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FELIPE GOMEZ
“A data chave na qual podemos afirmar que assistimos à internacionalização dos direitos
humanos é 1945, uma vez finalizada a Segunda Guerra Mundial e criada a Organização
das Nações Unidas. No período entre guerras assistimos ao surgimento de um amplo
movimento em favor do reconhecimento internacional dos direitos humanos”.
“Os Tratados de Paz que puseram fim à primeira grande contenda bélica deste século
estabeleceram um sistema de proteção das minorias nacionais, sistema que ia a ficar sob
o abrigo da Sociedade de Nações. Este regime jurídico de proteção das minorias,
embasado nos princípios de igualdade de tratamento e não discriminação, outorgava
amplos direitos às minorias no que concerne à conservação de sua língua, sua religião,
seu sistema escolar e, inclusive, previa certos direitos políticos”.
“Nem na Carta das Nações Unidas nem na Declaração Universal dos Direitos Humanos
se previa um reconhecimento dos direitos das minorias tão avançado como o que se
produziu na época da Sociedade de Nações, o que se converterá numa das principais
lacunas da Declaração Universal”.
“Não se tratava de uma proteção geral e sistemática dos direitos humanos; tão somente se
protegiam os direitos de determinadas categorias de pessoas, não os direitos da pessoa
enquanto tal”.
“Embora que no período entre guerras a maior parte dos governos eram partidários de
aceitar obrigações de Direito Internacional em relação ao tratamento de seus próprios
cidadãos, uma atitude muito mais positiva se foi desenvolvendo entre os acadêmicos de
Direito Internacional”.
“O que é realmente relevante dessa Declaração não foi seu conteúdo, certamente nada
revolucionário, senão que abriu a porta a um processo irreversível de internacionalização
dos direitos humanos. A partir deste momento, sobre a base desta Declaração de Nova
Iorque, surgiram diferentes iniciativas com um único objetivo: subtrair da soberania dos
Estados a matéria dos direitos e das liberdades”.
“Estas propostas encontraram o mais absoluto rechaço por parte, fundamentalmente, das
grandes potências presentes em São Francisco. São várias as razões que explicam este
rechaço. Em primeiro lugar, um aspecto que preocupava a todas as potências era que os
direitos humanos não interferissem em seus assuntos internos sobretudo tendo em conta
que todas elas tinham nesses momentos sérios problemas em relação aos habitantes de
seus territórios”.
“Em segundo lugar, tivera sido muito difícil elaborar uma Declaração de Direitos
Humanos numa Conferência Internacional de várias semanas com a de São Francisco, na
qual, ademais existiam outros muitos problemas para solucionar, como as delicadas
questões relacionadas com a paz e com a seguridade internacionais. Por último, outra
questão que também estivera planejando durante toda a Conferência de São Francisco foi
‘o fantasma do rechaço do Senado dos Estados Unidos a dar seu consentimento ao Pacto
da Sociedade de Nações’, o que, entre outros fatores, contribuiu ao relativo fracasso da
Organização criada após a Primeira Guerra Mundial”.
“Esta força relativa das disposições na Carta da ONU que fazer referência aos direitos
humanos se deve basicamente ao lobby feito por certos países pequenos como os da
América Latina e pelas ONG’s que formavam parte da delegação norte-americana na
Conferência de São Francisco”.
“Após árduas discussões, Estados Unidos, onde se vivia com todo seu rigor o problema
racial, aceitou figurar o princípio da não discriminação se a União Soviética renunciasse
suas pretensões de incluir uma referência expressa na Carta ao direito ao trabalho e o
direito à educação, direitos muito queridos pela concepção socialista dos direitos
humanos”.
“Desde os mesmos inícios da ONU, tanto desde a doutrina como desde diferentes Estados,
se tem questionado até que ponto os direitos humanos constituem um assunto que entra
naquelas matérias ‘que são essencialmente da jurisdição interna dos Estados’ e que, como
consequência, não permitiriam uma intervenção nem por parte da ONU nem por parte de
outros Estados da comunidade internacional”.
“Existem sérias e importantes lacunas nestas referências genéricas aos direitos humanos
que encontramos na Carta da ONU. Em primeiro lugar, não se oferece uma definição do
que se deve entender por direitos humanos. Tampouco procede a Carta, em segundo lugar,
a uma mínima enumeração de quais são esses direitos, salvo a referência expressa ao
princípio da não discriminação e, por último, não se estabelecem mecanismos concretos
para garantir os direitos humanos”.
“Muito em breve se viu que era um objetivo muito ambicioso; os Estados não estavam
dispostos a assumir compromissos de tal natureza e, finalmente, se optou por um objetivo
muito mais modesto, a elaboração de um único documento que consagrasse os direitos
humanos de maior relevância”.
“Os direitos humanos não podiam passar por cima da soberania dos Estados, é dizer, as
questões relativas aos direitos humanos se consideravam um assunto essencialmente da
jurisdição interna dos Estados e, em consequência, a comunidade internacional não podia
intervir e criticar a situação dos direitos humanos em um determinado país”.
“Antonio Cassesse: a discussão que se travou na ONU sobre a Declaração Universal foi
integralmente um fragmento da Guerra Fria.”
“A dignidade da pessoa humana vai depender tanto dos direitos civis e políticos como dos
direitos econômicos, sociais e culturais”.
“A Declaração não nos oferece nenhuma definição do que entende por dignidade,
rechaçando expressamente qualquer alusão de caráter metafísico para fundamentar a
dignidade”.
“Para o Presidente do New Deal, as liberdades fundamentais das que deve gozar todo ser
humano se resumem em quatro: liberdade de palavra e pensamento; liberdade de religião;
liberdade ante a necessidade e liberdade ante o medo. Pois bem, a filosofia contida no
pensamento de Roosevelt está expressa já no preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, quando se afirma o que se pretende com o reconhecimento
internacional dos direitos humanos é “a vinda de um mundo em que os seres humanos,
liberados do temor e da miséria, disfrutem da liberdade de palavra e da liberdade de
crença”.
“Outro dos aspectos em que incide o preâmbulo é a conexão entre o que denomina um
regime de Direito e a proteção efetiva dos direitos humanos. É dizer, que a Declaração
considera ‘essencial que os direitos humanos sejam protegidos por um regime de Direito
’ “.
“Entre os que podemos destacar a igualdade ante a lei, o direito a um recurso efetivo ante
os tribunais, o direito a presunção de inocência, o direito à liberdade de consciência,
pensamento e religião, o direito à liberdade de opinião e expressão, todos eles são a base
do que se conhece atualmente como Estado Democrático de Direito”.
“Para que se produza um disfrute real e efetivo dos direitos humanos é absolutamente
necessário o progresso e o desenvolvimento tanto no econômico como no social. É por
isso que o preâmbulo advoga por um conceito mais amplo da liberdade, é dizer, a
liberdade já não se entende em sua mera acepção de liberdade formal, senão que deve
incluir uma melhora nas condições de vida das pessoas”.
“René Cassin: Para este autor, quatro colunas de igual importância sustentam o pórtico
da Declaração Universal de Direitos Humanos. A primeira coluna está formada pelos
direitos e liberdades de ordem pessoal; a segunda, pelos direitos do indivíduo em relação
com os grupos do que forma parte; a terceira vem constituída pelos direitos políticos;
enquanto a última se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais”.
“Neste primeiro grupo dos direitos humanos contidos na Declaração Universal se referem
àqueles direitos que fazer referência ao âmbito mais íntimo e pessoa do ser humano. Há
que destacar o direito à vida, um dos direitos mais importantes do catálogo atual de
direitos humanos”.
“Essa proposta de vincular o direito à vida com os direitos econômicos e sociais não
gozava de uma aceitação majoritária pelo que, finalmente, não se incluiu na Declaração
Universal”.
“Apesar de que se tem produzido avanços notáveis neste campo, ‘muitas regiões do
mundo conhecem ainda diversas modalidade de escravidão ou servidão e segue existindo
o tráfico de seres humanos tanto na África como na Ásia e em alguns lugares da América
Latina’. Por tanto, a escravidão e as práticas análogas à escravidão seguem sendo um
problema no que se tem que enfrentar tanto os Estados como a própria comunidade
internacional”.
“Apesar de todo este conteúdo normativo e institucional, devemos sublinhar que, por
desgraça, a tortura segue sendo uma prática amplamente utilizada em muitas partes do
mundo”.
“O que não se estabelece para os seres humanos nessa situação de busca de asilo, a
obrigação dos países em receber os solicitantes de asilo, o que segundo alguns, priva a
efetividade real a este direito. A concessão de asilo, por tanto, se configura como um ‘ato
facultativo, não um dever de cumprimento obrigatório por parte dos Estado”.
“Este direito não poderá ser invocado contra uma ação judicial realmente originada por
delitos comuns ou por atos opostos aos propósitos e princípios da ONU”.
“René Cassin: é difícil exigir a regimes teocráticos fundados sobre uma religião
determinada o proclamar da possibilidade para o indivíduo se evadir dela”.
“Por causa das vicissitudes da Guerra Fria e do enfrentamento político e ideológico entre
os países ocidentais e os países da órbita socialista, se procedeu a aprovação de dois
pactos internacionais, um consagrado aos direitos civis e políticos e outro dedicado ao
reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. Na atualidade, uma vez
acabada a Guerra Fria, é de esperar que os conflitos enquanto à concepção dos direitos
humanos vão remitindo.
“A caracterização geral dos direitos econômicos, sociais e culturais, é que estes últimos
vão depender do ‘esforço nacional’ e da ‘cooperação internacional’”.
“Esses direitos não são absolutos, senão que estão caracterizados pelas notas de
relatividade e progressividade; em todo momento vão depender da quantidade de recursos
disponíveis”.
“A conclusão que podemos obter é que para o disfrute dos direitos econômicos, sociais e
culturais se tem que produzir uma necessária complementariedade entre o esforço
nacional e a cooperação internacional, sobretudo, se temos em conta as dificuldades pelas
quais atravessam quantidade de países do terceiro mundo. Em muitos desses países, ante
a insuficiência de recursos, os direitos de segunda geração passa inexoravelmente pelo
estabelecimento de umas relações de cooperação mais estreitas com os países
industrializados”.
“Nos países pobres, o direito à vida se vincula sobretudo com a possibilidade de cobrir as
necessidades mínimas para subsistir, como a alimentação, a moradia, a saúde, a educação
”.
“A educação tem que ir claramente orientada até o respeito e a promoção dos direitos
humanos, a tolerância e a paz. É aqui onde cobra toda sua relevância a Educação em
Direitos Humanos como um meio fundamental para converter aos sistemas educativos
em instrumentos para o gozo e à promoção dos direitos humanos, a democracia, a paz e
o desenvolvimento”.
“Uma das razões mais importantes que explicam este escasso interesse prestado aos
direitos culturais, parece ser que foi o rechaço a incluir os direitos das minorias na
Declaração”.
“A introdução ou não dos direitos das minorias na Declaração foi uma das questões mais
controversas durante o processo de elaboração da Declaração. A oposição mais forte veio
da mão dos países ocidentais e, sobretudo, dos países latino-americanos, que
consideravam que na América Latina no existiam minorias, nem de caráter indígena nem
de caráter nacional”.
“Os direitos humanos vão depender, em muitas ocasiões, da ordem social que prevaleça
em um determinado Estado assim como da estruturação da ordem internacional”.
“Muitas vezes são as estruturas políticas, sociais, econômicas, culturais, a nível interno e
na esfera internacional as que se escondem detrás de gravíssimas violações de direitos
humanos”.
“A ideia básica que subjaz esta Declaração é que, em um mundo globalizado como o que
vivemos, é absolutamente necessário o falar não só de direitos humanos, como também
de responsabilidades humanas”.
“Em nenhum caso se poderão exercer os direitos e as liberdades ‘em oposição aos
propósitos e princípios da ONU”, é dizer, os direitos humanos nunca se podem utilizar
como justificação para menosprezar os princípios fundamentais pelos quais se conduz a
ONU”.
“Nos primeiros estágios de sua elaboração, a Declaração que estamos analisando recebia
a denominação de ‘Declaração Internacional de Direitos Humanos’. Somente com a
posterioridade, e a proposta francesa, se mudou seu nome, passando a se converter em
Declaração Universal dos Direitos Humanos. René Cassin explica que essa mudança para
a Declaração ‘emana da comunidade juridicamente organizada de todos os povos do
mundo e expressa as aspirações comuns de todos os homens’. Certo é que a Declaração
revela uma clara vocação de universalidade, é dizer, pretende outorgar direitos humanos
a todas as pessoas, sem nenhum tipo de distinção”.
“Que a observância dos direitos humanos é muito diferente em distintos países é um fato
que ninguém pode negar (...). Se concebem de distintas maneiras. Na atualidade, ‘o
caráter universal da ideia dos direitos humanos (...) começa a apresentar sintomas de
crises’. As críticas provêm fundamentalmente do mundo islâmico e dos países do terceiro
mundo, os quais consideram os direitos humanos como uma ideia predominantemente
ocidental e que não responde às suas demandas atuais e às suas necessidades”.
“A Declaração de Viena traz que ‘todos os direitos humanos são universais, indivisíveis
e interdependentes e estão relacionados entre si (...). Deve ter em conta a importância das
particularidades nacionais e regionais assim como dos diversos patrimônios históricos,
culturais e religiosos, mas os Estados têm o dever, sejam quais forem seus sistemas
políticos, econômicos e culturais de promover e proteger todos os direitos humanos e as
liberdades fundamentais”.
“Na prática da ONU, uma Declaração é um instrumento solene que se utiliza somente em
casos muito especiais, em questões de grande e verdadeira importância e quando se espera
obter o máximo de observância por parte do maior número de Estados possíveis”.
“Uma Declaração pode ser considerada pelo costume como enunciadora de normas
obrigatórias para os Estados”.
“O objetivo da Declaração foi, como diz no preâmbulo, estabelecer ‘um ideal comum
pelo qual todos os povos e nações devem se esforçar’, e seu conteúdo se considera como
‘uma concepção comum dos direitos e liberdades’ ao que se refere a Carta”.
“Cassin sempre manteve que a declaração constituía o fim da referência para apreciar em
que medida os Estados cumpriam com as obrigações de cooperar com a ONU na esfera
dos direitos humanos”.
“O tema do valor jurídico da Declaração não foi um tema pacífico e que as percepções
dos principais atores eram distintas”.
“Hoje em dia, poucos internacionalistas negam que a Declaração se converteu em um
instrumento normativo que cria obrigações jurídicas para os Estados-membros da ONU.
A controvérsia, hoje em dia, gira mais em torno a duas questões: em primeiro lugar, sobre
a interpretação do processo através do qual a Declaração se tem convertido em vinculante;
e em segundo lugar, hoje se discute de todos os direitos proclamados na Declaração são
igualmente vinculantes para os Estados”.
“Não cabe dúvida que a evolução do direito americano é uma expressão regional da
experimentada pelo direito internacional universal dos direitos humanos”.
“A Declaração Americana é uma ‘interpretação autorizada’ da Carta no que se refere aos
direitos humanos para os Estados-membros da OEA, e por tanto, autêntica fonte de
obrigações jurídicas internacionais”.
“A Comissão de Direitos Humanos da ONU, uma vez terminada em 1948 a elaboração
da DUDH, começou o grande trabalho de tentar criar um tratado internacional que
especificara muito mais as obrigações internacionais dos Estados nesta matéria já que
considerava que a DUDH era uma declaração de princípios mais gerais”.
“A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos na forma global e de
maneira justa e equitativa, a pé de igualdade e dando a todos o mesmo peso”.
“Um dos trabalhos importantes do Comitê consiste no estabelecimento de estandartes
para poder julgar o grau de cumprimento dos Estados de acordo com o Pacto”.
“Não se pode esquecer as obrigações dos Estados, não somente de assegurar àqueles que
estão sob sua jurisdição esses direitos, senão a obrigação de cooperar com outros Estados
e com a ONU na realização efetiva destes direitos”.
“A Declaração Universal supôs tão somente o primeiro passo e o ponto de partida para
um vasto processo de internacionalização dos direitos humanos, processo no qual a ONU
tem desempenhado um papel fundamental com a aprovação de uma amplíssima gama de
instrumentos dirigidos a desenvolver as disposições às vezes vagas e genéricas contidas
na Declaração Universal”.
“A Declaração, 60 anos depois, segue sendo um documento vivo e pleno de força de
inspiração para se enfrentar às novas ameaças à dignidade humana e à própria
supervivência da humanidade”.