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5º ECONCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

WORKSHOP DOUTORAL
Área temática: economia política internacional

A política externa soviética e seus desígnios econômicos:


o caso do Comecon

Bruno Mariotto Jubran


Pesquisador na Fundação de Economia e Estatística Siegfried Heuser
do Estado Rio Grane do Sul (FEE/ RS)
Doutorando em Estudos Estratégicos internacionais na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul (PPG-EEI/ UFRGS)

Belo Horizonte (MG), 27 de julho de 2015


A política externa soviética e seus desígnios econômicos: o caso do Comecon

Resumo

O trabalho a ser desenvolvido tratará de compreender e problematizar as relações


entre a URSS e seus aliados socialistas da Europa Oriental. De acordo com o senso comum,
a superpotência socialista teria controlado e limitado a autonomia política e econômica dos
países de orientação socialista da Europa Oriental ao longo da Guerra Fria e, nos casos de
“insubordinação”, teria invadido e suprimido as rebeliões, como nos casos da Hungria, em
1956, e da Tchecoslováquia, em 1968. Ao se comparar dados como território, população e
economia, a URSS pareceu ter predomínio absoluto sobre os demais países membros do
Conselho de Ajuda Econômica Mútua (Comecon). No entanto, uma abordagem para além dos
aspectos estanques do poder pode questionar essas afirmações, e esse será o objetivo do
presente trabalho. A premissa fundamental do trabalho propõe que havia diferentes graus de
autonomia e, inclusive, espaços para resistências ou oposições por parte de países socialis-
tas, sobretudo no campo econômico. Neste trabalho, observaremos que em determinados –
e não raros – momentos da evolução do Comecon, o espaço de manobra dos membros não-
soviéticos alterou-se significativamente. O acesso a arquivos anteriormente desconhecidos
tem auxiliado a dar vazão a visões significativamente distintas sobre o Comecon que se tinha
durante a Guerra Fria e mesmo no período imediatamente após o término desta. Queremos
demonstrar, nesse artigo, que as questões em matéria econômica tiveram um papel crucial
nas relações entre a URSS e seus aliados na Europa Oriental, e tiveram impacto nas relações
entre os membros e na própria evolução do Comecon. O artigo consistirá de uma abordagem
histórica, com ênfase nas relações de poder entre os países do bloco, sobretudo entre a URSS
e os membros europeus.

Palavras-chave: URSS; Comecon; cooperação econômica


Introdução

O trabalho a ser desenvolvido tratará de compreender e problematizar as relações


entre a URSS e seus aliados socialistas da Europa Oriental. De acordo com o senso comum,
a superpotência socialista teria controlado e limitado a autonomia política e econômica dos
países de orientação socialista da Europa Oriental ao longo da Guerra Fria e, nos casos de
“insubordinação”, teria invadido e suprimido as rebeliões, como nos casos da Hungria, em
1956, e da Tchecoslováquia, em 1968.
Ao se compararem alguns dados agregados sobre as diferenças de poder entre a
URSS e os demais países membros do Conselho de Ajuda Econômica Mútua (Comecon1), a
supremacia da URSS perante os demais países parecia ser quase absoluta, conforme ex-
posto em um excerto de publicação da Biblioteca do Congresso Estadunidense:

A dominação soviética do Comecon é uma função de seu poder eco-


nômico, político e militar. A União Soviética representa 90% das terras
e dos recursos energéticos dos membros do Comecon, 70% de sua
população, 65% da renda nacional, e o potencial (capacity) industrial e
militar fica atrás apenas ao dos Estados Unidos no mundo. A localiza-
ção de muitas sedes de comitês do Comecon está em Moscou e um
grande número de cidadãos soviéticos em posições de autoridade tam-
bém testemunham a favor do poder da União Soviética dentro da or-
ganização. (ZIECKEL, 1991, p. 853, tradução nossa).

No entanto, uma análise um pouco mais aprofundada sobre o desenrolar das relações
no bloco socialista pode questionar essas afirmações, e esse será o objetivo do presente
trabalho. A premissa fundamental do trabalho propõe que havia diferentes graus de autonomia
e, inclusive, espaços para resistências ou oposições por parte de países socialistas, sobretudo
no campo econômico. O caso em evidência será o Comecon, organização internacional dedi-
cada a promover a chamada “integração mundial socialista”.
A hipótese do trabalho sugere que o controle político da URSS sobre os demais mem-
bros do Comecon, em especial entre aqueles da Europa Oriental2, não era absoluto como se
imagina no senso comum, evidenciado pelo próprio uso da expressão “países satélites”, tam-
pouco equânime para cada um destes. Neste trabalho, observaremos que em determinados
– e não raros – momentos da evolução do Comecon, o espaço de manobra dos membros
não-soviéticos alterou-se significativamente.

1
A abreviatura da referida organização, mesmo na língua portuguesa, é mais conhecida em suas duas versões
inglesas: Comecon (Council for Mutual Economic Assistance) ou, apenas, CMEA.
22
Os membros fundadores do Comecon, além da própria URSS, eram: Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia,
Tchecoslováquia. Um mês após sua criação, o Comecon teve a adesão da Albânia (que abandonou em 1961) e,
em 1950, da Alemanha Oriental. Os demais membros plenos eram Mongólia (aderiu em 1962), Cuba (1972) e
Vietnã (1977).
2
Essa reinterpretação surge a partir da leitura de alguns trabalhos elaborados a partir
de meados da década de 1990 os quais, por sua vez, foram beneficiados pela política de
desclassificação de arquivos por parte dos antigos Estados socialistas. Parte significativa des-
ses trabalhos tem fortalecido a argumentação de que as propostas soviéticas no Comecon
não apenas encontravam resistência, como também chegaram a ser efetivamente barradas
(STONE R. W., 2002; STONE D. R., 2008; DRAGOMIR, 2012). Uma interpretação alternativa,
também baseada na abertura de documentos, sugere que a concessão de subsídios a países
alinhados, como no caso da manutenção de itens exportados pela própria URSS no comércio
intrabloco abaixo dos níveis mundiais seria, na verdade, uma recompensa pelo alinhamento
político e a aceitação da hegemonia da URSS na região (THOMAS, 2001).
Queremos demonstrar, nesse artigo, que as questões em matéria econômica tiveram
um papel crucial nas relações entre a URSS e seus aliados na Europa Oriental, e tiveram
impacto nas relações entre os membros e na própria evolução do Comecon. Em nossa hipó-
tese, a “carta econômica”, isto é, o estabelecimento de relações econômicas e comerciais a
preços inferiores em relação ao mercado global era oferecida por Moscou por meio do Come-
con como recompensa pelo alinhamento político e militar observado em outra organização
regional, o Pacto de Varsóvia.
No entanto, a natureza dessa política de subsídios indiretos não foi suficiente para
implementar no Comecon o projeto soviético de criar uma estrutura de integração econômica
socialista do tipo supranacional, de forma análoga ao que já se processava na Comunidade
Europeia. O projeto do Comecon supranacional foi abortado no início da década de 1970,
como veremos ao longo deste trabalho, por oposição de alguns países membros, sobretudo
da Romênia.
Como as relações políticas entre os membros do Comecon afetaram a estrutura e as
instituições deste? Quais as principais disputas sobre a condução da cooperação econômica?
Teria a URSS conseguido impor de forma descontínua seus interesses econômicos, tendo-se
em mente seu peso político e militar preponderante? Os interesses estratégicos soviéticos
permaneceram mais ou menos inalterados ao longo da Guerra Fria?
Com base nesses questionamentos, o artigo consistirá de uma abordagem histórica,
com ênfase nas relações de poder entre os países do bloco, sobretudo entre a URSS e os
membros europeus. Será tratada a cooperação econômica, sobretudo o comércio, mas tam-
bém será mencionado alguns o papel de alguns mecanismos adicionais de intermediação das
relações econômicas, que apareceram no início da década de 1970. Em seguida, analisare-
mos as contradições entre os membros, as quais se tornam ainda mais evidentes no início da
década de 1980, e atingiram um pico que se revelou insustentável no final da Era Gorbatchov,
e culminou em seu desmonte em 1991.

3
Criação do Comecon e a fase de baixa institucionalização (1949-1956)

A criação do Conselho para Assistência Econômica Mútua (CAEM3) deu-se em janeiro


de 1949, sem que houvesse uma motivação explícita por parte de seus proponentes. Um dos
argumentos mais conhecidos e divulgados pela literatura especializada é o de que a liderança
soviética àquela altura, Josef V. Stálin, temesse o aumento da ingerência econômica e política
por parte dos Estados Unidos no nascente bloco socialista da Europa Oriental (ZIECKEL,
1991). De acordo com a corrente dominante da historiografia soviética, o Comecon foi uma
instituição intergovernamental destinada a promover a cooperação e a coordenação econô-
mica entre os países socialistas (FADEYEV, 1976).
A abertura de documentos anteriormente classificados como secretos tem permitido a
elaboração de uma imagem bastante interessante sobre os primórdios da organização, teve
formuladores não em Moscou, mas em outras capitais europeias, como salienta Shirokov
(2013, p. 87, tradução nossa):

Com a abertura de informações de arquivos anteriormente não conhe-


cidos, é possível reconhecer com uma boa dose de segurança que os
pioneiros da ideia de criação do Comecon não foram os dirigentes so-
viéticos, mas a Romênia e a Tchecoslováquia. Apenas agora surgiram
os fundamentos para comprovar que, primeiramente, foi anunciado o
projeto da organização da cooperação econômica do Leste europeu
por um dos membros mais influentes do Partido dos Trabalhadores da
Romênia V. Luka, que propôs também a expressão “bloco econômico”.
Uma interpretação ideológica do formato das relações econômicas
pela liderança romena depunha sobre a rejeição da prioridade das fun-
ções ideológico-políticas na futura organização econômica. Essa inici-
ativa era apoiada também pelo governo da Tchecoslováquia, conforme
as valorosas evidências de K. Kaplan, obtidas nos arquivos da Repú-
blica Tcheca.

A reconstrução econômica e a recuperação da rede de infraestrutura foram as princi-


pais preocupações dos países do Leste Europeu (inclusive da própria URSS) tanto no imedi-
ato pós-guerra, como nas fases finais do conflito. Essa motivação instou as lideranças nacio-
nais a buscarem assistência externa, sobretudo da União Soviética.
O Comecon surgiu em um contexto de crescente tensão entre os vencedores da II
Guerra Mundial no final da década de 1940. Segundo Vdovin (2014), Stálin esperava que
fossem colocados em prática os acordos entre EUA, Reino Unido e URSS nas conferências
de Ialta e de Postdam, nas quais foi tratada a delimitação das zonas de influência no conti-
nente europeu entre as potências vencedoras. No entanto, a vitória de partidos de centro-

3
A sigla em inglês dessa organização (Comecon, ou Council for Mutual Economic Assistance) é mais difundida,
mesmo em textos de língua portuguesa.
4
direita na Europa Ocidental, a alienação de movimentos comunistas na França, na Itália e na
Finlândia, a derrota dos comunistas na Guerra Civil Grega, e a criação de governos comunis-
tas apenas na Albânia e na Iugoslávia instaram a liderança soviética a rever sua estratégia,
no sentido de ampliar seu controle sobre a Europa Oriental sob sua ocupação, que passaram
por um endurecimento de seus regimes.
Em um primeiro momento, logo após a cessão da Segunda Guerra Mundial, os países
do Leste europeu adotaram um modelo de “democracia popular” que objetivava a construção
de um modelo socialista, mas por meio de amplas coalizões interpartidárias e sem expropria-
ções de propriedades privadas. Mas, diante dos fatores citados acima, esse modelo foi aban-
donado sucessivamente em diversos países, por pressão soviética: na Bulgária (novembro
de 1946), na Polônia (janeiro de 1947), na Hungria (agosto), na Romênia (dezembro) e na
Tchecoslováquia (fevereiro de 1948). Nesses países, foi imposto um modelo socioeconômico
bastante semelhante ao soviético, caracterizado pelo monopólio formal de um único partido
com orientação marxista-leninista, pela ênfase na indústria como motor do desenvolvimento
econômico, e pelo Estado como indutor da economia e da sociedade (VDOVIN, 2014).
Não surpreende que todos os países supracitados, que passaram por essa reorienta-
ção política, tornaram membros fundadores do Comecon, juntamente com a União Soviética.
Albânia e Iugoslávia, que já apresentavam governos de orientação marxista mais “orgânicos”,
tinham relações mais problemáticas com a URSS e com o próprio Comecon: a primeira aderiu
ao Comecon logo após a criação deste, mas se desfiliou em 1961 devido a divergências com
Moscou. Já a Iugoslávia jamais foi sócio pleno da organização; porém, aceitou participar como
apenas membro observador, mas também como participante de boa parte dos projetos do
bloco, a partir de 1964.
Entretanto, Stálin era bastante cauteloso em promover uma unidade econômica regi-
onal integrada ou mesmo um aprofundamento das relações econômicas (WALLACE W. V.,
1986). Ao longo de seus primeiros anos de existência, o Comecon manteve baixo perfil, sem
apresentar sequer um estatuto que previsse as regras básicas para seu funcionamento. A
principal função econômica do Comecon naquele período, já superada a etapa da reconstru-
ção das economias, foi a de viabilizar a corrente de comércio entre seus membros, no intuito
de aprofundar a autossuficiência econômica de cada um dos países (ZIECKEL, 1991).
O termo “cooperação”, ou mesmo a expressão “ajuda recíproca” (conforme o próprio
nome da organização), e não exatamente “coordenação”, tampouco “integração”, apontam de
maneira mais aproximada o cerne das relações econômicas entre os Estados envolvidos na-
quele período. Os dirigentes soviéticos pareciam estar mais interessados na construção de

5
um sistema econômico independente na Europa Oriental, de modo a afastar a possível in-
fluência das potências ocidentais por meio do Plano Marshall nas “zonas-tampão”, sob ocu-
pação soviética desde a fase final da II Guerra Mundial.
Nessa fase, o principal mecanismo de cooperação no âmbito do Comecon foram as
relações econômicas tradicionais, sobretudo o comércio. Essas relações eram negociadas e
reguladas, na maior parte das vezes, em acordos bilaterais de longo prazo entre a União
Soviética e cada um dos demais países. Para Prokhorov (1976), a longa duração dos contra-
tos promovia a previsibilidade e a estabilização das economias nacionais. Uma segunda te-
mática tratada no período foi o pagamento de reparações de guerra por parte de países que
foram aliados da Alemanha nazista durante o referido conflito, como a Bulgária, a Hungria e
a Romênia.
Nessa fase de baixa institucionalização, e de ênfase na soberania de seus membros,
o principal (senão o único) instituto foi a Sessão do Conselho, que congregava os Chefes de
Governo4. Como órgão de cúpula, era responsável pelas discussões de questões mais gerais
sobre a cooperação entre seus membros, e apresentava uma certa regularidade em seus
encontros, de uma vez por ano, mas podia comportar reuniões extraordinárias5.
Cabe ressaltar que a estratégia predominante desenvolvida pelos membros do Come-
con de desenvolvimento nesse período foi semelhante ao modelo soviético em vigor desde a
década de 1930, baseado na centralização do planejamento econômico, na industrialização
via substituição de importações e na estatização de todos os setores econômicos, com a no-
tória exceção do setor agrícola na Polônia (ZIECKEL, 1991). Na verdade, essa estratégia de
desenvolvimento “forçado” e “para dentro” perdurou na própria URSS mesmo após o fim da
Segunda Guerra e foi suavizada apenas após a morte de Stálin em 1953, nas chamadas
“Reformas de Khrushchov”, que veremos a seguir.

1956-1962: fase de transição

No final da década de 1950 ocorreram mudanças substanciais nas relações internaci-


onais no âmbito do Comecon. Essas mudanças foram desencadeadas por pelo menos duas
ordens de fatores, um deles externo, e o segundo, interno. Em primeiro lugar, esse período
foi marcado pelo início do processo de integração na Europa Ocidental e pela aproximação
econômica e política entre países-chave daquela região, sobretudo a França e a Alemanha

4
Cargo ocupado, via de regra, pelo Primeiro-Secretário ou pelo Secretário Geral do Partido Comunista ou Tra-
balhista do país-membro.
5
Caso contasse com o apoio de pelo menos um terço dos membros.
6
Ocidental. Essas movimentações viabilizaram a adesão da Alemanha Ocidental à Organiza-
ção do tratado do Atlântico Norte (OTAN), ainda em 1955, e a assinatura do Tratado de Roma,
por parte de países da Europa Ocidental em 1957, o qual efetivamente criou a Comunidade
Econômica Europeia (CEE).
Além do aumento da articulação política e econômica no Ocidente, diversos países do
bloco socialista, inclusive a própria União soviética, sofreram, ainda que em graus distintos,
processos de instabilidade política, social e econômica ao longo daquela década. À morte de
Stálin em 1953 seguiu-se um acirramento da disputa de poder na cúpula do poder soviético,
que opunha uma ala que se via como legítimos seguidores do finado líder, capitaneada por
nomes como Lavrênty Bêria e, Geórgui Malenkôv e o vencedor, Nikíta S. Khrushchóv, de viés
reformista. As declarações deste último no 20º Congresso do Partido Comunista da URSS,
que revelaram seletivamente as repressões e os crimes perpetrados por Stálin, provocaram
uma profunda divisão na elite dirigente do país e nos movimentos comunistas em todo o
mundo.
Influenciadas por essa querela no epicentro do poder socialista, as crises nos demais
países do Comecon nesse período foram bastante acirradas: as manifestações em Berlim
Oriental em 1953, os protestos e as greves de trabalhadores em Poznań (Polônia) em 1956,
e, principalmente, e o levante na Hungria, no mesmo ano. O levante húngaro levou à ascensão
de tendências liberalizantes no governo do país, e constituiu-se como a primeira grande ame-
aça de ruptura por parte de um aliado soviético. Como forma de evitar possível trajetória, a
União Soviética interviu militarmente e contribuiu para a destituição do breve governo de Imre
Nagy, o qual ameaçou retirar o país do recém fundado Pacto de Varsóvia e convocar eleições
multipartidárias.
O risco de defecções por parte de nações socialistas aliadas à URSS para o campo
capitalista naquele momento colocou incentivos para aumentar e aprofundar a cooperação
econômica no âmbito do Comecon e, de atenuar o domínio quase absoluto da URSS sobre
seus membros, situação que persistia desde o final da década de 1940. Assim, a partir de
1956, já era evidente no Comecon uma preocupação em superar a concepção minimalista e
de baixa institucionalização, que caracterizou os anos iniciais da organização, sobretudo du-
rante a era Stálin6. Naquele mesmo ano, foram criadas comissões permanentes no Comecon
destinadas a analisar possibilidades de convergência econômica em setores econômicos es-
pecíficos. Essas comissões eram compostas por membros de ministérios e agências especí-
ficos de cada país-membro, como por exemplo, nos setores de energia elétrica, energia atô-

6
Terminada em 1953, com sua morte
7
mica para fins pacíficos, petróleo e gás natural, agricultura e transporte. Mas uma das princi-
pais mudanças no período foi o estabelecimento do estatuto da organização, que veremos a
seguir.

O Estatuto do Comecon e alguns dos princípios básicos de funcionamento

Após uma década sem uma regulação clara de suas atividades, os membros do Co-
mecon assinaram em 1959 o Estatuto da organização, o qual previa os princípios básicos
desta e a delimitava a cooperação a ser desenvolvida entre os países. As decisões eram
tomadas, de acordo com a referida Carta, por meio do princípio da unanimidade.
Outra característica peculiar era a prerrogativa concedida a cada país de participar de
cada projeto que lhe aprouvesse, ou voluntariedade. Os países não interessados em participar
de dado projeto não dispunham de poder de veto, a menos, claro, que sua participação fosse
decisiva (ZIECKEL, 1991).
Uma terceira característica fundamental constante em todo seu período de existência
era a intergovernamentabilidade. Todas as decisões aprovadas pelas instâncias do bloco de-
veriam ser aprovadas internamente para serem efetivamente aplicadas. Ainda que em alguns
momentos se buscou a formalização de instâncias de caráter supranacional, sobretudo por
parte da própria União Soviética, a resistência de alguns países, sobretudo a Romênia, pre-
veniu que o Comecon seguisse a trajetória da própria CEE, a qual, desde seus momentos
iniciais, previu instituições com poder de decisão vinculante sobre os Estados.
É nesse momento em que ocorreu uma alteração na concepção estratégica sobre a
cooperação econômica no bloco. O princípio da autossuficiência econômica nacional foi rela-
tivizado a favor da coordenação dos planos econômicos e da introdução do conceito de es-
pecialização produtiva, que teve a própria União Soviética e seu líder àquela altura,
Khrushchov, como forte defensora (WALLACE W. V., 1986). Em 1962, por ocasião da 15ª
Sessão do Conselho, formalmente o órgão mais relevante na hierarquia do grupo, foi apro-
vado o texto sobre os “Princípios Básicos da Divisão Internacional Social do Trabalho”. Essa
mudança de abordagem também pode ser explicada pelas dificuldades em se criar uma eco-
nomia industrializada autossuficiente, semelhante ao modelo soviético, mas em países de
dimensões menores (KONOTOPOV & SMETANIN, 2003).
Os conceitos de divisão internacional socialista do trabalho e de integração socialista,
introduzidos nessa época e defendidos pela liderança soviética, compartilhavam da noção de
que, para promover o aumento da eficiência econômica em um contexto de revolução tecno-
lógica e de industrialização, era necessário aumentar a escala de produção. Mas os propo-
nentes dessa integração, que se colocava como uma alternativa à nascente CEE, enfatizavam

8
principalmente as diferenças, sobretudo as vantagens, do projeto de integração socialista em
relação ao capitalista. Havia uma explícita preocupação em uniformizar o nível de desenvol-
vimento e em se levar em consideração o interesse de todos os membros eram preocupação
central desse projeto (ALAMPIEV, 1976). Enquanto a CEE visava a formação de um mercado
comum, o Comecon estipulava para si um planejamento econômico comum, como ficou esti-
pulado em diversos encontros do grupo no início da década de 1960.
Nesse período de transição deu-se o estabelecimento do sistema de oleodutos Dru-
jbá7, que até nos dias atuais interliga as fontes produtoras na Sibéria Ocidental a países “ami-
gos”, como a Polônia, a Hungria, a Tchecoslováquia e a então Alemanha Oriental. Essa infra-
estrutura ampliou e consolidou a posição da URSS como fornecedora de recursos naturais
para os países da região, que por sua vez se “especializaram” na exportação de bens manu-
faturados e maquinários.

1962-1985: institucionalização

A partir de 1962, diante da necessidade de coordenar as relações econômicas intra-


bloco cada vez mais intensas, criaram-se diversas instituições intergovernamentais. Naquele
mesmo ano, os países do grupo instituíram o Comitê Executivo, composto por vice Chefes de
governo. Esse órgão era responsável por comandar os projetos de forma a cumprir as metas
traçadas pela Sessão do Conselho, bem como de supervisionar o cumprimento das obriga-
ções assumidas pelos Estados-membros e de aprovar as recomendações elaboradas pelas
comissões permanentes setoriais.
No ano seguinte, foi criado o Banco Internacional para a Cooperação Econômica
8
(MBES ), destinado a prover recursos para o comércio intrabloco e uniformizar a contabilidade
do balanço de pagamentos entre seus membros, cuja unidade de conta seria dada por meio
de uma moeda internacional, o chamado rublo transferível, que apresentava apenas a função
de moeda de conta, mas que permitia algumas operações de compensação. Além do MBES,
nessa fase foram criadas organizações setoriais intergovernamentais, como o caso da Inter-
metall, focada na siderurgia, e a Organização Internacional da Indústria de Rolamentos, am-
bas em 1964.
Nos quatro primeiros anos de Leoníd I. Brêjnev no poder, entre 1964 e 1968, a URSS
esteve mais preocupada com a resolução de problemas econômicos e políticos domésticos.
No âmbito político, a “luta” era para reduzir ou liquidar a influência dos quadros que estavam
incomodados com a destituição de Khrushchov em 1964. No plano econômico, nos primórdios

7
Amizade, em russo.
8
Sigla em russo para Mezhdunarôdnyy Bank Ekonomícheskogo Sotrúdnichestva.
9
anos da era Brejnev detectou-se uma tentativa de levar a cabo as chamadas Reformas de
Kossýgin9, que previam a introdução de mecanismos de mercado e certa descentralização do
planejamento econômico, uma espécie de retomada do movimento reformista observado em
boa parte do período de Khrushchov. No entanto, a persistência do conservadorismo nos altos
escalões e a resistência aos experimentos econômicos na administração das empresas e dos
ministérios inviabilizou essas reformas, que foram abandonadas completamente no início da
década de 1970 (MUNCHAEV & USTINOV, 2014).
O crescimento do poderio dos conservadores também incidiu na política externa da
URSS e nas relações intrabloco. As tendências reformistas na Tchecoslováquia, bastante evi-
dentes no curto governo de Alexander Dubček, quando se buscou uma liberalização não ape-
nas na economia, e a instauração de um sistema multipartidário, sofreram a oposição de todos
os países do Comecon, com exceção da Romênia. Para Zieckel (1991), essa grave crise po-
lítica, que se constituiu na segunda grande ameaça de ruptura política entre os aliados euro-
peus orientais da URSS10, sinalizava a necessidade de se revitalizarem as instituições do
bloco. Uma das inovações nessa fase foi a criação do Banco Internacional de Investimentos
em 1970, cujo objetivo era financiar projetos conjuntos.
No mesmo contexto, em 1971, por iniciativa soviética, foi adotado o Programa Abran-
gente para a Integração Econômica Socialista, que propunha a implementação de diversos
projetos de caráter multilateral de cooperação econômica e técnico-científica para longo prazo
(entre 15 e 20 anos), para concluir o processo de Divisão Internacional Socialista do Trabalho.
Esse programa, apesar de ter avançado na promoção da coordenação entre os planos econô-
micos, também introduziu relações de mercado e maior flexibilização na formação de preços.
Os preços do comércio intrabloco foram revistos, aproximando-se do nível praticado no mer-
cado mundial, mas a valores, em geral, menores11 (ZIECKEL, 1991; KONOTOPOV &
SMETANIN, 2003).
No entanto, esse momento de institucionalização não ocorreu sem contradições entre
os membros. Ainda que esse pacote de reformas tenha sido aprovado de forma unânime,
inclusive pelo novo governo tchecoslovaco (que após os eventos de 1968 assumiria bastante
próxima a Moscou), a Hungria defendia a introdução de mais mecanismos de mercado sobre-
tudo em relação à formação de preços (WALLACE W. V., 1986). A criação de instituições
supranacionais, de forma a vincular os governos às decisões do Comecon, conforme defendia
a União Soviética, encontrava resistências pelos demais países, os quais temiam que as ins-
tituições supranacionais pudessem ser dominadas de fato pela URSS e, por conseguinte, que

9
Alexey Kosygin foi Primeiro-ministro da União Soviética entre 1964 e 1980.
10
Neste ponto estamos excluindo dois casos, o da Albânia e da Iugoslávia que, não obstante a orientação mar-
xista, desenvolviam uma política externa independente em relação a Moscou e ao Pacto de Varsóvia.
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Os preços eram em geral revisados a cada 5 anos.
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aumentasse a ingerência soviética em suas economias. Possivelmente por temer animosida-
des adicionais contra si, a União Soviética, aceitou uma solução de meio termo, com a criação
dessas instituições, nas quais foi mantido o princípio intergovernamental.
A partir do início dos anos 1970, o comércio entre os membros da organização com
demais países, inclusive com os do Ocidente desenvolvido, aumentou significativamente,
ainda que o comércio intrabloco tenha se mantido como a parcela mais relevante para todos
seus participantes. Nesse período foram incorporados dois relevantes membros plenos não-
europeus, Cuba e Vietnã, e foi prevista uma categoria específica de participação para países
capitalistas, sob a referência “cooperadores não-socialistas”, como a Finlândia (1973), o Mé-
xico e o Iraque (ambos em 1975)12.
No plano intrabloco, em quase todo o período, a URSS posicionava-se como fornece-
dora de recursos naturais, em especial energéticos, e adquiria bens manufaturados e equipa-
mentos de seus parceiros socialistas. Porém, partir da década de 1970 as relações econômi-
cas dos membros do Comecon com os países capitalistas avançados também foram amplia-
das significativamente, e não apenas no comércio. Alguns dos países da região, sobretudo a
Polônia, contraíram dívidas crescentes frente a credores ocidentais no intuito de suprir even-
tuais déficits em determinados setores agrícolas e, também, a modernizar seu parque indus-
trial. A URSS pôde evitar a contrair pesadas dívidas externas, pelo menos nesse período,
graças a sua crescente participação no mercado global de petróleo na condição de exporta-
dora. O aumento decisivo do preço desse insumo nos anos 1970 permitiu à superpotência
socialista a acumular divisas em moedas conversíveis, especialmente em dólar, os quais tam-
bém eram usados para a obtenção de recursos em falta na URSS (especialmente cereais).
No entanto, essa possibilidade era limitada ou mesmo impraticável para os demais
membros do Comecon do Leste Europeu. Os anos 1980 foram marcados pelo início ou
mesmo pelo acirramento de crises, em especial na Polônia. Esta última iniciou a década em
meio a um contexto de crise no financiamento de sua dívida externa, que, em grande parte,
havia sido contraída junto a credores ocidentais ao longo dos anos 197013, e de acirramento
das tensões sociais e políticas internas, como evidenciou o crescimento da influência do Par-
tido Solidariedade em meio ao movimento sindical nacional.
Assim, a redução da dependência financeira frente a instituições ocidentais e da par-
ticipação dos países desenvolvidos capitalistas nas importações foi alvo das políticas no inte-
rior do Comecon, e foi alcançada nos respectivos planos quinquenais dos países-membros

12
A participação desses países nas reuniões do Comecon dava-se, na verdade, por meio de comissões nacio-
nais, que por sua vez eram formadas por membros do governo e do empresariado do referido país (ZIECKEL,
1991).
13
Cabe lembrar que os EUA haviam aumentado significativamente sua taxa de juros no início da década de
1980, o que impactou negativamente nas economias de países não apenas de países latino-americanos, como
o Brasil e o México, mas também em alguns países socialistas do Leste Europeu.
11
entre 1981 e 1985 (ZIECKEL, 1991). Nesse período ocorreu uma substancial redução em
termos relativos da participação dos países capitalistas no comércio e a dívida externa, e foi
intensificado o comércio de itens de maior valor agregado. Conforme pode-se observar nas
estatísticas oficiais soviéticas, entre 1981 e 1985 o fluxo comercial entre a URSS e os mem-
bros do Comecon cresceu 11,3% em termos absolutos, e apenas 3,7% entre a URSS e os
países capitalistas desenvolvidos (GOSKOMSTAT SSSR, 1991).
Em 1984, por ocasião da 23ª Reunião Extraordinária da Sessão do Conselho, cujo
intuito era de promover crescimento econômico em bases intensivas de tecnologia (isto é, que
incorporasse novas tecnologias, em detrimento do chamado crescimento extensivo). Uma das
consequências foi a adoção, no ano seguinte, do Programa Abrangente para o Progresso
Científico e Técnico para o ano 2000, que elencou 5 áreas prioritárias (eletrônicos, automa-
ção, energia nuclear, desenvolvimento de novos materiais e biotecnologia) (ZIECKEL, 1991).
Essa tentativa de reforçar a integração e a interdependência entre os me membros no Come-
con esteve ligada às tentativas malogradas reformas (e as disputas de poder) na própria
URSS durante os interregnos de Iúri Andrôpov (1982-84) e Konstantín Tchernênko (1984-
85)14.

Final da década de 1980: contradições crescentes

À primeira vista, as relações de poder dentro do Comecon parecem sugerir o predo-


mínio absoluto da União Soviética na proposição de regras e de políticas econômicas no âm-
bito da instituição e na tomada de decisões no bloco. A interpretação dominante sugere que
a URSS detinha o controle sobre o sistema de integração socialista no antigo bloco socialista.
No entanto, uma observação mais cuidadosa sugere que a margem de manobra por
parte da URSS não era exatamente tão ampla, em especial ao longo do decênio final do
Comecon. A URSS de fato conseguiu melhores termos de troca em seu comércio com os
países da região de forma mais evidente na década de 1970, quando houve um aumento dos
preços do petróleo. O aumento dos preços do petróleo no Comecon, ainda que a um nível
inferior ao equivalente mundial, impactou a economia dos países do Leste Europeu, que viram
suas dívidas com a URSS e com credores ocidentais aumentarem.
Sob uma perspectiva soviética – e russa –, não obstante, a URSS “apenas perdeu”
nas relações econômicas em comparação com seus parceiros do bloco (POLYNOV, 2011, p.

14
No período de Andropov, houve uma tentativa de mudanças, mas no sentido de ampliar o controle sobre a
sociedade e a disciplina no trabalho e de restaurar os valores “comunistas”. Tchernenko correspondeu a um
período menos autocrático, na qual a “luta pela disciplina” foi abandonada, sem, contudo, buscar liberalizar a
economia tampouco a política; a brevidade de sua administração impediu a continuidade de seu plano de re-
formas.
12
109). Os insumos exportados pela URSS eram transacionados a preços quase sempre me-
nores em comparação ao mercado internacional15. No lado das importações, a URSS adquiria
destes mesmos países equipamentos e máquinas de qualidade inferior em relação a análogos
produzidos no Ocidente, o que gerou dúvidas sobre problema da eficiência no comércio no
Comecon e sobre a concessão de subsídios soviéticos para esses países, conforme aponta
Polynov (2011, p. 109, tradução nossa):

(...) de 1970-1984 a soma dos ganhos dos países-membros do Come-


con do Leste europeu com o comércio com a URSS chegou a 196 bi-
lhões de dólares, e em média per capita [por ano], 1760 dólares (na
Alemanha Oriental – 3493, na Bulgária – 3486, na Tchecoslováquia –
2828, na Hungria -1974, na Polônia – 1021, na Romênia – 169).

Por outro lado, as lideranças no poder em boa parte dos membros europeus do Co-
mecon temiam que a excessiva interdependência e o estabelecimento de instituições supra-
nacionais pudessem ir de encontro aos princípios da soberania nacional e da autonomia eco-
nômica. O caso da Romênia é particularmente indicativo das tensões no bloco, como demons-
tra Dragomir (2012), em meio a uma pesquisa nos documentos romenos desclassificados. A
abordagem predominante sobre o modelo do Comecon, que passou do reforço da autarquia
econômica no nível nacional para uma integração regional baseada na especialização produ-
tiva, conforme exposto na seção anterior, encontrou forte oposição dos dirigentes romenos:

A Romênia ligava a criação do Comecon ao Plano Quinquenal [ro-


meno] não porque desejasse a ‘integração’ com o Bloco Oriental, mas
porque a implementação desse plano estava condicionada ao comér-
cio exterior da Romênia. O país estava interessado na criação de um
‘sistema de cooperação’ para melhorar suas relações comerciais com
outras democracias populares, especialmente com aquelas capazes
de exportar equipamento industrial e maquinário (DRAGOMIR, 2012,
pp. 46-47, tradução nossa).

A adesão ao Comecon de países de menor desenvolvimento econômico a partir da


década de 1970 colocou em contradição os propósitos geopolíticos da URSS e com os temo-
res dos demais membros europeus de se virem forçados a arcar com os custos de promover
a industrialização e/ ou modernização de economias bastante agrárias. A adesão do Vietnã,

15
No caso do petróleo, por exemplo, o preço intra-Comecon era calculado com base em uma média referente
aos cinco anos anteriores (IGOLKIN, 2008.). Assim, com a tendência de crescimento dos preços na década de
1970, o preço do insumo era sempre menor; mas na década seguinte, esse vetor se inverteu. De acordo com
dados soviéticos, o preço médio do petróleo cru ao longo de 1990 foi bastante semelhante para a Polônia
(101,5 rublos), Bulgária (86,6), Hungria (99,4) e para países capitalistas desenvolvidos, como Finlândia (89,5) e
Áustria (93). (GOSKOMSTAT SSSR, 1991)
13
por exemplo, era apoiada pela URSS, que detinha interesses estratégicos específicos no su-
deste asiático, mas gerou sérias ressalvas por parte da Tchecoslováquia, conforme aponta
Wallace (1986).
A ascensão de Gorbatchov em 1985 e a subsequente imposição das reformas econô-
micas e políticas trouxeram novas desavenças entre a URSS e o Comecon, inclusive com
alguns governos com orientação mais alinhada a Moscou até então: Alemanha Oriental, Bul-
gária e Tchecoslováquia, além da Romênia, que tradicionalmente trilhava um rumo bastante
autônomo (POLYNOV, 2011). A redução do crescimento econômico na região, ou mesmo de
retração econômica em alguns anos da década, como no caso da Polônia, da Hungria e da
Tchecoslováquia16, contribuiu para ampliar o descontentamento social no interior desses paí-
ses. A enunciação da chamada “Doutrina Gorbatchov” na Assembleia Geral da ONU em 1988,
que significou conivência de Moscou às mudanças políticas na Europa Oriental, permitiu a
deposição dos regimes socialistas nessa região em menos de um ano.
Esses países, já sob processo de transição política e econômica, propuseram na úl-
tima Sessão do Conselho em 1991 a criação de uma nova instituição, que seria chamada
Organização Internacional para a Cooperação Econômica. Mais uma vez, veio à tona o tema
dos subsídios às economias menos avançadas do Comecon, que opunha a URSS, defensora
da manutenção na nova instituição do tratamento diferenciado a Cuba, Mongólia e Vietnã, às
demais nações europeias (POLYNOV, 2011). Diante do forte impasse, desta vez alimentado
pela posição ainda mais incisiva dos governos de transição nesses países, os quais já apre-
sentavam interesse em se acercar da CEE política e economicamente, o Comecon foi extinto
em junho de 1991.

Observações finais

No presente trabalho, analisou-se a dinâmica das relações de poder entre a URSS e


os demais países do Comecon do leste europeu ao longo da Guerra Fria. Pretendemos de-
monstrar que essas relações foram bem mais complexas do que um simples desdobramento
apenas da distribuição de recursos de poder bélicos entre eles. As questões econômicas
apresentaram um papel bastante estratégico para entender o problema. A concessão de van-
tagens comerciais altamente significativas em prol de alguns países, como no caso da venda
de recursos naturais escassos na Europa a preços menores em comparação ao mercado
internacional, além da garantia de mercado consumidor na União Soviética para a produção

16
O indicador para aferir o nível de atividade econômica no Comecon era o ”Produto Material Bruto” bastante
diferente ao conceito de Produto Interno Bruto ou Renda Nacional. A principal diferença era a não contabiliza-
ção da quase totalidade dos serviços.
14
industrial dos membros do Comecon, serviu ao propósito de atrelar esses países a Moscou
durante décadas.
No entanto, essa configuração não permaneceu intacta com o passar dos anos. As
dificuldades encontradas nesses países de incutir tecnologias em seu processo produtivo, de
minimizar problemas de abastecimento e de retomar o crescimento econômico vigoroso ainda
nos anos 1970 fez com que seus governos demandassem cada vez mais subsídios por parte
da URSS e, graças à redução das tensões Leste-Oeste naquele mesmo período, a buscar
oportunidades na Europa Ocidental e até mesmo nos EUA, por meio de aumento das trocas
comerciais e de endividamento. A capacidade de a URSS manter o alinhamento estrito, ca-
racterístico dos anos 1940 e 1950, foi se esvaecendo com o passar dos anos, ainda que o
Moscou mantivesse suas tropas e seu arsenal bélico em quase toda a região.
No início dos anos 1980, diante da retomada das disputas entre as duas superpotên-
cias, houve um esforço por parte de Moscou em reduzir os laços com o Ocidente capitalista,
de forma a restaurar sua prevalência semelhante aos moldes do final da década de 1940, com
relativo sucesso. O comércio com o ocidente teve sua participação reduzida, e a solvência de
países como a Polônia e a Hungria foi sensivelmente aprimorada, mas com custos econômi-
cos adicionais a Moscou. Por volta de 1985, a redução substancial do preço internacional do
petróleo, reduziu a capacidade de a URSS manter a política de vantagens aos países aliados
e, inclusive a acumular dívidas com bancos ocidentais. O líder soviético buscou reverter esse
quadro cada vez mais desfavorável à URSS, e esse rumo foi tomado em 1988, com a procla-
mação da política que seria conhecida como "Doutrina Sinatra", em alusão à canção "My way"
do renomado músico estadunidense, no sentido de que cada país, na visão de Moscou, de-
veria seguir seu próprio rumo e a não depender do auxílio de aliados. Essa nova política, em
conjunto com outros fatores, como as dificuldades econômicas em quase todos os países da
região e à ativa política da diplomacia (e, também dos serviços secretos) dos ocidentais con-
tribuíram para a rápida deposição dos regimes comunistas. A dissolução do Comecon e do
Pacto de Varsóvia tiveram um componente adicional: a busca de apoio na Europa Ocidental
e nos EUA para buscar maior legitimação dos novos governos e para operacionalizar a tran-
sição econômica.

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