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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Tecnologia e ciência


Instituto de Geografia

Denise David Caxias

As distintas representações da Festa no cotidiano extraordinário da cidade


de Niterói, RJ: viva São Jorge! Viva São Pedro!

Rio de Janeiro
2018
Denise David Caxias

As distintas representações da Festa no cotidiano extraordinário da cidade de Niterói,


RJ: viva São Jorge! Viva São Pedro!

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área
de concentração: Gestão e Estruturação do
Espaço Geográfico.

Orientadora: Aureanice de Mello Corrêa

Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/C

C384 Caxias, Denise David.


As distintas representações da festa no cotidiano extraordinário da
cidade de Niterói, RJ: viva São Jorge! Viva São Pedro! / Denise David
Caxias. – 2018.
101 f. : il.

Orientador: Aureanice de Mello Corrêa.


Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Geografia.

1. Geografia humana – Niterói (RJ) – Teses. 2. Festas religiosas –


Igreja Católica – Niterói (RJ) – Teses. 3. Festas Populares – São Jorge –
Niterói (RJ) – Teses. 4. Representação simbólica – Identidade cultural –
Niterói (RJ) –Teses. 5. Festas Populares – São Pedro – Niterói (RJ) –
Teses. I. Corrêa, Aureanice de Mello. II. Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Instituto de Geografia. III. Título.

CDU 911.3(815.3)

Bibliotecária responsável: Fernanda Lobo / CRB-7:5265

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

______________________________________ ______________________
Assinatura Data
Denise David Caxias

As distintas representações da Festa no cotidiano extraordinário da cidade de Niterói,


RJ: viva São Jorge! Viva São Pedro!

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área
de concentração: Gestão e Estruturação do
Espaço Geográfico.

Aprovada em 27 de abril de 2018.


Orientadora: Profª. Drª. Aureanice de Mello Corrêa
Instituto de Geografia - UERJ
Banca examinadora:
__________________________________________________
Prof. Dr. Ulisses da Silva Fernandes
Instituto de Geografia - UERJ
__________________________________________________
Prof. Dr. Miguel Ângelo Ribeiro
Instituto de Geografia - UERJ
__________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Luiz Barbosa
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________
Profª. Drª. Marli Cigagna
Universidade Federal Fluminense

Rio de Janeiro
2018
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus santos protetores, São Jorge e São Pedro.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, pois nas suas palavras encontrei paz: “Aquele que
habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.”. Salmos 91.
Agradeço a minha mãe, pela presença e apoio na minha vida. Sem você nada seria
possível.
Agradeço a minha família, sejam os de sangue, sobrinho, pai, irmã, cunhado e primo,
sejam os de coração, Ricardo Nicolay, Camila Martorellli, Paula Fernandes, Carolina Ramos,
Fernando Damasco, Célio Quintanilha, Júlio Guills, Ana Bliggs, Liliane, Victor Maluf,
Emerson Kabimba, Silvana, Julia Scalla, Fernanda Nuffer, LuisaSmiderle. Obrigada, vocês são
fundamentais na minha vida.
Agradeço ao Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
Agradeço o financiamento a mim prestado pelo Fundação Carlos Chagas de Amparo a
Pesquisa do estado do Rio de Janeiro.
Agradeço a minha orientadora, Aureanice de Mello Corrêa, por dois anos de
comprometimento, afeto e respeito.
Agradeço a banca, professora Marli, professor Barbosa e professor Miguel, pela
disponibilidade, carinho e afeto.
Agradeço aos santos que me protegem todos os dias. São Jorge atravessou o meu
caminho e hoje é meu guerreiro e protetor, São Pedro me escolheu quando me direcionou para
Jurujuba em 2011. Obrigada por estarem sempre comigo.
Agradeço as minhas “filhas” Isabela, Ratinha e Pururuca pelas noites mal dormidas por
eu ficar acordada escrevendo ou estudando.
Toute représentation, qu’elle soit d’ailleurs vulgaire ou scientifique, est um acte de création.
Antoine Bailly

As representações não têm por objetivo mensurar o espaço físico e reproduzi-lo com precisão,
mas traduzir hipóteses sobre a organização espacial, aberto a toda riqueza que este conceito
pode oferecer.
Salete Kozel

La conexión, fragmentada e insegura, entre las representaciones elaboradas del espacio y el


espacio de las representaciones es el objeto del conocimiento, «objeto» que implica explica un
sujeto, aquel en quien lo vivido, lo percibido y lo concebido (lo sabido) se encuentran en una
práctica espacial.
Henri Lefebvre

A Festa se reafirma como elemento central da vida urbana, questão de direito à vivência na
cidade.
Marcos Souza
RESUMO

CAXIAS, Denise David. As distintas representações da Festa no cotidiano extraordinário da


cidade de Niterói, RJ: viva São Jorge! Viva São Pedro!2018. 101f. Dissertação (Mestrado em
Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2018.

A presente dissertação tem como objetivo compreender as distintas territorialidades de


duas Festas Católicas Populares na cidade de Niterói. Assim como, a produção do espaço
citadino a partir da dinâmica das práticas culturais religiosas. Como estudo de caso, foram
analisadas as Festas de São Jorge e de São Pedro que ocorrem, respectivamente, no bairro centro
e no bairro de Jurujuba. Evidenciou-se as discussões de circularidade cultural e disputas
políticas e representação social nas duas festas. Os procedimentos metodológicos que adotamos
foram a observação de campo, entrevistas, pesquisa documental no jornal O Fluminense, livros
e acervos diversos sobre o tema. A última década (2007-2017) foi recorte histórico escolhido,
onde buscamos dialogar com as mudanças ocorridas, traçando uma dialética com a história da
origem da tradição festiva. O centro da pesquisa focou-se nas diferentes territorialidades
simbólicas e materiais (as práticas culturais religiosas) e os conflitos políticos, econômicos e
sociais que a Festa produz e re-produz. Assim sendo, constatamos a importância dos signos e
significados das práticas culturais religiosas para a materialização das representações
simbólicas na produção do espaço.

Palavras-chaves: Representação. Festa. Cotidiano Extraordinário. São Jorge. São Pedro.


ABSTRACT

CAXIAS, Denise David. The different representations of the Feast in the extraordinary daily
life the city of Niterói, RJ: save Sao Jorge! Save Saint Peter! 2018. 101 f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2018.

This master’s degree dissertation had as its object to comprehend Popular Catholic
Feast’s distincts territorialities at Niteroi City as well the urban production of space, from the
dynamic of religious cultural practices. As case studies, it has been analyzed São Jorge’s and
São Pedro’s Feast, that take place, respectively, at the central area and at Jurujuba’s
neighborhood. It was highlighted the debate of cultural circularity, political struggle and social
representation in both feasts. The methodological procedures adopted were: observation field
interviews, documental research at O Fluminense newspaper, books, and different collections
of the subject. The last decade (2007-2017) was de fragment of time chosen for analysis, where
we had sought to dialogue with the changes that had been occurred, contrasting with the feast
traditions origins’ history. The research’s center stroke at different symbolical and material
territorialities religious cultural practices and the political, economical and social conflicts that
are produced and reproduced by the Feast. This way, we concluded the importance of signs and
meanings of religious cultural practices for the embodiment of symbolic representations in the
production of space.

Keywords: Representation. Feast.Extraordinary Daily.São Jorge. Saint Peter.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09
1 GEOGRAFIA E FESTA: REPRESENTAÇÕES.............................................. 20
1.1 A geografia das Representações: breve histórico .............................................. 20
1.2 Cultura, identidade e território: memórias da Festa na cidade ....................... 25
1.3 Representando as festas ....................................................................................... 32
1.3.1 Viva São Jorge!....................................................................................................... 33
1.3.2 Viva São Pedro! ..................................................................................................... 42
2 A CIRCULARIDADE CULTURAL ................................................................ 52
2.1 Fronteiras Porosas: o jogo de espelhos São Jorge/ Ogum e São Pedro/Xangô
................................................................................................................................ 52
2.2 A Procissão ........................................................................................................... 55
2.2.1 A resistência do traçado da devoção: Ogunhê! ...................................................... 55
2.2.2 Geossimbolizando a orla niteroiense: KaôCabecilê ............................................. 62
2.3 Arremates desse enredo ....................................................................................... 68
3 DISPUTAS POLÍTICAS E REPRESENTAÇÃO SOCIAL ............................. 70
3.1 A disputa pelo discurso ........................................................................................ 70
3.1.1 A missa e a devoção na Capela de São Jorge........................................................... 71
3.1.2 “Os covardes nunca tentaram, os fracos ficaram no caminho, só os fortes
conseguiram”: São Jorge no 12º Batalhão da Polícia Militar ................................. 74
3.2 Os sentidos da Festa ............................................................................................. 82
3.2.1 A dialética do comando local: São Pedro em Jurujuba ......................................... 83
3.2.2 A turistificação da Festa: processos ....................................................................... 85
UMA GRANDE TEIA DE SIGNIFICADOS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 91
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 95
9

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca contribuir pensar a Festa em sua totalidade, neste caso,
Lefebvre será a base para pensar a multidimensionalidade desse espaço onde a Festa é
produzida e produtora. Desta forma, buscamos discutir a geografia das representações em Kozel
(2001), dialogando com os conceitos de cultura, identidade e território, e como as
representações sociais produzem uma memoria das festas na cidade. Assim, buscamos discutir
a dialética da produção do espaço em Lefebvre (2013) e a discussão das estruturas em Bourdieu
(1994, 1996).
Para analisar e compreender a produção simbólica da festa, usamos a categoria de
análise Circularidade Cultural, pensada por Corrêa (2004) buscando aplicá-la nas práticas
culturais e religiosas – as fronteiras porosas e a procissão - das festas em discussão, São Jorge
na área central da cidade, e São Pedro, no bairro de Jurujuba, em Niterói. Para Gwiazdzinski
(2011, p.350) “a festa urbana é um formidável laboratório da cidade, ao mesmo tempo revelador
e teste”.
O dia de São Jorge é celebrado no dia 23 de abril, reúne aproximadamente 15 mil
devotos e curiosos (segundo o Jornal O Dia) em sua celebração. Conta com um comércio local
de artigos religiosos que enaltece as peculiaridades de diferentes traços da fé dos sujeitos em
relação ao santo homenageado e com o território de sua celebração. Além dos devotos católicos
praticantes e não praticantes há uma forte presença de religiosos de diferentes práticas e, dentre
eles, os de matrizes afro-brasileira, exemplo de circularidade cultural. Esta se confirma a partir
das influencias culturais entre os diferentes grupos sociais, num processo de mão dupla e que
viabiliza a troca de experiências e a incorporação de diferentes culturas (CORRÊA, 2004).
A Festa de São Pedro possui atualmente uma importância não apenas religiosa, mas
também turística. Ela faz parte do calendário turístico da cidade e foi declarada como
Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade e incluída no calendário oficial de eventos no dia 19
de dezembro de 2011. Ela conta com uma tradicional procissão marítima em toda a enseada de
Jurujuba desde 1923, segundo a história oral e, há menção a essa procissão no ano 1921,
segundo o jornal “O Fluminense”.
Através da observação de campo, desde o ano 2015 até 2017 na Festa de São Jorge, e
desde o ano de 20131à 2017 na Festa de São Pedro, é possível afirmar a existência de

1
Trabalhos anteriores, CAXIAS, 2017a; 2017b.
10

geossímbolos bem marcantes nas duas festas. Mesmo que sua origem e função sejam
diferenciadas, a alvorada festiva, a primeira missa e a procissão são elementos simbólico-
culturais fundamentais no momento festivo. E como afirmou Corrêa (2004, p.24): “Os
geossímbolos, considerados como territorialidades, semiografam no espaço, o território
cultural, que desta forma, emerge delimitado por fronteiras porosas, de trocas, evidenciando o
caráter dinâmico da cultura e do território como processo sócio espacial”.
A Festa de São Jorge transporta em seu âmago essa fronteira porosa. Durante a
celebração ao santo, que carrega a essência de um grande guerreiro, representa-se também, num
movimento circular de trocas culturais, a figura de Ogum. Nas entrevistas realizadas, a relação
intrínseca do santo com o Orixá ficou evidente. Entrevistamos 25 pessoas na festa do ano 2016,
ao perguntarmos se a devoção era a São Jorge e a Ogum, a resposta afirmativa se consolidou
em 36% das entrevistas, frente a 51% de devotos apenas de São Jorge. Nessa perspectiva
relacional, usamos o conceito de circularidade por compreender que a abordagem tradicional
do conceito de sincretismo2 aponta na direção de supressão de uma identidade religiosa por
outra identidade religiosa dominante, e partimos da condição de que há, na festa de São Jorge
uma fronteira porosa entre o catolicismo e as religiões de matriz afro-indígena brasileira, o que
evidencia o caráter dinâmico da cultura e, nesse estudo, o território é espaço propício para esse
enredo.
A Festa de São Pedro recorre à caracterização mais turística e local. Importante salientar
que o bairro é tradicionalmente vinculado à colônia de Pesca e Maricultura, assim sendo, o dia
do santo é um dia para agradecer, e os outros dias de Festa para “farrear” (como relatado pela
organizadora do evento durante entrevista concedida a nós no ano de 2017). A festa de São
Pedro ocorre entre quatro e cinco dias, enquanto a Festa de São Jorge ocorre apenas no dia do
santo.
Esses momentos nos permite descobrir signos espaciais (CORRÊA, 2004) e a partir
desses, e das relações sociais características de cada grupo social, ratificamos a Festa como um
código sócio cultural impresso no espaço geográfico (DI MÉO, 2001).
Também buscamos apontar as disputas políticas e suas representações sociais, pois,
acreditamos que a festa carregue os discursos das relações de poder, seja politico ideológico ou
cultural simbólico, ou ainda, as duas perspectivas conectadas, que analisamos no texto.

2
Justificamos a perspectiva tradicional do conceito de sincretismo, porque esse sentido tradicional vem sendo
ressignificado, a saber, os trabalhos de FERRETTI (1998, 2007a, 2007b, 2013, 2014), que inclusive muito
dialogam com a proposta de circularidade cultural. A perspectiva de Ferretti muito nos agrada.
11

A escolha pela cidade de Niterói (Figura 1) se deu por todo o caminho, por nós,
percorrido durante a graduação. As festas foram frutos dos agenciamentos por nós (a autora e
a orientadora) no sentido de discutir e pensar as múltiplas territorialidades da cidade.

Figura 1- Localização da área central de Niterói e o bairro Jurujuba

Fonte: Secretaria Municipal de Niterói, 2014 – Editado pela autora, 2018

Diante da breve apresentação, consideramos necessário acionar os caminhos que


traçamos para pensar a multidimensionalidade do espaço da festa na cidade de Niterói. A teoria
da produção do espaço em Lefebvre nos proporciona a partir da discussão da tríade do espaço,
compreender a dinâmica da totalidade do mesmo. Acreditamos que as práticas
culturais/religiosas aqui estudadas – do catolicismo popular, da umbanda e candomblé –
produzem o espaço social. Assim, recorremos a Lefebvre, que, segundo Schimid, admite que o
espaço social abarca

os seres humanos em sua corporeidade e sensualidade, sua sensibilidade e imaginação,


seus pensamentos e suas ideologias; seres humanos que entram em relações entre si
por meio de suas atividades e práticas (SCHMID, 2012, p.91).
12

Neste sentido, a proposta lefebvriana da produção do espaço pode ser dividida em três
dimensões ou processos dialeticamente interconectados. Ainda segundo a leitura de Schmid

Lefebvre desenvolve uma figura tridimensional da realidade social. A prática social


material tomada como ponto de partida da vida e da análise constitui o primeiro
momento. Ela permanece em contradição com o segundo momento: conhecimento,
linguagem e palavra escrita, compreendidos por Lefebvre como abstração, como
poder concreto e como compulsão ou constrangimento. O terceiro momento envolve
poesia e desejo como formas de transcedência que ajudam o devir a prevalecer sobre
a morte (SCHMID, 2012, p. 95).

Desta forma, aqui estamos a propor a compreensão de como o imaginário individual e


o imaginário coletivo, em dialética, produzem o espaço a partir da analise tridimensional: a
prática espacial, a representação do espaço e os espaços de representação.
Segundo Santos (2012) “a totalidade é o conjunto de todas as coisas e de todos os
homens, em sua realidade, isto é, em suas relações, e em seu movimento”(p.116). O movimento
das práticas sociais são partes de um todo que em movimento constroem uma totalidade, uma
realidade complexa, um sistema de significações. Desta forma, a dialética proposta por
Lefebvre (2013) nos permite compreender a produção do espaço pela complexidade das práticas
culturais/religiosas
A teoria da produção do espaço em Lefebvre tornou-se muito fascinante, porque,
segundo Schmid (2012, p.90), “sua significância reside especialmente no fato de que ela integra
sistematicamente as categorias de cidade e espaço em uma única e abrangente teoria social,
permitindo a compreensão e a análise dos processos espaciais em diferentes níveis”. Lefebvre
entende o espaço (social) como produto (social), pois, para o autor, a ideia de espaço está
atrelada a realidade social. Segundo aponta Schmid (Ibidem), “o espaço não existe em si
mesmo. Ele é produzido”.
Para Lefebvre, o espaço social só pode ser produzido a partir das relações sociais, em
um constante agenciamento entre estrutura e indivíduos. Afirma, ao destacar as dificuldades da
sua teoria social,

Segunda e não menor dificuldade: na estrita tradição marxista, o espaço social podia
ser considerado uma superestrutura. Um resultado tanto das forças produtivas como
das estruturas, das relações de propriedade, entre outras. Ora, o espaço entra nas forças
produtivas, na divisão do trabalho; ele tem relações com a propriedade, isso é claro.
Com as trocas, com as instituições, a cultura, o saber. Ele se vende e se compra; ele
tem valor de troca e valor de uso. Portanto, ele não se situa em tal ou tal dos “níveis”,
dos “planos”, classicamente distinguidos e hierarquizados. O conceito de espaço
(social) e o próprio espaço escapam, portanto, à classificação “base-estrutura-
superestrutura”(LEFEBVRE, 2006, p.125, 126)
13

Ainda para Lefebvre,

O conceito de espaço liga o mental e o cultural, o social e o histórico. Reconstituindo


um processo complexo: descoberta (de espaços novos, desconhecidos, dos
continentes ou do cosmos); produção (da organização espacial própria de cada
sociedade); criação (de obras: a paisagem, a cidade com a monumentalidade e o
cenário). Tudo isso evolutivamente, geneticamente (com uma gênese), mas segundo
uma lógica: a forma geral da simultaneidade; pois todo dispositivo espacial repousa
sobre a justaposição na inteligência, e sobre a ensamblagem material de elementos
com os quais se produz a simultaneidade (IBIDEM, p.126).

Segundo Schmid (2012, p. 91), para Lefebvre tempo e espaço “são aspectos integrais
da prática social”, “como produtos sociais”, “resultado e pré-condição da produção da
sociedade”. Assim sendo, as práticas culturais e religiosas expressas no espaço da cidade, no
tempo da festa, produz um espaço social delimitado, um território efêmero. As práticas sociais
se diferenciam no tempo e espaço de cada sociedade. Retomamos a discussão de Lefebvre
(2010), ao dotar de sentido as cidades, assumindo suas especificidades, devido ao seu contexto
histórico. De fato, para nós, a análise de uma mesma cidade em dois momentos diferenciados,
nos mostrou distintas territorialidades, que constituem diferentes representações sociais da
festa. Dito isto,

[...] espaço e tempo não existem de forma universal. Como eles são produzidos
socialmente, só podem ser compreendidos no contexto de uma sociedade específica.
Dessa forma, espaço e tempo não são apenas relacionais, mas fundamentalmente
históricos. Isso demanda uma análise capaz de considerar as relações sociais, relações
de poder e conflitos relevantes em cada situação (SCHMID, 2012, p.91).

Para compreender a teoria da produção do espaço em Lefebvre, é preciso consideramos


a sua abordagem e lógica pelo discurso dialético. Para Schmid (Ibidem, p.93), esse discurso
dialético, onde o autor expõe as contradições do espaço social, se baseiam não apenas no
pensamento de Hegel e Marx, mas principalmente, em Nietzsche. O pensamento dialético
significa o reconhecimento de que a realidade social é marcada por contradições e que somente
pode ser entendida por meio da compreensão dessas contradições (Ibidem).
Para Lefebvre

Se nós considerarmos o conteúdo, se existe um conteúdo, uma proposição isolada não


é nem verdadeira, nem falsa; toda proposição isolada deve ser transcendida; toda
proposição com um conteúdo real é ambos verdadeira e falsa, verdadeira se é
transcendida, falsa se é declarada como absoluta (LEFEBVRE, 1968, p.42 apud
SCHMID, 2012, p. 93).
14

Assim o autor assume a posição interpretativa das questões pertinentes ao espaço social,
como sim e não, sempre haverá riscos e ao mesmo tempo possibilidades de análise e
compreensão. Para ele os conceitos de dialética estabelecidos eram problemáticos e faz suas
criticas em cada uma dessas discussões (SCHMID, 2012) e chega a uma consideração,
propondo uma dialética tridimensional. Lefebvre (2013, p.435, 436) aponta que sua dialética é
uma critica radical a Hegel baseada na prática social de Marx e na arte de Nitezsche, mas
assume que sua discussão não esgota o tema da produção do espaço. Lefebvre vai discutir a
análise tridimensional da produção do espaço, da seguinte forma:

La práctica espacial de una sociedad secreta su espacio; lo postula y lo supone en una


interacción dialéctica; lo produce lenta y serenamente dominándolo y apropiándose
de él. Desde el punto de vista analítico, la práctica espacial de una sociedad se
descubre al descifrar su espacio.
¿En qué consiste la práctica espacial bajo el neocapitalismo? Expresa una estrecha
asociación en el espacio percibido entre la realidade cotidiana (el uso del tiempo) y la
realidad urbana (las rutas y redes que se ligan a los lugares de trabajo, de vida
«privada», de ocio). Sin duda, esta asociación es sorprendente pues incluye la
separación más extrema entre los lugares que vincula. La competência y la
performance espaciales propias de cada miembro de la sociedad sólo son apreciables
empíricamente. La práctica espacial «moderna» se deñne así por la vida cotidiana de
un habitante de vivienda social en la periferia —caso límite, pero sin duda
significativo— , sin que esto nos autorice a dejar de lado las autopistas o la política
de transporte aéreo. Una práctica espacial debe poseer cierta cohesión, sin que esto
sea equivalente a coherencia (en el sentido de intelectualmente elaborada, concebido
lógicamente)3(LEFEBVRE, 2013, p.97).

Podemos compreender essa prática espacial como os acontecimentos sociais da vida no


cotidiano ordinário da cidade. A performance cotidiana dos indivíduos para vivenciarem a
cidade. Como camaleões, os sujeitos, “enel sentido intelectualmente elaborado”, possui a
capacidade de exibir rápidas mudanças (performance) durante suas interações sociais. O
movimento de desterritorialização ao sair do transporte coletivo (sentido ordinário da vida na
cidade) para adentrar ao coletivo, todos vestidos de vermelho e branco 4 na aérea central da
cidade niteroiense, se reterritorializando no cotidiano extraordinário, que para nós, é a festa.

3
“A prática espacial de uma sociedade secreta seu espaço; ela o põe e o supõe, numa interação dialética: ela o
produz lenta e seguramente, dominando-o e dele se apropriando. Para a análise, a prática espacial de uma sociedade
se descobre decifrando seu espaço.
O que é a prática espacial no neo-capitalismo? Ela associa estreitamente, no espaço percebido, a realidade cotidiana
(o emprego do tempo) e a realidade urbana (os percursos e redes ligando os lugares do trabalho, da vida “privada”,
dos lazeres). Associação surpreendente, pois ela inclui em si {pressupõe} a separação exacerbada entre esses
lugares que ela religa. A competência e a performance espaciais próprias a cada membro dessa sociedade só se
examinam empiricamente. A prática espacial “moderna” se define, portanto, pela vida cotidiana de um habitante
de HLM no subúrbio, caso-limite e significativo; o que não autoriza negligenciar as auto-estradas e a aero-política.
Uma prática espacial deve possuir uma certa coesão, o que não quer dizer uma coerência (intelectualmente
elaborada: concebida e lógica).” Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins.
4
Cores que representam o dia de São Jorge.
15

Las representaciones del espacio, es decir, el espacio concebido, el espacio de los


científicos, planificadores, urbanistas, tecnócratas fragmentadores, ingenieros
sociales y hasta el de cierto tipo de artistas próximos a la cientificidad, todos los cuales
identifican lo vivido y lo percibido con lo concebido (lo que perpetúan las Arcanas
especulaciones sobre los Números: el número áureo, los módulos, los cánones, etc.).
Es el espacio dominante en cualquier sociedad (o modo de producción). Las
concepciones del espacio tenderían (con algunas excepciones sobre las que habrá que
regresar) hacia un sistema Je signos verbales — intclectualmente elaborados.5(Ibidem,
grifo nosso)

O “espaço dominante em qualquer sociedade”, ou seja, a base ou a infraestrutura da


formação econômica e social, é constituída por distintas intencionalidades, seja no âmbito do
poder religioso dominante (perpetuação do catolicismo), seja na dimensão da reprodução a festa
como tradição (estratégia do uso do turismo para justificar a permanência de uma pratica
espacial). Na leitura da tríade espacial proposta por Lefebvre, é impossível dimensionar o
espaço somente a partir de uma delas, nesse caso, o espaço concebido só é possível ser analisado
em sua relação com o espaço percebido. A representação do espaço, enquanto forma, “espaços
vazios”, mental e socialmente, só terão sentido social ao associar-se aos espaços de
representação.

Los espacios de representación, es decir, el espacio vivido a través de las imágenes y


los símbolos que lo acompañan, y de ahí, pues, el espacio de los «habitantes», de los
«usuarios», pero también el de ciertos artistas y quizá de aquellos novelistas y
filósofos que describen y sólo aspiran a describir. Se trata del espacio dominado, esto
es, pasivamente experimentado, que la imaginación desea modificar y tomar. Recubre
el espacio físico utilizando simbólicamente sus objetos. Por consiguiente, esos
espacios de representación mostrarían una tendencia (de nuevo con las excepciones
precedentes) hacia sistemas más o menos coherentes de símbolos y signos no
verbales6(Ibidem, p.98, grifonosso).

Os espaços de representação muito nos interessam na tríade da análise espacial de


Lefebvre, pois é nesse momento, que, a dimensão simbólica se apresenta de forma mais intensa.

5
“As representações do espaço, ou seja, o espaço concebido, aquele dos cientistas, dos planificadores, dos
urbanistas, dos tecnocratas “retalhadores” e “agenciadores”, de certos artistas próximos da cientificidade,
identificando o vivido e o percebido ao concebido (o que perpetua as sábias especulações sobre os Números: o
número de ouro, os módulos e “canhões”). É o espaço dominante numa sociedade (um modo de produção). As
concepções do espaço tenderiam (com algumas reservas sobre as quais será preciso retornar) para um sistema de
signos verbais, portanto, elaborados intelectualmente”. Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins.
6
“Os espaços de representação, ou seja, o espaço vivido através das imagens e símbolos que o acompanham,
portanto, espaço dos “habitantes”, dos “usuários”, mas também de certos artistas e talvez dos que descrevem e
acreditam somente descrever: os escritores, os filósofos. Trata-se do espaço dominado, portanto, suportado, que a
imaginação tenta modificar e apropriar. De modo que esses espaços de representação tenderiam (feitas as mesmas
reservas precedentes) para sistemas mais ou menos coerentes de símbolos e signos não verbais.” Tradução de
Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins.
16

Para Schmid (2012, p.101), “a “ordem” material que aflora na superfície pode tornar-se ela
mesma um veículo transmitindo significados. Dessa maneira, um simbolismo (espacial) se
desenvolve expressando e invocando normas, valores e experiências sociais”. ‘Esse espaço
dominado’, para nós está dominado pela ordem cultural e política da festa. Para exemplo desse
simbolismo espacial, as duas festas – São Jorge e São Pedro - possuem geossímbolos (móveis
e fixos), que orientam no espaço urbano da cidade de Niterói o acontecimento da festa. Esse
espaço vivido é mediador, é o diálogo entre o espaço percebido e o espaço concebido.
O vivido se dá no campo das relações cotidianas, se desdobra nas microrelações de
poder, seja na família, seja no bairro, seja na organização da festa. Segundo a proposta de
Lefebvre em O direito a cidade, o vivido não pode ser compreendido sem o seu contexto
histórico, sem o espaço concebido. É no espaço percebido que os sujeitos fazem seus
agenciamentos abstratos e cognitivos, a partir de suas percepções, em um movimento de
interação mental, politico e social. O espaço vivido é a produção social do que fora assimilada.
É a experimentação do mundo na pratica da vida cotidiana.
Schmid ao analisar as categorias para compreensão do espaço social em Lefebvre irá
sustentar a percepção fenomenológica no pensamento do autor. Assim como a linguagem, a
fenomenologia foi base para a tríade espacial. O conceito de percepção está totalmente
vinculado ao sentido fenomenológico. Cada sujeito vai perceber de uma forma a mesma
imagem, a mesma festa, por exemplo. No entanto, a materialidade concreta e produzida destoa
da concepção clássica da fenomenologia, onde a percepção se dá intuitivamente sem uma
materialidade social. O conceito de prática espacial é uma referencia para que ele não se perca
da concretude materialista, acreditamos.
Para Schmid (2012, p.103), “a proposta de Lefebvre é, assim dizendo, a de uma
fenomenologia materialista”. Dessa forma, ele vai buscar fazer uma referencia a partir da
concretude do espaço, a tríade espacial se dá na relação da tríade dialética do homem, que são
os conceitos de percebido, concebido e vivido. Tríade que se dá no campo das representações
individuais e coletivas, nas palavras do autor, “individual e social”.
Assim sendo, nas palavras de Lefebvre (2006),

O espaço social é múltiplo: abstrato e prático, imediato e mediato. O espaço religioso


não desaparece diante do espaço do comércio; ele permanece, e por muito tempo, o
espaço da palavra e o do saber. Ao seu lado, e mesmo nele, existem sítios e lugares
para outros espaços, o das trocas, o do poder. As representações do espaço e os
espaços de representação divergem, sem dissolver a unidade do conjunto
(LEFEBVRE, 2006, p.364).
17

A partir da leitura lefebvriana do espaço social, acreditamos que a festa é uma prática
cultural e religiosa, que abrange todas as esferas da vida social e espacial dos sujeitos sociais.
O “poder” das estruturas só é possível pelos agenciamentos cotidianos dos sujeitos. Sem
relações sociais o espaço não pode ser produzido.
Lefebvre defende que “enrealidad, elespacio social «incorpora» losactossociales, las
acciones de lossujetos tanto colectivos como individuales que nacen y mueren, que padecen y
actúan »”7 (LEFEBVRE, 2013, p.93). Essa afirmativa nos garante segurança para afirmar que,
as representações sociais são influenciadas pelas ideias, valores, crenças e ideologias, numa
dialética constante entre estrutura e sujeitos.
As representações simbólicas se dão no campo dos agenciamentos da linguagem. Assim,
para Bourdieu, cada agente social, terá a sua prática espacial e uma representação desse espaço,
que, em dialética, se reproduzindo de acordo com o lugar dos sujeitos na vida social. Não
entraremos aqui no mérito da divisão hierárquica de classes, mas buscamos, como tentativa e
desafio, mostrar que na Festa, seja ela qual for, a percepção será diferenciada de acordo com a
posição social, religiosa e cultual do sujeito devoto ou não devoto.
Para Bourdieu (1994, p.60-61), habitus é um conceito que se classifica como um
“sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como
estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as
representações”, um processo de “interiorização da exterioridade e de exteriorização da
interioridade”. Essa conceituação dialoga com a tríade dialética do espaço proposta por
Lefebvre.
Considerando essas afirmações, ao elaborarmos nossas representações, constatamos que
fazemos um filtro (condicionado pelas estruturas pré estabelecidas) e passamos a perceber,
sentir e vivenciar a realidade de uma forma. Um sujeito católico, morador da área central de
Niterói, possui no seu calendário anual, a queima de fogos que ocorre durante a alvorado na
Festa de São Jorge. Para esse sujeito, hipoteticamente, isso faz parte de um ritual vinculado a
sua fé. A sua forma de lidar ou ser flexível com o barulho será diferente de um sujeito
protestante. Ou seja, nossas bolhas sociais 8 sejam do campo religioso ou cultural condicionam
nossa forma de viver e se relacionar com o mundo.

7
“Na verdade, o espaço social “incorpora” atos sociais, os de sujeitos ao mesmo tempo coletivos e individuais,
que nascem e morrem, padecem e agem.” Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins.
8
Estamos pensando aqui na alusão a bolhas das mídias sociais, mas que se dão no campo da realidade não virtual
também. Muitos religiosos preferem se isolar do mundo secular para viverem “mais para Cristo”. Para detalhes
sobre essa bolha, principalmente no campo religioso, ver tese de Alexander Soares Magalhães, intitulada “Amigo
de fé: estudo sobre religião e amizade entre jovens assembleianos da Baixada Fluminense”, defendido em 2016
18

Para Bourdieu (1994, p.108), “as representações mentais são atos de percepção e de
apreciação, de conhecimento e de reconhecimento, em que os agentes investem seus interesses
e pressupostos”; e “as representações objetivas (materiais como bandeiras, insígnias, símbolos,
emblemas, cartazes etc.) são estratégias interessadas de manipulação simbólica tendentes a
determinar a representação (mental) que os outros podem construir a respeito tanto dessas
propriedades como de seus portadores” (Ibidem). Ora, há agenciamentos nessa estruturação
proposta pelo autor. Como já afirmamos aqui, o processo é de “interiorização da exterioridade
e de exteriorização da interioridade”, é dialético.
Em Bourdieu, “produzir e impor representações (mentais, verbais, gráficas ou teatrais)
do mundo social capazes de agir sobre esse mundo, agindo sobre as representações dos agentes
a seu respeito” é uma ação política, e nessa perspectiva, revolucionário que pode gerar
mudanças estruturais (Ibidem, p. 117). No entanto, vamos nos ater a discussão, não pelo viés
revolucionário do conceito, mas das possiblidades que o mesmo nos inspira. As representações
mentais, verbais, gráficas ou teatrais influenciam na dinâmica social de um espaço. O que
chamamos aqui de território efêmero da festa, produz, em suas diferentes atividades, um lugar
de afetos e lembranças. Essa relação entre território e lugar, estrutura política e espaço das
afetividades cotidianas, é um caminho para compreender as negociações entre as estruturas e
os indivíduos.
Para Turra Neto
“entre espaço e território, há o lugar, como conceito intermediário. Espaço como
categoria mais ampla, lugar como conceito mais empírico, que permite particularizar
e circunscrever o espaço para a pesquisa, tornando-o apreensível para o trabalho do
sujeito do conhecimento. Território como o conceito que nos permitirá apreender o
espaço, no lugar, pelo estudo de certos tipos de ações e práticas dos sujeitos sociais,
em negociação com outros sujeitos, com os quais são obrigados a coexistir, numa
extensão comum”(TURRA NETO, 2015, p.52, grifo nosso).

Essa coexistência, para nós, constitui os agenciamentos dos sujeitos na luta pelos seus
ideais, sejam eles políticos ideológicos, sejam eles culturais e religiosos. As representações,
pois, são ideias, conceitos, concepções, valores, princípios e imagens que, pensamos e
atribuímos um significado à realidade. Isto posto, concordamos com Bourdieu (1994, p.122-
123) ao afirmar que “a ciência transforma a representação do mundo social e, ao mesmo tempo,
o próprio mundo social, ao viabilizar práticas ajustadas a essa representação transformada”. As
nossas práticas cotidianas são orientadas, influenciadas pelas representações que formamos
sobre quem somos, o que devemos fazer e como devemos interagir com as outras pessoas. E

no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, orientado pela
professora Dra. Cecilia Mariz.
19

isso é dado pela construção dialética exposta por Lefebvre, assim, podemos caracterizar que as
ações e reações dos indivíduos frente a estrutura que o condiciona é agenciada, a totalidade das
ações se dá no campo da análise tridimensional.
Buscaremos aplicar a discussão lefebvriana de espaço percebido (práticas espaciais),
espaço concebido (representações do espaço) e espaço vivido (espaços de representações) ao
analisar e buscar compreender os processos de circularidade cultural presente nas festas em
tela, e nas disputas políticas das representações sociais das mesmas. Vamos as Festas!
20

1 GEOGRAFIA E FESTA: REPRESENTAÇÕES

[...] o lugar da festa, como representação simbólica, constitui-se pelos múltiplos


sentidos e significados garantidos pelos costumes, hábitos e valores (TEIXEIRA,
2016, p.98).

Toda festa é uma representação. Independente se há maciça participação popular (casos


de festas religiosas, como de terreiros, igrejas católicas) ou com uma intencionalidade para a
mercantilização, espetacularização e midiatização (o que não significa que não há participação
popular; no caso do Carnaval no Rio de Janeiro há participação popular e os processos de
espetacularização). Isto posto, podemos observar que a Festa possui diferentes representações,
quando mesmo coletivas, se desdobram em representações individuais, em um processo
retroalimentativo. Neste capítulo, desdobraremos sobre a Geografia das Representações; os
conceitos de cultura, identidade e território com o intuito de buscar uma representação para as
memórias das festas na cidade niteroiense, conectando-os para se compreender as dinâmicas
das festas em tela, São Pedro e São Jorge.

1.1 A geografia das Representações: breve histórico

Na década de 1960-1970, as Ciências Sociais sofrem a chamada cultural turn, uma


virada cultural que será acompanhada por diferentes momentos de “ruptura epistemológica”,
seja na Sociologia, conforme apresenta Noller, “o que, nos anos de 1970, se anuncia
empiricamente como globalização é acompanhado por uma transição epistemológica, a
passagem de uma compreensão tradicional, geograficamente limitada, para outra, pós-
tradicional, aberta e plural, do espaço social” (NOLLER, 2000, p. 21); seja na geografia
cultural, como propõe McDowell (1996) e Claval (2002, 2004, 2012), em que os geógrafos
começam a questionar o sentido de cultura e como esta se vincula à organização espacial.
McDowell (1996) aponta como a Geografia Cultural tem se mostrado um campo de
pesquisa “excitante” abrangendo desde
[...] as análises de objetos do cotidiano, representação da natureza na arte e em filmes
até estudos do significado de paisagens e a construção social de identidade baseadas
em lugares [...] seu foco inclui a investigação da cultural material, costumes sociais e
significados simbólicos [...] (MCDOWELL, 1996, p. 159)
21

Ainda neste texto, a autora agrega três momentos de transformação da geografia


cultural, sua proposta é apresentar uma historiografia dela. O primeiro enfatiza a chamada
Escola de Berkeley9. Num segundo momento, apresenta a abordagem da geografia cultural, que
vai definir cultura como “conjunto de significados compartilhados expressos nas práticas
sociais dentro de um lugar” (Ibidem, p. 159, 160). Junto a essa perspectiva, a autora também
desenvolve o momento da Escola do Paisagismo. Por último, resgata a dimensão da Teoria
Social, evidenciando que não apenas os geógrafos culturais buscam estudar a cultura, mas os
teóricos sociais também, principalmente mostrando como a “crescente escala global de
produção e consumo afeta as relações entre identidade, significado e lugar” (Ibidem, p.160). O
enfoque neste trabalho será na segunda perspectiva da geógrafa em tela.
Para McDowell (1996):
Cultura é um conjunto de ideias, hábitos e crenças que dá forma às ações das pessoas
e à sua produção de artefatos materiais, incluindo a paisagem e o ambiente construído.
A cultura é socialmente definida e socialmente determinada. Ideias culturais são
expressas nas vidas de grupos sociais que articulam, expressam e contestam esses
conjuntos de ideias e valores, que são eles próprios específicos no tempo e no espaço
(MCDOWELL, 1996, p. 161, grifos nossos).

É importante destacar, nessa afirmativa, que as representações sociais se constroem num


aporte coletivo, mas são ressignificadas pelos indivíduos do grupo e mudam no tempo e no
espaço. Os movimentos de contestação cultural são exemplos dessa dinâmica espaço-temporal.
E, nas tradições festivas, não é diferente. Novas tradições são reinventadas na perspectiva da
renovação cultural.
Segundo Claval (2012), a abordagem cultural, na Geografia brasileira, ficou em
“repouso” entre os anos 1950 e 1980. A necessidade de uma Geografia crítica que
protagonizasse, dentro das ciências sociais, uma explicação para o momento histórico que
estava acontecendo, a Ditadura Militar, fez com que essa abordagem não tivesse um
protagonismo e ficasse à margem dentro da própria ciência geográfica.
Ao fazer um balanço sobre a história da Geografia, Claval (2011) tece suas críticas ao
modelo adotado pelos pesquisadores em Ciências Sociais nas décadas de 50 e 60, os quais
usavam, como fundamento de análise, o estruturalismo. A base desse fundamento é, que, as
configurações estruturais da sociedade permanecem estáveis por longos períodos e o individuo

9
A denominada Escola de Berkeley ou Saueriana tem seu auge, em 1925, com um famoso texto publicado por
Carl Sauer, “A Morfologia da Paisagem”. É considerada a primeira fase da Geografia Cultural que, segundo Claval
(1999), estende-se de 1890 a 1940. A cultura, nesse período, é considerada uma entidade supra orgânica, que paira
sobre o éthos social; é adquirida pelo poder causal (CORRÊA; ROSENDAHL, 2012).
22

é refém dessa condição reproduzindo-a, isto é, “as preferências e as escolhas dos indivíduos
não tinham nenhum papel na construção dessas estruturas”(Ibidem, p.7).
Ele afirma ainda que, nos anos 70, a crítica ao modelo estruturalista (que explicava a
permanência das estruturas, mas não a evolução delas, ignorando assim a história) foi
fundamental para a proposta estruturacionista em que se associava o estruturalismo e o papel
da iniciativa individual na França, com Bourdieu 2009 [1980], e no Reino Unido, com Giddens
(1984).
Essa nova perspectiva de pensar o espaço social, num constante diálogo entre a ação dos
sujeitos e as bases estruturais da sociedade, permite uma melhor compreensão do fenômeno da
festa, em especial, a festa religiosa popular. Claval, ao afirmar que “as pessoas têm uma reação
emotiva diante dos lugares em que vivem, que percorrem regularmente ou que visitam
eventualmente” (2010, p.39), consente pensar sobre a complexidade das ações individuais
frente às estruturas pré-concebidas.
Claval argumenta que
o objetivo da abordagem cultural é entender a experiência dos homens no meio
ambiente e social, compreender a significação que estes impõem ao meio ambiente, e
o sentido dado às suas vidas. A abordagem cultural integra as representações mentais
e as reações subjetivas no campo da pesquisa geográfica (CLAVAL, 2002, p. 20).

McDowell (1996) aponta que os teóricos sociais, cada vez mais, se envolvem no debate
da identidade, significado e lugar, cuja atenção é concentrada nas maneiras como símbolos,
rituais, comportamentos e práticas sociais resultam num compartilhamento conjunto ou num
conjunto de significados, ou seja, as representações culturais e sociais. Importante destacar que
MCDowell, ao discorrer sobre a Modernidade e a ordem simbólica da metrópole, destaca alguns
teórico-chaves de importância recente para o norteamento da Geografia Cultural, são eles:
Michel De Certeau (1980 – A prática da vida cotidiana), Guy Debord (1967 – A sociedade do
espetáculo) e Henri Lefebvre (1974 – A produção do espaço). Ela vai ressaltar a importância
desses autores para pensar o espaço de forma vivenciada, imaginada. São novas interpretações
em relação aos trabalhos desses autores que, segundo Claval (2004), farão se repensar o tema
da produção do espaço.
No pós-período militar, com a tradução dos livros de Yi-Fu Tuan, em 1980 (Topofilia:
um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente) e 1983 (Espaço e lugar), a
abordagem fenomenológica na Geografia Cultural e Humanista brasileira ganha novos ares.
Oliveira e Machado foram as protagonistas dessa difusão e a categoria “lugar”, dentro da
proposta conceitual do espaço, se afirma (CLAVAL, 2012).
23

Assim sendo, nas décadas de 1970 e 1980, a Geografia Humanista estreita seus laços
com a Geografia Cultural e com a Geografia Histórica, ganhando status de campo disciplinar.
Hoje, usa-se o termo Geografia Cultural Humanista (HOLZER, 2012). As representações em
Geografia possuem, assim, o aporte do método fenomenológico e da Geografia Cultural
Humanista.
Bailly (1995) afirma que “représentation” é uma
création sociale ou individuelle de schémas pertinents du réel dans le cadre d'une
idéologie ; elle consiste soit à évoquer des objets en leur absence, soit, lorsqu'elle
double la perception en leur présence, à compléter la connaissance perceptive en se
référant à d'autres objets non actuellement perçus (BAILLY, 1995, p.373)10..

Ou seja, as representações em Geografia se constituem em criações individuais ou


sociais de esquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a uma
ideologia.
Isto posto, Kozel (2001) afirma:
A Geografia das representações objetiva entender os processos que submetem o
comportamento humano, tendo como premissa que este é adquirido através de
experiências, temporal, espacial e social, existindo uma relação direta e indireta entre
essas representações e as ações humanas, ou seja, entre as representações e o
imaginário revolucionando a gênese do conhecimento. Portanto, nos permite
compreender a diversidade inerente às práticas sociais, as mentalidades, os vividos,
podendo até nos permitir melhor entender os movimentos regionalistas e as tensões
interrregionais (KOZEL, 2001, p. 213).

A Geografia das representações nos permite compreender as especificidades do


individuo, porém sem negar o seu construto social. Os signos que permeiam as distintas
realidades foram construídos socialmente ao longo da existência daquele individuo.
Nas palavras de Kozel (2009, p.1), “a representação é aqui considerada como uma forma
de linguagem impregnada de significados e valores sociais refletindo a realidade ou vivência
social dos indivíduos”.
Na figura 2, é possível compreender o processo dialógico entre as linguagens cotidianas,
como imagens, sons, sabores, na construção sígnica dos sujeitos. O esquema expõe as relações
entre as esferas sociais e as formas de comunicação. Consideramos as

10
“Criação social ou individual de padrões pertinentes a uma realidade dentro do quadro de uma ideologia; consiste
em evocar objetos em sua ausência, ou, quando duplica a percepção em sua presença, ao completar o conhecimento
perceptivo ao se referir a outros objetos que não são percebidos atualmente.” Tradução nossa
24

narrativas imagéticas, construídas pelos indivíduos que compõem a festa, como textos11 a serem
lidos, não apenas como uma representação individual, mas coletiva, à medida que se
compartilham valores e significados com comunidades e redes de relações(KOZEL, 2009). Ou
seja, os diversos sentidos da festa, narrados pelos indivíduos, seja através, de fotografias,
vídeos, poesias, sons, cheiros, sabores serão considerados ao longo do texto, como aspectos
fundamentais para a compreensão do sistema simbólico que a festa produz.

Figura 2- Linguagens e Representação

Fonte: Organizado por KOZEL, 2009, p. 2.

Por conseguinte, relaciona-se também à representação pela perspectiva de Hall (2016),


ao abordar o enfoque da teoria representacional construtivista, na qual “as coisas não
significam: nós construímos sentido, usando sistemas representacionais – conceitos e signos”
(Ibidem, p. 48). O sistema de linguagem construído pelos indivíduos é que vai dar sentido ao
mundo material, assim, “os atores sociais que usam os sistemas conceituais, o linguístico e
outros sistemas representacionais de sua cultura para construir sentido, para fazer com que o
mundo seja compreensível e para comunicar sobre esse mundo, inteligivelmente, para outros”,
(Ibidem, p. 49).

11
Para Bakhtin, texto é signo que se constitui nas fronteiras do dito e do não-dito; do verbal e do extra-verbal onde
se desenrola a situação comunicativa. Para ele, tudo o que se diz é determinado pelo lugar de onde se diz. È
necessário situar o texto no centro da investigação sobre a linguagem, valorizar as formações discursivas como
agentes desse tecido complexo, e, com isso, desvendar o funcionamento do mundo verbal e de seus signos
(MACHADO, 1996, p.90).
25

Para alcançar a dimensão simbólica das práticas sociais e culturais, o método


fenomenológico tem sido a ferramenta dos geógrafos culturais e, principalmente, dos
humanistas. Holzer (2012, p.169) afirma que “o método fenomenológico seria utilizado para se
fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido da experiência humana e, com isso, por meio da
intencionalidade, reconhecer as ‘essências’ da estrutura perceptiva”. Desta forma, ao relacionar
os lugares, as representações, significados e as vivências, podem-se interpretar as percepções e
intencionalidades humanas. Em nosso caso, buscaremos estabelecer um diálogo com o conceito
de Representação em Kozel (2001) e a tríade do espaço percebido, vivido e concebido proposto
por Lefebvre (2013[1974]) para a compreensão da totalidade dialética do espaço social.
Desta forma, compreender as diferentes representações a partir das subjetividades dos
sujeitos nas suas diferentes formas de viver e se relacionar com o mundo, por meio das imagens
(fotografias e vídeos) produzidas durante o campo, as entrevistas e da bibliografia sobre as duas
Festas, na interface entre cultura, identidade e território, à medida que se propõe a analisar de
maneira qualitativa, como as festas constroem diferentes imaginários e territorialidade.

1.2 Cultura, identidade e território: memórias da festa na cidade

A Festa, como expressão de significados e espaço de vivências sociais, revela-se como


uma das“formas de apropriação da cidade e de compreensão das práticas sociais e culturais que
fundamentam as identidades e/ou as recriam imbricadas com novos valores e significados”
(FARIAS, 2012, p.1).
Como já salientado no texto, compreendemos que a “cultura é socialmente definida e
socialmente determinada”(MCDOWELL, 1996, p.161), no entanto, isso não significa a
inexistência de um dialogo entre a estrutura e os indivíduos. Num movimento contínuo e
descontinuo as relações se estabelecem por meio das ações individuais e coletivas no espaço,
produzindo-o. Lefebvre (2013) discorre sobre a importância de se pensar o espaço para além
da sua planificação, compreendendo-o enquanto produtos das relações sociais, econômicas e
politicas que se estabelecem nas sociedades. “De ahí el esfuerzo para salir de la confusión sobre
la base de considerar el espacio (social), así como el tiempo (social), no ya como «hechos» de
26

la naturaleza más o menos modificada, ni tampoco como simples hechos de «cultura», sino
como produtos”12(Ibidem, p.54).
Acreditamos, pois, que a estrutura - ou a infraestrutura, na perspectiva marxista
(ALTHUSSER, 1987)- e a cultura - ou superestrutura - não se eliminam ou hierarquizam entre
si, tampouco são determinantes uma em detrimento da outra no processo de produção do espaço
Assim, tanto a cultura como a identidade assumem uma dimensão territorial.
Barbosa (2004) aborda essa dimensão ao buscar em seu texto apreender a dinâmica
material da cultura na formação do território, afirmando que “a cultura se constrói do
movimento próprio das relações dos indivíduos entre si e com o mundo da realização da vida,
promovendo a significação do ser social” (BARBOSA, 2004, p.100). Essa realização da vida,
portanto da cultura, segundo Godelier (1984) é o território. Este que é configurado, todo o
tempo, pelas distintas territorialidades, a partir das práticas culturais e religiosas que ali se
estabelecem, impregnando-o de cultura e identidade. É processo, é movimento, é cíclico.
Corrêa argumenta que
a Cultura surge como uma ponte que viabiliza a relação do ser humano e da sociedade
com o espaço. Este relacionamento apresenta-se como faces de uma mesma realidade,
onde a função social e a função simbólica engendram a distinção e a correlação entre
o espaço social, o espaço produzido e concebido em termos de organização e produção
e o espaço cultural – concordando com (BONNEMAISON, 2002; pp.86-104) – o
espaço vivenciado e concebido em termos de significação e relação simbólica
(CORRÊA, 2004, p.17).

Segundo Cruz (2007), “na construção da identidade não é possível pensar de forma
dissociada sua natureza simbólica e subjetiva (representações) e seus referentes mais
“objetivos” e “materiais” (a experiência social em sua materialidade)”, portanto a identidade se
materializa nas relações sociais e se territorializa em suas ações sociais.
A cultura e identidade são conceitos centrais para compreendermos a territorialização
dos espaços onde as festas incidem. As práticas culturais e religiosas expressas durante o ato
festivo – procissões, orações, o ato de acender velas, cantar em coletividade, ofertar -
representam a reprodução simbólica e subjetiva construída através das rememorações
individuais pautadas por uma memória coletiva (HALBWACHS, 2004). Para Halbwachs
(1925) a conceituação de “quadros sociais da memória” consideraa memória individual como
o conjunto de elementos que são legados socialmente, ou seja, a memória é um constructo
social. O que não significa a não existência da competênciapsíquica individual das lembranças,

12
“De onde o esforço para sair da confusão considerando o espaço (social), assim como o tempo (social), não mais
como fatos da “natureza” mais ou menos modificada, nem como simples fatos de “cultura”, mas como produtos.”
Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (2006).
27

entretanto, até mesmo nas lembranças individuais está implícita a coletividade do momento a
ser lembrado. A memória social é o vínculo entre o indivíduo, a sociedade e a cidade, forjando
um território efêmero da Festa; é o vinculo entre os sujeitos sociais e o lugar; podemos falar
então de memórias (representações) ao invés de uma única memória.
Nessa perspectiva, segundo Le Goff (2003, p.489), “a memória é um elemento essencial
do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje”. À medida que o individuo se reconhece
no ambiente e/ou se integra no circuito do símbolo construído, a identidade torna-se
representada, aqui, nas figuras de São Jorge e São Pedro, por meio da festa. Kozel afirma que
“o fato cultural como portador de sentidos e como gerador de significados, varia de pessoa para
pessoa, sendo que o mundo é construído na troca de significações, intermediado por mensagens
que resultam no ser social” (KOZEL, 2013, p.64). Assim, o mundo vivido social é subjetivo,
porque se pauta na troca de significações, e é também material, pois, sua intermediação por
mensagens se dá por meio das práticas culturais e religiosas. As relações sociais e os laços de
afetividade que vão existindo ao longo da existência do indivíduo, dotam-o da condição de ser
social.
A condição de ser social, dos sujeitos dotados de emponderamento, enquanto agentes
sociais, nos permite assumir a condição de que a Festa é uma forma de garantir o direito à
cidade. Gwiazdzinski afirma que

O evento festivo extraordinário é uma promessa feita aos habitantes para responder
seus anseios de encontro, liberdade, descontração, descoberta, deslumbramento,
surpresa e novidade. [...] Ela metamorfoseia e encanta o espaço público. [...] a festa
convida-se para transfigurar a cidade, de dia como de noite, no verão como no inverno.
Acometendo um espaço ou percorrendo a cidade, a festa transforma, encarna o
quotidiano e transfigura o real. [...] A festa humaniza o espaço público que ela povoa.
[...] A festa cria outra cidade. [...] A festa transfigura e encanta. [...] A festa revela a
cidade a seus habitantes e visitantes (GWIAZDZINSKI, 2011, p. 342, 343).

Lefebvre ao discorrer sobre A cidade e a obra, em seu livro O direito a cidade (2010),
constata que a cidade “sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com a sua
composição e seu funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e agricultura, poder
ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados etc.), com sua história” (LEFEBVRE,2010,
p.51). Assim, ele afirma que as mudanças na cidade ocorrem à medida que a sociedade se
transforma, e não a partir de uma lógica passiva da “globalidade social”. A cidade, para
Lefebvre, “depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das
relações diretas entre as pessoas e grupos que compõem a sociedade (famílias, corpos
organizados, profissões, corporações etc.)” (Ibidem, p. 52).
28

Ainda para o autor, a cidade se situa num meio termo, entre o que ele chama de “ordem
próxima” e a “ordem distante”. A primeira, para designar as relações dos indivíduos em grupos,
e esses grupos entre si mesmos; a segunda seriam as Igrejas, o Estado, a ordem da sociedade
controlada e orientada pelas instituições, seguindo uma forma jurídica.

A cidade é uma mediação entre as mediações. [...] a cidade é obra a ser associada mais
com a obra de arte do que com o simples produto material. Se há uma produção da
cidade, e das relações sociais na cidade, é uma produção e reprodução de seres
humanos por seres humanos, mais do que uma produção de objetos. A cidade tem
uma história; ela é a obra de uma história, isto é, de pessoas e de grupos bem
determinados que realizam essa obra nas condições históricas (LEFEBVRE, 2010, p.
52).

Lefebvre prossegue em seu texto na discussão do uso do termo “produção”,


diagnosticando que a cidade é um produto da história, “houve na história uma produção de
cidades assim como houve produção de conhecimentos, de cultura, de obras de arte e civilização
[...] A cidade foi e continua a ser objeto” (Ibidem, p.53). No entanto, o autor vai diferenciar a
formação desse objeto cidade, não podendo mensurá-lo na mesma medida de um objeto, “como
um lápis, esta folha de papel”, afirmando que, essa objetividade da cidade se aproxima do
campo da objetividade da linguagem fazendo, inclusive, uma comparação com o livro escrito.
Mas reparemos que, ao mesmo tempo em que ele compara, ele diferencia.

Se comparo a cidade a um livro, a uma escrita (a um sistema semiológico), não tenho


o direito de esquecer seu caráter de mediação. Não posso separá-la nem daquilo que
ela contém, nem daquilo que a contém, isolando-a como se fosse um sistema
completo. [...] A totalidade não está presente imediatamente nesse texto escrito, a
Cidade. Há outros níveis de realidade que não transparecem (não são transparentes)
por definição. A cidade escrita e prescrita, isto quer dizer que ela significa: ela ordena,
ela estipula. O quê? Cabe à reflexão descobrir. Esse texto passou pelas ideologias; ele
as reflete também (IBIDEM, p. 53, 54).

Assim sendo, a produção da cidade não pode estar isolada do contexto histórico ao qual
ela está inserida. Pois se ela é uma obra de diversos agentes históricos e sociais, ela é fruto de
agenciamentos, a realidade social implica formas e relações. As formas, funções e estrutura
urbana se interpenetram na constituição da cidade, o autor referenda essa posição ao legar a
história das cidades e seu contexto espaço-temporal. O texto urbano, para Lefebvre, pode ser
lido pelas desestruturações e reestruturações que se sucederem no tempo e no espaço.
29

Atos e agentes locais marcaram a cidade, mas o mesmo fizeram as relações


interpessoais de produção e de propriedade, e por conseguinte as relações entre as
classes e as relações de luta de classe, portanto as ideologias (religiosas, filosóficas,
isto é, éticas e estéticas, jurídicas etc.). [...] Lê-se a cidade porque ela se escreve,
porque ela foi escrita. Entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao
contexto (IBIDEM, p. 60, 61).

A cidade por ser lida como um texto, desde que, a interpretemos pelas tendências e
estratégias políticas, desde que seu contexto histórico não seja ignorado. A maior preocupação
do autor está numa leitura da produção do espaço da cidade desconectado de uma ordem
político-ideológica, apenas pelas ações da imediatice, cotidianas, desvinculadas de uma
intencionalidade que perpasse as estruturas da sociedade. O contexto, para Lefebvre,

[...] aquilo que está sob o texto a ser decifrado (a vida cotidiana, as relações imediatas,
o inconsciente do “urbano”, aquilo que não se diz mais e que se escreve menos ainda,
aquilo que se esconde nos espaços habitados – a vida sexual e familiar – que não se
manifesta mais nos tête-à-tête), aquilo que está acima desse texto urbano (as
instituições, as ideologias), isso não pode ser esquecido na decifração (IBIDEM, p.
61).

Um livro, para o autor, precisa, além, de lido e relido muito bem, ser questionado. Quem
e o quê? Como? Por que? Para quem? Essas perguntas expõem e decretam uma necessidade de
retorno histórico, social, político e cultural, ou seja, o seu contexto.

Portanto, a cidade não pode ser concebida como um sistema significante, determinado
e fechado enquanto sistema. A consideração dos níveis da realidade proíbe aqui como
em outros casos, essa sistematização. Todavia, a Cidade teve a singular capacidade de
se apoderar de todas as significações a fim de dizê-las, a fim de escrevê-las (estipulá-
las e “significá-las”), inclusive as significações oriundas do campo, da vida imediata,
da religião e da ideologia política. Nas cidades, os monumentos e as festas tiveram
estes sentidos (IBIDEM, p. 61, 62).

A tentativa da apropriação do espaço da cidade em sua totalidade, categorizado pelas


diferentes práticas culturais e religiosas, formam identidades e nos permite ler a festa como
produto e produtora de um território. Em cada Festa na cidade, aqui analisadas, mesmo sendo
o catolicismo a religião base da festa, cada uma terá características e dinâmicas sociais,
políticas, econômicas e culturais próprias. Daí mais uma confirmação de que a cidade não pode
ser concebida como um sistema significante, mas vários sistemas ou subsistemas.
As representações sociais, discutida por Kozel (2001), na leitura de imagens a partir do
conceito de enunciado de Bakhtin, dialoga com Lefebvre (2010). À medida que Lefebvre afirma
haver um “modo de viver e habitar o urbano” criando um sistema de linguagem próprio dos
30

citadinos: a vida urbana. Nesse contexto, a vida urbana, nas suas heterotopias, é uma tentativa
de desconstrução estrutural, ou seja, um rompimento com as instâncias políticas que buscam
enquadrar os sujeitos sociais nesse modelo rígido de vida na cidade. É a apropriação do tempo
e do espaço na intenção de frustrar as dominações. O urbano pode ser lido como a luta constante
dos citadinos em não se rotinar dentro de uma história pronta, mas são eles que constróem a
história nas suas relações cotidianas. A festa é um fenômeno espacial, que na cidade encontra
seu maior potencial de expansão, seja pela lógica política ou pelo excedente econômico. A festa,
espetacular ou espetacularizada13 permite aos citadinos uma nova relação com seu cotidiano.
A Festa constitui-se como um lugar-território, perspectiva essa pautada na consolidação
da ideia de Haesbaert (2014), onde as categorias de análise se interconectam através do conceito
(ou categoria) principal de análise, o espaço geográfico. Assim, o lugar e o território estão
imbricados e, em nossa análise sobre a festa, indissociados. Assim, caracterizamos esse lugar -
cheio de signos e afetividades – território - repleto de representações sociais vinculadas as
diferentes relações de poder local - um espaço agregador, onde se manifestam distintas
corporeidades e novos significados. A partir da construção individual e coletiva, diversas
representações são apresentadas no contexto da festa em sua organização espacial.
Acredita-se, portanto, que a Festa constitui-se como uma produção do cotidiano como
afirma Guarinello,

[...] uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar definidos e especiais, implicando
a concentração de afetos e emoções em torno de um objeto que é celebrado e
comemorado e cujo produto principal é a simbolização da unidade dos participantes
na esfera de uma determinada identidade (GUARINELLO, 2001, p. 972).

Identidade essa, forjada no contexto da disputa pelo sentido da Festa 14 e pela narrativa
que se quer construir a partir da mesma. Sendo assim, a Festa não romperia com o cotidiano,
mas, tornar-se-ia parte integrante e fundamental.

13
Importante ressaltar aqui, que para nós, a festa é espetacular em quaisquer hipóteses. No entanto, a sua
espetacularização é marcada pela mercantilização no modo de apropriação e reprodução econômica e política da
mesma.
14
Os diferentes sentidos da festa têm sido analisados por diferentes autores do campo das ciências sociais. Para
Duvignaud (1983), as festas se dividem em festas de participação e de representação, as primeiras congregam a
comunidade, já as de representação, separa os protagonistas da trama festiva e os espectadores. Embora
discordemos dessa diferenciação, já que acreditamos numa lógica dialética festiva, onde os espectadores também
são protagonistas na festa, é importante assumir aqui a importância do autor no debate dos sentidos da Festa.
Importante destacar que, no campo geográfico, Corrêa (2004) ao escrever sobre o dinamismo das práticas culturais,
afirma a condição de disputa pelo “ato de festejar de múltiplos sentidos”, cujas conexões são efetuadas pelas mais
diversas ordens, já que o objetivo seria mediar conflitos e alianças (no caso da autora, a Festa da Irmandade da
Boa Morte)na busca pelo domínio sobre o discurso da festa.
31

[...] a Festa constitui um cotidiano, um cotidiano extraordinário. Momento de


efervescência coletiva, onde os sujeitos incorporam suas subjetividades e as
exteriorizam na materialização de suas ações. É Festa, é Fé, é Cultura, é Devoção, é
Identidade! São práticas culturais/religiosas alinhavando o contexto cultural e
identitário num território efêmero, mas fundante da tradição e da narrativa que se quer
permanecer sobre todas as outras [...](CAXIAS, 2017b, p. 5797).

Ou seja, mesmo que a Festa ocorra apenas uma vez ao ano, ela compõe um calendário,
uma rotina. Assim sendo, a festa constrói sentidos, e reafirma identidades. É um território,
porque “territorializa os espaços em que elas incidem ou ocorrem”(ALMEIDA et al, 2016,
p.356), é um lugar, porque carrega em seu construto a relação afetiva, de pertencimento, o
espaço torna-se lugar a medida que o dotamos de valor (TUAN, 1983).
Diversos autores irão discutir a festa como rompimento do cotidiano, Côrrea faz uma
sistematização dessa condição:

[...] a festa emerge desta forma, como propiciadora de uma ‘despossessão’ dos papéis
sociais, como aponta FERREIRA (2002; p. 12). Esta ótica é partilhada por diversos
autores como: DAMATTA (1997), a festa como desconstrução da ordem; CALLOIS
(1950) a festa como propiciadora do retorno ao caos original; BUTTITTA (1997) a
festa como religare com o que é divino; COX (1971), a festa como orgiáco, que possui
caráter de orgia, um desperdício, o que em DUVIGNAUD (1977) será denominado
de dondurien, o dom do nada (CORRÊA, 2004, p.34).

No entanto, para Corrêa (Ibidem), a discussão se dá na esfera espacial. A mesma aponta


Claval (1999) para refletir sobre “a importância das festas para determinadas sociedades,
justificando dessa forma, organizações espaciais específicas, verdadeiros geossímbolos
(BONNEMAISON, 2002), que marcam no espaço o tempo festivo do corpo social”. Analisando
a discussão em Di Méo (2001), Corrêa afirma:

[...] a festa, diante desta perspectiva geográfica, permite descobrir signos espaciais (os
geossímbolos) que estabelecem desta forma, um vínculo, tecido a partir de uma
identidade entre o grupo social que festeja e o espaço. Esta identidade passa a ser
construída no processo de atribuição de valores, políticos, ideológicos, afetivos,
condição básica para a territorialização do espaço. Redefinindo, por sua vez, a partir
desta identidade, a essência desta, como uma luta pelo poder, significada pela e na
conceituação do espaço, delimitando fronteiras que semiografam o território
(CORRÊA, 2004, p. 35, grifos nossos).

Se a é festa pode ser interpretada, através da nossa leitura de Lefebvre (2010), como
uma heterotopia na desconstrução da ordem imposta, ao mesmo tempo em que não rompe com
a categoria da vida urbana estabelecida; por Corrêa (2004, p. 36) como disputa pelo território,
por meio de um discurso narrativo, onde “o ato de festejar, ensejando a constituição de
territorialidades que irão delineiar o território, um território encarnador da cultura”, delimitando
32

o espaço social da festa; e por Gwiazdzinski (2011, p.337) que afirma que os principais
“caracteres da festa expostos são: calendário, evento, memória, cerimônia, comemoração,
periodicidade, festejo e distração” defendemos aqui, que a Festa constitui um Cotidiano
Extraordinário. Mesmo que a festa rompa com a ordem social vigente, ela não rompe com o
modelo da vida urbana estabelecida, ela agencia sua produção e reprodução no campo das
relações sociais, políticas, econômicas, religiosas e culturais. Os sujeitos sociais se
desterritorializam de um cotidiano ordinário e se reterritorializam no cotidiano extraordinário
da festa, os que comungam daquele momento e também os que não comungam. Os primeiros
vivendo, percebendo e concebendo a festa, os segundos tentando se desarticular da mesma. De
uma forma ou outra, o espaço-tempo da festa se dá em “ritmos, sejam eles cotidianos, semanais,
mensais, sazonais, seculares” (GWIAZDZINSK, 2011, p.338).
Afirmando aqui nossa proposta da festa ser uma constituição do cotidiano, ela se
espacializa de formas diversas e variadas.

A geografia festiva tem suas particularidades, suas razões e seus territórios que
podemos tentar apreender. O evento festivo urbano extraordinário é um objeto híbrido
e fractual que se estende a todas as escalas com certo número de caracteres comuns
que o distingue de outros encontros e eventos quotidianos. Ele é coletivo, público,
misto, sincronizado, estabelece múltiplas parcerias, tem múltiplas origens, é
identitário, laico, mercantilizado,podador e alternativo, excepcional, periódico,
efêmero, cíclico, global, multiescalar, alegre, lúdico e recreativo, charlatão, artístico
e cultural, multissensorial, intenso, trabalhoso, midiatizado, organizado,
profissionalizado e irradiador (GWIAZDZINSK, 2011, p.344, grifo nosso).

Ao longo dessa dissertação, acionaremos essas formas expostas por Gwiazdzink à


medida que sentirmos necessidade, frente às diferenças das duas festas a serem a analisadas.
Vamos à festas!

1.3 Representando as Festas

Conforme exposto, as representações são construídas pelas relações subjetivas e


materiais dos sujeitos, expostas na reprodução simbólica de suas práticas culturais e religiosas.
São as pessoas que compõem a festa que dão sentido a ela e fazer se perpetuar na memória e
33

no cotidiano. Buscaremos etnogeograficamente15, descrever densamente as festas de São Jorge


e de São Pedro a fim de elucidar as práticas que as compõem.

1.3.1 Viva São Jorge!

Trazendo a verdade, a paz e a justiça/ proteção eu peço para este santo;/ São Jorge
Guerreiro esteja comigo livrai-me do mal,/ também dos desenganos;/ Faça que eu viva
com força e saúde,/ me dê uma vida de amor e de sorte;/ Visto sua capa e sua lança
de prata/ meu bom Padroeiro se chama São Jorge. (Mauro Ribeiro Junior).

A devoção a São Jorge, na cidade em tela, inicia-se em 1925. Um grupo de devotos


requerem uma celebração em honra ao santo, todos os meses no dia 23, e segundo Almeida e
Bouças (2015, p.5/ Jornal O Fluminense), com “uma grande homenagem no mês abril”.
Em fevereiro de 1926, alguns fiéis reunidos resolveram fundar a Devoção de São Jorge.
No dia primeiro de março de 1926, em reunião realizada na Rua General Andrade Neves nº 19,
no centro da cidade, era eleita a primeira diretoria da Devoção, que teve como provedor
Custódio José Barbosa.
Em 1929 a Igreja católica adquire um terreno na Rua Floresta, atual Rua Alcídes
Figueiredo, e ali se constrói o templo em devoção ao santo guerreiro que seria administrado
pela Irmandade de São Jorge. A igreja é parcialmente construída em 1930, com estatutos
aprovados em 1943 e oficialmente inaugurada em 23 de abril de 1938. Em 2009 a Irmandade
se extingue e a igreja ganha posto de capela e passa, hierarquicamente, a pertencer a Catedral
de São João Batista.
Nos seus 92 anos, a festa atrai muitos devotos, chegando atingir em 2010, um público de
cem mil devotos segundo Moraes (2010, p. 5/ Jornal O Fluminense). Por ser feriado no estado
do Rio de Janeiro - pela lei Nº 5198 de 5 de março de 2008 - os devotos circulam pela cidade
sem os impedimentos do cotidiano ordinário, o objetivo do dia é reverenciar o santo guerreiro.
Em Niterói a cidade se colore, torna-se vermelha e branca, seja pelos corpos dos devotos
vestidos de vermelho e branco, seja pelo momento solene da procissão que anuncia a passagem
do santo (Fig. 3 e 4).

15
Para Claval (1999, p. 71 e 72) a maior dificuldade do procedimento de análise etnogeográfico é a “comparação
entre diferentes culturas”, e propor a articulação entre “a representação do domínio estudado” e a “interpretação
dos dados recolhidos”.
34

Figura 3 – Momento da Procissão

Fonte: A autora, 2016.

Figura 4 – Devotos vestidos de vermelho.

Fonte: A autora, 2015.

Descrevendo a festa cronologicamente: às cinco horas e trinta minutos da manhã do dia


23 de abril há devotos na porta da Capela de São Jorge (Fig. 5). O Padre reza uma missa interna,
junto a todos da organização, em seguida, aproximadamente quinze minutos depois, abre-se a
porta da Igreja para todos adentrarem.
Às seis horas da manhã ouvem-se os fogos de artificio (Fig. 6). Após quinze minutos de
fogos, em homenagem ao santo guerreiro,a banda da polícia militar (Fig. 7) presta seu preito a
São Jorge. Após a banda inicia-se a primeira missa campal do dia às seis horas e trinta minutos
(em casos de chuva, a missa é realizada dentro da capela). Ao longo do dia da festa são
realizadas seis missas campais. (Fig. 8).
35

Figura 5 - Devotos às 5h30 na porta da Capela

Fonte: A autora, 2016

Figura 6 - Fogos às 6h – Salve Jorge em Niterói!

Fonte: A autora, 2016.


36

Figura 7 - Banda da Polícia Militar tocando na festa de São Jorge.

Fonte: A autora, 2016.

Figura 8 - Programação da festa do Glorioso São Jorge

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015

Fonte: A autora,2015
37

Ao longo do dia, ao fazermos a observação de campo, foi possível encontrar uma


diversidade de práticas culturais religiosas. Tais como, saquinho da sorte (Fig. 9), pagamento
de promessas - recebemos um chaveiro, como presente de um devoto a São Jorge (Fig.10), pães
abençoados por Jorge (Fig. 11), pessoas que levam a imagem do santo para receber a benção
do padre (Fig. 12), o ato de acender vela para o santo (Fig. 13), entre outras. Essas práticas
reforçam o sentido de reprodução das relações sociais produzindo um espaço social,
constituindo lugares e territórios da festa.

Figura 9 - Saquinho da sorte

Fonte: A autora, 2016

Figura 10: Chaveiro recebido durante a festa por um devoto

Fonte: A autora, 2017


38

Figura 11- Pães de Jorge

Fonte: A autora, 2017

Figura 12 - Devotos que levam a imagem de São Jorge para serem


abençoadas pelo padre.

Fonte: A autora, 2016

Figura 13 - A devoção em meio a luz: o ato de acender velas.

Fonte: Fotografia feita por André de Lima Alvarenga, 2017


39

Ao longo do dia é possível observar, na área ao entorno da Capela, grande movimento


e circulação de pessoas vestidas de vermelho e branco, cores que representam São Jorge, ou
com camisas estampadas com a imagem do santo guerreiro.
Em dois anos de observação participante, 2016 e 2017, descobrimos que no meio do
burburinho da área central de Niterói, onde localiza-se a capela de São Jorge vinculada a
Arquidiocese de Niterói, há também uma capela (Fig. 14) em homenagem ao santo dentro do
12º batalhão da Polícia Militar. Às 10h da manhã, realiza-se uma missa campal (Fig. 15)
dedicada ao santo.
Figura 14 - Capela de São Jorge no 12ºBPM

Fonte: A autora, 2017

Figura 15 - Missa campal no 12º BPM

Fonte: A autora, 2017


40

Finalizada a missa, em ritmo da renovação carismática16, aguarda-se o início de um


cortejo. Há uma procissão terrestre, que, inicia-se à frente da capela e trajeta-se no entorno do
batalhão, voltando para capela. Com toda a pompa, São Jorge (fig. 16), o guerreiro que vai a
frente para proteger os seus, simbolicamente, protege o 12º batalhão da Polícia Militar em
Niterói, seus policiais e seus familiares.

Figura 16 - São Jorge na capela do 12º BPM e no carro para iniciar o préstito no entorno

Fonte: A autora, 2017

Após a procissão do batalhão, voltamos para a área central de Niterói, onde fica a capela
de São Jorge vinculada à arquidiocese. Nesse período foi possível observar como os bares ficam
cheios, a circulação de pessoas também fica bastante intensa, principalmente após as 15h, pois,
às 16h, última missa do dia, forma-se o cortejo para a procissão que se iniciará às 18h. O séquito
(Fig. 17) possui um traçado histórico, que permanece até os dias atuais, percorrendo as
principais ruas do centro da cidade.

16
A Renovação Carismática Católica, ou o Pentecostalismo Católico, como foi inicialmente conhecida, teve origem
com um retiro espiritual realizado nos dias 17-19 de fevereiro de 1967, na Universidade de Duquesne (Pittsburgh,
Pensylvania, EUA). <https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/renovacao-carismatica-catolica/> Acesso
em: 27 mar 2018.
41

Figura 17 - A procissão pelas ruas da área central da cidade de Niterói.

Fonte: A autora, 2016

A primeira parada acontece na catedral de São João Batista, hierarquicamente superior


à capela; a segunda parada, na capela de Nossa Senhora da Conceição. A segunda parada é um
evento festivo, dentro da festa,um clímax. Nossa Senhora da Conceição, a frente de São Jorge,
entra pelas escadarias da capela e ali vira-se para a rua, e aguarda o momento da chegada de
São Jorge para homenageá-la. Muitos fogos e muita emoção. Um momentosincronizador
(GWIADZINSK, 2011, p.344), pois “propõe à população17 daqui (Niterói) e de outros lugares
(principalmente, São Gonçalo) ‘fazer cidade’, ‘território’, ‘sociedade’ e ‘família’ num espaço
preciso, durante um tempo limitado e sobre um tema particular”; é identitário, pois “celebram,
ao mesmo tempo, a memória, a identidade e o renovado pertencimento à cidade” (Ibidem).
Após o momento solene frente à capela de Nossa Senhora da Conceição, retorna-se para
a capela de São Jorge. Despedimo-nos desse glorioso dia, na disputa para conseguir uma das
rosas ou cravos que ornamentam o andor do santo (Fig 18). É um ato de rememorar, reproduzir
uma memória, uma prática cultural/religiosa, é uma resistência histórica.

17
Durante o ano de 2016, realizamos entrevistas com 25 pessoas ao longo da festa de São Jorge. Nessa entrevista,
uma das perguntas era sobre a cidade de residência dos entrevistados, 60% moravam em Niterói, 20% em São
Gonçalo, 12% no Rio de Janeiro, 4% em Maricá e 4% em Campos dos Goytacazes.
42

Figura 18 - A disputa pelas flores de Jorge

Fonte: A autora, 2016.

1.3.2 Viva São Pedro!

Dia 29 de junho/ É dia de São Pedro/ Salve,salve São Pedro/ Pescador da Galiléia/
Salve, salve São Pedro(Jorge Ben Jor).

Às cinco horas da manhã do dia 29 de junho ouvem-se alguns rojões e fogos de artificio
(Fig. 19). Deixa-se claro (a organizadora) que não é a capela quem os solta, são as pessoas que
celebram o santo e declaram iniciado o cotidiano extraordinário do bairro.

Fig. 19 - Fogos de abertura da Festa de São Pedro em Jurujuba

Fonte: A autora, 2017

Terminado os fogos, ouvem-se os sinos da capela tocarem. Poucos minutos depois a


banda militar da Fortaleza de Santa Cruz da Barra inicia um ritual histórico: acordar a Jurujuba
para a Festa do Santo Padroeiro (Fig. 20). Esse itinerário que a banda faz ao percorrer o bairro
43

tocando é sempre lembrado por Maísa. A organizadora rememora que em tempos mais antigos
a banda do Forte Rio Branco caminhava de seu Forte em direção a capela tocando as cinco da
manhã enquanto a banda da Fortaleza de Santa Cruz fazia o trajeto de seu forte até a Capela
também, o objetivo era acordar todo o bairro a partir dessa alvorada festiva. Era mais que uma
alvorada festiva, era uma tradição devocional de um bairro antes, majoritariamente católico.
Hoje, segundo nossa observação de campo, a banda toca apenas fazendo o trajeto da quadra,
contornando a capela.
Com o passar dos anos, a Festa foi se modificando, mas isso não significa que a mesma
deixou de ser tradicional18. A organização da Festa está nas mãos de Maisa e Hedylamar há seis
anos e o objetivo das mesmas ‘pegarem’ a festa para organizar, tanto a de rua como a do dia do
santo, foi por perceberem que a mesma não estava mais seguindo uma “tradição”19.
Segundo os relatos, narrativas e estórias ouvidas durante visitar a comunidade, a festa
acabava por incomodar os moradores e causava muitas brigas e problemas para a comunidade.
Quem fazia essa festa de rua (o dia do santo sempre foi organizado pela igreja) era um morador
do bairro. Esse morador, segundo relatos ouvidos no campo, apenas se preocupava em lucrar,
dessa forma, o objetivo era de “superlotar”o bairro. O bairro não suporta uma superlotação, pois
tem apenas uma entrada e saída, em casos de emergência torna-se impossível o atendimento. A
quantidade de pessoas era tão grande durante esse período que haviam dificuldades de andar
durante os shows da noite, para sair e chegar na altura do palco havia uma espécie de “canoa-
táxi”, que levava os participantes da Festa do cais (de onde sai a procissão) até a imagem de
São Pedro, onde era um pequeno coreto. Todavia, a festa sempre foi aclamada e julgada, seja
pelos moradores de fora como pelos de dentro.

18
Entende-se por tradicional toda cerimônia ou costume praticado antigamente e que se relaciona com uma
determinada cultura ou história de uma comunidade. O tradicional pode ser manifestado em diversas expressões
artísticas que explicam o cotidiano de uma maneira enraizada na história de um povo
(https://conceitos.com/tradicional/)
19
Entende-se por tradição é o conjunto de bens culturais que se transmite de geração em geração no seio de uma
comunidade. Trata-se de valores, costumes e manifestações que são conservados pelo fato de serem considerados
valiosos aos olhos da sociedade e que se pretende incutir às novas gerações. A tradição, por conseguinte, é algo
que se herda e que faz parte da identidade cultural e social. A arte característica de um grupo social, nomeadamente
a sua música, as suas danças, os seus contos e provérbios, faz parte do que é tradicional, à semelhança da
gastronomia (https://conceito.de/tradicao).
44

Figura 20 - A banda da Fortaleza de Santa Cruz na alvorada Festiva

Fonte: A autora, 2017

Após esse momento solene e tradicional, segue-se para a primeira missa do dia, às seis
horas da manhã. Missa com a capela lotada de fiéis (Fig. 21), afinal, é dia de celebrar. Após a
primeira missa abre-se uma janela temporal, somente às nove horas da manhã ocorrerá a
próxima missa solene que é campal, seguida pela tradicional procissão. Mas nessa janela, o
santo ornamentado ainda não está na sua capela, ele vem sendo carregado (Fig. 22) da casa do
devoto que se comprometeu em adorná-lo. Em seu andor, São Pedro é levado em um esforço
de fé e respeito, para sua casa, que é a capela, onde é recebido com o tocar dos sinos da mesma.
Às nove horas o santo sairá para a missa campal (Fig.23).

Figura 21- Primeira missa do dia

Fonte: A autora, 2017


45

Figura 22- São Pedro sendo levado para sua Capela após ter sido ornamentado.

Fonte: A autora, 2017

Figura 23 - Missa Campal na Festa de São Pedro

Fonte: A autora, 2016

Encerrada a missa campal, o cortejo inicia-se. O santo é levado em seu andor até a porta
da Capela, mais uma vez ouvem-se os sinos. Faz o retorno pela quadra, ao lado da capela,em
seguida segue em procissão terrestre até o cais onde,é colocado em seu barco (Fig. 24),
totalmente ornamentado para começar o maior evento marítimo do Estado do Rio de Janeiro: a
procissão marítima de São Pedro dos Pescadores de Jurujuba. O barco percorrerá toda a enseada
de Jurujuba geossimbolizando, neste trajeto terrestre/ marítimo a semiografia do lugar-
territórioda festa na cidade de Niterói.
46

Figura 24 - São Pedro sendo levado para o barco para iniciar a procissão marítima

Fonte: A autora, 2015

Esse itinerário que a procissão realiza denota não apenas um agradecimento, mas
assume também uma condição política de legitimar a devoção do bairro na cidade. Esse
percurso territorialidade semiografa na cidade de Niterói “um território que transporta a
produção dos símbolos, como uma forma de controle cultural, religioso e politico” (CORRÊA,
2004, p.17). Desta forma, admite ser uma atividade simbólica que fortalece a identidade dos
participantes (BONNEMAISON, 2012) e também exerce uma ação de controle sobre outros
significados existentes no bairro.
Jurujuba não é mais um bairro majoritariamente católico, informação essa dada pela
organização da festa, mesmo assim, o catolicismo continua a exercer uma grande influencia no
bairro. Castells (1999, p.22) considera identidade, como “o processo de construção de
significado com base em um atributo cultural”, rememorando Sousa (2010, p. 87) que afirma
que “a memória festiva por serfruto de uma disputa de sentidos, negocia e elege as narrativas
válidas sobre a biografia de um espaço”, poder-se-á considerar em São Pedro que, mesmo o
bairro não sendo mais majoritariamente católico, o atributo cultural que foi a base da identidade
histórica do bairro (Pesca, Fé e Festa20) prevalece sobre outras formas de significado (o
protestantismo, por exemplo, religião que muito tem crescido no bairro, segundo a organização
da Festa de São Pedro).

20
Caxias (2017a) emprega, em seu trabalho de conclusão de curso do bacharelado em Geografia, essa tríade como
percurso histórico para analisar e compreender as dinâmicas sócio-espaciais do bairro de Jurujuba.
47

A identidade neste sentido é sustentada por um conjunto de práticas e ações individuais


e coletivas que fortalecem as relações sociais, culturais, econômicas e políticas de um
determinado grupo social.
A identidade se constrói, então, pelas histórias de vida das pessoas e famílias, pela
história de grupos, comunidades e países; pelas coisas próprias que são produzidas em
cada lugar, por exemplo, como se planta, como se colhe, como se pesca, como se cria
os filhos, como se come, como se fala.
A identidade é, permanentemente, construída e vivida no dia a dia, produzindo e até
mesmo renovando o saber fazer bolsas e cestos de palha de junco e taboa, redes,
tarrafas e covos, uma boa moqueca; saber o tempo de colher a mangaba, limpar os
coqueiros e colher seus frutos... Esses são exemplos de atividades corriqueiras, mas
que, quando praticadas como referências das comunidades, mostram suas identidades
culturais. A identidade é, pois, afirmada pela cultura e pela história, ou seja, pela
memória individual e coletiva daqueles que produzem dando significado às suas
vidas(DOURADO, VARGAS, SANTOS (org.), 2015, p. 8 e 9).

A procissão marítima (Fig. 25) é uma prática cultural/religiosa que se traça na Baía de
Guanabara, percorrendo toda a enseada de Jurujuba, compreendendo os bairros de Jurujuba,
Charitas, São Francisco, Icaraí, Ingá, Boa Viagem (onde passa pelo Museu de Arte
Contemporânea) retornando a Jurujuba pela Fortaleza de Santa Cruz da Barra imprimindo na
paisagem um novo cenário na cidade. Um cenário efêmero delimitando um território que se
propõe a preservar uma memória social e cultural da cidade: a devoção a São Pedro.
Bonnemaison (2012, p. 292) afirma que o geossímbolo é “um lugar, um itinerário, uma extensão
que, por razões religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos
assume uma dimensão simbólica que os fortalece em sua identidade”, a procissão marítima
pode ser considerada um geossímbolo a partir dessa conceituação. O percurso assume essas
dimensões simbólicas e se coloca como clímax dessa comemoração, observou-se durante a
pesquisa a preocupação para que “se nada der certo” a procissão não pode deixar de acontecer
demonstrando a importância dessa prática para o grupo. Não somente a procissão, que é um
itinerário, a Capela de São Pedro (Fig. 26) durante o período da Festa é iluminada, assim
atuando como geossímbolo fixo ao forjar a semiografia do território-lugar da festa de São Pedro
em Jurujuba.

Figura 25- Procissão Marítima

Fonte: A autora, 2016


48

Figura 26 - Capela Iluminada

Fonte: A autora, 2016

Após a procissão marítima que dura aproximadamente duas horas, volta-se com o santo
para a Capela em cortejo. Agora o mesmo está vazio e poucas pessoas o seguem (Fig. 27).
Interessante pensar o porquê do retorno nessa procissão ser bastante reduzido. O que
buscaremos explicar no texto.

Figura 27 - Retorno da Procissão Terrestre

Fonte: A autora, 2016.


49

A procissão marítima fazia parte de uma tradição coletiva dos pescadores no Rio de
Janeiro, as colônias se uniam para a realização da procissão em homenagem ao santo. Em 1921,
a colônia Z11 foi inaugurada no Saco de São Francisco, na então Jurujuba21. A partir dessa
inauguração, segundo relatos do jornal, começaram a união das colônias para celebrar o dia 29
de junho. Observem a notícia do Jornal “Grandes festas nas enseadas de Jurujuba e de
Botafogo” (Fig. 28), no texto da reportagem ressalta-se que “às sete horas será celebrada missa
na capela do Sacco de S. Francisco seguindo uma procissão marítima que partirá da respectiva
enseada em destino a de Botafogo”. Essa tradição permanece, no entanto são alguns pescadores
que a mantém. Quando a procissão, atualmente, chega à altura do Museu de Arte
Contemporânea de Niterói, em Boa Viagem, a procissão de São Pedro retorna a Jurujuba pela
Fortaleza de Santa Cruz da Barra, mas os outros pescadores em seus barcos seguem no sentido
do bairro da Urca na cidade do Rio de Janeiro.
A organização afirma que não faz mais sentido ir até o Rio de Janeiro, não existem mais
as colônias que recepcionavam e abençoavam, por meio de uma missa, os pescadores, criando
um vínculo de celebração e fé. O “ir por ir” não faz sentido para Maisa, organizadora da festa.
Dessa forma, o barco com o santo e mais três ou quatro barcos, retornam juntos. Acreditamos
que esse seja um dos motivos da procissão terrestre de retorno ser menor.

21
Caxias (2017a) faz uma reconstituição do território de Jurujuba nos anos 1857, 1914 e 1920, a partir dos mapas
disponibilizados pela Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional, e pelas informações do Jornal O Fluminense. Dessa
forma, mostra que Jurujuba correspondia a uma área muito maior a que hoje se comporta.
50

Figura 28 - O Dia do Pescador – 28 de junho de 1923

Fonte: Acervo do Jornal O Fluminense da Biblioteca Nacional

Ao chegar à capela, após a volta da procissão, São Pedro é posicionado ao lado do altar
para que os devotos o vejam e façam seus agradecimentos e promessas. Logo em seguida
celebra-se o terço. A tarde tem momentos culturais, como a banda do quartel que faz
apresentação, além das barracas típicas e gourmetizadas que enriquecem a Rua da Igreja e
também dão o seu sentido a festa.
Às dezenove horas é realizada a última missa do dia, em seguida a tradicional queima22
do quadro de São Pedro (Fig. 29). Por que a queima é tradicional? A organização não sabe
explicar, mas se é tradição, que assim seja realizada. É mais uma prática reproduzida em busca
da manutenção da tradição festiva, a queima do quadro por estar inscrita na memória, deve ser
realizada.

22
A queima, na verdade, é uma iluminação no entorno do quadro com a foto do santo.
51

Figura 29 - Queima do Quadro de São Pedro

Fonte: A autora, 2016

A Festa, no ano de 2017, iniciou-se no dia 29 de junho e terminou no dia 2 de julho. O


dia do santo, 29, é o dia mais corrido, com atividades ao longo do dia. Os dias seguintes seguem
com barracas de comida e brincadeiras, às 19h tem missa na capela. Após a realização da
missa,diversos shows que acontecem no palco da FM O Dia (patrocinadora dos cantores).
Assim comemora-se São Pedro em Jurujuba. Há tensões, conflitos, vivências, produção de
sentidos, há regaste da memória de trabalho e desta forma, há produção do espaço.
52

2 A CIRCULARIDADE CULTURAL

[...] o conceito de circularidade é explicitado pelas [...] influencias culturais entre as


diferentes classes sociais, num processo de mão dupla [...] que viabiliza a troca de
experiências e a incorporação destas (experiências) por culturas distintas. (CORRÊA,
2004, p.21, grifos nossos).

O conceito de circularidade cultural em Corrêa (2004) se baseia na leitura de


Ginzsburg(1987) no qual a ideia de cultura está associada a processo e movimento. O conceito
irá sustentar esse capítulo, à medida que, o termo empregado por Corrêa orienta ao
entendimento das singularidades culturais, como possíveis de dialogarem tradições que
convivem em estreita articulação num dado território. Em nosso caso, a festa agencia diferentes
sujeitos e esses, articulam suas práticas culturais/religiosas, como forma de assegurem a
sobrevivência de seus costumes e tradições diante de processo de dominação e de imposição
cultural (religiões de matriz afro-indígena em detrimento da religião católica).
Neste capítulo buscaremos discutir a ideia de fronteiras porosas e discutiremos a
circularidade cultural aplicada nas duas procissões das festas em tela.

2.1 Fronteiras Porosas: o jogo de espelhos São Jorge/ Ogum e São Pedro/Xangô

Nativo da Capadócia (Turquia), São Jorge vence o dragão em Silene (Líbia) e morre
como mártir cristão na época de Diocleciano. É reconhecido entre os católicos como o santo
que defende e favorece a todos os que a ele recorrem com fé e devoção, vencendo batalhas e
demandas, questões complicadas e perseguições, injustiças e desentendimentos (DIAS, 2016).
Ogum, Orixá da luta por excelência, é aquele que vêm à frente (VERGER, 1981). Ogum
significa guerra, Orixá das contendas, deus da guerra, dono do ferro e do fogo, também é um
guerreiro, um lutador que defende a lei e a ordem, que abre os caminhos e vence as lutas, agindo
pelo instinto para defender e proteger os mais fracos (VIANNA, 2016).
As duas características / atributos apresentadas direcionam a compreensão de um
sentido de performance, que irá se propor aqui, pelo viés da geográfica cultural, buscando
representar uma ideia de performance cultural a partir das características dos santos.
53

Através da subjetividade dos atributos apresentados (guerreiro, protetor, etc.), cria-se a


imagem/figura de um santo e/ou orixá, representando-se e objetivando-se em São Jorge e/ou
Ogum, materializando-se em um discurso de fé e crença, concretizadas na Festa. Nesta
perspectiva, que esses distintos personagens históricos e religiosos forjam uma figura/imagem
a partir de iguais atributos e que através desse discurso performativo de suas qualidades,
controlam, definem e categorizam determinados lugares e territórios culturais/ religiosos.
São Jorge e Ogum denotam em suas características o imaginário do lutador, guerreiro,
vencedor, o que defende seus fieis dos problemas e acossamentos e, como num jogo de espelhos
observa-se uma circularidade cultural (CORRÊA, 2004) entre a Igreja Católica Apostólica
Romana e as religiões afro-brasileiras, o Candomblé e a Umbanda onde os devotos dessas
práticas culturais/religiosas, em São Jorge reconhece os atributos de Ogum e, em Ogum
reconhece os atributos de São Jorge. Ogum representava na cultura iorubana a divindade da
agricultura, qualidade esta que não é reconhecida no Brasil, sendo exaltado na prática
cultural/religiosa afro-brasileira a performance do guerreiro/lutador, que são atualizados (os
atributos) permanentemente nos itans/ lendas, através da orixalidade23.
Desta feita, podemos assim demonstrar nessas performances dos atributos – São Jorge
e Ogum - como diversas culturas que por meio de diferentes práticas culturais/religiosas, por
intermédio do jogo de espelhos estabelecem territorialidades, desenhando, assim, seus
territórios culturais.
São Pedro, pescador chamado Simão Barjonasque levava riqueza para sua família
através do seu trabalho. Casado e residente em Cafarnaum24, Simão conhece Jesus quando lhe
empresta um barco para que Ele evangelizasse aos ribeirinhos, Simão concorda, mas com
desconfiança, até porque ele teve que sair do seu trajeto habitual. No retorno, Jesus, em sua
onisciência, diz-lhe: “lança a tua rede de novo terás o retorno na sua generosidade”. Assim feito,
a rede voltou cheia de peixes, e Simão pede perdão a Jesus pela desconfiança. Jesus o chama
para ser “pescador de almas”25 e o segui-lo como discípulo seu. Simão aceita. Em uma das

23
Embasadas pela perspectiva de Vianna (2016) a orixalidade é o engendramento de narrativas alternativas que
forjam identidades. Esse processo se torna possível por meio da vivência e espacialidades do cotidiano no
território-terreiro de candomblé, assim, as lendas, itans sobre os orixás são passadas de geração em geração por
meio da oralidade e atualizam permanentemente a presença do orixá e dos ancestrais no seio do grupo cultural/
social/religioso.

Cidade localizada no extremo norte do mar da Galileia é reconhecida como “cidade de Jesus”, onde ele fez
24

muitos e grandes milagres e desenvolveu a maior parte do seu ministério.


25
Modo bíblico de referir-se a espiritualidade.
54

missões de Jesus e seus discípulos para os lados de Cesaréia de Filipe 26, perguntou ele aos
discípulos:
Quem diz o povo ser o Filho do Homem?
E eles responderam: uns dizem ser: João Batista; outro: Elias; e outros: Jeremias ou
algum dos profetas.
Mas vós, [continuou Jesus], quem dizeis que eu sou?
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi a carne
e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que estás nos céus.
Também te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra [provavelmente a palavra é kefá,
em aramaico, significa rocha ou pedra] edificarei a minha igreja, e as portas do inferno
não prevaleceram contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus;
e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus. (MATEUS, cap. 16, vers. 13-
19, grifo nosso).

A afirmação de fé de Simão, lhe deu a condição de ser o discípulo ao qual Cristo afirma,
conforme exposto, que suas palavras são garantias de petição e atendimento. Ou seja, crê em
Cristo como filho de Deus, levou a Simão, posteriormente a ser chamado de Pedro, o “poder”
de pedir aqui na terra e Deus resolver do céu. O discurso simbólico aqui pode ser justificado
pela intencionalidade das relações de poder. Pedro passa a ter poder ao se submeter ao poderio
de Deus, reconhecendo-o.
A chave do reino dos céus está com ele. Pedro é considerado o primeiro papa da Santa
Igreja Católica, ao morrer crucificado, pede para virar sua cruz de cabeça para baixo, pois não
se sentia digno de morrer como Jesus.
Xangô, orixá africano vinculado a riqueza (lembremos que Pedro era um pescador
“empresário”) e tem como símbolo a pedreira. Xangô está no comando da justiça, podendo,
assim como Pedro, decidir o que é justo ou não justo. Assim como Pedro possui o poder de se
manifestar nos céus, Xangô é vinculado a raios e trovões. Em um dos itans, ele fica rico após
ser generoso, e Pedro ganha mais prosperidade financeira após ser generoso com Jesus (mesmo
desconfiando).
Nesse jogo de espelhos, observamos e afirmamos a porosidade cultural existente entre
o cristianismo católico e as religiões de matriz afro-indígena. A cultura circula na porosidade
das fronteiras simbólicas, admitindo uma espacialidade. O espaço social é produto das
contínuas relações sociais, culturais, econômicas e políticas que se vivencia no cotidiano da
sociedade. Berdoulay (2002) frente aos espaços e sujeitos produtos e produtores da
cultura/identidade vai afirmar que

26
Cidade romana situada ao norte do mar da Galiléia, em território não judeu.
55

A noção de espaço permite ao pensamento geográfico um esclarecimento original em


torno das questões às quais nos referimos frequentemente sob o termo cultura. Embora
esse termo seja altamente polissêmico, ele revela uma percepção da diversidade dos
modos de vida, dos costumes, dos símbolos ou das práticas que os seres humanos
utilizam nas diversas esferas de sua vida pessoal ou coletiva. O olhar geográfico nos
indica que essas práticas tem uma dimensão espacial (BERDOULAY, 2002, p.101,
grifo nosso).

Ou seja, a geografia é a ciência capaz de compreender as práticas sociais que


norteiam a Festa e são norteadas por ela,por uma perspectiva da totalidade e pela sua
espacialidade, desde que não ignore a cultura, a identidade, a memória e o próprio território.

2.2 A Procissão

2.2.1 A resistência do traçado da devoção: Ogunhê!!

O momento da procissão, configurado pelas suas fronteiras porosas, efeito da


circularidade entre diferentes práticas culturais/religiosas engendradas no mesmo território,
constrói uma territorialidade singular. Buscamos nesse subcapítulo descrever de maneira mais
detalhada cada momento da procissão, embora já tenhamos, superficialmente, descrita no texto.
A procissão terrestre, ato solene católico em reverência ao santo, percorre as principais
ruas do centro da cidade antiga de Niterói (fig. 30). Ela é iniciada após a última missa do dia
23 de abril às 18h. À frente do séquito, a imagem de Nossa Senhora da Conceição é levada em
um andor enfeitado com rosas brancas e em seguida São Jorge, ornamentado com cravos
vermelhos, saindo de sua Capela, perpassa entre os devotos que se aglomeram e anseiam pela
passagem do santo para reverenciá-lo.
Colocado ao alto de um carro de Bombeiros, segue em meio a procissão. Adentra a Rua
Marechal Deodoro, a principal rua de saída dos ônibus intermunicipais em direção à ponte
Niterói-Rio e Alameda São Boaventura. A rua fica interditada para a procissão passar. Num
acordo entre Igreja e a prefeitura, as ruas não são mais cerradas todo o tempo da procissão, mas
são fechadas e abertas à medida que a procissão passa.
56

Figura 30 – Mapa elaborado a partir do Google Maps com o trajeto da procissão terrestre, no centro da cidade de
Niterói, em reverencia a São Jorge

Fonte: A autora, 2017.

A primeira parada solene do cortejo é na Catedral de São João Batista (Fig. 31),
responsável pela Capela de São Jorge. É possível observar que muitos esperam a procissão na
porta da Catedral e dali vão acompanhá-la.

Figura 31- Primeira parada solene, Catedral de São João Batista

Fonte: A autora, 2016

Inclusive, desse ponto simbólico, um homem com a indumentária do senhor Zé Pilintra


se destaca da multidão (Fig. 32). Zé Pilintra é uma figura que reporta toda a uma
multidimensionalidade do espaço e das práticas espaciais e do processo diaspórico. Borges
(2009, p. 91) fundamentada na teoria da literatura pós-colonial se propõe a discutir “como um
57

sujeito diaspórico, nas suas relações de sobrevivência em uma sociedade carregada de


preconceitos, resultantes dos efeitos da colonização, [...] oriundo do deslocamento geográfico
e cultural, usa-se de sua identidade híbrida para impor seu espaço na sociedade pós-
colonizada”. O processo circular da cultura, proposto por Corrêa (2004) pode ser exemplificado
pela figura de Zé Pilintra, sua história é o retrato do constante dialogo cultural e religioso
presente no território brasileiro: as religiões de matriz afro-indígena.
Para Silva (2012, p. 1086) Exu “representaria, com sua mitologia associada aos reinos
das passagens, das rotas, dos cruzamentos, a possibilidade de continuidade entre o espaço
público e o privado, ou a própria problematização no plano simbólico destas dicotomias”. Ou
seja, na dialética das suas diferentes representações, “Exu fon-ioruba, de caráter fálico, jocoso
e irreverente, e o diabo da tradição católica medieval” (Ibidem), se faz a construção imagética
do personagem Exu.
[...] o caráter agregador e disruptivo de Exu admite vê-lo também como uma
possibilidade de romper ou questionar estas dicotomias. Nesse sentido, meus
argumentos se beneficiam de ideias relativas à circularidade hermenêutica ou cultural,
desenvolvidas por autores como Mikhail Bakhtin (1999) e Carlo Ginzburg (1987),
entre outros.
Outro aspecto importante na abordagem proposta refere-se ao fluxodas continuidades
e das rupturas entre imaginário africano e afro-brasileiro na construção da imagem de
Exu. (Ibidem)

Podemos observar que Silva (2012), para compreender a dinâmica do “Exu do Brasil”,
irá se fundamentar nas ideias de Ginzburg (1987) assim como Corrêa (2004) ao acionarem o
termo do círculo bakhtiniano juntamente com a proposta cultural de Ginzburg. Assim,
observamos que há, nessa hibridização da identidade de Exu um desdobramento material desse
imaginário cultural e religioso, baseado nas trocas culturais que existiram no Brasil desde seu
processo de colonização. O autor vai discutir que, no Brasil, Exu assume diferentes facetas: “no
Brasil, devido à escravidão e à conversão obrigatória ao catolicismo, o Exu assumiu várias
faces, ora prevalecendo seu aspecto de deus mensageiro e ordeiro, ora seu aspecto de trickster
e promotor do caos social.” (Ibidem, p. 1088).
Dessa forma, “segundo o mito, Exu movimenta-se no tempo e no espaço (pelos quatro
pontos cardeais) por meio do bastão que carrega. A encruzilhada, por ser o encontro de todos
os caminhos, é um dos espaços preferenciais para a realização de suas oferendas.” (Ibidem,
p.1100, grifo nosso). Exu também possui, segundo o autor, uma performance feminina na
58

umbanda, a Pombagira27.
Importante destacarmos que a figura de Exu se desenrola nos enredos que norteiam a
cultura popular brasileira. Como o autor destaca, “Exu faz arte, dança no carnaval e se torna
ícone nacional” (Ibidem, p.1104). Ou seja, essa entidade, se materializa no espaço, e em nosso
caso, na Festa de São Jorge. Mas quem é o senhor Zé Pilintra? O famoso “malandro carioca”28:
A categoria social dos malandros, personagens tipificados do início até meados do
XX – capoeiristas, sambistas, freqüentadores de bares e cabarés – permaneceram por
algum tempo em contemporaneidade com suas versões sagradas: os espíritos de
malandros. Esta dupla existência, no que diz respeito à elaboração da memória, é de
fundamental importância para o entendimento que temos hoje acerca desses agentes
[...]. (PIMENTEL, 2011, p. 436).

Na umbanda, o espírito desse malandro, boémio amante da noite e da rua, que


geralmente morre assassinado por faca ou tiro numa briga por mulher, dívida de jogo
ou outro vício, é cultuado como Zé Pilintra. Esta entidade é um tipo de Exu urbano,
das zonas portuárias e das áreas de meretrício, assim como as Pombagiras. Veste-se,
entretanto, com paletó, calça e sapatos brancos e gravata e lenço vermelhos. Sua
vestimenta impecável é uma forma de ludibriar sua condição de pobre e marginal
social e chamar a atenção para si como sujeito que não tem propriamente um lugar na
estrutura social excludente da sociedade brasileira. (SILVA, 2012, p. 1105).

Figura 32 - Senhor Zé Pilintra

Fonte: Fotografia feita por André de Lima Alvarenga, 2017.

27
A Pombagira é um Exu feminino que desafia a ordem patriarcal da sociedade brasileira por meio da não aceitação
da subordinação da mulher aos papéis domésticos tradicionais de esposa e mãe. Como "mulher da rua" e não "da
casa", a Pombagira, no estereótipo da prostituta, questiona o lar, a família, a maternidade e o casamento como as
únicas possibilidades de ação da mulher ou de expressão do feminino. Ela se utiliza da diferença anatómica (pênis
e vagina) associada ao sexo biológico (macho e fêmea) e aos papéis de gênero (masculino e feminino) para
questionar, através da jocosidade e da licenciosidade (como se fosse um "trickster de saia"), o poder social que
instaura as relações de dominação (SILVA, 2012, p. 2100, 2101).
28
Silva (2012, p. 1105) Walt Disney, quando esteve no Rio de Janeiro na década de 1940, foi seduzido pela
imagem de um país festivo, alegre, amante das cores vivas, das comidas apimentadas, exótico e sensual. Produziu,
para representar o Brasil, o "José (ou Zé) Carioca", um papagaio verde e amarelo, falante, alegre, porém
preguiçoso, ou seja, um expert na arte de encontrar um "jeitinho" para sobreviver sem trabalhar, ou o famoso
"malandro carioca”.
59

O Zé Pilintra, encontrado na Festa de São Jorge em Niterói, é devoto de São Jorge. Essa
informação foi obtida por meio de uma conversa com as “ekedis” (quatro mulheres) que zelam
pela entidade, durante todo o seu rito devocional. A constituição da imagem de Zé Pilintra, em
si, já é um exemplo da circularidade cultural que norteia esse capítulo, mas o fato de
encontrarmos a entidade (matriz afro-indígena) incorporada em meio à festa de São Jorge
(Católica) e seguindo um rito de devoção (a procissão) como reconhecimento de seu afeto e fé,
é o melhor exemplo que poderíamos encontrar para sustentar a discussão proposta de Corrêa
(2004). Concordamos com Melo (2017) ao sustentar que a categoria de análise proposta de
Corrêa (2004), para analisar o espaço social, a circularidade cultura, constitui

Processo de resistência estabelecido a partir de relações de poder, uma vez que se


contrapõem à cultura hegemônica, criando alternativas que possibilitam a delimitação
de fronteiras, mesmo que porosas, e ainda, em constante movimento, e a constituição
de territorialidades que asseguram a sua identidade constituída no princípio de
alteridade, elemento este que se constituí a partir do agenciamento de valores e
costumes de origem negro-africana que se entrecruzam na realidade sociohistórica e
socoiespacial de tal grupo social [...] (MELO, 2017, p. 4683).

Isto posto, afirmamos aqui, a importância da geografia cultural para compreender os


fenômenos das diversas práticas culturais e religiosas presente no território das festas, é
fundamental a análise multidimensional dos fenômenos em sua tríade. A caracterização de Exu
na figura de Zé Pilantra é resultado da hibridização (resistência) e trocas culturais e religiosa,
que só foram possíveis, dado o caráter poroso das fronteiras que separam os ritos dos negros
escravizados que foram trazidos ao Brasil, os ritos indígenas e os ritos católicos:

Exu é a chave deste diálogo de longa duração entre as cosmologias africanas,


americanas e europeias que, desde o século XVI, fluem umas nas outras. A
demonização do Exu e a "orixalização" do demônio, ou suas mediações, expressariam,
assim, as leituras recíprocas de universos culturais em contato (SILVA, 2012, p.
1109).

Dessa forma, os sentimentos de respeito e despeito se entrecruzam na leitura dessa


entidade. Mas independente dos sentimentos que ela exprime, a entidade Exu exerce um poder
sobre o território brasileiro e no território da Festa, após o término da procissão em homenagem
a São Jorge, é a Exu (Zé Pilintra) que muitos devotos vão abraçar e pedir benção no bar da
esquina da rua da Capela, onde Zé Pilintra se acomodar para beber cerveja.

Desejo, repulsa, fascínio pelo exótico e medo do feitiço são alguns dos sentimentos
que estes "corpos híbridos" passaram a despertar na sua condição simultânea de
marginais sociais (como o Zé Pilintra e a Pombagira) e de reconhecidos agentes da
transformação do mundo por meio de um suposto e privilegiado manuseio de
60

"ferramentas mágicas". Imagens de seres "meio-a-meio" fornecem, portanto, uma boa


metáfora de uma sociedade que se vê como resultante do trânsito transatlântico de
corpos e culturas que modelaram um mundo unido e dividido, único e múltiplo. É,
pois, na capacidade de interagir ou dividir, de provocar o consenso ou o dissenso,
dejuntar os opostos ou separar os pares, de obedecer ou subverter as regras que Exu,
em suas inúmeras faces, exprime o seu poder no Brasil (SILVA, 2012, p. 1109, 1110).

Com todo o imaginário e poderio, Zé Pilintra está em meio ao préstito que se detém na
catedral, muitos fogos disparam e a música cessa. Em ato de regozijo ouve-se aplausos ao final
dos estouros dos fogos e a procissão segue para a segunda parada solene, na Capela de Nossa
Senhora da Conceição.
Neste momento, a imagem de Nossa Senhora adentra as escadarias da Capela, e é
posicionada de frente para a rua (Fig.33), onde é coroada por uma menina vestida de anjo, e
São Jorge se posiciona de frente para a santa (Fig.34), sob uma postura de respeito e júbilo.
Muitos fogos são disparados, tornando vermelha a cena citadina. Os sinos dobram e o povo
louva, trazendo aos fiéis a vivência de um momento de encontro, reverência e fé. Há emoções
por toda a parte, a prática cultural /religiosa penetra em cada recanto da vida do grupo social/
religioso, mediando as relações ali presentes, significando o momento festivo. Viva a
performance de São Jorge, viva a performance de Ogum!

Figura 33 - Nossa Senhora posicionada para ser homenageada

Fonte: A autora, 2016


61

Figura 34 - São Jorge reverencia Nossa Senhora

Fonte: Fotografia feita por Aureanice de Mello Corrêa, 2016

Com muitas palmas e olhos lacrimejantes de emoção, após o encontro com o sagrado
na segunda parada solene, clímax da procissão, o cortejo retorna pelas ruas do centro da cidade
em direção a Capela de São Jorge. Neste retorno é notável a quantidade de bares, cheios de
devotos, vestido de vermelho e de vermelho e branco, e quando o préstito passa em frente a
esses botequins e bares há um silêncio respeitoso e muitos seguram o copo de cerveja em sinal
de reverencia e respeito. Dessa forma, aguardam a procissão seguir e voltam a beber.
Ao chegar à Capela os cravos que adornavam o santo guerreiro são disputadas pelos
devotos. A busca pelo sentido de ter o objeto/ signo sagrado para sacralizar sua casa, pois as
flores foram ritualizadas pelo cortejo, pelo ato de fé, pelo próprio grupo social comungando
com o santo/ orixá, sob a efervescência coletiva (DURKHEIM, 1989) será protegido por São
Jorge e Ogum.
O itinerário do séquito assume uma dimensão simbólica que, a partir dos atributos
culturais/religiosos ao qual, o cortejo celebra e fortalece a identidade dos devotos, no momento
de unidade em que São Jorge e Ogum performam os atributos de protetor, guerreiro, vencedor
das causas difíceis.
Essa performance cultural que fora apresentada pelo centro da cidade de Niterói, na
Festa de São Jorge a partir dos atributos do santo e Orixá (Ogum), produz discursos que
configuram uma territorialidade. Essa territorialidade esculpe um novo arranjo na cidade, esse
novo arranjo conforma a concepção da disputa e reordenamento territorial tendo como ponto
central as práticas culturais e religiosas lá engendradas. As práticas culturais/religiosas
transformam o cotidiano da cidade, reorganizando seus espaços e construindo novos territórios,
mesmo que efêmeros.
A procissão, geossímbolo da Festa, demarca na cidade a importância das práticas
culturais e religiosas vivenciadas em sua materialidade e imaterialidade, experimentadas e
62

perpetuadas em função de São Jorge, para os católicos e Ogum para os religiosos de matriz
afro-indígena. Mesmo a festa possuindo um caráter efêmero, tem uma composição onde
subsistem relações econômicas, político-ideológicas, simbólicas e afetivas extremamente ricas
(MAIA, 1999:213-214). Desta forma, é fundamental ratificar a centralidade da cultura na
formação das identidades pessoais e sociais, assim, a festa está impregnada de processos
identitários.
Neste sentido recorremos a Hall (1997) que afirma ser necessário reconhecer que os
signos e seus significados são subjetivamente válidos ao mesmo tempo em que estão
objetivamente presentes na sociedade observados em nossas ações, instituições, rituais e
práticas culturais e religiosas.

2.2.2 Geossimbolizando a orla niteroiense: Kawó Kabiesilé!

A Festa de São Pedro dos Pescadores em Jurujuba era mantida pelos próprios pescadores
nas suas origens, no entanto, ao passar dos anos, a Igreja Católica assume a Festa e passa a
conduzir esse espetáculo. Num bairro majoritariamente devoto a São Pedro, essa condução não
era, digamos “difícil”. Existia por parte da comunidade, principalmente dos pescadores, um
apreço por colaborar financeiramente para a realização desta.
O apreço e a consciência da importância simbólica da Festa ainda existem. Segundo
entrevistas realizadas por nós durante o mês de abril de 2016, constatamos algumas respostas
que demonstraram essa consciência simbólica coletiva. A pergunta feita aos moradores foi: “O
que representa a Festa de São Pedro pra você e para o bairro?”
Algumas respostas29:

Fidel, sem religião, morador há trinta anos, responde: “não representa nada”. Mas
afirma: “é tradição em relação à igreja – comemora o padroeiro dos pescadores”.
Condessa, evangélica, moradora há onze anos, diz: “representa distração e lazer, por
se difícil ter outra coisa”. Destaca: “é uma festa simbólica e atrai muitos turistas e
aumento de renda”
Barão, católico, morador há 67 anos, afirma que a Festa representa: “símbolo do lugar,
animação, chama a atenção dos outros, se findar (a festa), acaba o lugar”.
Marta, espírita, moradora há 28 anos, responde que “a festa é um meio de divertimento
por não ter nada além da festa e da procissão”.

29
Os nomes dos entrevistados foram modificados para preservar suas identidades.
63

Alanis, católica, moradora a 58 anos, afirma que participou da festa durante a sua
adolescência, e que a realização da festa já faz parte da vida cotidiana e é sempre bem-
vinda. A festa, pra ela, “ajuda a divulgar a cidade e possui importância religiosa”.
(Entrevistas Realizadas aleatoriamente nas ruas do bairro de Jurujuba, em abril de
2016).

Nesses relatos é nítido o sentimento de afeto que se construiu em relação a Festa,


reafirmamos Guarinello (2001) quando ele sustenta que

Uma festa é uma produção social que pode gerar vários produtos, tanto materiais como
comunicativos ou, simplesmente, significativos. O mais crucial e mais geral desses
produtos é, precisamente, a produção de uma determinada identidade entre os
participantes. A festa é, num sentindo bem amplo, produção de memória e, portanto,
de identidade no tempo e no espaço social. (GUARINELLO, 2001, p. 972)

Voltando dimensão territorial da cultura e da identidade, a procissão simboliza essas


relações sociais, culturais e simbólicas no cotidiano do bairro. Nas falas que ouvimos durante
os trabalhos de campo, ressaltamos: tradição, festa simbólica, lugar, procissão. Essas palavras
demonstram como o discurso identitário orienta estas escolhas, de tornar normal, lógico,
necessário, inevitável, o sentimento de pertencer, com uma forte intensidade, a um grupo. (...)
O discurso tem tarefa de definir o grupo, fazer passar de estado latente àquele de “comunidade”
em que os membros são persuadidos a terem interesses comuns, a ter alguma coisa a
defenderem juntos (MARTIN, 1994, p.23).
Essa memória coletiva se materializa no território através da repetição de práticas
espaciais (culturais e religiosas), neste caso a procissão marítima. Como já observamos, para
Bonnemaison (2012), “um lugar, um itinerário, uma extensão que, por razões religiosas,
políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma dimensão
simbólica que os fortalece em sua identidade é denominado geossímbolo”. A procissão
marítima (Fig.35) em homenagem a São Pedro dos Pescadores de Jurujuba constitui esse
itinerário.
Essa prática cultural/religiosa que se traça na Baía de Guanabara, percorrendo toda a
enseada de Jurujuba, compreendendo os bairros de Jurujuba, Charitas, São Francisco, Icaraí,
Ingá, Boa Viagem (onde passa pelo Museu de Arte Contemporânea) retornando a Jurujuba pela
Fortaleza de Santa Cruz da Barra imprimi uma marca na cidade. A marca do “ato de festejar”
que “enseja a constituição de territorialidades que delineiam o território – um território
encarnador da cultura”. (CORRÊA, 2013). E partir dessa marca o grupo social preserva uma
memória social e cultural. Durante a procissão marítima, observamos que a mesma é vista e
64

revista pelos sujeitos que compõem a cidade niteroiense, sejam as pessoas na orla ou de seus
prédios. Isso reafirma a dimensão territorial da identidade e da cultura. (Figuras 36, 37, 38).

Figure 35 - Procissão Marítima

Fonte: A autora, 2017

Figura 36 - Multidão na orla de Charitas para verem a procissão marítima.

Fonte: A autora, 2016


65

Figura 37 - Pessoas de seus prédios em Icaraí observando a procissão.

Fonte: A autora, 2016

Figura 38 - Pessoas no Museu de Arte Contemporânea observando a procissão.

Fonte: A autora, 2016

Importante destacar que nesse movimento-percurso-procissão terrestre e marítima há


legados de diferentes religiosidades. As velas colocadas entre as rochas (Fig.39), a presença de
uma mulher na igreja, vestida de branco, chamou-nos atenção (Fig. 40).
66

Figura 39 - Velas acesas entre as rochas no bairro de Jurujuba

Fonte: A autora, 2017

Figura 40 - Uma mulher fazendo uso do ojá na Capela de São Pedro

Fonte: A autora, 2017

São Pedro pode ser comparado, na cultura afro-indígena brasileira, com Xangô30. Essas
relações, que já foram comparadas no texto, trouxe-nos uma leitura diferenciada sobre as velas
que foram depositadas nas rochas durante o dia 29 de junho. Morais (2018, p. 224) afirma que
na cidade do Rio de Janeiro, “as formações rochosas da Pedra da Gávea e Corcovado são
verdadeiros santuários para a entrega de oferendas a Xangô”. Dessa forma, é possível
associarmos o oferecer da prática cultural-religiosa de acender a vela, especificamente por entre
as rochas, como uma oferenda ou pedido a Xangô.

30
Xangô pode ser considerado o orixá que mais sincretiza com os santos católicos, podendo encontrar atributos
do orixá com São Jeronimo (MARTINS, IWASHITA, 2017), São João Batista, São José e São Francisco de Assis.
67

Melo (2013, p. 31) ao discorrer sobre os mitos pertinentes as ações de cada Orixá, relata
um mito que expressa uma queixosa “falta de poderes e de atribuições especificas” por parte
dos Orixás a Orunmilá - sacerdote responsável pela consulta com o plano divino através de
diversos sistemas divinatórios denominados de Ifá (BENISTE, 2006 apud MELO, 2013, p. 31).
Após as reclamações, Orunmilá decidiu distribuir para os Orixás, determinados poderes, e que
em um dia específico começaria a cair do Orúm poderes e cada um poderia pegá-los.

No dia marcado. Do alto começaram a surgir sons estranhos acompanhados pelo


movimentado da brisa que pairava sobre todos. Foi nesse instante que os poderes
começaram a cair do Orún. [...] Exu foi um dos mais persistentes e não hesitou em
empurrar quem estivesse perto; por causa disso, pegou grande parte dos poderes; entre
eles, o de ser o guardião do Axé de Olodumarê e o transportador das oferendas votivas.
[...] Xangô, através do que conseguiu apanhar, tornou-se o dono da pedra. Obaluaê
veio a ser o senhor das doenças em especial a varíola; Ossain adquiriu o conhecimento
do uso litúrgico e medicinal das plantas; Orixá Oko tornou-se o senhor da fartura das
colheitas; Ogum ficou com o poder do uso dos metais. Assim cada Orixá recebeu a
sua parte dos poderes do Orún(BENISTE, 2006, p. 65apud MELO, 2013, p.31, grifo
nosso).

Observamos que a ligação entre a prática cultural e religiosa na Festa de São Pedro – a
vela acesa dentro da rocha- retrata sua conexão com o orixá Xangô. Mais uma vez, se faz
presente a leitura proposta por Corrêa (2004) referente à ideia de circularidade cultural, já que,
na festa católica observamos o movimento circular das religiosidades católica e afro-indígena
brasileira.
A mulher na igreja vestida de branco e fazendo uso do ojá ou torso (Fig. 40) nos fez
repensar a discussão da circularidade cultural presente na festa de São Pedro. Durante três anos
de pesquisa, ainda não havíamos observado uma disposição clara de uma religiosidade afro-
indígena brasileira durante a festa, mas na festa de 2017, isso mudou. O ojá é um tecido que
serve para cobrir o ori, ou seja, a cabeça das pessoas; e também se enuncia como um signo
hierárquico dentro da religião. Talga e Paulino (2011) discutem as relações entre algumas
regiões em África e os terreiros de candomblé no Brasil, e como o movimento diaspórico trouxe
características marcantes da cultura africana, os tecidos, por exemplo, e a disposição deles
possuem significados, eles revelam elementos que passam desapercebidos para aqueles que não
conhecem: “[...] um seguidor dessa religiosidade que não passou por nenhum ritual de iniciação
deve apenas usar tecidos simples, sem bordados, costuras, rendas ou deixar sua saia armada,
pois esses elementos podem representar até a quantidade de anos de feitura de alguém no santo”
(Ibidem, p.10).
68

No caso do ojá usado pela mulher na igreja, segundo Talga e Paulino

[...] se esse pano estiver com uma das abas levantada, significa que a pessoa tem sete
anos de santo sendo filha de um orixá masculino, caso as duas abas estejam levantadas
isso significa que ela também possui sete anos de feituras pagas ao santo e filha de um
orixá feminino (TALGA E PAULINO, 2011, p. 10).

Após a mulher sair da capela, após a missa, a seguimos com o intuito de perguntar sobre
sua ida a igreja vestida com uma indumentária31 notadamente diferenciada do catolicismo. No
entanto, ao abordarmos a mulher, perguntamos se ela era devota de São Pedro, e ela
prontamente respondeu: “- sim, sou devota de São Pedro. Meu pai. É meu pai Xangô e eu não
poderia deixar de vir aqui, hoje, prestigiá-lo. Embora eu esteja de preceito, pedi permissão a
meu pai (pai de santo da casa) para vir aqui prestar minha homenagem”. Perguntamos se era
de umbanda ou candomblé e a ela respondeu, umbanda. Neste caso, as abas do ojá direcionam
sua feitura em Xangô, e, a cor branca é referente a cor do orixá Oxalá32. Acreditamos que essa
manifestação corpórea, uso da indumentária, mais uma vez ratifica a discussão da circularidade
cultural e religiosa exposta ao longo da dissertação, já que, para a umbandista, estar na capela
(igreja católica), é fundamental para sua devoção, crença.

2.3 Arremates desse enredo

Nesta tentativa de arrematar a ideia de circularidade cultural nas duas festas, nos parece
claro, as potencialidades do debate, seja pelas fronteiras porosas, seja pelos agenciamentos na
construção do dialogo cultural religioso.
Para Melo,
a circularidade cultural, empregada por Aureanice de Mello Corrêa, é uma ferramenta
e/ou uma categoria de análise, elaborada a partir da análise do conflito entre a
Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte com a Igreja Católica. A abordagem
proposta pela autora em âmbito geográfico permite compreender outros fenômenos
sociais, os quais apresentam em sua realidade espacial evidências de territorialidades
distintas que estão em constante agenciamento. (Melo, 2017, p. 4688).

31
É senso comum no Brasil associar o branco a “pessoas de santo”, ou seja, religiosos de religiões afro-indígenas
brasileiras.
32
Essa proposição da cor branca ao orixá Oxalá pode ser lida em “Ritos e Rituais” de Guilouski e Costa, 2012.
69

Essa categoria de análise - a circularidade cultural - esclarece e norteia nosso trabalho,


seja pela construção das representações sociais, imbricadas na lógica dialética da produção do
espaço, seja pela descoberta nosso, de uma fronteira invisível, porosa e dialética presente nas
festas de São Jorge e São Pedro, que se materializa claramente nas duas festas, seja pela
presença da entidade Zé Pilintra, incorporado, seja pela fala dos entrevistados, seja pelas velas
dispostas dentre as rochas, seja pelo uso do corpo como suporte sígnico (CORRÊA, 2004) ou
como o próprio signo.
70

3 DISPUTAS POLÍTICAS E REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Para Guarinello (2001, p. 974) “toda festa uma estrutura de poder [...] que se inscreve
na memória coletiva e individual dos participantes”. Atrelada a discussão sobre relações de
poder na geografia está o território e todos seus possíveis desdobramentos, inclusive disputas
políticas e qual representação social a mesma está se propondo a construir. Qual o discurso a
ser proposto pela fala do padre, dos organizadores, dos folhetos, do manual do tríduo? São essas
questões que buscaremos discutir nesse último capítulo, e dessa forma, mostrar que
multidimensionalidade do espaço pode ser observada no território-lugar da festa.

3.1 A disputa pelo discurso

A Festa de São Jorge na cidade de Niterói envolve vários atores e conforma distintas
espacialidades a partir de determinados discursos. A Capela dedicada ao santo, vinculada a
Arquidiocese, possui sua representatividade histórica na área central da cidade e compõe-se no
calendário da Igreja. Entretanto, foi criada uma capela dentro do Batalhão da Polícia Militar
que possui outra representação no espaço niteroiense, outro território de ‘Jorge’.
Importante destacarmos que o discurso em si legitima uma representação social e é
legitimada por ela.É o discurso, cheio de intencionalidade, que fundamenta um pensamento
social. Halbwachs (2004, p. 54) ao argumentar que “a memória individual não é possível sem
instrumentos, como palavras e ideias, os quais não são inventados pelos indivíduos, mas
tomados emprestados de seu meio” mostra o processo dialógico entre discurso e representação
social. Um legitima o outro em um processo circular. “Movimento dos sentidos, errância dos
sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de
indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual
da palavra. Mesmo o das que não se dizem” (ORLANDI, 2005, p. 10). A partir dessa definição
de Orlandi, podemos identificar que as práticas espaciais são discursos, o movimento do corpo
é discurso. O discurso pode se apresentar de diversas formas e produz efeitos espaço-temporais.
São produtos e produtores das representações sociais.
Dessa forma, podemos considerar que o fenômeno das representações socias
71

[...] constitui uma forma de pensamentosocial que abrange informações, experiências,


conhecimentos e modelos que circulamna sociedade e que são recebidos e
transmitidos pelas tradições, pela educação e pelacomunicação social, o que o torna
presente em todas as áreas da vida humana, não serestringindo aos acontecimentos
culturais ou políticos. Esse é, portanto, um fenômenocomplexo, pois envolve uma
multiplicidade de setores, de práticas sociais, de atividadese de objetos da vida
humana.
As representações sociais indicam a existência de um pensamento social queresultou
das experiências, das crenças e das trocas de informações ocorridas na vidacotidiana
dos seres humanos (MACEDO, PASSOS, p. 3, grifo nosso).

As práticas sociais constituem um discurso da mesma maneira que são frutos de um


discurso. E a partir dessa perspectiva buscaremos tencionar os discursos expostos nas duas
missas a São Jorge na área central da cidade, a da Capela vinculada a Arquidiocese e, da Capela
dentro do 12º batalhão.

3.1.1 A missa e a devoção na Capela de São Jorge

Três dias antes de 23 de abril, a Capela faz o tríduo ao santo padroeiro. O tríduo, segundo
a organizadora da festa de São Jorge, é uma preparação para a comunidade entrar num clima
de oração, para assim saber, dentro da doutrina católica, celebrar melhor aquele dia do santo. O
padre busca todo o tempo deixar claro que o objetivo da Festa não é adorar São Jorge, mas sim
adorar a Cristo através da história de vida de São Jorge. Preza-se no tríduo tratar São Jorge
como uma pessoa que foi importante para a história da Igreja, mas não como fundamental para
a aquisição de bênçãos e vitórias, mais uma vez é frisado a importância do Cristo, São Jorge
intercede, mas não realiza. Dessa forma, o padre refere-se ao santo durante o tríduo ao usar sua
vida como exemplo de fé, esperança e caridade, o chama apenas por Jorge.
Na Capela de São Jorge, o primeiro dia do tríduo é referenciado pela Fé. Faz-se a leitura
da Carta de São Tiago, capítulo 2, versículos 14-16:

[...] 14. De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras?
Acaso esta fé poderá salvá-lo?/15. Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o
alimento cotidiano, /16. e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-
vos, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?/ 17. Assim
também a fé: se não tiver obras, é morta em si mesma./ 18. Mas alguém dirá: Tu tens
fé, e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas
minhas obras./ 19. Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios crêem
e tremem./ 20. Queres ver, ó homem vão, como a fé sem obras é estéril?/21. Abraão,
nosso pai, não foi justificado pelas obras, oferecendo o seu filho Isaac sobre o altar?
/22. Vês como a fé cooperava com as suas obras e era completada por elas./ 23. Assim
se cumpriu a Escritura, que diz: Abraão creu em Deus e isto lhe foi tido em conta de
justiça, e foi chamado amigo de Deus (Gn 15,6)./ 24. Vedes como o homem é
72

justificado pelas obras e não somente pela fé?/ 25. Do mesmo modo Raab, a meretriz,
não foi ela justificada pelas obras, por ter recebido os mensageiros e os ter feito sair
por outro caminho?/ 26. Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé
sem obras é morta (BIBLIA CATÓLICA).

Após a leitura do texto bíblico, segue-se um rápido sermão, no qual o padre reafirma a
importância da vida de Jorge e que devemos seguir seu exemplo, ter fé. A leitura da Carta de
Tiago é o discurso da importância combinada, a fé só será considerada se houver obras
(materiais), e as obras só produzirão frutos (perpetuação simbólica bíblica da multiplicação de
ações) se houver fé. Jorge é lido e interpretado pelo padre como um homem de fé, a obra que
ele teria realizado foi sua luta em favor da Santa Igreja Católica. E essas obras, ou seja, a
perpetuação da Santa Igreja, só aconteceu porque ao lutar ele teve fé. Sua obra vive!
E no final, a oração baseia-se na lógica da fé: “Eu creio que Jesus, pela intercessão de
São Jorge, me atenderá nas minhas aflições, e da mesma maneira, caminharei na vida
fortalecido pela fé em Deus e amparado pela mão firme e poderosa de meu santo protetor, Jorge
da Capadócia. Amém.” (TRÍDUO A SÃO JORGE, 2017).
No segundo dia, o fieis chegam na capela para ouvir a importância da Esperança. Para
justificar o discurso da esperança, faz-se a leitura da Carta de São Paulo aos Romanos, capítulo
5, versículos 1-5:

1.Justificados, pois, pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus
Cristo./ 2. Por ele é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos
gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus./ 3. Não só isso, mas nos
gloriamos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência,/ 4. a
paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança./ 5. E a
esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado (BIBLÍA CATÓLICA).

Após a leitura do texto bíblico, segue-se um rápido sermão sobre a importância do


“cristão ter esperança, pois a esperança conduz a vitória que é dada por meio da Fé”. Mais uma
vez se recorre a vida de Jorge para exemplificar esse texto bíblico, o padre fala todo o tempo
da necessidade do cristão católico compreender que a sua fé precisa estar firmada em Cristo e
a esperança nele, pois Jorge é apena um exemplo a ser seguido. Resgata todo o tempo o
versículo 1, “justificado pela fé por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. Jorge foi um homem
de esperança e seus esforços devem ser compreendidos nessa perspectiva. Após o rápido
sermão, a oração é feita pelo padre:

Quando em minha vida tudo parecer perdido, chamarei por São Jorge e ele dará outro
rumo à minha vida: mudará meu em sorriso, minhas lágrimas em alegria e meu
desânimo em coragem.
73

Quando a tempestade do desassossego e da dúvida levantar um turbilhão em minha


alma, apelarei para São Jorge para que ele esclareça as minhas dúvidas e acalme os
sentimentos de medo e insegurança. E quando o dragão do desespero rugir no meu
coração, confio que há de surgir o cavaleiro da esperança, São Jorge, para vencê-lo e
esmagá-lo, devolvendo ao meu espírito a segurança e a tranquilidade, a alegria e a paz
com Deus e com os homens. Amém (TRÍDUO A SÃO JORGE, 2017).

Importante analisarmos que no livro de tríduo que nos entregue ao chegar à capela, o
texto da oração centraliza-se na figura de São Jorge, mas a missa em si, buscar salientar a figura
de Cristo como centro.
O terceiro e último dia refere-se a Caridade. Lê-se a 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios,
capítulo 13, versículos 1-13.
1. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou
como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine./ 2. Mesmo que eu tivesse o
dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse
toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada./ 3.
Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!/ 4.
A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é
orgulhosa. Não é arrogante./ 5. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios
interesses, não se irrita, não guarda rancor./ 6. Não se alegra com a injustiça, mas se
rejubila com a verdade./ 7. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta./ 8. A
caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o
dom da ciência findará./ 9. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita./
10. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá./ 11. Quando eu era
criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde
que me tornei homem, eliminei as coisas de criança./ 12. Hoje vemos como por um
espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas
então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido./ 13. Por ora subsistem a fé, a
esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade (BIBLIA
CATÓLICA).

Nesse momento,pós leitura da texto biblíco, o padre recapitula os dias anteriores


referentes à Fé e a Esperança, e embasado no texto produz o discurso do amor/ caridade,
conforme Paulo escreveu, “a Caridade é o maior de todos os dons”. Lembra que não importa a
Fé e a Esperança se não tiver Caridade. Pois a mesma precisa estar presente no coração dos
fiéis católicos. Discursa que Jorge foi um guerreiro justo, fiel a Deus e a Igreja, e que tudo que
fez foi porque havia caridade em suas ações. Ao terminar o breve sermão, pois havia reunião
marcada entre os organizadores e colaboradores da festa, o padre ora, junto a igreja:

Meus, Deus, para que eu possa cumprir o grande mandamento: “Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”, permita-me que invoque o auxílio de
São Jorge, meu protetor.
São Jorge, vós que perdoastes o imperador Diocleciano e os carrascos que vos
torturaram e tomastes a defesa dos cristãos perseguidos, ajudai-me a perdoar os que
me ofendem e fazem sofrer injustamente. Ajudai-me a suportar os que me irritam e
esgotam a paciência. Fazei-me mais amável para com meus familiares, para com meus
superiores, meus companheiros de trabalho. Tornai-me mais compreensivo com os
74

meus subordinados, mais caridoso com os pobres, mais generoso com os necessitados,
mais solidário para com os que sofrem.
São Jorge, meu Santo guerreiro, que só fazeis guerra à maldade e à injustiça, não
permitais que o ódio entre em meu coração, mas conservai sempre em mim o amor a
Deus e ao próximo, que é o distintivo dos discípulos de Cristo e o estandarte dos filhos
de Deus. Amém (TRÍDUO A SÃO JORGE, 2017).

Durante a reunião, o padre responsável pela capela cedeu-nos um momento para


entrevista, uma fala nos marcou muito. Ao perguntarmos da importância do tríduo para a festa,
o padre relata que é “uma experiência para católicos, onde a igreja doutrina os seus, já que a
festa recebe diversos tipos de religiosos”. Para o padre há uma necessidade da igreja em
desconstruir a ideia do santo como “fazedor de milagres” e sim demonstrá-lo como mediador
entre os cristãos e a Jesus, ele seria o elo, o intercessor. Essa discussão doutrinária, no entanto,
passa despercebida para aqueles que não conhecem as doutrinas bíblicas, como falamos de um
determinado lugar33, para nós ficou nítido esse processo. Mais uma vez há um discurso em
disputa. Quando discutimos análise discursiva a linguagem é vista como mediação necessária
entre o homem e a realidade natural e social, o trabalho simbólico do discurso está na base da
produção da existência humana (ORLANDI, 2005).
Esse trabalho simbólico se justifica na imagem que a igreja quer atribuir a São Jorge:
um santo que traz amor e caridade, fé e esperança, justo, tolerante. A mensagem do pároco
responsável pela capela de São Jorge é de tolerância religiosa, onde São Jorge é aquele que leva
a paz, que busca justiça, mas sem o intuito vingativo. Desta forma, conhecemos um São Jorge,
que mesmo guerreiro incansável, é justo e ponderado. Assim sendo, a festa é aberta a todos os
sujeitos em suas distintas religiosidades e práticas culturais/ religiosas.

3.1.2 “Os covardes nunca tentaram, os fracos ficaram no caminho, só os fortes conseguiram”:
São Jorge no 12º Batalhão da Polícia Militar

Com o título desde subcapítulo estampado dentro do 12º Batalhão da Polícia Militar de
Niterói (Fig.41), ocorre no meio do gramado local uma missa campal à 10h em homenagem ao
santo protetor dos policiais militares. Ao chegarmos ao batalhão, há dois sargentos na recepção
que encaminham os devotos - que chegam para a missa - a uma pequena sala. São-nos

33
Esse lugar é dado pelo fato da pesquisadora ser formada em curso de bacharel livre em Teologia e estar inserida,
religiosamente, na Igreja Assembleia de Deus.
75

oferecidas camisas estampadas com a foto de São Jorge na frente e nas costas das camisas, os
patrocinadores da Festa (Fig. 42), Guaraná Crac, entre outros. Essas ações que aconteceram na
chegada da festa já traduz discurso, o do não dito, mas produzido e sentido. Há um “uniforme”
para igualar todos naquele ambiente e há patrocinadores na festa. Essa missa que acontece no
batalhão não é para todos. A própria vestimenta (“uniforme”) delimita um perfil. Na camisa
está estampado:“11º Encontro dos filhos de São Jorge”. A missa faz parte de uma festa, um
evento – o encontro dos filhos de São Jorge - mas como está dentro de um órgão da
administração pública, há um pequeno cartaz na porta do batalhão que expõe o horário e a data
da missa (Fig. 43), e deixando claro: Entrada Franca. No entanto, ao chegarem os filhos que
marcaram aquele encontro, percebe-se suas relações vinculadas a polícia: são policiais – ativa
e aposentados, familiares desses policiais e dos policiais mortos em serviço.
Figura 41 – Foto dentro do 12º Batalhão da Polícia Militar em Niterói

Fonte: A autora, 2017.


76

Figura 42 - Costas da camisa oferecida a todos que chegam para a missa no 12ºBPM

Fonte: A autora, 2017.

Figura 43- Cartaz da missa e procissão a serem realizadas no 12ºBPM

Fonte: Fotografia feita por Júlio Guills, 2017.

Ao iniciar a missa, louvores no estilo carismático34, marcam a emoção dos que estão ali
presente. De pé todos cantam com fervor e fé as músicas durante aquele momento simbólico.
O número de pessoas cresce no espaço reservado para a missa (Fig. 44), que passa a não ser
mais suficiente, buscam-se mais cadeiras e nem a chuva dispersa os devotos.

34
Termo explicado na página 32 deste trabalho.
77

Fig. 44 – Missa no 12º Batalhão da Polícia Militar

Fonte: A autora, 2017

Com um discurso enérgico, o capelão inicia seu sermão. Propõe-se a falar em nome dos
parentes dos policiais mortos em serviço: “são vítimas da criminalidade que assola o país e não
há políticas públicas que ajudem esses familiares”. O capelão tenta em todo o seu sermão,
legitimar as ações da PM no estado do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que, acredita ele,
estar dando conforto aos familiares desses policiais que ali estão presentes.
A missa, realizada pelo capelão da capela, usa como abordagem discursiva a parábola.
Segue o texto que ele discursa para legitimar sua preleção:
Na margem de um grande rio estava, um dia, um sapo. Ele precisava chegar à margem
oposta. Enquanto se preparava para entrar na água, chegou um escorpião. Também
este precisava chegar à outra margem, mas não podia fazê-lo: os escorpiões não sabem
nadar. A contragosto viu que o sapo era a única possibilidade de chegar ao outro lado.
O escorpião pediu ao sapo para ajudá-lo: - Deixa-me subir nas tuas costas e
transporta-me até a outra margem. És grande o suficiente e não te cansarás.
Mas o sapo, que conhecia o veneno do ferrão do escorpião, respondeu: - Nas minhas
costas? Estás louco! Tenho medo de teu veneno mortal!
E o escorpião: - Estás equivocado em temer-me. Eu desejo atravessar o rio. É meu
interesse que tu vivas.
Com tal raciocínio, o escorpião induziu o sapo a aceitar. Subiu, então, em suas costas.
O sapo entrou na água carregando o escorpião e começou a nadar perfeitamente à
vontade no seu meio natural.
Assim que chegou ao meio do rio, no ponto que era mais forte a corrente e maior o
esforço do sapo, o escorpião levantou o rabo e enterrou o ferrão com toda força nas
costas do sapo. Enquanto o veneno mortal se difundia em seu corpo, sentindo que a
vida se esvaía, o sapo exclamou: - Maldito, o que estás fazendo? Não vês que ambos
morreremos: eu envenenado e tu afogado! Por que fizeste isso?
E o escorpião, já se afogando, diz: - Porque eu sou um escorpião e esta é minha
natureza (AUTOR DESCONHECIDO).

Após essa parábola cheia de intencionalidades simbólicas e políticas, vemos uma outra
representação de São Jorge, um santo que guerreia e mata antes de morrer. O capelão discursa
78

usando Tomé como exemplo e pergunta: -Vocês querem ser como Jorge ou como Tomé? Tomé
precisou ver para crer, São Jorge já veio com a espada.
Esse discurso incisivo do capelão constrói uma representação social de São Jorge como
o santo que guerreia independente de justiça, mas por causa própria. Um alento aos familiares
dos policiais mortos? Talvez. Mas esse discurso também dá carta branca as policiais na ativa
para matar. É necessário se discutir a abrangência desse discurso. Os chamados “autos de
resistência” têm sido usados nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais para justificar
mortes em áreas periféricas em todo território nacional. Segundo dados apresentados pela
revista Exame (2016), ao se levar em consideração a proporção populacional brasileira, o estado
do Rio de Janeiro possui a maior taxa de mortes causadas por policiais, 3,5 mortos a cada 100
mil habitantes.
Bandeira (2017) apresenta, em seu artigo publicado no jornal Nexo, dados do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública mostrando que

em 2016, 4.224 pessoas morreram em decorrência de intervenções das polícias civil


e militar, um aumento de 25,8% em relação ao ano anterior. Entre 2009 e 2016, 21.897
pessoas morreram em ações policiais. A maioria das vítimas são homens negros com
idades entre 12 e 29 anos. Um estudo da HumanRightsWatch mostra que, muitas
vezes, tais episódios não são investigados corretamente. A ONG analisou 64 casos
em que havia evidências de uso ilegal da força letal, ocorridos entre 2009 e 2015, no
Rio. Em 36 casos, os promotores não chegaram a apresentar denúncias. Apenas 8
foram a julgamento, e em 4 os policiais envolvidos foram condenados. Cézar Muñoz,
pesquisador da ONG, disse ao Nexo que havia casos em que a polícia civil não ouvia
todos os envolvidos no fato, não fazia perícia ou sequer ia ao local do crime
(BANDEIRA, 2017, grifo nosso).

O uso discursivo do capelão, legitimando as ações violentas da polícia na cidade de


Niterói, no estado do Rio de Janeiro é preocupante. Face aos dados que apresentamos, e
conscientes que o discurso produz uma representação social - um imaginário coletivo - os
familiares presentes na missa, ao incorporarem esse discurso, o reproduzirão em suas famílias
e entre os seus amigos. Ratificando um “senso comum” que já existe no meio da sociedade
brasileira, muito influenciado pela mídia e por algumas figuras emblemáticas, como o radialista
Afanasio Jazadji35, de que “bandido bom é bandido morto” (BUENO, 2004). Neste sentido, é
importante discutir os “autos de resistência”. No mesmo artigo de Bandeira (2017), já citado
anteriormente, o jornalista buscar discutir o projeto que acaba com o auto de resistência no

35
Afanasio Jazadji (São Paulo, 2 de novembro de 1950) é um jornalista, radialista, advogado, publicitário e
político brasileiro de origem romena. Hoje, não possui mais filiação partidária, mas já exerceu o mandato de
deputado estadual entre 1987 e 2007 pelo PDS, PST e PFL, com cinco eleições seguidas.
79

Brasil (Projeto de lei 4.471/201236). Para isso ele discute o que seriam os chamados “autos de
resistência”:

O termo “auto de resistência” não existe penalmente. Em entrevista ao Nexo, Ignácio


Cano, membro do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro), disse que se trata de uma ficção administrativa criada
durante a ditadura militar (1964-1985) para impedir que policiais fossem presos em
flagrante por homicídio. O objetivo, afirma, era transmitir a ideia de que houve
resistência, ou seja, de que a morte foi em legítima defesa do policial. O problema, de
acordo com ele, é que a expressão e seus sinônimos –como, por exemplo, “resistência
seguida de morte” – continuaram a ser usados sob a mesma premissa, sacralizando a
presunção de inocência do policial. Em 2012, uma resolução da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos recomendou o abandono do termo. Alguns estados, como Rio
de Janeiro e São Paulo, pararam de usar a expressão. Em 2016, uma resolução
conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho
Nacional dos Chefes da Polícia Civil, definiu a abolição dos termos. Porém, as
expressões foram substituídas por "lesão corporal decorrente de oposição à
intervenção policial" ou "homicídio decorrente de oposição à ação policial" – o que,
segundo Cano, ainda indica que houve resistência e, consequentemente, culpa da
vítima (BANDEIRA, 2017, grifo nosso).

O termo que fora usado durante décadas pela polícia no Brasil, sequer existe
penalmente. A sua criação é decorrente de um processo ditatorial, os assassinatos ocorridos no
Brasil durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985), foram justificados por um termo
inexistente, e até 2012 seguiram sendo usados. Observemos como o discurso possui valor
simbólico fundamental para a materialização de ações. O discurso de um líder religioso que
justifica os crimes de “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial" e
"homicídio decorrente de oposição à ação policial" (antes chamados ‘autos de resistência’),
usando a imagem de um santo católico caracterizado pela luta e justiça, partindo do pressuposto
que todos são culpados até que se prove o contrário, nos parece uma necessidade de legitimar
o discurso do Estado, a quem de fato, a polícia tem servido.
Após o sermão do capelão, a palavra foi passada para um padre vinculado a
Arquidiocese, que estava presente. O padre, notadamente constrangido com o sermão, abre sua
fala: “- Notemos como a vida é interessante. Estou aqui nesse momento com vocês, aqui nesse
batalhão. E mais tarde estarei na favela da Maré para a crisma de mais de 70 jovens daquela
comunidade.”. Dito isto, paira-se um silencio. O padre ora pela vida de um bebê que está a ser
apresentado, e em seguida forma-se uma pequena concentração (em vista da procissão que
ocorre na capela vinculada a Arquidiocese) para a procissão terrestre (Fig.45) que acontece
após a missa do 12º BPM.

36
O projeto pode ser acessado por meio do link:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1027001&filename=PL+4471/2012
80

Figura 45 - Concentração antes do início da procissão do 12º BPM

Fonte: A autora, 2017.

Inicia-se o cortejo. Mais uma vez o discurso não dito toma forma nesta festa. O trajeto
é traçado apena no entorno do batalhão. São Jorge do 12º BPM é apenas dos policiais e seus
familiares. O traçado está repleto de intencionalidades, é simbólico. E nesse trajeto, além da
própria lógica discursiva exposta no sentido da semiografia do séquito, encontra-se em frente
ao 12º BPM uma oferenda religiosa (fig. 46). No capítulo três deste trabalho discutimos a
categoria de análise “Circularidade Cultural” proposta por Corrêa (2004), onde as diferentes
culturas se interpelam e agenciam seus processos de hibridização. Essa oferenda é parte desse
processo circular da cultura. Notemos que no jogo de espelhos discutido nesse trabalho na
página 51, São Jorge e Ogum se associam. E essa oferenda apresentada é fruto das
incorporações históricas da alimentação do negro, da associação das práticas culturais e
religiosas. Mascarin (2013) afirma que um dos exemplos das mudanças no

[...] hábito alimentar do negro, inclusive utilizado no alimento como oferenda para
orixá é o cará, a farinha de mandioca, que segundo Câmara Cascudo foi introduzida
na alimentação do negro de forma impositiva.
Na primeira fase do ajustamento o escravo no Brasil não consumia de bom grado os
carás, as pacovas e mesmo o milho que lhe davam por fruta, como dizia Gabriel Soares
de Souza. Preferia naturalmente inhames em vez de carás e bananas em vez de
pacovas, alimentos que deixara de provar desde a sujeição (CASCUDO, 2004, p. 201).
[...] Desse exemplo pode-se verificar que o inhame preparado como comida de orixá
está na receita de cará de ogum, em que se utilizam três carás grandes, destes um é
cozido inteiro, um amassado e um cru. Arruma-se no alguidar, abrindo-os, rega-se
com mel e dendê. Esta receita é uma das utilizadas no preparo de oferenda a ogum no
terreiro em tela.
A tradição dos mitos em relação aos alimentos foi se solidificando, principalmente
nos ensinamentos nas cozinhas, quando da preparação de um iniciado. Isto trouxe ao
cotidiano dos terreiros até a atualidade, a tradição dos mitos e de oferendas que foram
se consolidando e enriquecendo o gosto das pessoas e dos orixás pelo processo do
hibridismo advindo das diferentes culturas alimentares, sem perder de vista o aspecto
81

sagrado que envolve o alimento que o orixá aprova, assim como, sua preparação e
local do assentamento (MASCARIN, 2013, p. 3, 4).

Historicamente, as mudanças alimentares foram sendo incorporadas e ressignificadas.


Destacamos o fato, de que a base da oferenda - no caso de Ogum, cara ou inhame – é a mesma,
mas de acordo com cada terreiro de candomblé ou casa de umbanda haverá incorporações a
oferenda. Também devemos nos atentar que nos ritos das religiões afro-indígenas quando se
faz oferenda para um orixá, também pode se ter a necessidade de fazer a outro. Bahia (2016)
ao discutir a transnacionalização das religiões afro brasileiras em Portugal, faz algumas
considerações em relação às oferendas de orixás:

Embora Exu seja o primeiro, para dar alguma coisa para este tem que se reverenciar
a Ogum. Quando se faz uma festa para exu, também se reverencia Ogum. Quando se
faz despacho para exu leva também uma oferenda para Ogum, se leva uma cerveja
(na umbanda ele toma cerveja). (BAHIA, 2016, p.2).

Embasados em Mascarin (2013) e Bahia (2016), podemos afirmar que a oferenda


encontrada no dia 23 de abril em frente ao 12º BPM, contendo um alguidar com inhame, azeite
dendê e cerveja, foi oferendada a Ogum. Por serem esses alguns dos alimentos que Ogum
recebe enquanto oferenda. Estar ali, no dia 23 de abril, dia de São Jorge, reafirma o caráter
dinâmico da festa e da circularidade cultural religiosa, como código sócio espaciais, na
paisagem citadina. Notemos que há reconhecimento, há diálogo, houve enunciação.
82

Figura 46 - Oferenda religiosa em frente ao 12º BPM

Fonte: Fotografia feita por Júlio Guills, 2017

3.2 Os sentidos da Festa

[...] a festa foi, por muito tempo, ignorada pelos geógrafos, que naturalmente
privilegiaram o espaço em detrimento do tempo e a "temporalidade habitual"
(CLAVAL, 2010) em detrimento do excepcional, do temporário, do
EXTRAORDINÁRIO, do parêntese, da descontinuidade ou da ruptura. Mas o espaço
reúne-se com o tempo. (GWIAZDZINSKI, 2011, p.338)

Em Jurujuba, encontram-se vários conflitos de âmbito religioso, intolerância religiosa


por parte dos protestantes em função da Festa Católica; há uma disputa financeira em jogo,
quem vai comandar a Festa, organizar; ao mesmo tempo em que ocorre a turistificação da
mesma, a busca incessante da organização para criação de novas tradições com o objetivo de
manter a festa soberana, e desta forma, ela não se findar na memória coletiva. No ano de 2017,
houve uma moto procissão que saiu de Boa Viagem até Jurujuba carregando a imagem de São
83

Pedro, não é uma tradição, mas foi inserida para torna-se uma. São nessas tramas que a festa
produz discursos que produziram sentidos. São novas representações a serem incorporadas, ou
não.

3.2.1 A dialética do comando local: São Pedro em Jurujuba

É tradição, é tradição do povo de Jurujuba.(Maisa Vasconcelos37)

Guarinello (2001, p.972) afirma que a “festa é uma produção social” e que vários
produtos são por ela gerados – materiais, comunicativos, significativos – mas,“ o mais
importante é a produção de uma determinada identidade entre os participantes”. Porque é
produção de memória, e memória produza identidade inscrita num tempo e num espaço social.
Dessa forma, a narrativa que é construída para produção de signos e sentidos em função da
Festa torna-se fundamental para o agente que está no comando da mesma. O sujeito que possui
o poder elege a narrativa que se tornará memória, elege a memória coletiva. As organizadoras
da Festa possuem atualmente esse poder, mas antes das mesmas assumirem, havia outro sujeito
que disputava o comando da mesma, principalmente para ter acesso a recursos financeiros
provenientes do evento festivo.
Conceber a Festa sem pensá-la como um território é ignorar o caráter determinante na
concepção de Sack (1986, p.19) sobre Territorialidade e Território. O primeiro será
caracterizado pelo autor como "a tentativa de um indivíduo ou grupo para afetar, influenciar ou
controlar pessoas, fenômenos e relações, e para delimitar e impor controle sobre uma área
geográfica. Essa área será chamada de território". O território exige um limite territorial, mesmo
que este seja simbólico, sinalizado por gestos, palavras, vestimentas, adereços, afetos e
narrativas míticas. (CORRÊA, 2004).
A Festa se impõe no sentido de afetar, influenciar e controlar acessos, pessoas...mesmo
que seja em um tempo-espaço efêmero. Desta feita, “a festa como território se constitui através
das práticas culturais, inseridas numa multiplicidade de relações de diversas naturezas
(religiosa, econômicas, artísticas, lúdicas, políticas etc...)”(CORREA, 2004, p.36). Essas
práticas sociais, culturais e religiosas, vão interferir diretamente no cotidiano dos moradores do

37
Maisa Vasconcelos e Hedylamar Bomfim são as duas organizadoras da Festa de São Pedro, no entanto, o nosso
maior contato aconteceu com Maisa, durante toda essa pesquisa.
84

bairro, dos trabalhadores que vivem ali, nos participantes da festa. No caso de São Pedro dos
Pescadores de Jurujuba o cotidiano ordinário dos moradores é diretamente afetado com a festa.
As disputas entre esses sujeitos na última década e a permissividade da Igreja Católica
em relação à organização local nos permite fazer uma leitura sobre espaços de representação,
onde, os cotidianos se interpenetram nas estruturas narrativas e os sujeitos a reconstrói todo o
tempo. As duas organizadoras tem total liberdade de organização na condução da capela de São
Pedro e da Festa. De modo que, justifica suas ações sempre pautadas na autonomia de comando.
Inclusive para incorporar novas tradições a memória da festa, e essa incorporação para
Gwiazdzinski (2011, p.344) pode ser feita através das múltiplas origens da festa: “o ponto de
partida, funda-se, com frequência, no passado e na tradição, mas pode também apoiar-se em
tecnologias, no digital e na prospectiva”.
Hoje, a festa possui grande apelo turístico, devido principalmente à diminuição do
número de religiosos católicos e o aumento do número de religiosos protestantes no bairro.
Existe uma disputa evidente, como salienta Sousa38, de uma disputa de sentidos que, negocia e
elege as narrativas que serão válidas, a partir da memória que se quer preservar, sobre a
biografia de um espaço – nesse caso, Jurujuba- e mesmo o bairro não sendo mais,
majoritariamente católico, a base da identidade histórica do bairro – festa de São Pedro-
prevalece sobre outras formas de significado. As entrevistas que realizamos (conforme já foi
relatado no texto), direcionada aos moradores, demonstram a importância simbólica e
econômica da festa de São Pedro mesmo para aqueles que professam outras religiões.
Neste sentido, a representação da Festa no bairro é resultado das múltiplas contradições
das práticas culturais e religiosas locais, protestantes e católicos principalmente, onde, São
Pedro ainda comanda a representação cultural e religiosa daquele território/lugar. As disputas
estão presentes em todo o momento da festa, seja na hora de escolher o pescador que irá levar
o barco, já que hoje, grande parte professa a fé protestante, nesse sentido, não levará o barco;
seja nos pequenos problemas de horário para a alvorada festiva, a banda da fortaleza se negar a
chegar às cinco horas da manhã, e Maisa junto a Hedylamar insistirem (e até chorarem diante
do tenente) para que a tradição das cinco horas sem mantenha a tradição. Múltiplos agentes,
múltiplas disputas, clássico de uma Festa.

38
Já citado na página 38 deste trabalho.
85

3.2.2 A turistificação da Festa: processos

[...] é justamente a diversidade de lugares, regiões, paisagens, territórios, em sua


dinâmica, impulsionada pelas demandas sociais, que proporciona uma realidade
global fragmentada e articulada, pulverizada de particularismos e singularidades em
conexão com o geral (LUCHIARI, 1998: 16 apud RIBEIRO, 2003, p.79).

Com essa citação de Luchiari, Ribeiro (2003) começa seu texto, cujo principal objetivo
é analisar os elementos condicionantes para o desenvolvimento da atividade turística no
território flurninense. Para alcançar esse objetivo, ele vai distinguir três condicionantes que
influenciam o desenvolvimento da atividade do turismo no território fluminense: (a) o elemento
físico ou natural; (b) o elemento histórico e as atividades econômicas; e (c) o papel dos
transportes. (p. 80, 81). Esses três condicionante estão intimamente ligados e são totalmente
compatíveis com a afirmação de Luchiari, pois a base físico-geográfica de uma área,
impulsionada pelos elementos históricos (cultura local) e atividades econômicas constrói
lugares únicos e por isso, tão desejados numa sociedade globalizada. A totalidade do espaço
pela perspectiva do local/ global, o particular/ geral será também influenciada pelas redes de
transporte, as distancias diminuem de acordo com o tempo de deslocamento, dessa forma, as
três condicionantes são fundamentais para se compreender o processo de turistificação dos
lugares, e Jurujuba faz parte desse processo, mais especificamente, vem buscando, através da
organização da festa, fazer parte desse circuito econômico do turismo.
Nas palavras de Ribeiro
O turismo é um fenômeno sócio-espacial, e sendo assim, pensar o turismo sem as
bases geográficas não se faz turismo, além de pensar que esta atividade consome as
paisagens. Fenômeno típico da modemidadee do processo de urbanização, o turismo
está inserido no contexto do lazer. Sendo assim, para os geógrafos, é mais um tema a
ser estudado, a partir dos aspectos espaciais (organização e impactos), além das
locações e dos fluxos das viagens, da dispersão do desenvolvimento, do uso da terra
e das modificações do ambiente físico (paisagens). (RIBEIRO, 2003, p. 89, 90, grifo
nosso).

Concordamos com Ribeiro na sua definição de turismo, pois a condição de ser um


fenômeno sócio-espacial, permite aos geógrafos uma análise multidimensional. No caso de
Jurujuba, não apenas a Festa é fator turístico, as fortalezas que compõem o cenário do bairro,
já fazem parte do roteiro turístico da cidade de Niterói. Na figura 47, observamos a propaganda,
extraída do site da Niterói - Empresa de Lazer e Turismo S/A, aNELTUR, onde o título é
86

“Niterói em 3 dias”39, o primeiro dia seria visitando o conjunto arquitetônico do Caminho


Niemeyer que abriga sete monumentos; o segundo dia, seria conhecendo as praias da baía e os
fortes, que se localizam todos, no bairro de Jurujuba e no bairro do Imbuhy; e o último dia, seria
para conhecer o Parque da Cidade e as praias da região oceânica da cidade. Ou seja, são
atividades que consomem a paisagem.

Figura 47 - Niterói em três dias

Fonte: http://www.neltur.com.br/var/www/html/neltur.com.br/web/roadmaps/orlaguanabara

Ribeiro, também, afirma ser o turismo um fenômeno típico da modernidade e do


processo de urbanização, Lefebvre (2010) ao discutir o direito a cidade, resgata essa perspectiva
da urbanidade e os processos decorrentes da industrialização e urbanização, o turismo é um
desses processos, e a festa estaria inserida no debate de consumo da cidade. Concordamos com
os autores. No entanto, Ribeiropropõe que os geógrafos analisem o fenômeno a partir dos
aspectos espaciais (organização e impactos), incluiríamos aqui, a cultura e a tradição.
Acreditamos que o processo de turistificação nem sempre está totalmente atrelado à lógica do
capital e da organização econômica. Em nosso trabalho de campo e vivência com as
organizadoras da festa, percebemos que o desejo de turistificação está relacionado à
necessidade de perpetuação da festa de São Pedro como tradição da comunidade (a biografia
do espaço) do que o desejo de retorno financeiro para a Capela ou para o interesse próprio.
Também destacamos que os estudos sobre cultura e tradição, na interface da geografia urbana,
cultural e histórica, gera uma nova organização espacial – mesmo que efêmera – e causa
impactos sociais e econômicos locais e regionais. Isto posto, buscaremos analisar o processo de
turistificação da festa, buscando relatar e compreender a necessidade do processo pelos
interlocutores.
Em Jurujuba, a festa em comemoração ao santo dura cerca de quatro a cinco dias, de
acordo com ano e estratégia organizacional. Na agenda da festa, o dia mais importante é o dia

39
Disponível em: <http://www.neltur.com.br/var/www/html/neltur.com.br/web/roadmaps/niteroi3dias>
87

do santo. A reprodução do imaginário coletivo da comunidade de Jurujuba como um bairro


pitoresco e diferenciado, o coloca em uma posição privilegiada. Frente à politica de urbanização
e especulação imobiliária que a cidade de Niterói tem sofrido, drasticamente, Jurujuba vem
resistindo. Em 1998 o bairro conseguiu evitar a construção de um condomínio40 no alto de um
dos morros no bairro, o morro do morcego, houve muita mobilização e o projeto foi engavetado.
O bairro, ao ser considerado “um paraíso” no cenário urbano niteroiense, sofre muitas pressões
de caráter especulativo imobiliário. Não há casa para vender o alugar no bairro, a vista é
extraordinária, sabemos que a paisagem tem um alto preço, o valor de troca é exorbitante, mas
os jurujubanos vêm resistindo com seu valor de uso. Neste sentido, vamos apresentar a tese
defendida pelas organizadoras da festa: turistificar a festa, para valorizar ainda mais a
singularidade local e usar a importância econômico-turística (já que apenas seu caráter cultural
imaterial é menosprezado pelos órgãos públicos), caracterizando a lógica do turismo como
instrumento de luta e não apenas espetacularização da tradição.
A cultura, que para alguns poderia se homogeneizar com o processo de globalização, é
atualmente caracterizada como uma cultura de globalização acelerada, usada como um recurso
para a melhoria sócio-política e econômica (YÚDICE, 2004). De acordo com Canclini (1983),
existe uma estratégia de mercado que busca valorizar os produtos do povo e não as pessoas que
o produzem, carregando a ideia de que festas “tradicionais” são resíduos de tempos pretéritos e
por isso carregam a diferença (e isso é vendável). Concorda-se aqui com Canclini, em parte.
Jurujuba, sendo esse bairro individualizado na acelerada cidade de Niterói torna-se um lugar
único e diferenciado. Entretanto, mesmo que haja uma estratégia de mercado, acredita-se aqui
que a Festa como resgate da memória coletiva não deixa de ser tradicional por se adequar em
parte as características do mercado.
Buscando tangenciar uma leitura lefebvriana da turistificação da festa, podemos afirmar
que a festa é uma obra dentro da obra que é a cidade. Mesmo mercantilizada e
espetacularizada, acreditamos que a festa não está apenas subordinada ao seu valor de troca,
pois para Lefebvre (2010, p. 22) “a obra depende mais do valor de uso do que do valor de
troca”. O valor de troca (a turistificação da festa) só vai existir enquanto houver pessoas
dispostas a levar o andor do santo, a fazer escala de trabalho na igreja, pessoas que ofertem para
a realização da festa.
Corrêa (2004) analisa em sua tese a questão da Festa da Irmandade da Boa Morte (BA),
propondo que a memória coletiva - religiosa e festiva - produz um discurso (a partir da estratégia

40
A proposta era construir um condomínio com 120 residências, Jornal O Fluminense, 06 e 07 jun. 2004, p. 3.
88

da circularidade cultural, os agenciamentos), para que, possam festejar e neste sentido de


festejar, construir sua dinâmica turística, e mesmo turística se perpetuar como tradição. Corrêa
(2004) citando Ferreira (2002) problematiza a ideia que recaía sobre a Festa da Irmandade da
Boa Morte em seu processo de turisficação, local-global: a tradição x
representação41turistificada. Corrêa rebate esse pensamento sinalizando que há “emergência de
análises e compreensões múltiplas, sobre o fenômeno social festa, pertinentes à complexidade
da sociedade contemporânea” (Ibidem, p.41). Concorda-se aqui totalmente com a autora no
sentido de acreditarmos serem necessários mais trabalhos que ouçam os grupos, pois eles se
expõem a nós, incluindo suas dúvidas quanto a esse processo de renovação de suas práticas, ao
mesmo tempo em que, buscam uma nova forma de serem vistos e ouvidos. Ouvir os atores que
realizam o agenciamento da Festa faz-se fundamental para compreendê-lo, não damos voz aos
sujeitos interlocutores, apenas podemos ajuda-los a ter visibilidade. O pesquisador precisa estar
atento ao seu papel.
Caracterizando esse debate entre tradição e modernidade, onde as Festas tradicionais
“não poderiam” ser reinventadas para não perder a tradição, Corrêa enfatiza:

[...] as festas consideradas como tradicionais, recebem críticas negativas, diante da


perspectiva de uma perda da autenticidade destas, negando desta forma, em nosso
entendimento, a capacidade de reinvenção, de dinamismo da sociedade e suas práticas
culturais.
Neste sentido, é importante notar que o dinamismo das práticas culturais situam-se
nas conexões que são efetuadas – das mais diversas ordens – que por sua vez, é que
dotarão o ato de festejar de múltiplos sentidos – relativizados – conforme o ângulo
pelo qual seja apreendido, descortinando uma ótica que nos permite conceber e
analisar a festa diante de um contexto de mediação de conflitos e alianças,
determinadas por uma busca pelo domínio sobre o discurso da festa (CORRÊA, 2004,
p. 42).

E neste enredo do discurso, Ferreira afirma que “festejar é possuir um discurso”


(Ibidem) e prossegue: “festejar é lutar pelo poder de se definir o que é ou o que não é festa,
dimensionando-o em contextos que vão da integração global a referenciação local”. Assim,
pode-se afirmar que a Festa é a um agente territorializador de práticas culturais. Nesse enredo
de tensões e conflitos, a turisficação da Festa se sobressai como estratégia de resistência
cultural-simbólica de preservação da identidade territorial do bairro.
A turistificação se justifica, segundo as organizadoras como um retorno “as origens”, na
busca constante de brincadeiras para o público infantil, não descaracterização (mesmo se
descaracterizando) da Festa, e sempre trazendo a história da Festa como condutor e não as

41
O sentido de representação usado por Corrêa (2004) é na ideia de performance, performar para o outro um ritual
que faça o outro ficar entretido .
89

“atrações de palco”. A Neltur só pode oferecer apoio logístico, o que inviabiliza financiamento
de capital, sinalizando que toda a organização do evento fica nas mãos das organizadoras, que
fazem parte da igreja de São Pedro.
A turistificação da festa, para as organizadoras e para nós, não significa necessariamente
perda de representatividade simbólica para o grupo que a promove, mas compreendemos que o
grupo que antes a promovia era toda uma comunidade, hoje não é mais. Dessa forma, com o
intuito de promover a Festa - enquanto tradição festiva - opta-se pelo apoio de diversos
parceiros, colaboradores e patrocinadores para a Festa acontecer.
Maisa é enfática “vamos melhorar cada vez mais a nossa festa, trazer mais da sua
tradição, e inovar pra agradecer a São Pedro [...] é a nossa história, Jurujuba tem história e
vamos lutar pra contar essa história”. Com essa fala a organizadora mostra o caráter dinâmico
da cultura e como ela agencia, politicamente, para que a festa se perpetue no território. É a
cultura que se inscreveu na memória por meio da prática cultural de viver e fazer a Festa.
A fim de trazer diversidade a Festa, no ano de 2017, foi promovida uma moto procissão
em homenagem a São Pedro no dia dois de julho (pleno domingo). A concentração saiu de um
quiosque no bairro da Boa Viagem em direção a Capela de São Pedro carregando uma pequena
imagem do Santo Padroeiro dos Pescadores. (Fig. 48). Importante destacar o lugar onde se
formou a concentração e deu visibilidades ao pequeno evento festivo dentro da festa: o bairro
de Boa Viagem.
Cigagna (2001) discute em sua tese as transformações que a cidade Niterói enfrentou
nas últimas décadas do século XX, perda da sede da capital do Estado, aumento de 40% da
população, fim da zona rural, alto crescimento demográfico, e mesmo assim, a cidade manteve
algumas de suas particularidades, tais como: sua tradição histórica, marítima, ecológica e
universitária. A autora discute no primeiro momento, os processos de estruturação do território
em sua formação (Ibidem, p. 66-68) e, num segundo momento, os processos atuais de formação
socioespacial. Neste segundo momento, inserem-se as dinâmicas dos bairros centrais da cidade,
inclusive, Boa Viagem (Ibidem, p. 97).
Para exemplificar o processo de evolução da população na cidade, Cigagna (Ibidem, p.
101) apresenta uma tabela com dados da população em 1970, 1980 e 1991. Boa Viagem possui,
respectivamente aos anos citados, uma população, de 671, 1773, 2014. Esse bairro triplicou de
população em 30 anos. A região em que está inserida, “praias da baía”, é considerada uma das
mais caras, além do seu caráter histórico – ilha de boa vagem, do ano de 1650 – que condiciona
uma dinâmica turística, o Museu de Arte Contemporânea - que eleva o valor simbólico do
bairro, é um bairro localizado ao lado de um dos campus da Universidade Federal Fluminense.
90

Ou seja, há uma intencionalidade simbólica e política ao estabelecer aquele ponto de


concentração para dar início a nova tradição da festa: a moto procissão.
Sim, não é uma tradição, mas foi inserida para torna-se uma, é a reinvenção do cotidiano
extraordinário, uma forma de atrair pessoas para celebrar a Festa. Há o caráter espetacular da
Festa? Sim, isso é inegável, mas isso não pode ser lido apenas como uma forma de modernizar
com objetivo de lucro financeiro ou sob o olhar de descaracterização. A cultura é fluída, as
práticas culturais e religiosas também são e não há porque desconsiderar as novas influencias
como tradição e renovação. A Festa possui esse caráter dinâmico. São as pessoas que compõem
a festa que dão sentido a ela e a fazem perpetuar na memória e no cotidiano. E neste trabalho
caracterizamos a Festa como importante instrumento de luta política no bairro e na cidade. São
Pedro é justiça!

Figura 48 - Moto Procissão em homenagem a São Pedro

Fonte: A autora, 2017


91

UMA GRANDE TEIA DE SIGNIFICADOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As tramas que compõem as diferentes festas analisadas se interconectam com as


propostas apresentadas, cultura, identidade e território. Em um movimento dialógico de
territorialização das festas na cidade, reafirmamos que a cultura e identidade são conceitos
centrais para compreendermos essa dinâmica. As práticas culturais e religiosas expressas
durante o ato festivo representam a reprodução simbólica e subjetiva construída através das
rememorações individuais pautadas por uma memória coletiva (HALBWACHS, 1990),
conforme já sinalizamos.
Assim, formam-se teias de significados, onde a cidade é a mediadora e mediada pelas
relações sociais, a cidade é constituída pelas praticas sociais (LEFEBVRE, 2001). São múltiplos
os agentes que influenciam e condicionam a realização das festas, e neste trabalho seria
impossível retratarmos todos. Dessa forma, optamos neste capítulo por abordar as
representações em disputa: na festa de São Jorge, há uma disputa pelo discurso dos atributos do
santo, seja pela Igreja ao buscar o diálogo entre as diferentes religiosidades e tratar Jorge como
um homem comum que foi fiel a sua religião, buscando em todo o tempo, a fé, a esperança e a
caridade; seja pela disputa do 12º BPM, na fala discursiva do capelão, ao tratar São Jorge como
guerreiro incansável, buscando legitimar ações violentas da polícia em seu exercício de
trabalho.
A festa de São Pedro, no discurso das organizadoras, busca através do processo de
turistificação, se estabelecer como marco tradicional na cidade, e manter a procissão terrestre e
marítima como a maior do estado, e assim, em breve, ter o reconhecimento dos festejos como
patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
IPHAN. Foi desafiador e difícil até compreendermos que a turistificação, espetacularização da
festa não possuía para as organizadoras o caráter da mercantilização. Somente com o mergulho
nos meses anteriores e posteriores a festa que isso foi possível. Foi compreendido. Fazer
pesquisa no campo das ciências humanas e social requer um despir-se do estruturalismo no
qual, a geografia em especial, está inserida e impregnada. Ouvir os sujeitos e não reinterpretar
a sua fala, é o primeiro passo. Esperamos ter conseguido esse feito.
Os signos e significados das práticas culturais/religiosas são fundamentais para a
materialização das representações simbólicas na produção do espaço social. Alinhavando a
perspectiva lefebvriana da produção do espaço e das representações em Kozel, buscamos ao
92

longo deste trabalho descrever densamente(GEERTZ, 1989) e etnogeograficamentea Festa


como cotidiano extraordinário resultante das práticas culturais e religiosas na cidade.
Conforme afirma Geertz (1989):
O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como
Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não
como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência
interpretativa, á procura do significado. (GEERTZ, 1989, p.15)

Embora Geertz assuma o conceito de cultura como essencialmente semiótico,


assumimos aqui, que, quando a cultura – socialmente definida e socialmente determinada – se
materializa em práticas culturais e religiosas, ela assume para além do simbólico, a dimensão
política e ideológica. Já que, para nós, a festa é uma ferramenta que transpassa a estrutura e
assume um valor de direito, em nosso entendimento, o direito a usufruir a cidade.
Neste sentido, descrever a Festa não é apenas resultado de uma observação, mas de uma
imersão no seu cotidiano, buscando a partir de uma densa descrição explicativa, estabelecer
uma estrutura de análise que compreenda a observação de campo e a pesquisa documental com
o intuito de esclarecer, fundamentar e fomentar a discussão conceitual proposta no inicio desta
dissertação. Dessa forma, buscamos pensar a totalidade da Festa a partir multidimensional do
espaço proposta por Lefebvre a partir de uma abordagem cultural geográfica, buscando expor
as distintas territorialidades simbólicas e materiais e os conflitos políticos, econômicos e
sociais.
Para Geertz, a análise da teia de significado na qual o homem está inserido só pode se
feita a partir da interpretação de seus signos/significados. A leitura da festa a partir das
Representações (KOZEL, 2001) nos permitiu contextualizar as diferentes dinâmicas –
memória, representação simbólica, a circularidades cultural, as fronteiras porosas, o discurso, a
turistificação – em sua pluralidade e partir da tríade lefebvriana ler a festa tendo como
pressuposto suas conexões entre parte e todo.
Um mundo de significados das práticas culturais e religiosas nos mostraram que as
representações sociais só podem ser múltiplas. “A totalidade é o conjunto de todas as coisas e
de todos os homens, em sua realidade, isto é, em suas relações, e em seu movimento”, conforme
já explicitamos em Santos (2012). Assim, o movimento das práticas sociais são partes de um
todo que em movimento constroem uma totalidade, uma realidade complexa, um sistema de
significações. Somente neste sentido foi possível buscar compreender a totalidade de uma parte
que compõem um todo: a festa. Conscientes estamos, de que, ainda nessa análise, a totalidade
das ações que compõem a festa, escolhida por nós, está cheia de intencionalidades ideológicas
93

e políticas, por isso salientamos que a Festa é uma estrutura de poder. Como podemos discutir
a memória coletiva sem discutir o agente que escolhe a narrativa que irá se perpetuar? Como
falar de identidade coletiva se os sujeitos que compõem o bairro não se identificam com a figura
do santo? Como discutir circularidade cultural quando há agentes intolerantes? Como pensar as
disputas políticas para a turistificação sem pressupor o caráter mercantil? Como imaginar que
em uma mesma cidade, numa mesma área central, no mesmo dia 23 de abril acontecem duas
festas em celebração a São Jorge com discursos opostos?
Todas essas perguntas permearam nosso trabalho, esperamos ter conseguido responder
a todas, umas com mais ênfase do que outras, muito pelo caráter da inserção etnogeográfica em
cada festa. Vale ressalta aqui, que a festa de São Jorge não possui o caráter de festa de bairro,
ela está inserida numa perspectiva local-regional, dado o fato de muitos dos participantes
residirem em outro município. Dessa forma, as relações de vivência foram diferentes da festa
de São Pedro. Em Jurujuba há uma forte ligação com o bairro e as pessoas que moram no
entorno da capela. A alvorada, por exemplo, em São Jorge é para a abertura da Festa, um grito
(fogos de artifício) pedindo a São Jorge e Ogum para cuidarem daquele dia, daqueles devotos,
nossa interpretação a partir dos significados encontrados no trabalho de campo. A alvorada de
São Pedro é para acordar a comunidade para a primeira missa do dia, animar as pessoas para
adentrar a festa, rememorar a tradição das bandas da fortaleza, é ressignificação de memória,
de identidade.
A festa em Jurujuba dura de quatro a cinco dias e durante todo o mês há movimento no
bairro, o que nos permitiu um aprofundamento na interpretação da festa e suas dinâmicas.
Assim sendo, como sujeitos políticos e parciais, não nos negamos o direito ao afeto, a realização
de atividades junto a organização, como de repente ouvir um: “pode ficar aqui cuidando de São
Pedro? Preciso ir ao banheiro”, de uma senhora que todos os anos fica no cargo de vigiar/ tomar
conta do santo dentro da pequena capela, e ficamos a cuidar. Não nos negamos o direito de
defesa da festa, porque acreditamos na importância da Festa como instrumento de luta, de
reafirmação de cultura e identidade, e se para isso a estratégia encontrada foi a turistificação,
estamos no dever de escrever neste trabalho isso. E não apontarmos essa questão como critica
do capital, ou da discussão da subordinação do valor de uso pelo valor de troca, pois não é a
lógica do capital em si que está impondo essa dinâmica.
Para finalizar essa discussão, salientamos novamente Gwiazdzinsk quando afirma que

o evento festivo urbano extraordinário é um objeto híbrido e fractual que se estende a


todas as escalas com certo número de caracteres comuns que o distingue de outros
94

encontros e eventos quotidianos. Ele é coletivo, público, misto, sincronizado,


estabelece múltiplas parcerias, tem múltiplas origens, é identitário, laico,
mercantilizado, podador e alternativo, excepcional, periódico, efêmero, cíclico,
global, multiescalar, alegre, lúdico e recreativo, charlatão, artístico e cultural,
multissensorial, intenso, trabalhoso, midiatizado, organizado, profissionalizado e
irradiador (GWIAZDZINSK, 2011, p.344, grifo nosso).

E dessa forma, as relações sociais são fundamentais para sua perpetuação, assim como
as práticas espaciais – culturais e religiosas – na manutenção dessa lógica identitária festiva.
Como já descrevemos o espaço social, pensado após o estruturalismo, em um constante diálogo
entre a ação dos sujeitos e as bases estruturais da sociedade corrobora na compreensão da festa
em sua multidimensionalidade. Como afirmou Claval (2010) os sujeitos terão uma reação
emotiva diante dos lugares em que vivem e frequentam, e essa reação gerará uma ação. E assim,
ratificamos que o objetivo da geografia cultural é entender a experiência dos homens no meio
ambiente e social, compreender a significação que estes impõem ao meio ambiente, e o sentido
dado às suas vidas. [...] ela integra as representações mentais e as reações subjetivas no campo
da pesquisa geográfica (CLAVAL, 2002, p. 20)
Isto posto, admitimos que a geografia é a ciência mais capaz de compreender a festa em
sua totalidade contextual, ou seja, pela discussão cultural, econômica, política, social e
ideológica, espacializando essas ações para melhor leitura dos microfenômenos dentro do
fenômeno Festa. Dentro desta grande teia de significados que adentramos, buscamos apresentar
o que mais nos chamou atenção e tentamos geograficizar, em uma leitura etnogeográfica,
multidimensional e interdisciplinar algumas das práticas culturais e religiosas das duas
territorialidades das Festas em tela.
95

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