolvimento e solidificação dos Direitos Humanos.

RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL PENAL DERIVADA DO DIREITO INTERNACIONAL.


A confirmar a contemporânea alocação do indivíduo como sujeito de direito internacional ressai, dentre outras
titularidades, a sua responsabilidade penal derivada do Direito Internacional.

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Nesse particular aspecto, o Tribunal de Nuremberg, instituído para julgar as atrocidades cometidas durante a Segunda
Guerra Mundial pelos nazistas, contribuiu para formação dessa concepção quando deixou assente que: “Crimes contra o
Direito Internacional são cometidos por indivíduos – não por entidades abstratas – e os preceitos de Direito Internacional
fazem-se efetivos apenas com a condenação dos indivíduos que cometeram esses crimes”. (O Tribunal de Nuremberg foi
criado em 1945, pelo Acordo de Londres, através dos Governos do Reino Unido, Estados Unidos, França, ex- URSS).
Os dois tribunais internacionais ad hoc criados pelas Nações Unidas em 1993 e 1994, respectivamente; o instituído
para julgar as atrocidades praticadas no território da antiga Iugoslávia desde 1991 e o criado para julgar as inúmeras
violações de direitos humanos de idêntica gravidade perpetradas em Ruanda também confirmam a qualidade do indivíduo
como sujeito do Direito Internacional.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, que veio acabar de vez com as discussões relativas à
legalidade dos tribunais ad hoc da ONU, é bastante claro a esse respeito, quando dispõe no seu art. 25 (Responsabilidade
criminal individual) que:
1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas.
2. Quem cometer um crime de competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá
ser punido de acordo com o presente Estatuto.
Vale ressaltar, entretanto, que essa não é a regra, mas exceção. Somente para alguns crimes de porte internacional
é que se responsabilizam indivíduos por normas de direito internacional.
Nestes casos fala-se em pretensão punitiva do direito internacional quando o estado não dá conta do recado ou
desloca para outro estado ou para o tribunal penal internacional, essa é exceção e não regra.
O indivíduo pode ser submetido a obrigações negativas, a não praticar certos atos considerados crimes
internacionais.
Vale ressaltar, por fim, que também existem direitos processuais dos indivíduos. Suas garantias processuais
persistem no direito internacional. Ainda que seja somente uma fração quase insignificante do direito penal, mas
encontramos normas de responsabilização de indivíduos e diretamente vinculadas a normas de proteção de indivíduos que
sofre persecução internacional (Aragão, cadernos).
Palavras-chave: Indivíduo – tendência – personalidade jurídica internacional.

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13.c: Redes internacionais de cooperação judiciária e entre ministérios públicos. Cooperação
formal e informal. A Iber-Rede. A Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos. A Reunião
Especializada de Ministérios Públicos do Mercosul.

1. REDES INTERNACIONAIS DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA E ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS. O Brasil


faz parte, atualmente, de três redes de cooperação jurídica internacional: a Iber-Red - Rede Ibero-Americana de Cooperação
Judicial, instituída em 2004 em Cartagena de Índias (Colômbia), composta por representantes dos 23 Estados que participam
das Cúpulas Ibero-americanas de Chefes de Estado e de Governo; a Rede Judiciária da CPLP, Rede de Cooperação
Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa, criada em novembro de 2005, durante a X Conferência
de Ministros da Justiça dos Países de Língua Portuguesa; e a Rede Hemisférica de Intercâmbio de Informações para o
Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal e de Extradição, criada no âmbito da OEA, adotada pela Vª Reunião de Ministros
da Justiça daquela Organização, realizada no ano de 2004 em Washington.
A Rede Judiciária da CPLP tem os seguintes objetivos: a) Facilitar, agilizar e otimizar a cooperação judiciária entre
os Estados membros; b) Estabelecer, de forma progressiva, um sistema integrado e atualizado de informação sobre os
diferentes sistemas jurídicos da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, bem como sobre a cooperação
judiciária internacional em geral; c) Estabelecer contatos com organismos internos e internacionais e colaborar em atividades
de formação levadas a cabo pelos Estados membros ou por organismos internacionais; d) Promover a aplicação efetiva e
prática das convenções de cooperação judiciária internacional em vigor entre dois ou mais Estados membros.
A Rede hemisférica foi constituída em 2004 na 5ª Reunião de Ministros da Justiça da OEA. A Cooperação visa a
assistência legal mútua em matéria criminal e de extradição. A OEA está empenhada em estimular a adesão de todos os
países membros da organização à rede.
A Rede Ibero-Americana – Iber-Rede será tratada logo abaixo, em tópico próprio.
2. COOPERAÇÃO FORMAL E INFORMAL.
A cooperação pode ser classificada como direta (informal) ou como formal. A cooperação direta ocorre quando a
medida a ser solicitada pode ser prestada diretamente à autoridade requerente, não necessitando, assim, da intervenção do
Poder Judiciário. Já a cooperação tida como formal será vislumbrada naqueles casos em que será exigida, para a realização
da medida solicitada, a institucionalização da via escolhida, seja para assegurar a validade de uma prova, seja para garantir
a validade de um ato a ser executado, casos em que se faz imprescindível a intervenção judicial para sua execução.
Sob tais formas de cooperação (formal e informal) se esposam as três vias/modelos pelas quais os Estados
interagem para a solução de questões que os imbricam: a via diplomática, o auxílio direto (autoridade central) e a assistência
direta.
A via diplomática, mais tradicional, é aquela onde todos os atos jurisdicionais que buscam cooperação para
terem efeitos em outro país são comunicados através de embaixadas. É um método mais lento, moroso, não mais adequado
aos dias atuais. Somente quando há tratado é que se utiliza a via diplomática.
O auxílio direto, com o objetivo de substituir a via diplomática, caracteriza-se por ser uma via de comunicação
com especialização, celeridade e efetividade, encurtando o seu caminho para se atingir o objetivo. O sistema funciona com
o mecanismo de pedido direto entre autoridades centrais. Tem caráter formal, fazendo incidir a necessidade de intervenção
judicial para a execução dos pedidos.
O terceiro mecanismo que acelera a cooperação é a chamada assistência direta, o contato direto entre as
autoridades. Embora não exista no Brasil sob a forma de cooperação formal (ACR), salienta Aragão (cadernos): “no Brasil
hoje só funciona para efeito de cooperação informal, não para cooperação formal. É possível que o membro do MP mande
e-mail para membro do MP de outro país e se entendam por correio eletrônico”. E é a partir desse ponto que entra a
importância das redes de informação (informais por natureza) como caminho para a cooperação formal, podendo se prestar
para inteligência policial, mas não podendo criar prova no processo penal, p.ex. Existem, portanto, essas três vias de
cooperação e duas formas de cooperação: formal e informal. [O assunto tratado nesse específico tópico tem mais pertinência
com o “ponto 15”, servindo por ora à contextualização do tratamento das redes de informação nas vias de comunicação
internacional].
3. A IBER-REDE. A Iber-Rede – rede ibero-ameriacana de cooperação judiciária – atinge mais de 500 milhões
de cidadãos em 22 países ibero-americanos. Tem por objetivos otimizar a cooperação jurídica em matéria penal e civil, bem
como manter e estabelecer um sistema de informação sobre os sistemas legais da comunidade da Iber-Rede, atuando de
maneira informal, complementar, horizontal, flexível e baseada na confiança mútua.
Constitui, portanto, um sistema de COOPERAÇÃO INFORMAL, onde cada país tem sua representação. No Brasil,
tem como órgãos representantes o STJ, a PGR e o MJ (DRCI).
O cerne desse sistema é que ele é um sistema de comunicação eletrônica entre essas autoridades –
comunicações instantâneas nos dois computadores de contato desses órgãos, com a vantagem de que a comunicação
desse sistema é criptografada – objetivo é circular informação informal. Exemplos: obter atos constitutivos de uma
empresa mexicana para saber exatamente quem são seus diretores – não é necessário solicitar judicialmente, porque são
públicos (aqui no Brasil, basta ir à Junta Comercial, sem necessidade de autorização judicial pra isso) – e é uma informação
preciosa. Não há reserva de sigilo; pedido do endereço de alguém – na PGR, o SIMBA procura em vários bancos de dados
e em 15 min descobre o endereço de qq pessoa. Qto mais dados sobre ela melhor. Vasculha tudo. Esse tipo de dado pode
ser entregue a uma autoridade estrangeira – é uma cooperação que revela o caminho das pedras para o órgão de
persecução estrangeira (Aragão, cadernos).
4. A ASSOCIAÇÃO IBERO-AMERICANA DE MINISTÉRIOS PÚBLICOS. A AIAMP (www.aiamp.net) foi fundada
em 1954, congrega os Ministérios Públicos da Ibero-América, incluindo Portugal e Espanha, e tem por objetivos estreitar os
vínculos de cooperação, solidariedade e aprimoramento profissional dos membros dos Ministérios Públicos. Para atender
esse último objetivo o Instituto Ibero-americano de Ministérios Públicos foi constituído em 1998, desenvolvendo atividades
de capacitação e aprimoramento técnico-jurídico de servidores e membros dos Ministérios Públicos da América.
Constitui uma outra espécie de cooperação direta que pode ocorrer de MP para MP, por meio de Memoriais de

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Entendimento, que têm sido utilizados para atos de forma mais simplificada, com menor formalidade, destinados a registrar
princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes, seja nos planos político, econômico, jurídico, cultural ou em
outros. Parece com contato direto (auxílio), mas não gera obrigações (não se baseiam em tratados). Trata-se apenas de um
conjunto de atos de entendimento mútuo cujo objetivo principal é a intensificação da Cooperação Jurídica Internacional entre
o MPF e instituições estrangeiras congêneres, possibilitando a troca de informações entre estas no intuito de combater o
crime organizado internacional de forma mais rápida e eficaz. (Roteiro de Atuação – Cooperação Internacional, pg. 14 e 15).
Com a assinatura dos Memorandos, fica aberto mais um canal de cooperação jurídica direta, complementar ao
trabalho que já é feito pelos Ministérios da Justiça dos dois países, formulando políticas de cooperação informal e direta
entre os Ministérios Públicos e obtendo informações de grande utilidade para o desempenho das funções dos membros do
MPF (idem).
ACR traz como exemplo desse meio de cooperação o CASO BEREZOVSKY - pedido da PGR da Rússia de
obtenção de provas encaminhado ao MPF brasileiro que, por sua vez, peticionou à justiça federal que entendeu pela
possibilidade do envio direto do “HD” solicitado entre as Procuradorias. A defesa ajuizou reclamação (reclamação 2645) sob
o fundamento de que estaria ocorrendo violação à competência do STJ para conferir exequatur a cartas rogatórias, pois não
haveria base jurídica para um contato direto entre as PGRs da Rússia e do BRA, no que foi julgada improcedente).
5. A REUNIÃO ESPECIALIZADA DE MINISTÉRIOS PÚBLICOS DO MERCOSUL. A Reunião Especializada de
Ministérios Públicos do Mercosul surgiu de uma decisão do Conselho do Mercosul em 2005 com objetivo de otimizar e
agilizar ações conjuntas dos Ministérios Públicos dos Estados-Partes do Mercosul, notadamente no combate ao crime
organizado, tráfico de drogas e terrorismo. Cada Estado-Parte exerce a presidência de maneira rotativa, pro tempore,
por um período de 6 meses. As reuniões ocorrem semestralmente e são antecedidas de uma reunião preparatória. Mais
detalhes: http://www.ministeriopublico.gov.py/reunion/pdf/rempm.pdf.

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14.a. Guerra contra o terror. Conceito de terrorismo. Atos de terror. “Combatentes ilegais”.
Repressão internacional ao financiamento de atividades terroristas.

Guerra contra o terror: Os atos de terrorismo são recriminados pelo Direito Internacional de longa data, embora
os tratados sobre a matéria tenham se proliferado mais recentemente. Os atentados de 11 de setembro de 2001 repercutiram
de forma intensa sobre o tratamento conferido pelo Direito Internacional ao terrorismo. No dia seguinte aos ataques, o
Conselho de Segurança da ONU editou a Resolução 1.368, qualificando os atentados, bem como qualquer ato de terrorismo
internacional, como ameaçadores da paz e da segurança internacionais. Além disso, reconheceu a possibilidade de ser
manejada a legítima defesa em retaliação a tais ataques. De igual feita, a Resolução n. 1.373, de 28/09/01, também do CSNU,
deixou claro que os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 implicaram atos de guerra. Em seguida, o Direito
Internacional Interamericano, através da RES/CONSELHO PERMANENTE/OEA/797/2001, também considerou os ataques
de 11 de setembro como atos de guerra. Portanto, as resoluções mencionadas passaram, então, a permitir a guerra defensiva
contra os Estados que, a pretexto de exercer a soberania, acobertem ou facilitem, de qualquer forma, indivíduos ou grupos
terroristas. Assim, a guerra ao terror é considerada, pelo Direito Internacional (ONU e OEA), como ato lícito, porque manejado
em legítima defesa.
Bassiouni defende que não é bom o tratamento de tais atos como guerra, em suas palavras: “Outra lição política
ou operacional a ser aprendida é que, ao responder aos eventos terroristas, os governos nunca devem engajar-se em nível
máximo. Em outras palavras, quando ocorre um ato terrorista, isso deve ser encarado como um problema criminal qualquer,
e não como a declaração de uma guerra” pois “Quando os altos escalões do governo estão envolvidos, introduz-se uma
dimensão política que dificilmente pode ser contida, e tal retórica política ultrapassa os níveis da repressão criminal efetiva
dentro da legalidade”. Contudo, defende que todas as forças da sociedade devem ser reunidas para assegurar os objetivos
de proteção e prevenção, o que não pode ocorrer é um alarmismo desnecessário junto à sociedade, pois isso favorece e
fortalece os grupos terroristas. Isto também pode gerar distorções e enfraquecimento do DIP. Segundo Malcom N. Shaw, a
proibição da tortura consta de diversos tratados, mas já passou a fazer parte do direito internacional consuetudinário (norma
de jus cogens). Não obstante isso, os EUA fizeram uso sistemático da técnica. Segundo Marcelo Miller (Alcance), a questão
central é: pode os EUA, unilateralmente, decidir que uma ameaça terrorista deve ser tratada como uma questão militar, e não
como uma questão criminal? Diz não ter resposta, mas que passa mais pela questão política, de poder, do que por aspectos
jurídicos. Cita outra norma que os EUA não seguiram de direito internacional humanitário: proibição de negativa de
possibilidade de rendição (Bin Laden).
CONCEITO DE TERRORISMO: O conceito preciso de terrorismo desafia a doutrina internacional, até mesmo
porque o que é terrorismo para uns, pode constituir ato heróico para outros. Não obstante, algumas diferenças são
estabelecidas entre terrorismo e guerrilha. Neste sentido, no terrorismo não se objetiva o controle de território, evitando-se
encontro físico direto com o inimigo. As armas usadas pelos guerrilheiros são tipicamente militares, enquanto as empregadas
em ataques terroristas incluem bombas caseiras, veículos armados com explosivos e sofisticados dispositivos, acionados a
distância ou por pressão barométrica. Os terroristas não tem base territorial definida, infiltrando-se na população civil. Para
Bassiouni (apud CRETELLA, 2008a: 696), terrorismo é “uma estratégia de violência destinada a incutir pavor em um
segmento da sociedade, com a finalidade de conseguir uma reação dos poderes, ou dar publicidade a uma causa, ou ainda,
infligir dano com base em propósitos de vingança política”. Some-se a imprecisão doutrinária o fato de que tampouco a grande
maioria dos instrumentos convencionais define terrorismo. De se ver que a ONU já adotou doze acordos internacionais que
tratam do terrorismo (SHAW, 865). Também o Conselho de Segurança da ONU vem reiteradamente se manifestando sobre
a matéria, cabendo destacar aqui as resoluções 1368, 1373, 1377 e 1989, adotadas após os atentados de 11 de setembro.
No Brasil, uma aproximação conceitual foi estabelecida pela Lei 10.744/2003, que regula a responsabilidade civil
perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos contra aeronaves de matrícula
brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídos os táxis aéreos, que estabelece, no artigo
1º, § 4º: entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano,
com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional. Assim, a lei brasileira não
define ‘terrorismo’, e sim ‘atos terroristas’, o que é fórmula muito habitual empregada em muitas convenções e na legislação
interna da maioria dos países (CRETELA, 2008: 699). Dentre os atos considerados terroristas, habitualmente arrolados em
diplomas internacionais, pode-se mencionar: o apoderamento ilícito de aeronaves; prática de atos contra segurança da
aviação civil; atentados contra agentes diplomáticos; atentados nucleares; atentados a bomba. Nos EUA há tipo penal de
terrorismo, nos seguintes termos (2010): “qualquer pessoa que intencionalmente mate ou inflija grande lesão corporal em
uma ou mais pessoas, intencionalmente, que demonstre evidente desconsideração pela vida humana, de maneira calculada
para influenciar ou afetar a conduta de um governo ou de uma população civil, por meio de intimidação ou coerção, ou para
retaliar contra conduta governamental será punida com”. Sua principal característica é o especial fim de agir, mas a crítica
feita é que seria muito amplo. Bassiouni, em uma de suas classificações, baseada na proteção contra violência terrorista,
inclui aí os seguintes “crimes internacionais” (em sentido amplo): pirataria, sequestro de aeronaves e atos ilegais contra a
segurança aérea, ameaça ou uso de força contra pessoas internacionalmente protegidas, fazer civis reféns e atos ilegais
contra a segurança de navegações marítimas e plataformas em alto mar.
COMBATENTES ILEGAIS: A análise deste ponto somente é possível de ser feita cotejando-se três conceitos: a)
população civil: aquele que não participa (e não pode participar) dos atos de hostilidades, em contrapartida não pode ser
atacada durante o conflito, sob pena de cometimento de crime de guerra; b) combatentes legais/legítimos: é um princípio
básico de direito humanitário o fato de que, durante um conflito armado, cada lado busca enfraquecer o potencial bélico do
outro. Para isso, deve ter condições de identificar aqueles que fazem parte das hostilidades dos que não estão envolvidos no
conflito. Os combatentes legais podem ser atacados, mas estão livres de punição, pelo direito internacional, em face dos
ataques legítimos que perpetrarem contra combatentes inimigos. Recebem proteção nos termos do Direito Humanitário; ao
se interpretar a Convenção de Genebra III de 1949, temos que combatentes legítimos seriam aqueles que preencham todos
os requisitos descritos no seu art. 4º. Em suma, seriam “as forças armadas organizadas de um Estado, bem como outras
milícias ou grupos de voluntários, incluindo os movimentos de resistência organizada desde que cumpram alguns critérios,

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como o de usar de forma permanente um sinal distintivo; c) combatentes ilegais: pessoas que tomam parte em um conflito
sem o direito de fazê-lo, por essa razão, se matarem ou ferirem combatentes inimigos, seus atos serão considerados ilegais.
Os combatentes ilegais não recebem a proteção da Convenção III de Genebra, de 1949, que regula o tratamento dado aos
prisioneiros de Guerra. (CRETELLA, 2008b: 254). Importa observar que os EUA declararam que os membros da Al Qaeda e
a milícia Talibã eram considerados combatentes ilegais (CRETELLA: 2008a, 706). O conceito de “combatente ilegal” não está
presente nos termos da lei internacional, malgrado ser possível encontrar o termo em alguns tratados. Ocorre que este
conceito está implícito nas definições de “combatentes legítimos”.
INSTRUMENTOS DE REPRESSÃO AO FINANCIAMENTO DE ATIVIDADES TERRORISTAS: Um dos pilares do
sistema de prevenção e repressão às atividades terroristas é o desmantelamento de suas redes financeiras. O terrorismo
precisa de fundos para suas atividades logísticas e operativas. Usando da mesma lógica que já vinha sendo empregada na
prevenção do crime organizado desde os anos 90 – privar os criminosos de seus recursos financeiros, para evitar o
refinanciamento de novos atos delitivos – passou-se a mirar também nos fundos utilizados para a aquisição de armas e
explosivos, entre outros. Financiamento do terrorismo pode ser definido como a reunião de fundos ou de capital para a
realização de atividades terroristas. Esses fundos podem ter origem legal – como doações, ganho de atividades econômicas
lícitas diversas – ou ilegal – como as procedentes de atividades criminais (crime organizado, fraudes, contrabando, extorsões,
seqüestros, etc.). Vários instrumentos internacionais foram adotados, visando constituir mecanismos de repressão ao
financiamento de atividades terroristas. Tome-se como exemplo a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, de 2002
(promulgada no Brasil pelo Decreto 5.639/2005) e a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do
Terrorismo, de 1999 (promulgada no Brasil pelo Decreto 5.640/05). Tais documentos internacionais propõem, em termos
genéricos, que os Estados partes adotem medidas de combate ao financiamento de atividades terroristas, através de
instrumentos como congelamento ou confisco de bens ou fundos utilizados para a prática de tais ilícitos. Recomenda, ainda,
a cooperação em âmbito fronteiriço e entre autoridades encarregadas de aplicação da lei (auxílio direto, entre outros).

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14.b. Assistência Jurídica Mútua. Convenções Bilaterais e Multilaterais.

O acesso à justiça é um direito fundamental básico, requisito fundamental para a construção de um sistema jurídico
igualitário que proteja os direitos de todas as pessoas. Na esfera internacional, a temática do acesso à justiça enfrenta
obstáculos próprios, além dos existentes em âmbito nacional, ganhando novos elementos e enfrentando desafios distintos
devido à crescente mobilidade de pessoas entre os diversos países do globo, ao grande desconhecimento dos sistemas
jurídicos estrangeiros e à existência de barreiras específicas de acesso ao judiciário de outro país. O Brasil tem procurado
construir acordos internacionais com o intuito de viabilizar a construção de uma justiça sem fronteiras, superando as
dificuldades mencionadas. Em tais acordos, os países signatários procuraram trazer dispositivos que permitem:
· A solicitação de assistência jurídica gratuita para atuar perante o judiciário estrangeiro, ou seja, brasileiros que
tenham questões no exterior poderão solicitar tal benefício caso o país em questão seja signatário de acordo bilateral com o
Brasil. O mesmo vale para estrangeiros que necessitarem de assistência jurídica no Brasil.
· A desobrigação, para iniciar ação perante o judiciário estrangeiro, de pagar caução, depósito ou qualquer outro
tipo de garantia por ser estrangeiro ou por não ser residente ou domiciliado no território do outro Estado.
· A isenção de custas no cumprimento de pedidos de cooperação jurídica internacional para a realização de
diligências no exterior, necessárias no decorrer de ação judicial no Brasil.
Vejamos algumas situações concernentes à assistência jurídica internacional:
1) Residentes no exterior buscando assistência jurídica no Brasil: Devido a uma parceria firmada entre o Ministério
das Relações Exteriores e a Defensoria Pública da União, o brasileiro residente no exterior pode buscar orientações
diretamente no consulado brasileiro no país em que reside. O consulado poderá auxiliar o brasileiro a formular a solicitação
de assistência, encaminhando-a para a Defensoria Pública da União, que dará o tratamento adequado conforme o caso.
2) Residentes no Brasil buscando assistência jurídica perante o Judiciário estrangeiro: A tramitação de uma
solicitação para obtenção de assistência jurídica deve considerar duas situações: a) Tramitação do pedido com base em
Acordo de Cooperação Jurídica Internacional e por intermédio das Autoridades Centrais; e, b) Tramitação do pedido com
base em Reciprocidade e pela via diplomática. O requerimento de assistência jurídica vai ser analisada pela autoridade
estrangeira (normalmente a defensoria pública ou órgão congênere existente no país que se busca a Assistência Jurídica) e,
preenchidos os requisitos legais, será deferido o pedido e referido órgão tomará as medidas cabíveis perante o Judiciário
local. A regra é que a concessão da assistência jurídica não é automática. Cada caso será avaliado.
3) Estrangeiro residente no Brasil: Mesmo aqueles que não possuem a nacionalidade brasileira podem ser
assistidos por um Defensor Público, se atenderem aos requisitos estabelecidos. A Lei 6.815, 19 de agosto de 1980,
denominada Estatuto do Estrangeiro, no artigo 94, dispõe que o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos
reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis. Assim, caso um estrangeiro não tenha condições de
arcar com um advogado particular, pode procurar a defensoria pública e, demonstrada sua hipossuficiência econômica, será
deferida a Assistência Jurídica gratuita.
O principal tratado multilateral sobre a matéria é a Convenção sobre Acesso Internacional à Justiça, gerada no
âmbito da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, na Haia, em 25 de outubro de 1980. A Convenção tem por
objetivo garantir que as partes estrangeiras, quando necessário, tenham assistência jurídica nas mesmas condições dos
residentes ou nacionais, em matéria cível e comercial. Ou seja, a convenção, no que se refere ao acesso à justiça, cuida da
equiparação da aplicação de normas para a assistência judiciária, além de instituir uma cooperação jurídica internacional
entre Estados. Além disso, a Convenção traz a possibilidade de isenção da caução exigida do autor estrangeiro sem domicílio
nem bens no país, na forma do artigo 835 do CPC. O Brasil ratificou a Convenção da Haia sobre Acesso Internacional à
Justiça em novembro de 2011. Outros 30 países já integram esse tratado, entre os quais Suíça, Bulgária, Itália, Espanha,
França, Marrocos e Turquia. A convenção assegura assistência jurídica gratuita em situações que envolvam a Justiça dos
países signatários. A Autoridade Central deste tratado é o Ministério da Justiça.
Ao lado deste tratado, o Brasil firmou vários tratados bilaterais buscando a Assistência Jurídica, variando o seu
conteúdo desde a isenção de taxas e emolumentos, até a desoneração de ter que prestar caução ou outra garantia em razão
do postulante ser estrangeiro. Podemos citar os tratados firmados entre o Brasil e a França, Espanha, Bélgica, Itália, Portugal,
Chile e Paraguai.

71
14.c: Tribunal Penal Internacional: jurisdição ratione personae, ratione loci e ratione temporis.
Princípio da complementaridade. Poderes do Conselho de Segurança da ONU sobre a jurisdição do
Tribunal Penal Internacional.

Os precursores do TPI foram as Cortes militares internacionais, criadas por tratados após a II Guerra Mundial para
processar e julgar indivíduos envolvidos em atos considerados como “crimes de guerra”: o Tribunal Militar Internacional
(Tribunal de Nuremberg); o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda
(jurisdição concorrente e com prevalência da jurisdição internacional), criados na década de 90 do século passado pelo
Conselho de Segurança (CS) da ONU. Todos esses foros guardam uma característica comum: dedicam-se a processar
apenas indivíduos, e não instituições/Estados. A diferença é que o TPI é um órgão permanente (art. 1º).
O TPI foi criado em 1998 por meio do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é parte
(Decreto 4.388, de 25/09/2002). A Corte iniciou suas atividades em 2003, é sediada na Haia (Holanda) e tem personalidade
jurídica de Direito Internacional Público. Possui 18 juízes, eleitos entre nacionais dos Estados-partes, para um mandato não
renovável de 9 anos, ou seja, é proibida a recondução e não sendo possível existir dois juízes de uma mesma nacionalidade.
Na seleção dos magistrados, deve estar garantida uma equitativa representação geográfica e dos principais sistemas jurídicos
do mundo, bem como de mulheres. Obs.1: o Tribunal terá, no território dos Estados-partes, os privilégios e imunidades que
se mostrem necessários ao cumprimento de suas funções. Obs.2: Os juízes, o Procurador, os Procuradores-Adjuntos e o
Secretário gozarão, no exercício das suas funções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos
aos chefes de missões diplomáticas.
De acordo com o art. 1º do Estatuto, o TPI julga os crimes de maior gravidade com alcance internacional. O TPI
não é um organismo especializado do Sistema das Nações Unidas, embora mantenha com esta laços de cooperação, em
especial o Conselho de Segurança da ONU, que pode inclusive denunciar ao Procurador do Tribunal a ocorrência de
situações em que haja indícios de ter ocorrido a prática de crimes internacional de competência do Tribunal. As línguas do
TPI são: árabe, chinês, russo, espanhol, francês e inglês.
O TPI pode atuar a partir das seguintes situações: a. Estado Parte denuncia ao Procurador uma situação com
indícios de crimes de competência do TPI; b. Conselho de Segurança denuncia ao Procurador; c. Procurador dá início ao
inquérito, com autorização do juízo de instrução. As deliberações, no TPI, serão secretas, porém a sentença é publicada em
audiência pública.

Jurisdição ratione personae: o TPI adota o princípio da responsabilidade penal individual, pelo que tal corte não
julgará Estados, mas apenas pessoas físicas/naturais. A competência do TPI abrange “as pessoas responsáveis pelos crimes
de maior gravidade com alcance internacional” (art. 1) e que, à data da suposta prática do delito, já possuíam 18 (dezoito)
anos de idade (art. 26). Porém, há a possibilidade dos Estados emendarem o Estatuto e ampliarem o rol desses crimes. No
art. 27, do Estatuto de Roma, está expresso o princípio da irrelevância da qualidade oficial, que afasta possível imunidade
concedida pelo direito interno. O Art. 24 trata da não retroatividade ratione personae (irretroatividade in pejus). A
nacionalidade do réu é irrelevante, bastando que tenha cometido ato no território de um Estado-membro do TPI ou de um
Estado que, não fazendo parte do Estatuto de Roma, tenha excepcionalmente aceito a jurisdição do Tribunal ou, ainda, a
partir de representação do Conselho de Segurança. Eis a síntese de quem pode ser réu no TPI: a) Agente que cometeu crime
dentro do território de Estado-membro; b) Agente que cometeu crime dentro de Estado que, embora não faça parte do Estatuto
de Roma, tenha aceito sua jurisdição; c) Agente que cometeu ilícito em qualquer Estado, a partir de representação do
Conselho de Segurança da ONU. Princípio da responsabilidade criminal subjetiva (artigos 31 e 32).
Jurisdição ratione loci: para que o TPI exerça sua jurisdição, independe a nacionalidade do réu, bastando que o
ato tenha sido cometido no território de um Estado-membro do TPI ou de um Estado que, não fazendo parte do Estatuto de
Roma, tenha excepcionalmente aceito a jurisdição do Tribunal. Art. 13 do Estatuto. Também o TPI exerce jurisdição no âmbito
do Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado o crime. Síntese: a) Competência exercida no território de
qualquer Estado-parte do Estatuto de Roma; b) Competência no território de Estados que não sejam partes do Estado, por
acordo especial; c) Competência em navios ou aeronaves de Estados-parte ou que a este se submetam excepcionalmente;
d) Competência sobre o território de qualquer Estado, a partir de determinação do Conselho de Segurança da ONU.
Jurisdição ratione temporis: Art. 11 do Estatuto. O Tribunal só terá competência relativamente aos crimes
cometidos após a entrada em vigor do presente Estatuto, ocorrida em 1º/7/2002, ou, para os Estados que aderiram ou vierem
a aderir posteriormente a este tratado, depois da entrada em vigor do Estatuto para esses entes estatais, a menos que estes
tenham aceitado anteriormente a competência do Tribunal para apreciar determinado fato (art. 12, § 3º).

Princípio da Complementaridade: ( art. 17, 1, “a” e “b”). O preâmbulo do Estatuto de Roma dispõe que é dever
de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais. Logo, estabeleceu-se
mais um exemplo da subsidiariedade da jurisdição internacional, tal qual ocorre com os tribunais internacionais de direitos
humanos. O princípio que espelha essa subsidiariedade é o princípio da complementaridade. Por esse princípio, o TPI não
exercerá sua jurisdição caso o Estado com jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal, salvo
se este não tiver “capacidade” ou “vontade” de realizar justiça. Nesse ponto, o próprio Estado-parte pode solicitar a
intervenção do TPI ou ainda o próprio TPI pode iniciar as investigações e persecuções criminais. Assim, a jurisdição
internacional penal é complementar à jurisdição nacional e só poderá ser acionada se o Estado não possuir vontade ou
capacidade para realizar justiça e impedir a impunidade Esse princípio está expresso no art. 1º do Estatuto. A jurisdição do
TPI tem caráter excepcional e complementar. Ou seja, os Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes previstos
no Estatuto do Tribunal, mas que poderão ser julgados pelo TPI, evitando-se a impunidade dos autores. Em suma: a atuação
do TPI depende de prévio esgotamento dos recursos internos estatais ou quando estes se mostrarem ineficazes ou atuarem
em desconformidade com os compromissos internacionais. O parâmetro para aferir o bom funcionamento do Judiciário estatal
pode ser retirado de tratados de direitos humanos, o que inclui igualdade de partes, imparcialidade e independência dos
tribunais, contraditório e ampla defesa, julgamento sem dilações indevidas (Pacto dos Direitos Civis e Políticos, art. 14, § 3º,

72
“c”).

Poderes do CSONU sobre a jurisdição do TPI: Dois são os poderes do CS sobre a jurisdição do TPI, os quais
estão previstos nos arts. 13, (b), e 16 do Estatuto de Roma.
1) O art. 13, (b), permite que o CS noticie ao Procurador do TPI, adotando resolução vinculante, qualquer situação
em que haja indícios de ter ocorrido a prática de crime sujeitos à jurisdição do Tribunal. Trata-se de jurisdição universal
incondicionada do TPI a critério político do CS, sem qualquer relação com a vinculação ao local dos fatos ou nacionalidade
dos autores a Estados que ratificaram o Estatuto. Esse expediente foi utilizado no Caso Bashir/Darfur, na Res. 1593 de 2005
(o Sudão não é parte do TPI) e no Caso Kadafi, em 2011. ACR (2012, p. 133) elenca 3 requisitos práticos para aplicação do
art. 13, “b”: a) que o CS identifique um quadro que ameace ou já tenha rompido a paz e segurança internacionais; b) um
quadro generalizado de violações que supere meras violações individuais de DH; c) e que o CS observe o princípio da
complementaridade.
2) O art. 16 do Estatuto dispõe que nenhum inquérito ou procedimento-crime poderá ter início ou prosseguir por
um período de 12 meses a contar da data em que o CS assim o tiver solicitado em resolução. Essa suspensão de 12 meses
pode ser renovada indefinidamente.

73
15.a Cooperação Jurídica Internacional. Evolução e fundamentos. Via diplomática. Via
Autoridade Central. Via do contato direto e cooperação internacional entre Ministérios Públicos.

1. Cooperação Jurídica Internacional. Significa, em sentido amplo, “o intercâmbio internacional para o


cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes do Judiciário de um Estado estrangeiro” (ARAÚJO: 2008).
É mecanismo que surgiu da necessidade de os entes estatais se articularem para colaborar com a solução de processos
judiciais em curso em outros Estados, pois, em virtude dos princípios da territorialidade, da soberania nacional e da não-
intervenção, cada Estado, em regra, só pode exercer poder dentro do seu território. A cooperação jurídica internacional
aplica-se a todos os ramos do direito e é regulada pelos ordenamentos internos de cada Estado e por tratados (PORTELA:
2011). Os principais instrumentos são as cartas rogatórias, a homologação de sentenças estrangeiras, o auxílio direto e a
cooperação estabelecida por meio de tratados sobre temas específicos, como a adoção internacional e o sequestro
internacional de crianças. Em matéria penal, segundo BASSIOUNI, existem seis modalidades de cooperação jurídica
internacional: i) extradição; ii) assistência legal mútua; iii) transferência de presos; iv) apreensão e confisco de produto ilícito
de crime; v) homologação de sentença penal estrangeira; vi) transferência de procedimento penal.

2. Evolução e fundamentos. Por muito tempo, os instrumentos de cooperação jurídica internacional se limitaram,
fundamentalmente, à extradição e à carta rogatória. Mas, nos últimos 50 anos o cenário se transformou para acolher um
número crescente de novas formas de cooperação, mais céleres e eficazes, como o auxílio direto. Percebeu-se que a carta
rogatória se tornou um instrumento arcaico, extremamente burocrático e lento, não sendo eficaz para atender às
necessidades da sociedade contemporânea. Além disso, as cartas rogatórias não comportam, em regra, ajuste à ordem
jurídica do Estado solicitante, não comportam a conformação negociada do auxílio (ex. no caso de depoimento de
testemunha, que no Reino Unido seria ouvida por policial, sem contraditório). Diante disso, começaram a surgir mecanismos
de cooperação direta por meio de autoridades centrais. Na Europa, os primeiros atos sobre cooperação jurídica direta
surgiram em 195757. Os EUA, na década de 70, começam a celebrar tratados bilaterais (MLAT - tratado de assistência
jurídica mútua), que além da ideia de execução negociada, trouxeram o conceito de autoridade central. No Brasil, esse
procedimento começou a ser utilizado para resolver o impasse criado pela jurisprudência do STF sobre cartas rogatórias
executórias. Em princípio, o auxílio direto não está sujeito nem a homologação nem a exequatur, porque a ideia é que a
Autoridade Central pratique em juízo ou fora dele os atos necessários à prestação do auxílio – se for dispensável a decisão
de autoridade judicial – como envio de FAC, por exemplo – o auxílio direto é feito pela Autoridade Central. Se for necessário,
o Judiciário não irá atuar como no caso de exequatur, mas sim por procedimento perante os juízes federais de 1ª instância
(art. 109, I e III, da CRFB/88). O Brasil ainda carece de lei regulamentando a cooperação internacional em matéria penal,
que vem sendo aplicada apenas com fundamento no CPP.
Em matéria cível, o artigo 220, do Tratado de Roma previa a possibilidade de os Estados-Membros agirem no
interior da Comunidade Europeia para simplificar as formalidades a que estavam subordinados o reconhecimento e a
execução recíprocos das decisões judiciais. Em matéria penal, os primeiros atos elaborados no quadro do Conselho da
Europa foram as Convenções de 1957, relativa à Extradição, e de 1959, sobre o Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal.

2. Via diplomática. Tradicionalmente é realizada por meio de canais diplomáticos, que consistem na troca de
pedido de auxílio por meio dos ministérios de relações exteriores dos interessados às missões diplomáticas, ou outros meios
competentes de transmitir aos órgãos da estrutura interna dos governos dos Estados soberanos o pedido de cooperação.
As cartas rogatórias normalmente são encaminhadas pela via diplomática, mas podem ser encaminhadas via autoridade
central, se houver previsão em tratado.

3. Via autoridade central. São estruturas mais modernas, adicionais, visando ao melhor funcionamento da
cooperação entre Estados soberanos, para a PGR, autoridade central é a “designada para gerenciar o envio e o recebimento
de pedidos de auxílio jurídico, adequando-os e os remetendo às respectivas autoridades nacionais e estrangeiras
competentes. No Brasil, a autoridade central examina os pedidos ativos e passivos, sugerindo adequações, exercendo uma
sorte de juízo de admissibilidade administrativo, tendente a acelerar e melhorar a qualidade dos resultados da cooperação”
(PORTELA: 2011). No Brasil a autoridade central principal é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça/Ministério da Justiça (art. 11, IV, do Decreto nº 6.061/07). Se
o assunto for estrangeiros (naturalização, expulsão, etc.) cabe ao Departamentode Estrangeiros (DEEST). Alguns tratados
preveem o PGR como autoridade central11; outros tratados elegem a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República como autoridade Central12.

4. Via auxílio-direto. O auxílio direto consubstancia-se na realização de uma diligência de natureza administrativa
no Brasil ou na busca de prolação de uma decisão judicial brasileira relativa a litígio que tem lugar em Estado estrangeiro.
Nesse último caso, não se trata de reconhecimento e execução de uma decisão judicial estrangeira no Brasil, mas da
obtenção de uma decisão judicial genuinamente brasileira. É utilizado mediante previsão em tratado ou por compromisso de
reciprocidade e usado apenas na cooperação desenvolvida entre Autoridades Centrais (Ministério da Justiça: 2009). Se o
auxílio direto for por via judicial a AGU ou PGR60 (depende da previsão de tratado, se inexistente, cível vai para AGU e

11 Ex: Tratado de auxílio mútuo em Matéria Penal entre o Governo Português e o Brasil (decreto 1.320/94), e o decreto
6.747/09 de Assistência Mútua em Matéria Penal entre Brasil e Canadá. Convenção de Nova Iorque sobre a Prestação de
Alimentos no Estrangeiro, de 1956 (Decreto nº ) indica a PGR como autoridade Central, embora matéria seja cível.
12
Ex: Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças de 1980; Convenção relativa à Proteção
das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 1993; e a Convenção Interamericana sobre
Restituição Internacional de Menores (Decreto nº 1.212/94).

74
penal para PGR). A autoridade competente atua perante o juízo federal de 1° instância; auxílio direto por via administrativa
ocorre quando a lei não aponta ao ato a ser praticado nenhuma reserva jurisdicional, podendo ser enviado a órgão
administrativo específico competente, ou se não existente, pode ser praticado pela própria autoridade central, que envia as
informações, tanto no auxílio judicial como administrativo, à Autoridade Central do Estado Requerente.

Auxílio direto: É um mecanismo de cooperação judiciária empregado QUANDO UM ESTADO NECESSITA QUE
SEJA TOMADA, NO TERRITÓRIO DE OUTRO ESTADO, PROVIDÊNCIA RELEVANTE PARA UM PROCESSO JUDICIAL
QUE TRAMITA NO SEU JUDICIÁRIO. Ex.: comunicações de atos processuais, fixação de pensões alimentícias,
determinação de medidas cautelares, produção de provas, restituição de menores etc.

Pergunta-se: qual a diferença entre auxílio direto e carta rogatória?

AUXÍLIO DIRETO CARTA ROGATÓRIA


Objetiva obter uma decisão judicial Objetiva permitir que um ato
estrangeira sobre um processo que tramita no processual seja praticado em outro Estado.
Estado que pede o auxílio.
Não há um provimento jurisdicional Há um provimento jurisdicional do Estado
(decisão) do Estado rogante, mas sim um pedido rogante.
para que o Estado requerido profira uma decisão.
Há juízo de delibação.
Não há juízo de delibação.
Competência: JF Competência: JF

O auxílio direto normalmente se fundamenta em tratado entre as partes interessadas, mas pode também ser
deferido com base na reciprocidade. Atenção: no Brasil, os pedidos de auxílio direto das autoridades estrangeiras são
julgados pelos Juízes Federais de 1º grau, pois a União ou o MPF figuram como partes interessadas.Assim, não erre. NÃO
CABE AO STJ ORIGINARIAMENTE OS PEDIDOS DE AUXÍLIO DIRETO, MAS SIM À JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO
GRAU!

5. Cooperação Internacional entre MPs. É implementada através de redes de cooperação jurídica que têm a
finalidade de solucionar, conforme define a PGR, “algumas dificuldades que existem na cooperação entre os Estados. O
acesso a informações, o cumprimento de prazos e procedimentos jurídicos específicos em cada país e a busca por soluções
de auxílio são temas que buscam tratar”. Atualmente o Brasil faz parte de 3 redes: A Rede Iberoamericana de Cooperação
Judicial (IberRED), a Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa (Rede
Judiciária da CPLP), Rede Hemisférica de Intercambio de Informações para o Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal de
Extradição.

6. Questões da Prova Oral: Fale sobre a evolução da cooperação jurídica internacional, o MLAT (Tratado de
Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal entre Brasil e Estados Unidos) e o critério da dupla tipicidade. (12) O MLAT
prevê a cooperação para qualquer tipo de crime? Trata-se de uma lista numerus clausus ou numerus apertus? Cabe
cooperação pelo MLAT para a sonegação fiscal? É possível pedir a cooperação internacional para a sonegação fiscal com
base na previsão da fraude como crime de cooperação?

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15. b Direito de autotutela: sanções, sanções “inteligentes”, contra-medidas e represálias.

1. Direito de autotutela. O recurso às sanções unilaterais (judex in causa sua) caracteriza o atual estágio da
sociedade internacional, no qual não existe o monopólio de exercício de sanções por violações de obrigação internacional.
A possibilidade de um Estado pretensamente ofendido sancionar um Estado pretensamente infrator surge do fato de ser a
sociedade internacional uma sociedade paritária e descentralizada, na qual cada Estado aplica os comandos normativos
internacionais. Logo, como consequência, cada Estado analisa o pretenso fato internacionalmente ilícito cometido e requer
reparação ao Estado ofensor, podendo, se não atendido, sancionar unilateralmente esse Estado. O mecanismo unilateral
fatalmente acaba gerando uma situação de impasse na qual cada Estado aplica sanções unilaterais ao outro. A solução para
esse impasse é a aceitação de mecanismos coletivos de solução de controvérsia, que asseguram uma avaliação neutra e
imparcial das condutas supostamente ilícitas (RAMOS, 2012, p. 39). Porém, a via unilateral é ainda utilizada, sendo aquela
pela qual os Estados-terceiros apelam para a autotutela (self help) e impõem ao Estado violador medidas de retorsão e
represálias, com especial ênfase para com as medidas de cunho econômico. (RAMOS, p. 328). Os meios coercitivos de
solução de controvérsias visam, em tese, a solucionar conflitos internacionais quando fracassaram meios diplomáticos,
políticos e jurisdicionais.

2. Sanções (ou meios coercitivos). Fracassados os meios pacíficos de solução de controvérsias, ou caso não
tenham sido aplicadas as medidas judiciais cabíveis para a solução do conflito entre as partes, estas poderão se utilizar de
certos “meios coercitivos” para pôr fim ao litígio, antes do início de uma luta armada (guerra) contra o outro Estado envolvido
na controvérsia. Sanção em sentido amplo é toda medida tomada como reação ao descumprimento anterior de obrigação
internacional (RAMOS, 2004, pg. 313).

3. Sanções “Inteligentes”. Escolha de alvos não-comerciais que afetem diretamente as elites responsáveis pelas
violações das normas internacionais. O fator-chave na decisão de empregar sanções inteligentes é a de minimizar
consequências indesejadas.

4. Contramedidas. A expressão “contramedida” tende a substituir outras expressões, nem sempre precisas de
autodefesa, sanções, medidas de reação, retorsão e represália. Contramedida pode ser entendida como sanção unilateral
ou represália. As contramedidas constituem-se em atos ilícitos em si mesmo, mas que se justificam como único meio de se
combater outros atos igualmente ilícitos praticados por outro Estado, e que, por esta particularidade, afastam a
responsabilidade internacional do Estado. As contramedidas têm função protetora (visam impedir ataques injustificados a
um Estado), função punitiva (tendo em vista a reprovação do ato ilícito internacional) e função reparadora (uma vez que
obriga o outro Estado a reparar os danos causados). (MAZZUOLI, 2011, p. 577).

5. Represálias. Representam o contra-ataque de um Estado em relação a outro, em virtude de eventual injustiça


que este tenha cometido contra aquele ou contra os seus nacionais. Distinguem-se dos atos de retorsão que considerados
em si mesmos são atos legais. O caso clássico de represália foi o caso Nautilaa, entre Portugal e Alemanha, em 1928. Ele
envolveu uma incursão militar alemã que destruiu bens na colônia de Angola, em retaliação pela execução errônea de três
alemães que estavam legalmente no território português. O tribunal, ao discutir o pedido de indenização feito por Portugal,
sublinhou que as represálias deveriam ser suficientemente justificadas por um ato anterior contrário ao direito internacional.
Atualmente essa regra deve ser interpretada à luz da proibição do uso da força disposta no Art. 2º, 4, da Carta da ONU. As
represálias que não cheguem ao uso da força podem ainda ser praticadas legitimamente, ao passo que as que envolvem
força armada serão legais se empreendidas em conformidade com o direito de legítima defesa. Os bloqueios pacíficos podem
ser instituídos pelo Conselho de Segurança da ONU, mas já não podem ser adotados pelos Estados depois da entrada em
vigor da Carta das Nações Unidas (SHAW, 2010, pg. 843-844).
*RETORSÃO: Consiste na adoção, por um Estado, de um ato hostil ou danoso, que é, entretanto, legal, como
método de retaliação contra atividades legais prejudiciais de outro Estado. Entre os exemplos incluem-se o rompimento de
relações diplomáticas e a expulsão ou o controle restritivo de estrangeiros. É uma forma legítima de mostrar desagrado e
prejudicar o outro Estado, respeitando-se, entretanto, os limites legais. (SHAW, 2010)

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15.c Responsabilidade internacional objetiva. Responsabilidade penal do Estado: conceito e
controvérsias. Relação entre responsabilidade internacional do Estado e responsabilidade internacional
penal do indivíduo. Julgar.

1. Responsabilidade Internacional Objetiva. A responsabilidade internacional nasce a partir da infração à norma de


conduta internacional por meio de ação ou omissão imputável ao Estado, sem que haja qualquer recurso a uma avaliação
da culpa do agente-órgão do Estado. Os tratados de direitos humanos quando se referem ao dever do Estado de garantir os
direitos declarados, não mencionam o elemento culpa (RAMOS 2004). Há teorias conflitantes quanto à responsabilidade dos
Estados por atos ou omissões ilícitas. Para alguns, a responsabilidade é objetiva e absoluta; para outros, é necessário haver
culpa ou intenção por parte das autoridades envolvidas. O princípio da responsabilidade objetiva (conhecido como teoria do
“risco”) sustenta que a responsabilidade do Estado é absoluta. Uma vez ocorrido um ato ilegal, que tenha causado dano e
tenha sido cometido por um agente do Estado que sofreu o dano, independentemente de ter sido o ato praticado de boa ou
de má-fé. Contrário a essa abordagem é o conceito da responsabilidade subjetiva (teoria da “culpa”). Segundo esse conceito,
é necessário um elemento de conduta intencional (dolo) ou negligência (culpa) por parte do indivíduo envolvido para que
seu Estado seja considerado responsável por qualquer dano causado. A jurisprudência e a doutrina estão divididas sobre
essa questão, embora a corrente majoritária tenda para a teoria da responsabilidade objetiva e absoluta (SHAW, 2010,
pg. 575-576).

2. Responsabilidade Penal do Estado. A responsabilidade pode ser dividida em duas grandes espécies: responsabilidade
penal e responsabilidade civil. De fato, é o conteúdo das obrigações secundárias que define a natureza cível ou penal da
responsabilidade do infrator. Na responsabilidade cível, as obrigações secundárias têm conteúdo reparatório de cunho
patrimonial, em geral.
CONCEITO: na responsabilidade penal, grosso modo, as obrigações secundárias almejam impor sanções punitivas como
retribuição ao mal causado e prevenção à ocorrência de condutas semelhantes no futuro (RAMOS, 2004, pg. 85)
CONTROVÉRSIAS: Para André de Carvalho Ramos (2004, pg. 86) sendo o Estado uma pessoa jurídica de Direito
Internacional não poderia o mesmo ser equiparado a um indivíduo e com isso responsabilizado penalmente. Esse
entendimento prestigia o Estado enquanto sujeito privilegiado do Direito Internacional e dotado da igualdade soberana em
face de outros Estados. Assim, não poderia ser julgado penalmente por seus pares. Quem pode cometer crimes
internacionais são os agentes públicos, por exemplo, agindo em nome deste Estado e em conformidade com suas leis. Mas
o Estado em si é imune a uma responsabilização penal. Há o receio de que a caracterização do “Estado criminoso” desvie
a atenção da persecução penal internacional daqueles indivíduos que, agindo em nome do Estado, são os verdadeiros
autores de condutas bárbaras e odiosas. André de Carvalho Ramos (2004, pg. 88) entende que a violação de obrigação
internacional pelo Estado não pode ser uma forma de responsabilidade civil, de caráter não–penal, já que há um elemento
importante da responsabilização penal que pode ser apropriado na responsabilidade internacional do Estado, que é o efeito
de prevenção e desestímulo.

3. Relação entre Responsabilidade Internacional do Estado e Responsabilidade Internacional Penal do Indivíduo. A


consagração do princípio da responsabilidade penal internacional dos indivíduos é, sem dúvida, uma conquista da
humanidade. E, como diz Cachapuz de Medeiros, esta ideia vem sendo sedimentada desde os tempos em que Hugo Grotius
lançou as bases do moderno Direito das Gentes. Qual seja, de que o Direito Internacional não estava somente circunscrito
aos Estados. É bom que fique nítido que a responsabilidade penal internacional dos indivíduos não exclui em absoluto a
responsabilidade do Estado, que não raro é quem está por traz da atuação criminosa daquele (MAZZUOLI, 2011, pg. 963-
964).

JULGAR. Em princípio, o Estado não responde pelos danos decorrentes de atos praticados por seus cidadãos.
Entretanto, o dever de reparar o prejuízo pode emergir se ficar provado que o ente estatal deixou de cumprir, como afirma
Rezek, seus deveres elementares de “prevenção e repressão” (Portela, 2011, pg. 333). Segundo Mazzuoli, nesse caso, a
responsabilidade estatal não decorre propriamente do ato de um indivíduo, que vínculo nenhum mantinha com o Estado e
que não atuou em nome deste, mas de uma conduta negativa do Estado relativamente às obrigações que lhe impõem o
direito internacional61. Para André de Carvalho Ramos (trecho ministrado em aula) em relação a esses deveres penais do
indivíduo: o indivíduo violou normas internacionais, violou condutas essenciais. O Estado, para reparar aquilo que aquele
indivíduo fez, terá que investigar, perseguir, punir. A relação é que um dos deveres de reparação do Estado vai ser a garantia
de não repetição, investigar, perseguir e punir. Por exemplo, o crime de desaparecimento forçado é um crime jus cogens, o
dever do Estado de reparar, fazendo cessar o desaparecimento forçado, é localizando os restos mortais, investigando e
punindo o autor. Se o estado nada fizer, é a jurisdição internacional penal que vai ser acionada. Em suma, pode-se concluir
que o traço fundamental para se atribuir responsabilidade internacional ao Estado por ato praticado por seu súdito é verificar
se houve negligência ou cumplicidade (culpa) do Estado, seja se, podendo evitar o ato lesivo, não o evitou; seja se subtraiu
o delinquente à punição.

77
16.a Dívidas estatais e garantia de credores no direito internacional. Doutrina Drago. Cláusula
Calvo. Cláusula de estabilização.

Dívidas Estatais e garantia de credores no Direito Internacional. Na prática, muitas das situações que
envolvem relações comerciais entre Estados e partes privadas classificam-se na categoria de acordos bilaterais. Esses
contratos visam incentivar os investimentos de forma que sejam protegidos os interesses fundamentais tanto do Estado
exportador de capital quando do Estado importador de capital. (SHAW, 2010, pg. 617). A Convenção de Fundação da Agência
Multilateral de Garantia dos Investimentos, de 1985, que entrou em vigor em 1988, trata dos investimentos estrangeiros e
do equilíbrio entre os interesses dos Estados envolvidos. Essa Agência faz parte do grupo do Banco Mundial e fornece um
seguro (garantias) contra o risco político aos investidores e credores. Todos os membros do Banco Mundial podem associar-
se. A Agência que é afiliada ao Banco Mundial tem a finalidade de incentivar o fluxo de investimentos para fins produtivos
entre os países-membros, em particular para os países em desenvolvimento. Essencialmente, isso deve ser feito mediante
a previsão de cobertura de seguro “contra riscos não comerciais”, como, por exemplo, restrições sobre a transferência de
moeda, medidas de desapropriação, rompimentos de contratos governamentais e perdas resultantes de guerras ou
distúrbios civis (SHAW, 2010, pg. 621).
Doutrina Drago. A formação histórica do princípio da não-intervenção inclui a concepção da Doutrina Drago,
formulada pelo Ministro das Relações Exteriores da Argentina, no início do século passado. Essa doutrina nasce a partir de
um protesto dessa autoridade argentina contra o bloqueio e o bombardeio dos portos venezuelanos por embarcações
alemãs, inglesas e italianas, em ação militar que tinha o intuito de forçar a Venezuela a pagar dívidas que tinha com esses
três países. A Doutrina Drago pugna contra o emprego da força armada por um ou mais Estados quando voltado a obrigar
outros entes estatais a pagarem dívidas que estes assumiram. Nas palavras de seu mentor, “o empréstimo a um Estado tem
caráter especial, não podendo estar sujeito a execuções coercitivas, com a utilização da força armada e com a ocupação
material do solo do país devedor”. O pensamento foi acolhido na Conferência de Paz da Haia, de 1907 pelo tratado conhecido
como “Convenção Porter”, em homenagem ao General Porter da delegação norte-americana. A Convenção Porter mitigou
os efeitos da Doutrina Drago defendendo a possibilidade do emprego da força armada para cobrança de dívida em duas
hipóteses: 1) quando o ente estatal devedor não aceitar a arbitragem para solucionar a querela referente ao débito ou 2)
quando tendo aceitado a arbitragem se recuse a cumprir o laudo arbitral. A Convenção Porter encontra-se derrogada por
chocar-se com princípios consagrados na Carta da ONU que veda o uso da força salvo em caso de legítima defesa contra
agressão externa ou ação militar determinada pela ONU, por meio do seu Conselho de Segurança, contra a ameaça à paz,
ruptura da paz ou ato de agressão.
Hildebrando Accioly: A doutrina Drago “não negava a obrigação da nação devedora de reconhecer as respectivas
dívidas e procurar liquidá-las, mas condenava sua cobrança coercitiva, como capaz de conduzir as nações mais fracas à
ruína e até absorção dos respectivos governos pelos das nações mais poderosas”. Diz ainda que Drago quis, de certa forma,
ligar sua tese à doutrina Monroe: “a dívida pública não pode motivar a intervenção armada e, ainda menos, a ocupação
material do solo das nações americanas por uma potência europeia”. Ela também tinha como objetivo contribuir para a
defesa da América Latina contra a intervenção estrangeira.
Cláusula Calvo. A proteção diplomática é o instituto no qual o Estado decide acolher (endosso) a reclamação
apresentada por um nacional (nacionalidade efetiva) seu que haja sofrido dano, dirigindo contra o infrator o pedido de
indenização. A cláusula calvo significa que todo estrangeiro que queira fazer negócios em um determinado Estado deve
renunciar antes à futura proteção diplomática. Afirma que não vai pedir o endosso. As arbitragens internacionais decidiram
que era ineficaz, pois não se pode renunciar a direito alheio. Direito do Estado patrial. Desenvolvida na Argentina, no século
XIX, pelo Ministro das Relações Exteriores Carlos Calvo, normalmente constava de contratos que envolviam governos latino-
americanos e pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. A Cláusula Calvo foi objeto de críticas por significar a renúncia a um
direito que não pertence à pessoa, e sim ao Estado, único ente capaz de conferir a proteção diplomática, inclusive
independentemente de pedido do interessado. Ao mesmo tempo, a proteção diplomática é ato discricionário do Estado e
fundamentada em seu direito interno.
Cláusula de Estabilização. É uma cláusula contratual elaborada para resguardar os investimentos estrangeiros,
geralmente de empresas de países desenvolvidos em países subdesenvolvidos. Tal cláusula prevê uma proteção contra
mudanças na ordem jurídica do país que recebe o investimento. Busca prevenir os investidores de tais mudanças que
possam prejudicar o empreendimento, tendo como objetivo limitar o exercício da competência legislativa do Estado
destinatário de investimento estrangeiro, pois “congela” a sua legislação em vigor à situação em que se encontra no momento
da celebração do contrato. Ocorre que, justamente por conta disso, tal cláusula é considerada inconstitucional por muitos
doutrinadores, por tratar-se de ingerência externa na soberania dos países.
A lógica dessas cláusulas é que o Estado contratante é também o mesmo que legisla e, via de consequência,
modifica as condições pactuadas de acordo com a realidade política-social do momento do país. Dessa forma, a finalidade
dessas cláusulas é neutralizar o poder normativo do Estado, já que suas adoções trazem como resultado a não oponibilidade
da nova legislação ao contrato celebrado sob os auspícios da lei anterior. A cláusula de intangibilidade possui como ideia
base a de que os direitos e obrigações das partes não poderão ser modificados sem o consentimento mútuo.
De um lado a “cláusula calvo” vai proteger o direito dos Estados que recebem o investimento estrangeiro, por
outro lado essas cláusulas de estabilização deveriam proteger o investidor. Justamente dando a ele a certeza de que o seu
regime jurídico contratual não seria rompido afetando seus contratos.

78
16.b Princípio da especialidade e dupla incriminação como condição de assistência jurídica
em matéria penal. Exceção de crime político.

Princípio da especialidade limita a concessão da extradição ao processo e julgamento do extraditando apenas


aos fatos constantes do pleito extraditório. É possível o deferimento parcial da extradição, admitindo responsabilização do
indivíduo por apenas alguns dos atos indicados no pedido.
STF: “O Estatuto do Estrangeiro, ao consagrar o princípio da especialidade (art. 91, I) - que constitui postulado
fundamental na regência do instituto da extradição - permite que a pessoa já extraditada venha a sofrer persecução estatal
ou punição penal por qualquer delito praticado antes da extradição e diverso daquele que motivou o pedido extradicional,
desde que o Estado requerido (o Brasil, no caso) expressamente o autorize... A pessoa extraditada pelo Governo brasileiro
não poderá ser processada, presa ou punida pelo Estado estrangeiro a quem foi entregue, desde que o fato delituoso, não
obstante cometido antes do pedido de extradição, revele-se diverso daquele que motivou o deferimento da postulação
extradicional originária, salvo se o Brasil - apreciando pedido de extensão que lhe foi dirigido -, com este expressamente
concordar. Inteligência do art. 91, I, do Estatuto do Estrangeiro, que consagra o princípio da especialidade ou do efeito
limitativo da extradição” (Extradição 1052).
Referido princípio não pode deixar de ser observado, ainda que a pessoa extraditada consinta em ser processada
no Estado requerente por outros delitos que não os que instruíram o pedido de extradição.
Dupla incriminação, ou princípio da identidade ou dupla tipicidade: por esse princípio impõe-se que o pedido
extraditório esteja baseado em um ato delituoso tratado como crime tanto no Estado solicitante como no solicitado (art.77,
II, Estatuto do Estrangeiro – EE). Observa-se ser desnecessária a coincidência absoluta entre os delitos, “bastando que na
essência a conduta seja tratada como crime nos dois Estados” (PORTELA, 2011:297). No Brasil a CF no art. 5°, XLVII, veda
penas perpétuas, cruéis, desumanas, de morte e de banimento, assim, só será concedida a extradição, no caso de prevista
uma dessas penas ao crime embasador do pleito extraditório, se houver comutação da pena. A mesma ideia, embora de
forma menos pacífica, consagra a comutação da pena, também, no caso das penas no Estado solicitante ultrapassarem o
limite de 30 anos de prisão (art. 91, III, EE), ou que não aplicam o concurso formal de crimes. Impossibilidade de extradição
por contravenção, e penas inferiores a um ano. O Supremo também nega a extradição quando, no Estado requerente, o
extraditando tenha sido julgado ou esteja sujeito a julgamento por tribunal ou juízo de exceção.
Crime político: A Constituição de 1988 veda a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião, sendo
aquele cujo “fundamento em ato vinculado a um movimento político voltado à contestação da ordem política e social vigente
ou à implantação de nova ordem política e social” (PORTELA, 2011:298). Segundo Varella, “não se aceita extradição por
crimes políticos ou de opinião, e o Estado que solicita a extradição deve comprometer-se a não agravar a pena do crime
comum em função de questões políticas. Crime político é aquele que tem por escopo a desestruturação das instituições
públicas e da ordem social do Estado”.
Em vista da subjetividade desse conceito, em especial quando conexo o crime político com o comum, o Brasil se
utiliza do Princípio da Preponderância para concessão da extradição, quando o crime comum constituir o fato principal, sob
a perspectiva do STF (EE, art. 77, §1°), podendo o Tribunal: "deixar de considerar crimes políticos os atentados contra
Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo/ sabotagem, sequestro de
pessoa, ou que importe propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social." (EE,
art. 77, §2°).
Não é crime político: O art. 11 da Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, de 2002, e o art. 4, VIII, da CF
/88, descaracteriza a natureza política do terrorismo, conforme entendimento sedimentado no STF. Não é considerado crime
político o genocídio (Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio); assim como o mero fato da existência
de conflitos de ordem pessoal com a autoridade do seu país de origem (EXT. 830, Ellen Greice, 11.02.2002).

79
16.c Prisão preventiva para fins de deportação, expulsão e extradição. Competência e
pressupostos.

Legislação básica: estatuto do estrangeiro; artigo 312 do CPP; artigo 208 do RISTF.
A prisão preventiva para fins de deportação, expulsão e extradição tem natureza jurídica cautelar. Por isso,
para PACELLI, essa modalidade de prisão só é cabível quando a situação se enquadrar nas hipóteses dos arts. 312 e 313
do CPP. Contudo, o entendimento que prevalece no STF é de que se trata de uma verdadeira condição de procedibilidade:
“A prisão preventiva é condição de procedibilidade para o processo de extradição e, tendo natureza cautelar, “destina-se,
em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição” (Ext nº 579-QO), nos termos
dos arts. 81 e 84 da Lei nº 6.815/90, não comportando a liberdade provisória ou a prisão domiciliar, salvo em situações
excepcionais” (extradição 1212). RISTF: Art. 208. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja
preso e colocado à disposição do Tribunal.
O art. 61 do EE trata da prisão para fins de deportação. Fazendo-se a filtragem constitucional do dispositivo, vê-
se que não foi recepcionada pela vigente Constituição ordem de prisão emanada pelo Ministro da Justiça, o que só pode ser
feito por autoridade judicial (art. 5º, LXI, CRFB/88), observada as hipóteses que justificam a segregação cautelar. Também
foi revogado o art. 319 do CPP que permitia interpretar esta modalidade de prisão como administrativa. Compete, portanto,
ao Juiz Federal a decretação de prisão preventiva para fins de deportação, mediante requerimento da autoridade policial
federal, quando presentes os pressupostos do art. 312 do CPP. Atente-se que parte da doutrina indica tratar-se de
modalidade de prisão de natureza civil.
O art. 69 do EE trata da prisão para fins de expulsão, o qual também não foi recepcionado pela CRFB/88 no que
tange à possibilidade de decretação pelo Ministro da Justiça. Igualmente, os arts. 73 e 74 também não foram recepcionados
pela Carta Magna.
O art. 81, por sua vez, trata da prisão para fins de extradição, o qual não foi recepcionado na parte em que dita
caber ao Ministro da Justiça ordenar a prisão do extraditando, pois ordem de prisão é reservada à autoridade judicial, que
no caso, é o STF, ou seja, apenas o Pretório Excelso pode ordenar a expedição de mandado de prisão a extraditando.
Compete, assim, ao Ministro Relator no STF decretar prisão preventiva para fins de extradição.
BALTAZAR: “a extradição é uma medida de natureza compulsória, que pressupõe a prisão do extraditando, nos
termos dos arts. 81, 82 e 84 do EE e do art. 108 do RISTF, a fim de assegurar efetivação da extradição, em caso de
deferimento”. A jurisprudência pacífica do STF trata a prisão para fins de extradição como compatível com a CRFB/88. Ou
seja, tradicionalmente, trata a Corte a prisão preventiva como condição de procedibilidade do processo de extradição, só
podendo ser relativizada em casos excepcionais, onde fique comprovado não haver risco de frustração da efetivação da
medida se julgada procedente, adotando-se, para tanto, algumas medidas cautelares, como a apreensão do passaporte.
Logo, o pressuposto tradicional aceito pela jurisprudência do STF para a decretação da prisão é a própria existência do
procedimento extradicional. Tal natureza vem sendo, aos poucos, mitigada, ao passo que, em observância aos direitos
fundamentais e ao princípio da proporcionalidade, a prisão preventiva deveria ser decretada somente quando justificada nos
termos dos pressupostos do art. 312 do CPP, o que lhe traria natureza de prisão processual cautelar.
O STF pode revogar a prisão, caso instado a complementar a documentação, o Estado requerente permaneça
inerte. Os arts. 86 e 87 do EE determinam que autorizada a extradição pelo STF e concedida esta pelo Presidente da
República, cabe ao Estado requerente, no prazo de 60 dias, adotar as medidas necessárias para retirada do extraditando
do território nacional, sob pena de revogação da prisão, por renúncia tácita ao pedido de extradição, como assim entende o
STF. O período em que o extraditando esteve preso cautelarmente para fins de extradição deve ser computado na detração
penal da pena a ser cumprida no Estado requerente.

80
17.a. Limites à aplicação do direito estrangeiro no Brasil. Ordem pública. Moral e bons
costumes. Garantias fundamentais.

Ordem Pública e exceções à aplicação do direito estrangeiro.


Em razão da soberania estatal, a incidência do direito estrangeiro em relações jurídicas nacionais está limitada a
determinadas regras, as quais estão prevista na Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Com efeito, a
redação do art. 17 da LINDB dispõe que “[a]s leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de
vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Digno de nota é que o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente quanto à homologação de
sentença estrangeira, prevê que o título estrangeiro apenas será homologado caso não afronte, além da soberania nacional
e da ordem pública, a dignidade da pessoa humana, conforme redação conferida por meio da Emenda Regimental n.
18/2014.
Para alguns autores, a redação do art. 17 da LINDB poderia ter se limitado à ordem pública, sendo supérfluos
tanto a soberania nacional como os bons costumes. JACOB DOLINGER, no entanto, refere-se à clássica lição de CLÓVIS
BEVILÁQUA, para quem a expressão bons costumes veio acrescentar aos princípios jurídicos contidos na ordem pública,
aqueles outros inspirados na moral. Aduz DOLINGER: "Esta posição coincide com a dos ingleses que consideram a ordem
pública correspondente à 'fundamentalconceptions os English justice' – os conceitos fundamentais da justiç a inglesa – e os
bons costumes são por eles denominados de 'conceptions of morality' – conceitos de moralidade". Seja como for, os juristas
são concordes no entendimento de que a noção de ordem pública, aí incluída a de bons costumes, é variável no tempo e no
espaço (relatividade), de maneira que caberá ao órgão judicante, casuística e parcimoniosamente, averiguá-lo à luz das
normas imperativas da lex fori vigentes no momento de sua aplicação (contemporaneidade). Características da ordem
pública: relatividade/instabilidade, contemporaneidade e fator exógeno.
Com efeito, a reserva da ordem pública é um conceito indeterminado, que constitui uma cláusula de exceção
que se propõe a corrigir a aplicação do direito estrangeiro, quando este leva, no caso concreto, a um resultado incompatível
com os princípios fundamentais da ordem interna. Enquanto o conceito de ordem pública no direito interno funciona como
princípio limitador da vontade das partes, cuja liberdade não é admitida em determinados aspectos da vida privada, no DIP
a ordem pública impede a aplicação de leis estrangeiras, o reconhecimento de atos realizados no exterior e a execução de
sentenças proferidas por tribunais de outros países. A violação à ordem pública também impede o atendimento a pedidos
de cooperação realizados por Países estrangeiros. Afirma L.R. Barroso que a violação à Constituição sempre é uma violação
à ordem pública, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. Dessa forma, a violação da Constituição, e especialmente de
direitos fundamentais, impede a aplicação de lei ou ato estrangeiro, por violação à ordem pública. Contudo, o conceito de
ordem pública é mais amplo, podendo incluir matéria estranha à Constituição. A ordem pública é um conceito jurídico
indeterminado, que atualmente tem sido definido como “o conjunto de princípios fundamentais de determinado ordenamento
jurídico”, não se confundindo com religião, bons costumes e moral subjetiva. Há que ser dada interpretação restritiva ao
instituto, sob pena dele ser usado indevidamente como uma barreira a cooperação jurídica internacional.
Nessa linha, já decidiu o STJ que “não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder exequatur para
citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída e exigida em Estado estrangeiro, onde tais
pretensões são lícitas”.
Também impede a aplicação do direito estrangeiro a Fraude à lei, que é uma situação é criada artificialmente, e
por meio de um falso conflito de leis provoca-se a aplicação de uma lei que não seria a competente, para poder exercer os
direitos daí decorrentes.
Ainda impedem a aplicação da lei estrangeira as “instituições desconhecidas”, caracterizadas pela previsão em
norma estrangeira de matéria não regulada pela lei nacional (ex. trust). Quando não for possível a “adaptação”, aplicando-
se um instituto similar do direito pátrio, a instituição desconhecida impedirá a aplicação da lei estrangeira.
O conceito de soberania estatal, por sua vez, é inerente a própria existência do Estado, na medida em que define
os limites da atuação do próprio ente perante a comunidade internacional e vice-versa. Para REZEK consiste em “Atributo
fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica
internacional, não são limitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores”. (REZEK, Direito Internacional Público,
2014, p. 265). A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão preceitua em seu art. 3º que: “o princípio de toda soberania
reside essencialmente na nação”.
Os costumes, por outro lado, são notoriamente conhecidos como práticas gerais aceitas como direito e que
vinculam a determinada nação. Trata-se de valores inerentes a determinada população e que são observados pelos
componentes da comunidade, de forma que a proteção, por meio do direito internacional, proíbe que determinadas regras
internacionais conflitem com práticas reiteradas inerentes a determinada sociedade. De acordo com Maria Helena Diniz:
“Constituem princípios que regem a sociabilidade, para assegurar a coesão, a prosperidade social, a dignidade e a decência
pública”.

81
17.b. Princípios da fixação da Jurisdição internacional. Territorialidade e extraterritorialidade.
Jurisdição universal: conceito, limites e controvérsias.

PRINCÍPIOS DA FIXAÇÃO DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL. É princípio corrente, no Direito Internacional,


que o Estado tem autoridade para impor sua jurisdição a todos quantos estejam eu seu território. Sua origem remonta à
antiga regra do sistema feudal: par in parem non habet imperium (ou judicium), ou seja, entre iguais não há jurisdição. O
Estado estrangeiro não poderia ser julgado pelas autoridades de outro Estado contra sua vontade. A jurisdição é uma
característica essencial – talvez a principal – da soberania do Estado, pois é um exercício de autoridade que pode criar,
modificar ou extinguir relações e obrigações jurídicas. Princípio da jurisdição interna: o princípio da soberania dos Estados
determina que, embora o Estado seja supremo internamente, isto é, dentro de suas fronteiras territoriais, ele não deve intervir
nos assuntos internos de outro Estado.
Com efeito, há casos ocorridos em âmbito internacional penal, em que esse princípio é relativizado com a
aplicação do “princípio da jurisdição universal”. A Célebre prisão de “Pinochet” (ditador chileno) por meio de determinação
de um juiz espanhol em território inglês é um exemplo. O que será tratado com maior detalhes adiante.
Princípios da jurisdição penal internacional no âmbito da legislação brasileira.
1) O princípio territorial: a aptidão do país a iniciar processo por transgressões cometidas em seu território é
uma manifestação lógica e perfeitamente justa da ordem internacional de independência dos Estados, uma vez que as
autoridades de um Estado são responsáveis pelo cumprimento da lei e pela manutenção da boa ordem nesse Estado. 2)
Princípio da nacionalidade: o conceito de nacionalidade é importante, visto que determina os benefícios a que as pessoas
têm direito e as obrigações que devem cumprir. 3) Princípio da personalidade passiva: um Estado pode avocar à sua
jurisdição o julgamento de um indivíduo por crimes cometidos em outro país que afetaram ou afetarão cidadãos do Estado
em questão. 4) Princípio da proteção: um Estado pode exercer, fora de seu território, jurisdição sobre estrangeiros que
tenham cometido algum ato considerado prejudicial à segurança do mesmo Estado. 5)Princípio da universalidade: todo e
qualquer Estado tem jurisdição para julgar determinadas infrações.
O fundamento é que os crimes envolvidos são considerados particularmente ofensivos a toda a comunidade
internacional. (SHAW, 2010).
No Brasil, a fixação de competência internacional está prevista nos artigos 88/90, do Código de Processo Civil
(CPC), nos quais constam hipóteses de competências absolutas e relativas da jurisdição brasileira.
TERRITORIALIDADE. O Estado exerce poder soberano sobre seu território, abrangendo pessoas e bens que ali
se encontram, não importando sua nacionalidade ou tempo de permanência no território estatal e, sobretudo, o eventual
não-reconhecimento do indivíduo da aplicabilidade do poder do Estado sobre si. Para Kelsen (2010, pg. 269) a limitação do
domínio de validade da ordem coercitiva chamada Estado a determinado território significa que essa ordem, a ordem jurídica
nacional, deve, conforme o Direito Internacional, se restringir – em princípio – a esse território: o território do Estado. Sobre
o território assim entendido, o Estado soberano tem jurisdição geral e exclusiva. A generalidade da jurisdição significa que o
Estado exerce no seu domínio territorial todas as competências de ordem legislativa,administrativa e jurisdicional. A
exclusividade significa que, no exercício de tais competências, o Estado local não enfrenta a concorrência de qualquer outra
soberania (REZEK, 2008, pg. 161-162).
EXTRATERRITORIALIDADE. Um Estado pode exercer seu poder coercitivo, em princípio, contra qualquer
pessoa em seu território [...]. Essa norma de Direito Internacional, contudo, está sujeita a exceções, as quais são
fundamentadas pelo denominado instituto da extraterritorialidade. A) Extraterritorialidade como restrição do domínio
pessoal de validade da ordem jurídica nacional: conforme o Direito Internacional geral, certos indivíduos gozam do
privilégio de exceção do poder coercitivo ou, como comumente se diz, da jurisdição penal, civil e administrativa do Estado
em cujo território se encontram. [...] É esse fator específico que explica o termo “extraterritorialidade”, que materializa uma
ficção jurídica de que alguns indivíduos devem ser tratados como se não estivessem no território do Estado em que, de fato,
estão. B) Chefes de Estados estrangeiros e representantes como sujeitos que gozam do privilégio da
extraterritorialidade: o privilégio da extraterritorialidade está garantido por Direito Internacional geral a chefes de Estado e
aos representantes diplomáticos. C) Outras pessoas privilegiadas: Forças armadas de um Estado podem estar em
território de outro Estado, em tempos de guerra ou em tempos de paz, com base em tratado que confira a uma das partes
contratantes o direito de manter tropas em território de outra parte contratante, ou de cruzar seu território com tropas.
Nesses casos, os membros das forças armadas estão excluídos da jurisdição do Estado em cujos territórios e
encontrem, permanecendo submetidos à jurisdição de seu próprio Estado. [...] Os Estados podem por intermédio de acordos
internacionais, conferir isenção de sua jurisdição a pessoas que dela não gozam pelo Direito Internacional geral, tais como
membros de Tribunais internacionais ou cônsules. (KELSEN, 2010).
JURISDIÇÃO UNIVERSAL. CONCEITO. Consiste no poder do Estado sobre condutas realizadas fora do seu
território que violaram valores essenciais da comunidade internacional como um todo.
Diferença entre a jurisdição internacional tradicional e a jurisdição extraterritorial universal é que não há nenhuma
exigência de um elemento nacional. Na jurisdição universal, pode-se ter como torturador um estrangeiro, a vítima um
estrangeiro, a conduta sendo realizada em outro Estado, sem vínculo algum como Brasil, e mesmo assim o Brasil vai aplicar
sua lei, vai julgar e vai punir, com base em valores essenciais. (trecho de aula do Dr. André de Carvalho Ramos).
Assim, a jurisdição universal nada mais representa do que o exercício da própria jurisdição interna em relação a
fatos praticados em território alheio, e por isso não se confunde com a jurisdição internacional. Esta última (jurisdição
internacional) é característica dos Tribunais internacionais, a exemplo do Tribunal Penal Internacional (TPI), que pode afetar
todo e qualquer Estado-parte da ONU. Na jurisdição universal, pode-se ter como torturador um estrangeiro, a vítima um
estrangeiro, a conduta sendo realizada em outro Estado, sem vínculo algum como Brasil, e mesmo assim o Brasil vai aplicar
sua lei, vai julgar e vai punir, com base em valores essenciais.
O princípio da jurisdição universal, todavia, ainda é objeto de intenso debate doutrinário e politico. À mingua de
regras gerais, questiona-se (a) se o princípio gera uma obrigação aos Estados ou se concede uma faculdade de exercer a

82
jurisdição; (b) se há necessidade de incorporação prévia do princípio ao ordenamento interno ou se pode ser utilizado pelo
juiz nacional quando provocado; e (c) que critério utilizar para definir a categoria de crimes aos quais se aplica o princípio.
Certas convenções atribuem ao princípio um caráter facultativo ao exercício da jurisdição universal, permitindo
aos Estados criar ou não os mecanismos internos necessários a lhes dar efeito (Convenção da ONU contra o Tráfico Ilícito
de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988, art. 4.1). Já outras, frequentemente enunciam o princípio como uma
imposição aos Estados-parte, que pode se limitar a exigir a incorporação dos meios indispensáveis ao exercício da jurisdição
universal aos sistemas jurídicos internos (Convenção da ONU contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
desumanos ou Degradantes de 1984, art. 5.2) ou, de maneira mais ambiciosa,obrigar as autoridades nacionais deflagrar
efetivamente a persecução penal (Convenção de Genebra I de 1949, art. 49). Pode ocorrer, ademais, de se atribuir ao Estado
em que se encontra uma pessoa acusada da prática de determinado crime a obrigação de escolher entre duas alternativas:
julgá-la em seus tribunais ou extraditá-la ao país que os olicite. Cuida-se, aqui, da fórmula enunciada pela doutrina
internacionalista do de verde extraditar ou julgar (aut dedere aut judicare), cujo objetivo central é evitar a impunidade e fazer
com que os indivíduos responsáveis por crimes particularmente graves sejam processados e punidos.

LIMITES E CONTROVÉRSIAS. A jurisdição universal nunca gerou grande controvérsia quando abrangeu
condutas consideradas por todos os Estado condutas que, por economia, um Estado podia julgarem nome do outro, como
é o caso da pirataria. Ela começa a criar controvérsia quando a jurisdiçãouniversal acaba abrangendo esses valores
essenciais, que são os crimes jus cogens, porque muitos desses autores dessas violações são agentes estatais que agiram
usando a força do Estado. Quem autorizaria um estado a exercer essa jurisdição universal? Duas visões: 1) alguns países
como Bélgica e Espanha acreditaram que é um costume internacional que vinha de Nuremberg. Uma nova jurisdição
internacional,qualificada, porque ela abrangia esses valores essenciais, seria com base em costume internacional. 2) a Corte
Internacional de Justiça não aceitou, afirmou que era necessário tratado internacional. Exemplo,Convenção contra a tortura,
o artigo 4º obriga o Estado que capture o torturador a extraditar ou julgar mesmo que o torturador tenha cometido o crime
contra outro Estado. O Brasil é obrigado, de acordo com nosso Código Penal a punir esses crimes que estão previstos em
tratados, mesmo que seja em jurisdição universal. (trecho de aula ministrada por André de Carvalho Ramos).
Caso Yerodia – República Democrática do Congo v. Reino da Bélgica: Em 2000 o Ministro do Congo utiliza
rádio para incitar o genocídio. ONG e sobreviventes ingressam com ação contra ele na Bélgica, onde há jurisdição universal
podendo julgar pessoa de qualquer nacionalidade. Expedido o mandado de prisão por juiz de Bruxelas o Congo ingressa na
CIJ que decide que não existe exceção ao princípio da imunidade absoluta de jurisdição e inviolabilidade pessoal de Ministro
das Relações Exteriores.
Palavras-chave: CIJ – imunidade de Ministro de Estado das Relações Exteriores – absoluta.

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17.c. Repressão internacional ao trabalho e comércio escravo: histórico, base normativa e
trabalho escravo contemporâneo. “Repressão internacional ao trabalho e comércio escravo: histórico,
base normativa e trabalho escravo contemporâneo”:

Escravidão é instituição jurídica do direito das gentes, mediante a qual um ser humano, privado da liberdade e,
pois, de qualquer traço de personalidade, é equiparado a objetos, a coisas (CRETELLA NETO, 2008, pág. 524).
Trabalho escravo ou forçado, nessa linha, é toda modalidade de exploração do trabalhador em que esteja
impedido, moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender
apropriados, a despeito de haver, inicialmente, ajustado livremente a prestação de serviços (monografia de FIRME, “site”
OIT no Brasil). O traço característico é a perda da liberdade. Condições ruins de trabalho, violação a diversos direitos
trabalhista, pode configurar trabalho degradante, não trabalho escravo ou forçado, caso não haja a perda da liberdade.
Formas contemporâneas de escravidão: segundo a ONU (Relatório de 2001), a escravidão compreende hoje
grande variedade de violações de direitos humanos. Além da escravidão tradicional e do tráfico de escravos, a escravidão
moderna compreende a venda de crianças, a prostituição infantil, a pornografia infantil, a exploração de crianças no trabalho,
a mutilação sexual de meninas, o uso de crianças em conflitos armados, a servidão por dívida, o tráfico de pessoas e a
venda de órgãos humanos, a exploração de prostituição e certas práticas de “apartheid” e regimes coloniais.
Em relação ao trabalho escravo contemporâneo, o elemento primordial para sua caracterização é de natureza
econômica (FIRME). O empregador busca locupletar-se às custas da exploração do trabalhador, e esse se sente obrigado
a saudar as dívidas fraudulentamente constituídas com o empregador durante a relação de trabalho, de modo a estar
impedido (moralmente ou psicologicamente) a abandonar o trabalho.
Histórico e base normativa: durante a maior parte da história da humanidade, povos subjugados foram reduzidos
à condição de escravos e empregados como mão-de-obra para todo tipo de tarefa. No início, pessoa seram feitas escravas
como consequência de guerras. Com os descobrimentos, o tráfico de negros era, em si, uma
empreitada comercial, visando à produção de bens agrícolas (CRETELLA NETO, 2008, p. 528).
No caso específico do Brasil, Relatório de 2010 da Relatora Especial da ONU, concluiu que há concentração de
trabalho escravo no âmbito rural e na indústria de vestimenta em território nacional.
A partir de 1810 alguns tratados internacionais entre países europeus começaram a coibir o trabalho escravo. No
início do século 20, registra-se o Acordo Internacional para a Repressão ao Tráfico de Escravas Brancas, visando reprimir
especialmente o tráfico de mulheres e meninas para fins de prostituição.
Em seguida, a Convenção sobre Escravatura, concluída em Genebra em 1926, combate a escravidão e o
comércio de pessoas para tal fim (tráfico de escravos).
No âmbito da OIT, foi editada a Convenção sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório (Convenção nº 29 da OIT,
1932) e a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado (Convenção nº 105 da OIT, 1959).
A Declaração Universal dos DH de 1948 proíbe a escravidão e o tráfico de escravos em todas suas formas. Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos repete a proibição.
Convenção Interamericana sobre DH, Convenção Européia e Carta Africana em igual sentido.
Em 1956 foi editada Convenção Suplementar para esclarecer que a proibição atinge outras práticas similares
violadoras da liberdade e dignidade da pessoa, ainda que não enquadradas na definição de escravidão prevista na
Convenção de Genebra de 1926, como as servidões por dívidas e o tráfico de mulheres.
As convenções de Genebras sobre Direito Internacional Humanitário consideram a escravatura e o tráfico de
escravos, qualquer que seja a sua forma, como modalidade de crime de guerra.
No Estatuto do TPI a escravidão, conforme mencionada no art. 7.1.c, está incluída nos crimes contra a
Humanidade.
Segundo o Tribunal Penal Internacional para a ex- Iugoslávia, julgamento realizado em 2002, a escravidão
praticada no contexto de um conflito armado pode ser punida como crime de guerra.
A escravidão e o tráfico de escravos são considerados, assim, crimes internacionais.
O Brasil é signatário de vários instrumentos internacionais que proíbem, as formas de escravidão: Convenção e
Protocolo Adicional sobre a Escravatura; Convenção Suplementar relativa à Abolição da Escravatura; Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos; Convenção n. 29, da OIT sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório; Convenção n. 105, da OIT,
sobre Trabalho Forçado; Convenção n. 138, da OIT, sobre Idade Mínima oara Admissão a Emprego; Convenção n. 182, da
OIT, sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação; e o Protocolo para
Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, suplementar à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
No chamado “caso José Pereira”, o Brasil assinou um acordo de solução amistosa com a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos reconhecendo sua responsabilidade internacional pela violação de direitos humanos
praticada por particulares. Nesse caso, José Pereira exercia trabalho escravo e teve sua liberdade cerceada por capangas
de uma Fazenda no Pará. Ao tentar fugir, junto com um colega, sofreu tentativa de homicídio. Seu colega apelidado de
“Paraná” não sobreviveu. Foi reconhecida a violação de diversos dispositivos da Convenção Americana, como violação ao
direito à vida, à liberdade, à integridade pessoal, ao trabalho e à justa remuneração, à proibição de escravidão e servidão,
garantias judicias e proteção judicial (violação dever de proteção, investigação e punição, diante da impunidade dos
responsáveis).
Várias das propostas assinadas nesse acordo perante a Comissão Interamericana foram incluídas internamente
no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (2003).
Atualmente, no Brasil, a prática de escravidão em determinada propriedade resulta em sua perda, nos termos do
art. 243, do texto constitucional, com redação alterada por meio da Emenda Constitucional n. 81/2014. Há também a
tipificação no art. 149, do Código Penal acerca da “redução análoga à condição de escravo”. Para a doutrinadora Ela Wiecko,
trata-se de crime que ofende a organização do trabalho como um todo e não apenas a liberdade individual. Com efeito, o

84
Enunciado 41 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, define que o processamento e julgamento dos crimes de
redução à condição análoga à de escravo deve ocorrer perante o Ministério Público Federal. No âmbito do Supremo, o
assunto pende de análise no RE 459510 em razão de pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, contudo, já um voto favorável
do ex- Ministros Joaquim Barbosa para competência da Justiça Federal para processo e julgamento desse tipo de crime.

85
18.a. Direito Internacional do Meio Ambiente. Princípios. Poluição Atmosférica. Poluição
Marinha. Recursos marinhos vivos. Biodiversidade, fauna e flora.

Noções Gerais e Princípios: o Direito Ambiental é composto pelas normas jurídicas que regulam as relações
entre o homem e o ambiente que o circunda, ou seja, o Meio Ambiente sob uma perspectiva do comportamento humano.
Quando estas normas extrapolam os limites de um Estado, está-se diante do Direito Internacional do Meio Ambiente. Um
dos principais instrumentos da cooperação internacional na área ambiental é o Direito Internacional do Meio Ambiente, cujo
objetivo é contribuir para que os avanços econômicos e tecnológicos não eliminem as condições necessárias para manter a
vida em condições de dignidade. Desta feita, este campo guarda nítido vínculo com os direitos humanos, na medida em que
o bem jurídico ambiental decorre da dignidade da pessoa humana, compondo o seu mínimo vital.
Histórico: o marco inicial é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Conferência de
Estocolmo), em 1972, que foi a primeira reunião internacional dedicada a adotar medidas de escopo global. Foi também
criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), objetivando coordenar a ação dos organismos
internacionais no campo da preservação ambiental. Neste momento, a prioridade é o combate à poluição ambiental. Num
segundo momento, a cooperação internacional em matéria ambiental tomará maior impulso a partir da Conferência da
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como a ECO-92 ou Rio-92, realizada no Rio de
Janeiro, em 1992. Dentro os seus resultados está a Agenda 21, principal programa internacional, sem força vinculante.
Foram também celebrados importantes tratados na matéria: i. Convenção –Quatro das Nações Unidas sobre Mudança de
Clima; ii. Convenção sobre Diversidade Biológica; iii. Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Princípios: destacam-se: a) Cooperação Internacional – a colaboração entre os Estados é imprescindível para
que haja uma preservação do meio ambiente, sendo que o primeiro texto que se referiu a ele foi a Convenção de Estocolmo.
b) Poluição Transfronteiriça – é um princípio extremamente aberto, em que se gera a obrigação jurídica de todos os
Estados em evitar danos ambientais e manter um padrão de conduta adequado. c) Responsabilidades Comuns, mas
Diferenciadas – cada Estado é responsável por obrigações ambientais segundo suas possibilidades. Ele está presente na
Convenção sobre a Diversidade Biológica, em seu princípio 20, sendo que as partes se obrigam a apoiar economicamente
os objetivos da Convenção, em conformidade com os seus planos e prioridades nacionais. d) Precaução – deve-se avaliar
previamente os danos ambientais, mesmo não existindo certeza científica dos impactos por ele futuramente causados. Ele
está ligado ao risco incerto e potencial de dano ambiental (tem origem no Rio 92). e) Prevenção – também se liga aos danos
ambientais, mas nas hipóteses de certeza científica sobre os danos a serem provocados. f) Poluidor-Pagador – há a
obrigação de pagar ou arcar com os valores necessários à recuperação do meio ambiente poluído. Não se configura numa
licença para poluir. Possui dois aspectos: caráter preventivo e repressivo. g) Ubiquidade – deve-se tomar providências para
evitar o dano, seja num momento anterior, durante ou após os danos cometidos. Nota-se, pois, que o direito internacional
do meio ambiente é imprescindível à manutenção da espécie humana, ultrapassando qualquer fronteira existente entre os
Estados. h) Antropocentrismo: a dignidade humana é o centro das preocupações das normas ambientais, que visam a
promover a construção de um meio ambiente equilibrado em prol do bem-estar das presentes e futuras gerações. i)
Solidariedade: não existe fronteira para o dano ambiental, impondo aos Estados a cooperação nesse campo, caso o
poluidor não possa realizar a recuperação, esta tarefa será divida perante os demais estados.
Poluição atmosférica: “Atmosfera é a camada de ar que envolve o globo terrestre. Ar, por sua vez, é a camada
gasosa que reveste a Terra (...) Poluição atmosférica é a alteração da constituição dos elementos acima expostos, que,
ultrapassados os limites estabelecidos pelas normas ambientais, podem colocar em risco a saúde, a segurança e o bem-
estar comum” (Sirvinskas, p. 219/220). A poluição pode ter origem em diversas fontes, como a indústria, o transporte, as
usinas nucleares, radiação, luminosidade artificial, etc. Cumpre dizer também que os poluentes consistem em qualquer forma
de matéria ou energia liberada no meio ambiente em desacordo com as normas ambientais (Sirvinskas, p. 220). Por fim, o
poluidor é o responsável, seja pessoa jurídica ou física, pelos danos causados ao meio ambiente (art. 3º, IV, da Lei nº
6938/81).
Combate ao aquecimento global, Protocolo de Quioto e Proteção da Camada de Ozônio: a poluição
atmosférica começou a tomar lugar de destaque no Direito Internacional a partir do julgamento do caso da Fundição Trail
(Trail Smelter Case), que envolveu o Canadá e os Estados Unidos e foi decidido em 1941. Decidiu-se, naquela oportunidade,
através de laudo arbitral, que “nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir o uso de seu território de maneira tal que
emanações de gases ocasionem danos dentro do território de outro Estado ou sobre as propriedades ou pessoas que aí se
encontrem, quando se trata de consequências graves e o dano seja determinado mediante prova certa e conclusiva”. O
primeiro tratado feito especificamente para combate foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima,
assinada em Nova Iorque, em 1992. Ela se preocupa com o chamado “efeito estufa”, provocado pelo acúmulo de gases na
atmosfera terrestre, e a destruição da camada de ozônio. Seu objetivo maior é regular a emissão de gases que produzem
efeito estufa. Outro instrumento internacional voltado ao combate da poluição atmosférica e do efeito estufa é o Protocolo
de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 1998. O Protocolo de Quioto determina
que os Estados deverão, para promover o desenvolvimento sustentável, implementar e/ou aprimorar políticas e medidas em
áreas como as seguintes: a) aumento da eficiência energética; b) promoção de formas sustentáveis de agricultura; c)
proteção e aumento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa; d) redução gradual ou eliminação de
imperfeições de mercado, de incentivos fiscais, de isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para todos os setores
emissores de gases de efeito estufa; e) pesquisa, promoção, desenvolvimento e aumento do uso de formas novas e
renováveis de energia, de tecnologias de sequestro de dióxido de carbono e tecnologias seguras; f) limitação e/ou redução
de emissões de metano por meio de sua recuperação e utilização no tratamento de resíduos, bem como na produção,
transporte e distribuição de energia. Forma-se aqui o mercado dos chamados “créditos de carbono”, pelo qual os países em
desenvolvimento podem negociar com os países desenvolvidos seus excedentes de ar puro, que resultem de projetos de
redução da poluição que executem (o Brasil não compõe a lista de países autorizados a se beneficiar desta “compensação”).
Outras Convenções também merecem destaque. Para garantir a integridade da camada de ozônio, foi celebrada, em 1985,
a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. Posteriormente, foi criado o Protocolo de Montreal sobre
Substâncias que destroem a Camada de Ozônio, de 1987, que traça um cronograma para a redução de emissões de gases

86
deletérios para a camada de ozônio, como o CFC. A tais instrumentos acrescenta-se o Ajuste ao Protocolo de Montreal
sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, de 1990 e a Emenda ao Protocolo de Montreal, de 1991.
Recursos Marinhos Vivos: o mar é um patrimônio da humanidade, que comporta recursos marinhos vivos e
não-vivos. Em termos de direito internacional do meio ambiente, "meio ambiente marinho" deve ser considerado por
completo, em toda a amplitude que permite identificar suas características biológicas. Para compreender o significado de
"meio ambiente marinho" deve-se tomar a "área marítima" apresentada no artigo 1º da Convenção para Proteção do Meio
Ambiente Marinho do Atlântico Nordeste, assinada em Paris em 1992.
Poluição marinha: a) O combate à poluição do mar é um dos temas regulados no principal tratado referente ao
Direito do Mar, no caso a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay (Jamaica), em
1982. Por ela, os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho e o direito de soberania para aproveitar
os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente. b) Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição por Navios, de 1973 (MARPOL): Revista pelo Protocolo de 1978, visa a reduzir a poluição do mar e
tutelar o transporte marítimo em geral; c) Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e
Outras Matérias, de 1972; d) Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos
Perigosos e seu Depósito, de 1989: Procura tratar do manejo ambientalmente correto de produtos que são transportados
pela água, mas que podem poluir não só os mares, mas também outros cursos ou reservatórios de água, regiões costeiras,
solo, atmosfera etc. Atenção: O MOVIMENTO DE RESÍDUOS PERIGOSOS NÃO É VEDADO, mas condicionado à
autorização expressa de autoridades governamentais competentes em todos os países envolvidos na operação de
transporte e à comunicação oficial ao Secretariado da Convenção. e) Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil
em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969; f) Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em
casos de Acidentes com Poluição por Óleo (Convenção de Bruxelas). Além disso, no campo da proteção do ambiente
marítimo, ressaltamos o trabalho da Organização Marítima Internacional (OMI), criada em 1948 com o nome Organização
Consultiva Marítima Internacional (OMCI) e sediada em Londres. O órgão cuida não apenas da liberdade e segurança da
navegação marítima, sendo também foro de negociação de normas relativas à salvaguarda da vida no mar, à preservação
da qualidade das águas etc. Segundo esta Convenção (que no Preâmbulo reconhece a vital importância tanto do meio
ambiente marinho quanto da fauna e da flora para todas as nações), sua área de aplicação estende-se às águas internas e
ao mar territorial dos Estados-partes, ao mar além e adjacente ao mar territorial sob jurisdição do Estado costeiro, conforme
reconhecido pelo direito internacional, bem como ao alto-mar, inclusive o solo de todas as águas internas e seu subsolo. As
águas internas são definidas como as águas que se estendem da linha base para o mar territorial até o limite de água fresca.
Finalmente, o limite de água fresca é aferido no período da maré baixa, estabelecendo-se no local onde o curso d’água
interno adquire salinidade devido à presença da água do mar. Uma definição bastante completa e ampla13. Desta maneira,
pode-se conceituar o meio ambiente marinho como o que compreende todos os seres vivos e não vivos, inclusive aqueles
que possuem cadeia alimentar atrelada a este ambiente (ex. aves marinhas). Os recursos marinhos vivos são aqueles
dotados de existência própria e se classificam em recursos marinhos vivos de alto mar e de jurisdição nacional, em
conformidade com o local em que se encontram. Compreendido o conceito de mar e de meio ambiente marinho, tem-se que
a poluição pode ser causada sob diversas formas: embarcações, testes nucleares, de origem terrestre, vazamento de óleo,
etc. Visando a proteger os recursos marinhos, diversas convenções foram publicadas. Veja-se: Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, Capítulo 17 da Agenda 21, Declaração do Rio 92, Rio + 20.Em síntese, os recursos marinhos
vivos consistem em objeto de proteção do direito internacional do meio ambiente, sendo elementos que se criam e se
multiplicam no mar, patrimônio da humanidade.
Biodiversidade, Fauna e Flora: biodiversidade é a vida em suas múltiplas formas. Neste contexto, destacam-se
a fauna e a flora. A fauna consiste no conjunto de animais próprios de uma região e é classificada em terrestre e aquática.
Ainda, a fauna pode compor-se de animais silvestres, exóticos e domésticos. No que tange a fauna silvestre, o STJ não
reconhece a competência da Justiça Federal para julgar os crimes cometidos contra este bem jurídico. Veja-se CC
41.562/2004. Ademais, existe grande discussão sobre a titularidade dos animais silvestres, isto é, se são bens da União,
Estados, Municípios, etc. Não está pacificado o tema, conforme anota Frederico Trindade (p. 237). Quanto aos animais não
silvestres, nada impede que sejam propriedade particular14. O art. 3º da Lei 5197/67 proíbe o comércio das espécimes da
fauna silvestre, sendo que a Resolução CONAMA 394/2007 regula a questão da autorização para a guarda doméstica de
animais integrantes da fauna silvestre. A flora, por sua vez, consiste no conjunto de espécies vegetais de uma determinada
localidade. O art. 225, par. 4º, da CF dispõe que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato Grossense, a
Serra do Mar e a Zona Costeira são patrimônio nacional. A tutela da Mata Atlântica foi intensificada com a Lei 11428/2006.
Ainda, deve-se destacar que há uma tutela especial da Floresta Amazônica, com reserva legal de, no mínimo, 80% da
propriedade rural, conforme art. 16,I, do Código Florestal.
Proteção da fauna, da flora e das florestas: esse tema é objeto de diversas convenções das quais o Brasil
ratificou: a) Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América: Firmada
em 1949, é o primeiro tratado voltado a proteger a fauna, a flora e as florestas. A Convenção determinada a criação de
parques e reservas nacionais, monumentos naturais e reservas de regiões virgens; b) Convenção sobre Zonas Úmidas de
Importância Internacional, especialmente com habitat das Aves Aquáticas (Convenção de Ramsar, de 1971): Seu principal
objetivo é proteger as zonas úmidas, definidas como aquelas cobertas por água ou sob sua constante influência. Tais zonas
têm importância internacional, cabendo a cada Estado destacar as suas; c) Convenção para o Comércio Internacional das
Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (“Cities”), firmada em 1973: Objetiva combater a degradação
da fauna e da flora pela imposição de limitações às transações comerciais internacionais que envolvam seus exemplares,
suas partes e produtos derivados. Para regular esse comércio, as espécies de animais foram distribuídas em 3 listas:

13
http://jus.com.br/revista/texto/3194/a-poluicao-do-meio-ambiente-marinho-e-o-principio-da-precaucao/2#ixzz1zDLnlkBg
14
O particular que, por mais de vinte anos, manteve adequadamente, sem indício de maus- tratos, duas aves silvestres em
ambiente doméstico, pode permanecer na posse dos animais. STJ. 2a Turma. REsp 1.425.943-RN, Rel. Min. Herman
Benjamin, julgado em 2/9/2014 (Info 550).

87
espécies ameaçadas de extinção (com comércio estritamente regulamentado e autorizado apenas excepcionalmente);
espécies que podem correr risco de extinção caso seu comércio não seja regulamentado; espécies que cada Estado-parte
declare sujeitas, nos limites de sua competência, a regulamentação para impedir ou restringir sua exploração. d) Convenção
sobre a Diversidade Biológica, de 1993: Evita o fenômeno da “Erosão Genética”, que causa o decréscimo da produção de
alimentos e o prejuízo às atividades de criação de animais. Parte do princípio de que os recursos da biodiversidade devem
ser preservados prioritariamente in situ, ou seja, no habitat natural de onde se originam ou, caso ex situ, ao menos no país
de origem. Os objetivos da Convenção são a preservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus
componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios daí derivados. Para velar pela aplicação da Convenção, foi
criada uma Conferência das Partes e um Secretariado, bem como um órgão subsidiário de assessoramento científico, técnico
e tecnológico. As partes deverão apresentar relatórios periódicos acerca da aplicação da Convenção. e) Acordo Internacional
de Madeiras Tropicais de 1994: Visa a regular o comércio internacional de madeiras nobres dos trópicos.
Proteção do solo e desertificação: O principal tratado a respeito é a Convenção Internacional de Combate à
Desertificação nos Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, particularmente na África, firmada em 1994. Ela
visa a combater a desertificação por meio, fundamentalmente, do aproveitamento integrado da terra afetada pelo problema,
com vistas a prevenir ou reduzir a degradação da área desertificada ou, ainda, a recuperá-la, e a promover seu
desenvolvimento sustentável. Objetiva também mitigar os efeitos da seca. A Convenção requer também a participação das
comunidades locais, a cooperação internacional e uma atenção especial aos países em desenvolvimento, que deverão
receber o apoio cabível dos países desenvolvidos. Antártida: A Antártida é uma área internacional, que não pertence a
nenhum Estado específico. CO principal instrumento jurídico voltado a regular sua situação é o Tratado da Antártida, de
1959. Também tratam de matérias relevantes para a preservação da Antártida a Convenção para a Conservação das Focas
Antárticas, de 1972; a Convenção para a Preservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, de 1980; e o Protocolo ao
Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente, de 1991. Para preservá-la, o Tratado da Antártida PROÍBE:
Manobras militares e experiências com armas, inclusive nucleares, naquela área; O uso daquele território como depósito de
lixo radioativo. Por outro lado, favorece a pesquisa científica na região e limita as reivindicações territoriais sobre a região.

OBS: A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE E A REPARAÇÃO DO DANO


ECOLÓGICO: no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente, a responsabilidade internacional é OBJETIVA OU POR
RISCO. Com isso, não se perquire acerca da eventual culpa do agente pelo dano e, nesse ponto, basta que se configure
um prejuízo para que surja a obrigação de reparação, independentemente da forma pela qual o autor do dano tenha ou não
concorrido para o problema. Também é irrelevante se a atividade é considerada ou não “perigosa”, ou se é proibida ou
permitida pelo Direito Internacional: a responsabilidade é objetiva sempre. Os tratados referentes à proteção ao meio
ambiente se referem à responsabilidade internacional por danos ambientais e que se encontram em vigor são os seguintes:
Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, de 1953; Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969; Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, de 1972.

88
18.b. Carta rogatória: juízo delibatório, medidas cautelares com contraditório diferido, atos
executórios e atos não-executórios.

Noções gerais: a Cooperação Jurídica Internacional é o meio pelo qual os entes estatais se articulam para
colaborar com a solução de processos judiciais que correm em outros Estados. Os principais instrumentos são: Carta
rogatória; Homologação de sentença estrangeira; Extradição; Auxílio direto; Cooperação por tratados.
Conceito: a Carta Rogatória é o instrumento de cooperação jurídica entre dois países, visando à comunicação
de atos processuais entre as autoridades. A carta rogatória pode ser ativa ou passiva. Ativa é aquela remetida por um Estado,
enquanto passiva é a recebida por ele.
Objeto: Carta Rogatória veicula pedidos de assistência jurídica que podem ser relativos à fase pré-processual ou
processual, fase citatória e, inclusive, fase probatória. A Carta Rogatória pode ser utilizada para atos de cunho cautelar,
como o arresto e sequestro de bens. De acordo com a doutrina, o fundamento para o Brasil expedir, receber e cumprir Cartas
Rogatórias é a Solidariedade Internacional. Ocorre que esta encontra limites na exigência constitucional do exequatur.
Legitimidade: Somente o Poder Judiciário tem legitimidade para expedir cartas rogatórias. Carta Rogatória
expedida por órgão diverso do Poder Judiciário terá o exequatur imediatamente negado. Todavia, tendo em vista a decisão
proferida pelo STF no HC 87759 (à época a legitimidade para concessão de exequatur era do STF), fora opostos Embargos
Declaratórios (HC 87759-ED), de modo a se questionar a legitimidade do Ministério Público Italiano, o qual possui uma
peculiaridade, qual seja, na Itália, o Poder Judiciário é dividido entre Ministério Público e Juízes, de modo que o Ministério
Público da Itália integra o Poder Judiciário Italiano. Diante disso, o STF entendeu que, no caso do Ministério Público Italiano,
a sua peculiaridade justificava sua legitimidade para expedição de cartas rogatórias ao Brasil (STF, HC 87759-ED). Ocorreu
que, posteriormente, em sede de agravo regimental, o STJ fixou que o Ministério Público tem legitimidade para expedição
de cartas rogatórias ao Brasil, ressalvado os casos de matéria atinente à reserva de jurisdição (STJ, AgRg na CR 998/IT).
Juízo Delibatório: Na Carta Rogatória, o STJ realiza o chamado juízo de delibação, que verifica os requisitos
formais e, excepcionalmente, o mérito do pedido. Com isso, a doutrina comumente classifica os requisitos para a concessão
do exequatur às cartas rogatórias em dois planos: o plano da regularidade formal e o plano relativo ao conteúdo do pleito
cooperacional. Quanto aos requisitos formais, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça exige a autenticidade dos
documentos que instruem a carta rogatória, que seriam todos os necessários para a sua boa compreensão e execução no
território brasileiro. Por sua vez, os requisitos materiais exigem o cumprimento do respeito à soberania nacional e ordem
pública, além da dignidade da pessoa humana (inovação do RISTJ, art. 216-P).
Medidas Cautelares: Como dito, a Carta Rogatória pode ainda conter atos de cunho cautelar, extremamente
comuns no processo penal, como o arresto e sequestro de bens. Ocorre que a jurisprudência majoritária do STF (antes da
EC 45) era no sentido de que as medidas cautelares, antecipatórias de tutela ou liminares, como medidas executórias, não
poderiam ter eficácia no Brasil, já que não eram definitivas. Referido entendimento vem sendo atenuado pela jurisprudência
dos tribunais superiores, em especial o STJ. Ainda, faz-se oportuno diferenciar as possibilidades de reconhecimento de uma
sentença não definitiva e a concessão de medida de urgência. Esta pode ser tomada para acautelar a ação de homologação,
enquanto aquela diz respeito à própria natureza da decisão. Também, é importante mencionar que há possibilidade de
contraditório diferido em carta rogatória. Veja-se neste sentido o que foi dito no Informativo 540 do STF15, confirmado pelo
art. 216-Q, § 1o, do RISTJ.
Atos Executórios e Não-Executórios: O conteúdo de uma Carta Rogatória diz respeito aos atos ordinatórios e
cautelares, mas também existem Cartas Rogatórias Executórias, embora estas sejam, em regra, repelidas pela
jurisprudência brasileira. Durante muito tempo, discutiu-se a possibilidade das cartas rogatórias executórias no Brasil.
Felizmente, ao que nos parece, o dilema encontrou solução através do RISTJ, art. 216-O, § 1o, “será concedido exequatur
à carta rogatória que tiver por objeto atos decisórios ou não decisórios.” Assim sendo, o STJ eliminou a posição anterior que
entendia que não cabiam cartas rogatórias executórias (entendimento que, durante um tempo, foi sancionado pelo STF).
Além do STJ, cumpre destacar que a Convenção de Palermo admite a concessão de exequatur em carta rogatória de caráter
executório. Vide art. 12, itens 6 e 7, art. 13, item 2. Além disso, o art. 18, parágrafo 8, prevê que “os Estados Partes não
poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente artigo”. Todavia, cumpre
asseverar que não é admitida carta rogatória para remessa de menor, pois o Brasil é signatário da Convenção da Haia sobre
o sequestro internacional de crianças, o qual possui procedimento específico para esta medida (STJ, AgRg na CR 2874/CR).
Já nos casos de carta rogatória que envolva dívida de jogo, o STJ entendeu que pela possibilidade de concessão de
exequatur, pois, se no país expedidor da carta rogatória a dívida de jogo não é considerada ilícita, não haverá violação à
ordem pública brasileira (STJ, AgRg na CR 3198/US).
Carta Rogatória e Auxílio Direto: No final dos anos 90, em face da ratificação brasileira de tratados
internacionais de assistência jurídica, surge novo instrumento cooperacional denominado “auxílio direto”, que também
veicularia – tal qual a carta rogatória – pedidos de assistência jurídica internacional. Para a Procuradoria-Geral da República,
o auxílio direto consiste no “instrumento de colaboração penal internacional, através do qual é feito o encaminhamento do
pedido de realização de um ato judicial que se faz necessário para a instrução de um procedimento penal em curso no
Estado requerente”. Na doutrina, apontam-se três características básicas da assistência jurídica veiculada no instrumento
“auxílio direto” diferenciando-a da Carta Rogatória. Vejamos: 1) O Estado estrangeiro apresenta-se como sujeito de Direito
Internacional que solicita cooperação, aceitando que as providências sejam tomadas de acordo com o Direito Brasileiro,
inclusive por meio de medidas judiciais internas; 2) Na Carta Rogatória, o STJ realiza o chamado juízo de delibação, que

15
Carta Rogatória: Ciência Prévia e Contraditório Diferido – 1. Aplicando a orientação firmada no julgamento do HC 89555/SP
(DJU de 8.6.2007) segundo a qual é legítima, em carta rogatória, a realização liminar de diligências sem a ciência prévia
nem a presença do réu da ação penal, quando estas possam frustrar o resultado daquelas, a Turma, por maioria, indeferiu
habeas corpus no qual se questionava exequatur pronunciado pelo STJ em carta rogatória expedida pelo Juízo de Instrução
Federal da Confederação Suíça, com a finalidade de instruir processo a respeito de lavagem de dinheiro instaurado em
desfavor do paciente.

89
verifica os requisitos formais e, excepcionalmente, o mérito do pedido. Já no auxílio direto, o pleito do Estado estrangeiro é
verificado quanto ao mérito; 3) A última característica diz respeito justamente ao papel que o Poder Executivo desempenha,
de destaque, pois cabe a ele – no papel de Autoridade Central – encaminhar ou não o pedido cooperacional para os órgãos
internos, como o Ministério Público Federal. Pode ser que ocorra de vir ao Brasil uma solicitação com o nome de carta
rogatória, quando, na verdade, não se trata de uma carta rogatória, mas de uma solicitação de auxílio direto ou a solicitação
de uma diligência que não precise de juízo de delibação. Nesse caso, o RISTJ, no artigo 216-O, § 2o, prevê remessa da
solicitação ao Ministério da Justiça para que tome as providências cabíveis.

90
18.c. Domínio marítimo. Mar Territorial. Zona Contígua. Plataforma. Continental. Zona
Econômica Exclusiva. Ilhas costeiras e oceânicas. Navios e aeronaves no Direito Internacional.

Domínio Marítimo: O mar desempenha duas funções importantes: meio de comunicação e reservatório de
recursos. Atualmente, o grande tratado sobre direito do mar é a Conv. Montego Bay (1982). Além do alto mar, das zonas a
ele relacionadas e do mar territorial, existem as águas internas, que são pertencentes ao território terrestre dos Estados
(estão aquém da linha de base). Nas águas internas, existe concorrência de jurisdição: a do Estado em que situada a porção
de água e a do Estado da bandeira da embarcação: um navio mercante parado em águas internas está sujeito à jurisdição
local, mas crimes cometidos a bordo de navios, bem como questões referentes à disciplina da tripulação, podem ser
jurisdicionadas pelo Estado da bandeira. Se for uma embarcação militar (belonave), em regra somente o Estado da bandeira
tem jurisdição, mesmo em águas internas estrangeiras. O estudo do domínio marítimo se faz sob duas perspectivas: a das
águas propriamente ditas (mar territorial, zona contígua e zona econômica exclusiva) a das porções de terras cobertas por
águas (plataforma continental e fundos marinhos, estes abordados em outro resumo).
Mar Territorial: conceito: a contar da linha de base até 12 milhas (tratando-se de Estados adjacentes ou opostos,
adota-se o critério da equidistância). Regime jurídico: soberania plena, limitada apenas pelo direito de passagem inocente
em tempos de paz.
Direito de Passagem Inocente: conceito: navegação pelo mar territorial com a finalidade de atravessá-lo, sem
adentrar águas internas, ou de prosseguir para esse mar ou dele vir, sem adentrar águas internas, ou de prosseguir desse
mar, ou dele vir, para adentrar águas internas. Limites: paradas são permitidas, (i) desde que temporárias e (ii) de natureza
corriqueira ou por motivo de perigo; o Estado litorâneo pode suspender o direito de passagem inocente por motivos de
segurança, desde que isso (i) seja temporário, (ii) seja plenamente anunciado e (iii) não obstaculize, de modo algum, o
tráfego por estreitos internacionais. Submarinos precisam subir à superfície quando em mar territorial para caracterizar
passagem inocente. Vide art. 21 da Conv. Montego Bay. Obrigações do Estado Litorâneo: não impedir nem dificultar a
passagem e dar publicidade de qualquer perigo à navegação no mar territorial de que tiver ciência; Jurisdição em caso de
passagem inocente: para jurisdição penal, v. art. 27, Conv. Montego Bay; para jurisdição civil, v. art. 28 da Conv. Montego
Bay.
Zona Contígua: conceito: a partir da linha de base até 24 milhas. Antigamente, pela Conv. Direito do Mar de
1958, entendia-se como parte do alto mar em que os Estados litorâneos poderiam exercer alguns direitos; atualmente, na
Conv. Montego Bay, compreende-se dentro do complexo da Zona Econômica Exclusiva. Regime Jurídico: jurisdição restrita
a assuntos alfandegários, sanitário e de imigração. Funcionando, pois, como zonas intermediárias de fiscalização.
Zona Econômica Exclusiva: conceito: começa no limite externo do mar territorial, mas não pode se estender
para além de 200 milhas contadas da linha de base (portanto, se o Estado reclamar um mar territorial de 12 milhas, a zona
econômica exclusiva medirá 188 milhas contadas da linha de base). Regime jurídico: o Estado litorâneo tem (i) direito de
soberania para fins de exploração e aproveitamento de recursos naturais vivos e não vivos (mas precisa declarar
expressamente sua vontade neste sentido) e (ii) jurisdição relativa para construção e uso de ilhas artificiais, instalações e
estruturas (em relação às ilhas, instalações e estruturas, o Estado tem direito a aplicar suas leis e regulamentos
alfandegários; nas demais partes da ZEE, o Estado litorâneo não pode aplicar suas leis), investigação científica marinha e
proteção ambiental; os demais Estados possuem direito de liberdade de navegação, sobrevoo, instalação de cabos e
oleodutos (liberdades típicas da alto mar).
Plataforma Continental: conceito: leito e subsolo oceânico que se estende até o bordo exterior da margem
continental, como prolongamento natural da massa continental, e, se o bordo for menor, leito e subsolo oceânico até uma
distância de 200 milhas contadas da linha de base; sua importância diz respeito à plenitude de recursos naturais,
especialmente minerais. Regime jurídico: direitos soberanos (exclusivos, portanto) para a exploração de recursos naturais,
sendo desnecessária declaração neste sentido. Segundo a Conv. Montego Bay, os direitos do Estado litorâneo sobre a
plataforma continental não afetam o eventual status de alto mar das águas sobrejacentes e nem do espaço aéreo acima
delas.
Ilhas Costeiras e Oceânicas: as ilhas têm direito à mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental
se forem naturais; as artificiais não conferem este direito. Ilhas separadas por distância menor do que 24 milhas geram faixa
contínua de mar territorial (contado pelos bordos extremos do agrupamento). Se se tratar de meros rochedos que não
permitem o desenvolvimento da vida humana, não dão ensejo a contagem de mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma
continental.
Navios no Direito Internacional: Os navios devem possuir uma nacionalidade, devendo existir um vínculo
substancial entre o Estado e o navio (impedindo-se, deste modo, a chamada “Bandeira de Conveniência”). Os navios devem
navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo em casos excepcionais, devem submeter-se no alto mar à jurisdição
exclusiva deste Estado. Neste sentido, o Código Penal determina que se aplica a lei brasileira ao crime praticado a bordo de
embarcações de natureza pública ou a serviço do Brasil onde quer que se encontrem, bem como às embarcações brasileiras,
mercantes ou de propriedade privada no alto mar. Ficam também sujeitos à lei brasileira os crimes praticados em
embarcações brasileiras privadas no exterior que ali não sejam julgados. A Convenção de Montego Bay (art. 111) regula o
“Direito de Perseguição” que consiste no direito de as autoridades do Estado costeiro empreenderem a perseguição e captura
de um navio estrangeiro que possa ter infringido suas leis e regulamentos. A perseguição deve iniciar-se enquanto a
embarcação estrangeira ainda estiver em águas que estejam sob alguma forma de jurisdição do Estado e só pode continuar
fora dessa área se não tiver sido interrompida. Este direito só pode ser exercido por navio ou aeronave militar ou a serviço
do Governo e cessa no momento em que o navio perseguido entre no mar territorial de seu próprio Estado ou de um terceiro
Estado, sendo o emprego de força possível (PORTELA, 2014, p. 594).
Aeronaves no Direito Internacional: Ao contrário do que ocorre no mar territorial, não há no espaço aéreo um
direito de passagem inocente, que seja fruto de um direito costumeiro. Assim, o Estado é o senhor absoluto desse espaço,
somente o liberando para outros com permissão ou mediante a celebração de tratados. Portanto, o Estado exerce sua
soberania sobre o espaço aéreo de maneira exclusiva e absoluta. Todavia, no espaço aéreo, vigora o sistema das cinco
liberdades para o tráfego aéreo definidas pela Convenção de Chicago, sendo 2 técnicas e 3 comerciais. As liberdades

91
técnicas são: 1) liberdade de sobrevoo sem escalas, de um este estatal, sendo possível proibi-lo em determinadas áreas de
segurança; 2) liberdade de escala técnica, sem fins comerciais ou em situações de emergência. As liberdades comerciais
são: 1) desembarcar passageiros; 2) embarcar passageiros; 3) cada país permite que as aeronaves do outro embarquem e
desembarquem, em seu território, passageiros e mercadorias com destino a – ou provenientes – de outros países membros
da OACI (Rezek, p. 329). As liberdades técnicas são abertas a todos os Estados, dispensando nova autorização especial
do Estado sobrevoado. As liberdades comerciais dependem de acordos adicionais entre os Estados. Diga-se por fim que
foram firmados alguns tratados visando a garantir a segurança das aeronaves em âmbito internacional (v.g. Convenções de
Chicago, 1944 e Protocolo de Montreal, 1984).

OBS.: Informativo 560 de 2015 do STJ: o art. 109, IX, da CF/88 afirma que compete à Justiça Federal julgar os
crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves, com exceção daqueles que forem da Justiça Militar. Para que o crime
seja de competência da Justiça Federal, é necessário que o navio seja uma “embarcação de grande porte”. Assim, se o
delito for cometido a bordo de um pequeno barco, lancha, veleiro etc., a competência será da Justiça Estadual. Aeronave
voando ou parada: a competência será da Justiça Federal mesmo que o crime seja cometido a bordo de uma aeronave
pousada. Não é necessário que a aeronave esteja em movimento para a competência ser da Justiça Federal. Navio em
situação de deslocamento internacional ou em situação de potencial deslocamento: para que o crime cometido a bordo de
navio seja de competência da Justiça Federal, é necessário que o navio esteja em deslocamento internacional ou em
situação de potencial deslocamento (ex: está parado provisoriamente no porto, mas já seguirá rumo a outro país). Se o navio
estiver atracado e não se encontrar em potencial situação de deslocamento, a competência será da Justiça Estadual.

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19.a Comunicabilidade do estado civil. Homologação de sentença de divórcio.

Comunicabilidade do estado civil A regra geral para a regulação do casamento no Brasil é a do domicílio
conjugal: “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome,
a capacidade e os direitos de família (critério lex domicilii). Mas é a lei do lugar da celebração do ato que regulamenta a
forma e a substância do casamento.
O casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, exceto se for contrário à soberania nacional, à ordem
pública e aos bons costumes, independentemente de qualquer registro, situação jurídica que impede outro matrimônio
(incorrerá no crime de bigamia o agente que contrair núpcias em mais de um Estado), daí a comunicabilidade do estado civil
de casado.
Em todo caso, o Código Civil estabelece norma no sentido de promover o registro do casamento de brasileiro,
celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º
Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir (art. 1.544). Em caso de domicílio desconhecido, o registro será feito
no 1º Ofício do Distrito Federal. Tal norma se aplica ao brasileiro que casou no exterior e vem morar no Brasil. O objetivo do
registro seria dar publicidade ao casamento celebrado em território alienígena e provar sua ocorrência, à luz do princípio da
segurança jurídica.
Quanto à eficácia no Brasil de casamento realizado no estrangeiro, a doutrina diverge sobre se o registro no Brasil
é uma condição de eficácia ou mero meio de prova. Dolinger afirma que o casamento seria eficaz desde a sua celebração
no estrangeiro, e que “o registro é necessário tão-somente para fazer prova”.
A obrigatoriedade do registro do casamento de brasileiros em outros países “é uma hipótese na qual remanesce
o critério da nacionalidade”, segundo Nadia de Araujo, sendo a jurisprudência no sentido de vedar o registro no caso de
envolver apenas estrangeiros, salvo posterior naturalização. A validade do casamento no estrangeiro, entretanto, não fica
afetada pela ausência de registro, tendo em vista a regra lex loci celebrationis.
É importante salientar que o registro NÃO É ato constitutivo do casamento. Tal registro não é necessário para a
validade do casamento celebrado no exterior em nosso território, que pode ser provado pela certidão de casamento
estrangeira traduzida oficialmente e legalizada pela autoridade consular brasileira no exterior. Partindo do pressuposto de
que há a comunicabilidade do estado civil de casado e, consoante a regra inserta no art. 7º da Lei de Introdução, a pessoa
casada em seu domicílio presume-se casada em território brasileiro, aplicando-se o estatuto pessoal.

Homologação de sentença de divórcio. Com relação à sentença de divórcio, o parágrafo único do artigo 15 da
LINDB dispensa a homologação de sentenças declaratórias do estado de pessoa, de forma que bastaria, em tese, a parte
juntar a sentença estrangeira diretamente ao processo de habilitação para novo casamento no Brasil. Entretanto, o STF,
avaliando exatamente esta situação, decidiu que toda sentença estrangeira deve ser homologada, “quaisquer que sejam os
efeitos postulados pela parte interessada”, em decisão do Ministro Celso de Mello. Ficou decidido que esse dispositivo da
LINDB restou derrogado pelo art. 483 do CPC. É dada ainda a opção de, em vez de proceder com o reconhecimento do
divórcio feito no exterior, pode-se fazer o divórcio direto no Brasil.
Desta forma há um novo divórcio, seguindo leis brasileiras e não mais uma homologação do divórcio estrangeiro.
Segundo Yussef Cahali: “não homologada a sentença estrangeira de divórcio, subsiste na sua eficácia o vínculo matrimonial
de modo a possibilitar que os cônjuges aqui domiciliados postulem a dissolução do vínculo matrimonial segundo a lei
brasileira, embora já divorciado o casal no estrangeiro”. Além disso, o STJ, atualmente responsável pela homologação de
sentenças estrangeiras, decidiu que o divórcio ocorrido no estrangeiro pode e precisa ser homologado ainda que tenha se
dado por ato diverso de sentença, como foi o caso de homologação de escritura de divórcio ocorrido no Japão. A
comunicabilidade do divórcio, portanto, é sempre submetida à homologação pelo STJ.
Importante destacar que a EC 66 alterou o 6º do art. 226 da Constituição Federal, fixando que o “casamento civil
pode ser dissolvido pelo divórcio”, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou separação de
fato por mais de dois anos para o fim do casamento. Logo, o divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges
forem brasileiros, poderá ser reconhecido no Brasil independentemente de prazo prévio, desde que haja a previa
homologação da sentença estrangeira de divórcio pelo STJ.
STJ, 2013: É possível a homologação de sentença estrangeira de divórcio, ainda que não exista prova de seu
trânsito em julgado, na hipótese em que, preenchidos os demais requisitos, tenha sido comprovado que a parte requerente
foi a autora da ação de divórcio e que o provimento judicial a ser homologado teve caráter consensual. Isso porque quando
a sentença a ser homologada tratar de divórcio consensual, será possível inferir a característica de trânsito em julgado. [STJ,
Corte Especial, 15/05/2013]

93
19.b. Prestação de alimentos no estrangeiro. Convenção de Nova York de 1956. Atribuições do
Ministério Público Federal como autoridade central.

O regramento da prestação transnacional de alimentos pertence ao ramo do Direito Internacional Privado,


especificamente ao Direito de Família. Considerando a eventual necessidade de prestação de alimentos entre alimentantes
e alimentados que vivem em Estados diferentes e a importância desses recursos para assegurar a sobrevivência e a
dignidade humana dos credores, foram celebrados tratados internacionais visando à facilitação da cobrança e do
adimplemento de tais obrigações. O principal objeto desses tratados é regular a cooperação jurídica entre os Estados no
que tange à cobrança de alimentos no exterior.
A Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro (1956) foi promulgada, internamente,
pelo Decreto n. 56.826/65. Tem como objetivo “facilitar a uma pessoa, doravante designada como demandante, que se
encontra no território de uma das Partes Contratantes, a obtenção de alimentos aos quais pretende ter direito por parte de
outra pessoa, doravante designada como demandado, que se encontra sob jurisdição de outra Parte Contratante. Os
organismos utilizados para este fim serão doravante designados como Autoridades Remetentes e Instituições
Intermediárias”.
A Convenção de Nova Iorque aplica-se à homologação de uma sentença estrangeira referente a alimentos, sua
execução ou, ainda, à abertura de processo judicial que vise ao pagamento de pensão alimentícia. A Convenção de Nova
Iorque rege-se pelos seguintes princípios:
1- pelo princípio da COMPLEMENTARIDADE, já que os instrumentos jurídicos que prevê apenas
complementarão, sem substituir, outros meios existentes no Direito Internacional ou interno para a cobrança de alimentos
em geral.
2- pelo princípio da RECIPROCIDADE, pois um Estado só poderá invocar as disposições da Convenção contra
outro Estado que também seja parte do tratado.
No Brasil, as funções de Autoridade Remetente e Instituição Intermediária são conferidas à PROCURADORIA
GERAL DA REPÚBLICA (mais conhecida como AUTORIDADE CENTRAL), cabendo à Justiça Federal da capital do Estado
brasileiro em que residir o devedor o exame dos pedidos oriundos do exterior (art. 26 do Decreto), exceto as homologações
de sentenças estrangeiras que já condenaram ao pagamento de pensão alimentícia, cuja competência é prevista
constitucionalmente como do STJ.
No caso dos pedidos provenientes do exterior, o MPF promove seu encaminhamento, que pode consistir em um
pedido de reconhecimento da sentença estrangeira ou iniciar uma ação de alimentos no Brasil, através da Procuradoria da
República no local do domicílio do devedor. No caso reverso, o MPF, após o recebimento dos documentos, entra em contato
com a Autoridade Central correspondente no exterior para que o pedido seja processado.
O Regimento Interno do Ministério Público Federal – RIMPF, em seu art. 15, inciso I, prevê que as atribuições
referentes aos atos de cooperação internacional são de competência da ASCJI – Assessoria de Cooperação Jurídica
Internacional, órgão que assessora o Procurador-Geral da República nos assuntos pertinentes à cooperação jurídica
internacional com autoridades estrangeiras e organismos internacionais.
A competência interna para julgamento das ações judiciais amparadas pela Convenção é da JUSTIÇA FEDERAL.
Mas é importante salientar que o credor pode ajuizar uma ação de alimentos diretamente no Brasil, hipótese em que a
competência se desloca para a Justiça Estadual. Segundo jurisprudência majoritária, a competência será da JUSTIÇA
FEDERAL apenas quando a Procuradoria Geral da República estiver atuando como Instituição Intermediária.
No que tange às sentenças estrangeiras de alimentos para execução em território nacional, tais sentenças são
remetidas pela Autoridade Remetente à PGR, diretamente ou via diplomática, para posterior análise pela ASCJI, que as
encaminhará ao STJ para homologação, conforme previsto constitucionalmente. A carta de sentença, como é executada no
juízo federal do domicílio do devedor, terá seu trâmite acompanhado pela Procuradoria da República que oficia na respectiva
seção judiciária.
Procedimento:
1- O pedido do alimentando (demandante) é dirigido à Autoridade Remetente do Estado onde o credor se
encontra, a qual se encarregará de encaminhá-lo obrigatoriamente à Instituição Intermediária do Estado do devedor
(demandado), salvo se formulado de má-fé (todos aqueles que recorram aos procedimentos da Convenção ficam isentos de
custos, inclusive os demandantes estrangeiros ou não residentes). Caso o Estado onde se encontre o demandado não seja
parte da Convenção, deverá ser proposta ação de alimentos perante a Justiça Estadual, com o encaminhamento de carta
rogatória citatória para o devedor no exterior, cujo pedido será dirigido ao Ministério da Justiça, com vistas ao Ministério das
Relações Exteriores, a fim de serem remetidas, via diplomática, aos juízos rogados.
2- O pedido é analisado de acordo com a lei do Estado da Instituição Intermediária, exceto as questões formais
relacionadas ao pedido que devem observar a lei do Estado da Autoridade Remetente.
3- A Instituição Intermediária tomará, em nome do demandante, medidas para assegurar a prestação de
alimentos, podendo transigir, iniciar uma ação de alimentos e, inclusive, executá-la.
4- Poderá o Estado demandado obter provas por meio de cartas rogatórias, que deverão ser cumpridas no prazo
máximo de quatro meses após seu recebimento e executadas sem custas.
A Convenção prevê a possibilidade de execução provisória dos alimentos, ou seja, antes do trânsito em julgado,
e dispõe sobre a previsão da análise do binômio necessidade versus possibilidade na fixação dos alimentos.

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19.c Povos indígenas no Direito Internacional. A Convenção OIT 169 e a Declaração da ONU
sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007.

Durante décadas a foi dominante na antropologia a idéia de que o caminha para populações indígenas ou
tradicionais seria a assimilação pela cultura majoritária com a qual tivessem contato. Por esta idéia tais populações
gradualmente abandonariam seu modo de vida tradicional e adotariam o estilo de vida “civilizado” de seus vizinhos. Tal idéia
é atualmente rechaçada pela antropologia, tendo o MPF se manifestado contrário a ela em diversas ações e pareceres, por
se basear em uma premissa de superioridade da cultura “civilizada” com relação a culturas “primitivas” o que levaria a uma
inevitável assimilação da última pela primeira. A teoria da assimilação esteve em voga em todo o mundo, inclusive no Brasil,
e gerou tratados e legislação interna que estimulavam a assimilação e protegiam as populações indígenas na medida em
que estas supostamente eram assimiladas pela cultura nacional.
Atualmente se entende que nenhuma cultura é intrinsecamente superior a outra (deve-se evitar os termos
primitivo, civilizado, assimilado, aculturado e afins). As culturas tradicionais devem ser preservadas, porém sem impedir que
estas se transformem pelo contato com outras culturas, principalmente com o contrato com a cultura nacional dominante.
Reserva-se aos indivíduos o direito de buscar sua pela realização pessoal em uma ou outra cultura ou mesmo em ambas.
Uma última observação diz respeito ao questionado na segunda fase acerca dos povos indígenas como sujeitos
de DIP. O examinador atribuiu nota máxima a prova de colega que respondeu existirem duas correntes. Uma realista, ou
mais tradicional, que reserva personalidade internacional apenas aos Estados, organizações internacionais e entes “sui
generis”, e outra pluralista, que reconhece como sujeitos de DIP, ainda que de forma específica e limitada a certos objetivos
e agendas, o indivíduo. Nesta mesmas linha também poderia ser reconhecida subjetividade jurídica internacional aos povos
indígenas. O colega ainda observou que a última posição é a mais moderna e adequada à realidade.
A Convenção OIT 169 Quanto à Convenção OIT 169, de 1989 o mais relevante é a sua comparação com a antiga
Convenção 107 da OIT, de 1957. A Convenção 107 adotava expressamente as teorias da assimilação em seu art. 2º, com
a seguinte disposição: “Competirá principalmente aos governos pôr em prática programas coordenados e sistemáticos com
vistas à proteção das populações interessadas e sua integração progressiva na vida dos respectivos países”. A convenção
169 possui foco diverso, prezando pela preservação da cultura indígena e pela participação dos povos indígenas na
elaboração das políticas públicas a eles pertinentes. A convenção OIT 169 foi promulgada no Brasil em 2004. É interessante
notar que certos dispositivos de legislação interna brasileira, da época da ditadura, adotam o paradigma do assimilacionismo,
sendo sua aplicação na atualidade combatida pelo MPF. Tendo em vista a força de Lei da convenção, pode ser interessante
sustentar que esta revogou certas disposições assimilacionistas da legislação interna.
A Convenção primeiramente identifica em seu artigo 1º quem são os povos indígenas ou grupos tribais. Ao
contrário do Estatuto do Índio, a convenção estabelece que a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para a identificação dos índios. Trata-se do direito ao autorreconhecimento. Uma
crítica que se faz ao autorreconhecimento é a possibilidade de pessoas se identificarem como indígenas para perceberem
benefícios reservados ao grupo, de maneira a promover a indesejada redução do montante de recursos públicos aos
legitimamente interessados. Apesar disso, entendimento predominante do MPF é o de dar prevalência ao critério do
autorreconhecimento, desde que observados os aspectos culturais do grupo e a dinâmica social, não sendo aceitável a
criação de um critério de heterorreconhecimento, que poderia dar ensejo a preconceitos e a prejuízos a cidadãos que
efetivamente fazem jus à proteção estatal.
A Convenção rege-se pelo princípio da não discriminação, segundo o qual “Os povos indígenas e tribais deverão
gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação.” (art. 3)
A referida Convenção estatui diversos mecanismos que, além de proteger os índios, dão poderes às comunidades
indígenas, possibilitando-lhes a participação nas decisões estatais, o direito de escolher suas próprias prioridades no que
diz respeito ao processo de desenvolvimento, quando tais decisões afetem suas vidas, crenças, instituições e bem-estar
espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam, de forma a promover a maior participação possível das comunidades
tradicionais nas decisões acerca de seus destinos e de seu desenvolvimento econômico, social e cultural (art. 7). Nesse
diapasão, a Convenção também confere o direito de consulta aos povos indígenas nas decisões estatais que lhes afetem
diretamente e, para tanto, estabeleceu o Direito de Consulta – consulta livre, prévia e informada acerca de medidas
administrativas ou legislativas que os afetem (artigo 6 ).
As comunidades tradicionais têm direito à conservação de seus costumes e instituições próprias, inclusive
“métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus
membros”, desde que compatíveis com os direitos fundamentais e com os direitos humanos (art. 8 e 10).
A proteção das terras indígenas é ressaltada na Convenção e parte do princípio de que toda ação relativa às
comunidades tradicionais deverá levar em conta a importância da relação desses povos com suas terras e de que os povos
indígenas, em princípio, não deverão ser transladados das terras que ocupam.
O direito dos povos indígenas terem suas terras demarcadas administrativamente vem reconhecido na Convenção
(art. 14, 2 e 3), que prevê que os governos deverão adotar as medidas necessárias para determinar as terras que os povos
interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e de posse.
O art. 19 da Convenção estabelece que os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos interessados
condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, para fins de alocação de terras quando as terras
de que disponham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma existência normal ou para enfrentarem seu
possível crescimento numerário. Assim, as comunidades indígenas podem ser beneficiadas pela reforma agrária, caso se
comprove que as terras que ocupam sejam insuficientes para sua manutenção atual e futura.
Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007 Deve-se destacar que se trata de um
documento formalmente não vinculante. É uma declaração aprovada pela Assembléia Geral da ONU e não um tratado. A
declaração segue a mesma linha da Convenção OIT 169, preocupando-se com a preservação dos direitos dos povos
indígenas e rompendo em definitivo com o antigo paradigma do assimilacionismo.
A Declaração reafirma que “os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os

95
direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos.”
Têm direito à preservação de sua cultura, tradições, costumes e práticas religiosas, incluindo o direito de conservar
locais e bens de relevância cultural, direito à educação em seu próprio idioma e de que a dignidade e a diversidade de suas
culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente refletidas na educação pública e nos meios de informação
públicos.
Têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra
forma utilizado ou adquirido. Devem os Estados estabelecer procedimentos de reconhecimentos das terras indígenas. Não
podem os povos indígenas ser privados ou removidos à força de suas terras, territórios ou recursos.
Dentre tais direitos, destacam-se o direito à autodeterminação, à autonomia e ao autogoverno nas questões
relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas próprias funções
autônomas. É importante ressaltar a relevância do tema da autodeterminação para o examinador, já que na prova objetiva
do 26º Concurso, questão 16, foi cobrado o conhecimento da Declaração no que tange à impossibilidade de, com base no
princípio da autodeterminação (art. 46), legitimar-se o desmembramento territorial do Estado em cujo território vivem os
povos indígenas, nem a ação de outros estados contra sua integridade territorial. Também no 25º Concurso, questão 54, foi
cobrado conhecimento sobre o direito à autodeterminação dos povos, mas sob o enfoque dos direitos humanos (“o direito à
autodeterminação integra os direitos civis e os direitos sociais e culturais, por força dos Pactos Internacionais respectivos,
de 1966”)
Tanto a convenção da OIT quanto a declaração trazem um direito aos povos indígenas que parece digno de nota
e intimamente relacionado à matéria. Os povos indígenas separados por fronteiras nacionais (situação comum na Amazônia)
têm direito de manter contato com seus membros ou mesmo outros povos, devendo os Estados adotarem as medidas
necessárias para facilitar o intercâmbio e a comunicação.

96
Ponto 20.a. Efeitos civis do sequestro de crianças. Competência da Justiça Federal.
Atribuições do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União. Autoridade Administrativa
Central.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º; Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito Internacional Público
e Privado, 5ª Edição. Jus Podivm.
Convenção da Haia: A Convenção da Haia fundamenta-se na necessidade de defender os interesses superiores
da criança e de protegê-la dos nefastos efeitos provenientes de alteração de domicílio ou de retenções indevidas. Assim,
prevê medidas administrativas ou judiciais, voltadas a promover o retorno de menores ilicitamente transferidos do país de
residência a outro Estado Contratante.
São objetivos centrais da Convenção: a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para
qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; e b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados
Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante.
Ou seja: a Convenção foi assinada para facilitar a devolução de crianças que tenham sido levadas ilicitamente de
um país para outro ou que tenham sido levadas licitamente, mas que não tenham retornado no período certo.
“A Convenção aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado Contratante, imediatamente
antes da violação do direito de guarda ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de
dezesseis anos”.
Considera-se transferência ou a retenção ilícita de uma criança quando:
a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro
organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente
antes de sua transferência ou da sua retenção; e
b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento da
transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida, nos termos do Artigo 3, e tenha decorrido um
período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante
a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva
deverá ordenar o retorno imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano, deverá ordenar
o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio. A decisão
acerca da devolução não é ato discricionário.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha
sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retorno da criança.
O simples fato de que uma decisão relativa à guarda tenha sido tomada, ou seja, passível de reconhecimento
no Estado requerido não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a criança nos termos desta
Convenção, mas as autoridades judiciais ou administrativas do Estado requerido poderão levar em consideração os motivos
dessa decisão na aplicação da presente Convenção. Entretanto, ressalte-se que no caso do menor ser trazido licitamente
por genitor brasileiro ao Brasil, é possível que este peça a guarda do infante na Justiça brasileira, a qual é competente para
processar e julgar ação de guarda quando uma criança está na companhia de sua mãe ou de seu pai e reside em território
brasileiro, segundo entendimento do STJ (RESP 1.164.547), já que a transferência lícita da criança para território brasileiro
não configura o sequestro internacional do menor.
A autoridade central, no Brasil, é a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) – art. 1º do Decreto n. 3.951/01 –,
assessorada juridicamente e representada, em juízo, pela AGU (art. 131 da CR88).
O interessado (pessoa, instituição ou organismo) deverá procurar a Autoridade Central do Estado de residência
da criança ou qualquer outra Autoridade Central (que também faça parte da Convenção) para assistência no que tange ao
retorno do menor. Caso não haja o retorno amigável, a Autoridade Central brasileira encaminhará o caso à AGU, para a
promoção da devida ação judicial, cuja competência para processamento e julgamento cabe à JUSTIÇA FEDERAL, eis que
a ação de restituição visa a permitir que o Brasil cumpra o compromisso internacional estatuído na Convenção da Haia. É
imperioso salientar que aos Juízes Federais cabe apenas examinar as normas da Convenção, limitando-se a examinar os
aspectos da possível ilegalidade da transferência das crianças de seu país de origem e residência habitual, evitando deliberar
acerca do mérito da guarda.
Há intervenção obrigatória do MPF no processo, com amparo no art. 82 do CPC, sob pena de nulidade do
feito.
Cumpridos os requisitos explícitos na Convenção que caracterizam a transferência ilícita, deverá a criança
retornar ao Estado de onde foi levada, independente do mérito da decisão que, no Estado de origem, conferiu guarda ou
regulou as vistas.
O retorno da criança poderá ser recusado quando incompatível como os princípios fundamentais do Estado
requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, quando ficar provados que a pessoa,
instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da

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transferência ou retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção ou
no caso de grave risco de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer
modo, ficar numa situação intolerável.
Segundo o art. 3º do Decreto n. 3.951/01, “fica criado o Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal
contra o Sequestro Internacional de Crianças”, do qual pode fazer parte um membro da Procuradoria-Geral da República
(p.único, inc. I). São atribuições da autoridade central as prevista nos arts. 7º da Convenção e 2º do Decreto. 3.951/01 (este
é mais detalhado do que o primeiro dispositivo).
Quadro panorama:
A) OBJETIVOS i. Assegurar o retorno imediato de crianças
ilicitamente transferidas para outro Estado Contratante ou nele
retiradas indevidamente;
ii. Fazer respeitar, nos outros Estados, os direitos de
guarda e de visita existentes num Estado Contratante.
B) ABRANGÊNCIA i. Aplica-se a qualquer criança que tenha
residência habitual num Estado Contratante imediatamente
antes da violação do direito de guarda ou de visita;
ii. NÃO SE APLICA A MAIORES DE 16 ANOS;
iii. NÃO IMPORTA A NACIONALIDADE;
iv. NÃO SE APLICA A TRANSFERÊNCIAS ANTES
DA SUA ENTRADA EM VIGOR.
C) AÇÕES QUE OS i. Localizar crianças;
ESTADOS DEVERÃO TOMAR ii. Providenciar o retorno imediato Recorrendo
PARA FAZER VALER A a métodos amigáveis e a processo judicial.
CONVENÇÃO iii. Prevenir danos.
D) CONDIÇÕES QUE i. RISCOS PARA OS DIREITOS FUNAMENTAIS
PODEM EVITAR O RETORNO DA DA CRIANÇA;
CRIANÇA
ii. NÃO-EXERCÍCIO EFETIVO DA GUARDA NA
ÉPOCA DA TRANSFERÊNCIA OU RETENÇÃO;
iii. CONCORDÂNCIA COM A TRANSFERÊNCIA
OU RETENÇÃO;
i. OPOSIÇÃO DA CRIANÇA AO RETORNO,
QUANDO ESTA FOR CAPAZ DE EMITIR OPINIÕES QUE
POSSAM SER CONSIDERADAS.

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Ponto 20.b. Genocídio como crime internacional: conceito, natureza e incorporação no
ordenamento jurídico brasileiro. Competência para seu processo e julgamento.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º. Portela 5º ed.


Legislação básica: Convenção contra o Genocídio de 1948; Lei n. 2.889/56; Código Penal Militar (Decreto-Lei n.
1.001/69); pela Lei n. 8.072/90; Convenção de Roma (TPI)
Noções Gerais: O marco da condenação do genocídio foi o repúdio da comunidade internacional diante do
genocídio dos armênios praticado pelos dirigentes do Império Turco-Otomano, em 1915. Em 1948, as Nações Unidas adotam
a Convenção contra o Genocídio. Genocídio no Estatuto de Londres e no Estatuto de Tóquio era uma forma de extermínio,
era uma forma da prática dos crimes contra a humanidade, tornando-se crime autônomo em 1948, em face de sua peculiar
gravidade.
Segundo Eugênio Aragão, os crimes de genocídio, diferentemente de crimes contra a humanidade, podem ser
praticados por particulares até fora de um contexto de um conflito. Ele relata que, no Brasil, houve casos de julgamento de
genocídio contra populações indígenas, por garimpeiros.
O genocídio foi tipificado, no Brasil (em cumprimento da Convenção contra o Genocídio de 1948), pela Lei n.
2.889/56 e pelo Código Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.001/69), com definições coincidentes com a convenção da ONU.
Posteriormente, o genocídio foi considerado “crime hediondo” pela Constituição de 1988 e pela Lei n. 8.072/90.
Conceito e características: Pratica genocídio quem, intencionalmente, pretende destruir, no todo ou em parte,
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometendo, para tanto, atos como o assassinato de membros do grupo, dano
grave à sua integridade física ou mental, submissão intencional destes ou, ainda, tome medidas a impedir os nascimentos
no seio do grupo, bem como promova a transferência forçada de menores do grupo para outro.
A Convenção da ONU de 1948, e textos subsequentes, não adotou, por influência da União Soviética, o
genocídio de grupos políticos e sociais.
A definição da Convenção da ONU foi repetida pelo Estatuto do TPI. O bem jurídico tutelado não é a vida do
indivíduo considerado em si mesmo, mas o próprio grupo nacional, étnico, racial ou religioso de que faz parte.
O crime é comum, podendo ser autor qualquer pessoa.
O sujeito passivo é qualquer pessoa que integra o grupo atacado. Para configuração do crime, basta que uma
ou mais pessoas sejam vítimas diretas, desde que presente o especial fim de agir, de destruir o grupo. O conceito de raça
não deve ser tomado de forma científica, mas como características que possam gerar preconceito, estereótipos.
Competência para seu processo e julgamento: Internamente, a competência para o julgamento do genocídio
é do juiz singular, por não se confundir com o homicídio. Se praticado contra comunidades indígenas, será competente a
Justiça Federal, cf. art. 109, XI, da CF/88. (RE 419528 e 179485). Neste caso, o STF decidiu que, quando o genocídio é
praticado por meio de homicídios, a competência, por conexão, será do Tribunal do Júri perante a Justiça Federal (RE
351487, CEZAR PELUSO, STF).
Internacionalmente, o crime de genocídio está inserido na competência ratione materiae do TPI. Lembrando-
se, sempre, da característica da subsidiariedade da atuação do TPI.

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Ponto 20.c: Direito da Integração Regional. Tipologia. Organização Internacional
Supranacional. Mercado Comum do Sul. Evolução. Características. Estrutura. Principais atos
institutivos. Relação com o Direito brasileiro.

Principais obras consultadas: Santo Graal 27º; Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito Internacional Público
e Privado, 5ª Edição. Jus Podivm. http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/jorge_integracao_mercosul_ue.pdf.
Direito da Integração Regional: se consolidou com o surgimento dos blocos econômicos, mecanismos criados
e formados por Estados soberanos que conferem uns aos outros certas vantagens no âmbito das relações que mantêm
entre si, especialmente no campo econômico. Geralmente estes países estão próximos por suas posições geográficas,
afinidades econômicas, históricas e culturais (forma de cooperação entre Estados se caracteriza por mecanismos de
vantagens recíprocas).
É ramo do DIP, com características deste: necessidade de incorporação de suas normas às ordens internas. Não
confundir com Direito Comunitário (integrações aprofundadas), que se sobrepõe ao direito interno e é diretamente aplicável
nos Estados, sem necessidade de incorporação e tendo a supranacionalidade como marca.
Tipologia: Um processo de integração regional pode percorrer até cinco etapas distintas: zona de livre comércio,
união aduaneira, mercado comum, união econômica e, por fim, união política.
1- Zona de livre comércio: Liberação da circulação de bens dentro do bloco regional - primeira etapa da
integração em que são estabelecidas facilidades para circulação de bens dentro do bloco regional com redução progressiva
ou total de barreiras alfandegárias e não alfandegárias, como gravames aduaneiros, alíquotas cotas, etc.
2- União aduaneira: trata-se do estabelecimento de regras comuns para importações oriundas de fora do bloco,
como o estabelecimento de uma tarifa externa comum TEC, a fim de evitar que produtos e serviços vindos de terceiros
países promovam vantagens na concorrência contra produtos do próprio bloco. É o estágio em que se encontra o
MERCOSUL.
3- Mercado comum: há livre circulação dos fatores de produção (bens/serviço/capital/mão-de-obra). União
econômica e monetária: coordenação de políticas macroeconômicas (política econômica e cambial unificação e moeda
única).
4- União econômica e monetária política: os membros do bloco regional estabelecem a coordenação de suas
políticas macroeconômicas, partindo, na maioria das vezes, para políticas econômicas e cambiais unificadas, metas comuns
de indicadores macroeconômicos, uma só moeda e um banco central único. Estágio atual da União Europeia.
5- União política: os membros do bloco avançam no sentido de estabelecer uma coordenação de ações no
campo político. Teoricamente, a união política pode levar à formação de uma confederação ou mesmo à unificação dos
membros do mecanismo integracionista. Na prática, porém, observa-se que os blocos regionais já vêm apenas aplicando
alguns elementos de união política, como a coordenação de políticas externas, de defesa e de segurança,
independentemente da etapa em que se encontrem.
Organização Internacional Supranacional: Trata-se do Direito Comunitário, ramo do Direito que regula
mecanismos de integração regional que atingiram um estágio de desenvolvimento mais aprofundado e que é criado não só
pelos Estados, mas também pelos órgãos do bloco regional, sendo marcado pela aplicabilidade imediata dentro dos entes
estatais e pela superioridade hierárquica em relação ao Direito interno dos Estados. Fundada no princípio da limitação da
soberania em nome de interesses comuns (membros transferem parcela para a organização). Funciona como um Estado
acima dos Estados e cujas instituições operam de modo semelhante a um organismo internacional. O Direito Comunitário
caracteriza-se por estar associado à supranacionalidade, ou seja, à existência de entidades que se encontram em posição
de primazia frente aos Estados soberanos, pelo menos em certos aspectos. Ex: União Européia.
Mercado Comum do Sul: Pessoa jurídica de direito internacional público, com órgãos permanentes, sede e
capacidade para celebrar tratados, assemelhada a uma organização internacional, cujo objetivo é contribuir para o
desenvolvimento da região por meio da criação de um espaço econômico comum, que permita a ampliação dos mercados
nacionais, a elevação do grau de competitividade das economias dos Estados-membros, o fortalecimento das posições dos
países do bloco nos foros internacionais, a obtenção de vantagens comerciais com outros parceiros, a modernização
econômica e, em suma, a melhor inserção internacional de seus integrantes. (PORTELA). (Rezek afirma ser organização
internacional).
São membros: Brasil/Argentina/Paraguai/Uruguai/Venezuela (foi recentemente incluída). A Bolívia é estado-parte
em processo de adesão (fonte: www.mercosul.gov.br).
Associados: Chile/Colômbia/Equador/Peru/Guiana/Suriname (fonte: www.mercosul.gov.br).
Celebraram acordos de livre comércio com o bloco - vantagens nas relações econômico-comerciais. Aberto à
adesão de membros da ALADI que adotem democracia. Lembrar: art. 4º, parágrafo único, CF.
Evolução:
Fase “romântica”: marcada por dificuldade de integração/ políticas nacionalistas/ênfase para a política externa
com os EUA.
Criação da ALALC/1960 (Assoc. Latino-Americana de Livre Comércio): objetivo de criar zona de livre
comércio em 12 anos.

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Sucede-a a ALADI (1980) (Assoc. Latino-Americana de Integração): ainda existe, sede Montevidéu, para
promover livre comércio na América Latina, sem prazo para criar zona de livre comércio.
Nos Anos 80, após redemocratização, Brasil e Argentina promovem comércio bilateral, por retirada de barreiras.
Após, Paraguai e Uruguai aderem e formam Mercosul.
Características: zona de livre comércio e União Aduaneira (livre circulação dos fatores de produção, mas ainda
não de trabalhadores, com o objetivo de criar mercado comum). Hoje envolve também aspectos políticos e sociais.
Intergovernamental (não transferem parcela da soberania/ decisões por consenso com todos Estados presentes). Baixa
institucionalização (poucos órgãos permanentes): mudança com o Protocolo de Ouro Preto.
Estrutura:
Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão superior, criado pelo Tratado de Assunção - faz condução política
da integração - toma decisões para assegurar cumprimento dos objetivos. Exerce personalidade jurídica; celebra tratados
(delegável ao GMC); adota Decisões em matéria financeira ou orçamentária (obrigatórias; por consenso). Integram: ministros
do Ministério das relações Exteriores e do Ministério da Economia dos Estados-membros do bloco. Presidido por Estado-
membro com alternância a cada seis meses, configurando a chamada Presidência pro tempore. Suas manifestações são
chamadas de “decisões” e serão tomadas por consenso, não havendo voto ponderado e exigindo-se, nas deliberações, a
participação de todos os Estados-membros.
Grupo do Mercado Comum (GMC): principal órgão executivo, subordinado ao CMC. Também criado pelo
Tratado de Assunção. Adota Resoluções em matéria financeira ou orçamentária (são obrigatórias; por consenso). Integrada
por quatro membros titulares e quatro alternos por Estado.
Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): cuida da aplicação dos instrumentos de política comercial. Cria
Comitês Técnicos para assessoria. Composição similar ao GMC. Adota Diretrizes (obrigatórias)/Propostas(recomendações).
Não tem competência para decidir reclamações de particulares e Estados.
Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM): órgão de apoio operacional (arquivo/pubicação/divulgação de
decisões/organiza reuniões). Sede Montevidéu; Diretor eleito pelo GMC e designado pelo CMC.
Parlamento do Mercosul (Protocolo/2005): sede Montevidéu. Órgão de representação de interesses dos
cidadãos dos Estados-partes. Também visa cooperação interparlamentar (harmonização de legislações nacionais/
incorporação de normas do bloco). Desde 2010: membros eleitos por voto direto/universal/secreto dos cidadãos dos Estados.
Foro Consultivo Economico-Social: órgão de representação dos setores econômico e social.
Principais atos institutivos:
Tratado de Assunção/1991/acordo-quadro: cria Mercosul e estabelece linhas gerais (liberalização do comércio
com redução progressiva de barreiras tarifárias/não tarifárias, listas de exceções, regime geral de origem, tarifa externa
comum/TEC, coord. políticas macroeconômicas).
Protocolo de Brasília (1991): rege solução de controvérsias, derrogado pelo Protocolo de Olivos (2002), porém
continua regendo conflitos com exame iniciado antes.
Protocolo de Las Leñas (1992): Cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil/comercial/trab./adm.
Protocolo de Ouro Preto (1994): marco na estruturação institucional do bloco; conferiu-lhe personalidade jurídica
de DIP.
Protocolo de Ushuaia (1998) (bloco + Bolívia e Chile): democracia como condição para participação no Mercosul
e gozo de todos os direitos inerentes aos participantes do mecanismo.
Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias (2002) : derrogou o Protocolo de Brasília. Prevê três etapas:
negociações diplomáticas, arbitragem e Tribunal Permanente de Revisão (sede Assunção, tem competência recursal sobre
os laudos arbitrais e também pode ser instância direta por opção das partes).
Relação com o Direito brasileiro: validade de determinações de órgãos do bloco/tratados dependem de
incorporação à ordem interna (caráter obrigatório, mas sem efeito imediato) – STF – CR-AgR 8.279/AT, 10.08.2008).

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