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Departamento de Filosofia
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO, RJ
edgarm@terra.com.br
A Karla Chediak
∗
Este artigo consiste em uma versão ligeiramente modificada do texto apresentado,
em junho de 2005, na UFPR, nos quadros da 1ª Jornada de Estudos de Filosofia Moderna e
Contemporânea. Ele retoma, de uma maneira mais direta e – espero – mais clara e madura
algumas idéias apresentadas no artigo “Possibilidade, compossibilidade e incomposibili-
dade em Leibniz”. Kriterion, 109, 2004, p. 175-187. Agradeço aos colegas presentes na
jornada no Paraná por suas questões e sugestões, em especial a Viviane Castilho Moreira e
Lia Levy. Agradeço também a Déborah Danowski e Marcos Gleizer, que discutiram
comigo em várias ocasiões muitas das idéias apresentadas neste texto. Este trabalho resul-
tou de pesquisa apoiada pelo CNPq com uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa.
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1 “En Dieu l’existence ne diffère pas de l’essence, ou, ce qui revient au même, il est
essentiel à Dieu d’exister. Dieu est donc un être nécessaire. Les créatures sont
contingentes, c’est-à-dire que l’existence ne suit pas de leur essence.” Sur la contingence, in
Leibniz, G.W., Recherches générales sur l’analyse des notions et des vérités. Paris: PUF, 1998, p. 326.
2 “Si en effet certains possibles n’existent jamais, alors les existences ne sont pas tou-
jours nécessaires, sans quoi il serait impossible que d’autres existent a leur place et donc
nulle existence serais jamais impossible”, Sur la liberté, in Leibniz, G.W., op. cit., p. 330.
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meramente possíveis devem ser sem ser, contudo, um item do mundo criado,
pois senão eles não seriam meramente possíveis, mas sim reais. Isso significa que
os meramente possíveis não podem ser nem substâncias intramundanas existen-
tes nem modificações dessas substâncias. Seu ser, na medida em que é condição
do caráter contingente da existência daquilo que existe no mundo, deve indepen-
der de qualquer modo contingente de ser, isto é, de qualquer mundo que seja o
atual. Disso se segue, por um lado, que, para Leibniz, todo meramente possível –
ou, em termos mais gerais, todo o possível – é necessariamente – e não contin-
gentemente – possível e, por outro, que os meramente possíveis devem pertencer
a uma esfera ontológica que independa da criação para ser.
São, creio, reflexões similares a essa que levam Leibniz a afirmar que o
intelecto divino é o reino dos possíveis, pois se os meramente possíveis devem
ser e se não podem ser contingentemente, então é apenas em Deus que seu ser
pode encontrar abrigo. Os possíveis são representações, no intelecto divino, de
substâncias individuais e de suas modificações, bastando para sua constituição
que eles sejam internamente consistentes, isto é, que não haja nenhuma contradi-
ção entre suas determinações. Seu estatuto ontológico consiste, portanto, em
serem representações de substâncias que poderiam vir a existir autonomamente
se Deus optasse por criá-las.
Uma outra tese metafísica igualmente afirmada por Leibniz gera, entre-
tanto, algumas dificuldades para essa sua postulação dos meramente possíveis.
Leibniz considera que todos os possíveis tendem a existir, isto é, que tudo aquilo
que é possível aspira a existência 3 , de tal maneira que não se podem encontrar
nos possíveis tomados neles mesmos a razão de sua não-existência. Deve haver
3 Interpreto essa “tendência a existir”, pelo menos no que respeita aos seres contin-
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algum motivo que envolva algo externo aos meramente possíveis para justificar a
opção divina por não criar alguns desses possíveis. Essa razão reside, segundo
Leibniz, no fato de não serem todos os possíveis mutuamente compatíveis. Isso
significa que nem todos os possíveis poderiam ser conjuntamente criados, consis-
tindo a existência de alguns deles em um entrave para a existência de determina-
dos outros. Em função desse mútuo impedimento à existência não seria possível
para Deus fazer com que todos os possíveis existissem.
A restrição que faz com que não haja uma passagem em todos os possí-
veis da mera possibilidade à existência não tem sua origem, assim, nos possíveis
tomados em si mesmos, mas sim neles tomados em suas relações de mútuo im-
pedimento. É esse impedimento mútuo que ocasiona que Deus não possa fazer
com que todos os possíveis passem a existir, tendo ele de se conformar com a
criação do conjunto por meio do qual o maior número possível de possíveis ve-
nha a existir, isto é, à criação do melhor dos mundos possíveis 4 .
Se a incompatibilidade entre os possíveis é a razão para que algumas des-
sas essências nunca venham a passar para a existência, é então, obviamente, em
função dessa incompatibilidade que podem haver possíveis não-existentes, isto é,
que pode haver na mente de Deus representações de essências de substâncias
singulares que nunca virão a ser atualizadas. Mas se, como vimos mais acima, a
atribuição de uma natureza contingente às substâncias, eventos e ações intramun-
danas depende da idéia de que outras substâncias individuais poderiam ter sido
criadas em seu lugar, então a contingência do mundo criado depende da idéia de
que há, dentre os possíveis, casos de incompatibilidade mútua, isto é, casos em
que a passagem de um determinado possível à existência impede que determinados
texto 24 teses metafísicas: “(7) Mais il ne s’ensuit pas que tous les possibles existent: cela ne
s’ensuivrait véritablement que si tous les possibles étaient compossibles. (8) Mais, parce
qu’ils sont incompatibles avec d’autres possibles, certains possibles ne parviennent pas à
l’existence ; et ils ne sont pas incompatibles les uns avec les autres seulement dans leur
moment commun, mais aussi de façon universelle, parce que les états futurs sont enve-
loppés dans les états presents”. In: Leibniz, G. W., Recherches générales sur l'analyse des notions
et des vérités. Paris: PUF, 1998, p. 467-469.
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outros possíveis possam também existir. Essa idéia de impedimento entre possíveis
deve ser reconhecida, assim, como desempenhando um papel fundamental no
sistema leibniziano, pois sem ela Leibniz não teria como fundamentar a tese, que a
seus olhos o afasta dos perigos do espinosismo, da contingência do mundo criado.
Mas estamos aqui diante de outra tese metafísica cujo sentido e razoabi-
lidade estão longe de serem evidentes. O impedimento mútuo entre possíveis
afirmado não pode dizer respeito às representações no intelecto divino enquanto
representações. Não faz sentido considerar que a presença em Deus de uma re-
presentação de uma substância possível possa impedir a presença no intelecto
divino de uma representação relativa a uma outra substância possível. O impedi-
mento em questão refere-se, dessa maneira, não à existência atual dos possíveis
enquanto representações no intelecto de Deus, mas sim à existência possível, em
um mundo criado por ele, das substâncias e modos afigurados nas representa-
ções. A incompatibilidade dá-se não entre as representações elas mesmas, mas
entre os conteúdos intensionais das representações quando pensados como exis-
tentes. Quando se diz, então, que um possível impede a rota de um outro rumo à
existência, o que se quer dizer é que Deus não poderia criar um mundo no qual
ambos coexistissem.
Substâncias que são incompatíveis entre si, isto é, que não podem ser
criadas conjuntamente, fazendo parte de um mesmo mundo, são batizadas por
Leibniz de incompossíveis. Duas substâncias são, então, incompossíveis, nos
termos leibnizianos, na medida em que elas se impedem mutuamente de existir,
sendo compossíveis quando o contrário se dá.
A afirmação de que duas substâncias quaisquer são compossíveis não pode
ser identificada, portanto, à afirmação de que essas substâncias são possíveis em si
mesmas, pois isso teria como conseqüência a tese de que todas as substâncias pos-
síveis são compossíveis, o que contrariaria, como já vimos, a concepção leibniziana
da natureza contingente dos eventos e substâncias intramundanos, já que todo o
possível viria a existir. A compossibilidade entre substâncias deve, então, acrescen-
tar algo à mera possibilidade das substâncias tomadas individualmente. Do mesmo
modo, a incompossibilidade entre duas ou mais substâncias não implica de maneira
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nenhuma que elas sejam impossíveis quando tomadas em si mesmas, o que indica
que aquilo que leva à impossibilidade de sua existência conjunta diz respeito a elas
unicamente quando tomadas em conjunto, e não em separado.
Somente pode surgir a incompatibilidade entre substâncias possíveis
quando tomadas em conjunto caso as determinações internas próprias de uma
delas entrem, de alguma maneira, em contradição com as determinações presen-
tes em uma outra. Isso só ocorre se as determinações internas a essas substâncias
envolverem uma referência a outras substâncias, e não apenas a si mesmas. Quer
dizer, a conjunção de duas substâncias em si mesmas possíveis somente pode ser
impossível caso a essas substâncias sejam atribuídas relações que se contradigam
mutuamente. Assim, se, por exemplo, tivermos as substâncias possíveis A, B e C
e uma determinada relação R tal que uma substância somente possa entreter essa
relação R com uma única outra substância, iremos considerar A e B incompossí-
veis se de A for verdadeiro que ela se encontra na relação R com C e se de B for
verdadeiro que B se encontra na relação R com C 5 . Como C, de acordo com as
condições enunciadas, somente pode entreter a relação R com uma única subs-
tância, então seria contraditório um mundo em que A e B existissem conjunta-
mente. Como A e B são em si mesmos possíveis, somos levados a considerar que
A e B pertencem a mundos possíveis distintos, o que significa dizer, em outras
palavras, que eles são incompossíveis.
A concepção leibniziana segundo a qual a possibilidade de A e de B to-
mados em si mesmos não implica a possibilidade da conjunção de A e B – isto é,
a concepção segundo a qual os conceitos de possível e de compossivel não signi-
ficam a mesma coisa – parece, assim, fazer sentido somente se considerarmos que
a A e a B podem ser atribuídos predicados relacionais contraditórios entre si. É
essa referência, característica da idéia de relação, a algo externo à própria substân-
cia que torna razoável a tese de que a conjunção de dois possíveis pode ser ela
mesma impossível.
5 Devemos lembrar aqui que Leibniz defende a tese de que todos os predicados atri-
buíveis de maneira verdadeira a um sujeito estão contidos na noção completa desse su-
jeito.
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6 Frémont, C. L’être et la relation. Lettres de Leibniz à Des Bosses. Paris: Vrin, 1999, p. 255.
7 Op. cit., p. 235.
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8 Infelizmente, por uma questão de espaço e de estruturação do texto, não poderei tra-
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Além disso, podemos ainda recordar que uma das características funda-
mentais das substâncias individuais leibnizianas consiste em seu completo isola-
mento causal. Todas as substâncias são, de acordo com a metafísica de Leibniz,
plenamente espontâneas, de tal modo que todas as suas modificações decorrem
de sua natureza intrínseca, e não de relações extrínsecas reais entretidas com ou-
tras substâncias. A imagem mais forte dessa severa reclusão causal das substâncias
é fornecida pelo célebre dito leibniziano de que as mônadas são desprovidas de
janelas, transcorrendo tudo para cada uma delas, em um certo sentido, como se
somente existissem ela e Deus. Se as substâncias são como casulos, entretendo
unicamente com Deus uma relação real, e se a realidade em seu nível mais fun-
damental consiste unicamente de substâncias e suas modificações, então não
parece haver, a princípio, nada que impeça a criação de todas as substâncias pos-
síveis, pois, em termos rigorosos, nenhuma substância influencia nenhuma outra
em nenhum sentido, tornando-se difícil compreender como uma pode consistir
em um obstáculo para a existência de outra. A incompossibilidade torna-se, então
um problema.
Em seu célebre artigo “Leibniz on compossibility and relational predica-
tes” , D’Agostino caracteriza as soluções possíveis para o problema da incom-
9
texto “On the method of distinguishing real from imaginary phenomena”. In: Leibniz, G.
W. Philosophical Papers and Letters. Translated and edited by L. Loemker. Dordrecht: Klu-
wer, 1989, p. 363-367), repousando, em última instância, sobre o acordo ou desacordo entre
aquilo que é expresso pelas diversas mônadas por meio de suas modificações internas.
9 D’Agostino, F.B. “Leibniz on compossibility and relational predicates”. Philosophical
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11 Hintikka, J. “Leibniz on plenitude, relations and the ‘reign of law’”. In: R.S. Wool-
house (ed.). Gottfried Wilhelm Leibniz: critical assessments, vol. II. London/New York: Rou-
tledge, 1994, p. 187-212.
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12 “Sem a necessidade de algumas leis gerais, dois possíveis quaisquer seriam co-
Metafísica: “Nada acontece no mundo que seja absolutamente irregular, mas nem sequer
tal se poderia forjar. Suponhamos, por exemplo, que alguém lance ao acaso muitos pon-
tos sobre o papel, como os que exercem a ridícula arte da geomancia. Digo que é possível
encontrar uma linha geométrica cuja noção seja constante e uniforme segundo uma certa
regra, de maneira a passar esta linha por todos estes pontos e na mesma ordem em que a
mão os marcara. (...) Assim, pode-se dizer que, de qualquer maneira que Deus criasse o
mundo, este teria sido sempre regular e dentro de certa ordem geral.” Leibniz, G.W.
Discurso de Metafísica e Outros Textos. Apresentação e notas de Tessa Moura Lacerda. São
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Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 12-13. (Devo a recordação dessa passagem em Leibniz a
Déborah Danowski).
14 Viviane Moreira, quando da apresentação oral de uma primeira versão deste texto
no colóquio na UFPR, objetou-me – e essa objeção ecoa observações críticas feitas por
Déborah Danowski acerca de minha interpretação em “A propósito de ‘Possibilidade,
compossibilidade e incompossibilidade em Leibniz’, de Edgar Marques”, Kriterion, 109,
2004, p. 188-190 – que minha estratégia de reconstrução da metafísica leibniziana é inade-
quada, pois as substâncias individuais expressam a totalidade dos fenômenos e das subs-
tâncias pertencentes ao mundo, de tal maneira que não faz sentido considerar nem as
substâncias independentemente do mundo ao qual elas pertencem nem o mundo inde-
pendentemente delas. Sendo assim, a própria colocação da questão acerca da origem da
incompossibilidade mereceria ser repensada, pois, ao menos em minha reconstrução, ela
parece ter como ponto de partida substâncias cuja individuação, ao menos à primeira
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periódico Histoire des Ouvrages des Savants, Leibniz assume precisamente essa concepção ao
afirmar que o pertencimento de substâncias distintas a um mesmo mundo se dá pela
congruência de seus fenômenos: “Deus poderia ter dado a cada substância seus fenôme-
nos independentes dos fenômenos das outras, mas dessa maneira ele teria feito, por assim
dizer, tantos mundos sem conexão quantas substâncias há. Mais ou menos como quando
se diz que, quando se sonha, se está em um mundo à parte, e que se está no mundo co-
mum quando se está desperto.” In: Leibniz, G.W. Sistema Novo da Natureza e da Comunica-
ção das Substâncias e Outros Textos. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, p. 65.
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dição. Essa identificação não deve nos tornar, contudo, insensíveis para o ponto
fundamental aqui. A aplicação do princípio de não-contradição às determinações
constitutivas de um ente é garantida pela idéia mesma da impossibilidade de cons-
tituição de um ente auto-contraditório. Quer dizer, é uma idéia da qual partimos
sem necessidade de nenhum argumento que a sustente a idéia de que o conjunto
das notas características de um ente esteja submetido ao princípio de não-
contradição, sendo possível o ente que apresente um conjunto de notas caracte-
rísticas coerente e internamente consistente. Isso, contudo, não é verdade em
relação às representações de mundo presentes em mônadas distintas. Por que
razão essas representações devem ser comparadas umas com as outras e agrupa-
das em um modelo de um mundo possível quando não são contraditórias entre
si? Dito de outro modo: o que faz com que modificações presentes em substân-
cias distintas sejam tomadas como um conjunto ao qual o princípio de não-
contradição se aplica legitimamente? Isto é, por que essas representações estão,
enquanto conjunto, submetidas ao princípio de não-contradição se considerar-
mos que elas inerem a substâncias distintas?
O que chamo de princípio de harmonia é precisamente o que garante a
subsunção dessas representações, tomadas em conjunto, ao princípio de não-
contradição. O princípio de harmonia é, então, em última instância, o responsável
pela constituição do conjunto das representações presentes nas mônadas diversas
como unidade à qual o princípio de não-contradição se aplica. Diferentemente do
indivíduo, que consiste em uma unidade dada, estamos aqui diante de uma uni-
dade constituída, e é a decisão divina – que se encontra obviamente fora do âmbi-
to da lógica – de criação unicamente de um mundo harmônico – isto é, de um
mundo no qual as expressões presentes nas diversas substâncias individuais sejam
compatíveis umas com as outras – que leva à organização das substâncias possí-
veis em conjuntos maximais de substâncias cujas representações sejam congruen-
tes entre si, vale dizer, harmônicas. Quer dizer, é unicamente em função da von-
tade de Deus de que o mundo criado seja necessariamente um mundo harmônico
que tal princípio pode se impor aos possíveis, uma vez que não há nenhuma
restrição lógica quanto à existência de conjuntos desarmônicos de substâncias.
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17 Ver a esse respeito meus artigos “Corpos e mônadas na metafísica madura de Leib-
niz”. O Que Nos Faz Pensar, 18, 2004, p. 183-194 e “Sobre a necessidade da ligação das
mônadas a corpos em Leibniz”. Síntese, v. 32, n. 103, 2005, p. 169-180.
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