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A CAMARA CLARA’ Outra Pequena Histéria da Fotografia Geoffrey Batchen City University New York, EUA Aqueles de nés que tém como interesse estabelecer um quadro histérico apropriado para a fotografia enfrentam uma verdadeira montanha de proble- mas metodoldgicos. As peculiaridades da fotografia — a sua replicagao fiel daquilo que vé, a sua articulacao simultanea com passado, presente e futuro, a sua capacidade de infinita reproducao e alteracdo de forma, o ntimero infinito dos seus produtos — representam um desafio historiografico aparentemente insolivel. Implodindo realidade e representacao, tempo e espaco, a fotografia foi descrita por alguém como Roland Barthes como «uma revolugao antropo- logica na histéria do Homem», um «tipo de consciéncia verdadeiramente sem precedentes»!. E, no entanto, a variedade da fotografia e a sua reticente ubi- quidade fizeram dela uma entidade histdrica dificil de descrever, desafiando as tradicionais estruturas interpretativas ou narrativas. Como é que, afinal de contas, se escreve uma hist6ria da «consciéncia»? Como € que se escreve a histéria de algo que escapa a uma definicao facil, que nao tem fronteiras discerniveis e funciona com base no principio da reflexao (como é que, por exemplo, se separa uma fotografia daquilo que retrata ou do contexto que envolve a sua recepcao?) Como é que se inventa uma voz (ou vozes) para esta historia, uma voz que possa falar dos efeitos emocionais da fotografia bem como das suas caracteristicas formais e fisicas e das respectivas ramificacdes econémicas e politicas? Como é que se pode falar a partir de uma posigao local e ainda assim abranger 0 alcance global da fotografia? Como é que se podem in- corporar as diversas maneiras pelas quais a fotografia tem sido usada e compre- endida em todo o mundo, bem como as diferentes fotografias que circulam no interior da nossa cultura? O conjunto destas questdes constitui o problema que agora enfrenta a nossa disciplina: a necessidade de uma transformacao sistemé- tica na maneira como a histéria da fotografia é representada para que essa his- t6ria possa, pela primeira vez, lidar com a fotografia nos seus muitos aspectos e manifestaces. Quero propor aqui que um dos lugares onde podemos procurar um modelo para conceber uma tal hist6ria é a pequena historia da fotografia de Barthes no seu derradeiro livro La chambre claire [A Camara Clara]. * Versio premilinar de «Camera Lucida: Another Little History of Photography», a publicar in Robin Kelsey e Blake Stimson (orgs.), The Meaning of Photography, Williamstown, Clark Art Institute, 2008. RCL (2008) 39: 13-26 14 Geoffrey Batchen Cheguei a ouvir que La chambre claire era a pior coisa que alguma vez ti- nha acontecido ao discurso fotogréfico, precisamente porque o livro parece abandonar o compromisso inicial de Barthes com a andlise politica das ima- gens em favor de um hedonismo textual. E é de facto verdade que La chambre claire — com a sua declarada insatisfagao com a sociologia, a semiologia e a psicandlise como sistemas de andlise, o seu tom epicurista e autobiografi- co, 0 seu interesse em formular «o trago fundamental, universal, sem o qual nao haveria fotografia» (CC, p. 9) — poderia parecer em todos os aspectos a antftese do trabalho deste mesmo autor a partir dos anos 50 e 60. Tendo aparentemente abandonado tanto a ciéncia da semidtica como a politica do marxismo, o Barthes de La chambre claire persiste na natureza do meio foto- grafico, como refere na pagina de abertura, «para aprender, a todo o custo, © que era a fotografia “em si mesma”, e qual 0 traco essencial pelo qual esta seria distinguida da comunidade de imagens» (CC, p. 3). Barthes persegue o seu «desejo ontolégico», como ele Ihe chama, através das suas respostas pes- soais a varias fotografias (perversamente, a mais importante destas sendo um retrato da sua recentemente falecida mae enquanto jovem, retrato que nunca chega a ser reproduzido). Tudo isto parece muito diferente da anélise ideolégica penetrante que mo- tivou 0s ensaios que encontramos noutro trabalho de Barthes, Mythologies. Apesar desta aparente divergéncia de objectivos, quero alegar que existe de facto uma politica sustentada que se desenvolve ao longo de La chambre claire, e que esta polftica pode ser encontrada na forma como Barthes lida com a hist6ria; sugiro, por isso, que La chambre claire ganharé em ser lido nao tanto como um livro de teoria critica mas como uma histéria da fotografia — ou, para ir um passo mais longe, como uma histéria sobre a fotografia. A maioria das discussdes acerca de La chambre claire tende a focar-se no problema da distingdo entre studium e punctum, bem como nos apontamentos e floreados retéricos de Barthes. Além disso, claro, ha a inegavel atraccao pelo subtema do livro: a morte (a morte da fotografia, a morte da sua mae, a sua propria morte). Este enfoque, aliado ao facto de que La chambre claire nao se parece nem se 1é como uma tfpica historia, tem, suspeito, desviado a atencao da estrutura mais ampla do livro e da sua cuidadosamente calibrada histéria da fotografia. Merece ser mencionado, por exemplo, que La chambre claire 6 composto por duas partes iguais, cada uma dividida em 24 seccdes. Uma metade do livro € assim o reflexo da imagem da outra. Uma tal estrutura nao é tinica na histéria das pequenas histérias da fotografia. Como Sabine Gélz fez notar, 0 ensaio de 1931 de Walter Benjamin «Kleine Geschichte der Photographie» [«Pequena Historia da Fotografia»] emprega 0 mesmo tipo de diviséo. Numa compara- cdo da versao final impressa com um manuscrito anterior, Gélz defende que Benjamin chegou a mudar a localizacdo de alguns pardgrafos para se assegu- rar de que a sua definigao crucial de aura permaneceria exactamente no ponto intermédio do texto, tornando-se assim o centro nevralgico em torno do qual gira o seu argumento principal acerca do potencial politico da fotografia. Gélz descreve também o modo como a densa montagem de referéncias e metdforas estratégicas de luz e sombra de Benjamin se destina a «fotografar» textualmen- te — ou a assimilar — leitor e autor, como se estivéssemos a olhar para a su- perficie reflectora de um daguerrestipo e nos vissemos a nds préprios a olhar2. A Camara Clara: Outra Pequena Histéria da Fotografia 15 Como Barthes, Benjamin escolhe ilustrar a sua hist6ria com fotografias re- lativamente banais?. No entanto, estas imagens induzem-no a um conjunto de leituras posticas, como se também Benjamin procurasse explicar 0 efeito punctum da sua propria resposta subjectiva a certas fotografias. Este fala, por exemplo, do «desejo incontrolavel» despertado nele pela fotografia de Hill e Adamson de uma mulher de um pescador de Newhaven e, ainda mais po- derosamente, de «uma vontade irresistivel» de procurar numa imagem de Dauthendey e da sua noiva sinais do futuro suicidio desta. Ele procura, con- tinua ele, «os vestigios mais ténues de contingéncia, do Aqui e Agora, com os quais a realidade tem, por assim dizer, marcado 0 sujeito para encontrar 0 ponto discreto onde, na imediatez desse momento ha muito esquecido, o futuro subsiste de forma tao eloquente que nés, olhando para tras, podemos redescobri-lo»4, Este estonteante tumulto temporal surge, uma vez mais, como reminiscéncia na descrigéo de Barthes das suas proprias experiéncias fotogréficas em La chambre claire. Outras correspondéncias entre estas duas pequenas histérias sao mais sub- tis. Carolin Duttlinger, por exemplo, apontou para o facto de que Benjamin «identifica mal» (deliberadamente, diz ela) a mulher que esté com Dauthendey na fotografia que inspirou as suas rapsédias temporais. Porque essa mulher é na verdade a sua segunda esposa e no a mae dos seis filhos de Dauthendey que havia cometido suicidio. Benjamin havia recolhido as informacées de uma nota biogrdfica escrita por um filho de Dauthendey mas aparentemente preferiu, com isso procurando criar um delirio «fotograficamente induzido», nao se lembrar exactamente do que ali tinha lido. A fotografia acaba assim por induzir uma resposta emotiva a outra coisa qualquer que nao ela mesma’. Barthes é também culpado de uma falha estratégica de memoria. Como Margaret Olin e outros reconheceram, Barthes recua a uma fotografia repro- duzida antes no seu livro e apercebe-se de que «o verdadeiro punctum era 0 colar que ela usava [...] um fino cordao de ouro torcido» (CC, p. 53). Contudo, se nos dermos ao trabalho de recuar para ver essa imagem, vemos que ambas as mulheres na fotografia de Van der Zee estao na verdade a usar pérolas. O cordao de ouro de que ele se lembra €, ao invés, usado pela sua tia, e nao em La chambre claire mas sim numa fotografia familiar reproduzida em Roland Barthes par Roland Barthes. Olin liga esta passagem de uma fotografia para a outra a uma possibilidade mais perturbadora — que a famosa fotografia do Jardim de Inverno, da mae de Barthes, nunca tenha chegado realmente a exis- tir®, Seré que Barthes s6 a concebeu como arquétipo ficcional, como «arqueo- -fotografia»? Seja ela real ou imagindria, 0 seu lugar no livro é um espaco no qual todos os leitores projectam o seu préprio punctum, protagonizando a sua prépria relagao primaria com um ente querido. Parece que tanto Barthes como Benjamin estiveram dispostos a atravessar a fronteira da ficcio quando isso lhes conveio; isto é, eles mentem quando isso lhes permite descrever uma verdade maior”. Apesar destas varias similitudes, Barthes escusa-se notoriamente a fazer referéncia ao trabalho de Benjamin na sua bibliografia ou em notas marginais (nenhuma das quais consta, infelizmente, da edicao inglesa)*. Contudo, a du- alidade estrutural de La chambre claire repete obedientemente os proprios inte- resses persistentes de Barthes relativamente ao pensamento bindrio. «Durante algum tempo», escreve Barthes na sua obra Roland Barthes par Roland Barthes,

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