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O arquivo como lugar de precedência, da autoridade, do novo que vira velho

O arquivo como compulsão a repetição – o mecanismo que nos funda

Pasolini, Benjamin, Bataille, Agamben e Arendt.

Ametafora do vaga lume, pequenas e fracas luzes que juntas iluminam, ainda que pouco,

com clara forcáA resitencia da cultura

O jogo do outrora com o Agora – essência do vagalume inclusive no casalamento, pois a luz

é o meio de atração sexual.

A questão da luz da imagem

A imaginação a luz no processo mental e criativo

A importância da força do passado um outro iluminador

Agamben e as fontes como forma de interrogar o contemporâneo

O homem contemporâneo é o homem sem experiência

O apocaliptico

Pasolini o cineasta operário, Visconti aritoscrata, fellini burguês

1941 – uma analise do presente 1975 uma anlise do rpesente em relação ao passado.

Aimaginaçao como um forma de valor da experiência, para Agamben destruído na

atualidade e benjamim o declínio da experiência

Os legados como pequenos vaga-lumes


Saber vaga lume também como o censurado

?// 2 GM com a ditadura brasileira

Busquemos então Experiências que transmitem para além de todos os espetáculos?, pg 126

A experiência é indestrutível

Para ler: o narrador e infância e historia

A imaginação é o “mecanismo produtor de imagens para o pensamento”29, nos diz


Benjamin, um dispositivo que abre constelações para o futuro e destrincha o tempo histórico,
mas coube a Aby Warburg, ter analisado o papel das sobrevivências na 26 Idem, p. 52. 27
Kafka - Por uma literatura menor. 28 DID-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes,
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, p. 53. 29 Idem, p. 61. ISSN: 2179-9938 REVISTA
PASSAGENS - Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do
Ceará Volume 7. Número 3. Ano 2016. Páginas 84-98. 90 imaginação ocidental30, a maneira
como a memória sobrevive nos mais estranhos modelos organizacionais, como a presença de
imagens pagãs na Reforma Protestante, onde nem toda iconoclastia cristã foi capaz de
sufocar. Traços, vestígios, sussurros, assim se constrói a mnemosyne (memória) que
colhemos involuntariamente. A política dos vaga-lumes incide sobre a imaginação enquanto
partilha do sensível, como forma de ultrapassar os totalitarismos (estéticos e
administrativos) aos quais estamos submetidos. É possível sonhar, nos diz Pasolini, ou
melhor, fabular, mesmo sob a luz dos refletores do fascismo, pois as intermitências sempre
se produzem no intervalo entre os movimentos, no momento em que tudo parece tomado
pela opacidade da glória e do reino, “como insetos em deslocamento, com seus grandes
olhos sensíveis à luz”31

Derrida

Mal de Arquivo, Jacques Derrida

No ano de 2001, com uma linguagem muito próxima de seu leitor, Jacques Derrida publica a

obra Mal de Arquivo: uma impressão freudiana, trazendo à discussão, o conceito de

“arquivo”. O que é um arquivo? O que arquivamos? A tecnologia pelo qual arquivamos,

interfere no arquivo? Derrida acredita que sim. Apresentando a obra como um ensaio,

Derrida (2001, p. 07, grifo do autor) a inicia com uma indagação (aliás, seu texto é sempre
nutrido de indagações): “Por que relembrar hoje um conceito de arquivo?”. O autor fala-nos

que tal obra irá assinalar “discretamente o horizonte desta questão”.

Derrida (2001, p. 07-08, grifo do autor), inicialmente, distingue o “arquivo” de acordo com

seus sentidos, relacionando o termo com a memória, a origem, o arcaico, o arqueológico. Ou

seja, o arquivo relacionado a um “lugar de autoridade”. Para o autor, neste contexto se

enlaçam dois fios condutores: a psicanálise e a comunicação. A psicanálise aborda a

“estocagem de ‘impressões’”, bem como a censura e o recalcamento. Para Derrida (2001, p.

08), a “instituição do projeto da psicanálise” pertence “a um momento na história da técnica

e sobretudo aos dispositivos ou aos ritmos daquilo que chamamos confusamente de

‘comunicação’”. O autor indaga-se de como será o futuro da psicanálise, na era do correio

eletrônico. Como falar de “comunicação de arquivos”, sem falar dos arquivos dos meios de

comunicação? O que ele afirma, é que, “não há arquivo sem o espaço instituído de um lugar

de impressão”, ou seja, um suporte externo, tanto material quanto virtual. Então, o nosso

corpo pode ser um arquivo, como por exemplo, uma circuncisão?

O subtítulo de seu ensaio é “uma impressão freudiana”, nada mais condinzente, já que

sabemos que Derrida é um filósofo francês fortemente influenciado pelas ideias de Freud. No

entanto, o autor afirma-nos que seu Mal de Arquivo poderá transcorrer com Freud, sem

Freud e até mesmo, contra Freud. É um ensaio que evoca um “sintoma, um sofrimento, uma

paixão: o arquivo do mal, mas também aquilo que arruína, que destrói o próprio princípio do

arquivo, a saber, o mal radical” (DERRIDA, 2001, p. 09).

Derrida (2001, p. 12) nota que a palavra “arquivo” advém de “arkhê”, palavra esta que

designa uma ordem de começo e uma ordem de comando. Domina também o princípio da

natureza e o princípio da história: ali onde as coisas começam; e o princípio da lei: ali onde os

homens e os deuses mandam. Derrida (2001, p. 11) questiona-nos novamente: “Ali onde, foi
o que dissemos, e nesse lugar. Como pensar esse ali? E como pensar este ter lugar ou este

tomar o lugar do arkhê?”. O autor fala-nos que, de uma maneira ou de outra, tal vocábulo

remete bem ao “arkhê no sentido físico, histórico ou ontológico, isto é, ao originário, ao

primeiro, ao principal, ao primitivo, em sua, ao começo”.

É interessante compreendermos, de onde vem nossa denominação de arquivo. De acordo

com Derrida (2001, p. 12), o sentido de “arquivo” advém do termo grego “arkheîon”, ou seja,

“inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados

superiores, aqueles que comandavam”. O autor conta-nos que a casa dos cidadãos que

tinham o poder de representar a lei era onde se depositavam os “documentos oficiais”. Tais

cidadãos eram chamados de “arcontes”, ou seja, os guardiões de tais documentos. Os

arcontes não somente eram responsáveis pela segurança física do material, como também

detinham o poder de interpreta-lhos. Esses documentos, sob a segurança e domínio dos

arcontes, era de fato, a lei. Tal lei, então, para ser “arquivada”, necessitava de um guardião

(os arcontes) e uma localização (a casa dos arcontes), sendo que não podiam “prescindir de

suporte nem de residência”. E foi neste contexto que os arquivos nasceram. Derrida (2001, p.

13) salienta, porém, que o arquivo necessita, além de um suporte estável e de uma

autoridade, a consignação, ou seja, o ato de consignar, de reunir signos, pois o “princípio

arcôntico do arquivo é também um princípio de consignação, isto é, de reunião”.

Já sobre “exergo”, Derrida (2001, p. 17, grifo do autor) assinala que tal termo é uma

“convenção sagrada”, sendo que o “o exergo se articula com a citação. Citar antes de

começar é dar o tom deixando ressoar algumas palavras cujo sentido ou forma deveria

dominar a cena”. Ainda, “um enxergo estoca por antecipação e pré-arquiva um léxico que, a

partir daí, deverá fazer a lei e dar a ordem contentando-se em nomear o problema, isto é, o

tema”. Então, o exergo é a “primeira figura de um arquivo, pois todo arquivo [...] é ao

mesmo tempo instituidor e conservador”. Nas palavras de Derrida (2001, p. 18, grifo do
autor), “o primeiro destes exergos seria o mais tipográfico. Nele o arquivo aparece mais de

acordo com o seu conceito. Pois o confiamos aqui ao que se acha fora, a um suporte externo

e não, como o signo da aliança na circuncisão, a uma marca íntima diretamente sobre o

corpo”.

Quando escrevemos um livro, por exemplo, estamos arquivando. Estamos deixando para a

posterioridade nossas pesquisas ou nossas opiniões, por exemplo. Derrida (2001, p. 18-19)

fala-nos que em um de seus livros, Freud externou a constatação de que acreditava estar

gastando papel, tinta, trabalho do tipógrafo, para falar de algo que já era de conhecimento

de todos, para dizer coisas que já seriam óbvias. Para Derrida (2001, p. 19), Freud “deveria

ter encontrado algo de novo na psicanálise: uma mutação ou um corte no interior de sua

própria instituição teórica. E deveria não somente anunciá-la, mas também arquivá-la: pô-la

de alguma maneira no prelo”. Freud conclui, porém, de acordo com Derrida (2001, p. 20) que

seu arquivamento não foi em vão, “nem de pura perda, na hipótese de que faria aparecer o

que na verdade [...] já sabe que vai fazer aparecer e que não é portanto uma hipótese”.

Freud liga-se à “pulsão de morte”, sendo que esta, “trabalha para destruir o arquivo: com a

condição de apagar também com vistas de apagar seus próprios traços. Ela devora seu

arquivo, antes mesmo de tê-lo produzido externamente” (DERRIDA, 2001, p. 21). Tal pulsão é

também uma pulsão de “agressão e de destruição”, ela leva à “aniquilação da memória”, ao

“apagamento radical”, é o desejo de destruir o que é exterior, sendo que, “não há arquivo

sem exterior” (DERRIDA, 2001, p. 22).

Derrida (2001, p. 25) indaga-se sobre o futuro da psicanálise, salientando que Freud escreveu

suas teorias e ideias em um tempo que não dispunha das “máquinas de arquivar” dos anos

2000. O autor pergunta-se: “será que estas novas máquinas mudam alguma coisa? Afetam o

discurso de Freud em algum ponto essencial? Indago-me, então, qual seria a percepção de

Derrida acerca deste fato, no ano que estamos hoje – 2012. Em 2001, ainda não existia
Facebook, Twitter, os blogs eram escassos, e quase não havia “redes sociais digitais” muito

conhecidas. Qual seria a concepção de arquivo, em uma época que podemos arquivar,

compartilhar e registrar um número cada vez maior de informação? É algo, no mínimo, a se

pensar.

Voltando a falar sobre o futuro da psicanálise, percebemos que Derrida (2001, p. 26) afirma

que, sobre este, há no mínimo, duas ordens: “1- a primeira ordem de questões envolve a

exposição teórica da psicanálise”, ou seja, o autor indaga-se se a teoria de “bloco mágico” de

Freud, por exemplo, resite ou não à evolução da tecno-ciência do arquivo. Essas “próteses da

memória chamada viva” estão mais refinadas, complicadas, potentes, que o “bloco mágico

(microinformatização, eletronização, computorização)”? Segunda ordem: como fica o

arquivamento da psicanálise? Como seria se, “em lugar de escrever milhares de cartas à

mão”, Freud e seus colaboradores e discípulos contemporâneos, “dispusessem de cartões

telefônicos, MCI ou ATT, de gravadores portáteis, computadores, impressoras, fax, televisão,

teleconferência e sobre tudo correio eletrônico”? Vou além questionando: como seria se

Freud tivesse Facebook e Twitter, por exemplo? Para Derrida (2001, p. 28-29), se Freud

dispusesse das “máquinas de arquivas” dos anos 2000, certamente não o entenderíamos

como entendemos hoje, pois “a estrutura técnica do arquivo arquivante determina também

a estrutura do conteúdo arquivável em seu próprio surgimento e em sua relação com o

futuro. O arquivamento tanto produz quanto registra o evento”, enfim, “é também nossa

experiência política dos meios chamados de informação”. Em outras palavras, a psicanálise

não teria sido o que foi se no passado, existisse e-mail, por exemplo.

Estas novas técnicas de arquivamento também colocam em voga outra questão: qual é o

limite entre o privado e o segredo? Qual a nossa propriedade em publicar e reproduzir neste

“ritmo inédito”, nesta ampla possibilidade de produção, impressão, conservação e destruição

de arquivo? O que é visto é que cada vez mais nos afastamos dos “copistas medievais”,
vivendo em uma “revolução sem limites da técnica arquivística”, levando em consideração

que a “técnica arquivística não determina mais, e nunca o terá feito, o momento único do

registro conservador, mas sim a instituição mesma do acontecimento arquivável”, enfim, tal

técnica “comanda aquilo que no próprio passado instituía e construía o que quer que fosse

como antecipação do futuro” (DERRIDA, 2001, p. 30-31).

Derrida (2001, p. 32) compreende que “a teoria psicanalítica tornou-se, portanto, uma teoria

do arquivo e não somente uma teoria da memória”. Sendo que, para Derrida (2001, p. 32),

“o modelo deste singular ‘Bloco Mágico’ incorpora também o que parecia contradizer, sob a

forma de uma pulsão de destruição, a pulsão mesma de conservação que poderíamos

chamar também pulsão de arquivo”, o que o autor considera como o “mal de arquivo”, pois

“não haveria certamente desejo de arquivo sem a finitude radical, sem a possibilidade de um

esquecimento que não se limita ao recalcamento”. Além disso, “não haveria mal de arquivo

sem a ameaça desta pulsão de morte, da agressão ou de destruição”, “o mal de arquivo toca

o mal radical”.

Derrida (2001, p. 32) “incrusta” uma segunda citação ao exergo, esta, menos tipográfica que

a primeira, pois, de acordo com o autor, “recorrente e interativa, ela leva a singularidade

literal à figuralidade”. O autor afirma também que, “inscrevendo ainda a inscrição,

comemora à sua maneira, com efeito, uma circuncisão. Este monumento muito singular é

também o documento de um arquivo. De modo reiterado, deixa o rastro de uma incisão

diretamente na pele: mais de uma pele, em mais de uma era. Literal ou figurativa”. De início,

uma inscrição privada.

Derrida (2001, p. 34) encerra seu primeiro capítulo com o fragmento de uma dedicatória da

bíblia que o avô de Freud deu ao seu pai, e este, por sua vez, lhe ofertou. Para o autor, “o
que o pai dá ao filho é ao mesmo tempo uma escritura e seu suporte. O suporte era a própria

bíblia, o ‘Livro dos livros’, uma Bíblia Philippsohn onde Freud estudara na juventude”

O filósofo francês Georges Didi-Huberman defende a sobrevivência da experiência e da


imagem, em um texto que representa uma grande guinada na história da arte: Sobrevivência
dos vaga-lumes, publicado no Brasil pela editora da UFMG em 2014, com tradução de Vera
Casa Nova e Márcia Arbex.

Sua reflexão parte do famoso artigo “O vazio do poder na Itália”, escrito por Pier Paolo
Pasolini em 1975 e retomado em seus Scritti corsari [Escritos corsários] com o nome pelo
qual tornou-se conhecido, “O artigo dos vaga-lumes”. O artigo trata sobretudo, como um
lamento fúnebre, da morte do vaga-lumes, fulgurações figurativas de momentos de graça
que resistem ao mundo do terror: lampejos de inocência, em um contexto político e histórico
marcado pelo aniquilamento da inocência graças ao fascismo triunfante. Pois, ainda que
Mussolini houvesse sido executado e pendurado pelos pés, Pasolini diagnostica, a partir da
metade da década de 1960, “algo” que deu lugar a um “fascismo radicalmente, totalmente e
imprevisivelmente novo”, que, tomado em dimensão antropológica, é responsável por um
enfraquecimento cultural ou, nas palavras do cineasta, um “genocídio cultural”. O
verdadeiro fascismo para ele, como diz Didi-Huberman, “é aquele que tem por alvo os
valores, as almas, as linguagens, os gestos, os corpos do povo. É aquele que ‘conduz sem
carrascos nem exceções em massa, à supressão de grandes porções do própria sociedade’, e
é por isso que é preciso chamar de genocídio essa ‘assimilação (total) ao modo e à qualidade
de vida burguesa’”.

Segundo Didi-Huberman: “Com a imagem dos vaga-lumes, é toda uma realidade do povo
que, aos olhos de Pasolini, está prestes a desaparecer. Se a ‘linguagem das coisas mudou’ de
forma catastrófica, como diz o cineasta em suas Lettres luthériennes [Cartas luteranas], é
porque, em primeiro lugar, o ‘espírito popular desapareceu’. E poder-se-ia dizer que essa é
de fato uma questão de luz, uma questão de aparição. Donde a pregnância, donde a justeza
do recurso aos vaga-lumes. Pasolini, desse ponto de vista, parece estar ao mesmo tempo no
rastro de Walter Benjamin e no espaço de reflexão explorado, mais próximo a ele, por Guy
Debord”.

O filósofo reflete sobre a morte dos vaga-lumes de Pasolini através de levantamento de


“sobrevivências” [assim como o são metaforicamente os próprios vaga-lumes] em textos,
sobretudo, de Walter Benjamin, Giorgio Agamben, Aby Warburg, Georges Bataille, Hannah
Arendt. A metáfora dos vaga-lumes [lucciole] é retomada a partir da imagem criada por
Dante:

“Bem antes de fazer resplandecer, em sua escatológica glória, a grande luz (luce) do Paraíso,
Dante quis reservar, no vigésimo sexto canto do Inferno, um destino discreto, embora
significativo, à ‘pequena luz’ (lucciola) dos pirilampos, dos vaga-lumes. O poeta observa,
então, a oitava vala infernal: vala política, caso existisse, visto que aí se reconhecem alguns
notáveis de Florença reunidos com outros, sob a mesma condenação ‘conselheiros pérfidos’.
O espaço é todo salpicado – constelado, infestado – de pequenas chamas que parecem vaga-
lumes, exatamente como aqueles que as pessoas do campo, nas belas noites de verão, veem
esvoaçar, aqui e ali, ao acaso de seu esplendor, discreto, passante, tremeluzente […]. No
Paraíso, a grande luz se expandirá por toda parte em sublimes círculos concêntricos: será
uma luz de cosmos e de dilatação gloriosa. Aqui, ao contrário, as lucciole vagam fracamente
– como se uma luz pudesse gemer – numa espécie de bolsão sombrio , esse bolsão de
pecados feito para que ‘cada chama contivesse um pecador’”.

Assim, a vida dos vaga-lumes “parecerá estranha e inquietante, como se fosse feita da
matéria sobrevivente – luminescente, mas pálida e fraca, muitas vezes esverdeada – dos
fantasmas. Fogos enfraquecidos ou almas errantes”.

Pasolini quis mostrar o poder específico das culturas populares, para reconhecer nelas uma
verdadeira capacidade de resistência histórica, logo, política, em sua vocação antropológica
para a sobrevivência. Mas os projetores, em seu espetáculo comercializável, tomaram todo o
espaço social. Nas palavras de Pasolini – que retumbam uma insistente atualidade: “esse
mundo é fascista e ele o é mais do que o precedente, porque é recrutamento total até às
profundezas da alma; ele o é mais do que qualquer outro, porque não deixa mais nada fora
de seu reino despótico sem limite, sem referência e sem controle. […] Com efeito […] não é
mais possível, em 1975, opor os ‘corpos inocentes’ à massificação cultural e comercial, à
trivialização de qualquer realidade, pela boa razão de que a indústria cultural apossou-se dos
corpos, do sexo, de eros e os injetou nos circuitos de consumo. A ilusão dos reduto do
imemorial ou do porto de resistência inserido nos estratos profundos da cultura popular
dissolveu-se”. Tempo em que os resistentes transformam-se em vaga-lumes. “O universo
dantesco”, analisa o filósofo, “dessa forma, inverteu-se: é o inferno que, a partir de então, é
exposto com seus políticos desonestos, superexpostos, gloriosos. Quanto às lucciole, elas
tentam escapar como podem à ameaça, à condenação que a partir de então atinge sua
existência”.

Didi-Huberman questiona o fatalismo desesperado de Pasolini. Para ele, trata-se


de “repensar nosso próprio ‘princípio esperança’ através do modo como o Outrora encontra
o Agora para formar um clarão, um brilho, umas constelação onde se libera alguma forma
de para nosso próprio Futuro”. Esse encontro de tempos é decisivo, uma colisão entre “um
presente ativo com seu passado reminiscente”. Segundo o filósofo, deve-se a Walter
Benjamin “essa colocação do problema do tempo histórico em geral. Mas cabe inicialmente
a Aby Warburg ter mostrado não apenas o papel constitutivo das sobrevivências na própria
dinâmica da imaginação ocidental, mas ainda as funções políticas de que os agenciamentos
memorialísticos se revelam portadores”.

O contraponto será buscado na obra do filósofo italiano Giorgio Agamben – “um dos
filósofos mais importantes, dos mais inquietantes de nosso tempo” –, que apresenta a
mesma configuração problemática que Pasolini: “Por um lado, admirável visão dialética:
capacidade de reconhecer no mínimo vaga-lume uma resistência, uma luz para todo o
pensamento. Por outro, desespero não dialético: incapacidade em buscar novos vaga-lumes,
uma vez que que se perderam de vista os primeiros – os ‘vaga-lumes da juventude’”.
Agamben foi um grande leitor de Benjamin e foi, como diz Didi-Huberman, “depois de Edgar
Wind, um dos muito raros filósofos a medir todo o alcance teórico da antropologia das
sobrevivências elaborada por Aby Warburg”. Contemporâneo de Pasolini, Agamben retoma
o paradigma de “dar-se os meios de ver aparecerem os vaga-lumes no espaço de
superexposição, feroz, demasiado luminoso, de nossa história presente”, tarefa que requer,
para Agamben, a coragem da virtude política e, ao mesmo tempo, a poesia, “que é a arte de
fraturar a linguagem, de quebrar as aparências, de desunir a unidade do tempo”. De Pasolini
a Agamben, reconhece-se um mesmo “gestus geral de seus respectivos pensamentos”.
Ambos evocam o tempo presente como uma situação de apocalipse latente que, em
Agamben, ressoa com força algumas ideias de Walter Benjamin, como o enfraquecimento da
experiência: “Quando Pasolini anuncia que ‘não existem mais seres humanos’ ou quando
Giorgio Agamben, de seu lado, anuncia que o homem contemporâneo se encontra
‘despossuído de sua experiência’, nós nos encontramos, decididamente, colocados sob a luz
ofuscante de um espaço e de um tempo apocalípticos. Apocalipse: é uma figura maior da
tradição judaico-cristã. Ela seria a sobrevivência que absorve todas as outras em sua
claridade devoradora: a grande sobrevivência ‘sacral’ – fim dos tempos e tempo do Juízo
Final – quando todas as outras terão sido aniquiladas”.

Porém, uma “política das sobrevivências” dispensa o fim dos tempos, adverte Didi-
Huberman, e há, portanto, “uma ambiguidade, tanto no plano do método quanto no plano
político, em passar, como Agamben o faz com frequência, de uma reflexão antropológica
para a potência das sobrevivência a uma assunção filosófica do poder das tradições”.
Segundo ele, “imagem” não é “horizonte” e Agamben associa constantemente o regime da
imagem e o do horizonte: “A imagem nos oferece algo próximo a lampejos (lucciole), o
horizonte nos promete a grande e longínqua luz (luce). […] A imagem se caracteriza por sua
intermitência, sua fragilidade, seu intervalo de aparições, de desaparecimentos, de
reaparições e de redesaparecimentos incessantes. É, então, uma coisa bem diferente pensar
a saída messiânica como imagem (diante da qual não se poderá durante muito tempo mais
acalentar ilusões, uma vez que ela desaparecerá logo) ou como horizonte (que apela para
uma crença unilateral, orientada, apoiada no pensamento de um além permanente, na
espera de seu futuro sempre). A imagem é pouca coisa: resto ou fissura (fêlure). Um acidente
do tempo que a torna momentaneamente visível ou legível. Enquanto o horizonte nos
promete o todo, constantemente oculto atrás de sua grande ‘linha de fuga’”. Agamben,
argumentando com Guy Debord, reconhece na opinião pública de hoje o que a submissão
das multidões foi para o totalitarismo; para o italiano, o que está em questão no problema
da função política das mídias nas sociedades contemporâneas “não é nada mais que uma
nova e espantosa concentração, multiplicação e disseminação da função da glória como
centro do sistema político. O que ficava outrora confinado nas esferas da liturgia e do
cerimonial se concentra nas mídias e, ao mesmo tempo, através delas se difunde e se
introduz em todos os momentos e em todos os meios, tanto públicos como privados, da
sociedade”. As imagens assumiriam a função da “glória”, subordinada à máquina do “reino”.
Porém, sua análise acaba por desdialetizar, segundo Didi-Huberman, tanto a noção
de “imagens”, como a noção dos “povos”. “A imagem não é mais, nesse caso, uma
alternativa ao horizonte, a lucciola como alternativa à luce. Ela não parece mais que uma
pura função do poder, incapaz do menor contrapoder, da menor inssurreição, da menor
contraglória”. A imagem seria o lampejo que transpõe a imobilidade de todo horizonte.

Conforme analisa o professor Karl Erik Schøllhammer, em resenha do livro publicada no


jornal O Globo: “Sem nunca perder a elegância e a explícita simpatia pessoal Didi-Huberman
denuncia a sobrevida dessa figura apocalíptica no pensamento contemporâneo de Agamben.
Através de uma fina leitura, o livro denuncia o papel de uma certa ‘teologia política’, advinda
das leituras que Agamben faz de Martin Heidegger e de Carl Schmitt, em sua compreensão
da questão da experiência histórica em Benjamin. O que em Benjamin é questão ligada à
compreensão da imagem dialética torna-se em Agamben uma escatologia totalitária e
polarizada que induz o movimento pendular entre os extremos de Destruição e Redenção.
Assim, o que em Benjamin era a imagem da perda de experiência torna-se em Agambem o
horizonte de sua total destruição. Entretanto, é também o ‘intestemunhavel’ da experiência
dos ‘muçulmanos’ dos campos de concentração e de ‘sua impossibilidade de ver’ que em
sequência se transformam na condição sublime do ‘testemunho integral’ e da ‘imagem
absoluta'”.

Didi-Huberman assim define a imagem: “aparição única, preciosa, é, apesar de tudo, muito
pouca coisa, coisa que queima, coisa que cai. Tal é a ‘bola de fogo’ evocada por Walter
Benjamin [“A imagem dialética é uma bola de fogo que transpõe todo o horizonte ao
passado, diz, em sua reflexão sobre a história e a política]: ela apenas ‘transpõe todo o
horizonte’ para cair sobre nós, nos atingir (échoir). Ela raramente se ergue em direção ao céu
imóvel das ideias eternas: em geral, ela desce, declina, se precipita e se danifica sobre a
nossa terra, em algum lugar diante ou atrás do horizonte. Como um vaga-lume, ela acaba
por desaparecer de nossa vista e ir para outro lugar onde será, talvez, percebida por outra
pessoa, em outro lugar, lá onde sua sobrevivência poderá ser observada ainda. Se, de acordo
com a hipótese que tentamos construir, a partir de Warburg e Benjamin, a imagem é um
operador temporal de sobrevivências – portadora, a esse título, de uma potência política
relativa a nosso passado como à nossa ‘atualidade integral’, logo, a nosso futuro -, é preciso
então dedicar-se a melhor compreender seu movimento de queda em nossa direção, essa
queda ou esse ‘declínio’, até mesmo essa declinação, que não é, por mais que Pasolini o
tenha temido em 1975, seja o que for que pensa Agamben hoje, desaparição”.

A partir dessa hipótese, da imagem como operador de sobrevivências, Didi-Huberman faz


uma reformulação positiva do vaga-lume e utiliza a própria filosofia benjaminiana, o núcleo
indestrutível da experiência histórica, para rebater o pessimismo dos dois autores
analisados. Segundo ele, quando Benjamin “nos diz que ‘a arte da narrativa tende a se
perder’, ele expressa ao mesmo tempo um horizonte de ‘fim’ (Ende)e um movimento sem
fim (neigen: pender/debruçar-se, inclinar, abaixar) que evoca não a própria coisa como
desaparecida, mas ‘em vias de desaparecer”. A experiência passada pelo narrador “caminha
em direção a seu fim”, mas esse horizonte não é alcançado. Trata-se da “própria
temporalidade daquilo que, hoje, entre nós, na extrema precariedade, sobrevive e se declina
sob novas formas em seu próprio declínio”, como diz Didi-Huberman. Benjamin, para
ele, “soube ‘organizar seu pessimismo’ com a graça dos vaga-lumes, buscando, por exemplo,
entre o teatro épico de Bertold Brecht e a deriva urbana dos poetas surrealistas, entre a
Biblioteca Nacional e a Passage des panorames, esse ‘espaço de imagens’ capaz de
contradizer a polícia – as terríveis restrições – de sua vida. O valor da experiência havia
caído, mas Benjamin respondeu a isso com imagens do pensamento e com experiências de
imagem”.

Para produzir o lampejo e a esperança intermitentes dos vaga-lumes, a organização do


pessimismo faz surgirem palavras “quando as palavras parecem prisioneiras de uma
situação sem saída”. A elucidação da linguagem torna-se uma réplica das “palavras-vaga-
lumes”.

Para Dudi-Huberman, não se pode dizer que a experiência tenha sido destruída. “Ao
contrário, faz-se necessário – e pouco importa a potência do reino e de sua glória, pouco
importa a eficácia universal da ‘sociedade do espetáculo’ -, afirmar que a experiência é
indestrutível, mesmo que se encontre reduzida às sobrevivências e às clandestinidades de
simples lampejos da noite”. O paradoxo do homem ser indestrutível e, no entanto, poder ser
destruído, explica-se pela noção de sobrevivência. “Sobrevivência dos signos ou das imagens,
quando a sobrevivência dos próprios protagonistas se encontra comprometida”.

Para esclarecê-lo, o filósofo resgata a ressurgência de Hannah Arendt, para quem seria
preciso “reconhecer a essencial vitalidade e das sobrevivências e da memória em geral
quando ela encontra as formas justas de sua transmissão. Nessa combinação geométrica do
retraimento e do não fechamento, depreender-se-ia então o que Arendt chama
magnificamente uma força diagonal que difere das duas forças – a dos passado e a do futuro
– das quais, no entanto, resulta”. A força diagonal de Arendt é atualizada no filme de Laura
Waddington, Border, filmado no campo de Sangatte em 2002. Conta Didi-Huberman que ela
filmava “os refugiados afegãos ou iraquianos que tentavam desesperadamente escapar da
polícia e atravessar o túnel sob o canal da mancha a fim de chegar até a Inglaterra. Ela pôde,
disso tudo, extrair apenas imagens vaga-lumes: imagens no limiar do desaparecimento,
sempre movidas pela urgência da fuga, sempre próximas daqueles que, para realizar seu
projeto, se escondiam na noite e tentavam o impossível, correndo risco de vida”.

São imagens para organizar o pessimismo. “Imagens para protestar contra a glória do reino
e seus feixes de luz crua. Os vaga-lumes desapareceram? Certamente não”.

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