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CULTURAL
ANAIS ELETRÔNICOS
ISSN: 2178-1761
14 e 15 de agosto de 2015
Santander Cultural
Porto Alegre/RS – Brasil
XII JORNADA DE HISTÓRIA CULTURAL
História, Cultura e Imagem
Porto Alegre (RS), 14 e 15 de agosto de 2015.
ISSN: 2178-1761
ISSN: 2178-1761
Realização:
GT História Cultural – ANPUH-RS – Gestão 2014/2016
Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Carla Simone Rodeghero
Vice-coordenadora: Prof.ª Dr.ª Alice Dubina Trusz
1ª Secretária: Prof.ª Me. Carmem Adriane Ribeiro
2ª Secretária: Prof.ª Dr.ª Viviane Viebrantz Herchmann
Apoio:
Associação Nacional de História - Seção Rio Grande do Sul (ANPUH-RS)
<http://www.anpuh-rs.org.br>
SUMÁRIO:
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 5
BARROCO JESUÍTICO-GUARANI?
Jacqueline Ahlert ............................................................................................. 103
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GT HISTÓRIA CULTURAL DA ANPUH-RS ................................................
APRESENTAÇÃO
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Camila Eberhardt1
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Unisinos. Mestre em História pela PUCRS. Doutoranda em História na Unisinos. Bolsista de pesquisa do
Cnpq. Email: camilaeberhardt@hotmail.com.
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O município de Torres/RS
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É nesse contexto que o estúdio fotográfico de Ídio K. Feltes 3 foi fundado em 1937,
sendo um importante local na cidade de Torres/RS, durante o século XX. O estúdio foi
responsável por um registro diversificado das atividades da cidade e da região,
acompanhando, com um olhar mais próximo por meio da lente de suas câmeras, as
transformações e o desenvolvimento do município, seja no âmbito turístico, na construção
civil, seja no cotidiano da região.
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Religiosos; Faróis; Fatos Marcantes; Futebol; Nossa Senhora de Lurdes; Hotéis; Igreja
Matriz São Domingos; Ilhas dos Lobos; Lagoa da Itapeva; Lagoa do Violão; Morro do
Farol; Músicos e Bandas; Personalidades; Pescaria e Pescadores; Políticos; Postais Antigos
Picoral; Praia da Cal; Praia da Guarita; Praia Grande; Prainha; Rio Mampituba; Rua José
Antônio Picoral; Rua Júlio de Castilhos; SAPT; Torre do meio; Torre Sul; Tradicionalismo
e Folclore; Transportes.
Como é possível observar, as temáticas identificadas são distintas, registraram os
aspectos geográficos, sociais, religiosos, políticos, cotidianos, etc., e destacaram uma
Torres que dialoga com registros da Revista do Globo, em que, uma imagem bela e
aristocrática é demonstrada. Entretanto, as fotografias do estúdio Ídio K. Feltes, apesar de
realizarem os registros de uma praia bela e alegre, também, registraram o cotidiano da
cidade, seu crescimento lento, em vista dos desenvolvimentos que ocorriam nos meses de
verão.
Para tanto, seguem-se algumas considerações teórico-metodológicas acerca da
fotografia. Dessa forma é possível compreender de uma melhor forma, como a análise
iconográfica permite ao pesquisador, conhecer acerca de aspectos ordinários e
extraordinários de determinada realidade que, de outra forma, talvez não fosse possível.
A imagem foi e é utilizada pelos homens para os mais variados usos. Em tempo
remoto, as sociedades orais faziam uso das imagens para representar o mundo em sua
volta. Debray (1994, p. 23) coloca que “para um antigo grego, viver não é respirar, como
para nós, mas ver; e morrer é perder a vista. Enquanto nós dizemos ‘seu último suspiro’,
eles diziam: ‘seu último olhar’”. Nesse sentido Debray identifica três momentos da
imagem: o primeiro decorre de sua função sagrada, por meio do olhar mágico (a imagem
associada aos ritos); o segundo, o olhar estético (a arte, as pinturas); e o último, o olhar
econômico, que encontra-se a fotografia (DEBRAY, 1994. p. 23). Todavia, esses
momentos não têm um término datado, pois eles entrecruzam e se complementam,
ressignificando, em diferentes sociedades, cada etapa do visível. Por meio desses atributos
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únicas, por meio de uma imagem “negativo-positiva”. Dessa forma a produção em larga
escala foi consolidada, e, respectivamente, permitiu o acesso às demais classes sociais a
representar-se por meio de uma objetiva, lembrando que até então, era um território
destinado a uma classe social que possuía o capital necessário.
Entretanto, a imagem entra na fase industrial somente em 1850, com a carte de
visite, uma invenção de André Adolphe Eugène Disdéri. A fotografia que em sua origem
era praticamente inacessível aos mais desfavorecidos economicamente, agora, por meio do
carte de visite, que permitia uma tomada simultânea de oito clichês, estava adentrando nas
mais variadas camadas sociais.
Fabris, aponta que
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decorrente do trabalho dos fotógrafos, que fixaram estúdios nas localidades, ou que eram
fotógrafos itinerantes, em que, de cidade em cidade, realizavam seu trabalho. Lembrando
que poucas famílias tinham condições de ter uma câmera fotográfica.
Dessa forma, Menezes (2011) lembra que é “crucial que o pesquisador se
familiarize com as inúmeras variáveis que definem a natureza da imagem e a
multiplicidade de significados e papéis que ela pode assumir historicamente”. Entre essas
variáveis estão presente às relações entre imagem e representação, pois representar não
significa uma mímese do real, apesar de que até hoje, no senso comum, a relação entre
fotografia e cópia do real esteja presente5.
Para Brizuela (2014), a credibilidade da fotografia está “ancorada em seu caráter de
índice, ou seja, um traço do real”. Mas, para Rouillé (2009, p. 18), a fotografia “não
representa automaticamente o real”, entretanto é possível que represente por meio de
determinados códigos.
É nesse sentido, que a imagem permite que inúmeras características das sociedades
sejam, por ela, representadas. Portanto, Sontag (2004) afirma que o mundo atual
transformou-se em um “mundo imagem”, em que praticamente tudo é representado pela
imagem. Para a autora:
5
Sobre essa questão, Philippe Dubois em O ato fotográfico, descreve o que seriam os três momentos da
fotografia: o 1º em que a fotografia fora ícone (espelho do real); o 2º em que fora símbolo (transformação do
real); e o 3º em que fora índice (traço do real).
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“dimensão plástica”, visto que “uma dada imagem é uma representação do mundo que
varia de acordo com os códigos culturais de quem a produz” (BORGES, 2003).
Entre todas as questões que norteiam a produção da imagem fotográfica, não se
pode esquecer que sejam analisadas as relações de poder. Flusser (2002) é enfático ao
declarar que não há ingenuidade na produção das imagens. Para tanto, Kossoy (2005, p.
31) descreve a que a imagem é “resultante do processo de criação/construção do
fotógrafo”. Ainda, para Belting (2010) as fotografias simbolizam e são portadoras de
sentido. Dessa forma, é possível afirmar que a fotografia permite constituição de um
patrimônio cultural (CANABARRO, 2014).
Por meio da imagem fotográfica criou-se um arquivo visual de referência para as
sociedades. Essa afirmação é decorrente em virtude das relações da fotografia com a
memória. Segundo Kossoy (2005, p, 40), “fotografia é memória e com ela se confunde”.
Sinson (2005, p. 20) atesta que o suporte imagético orienta e reconstrói, individual ou
coletivamente, a nossa memória de indivíduos.
Para tanto, Catroga (2001, p. 66) enfatiza que a memória é “uma das expressões da
condição histórica do homem,” e Ricoeur (1993, p. 38) complementa ao afirmar que,
quando recordamos o passado, ele “aparenta ser mesmo a de uma imagem”. Assim sendo,
a memória coletiva, seja em suas condições sociais, seja em suas condições culturais,
consiste, de acordo com Schimitt (2007, p. 46), “antes de tudo em imagens”.
Assim, para Mauad e Lopes (2011), a fotografia deve ser entendida como
documento, que atesta sua materialidade, e, como monumento, como símbolo. Nesse norte,
por meio do documento, de sua materialidade, busca-se compreender a construção de
sentidos, ou seja, os usos e as funções dados pela sociedade que os produziu. Meneses
(2011), no entanto, concebe que a imaterialidade ou a materialidade creditada às imagens
não pode ser delas dissociada.
As imagens compreendidas como artefato, segundo Meneses (2011), enfatizam a
necessidade de reconhecer a vida pregressa das fotografias. De acordo com o autor, “para
utilizar a imagem como documento, deve-se retratar, procurando pistas diversas, os
caminhos que ela percorreu, antes de ser diagnosticada e aposentada e receber o status de
documento. Tal percurso deve ser feito ao inverso”.
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Assim, Menezes aponta três caminhos que podem ser utilizados no trabalho com
fotografias: o visual, o visível e a visão. No âmbito do visual, são realizadas as
identificações dos “suportes institucionais dos sistemas” (MENESES, 2005, p. 35), em que
é possível compreender os circuitos de produção, circulação e consumo, o que o autor
chama de “iconosfera”, ou seja, é “o conjunto de imagens guia de um grupo social ou de
uma sociedade num dado momento e com o qual ela interage” (MENESES, 2005, p. 35).
Questões relativas à visualidade e à invisibilidade da imagem encontram-se no que
Meneses (2005) nomeia de “visível”, neste estão o “domínio do poder e do controle, o
ver/ser visto, dar-se/não se dar a ver”. A última questão relaciona-se às modalidades do
olhar, o tipo de olhar que é direcionado à fotografia, denominada por ele de “visão”.
Ainda, a respeito dos estudos de produção, circulação e consumo das fotografias, Meneses
destaca a necessidade de que sejam ampliadas as noções de consumo. Na visão do autor, é
necessário que as noções de apropriação e interlocução contemplem as categorias de
análise (MENESES, 2011).
Dessa forma, por meio das fotografias do estúdio Feltes é possível identificar
determinadas representações, que foram afirmadas por ele, mas também, por outros meios,
entre eles o da Revista do Globo. Representações que até os dias hoje caracterizam a
memória da sociedade torrense.
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Na próxima imagem (Figura 8), três jovens posam para a objetiva em cima de uma
pedra na Praia Grande, a imagem com a legenda “lembranças de Torres” em 1956 retratou
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uma clássica temática dos turistas que realizavam o registro fotográfico em Torres. Sempre
junto ao mar, em pose, com olhar direcionado à câmera, os registros tornavam-se
lembranças dos dias na praia, mas, sobretudo, foi uma forma de mostrar em suas cidades,
para aqueles que não podiam visitar Torres, a praia de Torres.
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enfoque dado à cena registrada depende do público e das necessidades, dos usos que se
pretendem. O estudo das imagens produzidas pelo estúdio permite que a história e a
memória do município sejam pesquisadas, já que são poucos os trabalhos e pesquisas sobre
o mesmo, pois as fontes são, na maioria das vezes, muito escassas, impossibilitando um
estudo mais profícuo.
Referências bibliográficas
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Cristine Tedesco6
RESUMO: O artigo desenvolve uma análise de três obras da pintora romana Artemísia
Gentileschi (1593-1654), nas quais a artista produz autorretratos a partir de uma temática
específica: a alegoria da pintura. As imagens com as quais trabalharemos são intituladas:
Allegoria della pittura (1608-1609), Autoritratto allo specchio con l’effigie di un cavaliere
(1630) e Autoritratto come allegoria della pittura (1638-1639). Discutindo
simultaneamente as pinturas da artista, pretendemos refletir sobre como a obra de
Artemísia Gentileschi contribui para pensar sua trajetória biográfica e seu tempo,
considerando a dimensão visual um importante instrumento para a escrita da história. No
que diz respeito ao uso de imagens, nos aproximamos dos estudos de Ulpiano Bezerra de
Meneses (2005). Para o autor, além de não reduzi-las a documentos, é necessário
considerar que as imagens executam papéis de atores sociais. Tendo em vista os
autorretratos selecionados para o presente artigo, nossa questão central é compreender
como Artemísia Gentileschi se construiu em sua obra. Acreditamos que a discussão do
contexto histórico, cultural e artístico, bem como o estudo da rede de relações na qual a
artista estava inserida, criam condições para entender a complexa relação entre a vida e a
obra da pintora. Nesse sentido, pensar os efeitos da dimensão visual requer lembrar que as
imagens não apenas representam o passado, mas também ajudam a construí-lo.
Introdução
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Bolsista CAPES. E-mail: tedesco.cristi@gmail.com
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quais trabalharemos são intituladas: Allegoria della pittura (1608-1609), Autoritratto allo
specchio com l’effigie di um cavaliere (1630) e Autoritratto come allegoria della pittura
(1638-1639).
Na primeira parte do texto discutiremos a rede de relações na qual Artemísia
Gentileschi estava inserida, através da análise de suas cartas. Num segundo momento,
discutindo simultaneamente as pinturas da artista e sua correspondência, refletiremos sobre
o modo como a obra de Artemísia contribui para pensar sua trajetória biográfica e seu
tempo, considerando a dimensão visual um importante instrumento para a escrita da
história. As imagens discutidas serão agrupadas com o intuito de que sejam analisadas em
relação umas com as outras.
7
Sobre os primeiros anos da atuação de Artemísia na pintura ver: TEDESCO, Cristine. “E non dite che
dipingeva come um uomo”: história e linguagem pictórica de Artemísia Lomi Gentileschi entre as décadas de
1610 e 1620 em Roma e Florença. 2013. 192f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
História. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
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Stupri et Lenocinij Pro Curia et Fisco 8, no qual o pintor maneirista Agostino Tassi foi
julgado pelo desvirginamento forçado de Artemísia.
Na cidade florentina Artemísia atuou principalmente para a corte de Cosme II de
Medici. Entretanto, também estabeleceu contratos de trabalho com outros importantes
nomes como Michelangelo (1568-1646), o Jovem, o qual encomendou a obra Allegoria
dell’Inclinazione para a Casa Buonarroti em 1615. No ano seguinte, no dia 19 de julho de
1616, Artemísia foi aceita na Academia de Desenho de Florença – criada por Giorgio
Vasari – como testemunham os documentos que atestam sua matrícula na academia 9.
É provável que nessa época Artemísia tenha conhecido Galileu Galilei, também
membro da Academia, para o qual enviaria correspondência em outubro de 1635. É
interessante notar, conforme destacou Francesco Solinas (2011, p. 107), que na biografia
de Galileu, escrita em 1654 por Vincenzo Viviani em formato de carta a Leopoldo de
Medici, são citados alguns dos pintores mais conceituados pelo cientista e filósofo, entre os
quais aparecem Cigoli, Passignano, Jacopo da Empoli, Cristofano Allori e Artemísia
Gentileschi.
A saída repentina da pintora da cidade florentina, em 1620, se deu devido a
questões financeiras, de acordo com Solinas (2011, p. 80). O acúmulo de dívidas
decorrente de um contrato de trabalho mal pago pelo Grão-Duque Cosme II de Medici, que
se encontrava muito doente e debilitado devido à tuberculose, trouxe problemas
econômicos e sua situação em Florença ficou insustentável, conforme declara Solinas
(2011, p. 79).
Para interromper seu contrato de trabalho com o Grão-Duque, Artemísia escreveu
uma carta10, datada de 10 de fevereiro de 1620 (Lettera 6), a Cosme II de Medici,
anunciando sua intenção de passar alguns meses em Roma e justificou sua viagem
8
“Estupro e Libidinagem. Em favor da Cúria [Romana] e do Fisco [Tesouro Romano]” (1612). In. MENZIO,
Eva. (Org.). Lettere precedute da «Atti di un processo per stupro».Roma: Abscondita, 2004. (Tradução Dr.
Celso Bordignon e Vicente Pasinatto).
9
ASF, AD, Debitori e credoridelle Matricole: 1596-1627, f. 152 e ASF, AD, Entrata et Uscita: Entrata e dal
1602 al 1624, CIII, f. 54 In. NICOLACI, 2011, p. 260.
10
A correspondência de Artemísia Gentileschi foi organizada por Francesco Solinas e publicada em 2011.
SOLINAS, Francesco (Org). Lettere di Artemisia. Roma: De Luca Editori d’ Arte, 2011). Tradução de minha
autoria.
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AOD, Registro di Battesimo, Maschi 1612-1613, f. 108v; AOD, Registro di battesimo, Maschi, 1614-1615,
f. 74; AOD, Registro di battesimo, Femmine, 1616-1617, f. 59v; AOD, Registro di battesimo, Femmine
1618-1619, f. 29v.
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Artemísia, Aurélio Lomi12, fazia parte do grupo de artistas que trabalhava para o Grão-
Duque, e que a jovem pintora ajudou a formar.
Norbert Elias (1994, p. 23) nos adverte de que toda pessoa está presa por viver em
dependência funcional de outras, ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim
como todas as demais, são elos nas cadeias que a prendem. Tais cadeias, porém, são
elásticas e mutáveis. Nesse sentido, o agravamento da tuberculose do Grão-Duque Cosme
II de Medici desestabilizou o ambiente e outras possibilidades se apresentaram para
Artemísia, o que nos permite pensar nas margens de liberdade dos indivíduos como “[...]
uma jaula flexível e invisível dentro da qual se exercita a liberdade condicionada de cada
um” (GINZBURG, 2006, p. 20).
A “flexibilidade da jaula”, à qual se refere Carlo Ginzburg (2006), pode ter
contribuído para um novo rumo na vida profissional de Artemísia. A partir de 1620
Artemísia passa a receber frequentes encomendas de cardeais e jovens mulheres de
famílias nobres, que a procuravam para encomendar retratos, afirma Solinas. O historiador
da arte ressalta que para dar conta da intensa rotina de trabalho no ateliê, Artemísia
contratou assistentes que lhe preparavam as telas e as cores, como foi o caso de Alessandro
Bardelli (SOLINAS, 2011, p. 88).
Outros indícios que sugerem o sucesso da pintora em Roma são as cartas enviadas
por seu marido Pietro A. Stiattesi ao amigo Maringhi, nas quais são relatadas algumas
questões importantes, como por exemplo, sua mudança para um apartamento maior, em
junho de 1620. Stiattesi ainda expõe ao amigo que as coisas estavam muito bem em Roma
(Lettera 34). De acordo com Francesco Solinas (2011, p. 88), o mercado de artes em
expansão na região de Roma contribuiu significativamente para o aumento do número de
encomendas recebidas no ateliê de Artemísia, ao longo da década de 1620.
Em Roma, Artemísia foi admirada por outros artistas de seu tempo, como Pierre
Dumonstier, pintor francês que desenhou a “Mão direita de Artemísia Gentileschi
12
Os irmãos Aurélio, Baccio e Orazio, filhos de Giovan Battista Gentileschi alias Lomi, atuaram desde cedo
no mundo das artes pictóricas. Aurélio e Orazio optaram por carregar apenas uma parte do sobrenome, leia-se
Aurélio Lomi e Orazio Gentileschi, conforme Cristine Tedesco (2013).
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segurando o pincel”13, em 1625; Simon Vouet, pintor francês que pintou o “Retrato de
Artemísia”14 (1623-26), encomendado pelo colecionador Cassiano dal Pozzo; e Jérôme
David, artista parisiense que trabalhava em Roma desde 1623 e produziu uma gravura,
também intitulada “Retrato de Artemísia” 15, datada de 1626, a qual segundo Michele
Nicolaci (2011, p. 264) é baseada em um retrato de Artemísia de Antoine de la Ville, um
engenheiro militar a serviço do duque de Sabóia.
O censo efetuado durante a quaresma de 1626 foi o último testemunho da presença
de Artemísia em Roma, na casa al Corso, com a filha e a criada Domenica 16. Existem
indícios de sua presença em Veneza, a partir de 1627, onde permaneceu por alguns anos. O
primeiro indício é a publicação, em 1627, de alguns versos em honra a pintora pelo
tipógrafo da Accademia Veneta, Andrea Muschio. É intitulado no primeiro desses versos:
“Lucrécia romana/Obra da Sra. Artemisia Gentileschi/ Pintora Romana em Veneza” 17. O
folheto não tinha assinatura, mas a autoria foi atribuída a Gianfrancesco Loredan (1606-
1661), literato de Veneza, conforme Michele Nicolaci (2011, p. 263). Na composição
ainda são citados dois trabalhos de Artemísia: Amoretto in parangone, que pertencia a
Giacomo Pighetti, e uma Susanna, os quais não possuem uma identificação correta. A
relação com Loredan é confirmada por duas cartas endereçadas pelo nobre veneziano à
Artemísia entre 1627 e 1628, as quais foram inseridas na coleção póstuma da
correspondência de Loredan, publicada em Veneza, em 1673 18.
Outro vestígio da atuação de Artemísia em Veneza é a publicação das cartas de
Girolamo Gualdo 19 organizadas num manuscrito composto no ano de 1650, no qual é
abordada a história da vasta coleção de arte de sua família. Na passagem em que se refere à
Artemísia, Gualdo afirma que a pintora esteve empenhada na elaboração de ilustrações
naturalistas e na produção de pinturas de natureza morta em Veneza.
13
Right hand of Artemisia Gentileschi holding a brush (1625). Pierre Dumonstier. The British Museum,
Londres.
14
Ritratto di Artemisia Lomi Gentileschi (1623-26). Simon Vouet. Collezione privata.
15
Ritratto di Artemisia Gentileschi (1626-27). Jérôme David. Gravura. Collezione privata.
16
ASVR, Status Animarum ab anno 1622 usque ad 1649, S. Maria Del Popolo, LXV, 1626, f. 6.
17
“LUCRETIA ROMAMA/ Opera dela Sig. Artemisia Gentileschi/ Pittrice Romana in Venetia”. (In.
NICOLACI, 2011, p. 264). Tradução de minha autoria.
18
Loredan 1653, I, pp. 262 e 466 In. NICOLACI, 2011, p. 264.
19
BM, Mss. It. IV, 127, n. 5102, 116v In. NICOLACI, 2011, p. 264.
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De acordo com Nicolaci (2011, p. 264), é nessa época que Artemísia teria partido
para Nápoles, capital do vice-reino, fugindo de uma epidemia de peste, a convite de Dom
Fernando Enríquez de Ribera, Duque de Alcalá (1583-1637), novo vice-rei espanhol e seu
antigo admirador. Provavelmente também apoiada por seu amigo Massimo Stanzione
(1585-1656), conhecido em Roma e estimado pelo rei da Espanha. Artemísia foi
favorecida e protegida pelo Duque de Alcalá mas também por seus sucessores, conforme
Francesco Solinas (2013). Segundo o mesmo autor, outros regentes espanhóis incentivaram
a pintura de Artemísia com importantes comissões públicas e privadas, como o Conde de
Monterrey, o Duque de Medina de la Torres, o Conde de Modica, o Duque de Arcos e o
Conde de Oñate. Assim também fizeram o cardeal Niccolò Enriquez de Herrera, o núncio
apostólico Francesco Boncompagni e Ascanio Filomarino, arcebispo de Nápoles; o que
será possível analisar a partir das cartas de Artemísia.
Quando se estabeleceu em Nápoles, no verão de 1630, Artemísia foi recepcionada
com sua, provavelmente, primeira encomenda, a Annunciazione, conforme indica Roberto
Contini (2011, p. 96). Para o pesquisador, tendo em vista a relevância desse primeiro
trabalho, é possível justificar a inclusão de suas obras nos inventários das coleções
napolitanas. Ainda que se ignore a localização original da obra, atualmente no Museu
Nacional de Capodimonte, a Annunciazione é possivelmente a pintura que inaugura os
trabalhos de Artemísia em locais públicos. Nesse sentido, consideramos o período
napolitano de Artemísia um momento chave da trajetória da pintora para entender algumas
de suas obras.
A correspondência da pintora revela questões interessantes sobre o comércio de
imagens artísticas do período. Temos razões para crer que a figura masculina representada
na imagem junto ao autorretrato de Artemísia (Figura 2), intitulada Autoritratto allo
specchio com l’effigie di um cavaliere é Cassiano dal Pozzo (1588-1657).
O célebre erudito e amante da arte Cassiano dal Pozzo, integrou o grupo de
conselheiros de Francesco Barberini (1597-1679) – sobrinho do papa Urbano VIII20 e um
dos responsáveis pelo desenvolvimento da vida artística romana do período, conforme os
20
Maffeo Barberini (1568-1644) – eleito papa no conclave de 1623.
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estudos de Francis Haskell (1997). De acordo com o mesmo autor, dal Pozzo foi “[...] o
mais cultivado e o mais ilustrado e todos os mecenas italianos” (HASKELL, 1997, p. 83).
Quando Urbano VIII foi eleito papa em 1623, Cassiano dal Pozzo vivia em Roma
há cerca de doze anos e começava a desempenhar um papel importante na vida intelectual
da cidade. Em Roma, pouco se esforçou para obter proteção política, mas começou a
frequentar o mundo inebriante e arriscado da pesquisa científica. Mantinha sólidos laços de
amizade com Galileu e em 1621 os organizadores da Academia dei Lincei (dos Linces) – a
ancestral de todas as sociedade científicas europeias, então recém criada – propuseram
acrescentar seu nome à lista de seus membros. Cassiano foi admitido no ano seguinte e,
desde então consagrou à Academia grande parte e seu tempo e de sua energia (HASKELL,
1997, p. 168).
Dal Pozzo construiu, em seu palácio, em Roma, uma biblioteca e um museu que
adquiriram fama internacional devido à variedade de seus acervos iconográficos; dedicou-
se a pesquisas sobre a civilização antiga e o universo natural, colaborando com desenhos
científicos realizados pelos seus “artistas de casa”, conforme indica Francesco Solinas
(2011, p. 83). O mesmo autor destaca que Cassiano dal Pozzo colecionava obras e
destinava comissões aos seus amigos artistas com temas definidos por sua cultura
filosófica, literária e científica.
Segundo Haskell (1997, p. 175), Simon Vouet (1590-1649) foi um dos primeiros
pintores empregados por Cassiano dal Pozzo; além de ter sido seu mecenas mais assíduo
em Roma, dal Pozzo chegou a possuir cerca de quatorze quadros do pintor francês em seu
acervo. O colecionador acolhia sob sua proteção artistas que estavam preparados para
adotar um estilo naturalista. Simon Vouet e outros artistas como, por exemplo, Pietro da
Cortona, Domenichino, Nicolas Poussin, entre outros, trocaram correspondência com dal
Pozzo. Francesco Solinas (2011), destaca que entre os artistas favoritos do mecenas estão
ainda três pintoras: Giovanna Garzoni (1600-1670), Anna Maria Vaiana (1604-1654) e
Artemísia Gentileschi (1593-1654).
Dois quadros alusivo a Artemísia estão registrados nos tardios inventários da Casa
dal Pozzo (1689, 1695, 1740), um “Autorretrato”de Artemísia e um “Retrato” produzido
por Simon Vouet entre 1622 e 1626, segundo Francesco Solinas (2011). O baixo número
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pelas senhoras mais elegantes da Europa. As luvas romanas estavam entre as mais
prestigiadas do período e muitas vezes eram oferecidas como presentes diplomáticos por
cardeais e núncios papais. Cabe observar que essas questões aludem aos ambientes por
onde Artemísia circulava em seu cotidiano como pintora ea rede de relações da qual fazia
parte.
Ainda em agosto de 1630 (Lettera 38) Artemísia escreve ao seu protetor dal Pozzo,
pedindo-lhe para que interceda junto ao Núncio papal, recém estabelecido em Nápoles,
Niccolò Enriquez de Herrera, no sentido de que lhe conceda com urgência uma licença de
porte de arma22 para seu então ajudante e secretário, o sacerdote Diego Campanili,
salientando que esse favor beneficiaria a ela própria. É bem provável que o marido de
Artemísia, Pietro Antônio Stiattesi não vivesse com a pintora nessa época, porque ainda
antes de sua partida para Nápoles já não há registros de que vivessem juntos. O censo
romano23 de 1623 revelou que junto com Artemísia residiam os seus dois irmãos, a filha e
dois criados.
Recém chegada na cidade napolitana, Artemísia se declara devota e súdita papal,
acreditando que receberia a autorização para o porte de arma. A pintora encerra a carta
lembrando que o retrato será entregue quando terminar os quadros para a Imperatriz, como
o fez na correspondência da semana anterior.
Em dezembro de 1630 (Lettera 39) Artemísia escreve ao colecionador Cassiano dal
Pozzo e afirma estar retornando a Nápoles, de onde esteve ausente durante muitos dias em
função da produção de um retrato para uma Duquesa 24. A declaração reforça a ideia de que
o gênero do retrato foi um tema amplamente desenvolvido na obra de Artemísia; o que
também sugerem outras fontes, como os depoimentos da própria Artemísia no processo
crime25 de 1612, nos quais a pintora comenta a produção do retrato de um menino, filho da
22
De acordo com Solinas (2011, p. 86), nessa época, as licenças de porte de arma concedidas aos religiosos
eram raras, mas quando ocorriam, eram concedidas pelo Núncio papal ou pelo Arcebispo de Nápoles.
23
Tradução de minha autoria (ASVR, Status animarum ab anno 1622 usque ab 1649, S. Maria Del Popolo,
LXV, 1623, f. II In. NICOLACI, 2011, p. 263).
24
O retrato citado na carta pode ser o Ritratto di giovane dama a sedere con abito nero e oro, atualmente na
coleção de Barbara Piasecka Johnson, conforme Francesco Solinas (2011, p. 87).
25
“Estupro e Libidinagem. Em favor da Cúria [Romana] e do Fisco [Tesouro Romano]” (1612). In.
MENZIO, Eva. (Org.). Lettere precedute da «Atti di un processo per stupro». Roma: Abscondita, 2004.
(Tradução Dr. Celso Bordignon e Vicente Pasinatto).
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criada Túzia e o retrato para uma mulher que se dizia “apaixonada por Artigenio”,
representante do cardeal Michelangelo Tonti e amigo de Orazio Gentileschi. Além disso,
os catálogos de obras de Artemísia também evidenciam retratos produzidos pela pintora,
atualmente em acervos de coleções particulares. Na mesma carta Artemísia comenta a
produção de seu autorretrato para dal Pozzo, o qual a pintora afirma que será enviado
brevemente. Em troca de seu autorretrato, Artemísia pede outra remessa de luvas
perfumadas e couro. De acordo com Solinas (2011, p. 87), o couro era utilizado para
recobrir sapatos, normalmente feitos de tecidos.
Apesar da promessa, o autorretrato só será entregue sete anos depois, conforme
testemunha a carta de 24 de outubro de 1637 (Lettera 49). Artemísia recorre a dal Pozzo
para completar uma soma de dinheiro que necessitava para pagar o dote de casamento de
sua filha Prudenzia. Artemísia argumenta que não possui outro capital a não ser alguns
quadros; em troca do dote a pintora propõe enviar duas grandes telas para serem vendidas
aos cardeais Francesco e Antônio Barberini através da influência de dal Pozzo. Artemísia
afirma que enviará também seu autorretrato, já prometido anteriormente e destinado a
coleção de autorretratos dos pintores e amigos protegidos pelo colecionador Cassiano dal
Pozzo.
A correspondência de Artemísia nos apresenta indícios para entender a presença de
suas obras em coleções importantes do século XVII. A artista se utilizou da influência de
Cassiano dal Pozzo para ampliar a divulgação de seu trabalho. Na carta de 21 de janeiro de
1635 (Lettera 40), a pintora escreveu ao colecionador informando que seu irmão Francesco
chegaria a Roma com um quadro para o cardeal Antônio Barberini (1607-1671), sobrinho
do papa Urbano VIII. Artemísia solicita ao seu protetor dal Pozzo que introduza o irmão na
presença do cardeal para entregar-lhe o quadro e sem demora retorne a Nápoles, não
permitindo que sua estada em Roma seja maior que quadro dias.
De acordo com Francesco Solinas (2011, p. 88), nessa época o cardeal Antônio
Barberini estava empenhado na construção de uma extraordinária coleção de arte. O
mesmo autor salienta que num dos primeiros inventários do cardeal, elaborado em abril de
1644, é mencionado “Um quadro de uma mulher com seu amado sem moldura coberta
com tecido de tafetá verde” de autoria de Artemísia Gentileschi, como parte do acervo do
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Palazzo Barberini. Conforme Solinas (2011), a obra citada é Venere dormitente con
amorino, atualmente na coleção de Barbara Piasecka Johnson.
26
Vasari fez a descrição a qual nos referimos, na segunda edição de sua obra popularmente conhecida como
“Vidas dos Artistas”. VASARI, Giorgio. Le vite dei più eccellenti scultori, pittori e architetti. Torriana: Orsa
Maggiore, Ed. Integrale, 1991.
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Una stampa in cui è scritto Artemisia, esprimente due femmine, che una
sedente in abito di regina, la quale tiene una coppa in cui l’altra figura
versa della materia29 (Fondazione Memofonte Onlus, 1779-1782-1783, p.
110).
Uma imagem na qual escreveu [assinou] Artemísia retrata duas mulheres,
uma sentada com roupas de rainha, a qual segura uma taça na qual a outra
personagem despeja o conteúdo. (Tradução Dr. Celso Bordignon).
27
Ver The Walpole Society (1935-1936), volume 24, e Oliver Millar volume 43 “The Inventories and
Valuations of the King's Goods 1649-1651” (1970-1972), 186, n. 5. Vendido para “Jackson and others” em
outubro de 1651, o quadro voltou a ser mencionado em um inventário da coleção de Charles I entre 1687-88.
Ver também The Walpole Society volumes 55 e 67.
28
Pequena placa de madeira, sua atual localização é numa coleção particular florentina.
29
Inventario generale dell estampe staccate e libri ornati con esse della R. Galleria compilato nel 1779-
1782-1783. Fondazione Memofonte Onlus. Studio per l’elaborazione informática delle fonti storico-
artistiche.
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decorrer desses anos eram entregues suprimentos para pintura na casa da família
Gentileschi, o que sugere que Artemísia estava ativamente envolvida com a produção
pictórica.
Numa carta enviada por Orazio Gentileschi à Grã-Duquesa Cristinadi Lorena, o
pintor escreve sobre a filha:
30
Archivio di Stato di Firenze, Mediceo Del Principato, filza 6003, anno 1612. Publicado por Alexandra
Lapierre (2001, pp. 435-437).
31
La Vergine che allatta il Bambino (1608-1609). Artemísia Gentileschi. Óleo sobre tela, 116 x 89,3 cm.
Coleção privada.
32
Susanna e i vecchioni (1610). Firmata e datata: “Arte [Misia] Gentileschi F/1610”. Óleo sobre tela, 170 x
119 cm. Acervo do Castelo Weissenstein, Pommersfelden, Alemanha.
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David (1605-1670) da década posterior (figura 3). A gravura do artista parisiense que
trabalhou em Roma desde 1623 é intitulada “Ritratto di Artemisia Gentileschi” (1626-27).
A gravura é baseada em um retrato de Artemísia de Antoine de la Ville, um engenheiro
militar a serviço do duque de Sabóia, conforme Michele Nicolaci (2011, p. 264).
Na Allegoria della pittura há, em volta do pescoço da figura feminina, uma
corrente de ouro que suspende uma máscara alargada, a máscara da imitação que é um
atributo da alegoria da pintura (Figura 1). Para Garrard (2001), embora a imagem tenha
sido atribuída como um autorretrato de Artemísia, pode em vez disso ser um retrato da
pintora feito por um outro membro do grupo de artistas da Casa Buonarroti, em Florença.
De qualquer forma, a obra oferece uma instância inicial de identificação de Artemísia com
a arte da pintura, ajudando a estabelecer o quadro iconográfico que leva ao seu
“Autorretrato como a alegoria da pintura” (Figura 4), produzido entre 1638 e 1639, no qual
os atributos alegóricos são plenamente implantados.
Acreditamos que tanto a Alegoria da Pintura (Figura 1) como outras imagens nas
quais a mesma temática é representada na obra de Artemísia, correspondem à descrição da
alegoria que Cesare Ripa (1560-1620/25) fez em seu texto Iconologia, publicado pela
primeira vez em 1593. Para Jacqueline Lichtenstein (2005, p. 21) “A Iconologia [de Cesare
Ripa] representa um esforço considerável para estabelecer as fontes literárias, históricas ou
religiosas das personificações e alegorias transmitidas pela tradição antiga e medieval”. A
mesma autora ressalta ainda que a obra de Ripa foi inspirada pelo Speculum morale de
Vincent de Beauvais, autor de várias enciclopédias no século XIII. O trabalho de Ripa
contém uma classificação por ordem alfabética das personificações que exprimem atitudes,
estabelecendo uma taxonomia destas personificações segundo seu papel teofânico, ético e
religioso (LICHTENSTEIN, 2005, p. 22).
O retrato de Artemísia produzido por Jérôme David (Figura 3) também alude ao
texto de Cesare Ripa33. A característica mais distintiva do retrato é o cabelo despenteado,
extravagante e indisciplinado da artista. Na interpretação de Garrard (2001, p. 57), o cabelo
literalmente indisciplinado, não sujeito à regra, representa efetivamente a independência
33
O texto Iconologie de Cesare Ripa foi publicado na obra “A pintura: descrição e interpretação” organizada
por Jacqueline Lichtenstein (2005, p. 21-33).
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feroz de Artemísia. A mesma autora ressalta outro elemento do texto de Ripa presente nas
imagens: as poses indisciplinadas da alegoria da pintura, as quais simbolizam o frenesi
divino do temperamento artístico. Esse conceito também foi evocado nas outras imagens
apresentadas no presente artigo, principalmente em seus autorretratos, nos quais Artemísia
afirma uma identidade exaltada, colocando-se implicitamente, entre os gênios criativos de
expressão artística.
As referências ao caráter indisciplinado da alegoria da pintura foram inicialmente
representadas nas imagens, talvez, pelo próprio estado natural encorpado do cabelo de
Artemísia. Entretanto, para Mary Garrard (2001, p. 57) o ponto de partida conceitual de
Artemísia foi, provavelmente, a imagem da alegoria da pintura no verso da “medalha-
retrato” (Figura 5), produzida em 1611, em homenagem a artista Lavínia Fontana (1552-
1614). Esta medalha, com o retrato de perfil de Fontana, aponta para confundir as
identidades da artista feminina e da alegoria feminina da pintura. O ponto de partida
conceitual ao qual Garrard (2001) refere-se, para além de uma inspiração, é um tema
recorrente na obra de Artemísia. Podemos dizer que a artista se constrói constantemente a
partir de uma metáfora visual disponível exclusivamente a uma pintora mulher situando-se
firmemente em uma construção masculina de inspiração criativa.
A moldura ovalada que envolve a imagem de Artemísia na gravura de Jérôme
David (Figura 3) descreve-a como “Famosíssima pintora acadêmica da Desiosi Artemísia
Gentileschi Romana”. A gravura de David é, provavelmente, uma comemoração à adesão
de Artemísia à academia veneziana, conforme indica Garrard (2001). Abaixo da imagem
de David há uma inscrição que define Artemísia como “Uma maravilha na [arte da]
pintura, mais facilmente invejada do que imitada”, uma citação de Plínio Gaio (23/24-79
d.C.). A citação de Plínio foi aplicada de forma satírica junto ao retrato de Artemísia. Esta
inscrição atesta sua condição de “celebridade” em uma chave de leitura pejorativa.
Artemísia é representada em sua excepcionalidade como mulher pintora, “[...] um pouco
como aplaudindo o cão que pode andar sobre as patas traseiras” (GARRARD, 2001, p. 58).
Quando aplicada a Artemísia, a citação de Plínio evoca detratores que se ressentiam da
atenção exagerada que ela recebia como uma mulher artista e invejaram seu estatuto
aparentemente adquirido com pouco esforço, para não mencionar a sua auto identificação
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audaciosa com a pintura. Para Garrard (2001, p. 59), isso também sugere sua inadequação
como modelo artístico para outros artistas: qual artista masculino poderia ou iria querer
imitar uma artista que se insinuou em seus personagens femininos?
No entanto, a auto identificação de Artemísia como alegoria da pintura sobreviveu
e progrediu em sua obra. No contexto das imagens aqui discutidas, o tema é explorado nos
três autorretratos da pintora (Figuras 1, 2 e 4). Considerando a possibilidade da figura 1 ser
um retrato de Artemísia feito por um artista da Casa Buonarroti – conforme a hipótese
levantada por Mary Garrard (2001) – poderíamos relacioná-la com o Retrato de Artemísia
feito por Simon Vouet34 para integrar a coleção de Cassiano dal Pozzo. Não discutiremos a
imagem no artigo, mas chamamos a atenção para alguns elementos que se repetem nas
duas imagens, como por exemplo a corrente de ouro, os instrumentos de trabalho da
pintora – paleta de tintas e pincel – os brincos de pérolas, o vestido de tecido dourado e
drapeado, além das duas imagens retratarem a artista em seu estúdio no ato de pintar.
Nesse sentido, as duas hipótese permanecem em aberto. A alegoria da pintura
(Figura 1) pode ser um autorretrato ou um retrato de Artemísia, já que a identificação
existente entre a artista feminina e a alegoria da pintura foi tanto um tema desenvolvido
pela artista, como por outros colegas pintores de seu tempo que produziram retratos da
pintora. As hipóteses encaminham novos estudos e poderão ser discutidas em outros
artigos.
Uma questão interessante apresentada por Mary D. Garrard (2001), a qual nos
inquieta e estimula à novas investigações é a obra “A woman as a Sibyl” (Figura 6)
produzida, entre 1630 e 1632, por Diego Velázquez (1599-1660). À luz da coleção de
imagens de Artemísia a partir da temática da alegoria da pintura, a autora expõe a hipótese
de que a obra “Uma mulher como uma Sibila”, datada de 1630 durante a viagem italiana
do artista espanhol, não representa nem uma sibila nem a esposa do pintor. As duas
propostas permanecem em aberto, mas Garrard (2001, p. 60) adverte que a figura feminina
representada na imagem pode ser “Artemísia como alegoria da pintura”, produzida no final
de 1630, quando os dois artistas estavam trabalhando na corte napolitana. A mesma autora
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Ritratto di Artemisia Lomi Gentileschi (1623-26). Simon Vouet. Oléo sobre tela 90 x 71 cm. Collezione
privata.
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destaca ainda o objeto retangular que a figura detém (Figura 6), o qual, certamente, não
representa a tabuleta de uma sibila, que neste período geralmente apresentava marcas
enigmáticas, mas a tábula rasa, ou tela vazia, que forma o segundo plano do Autorretrato
de Artemísia (Figura 4). A tábula rasa foi, de acordo com o tratado “Diálogos da pintura”
de Vincenzo Carducho (1576-1638), o emblema da arte da pintura. Mary D. Garrard
(2001) argumenta ainda que Velázquez pode ter utilizado o “Autorretrato como a Alegoria
da Pintura”(Figura 4) de Artemísia como um ponto de partida para ampliar em “Las
meninas” (1656-57) o tema da pintura como uma atividade intrinsecamente nobre. O
retrato do Museu do Prado pode fornecer outra instância de associação entre os dois
artistas em Nápoles.
Na imagem de Velázquez “Uma mulher como uma sibila” (Figura 6) a figura
feminina está disposta de forma relativamente sóbria e contida; mechas soltas e fluidas de
cabelo enquadram o rosto da mulher, como no autorretrato de Artemísia (Figura 4),
enquanto o colar de pérolas ressoa como na gravura de Jérôme David (Figura 3). O quadro
de Velázquez seria um retrato de Artemísia como alegoria da pintura? Essa é uma das
questões que continuaremos investigando, tendo em vista que nos interessa entender como
as imagens se tornam autônomas em relação ao próprio criador. Pensar os efeitos da
dimensão visual requer considerar que as imagens não apenas representam o passado, mas
também ajudam a construí-lo.
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Roma: De Luca, 2013.
_________ (Org.). Artemisia Gentileschi. Storiadi una passione. Catalogo della mostra
(Milano, 22 settembre 2011- 30 gennaio 2012). Milano: 24 ORE Cultura, 2011.
DA VINCI, Leonardo. Trattato della pittura. Preceduto dalla “Vita di Leonardo da Vinci”
di Gioggio Vasari. Roma: Club del libro Fratelli Melita, 1989.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
GAIO, Plinio Secondo. Storia Naturale: mineralogia e storia dell’arte. Libri XXXIII -
XXXVII. Giulio Einaudi: Torino, 1988.
HASKELL, Francis. Mecenas e pintores: arte e sociedade na Itália barroca. São Paulo:
Edusp, 1997.
LAPIERRE, Alexandra. Artemisia. Itália: Mondadori, 2000.
MANN, Judith W. Artemisia Gentileschi nella Roma di Orazio e dei caravaggeschi: 1608-
1612. In. CONTINI, Roberto; SOLINAS, Francesco. Artemisia Gentileschi. Catalogo della
mostra. Milano: 24 ORE Cultura, 2011. pp. 51-61/130-258.
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UNESP/Campus de Franca. Doutor em História (História e Cultura Política). Departamento de Educação
do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE/UNESP), Campus de São José do Rio Preto.
E-mail: perinellineto@yahoo.com.br
36
UNESP/Campus de Franca. Doutor em História (História e Cultura Política). Colegiado do Curso de
História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Marechal Candido Rondon.
E-mail: rpaziani@yahoo.com.br
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camadas sociais diferenciadas por ideários políticos, religiosos ou por outros interesses
muito específicos” (CORREIRA & GUERREIRO, 1986, p. 46).
Quanto aos álbuns, eles também possuem trajetória etimológica variada, em parte
identificada com as mudanças culturais acima mencionadas, porém associada
originalmente ao latim romano, quando dizia respeito ao espaço em que autoridades
romanas publicavam lista de senadores, frases comemorativas, leis e éditos (CUNHA,
1986; HOUAISS, 2009).
Num sentido mais moderno – considerado aqui entre a segunda metade do século
XIX às primeiras décadas do século XX – podemos afirmar que o álbum conquistou uma
dupla conotação: aquele de domínio público, identificado com os desejos e interesses das
sociedades de elite entranhadas nas três esferas administrativas do Estado, normalmente
com propósito de construir uma memória laudatória e comemorativa, e um outro, de
domínio privado e/ou íntimo, mais ligado a memória de famílias – sejam elas de elite ou
não – com o objetivo de selecionar e reunir um conjunto de imagens de um grupo bem
específico (GERODETTI & CORNEJO, 2003).
Privilegiaremos os álbuns de domínio público, posto que os textos e as imagens ali
concebidos referem-se, muitas vezes, às memórias urbanas (vilas, cidades e metrópoles),
além de serem consumidas, via de regra, por diferentes grupos e classes sociais em
variados contextos históricos. Falando sobre os álbuns fotográficos, Zita Possamai traz
uma importante contribuição:
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apogeu da chamada “Belle Époque Caipira” (DOIN et. al., 2007), num contexto histórico
na qual os desejos das elites locais por modernizarem-se a qualquer custo e legitimar
discursos e práticas modernizadoras em virtude dos múltiplos negócios e empreendimentos
ligados à “cultura cafeeira” – urbanização, ferrovias, higienização, novos hábitos e
comportamentos – “passariam a conviver com traços de sociabilidade e valores culturais
anteriormente existentes” (PERINELLI NETO & PAZIANI, 2012, p. 107).
Neste sentido, a negociação entre experiências, identidades e sociabilidades
distintas vividas “no” e a “a partir do” local, as relações ambíguas, híbridas, entre o
“velho” e o “novo” ou entre o “moderno” e o “arcaico”, através da abordagem de
almanaques e álbuns tornam-se importantes motes para compreender as leituras peculiares
e reveladoras das diversas práticas, representações e apropriações da “desejada”
modernidade.
Cientes disso, visamos neste texto apreender a experiência social forjada nesses
ambientes sociais (DARNTON, 1986), tomando para isso a interpretação de certos indícios
(GINZBURG, 1989, p.143-180) colhidos no Álbum de Barretos (ANDRADE, 1918) e no
Almanaque de Ribeirão Preto (ALMANACH ILLUSTRADO, 1913), publicadas
igualmente durante a década de 1910. Tais indícios são compreendidos a partir da
interpretação de outras fontes – caso de jornais, fotografias, estudiosos locais, legislações
urbanas -, promovendo assim leituras cruzadas das experiências envolvendo a
modernidade nestas localidades, ou, dito de outra forma, leituras a contrapelo.
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Leitura atenta dos memorialistas locais (MENESES, 1954, 1985; ROCHA, 1954) é
capaz de extrair informações responsáveis por reconhecer a diversidade social dos
frequentadores destes estabelecimentos. Com base nisso, não é difícil imaginar que nos
mesmos estabelecimentos comerciais encontravam-se diversos grupos, postando-se lado a
lado e defronte aos balcões e às prateleiras.
Dirigiam-se a estes locais os vários revendedores de produtos ali transacionados,
vindos de outras áreas de São Paulo ou até mesmo de estados vizinhos, mas – pode-se
inferir - sempre trazendo consigo impressões de viagens, estórias e causos diferentes,
novas expressões de linguagens, hábitos e costumes.
Corriam para estes mesmos pontos, homens e mulheres que viviam no espaço
urbano de Barretos ou que com ele se importavam, estando ali à procura de signos diversos
e capazes de revesti-los de sinais diferentes perante os olhos de seus pares, vizinhos,
amigos e até mesmo os estranhos que encontrassem pelas ruas, na praça da Matriz ou em
qualquer outro lugar.
Por fim, se faziam notar no interior desses estabelecimentos pessoas em busca de
produtos essenciais para a “vida na roça”, casos de ferramentas agrícolas, temperos para
suas refeições (sal e açúcar) ou então algo que lhes permitissem desfrutar de certo conforto
(querosene, empregada na iluminação doméstica).
Sendo assim, nestes lugares as fronteiras entre rural e urbano, “nativismo” e
“estrangeirismo” esmoreciam, inevitavelmente, fazendo crer numa convivência desigual
que, em muitos casos, autoriza-nos a pensar numa circularidade cultural intensa e
responsável por criar um ethos ricamente composto de novos e velhos hábitos, distante do
modelo desejado por setores das elites, mas fiel a diversidade social encontrada nesta
localidade.
No Álbum, a preocupação com a moda e com a aparência pessoal, de modo geral,
também era notória, daí o registro de quinze “comerciante de fazendas, armarinhos,
sapatos, chapéus, etc”, três “barbearia, perfumaria, armarinho, charutaria, três “alfaiatarias
e armarinhos”, um “armarinhos e perfumaria”, um “ourivesaria” e um “joalheria”
(ANDRADE, 1918).
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A única “fábrica de sabão”, por sua vez, traduzia o já citado ideário higienista
(CHALHOUB, 1996) e interferia, gradativamente, no emprego de produtos
industrializados de higiene pessoal pelos moradores locais, incluindo-se nesta lista,
especialmente, o tão propagado sabonete. Com isto, cada vez mais também era restringida
a prática de fabricação de sabão doméstico, isto é, de pasta produzida caseiramente, graças
ao uso de cinzas, bem como de gordura e outras partes extraídas de porcos e bovinos.
Contudo, deve-se, de fato, considerar com atenção o emprego de termos como
“gradativo” e “cada vez mais”, pois indícios observados na escrita dos memorialistas locais
(MENESES, 1954, 1985; ROCHA, 1954) evidenciam a raridade com que era empregado
pela população o sabonete, daí certos membros das elites locais se diferenciarem
socialmente, justamente, pelo uso diário desta “novidade”.
As duas “cervejarias” indicadas no Álbum (ANDRADE, 1918) ilustravam o novo
hábito de consumo dessa bebida e a formação de um espaço público de sociabilidade,
possivelmente caracterizado pela realização de encontros entre grupos sociais diferentes
das elites locais na área central, o que colaborava para a construção de uma esfera pública
(HABERMAS, 1984), empregada, portanto, para discussões políticas, como nos informam
estudiosos de cidades como, entre outras, Rio de Janeiro e São Paulo (SEVCENKO, 1998).
Curiosamente, a leitura de jornais (O Sertanejo, 1900-1909) e de estudiosos locais
(MENESES, 1954, 1985; ROCHA, 1954) indica que as cervejarias não configuraram
espaço preferencial para as reuniões políticas promovidas pelas elites, que optavam por se
organizarem nas próprias residências e estabelecimentos comerciais como, especialmente,
as farmácias, dado que pertenciam aos líderes destes grupos.
A casa de “fotografia e papelaria” tomava lugar dos profissionais itinerantes e
disponibilizava aos moradores locais um dos ícones mais representativos dos “novos
tempos” (BENJAMIN, 1986), ao que soma a casada valorização da escrita e da leitura,
igualmente revelada no termo empregado para designar o setor de atuação deste
estabelecimento.
E de fato, em acervos fotográficos locais como o do Museu Histórico e do Grêmio
Recreativo Literário é possível identificar o emprego diversificado da fotografia, segundo
rituais modernos, caso do registro de certas ocasiões sociais (formaturas e corsos de
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Paris) sobre o município, “Le pays du Café”, a revista “Ribeirão Preto Ilustrado”, de 1915,
e o citado “Almanach Illustrado de Ribeirão Preto”.
Neste âmbito, torna-se importante destacar a prevalência da “hipertrofia da esfera
privada” (ROCHA, 1998, p. 123-124) na vida pública brasileira, graças à formação de uma
sociedade desobrigada daética racional capitalista, exceto a da aventura, do risco e da
trapaça (HOLANDA, 1995; DOIN, 2001).
Durante a Primeira República, as elites plutocráticas do interior de São Paulo
aventuravam-se com os “negócios públicos” ao embaralhar os sentidos da civilização e da
barbárie do arcaico e do moderno. (DOIN, 2001)
Ao contrário das práticas de difusão dos materiais impressos pelas principais
cidades europeias - responsáveis pelo surgimento de uma “esfera pública literária” que,
mesmo voltada ao mercado (HABERMAS, 1984), fomentara uma “sociedade de leitores”,
portanto de múltiplas possibilidades de leituras de mundo (DARNTON, 1990;
CHARTIER, 2003) – na história do Brasil tais experiências, não inexistentes, encontraram
obstáculos numa das faces perversas da formação social e educacional: a exigüidade do
“público leitor” (LAJOLO & ZILBERMAN, 1991; ROCHA, 1998).
O “Almanach Illustrado” traduzia em palavras, imagens e dados a escala de
“evolução” e “progresso” de Ribeirão Preto. As referências à França ou à Paris – caso dos
cines-teatro “Paris-Theatre” e “Bijou” – eram bastante presentes nas propagandas
comerciais e de lazer. Com o “Almanach” não era diferente, pois a sua proposta era a de
ser um material estatístico, histórico, industrial, comercial, agrícola, literário, de
informações e variedades (ALMANACH ILLUSTRADO, 1913, p. 03; PAZIANI et. al.,
2008).
Os editores do “Almanach” – Sá, Manaia & Cia. – ansiavam destacar o lugar de
Ribeirão Preto no cenário paulista, nacional e internacional, dada a sua influência política e
a pujança econômica assumidas na Primeira República. Mas destacar o quê? Uma primeira
pista está presente no discurso dos próprios editores:
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[...] a vida do Cel. Schmidt tem sido de constantes lutas, das quaes
sempre sae victorioso, affeiçoando-se por isto, aos grandes
emprehendimentos. Atirou-se á labuta agricola com ardor e, intelligente e
methodico, deusa fortuna invadio-lhe o lar pouco a pouco, rodenado de
abundancia; lentamente, imperceptivelmente, o Cel. Schmidt passou de
um extremo ao outro, da pobreza á riqueza, graças ao seu esforço e
exemplar constancia, sendo hoje, segundo já ficou dito, conhecido não só
aqui como em toda a parte pelo titulo de “Rei do Café”. Em Ribeirão
Preto nada se faz sem o concurso poderoso de sua assistencia, que tem
parte em todos os melhoramentos urbanos (ALMANACH, 1913, p. 86-
87).
Nesta passagem, uma versão da história do coronel é narrada: aquele que deveria
lembrar a trajetória do imigrante afortunado e bem-sucedido que, imbuído do sentimento
de trabalho e dever (nunca o de conflito ou revolta) conseguiu tornar-se “Rei” e promover
o desenvolvimento da cidade e do município. A publicação, no “Almanach”, de uma
fotografia do poderoso coronel (todo imponente e garboso no vestir) ao lado do seu
automóvel Ford (1913, p. 85) defronte à Fazenda “Monte Alegre”, parecia revelar ao leitor
– “leitor-simulacro”? - a imagem de um homem afinado com a modernidade.
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moderna – como no livro de Márcia Padilha (2001) sobre São Paulo nos anos de 1920 – e a
publicização da comicidade da vida privada, conforme estudo de Saliba (1998): a
germinação de novos leitores, as estratégias de venda e a veiculação de novos hábitos e
valores (MARTINS, 2001).
Mas não nos iludamos. O patrocínio de revistas e almanaques em Ribeirão Preto (e
em outras cidades interioranas) constituía uma moderna forma de os coronéis legitimarem
seus poderes privados na sociedade e na política (WALKER & BARBOSA, 2000). Já que
todo e qualquer grupo político do período gravitava em torno dos seus “chefes” e o poderio
destes não se dissociava de participações (diretas e/ou indiretas) junto aos veículos de
comunicação e informação – e destacamos aqui o “Almanach Illustrado” – estes acabavam
por exercer um papel decisivo, eram os grandes responsáveis por potencializar as
ambivalências entre público e privado, arcaico e moderno (PAZIANI, 2004).
Considerações Finais
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Fontes
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Encarregado do Setor de Pesquisa e História do Museu Militar do Comando Militar do Sul – MMCMS,
Doutor em História (PUCRS). Email: ibett@bol.com.br
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Introdução
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Cabe destacar, também, que o conflito na Europa, conforme assinala João Rafael Morais (2014, p. 78)
“trouxe grande preocupação para a elite militar e também para as elites políticas, como jamais antes, pois
ficara patente a inferioridade do Exército brasileiro em relação ao estado da arte militar naquele momento.”
39
A Manobra da 3ª Região Militar foi fotografada por Sioma Breitman e mais dois fotógrafos: Milton Kroeff
(Jornal do Estado) e Santos Vidarte (Correio do Povo). (MASSIA, 2008)
40
A noção de “imaginário”, neste trabalho, está sendo baseada na concepção desenvolvida por Baczko
(1985). Na visão do teórico polonês (1985, p. 310), para se pensar na noção de imaginário, é preciso levar em
conta a coletividade e as suas especificidades: identidades, hierarquias, posições, crenças, lugares sociais.
Imaginário social, portanto, se configura como “uma das forças reguladoras da vida coletiva [...] uma peça
efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e, em especial, do exercício de autoridade do
poder. Ao mesmo tempo, ele se torna o lugar e objeto dos conflitos sociais”. Nessa concepção, o imaginário
assume a função de ser uma poderosa força de instauração ou legitimação social, além de propor estereótipos
e paradigmas apresentados enquanto verdades. Essa definição salienta que o imaginário existe em função do
real que o produz e do social que o legitima. Não pode, neste sentido, estar deslocado da realidade uma vez
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Desta forma, o trabalho será desenvolvido utilizando essa “peça” do acervo do Museu
Militar de uma forma que o transcurso analítico transitará entre suas possibilidades
enquanto fonte de pesquisa bem como seu potencial enquanto um objeto de estudo.
Para atingir o objetivo principal estabelecido, a análise será dividida em duas
etapas. Na primeira a proposta é apresentar, com base na perspectiva genealógica, o
próprio desenvolvimento da instituição militar, com enfoque específico nos principais
acontecimentos que pautaram a tônica do processo de modernização da instituição e de que
forma esse quadro ficou configurado em fins da década de 1930 e nos primeiros anos da
década de 1940, momento em que foi realizada a manobra e, consequentemente, o
momento em que as imagens foram registradas. De acordo com Foucault (1979), o estudo
genealógico permite que se ponha em evidência as relações de poder-saber que se interpõe,
se encobrem, se entrelaçam, em determinados contextos, subscritas às práticas discursivas
e não discursivas, e que irrompem (resultam em) novos acontecimentos. Portanto, a
primeira parte será fundamentada na perspectiva teórico-metodológica de se empreender
um estudo da Instituição militar tendo como ponto de partida algumas das transformações
(internas) ocorridas no princípio do século XX e de que formas estas proposições se
encarregaram de “produzir” ou “inventar” uma nova instituição. Em outras palavras,
entende-se que para se compreender o acontecimento “modernização do Exército
Brasileiro”, bem como o acontecimento “Álbum da manobra de Saicã”, é necessário passar
em revista um conjuntos de outros acontecimentos, uma heterogeneidade de forças e de
práticas descontínuas circunscritas às relações de saber e poder que as produziram.
Na segunda etapa, a proposta consiste em desenvolver uma descrição do
objeto/fonte de pesquisa, seus autores, as características materiais, a forma com que foi
subdividido, tratando de problematizar e evidenciar a manifestação de alguns dos
processos “normalizadores” da Instituição militar na própria configuração dos indícios
formais com que foi projetado o “olhar” dos seus autores quando da sistematização de suas
(possíveis) intenções materializadas no álbum de fotografias. Nesta perspectiva, também se
pretende empreender uma análise geral das fotografias que o compõe, evidenciando as
que ele pode ser acionado para transformar a realidade. Daí, a necessidade de se trabalhar com a noção de
imaginário, evidenciando a sua capacidade de existência real, inscrito em práticas e lutas reais.
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Ver em LE GOFF, 1990.
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São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e
estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos,
mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos (FOUCAULT, 1987, p.126).
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A noção de “corpos dóceis”, em Foucault, tem a ver necessariamente com o desenvolvimento do
investimento da disciplina enquanto método minucioso das operações do corpo realizando a “sujeição
constante de suas forças” e impondo “uma relação de docilidade-utilidade” (FOUCAULT, 1987, p. 118).
44
Cunhada inicialmente por Althusser, a noção prima, justamente, em esclarecer as posições de sujeitos
construídas nos discursos, as quais estão em estreita articulação com a efetividade/capacidade de
assujeitamentos, quando dois discursos entram em campos de disputas (PINTO, 1989). Em outros termos, o
“sucesso interpelativo se estabelece quando um discurso exerce poder sobre outro, que passa, sem sofrer
qualquer tipo de sanção negativa, a se identificar com o discurso do primeiro. No entanto, a capacidade de o
poder ser exercido pelo discurso está associada à sua capacidade de responder a demandas, de se inserir no
conjunto de significados de uma sociedade, reconstruindo posições de sujeitos” (1989, p. 36).
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Sob outra perspectiva de análise, José Iran Ribeiro (2013, p. 284) salienta que a
instituição militar apresentava uma organização “em moldes pouco profissionais”, cuja
preocupação na formação específica de seus integrantes era inexistente. Além disso, as
primeiras grandes manobras realizadas no início do século XX (1905) apontavam para
problemas estruturais, conforme salientou Fernando da Silva Rodrigues (2011, p. 35-36):
“[...] calçados de baixa qualidade, barracas muito pequenas, insuficiente estoque de
alimentos [...] armamento velho e insuficiente, mochilas excessivamente pesadas [...] e
cartucheiras de couro que não resistiram ao peso da munição”. Em consonância com esse
diagnóstico, mas avaliando a instituição em período temporal posterior, Fernanda
Nascimento (2011, p. 3) salienta que a falta de estrutura nos quartéis, a obsolescência dos
armamentos e equipamentos, flagradas nas campanhas de Canudos (1897-1898) e do
Contestado (1912-1916), deixou explicito para alguns oficiais “a necessidade de se adequar
a Instituição aos tempos modernos. A atuação dos militares nesses conflitos deixou muito a
desejar e demonstrou toda a fraqueza da Instituição.
Torna-se relevante, portanto, considerar e discorrer sobre esse momento de ruptura,
os processos (discursivos e não discursivos) que, em conjunto, deram corpo ao novo
paradigma que se estabeleceu na Instituição: a profissionalização dos corpos na caserna e o
afastamento da cultura paisana. Por isso, a necessidade de se apontar o afastamento da
instituição da “cultura militar bacharelesca”, se aproximando das normativas inerentes ao
profissionalismo, ressaltando “a complexa transição de um militar partidarizado,
apaisanado e vinculado a projetos políticos nacionais não institucionais para um militar
profissionalizado, disciplinado, dócil e vinculado, exclusivamente, ao da caserna”
(MORAIS, 2009, p. 12).
É possível, neste sentido, no que tange especificamente ao Exército Brasileiro,
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Das ações mais significativas no sentido da mudança, sem dúvida, o campo dos saberes militares foi o que
exigiu maior preocupação estratégica, visto que as escolas militares representam espaços de formação de
identidades que apontavam para o futuro da própria organização. (MORAIS, 2009)
46
Trata-se da formação dos Oficiais na Escola Militar da Praia Vermelha. Conforme Fernando da Silva
Rodrigues (2011, p. 32) “A reforma dos regulamentos e das normas internas que regem a Força Terrestre é
uma medida que vai moldando os militares como atores políticos e visa, sobretudo, a consolidação da
instituição e do regime republicano”.
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Cabe destacar que o regulamento de 1898, em que pese não ter alterado significativamente a estrutura
paisana das escolas militares, deu os primeiros passos no sentido de incluir a disciplina militar nas escolas
preparatórias (antes do aluno chegar à Escola Militar da Praia Vermelha). Houve, nesse sentido, um conjunto
de medidas que visavam à disciplina, já apresentando algumas características das instituições totais:
formaturas, aulas, instruções, rancho, paradas diárias, manobras, desfiles plantão nos alojamentos, etc.
(MORAIS, 2009)
48
Nesta fase, de acordo com Rodrigues (2011, p. 32) “os modelos foram encadeados e propuseram que o
ensino fosse teórico-prático ou mais prático do que teórico e que o conhecimento fosse apreendido do
concreto para o abstrato. Os resultados de tal empreendimento transitaram da formação de um modelo
educacional teórico-cientificista em que predominavam a matemática e as ciências naturais, que os afastava
das questões militares, para um modelo profissional mais prático e objetivo [...]”
49
É preciso destacar que em 1911 foi criada a Escola Militar de Realengo em substituição da Escola da Praia
Vermelha, com forte predominância bacharelesca sob influência do Positivismo (MORAIS, 2014).
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Essa denominação se refere à forma depreciativa com que os jovens tenentes foram tratados pelos oficiais
mais antigos. A expressão, que, de forma pejorativa, faz analogia aos jovens oficiais da Turquiade Mustafa
Kemal que buscaram modernizar o Exército daquele país, foi incorporada, servindo de símbolo da causa
(MORAIS, 2009); (RODRIGUES, 2011).
51
Ver em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/JOVENS%20TURCOS.pdf
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Morais (2009, p. 63), os “jovens turcos” inauguraram, de baixo para cima da estrutura
hierárquica, “a cultura da técnica militar moderna como elemento efetivo de
profissionalismo”.
Em 1922 e 1924, duas sublevações militares, respectivamente no Rio de Janeiro e
São Paulo, tendo como protagonistas oficiais subalternos (tenentes e capitães),
movimentaram o cenário político-militar nacional52. Diferentemente do tenentismo
profissional, que buscava a imposição da transformação tendo como ponto de partida a
própria instituição, o tenentismo político direcionou suas ações para um espectro mais
amplo, focalizando as questões políticas e administrativas da nação. Nas palavras de João
Morais (2014, p. 92) o tenentismo pode ser considerado “a centelha que, acesa por atritos
tão estruturais, não poderia ser apagada por simples e ocasional repressão pela força”, por
isso “seria o marco inicial desse processo revolucionário que tinha na base o
questionamento do lugar (ou papel) do Exército na sociedade”.
Pedro Ernesto Fagundes (2010, p. 130), ao interpretar tenentismo sob a perspectiva
de José Murilo de Carvalho, salienta que o movimento foi resultado de uma “conjugação
dos problemas internos e externos dos militares e, em especial, tiveram papel privilegiado
no início do movimento as questões relativas à institucionalização do Exército durante essa
época”. Para Morais (2009, p. 68), o tenentismo político compartilhava as mesmas
concepções modernas do tenentismo dos jovens turcos, entretanto, nas palavras do autor,
“concentravam a ação político-militar contra as estruturas do poder político nacional a fim
de qualificar o Exército brasileiro para as reformas que lhe garantiam o papel
centralizador”. Por isso, a opção pela ação revolucionária como forma de combater a
precária condição de vida e a desestruturação da Força militar, especialmente nos aspectos
referentes aos baixos soldos, aos privilégios nas promoções e, por fim, aos aspectos
relativos à precária e incipiente profissionalização.
52
É preciso destacar que na década de 1920 eclodiram diversos movimentos de contestação da situação
política vigente no país. De acordo com (Fagundes, 2010), essas manifestações indicavam o
descontentamento de setores da população brasileira com os rumos da República., tendo o movimento
Tenentista, a Reação Republicana, a Semana de Arte Moderna, a “Revolução de 1924”, a Coluna Prestes e a
fundação do Partido Comunista do Brasil, como suas expressões mais conhecidas.
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Um dos motivos para a contratação de uma missão militar, naquele contexto, se deve especialmente à
percepção, por parte das autoridades políticas, principalmente pelo então ministro da Guerra, Pandiá
Calógeras, das necessidades de se “instituir uma força de terra orgânica e próspera, atendendo ao diagnóstico
dos graves problemas detectados, que assinalava a carência de efetivo, de armamentos e de preparo militar.”
(BELLINTANI, 2009, p. 544).
54
Segundo Adriana Bellintani (2009, p. 24), o desenvolvimento da Missão Militar Francesa se deu em duas
etapas: “Nos anos 20, os franceses reorganizam os cursos regulares de carreira, principalmente os do Estado
Maior do Exército (EME): são construídas novas instalações, elaborados novos regulamentos e enviados
oficiais à França para realizarem cursos de aperfeiçoamento. Nos anos 30, o número de oficiais franceses nas
MMFs é reduzido, e a continuidade dos trabalhos se dá com o auxílio de militares brasileiros, devidamente
capacitados e instruídos. A política de valorização do Exército, desenvolvida por Vargas, amplia as
importações de armamentos, aumenta o efetivo militar e eleva os soldos.”
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no sentido de se proclamar desenvolver uma fissura identitária entre o meio civil e o meio
militar, não havendo mais espaço para a cultura paisana que se manifestara através do
bacharelismo. Para Adriana Bellintani (2009, p. 548),
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Ronaldo Queiroz de Morais (2009, p. 94) salienta que a questão das definições políticas relacionadas ao
Exército, no período da Era Vargas, ficou concentrada na “dupla” Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra,
respectivamente Chefe do estado Maior e Ministro da Guerra. Os “artífices do Exército moderno”, nas
palavras do autor, proporcionaram a execução de uma política militar “de normalização produtiva no interior
da caserna”.
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Não foi possível encontrar referência que indicasse o nome completo do referido publicitário.
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Sem dúvida ainda cabe um estudo mais aprofundado que leve em conta a tentativa de compreender o
resultado do trabalho de Sioma (especificamente retratando a manobra aqui analisada) a partir da análise da
sua trajetória, sua formação cultural, sociabilidade e criatividade que imprimia em seu trabalho. Kossoy
(2001, p. 42-43) chama atenção para esse aspecto e o quanto isso pode revelar o próprio olhar do fotógrafo,
suas visões de realidade e suas atitudes.
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da tropa (36).
Por seu turno, o álbum impresso contou com um número significativamente maior
de fotografias (232), dispostas em 34 páginas. Este apresenta uma lógica estrutural
relativamente semelhante ao álbum original, com quase as mesmas subdivisões (armas,
serviços, fases da manobra, revista da tropa e os grupamentos) sendo, entretanto – e não
poderia ser diferente por se tratar de uma publicação com alcance variado – incrementado
com alguns artifícios gráficos, cujas principais características podem ser evidenciadas nos
desenhos e sobreposições de imagens, passando ao observador uma impressão de
“movimento”, de “ação” e de dinamicidade do Exército em exercício de campanha,
conforme demonstra a imagem abaixo:
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A noção de enunciado está sendo entendida como a “unidade molecular” do discurso, a qual é sempre
“uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com
conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (FOUCAULT, 2014, p. 105). Neste sentido, ainda de acordo
com o autor (p. 111), o referencial do enunciado “define as possibilidades de aparecimento e de delimitação
do que dá a frase seu sentido, à proposição do seu valor de verdade”.
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Figura 5: Capa da edição impressa do álbum “Grande Manobra da 3ª Região Militar. 1940”.
Organizado por Sioma & Andrade. Acervo: Museu Militar do Comando Militar do Sul.
Por outro lado, mas ainda buscando apontar as questões complementares entre as
imagens e textos e, nesse sentido, evidenciar proposições de sentidos expostas pelos
autores, cabe salientar o grande volume de publicidade impressa no álbum, localizada
especificamente no verso das páginas que continham as imagens da manobra. Abrangendo
um total de 40 anúncios publicitários, composto por empresas localizadas em diferentes
cidades do Estado do Rio Grande do Sul, destaca-se, na parte inferior destas páginas, a
projeção de diversas frases recheadas de enunciados com estreita ligação (complementando
e reforçando) com as imagens. Todas essas “mensagens” pareciam responder às questões
conexas ao esforço de se construir uma identidade nacional, assentada na realidade política
daqueles anos. Na publicidade da empresa Bromberg Sociedade Anônima, por exemplo, foi
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Ao estudar o “Culto a Caxias” e o estabelecimento institucional deste enquanto Patrono do Exército, Celso
Castro (2000) salienta que, a partir de 1930, passou-se a enfatizar fusão do Exército com a Nação, tendo
como ponto focal Caxias, apresentado como o maior lutador pela unidade e integridade da Pátria. Afirma o
autor, ainda, que a imagem evocada de Caxias passou a destacar cada vez mais sua autoridade e suas
qualidades de chefe militar a serviço de um Estado forte. Não foi sem propósito, então, que neste contexto,
Caxias passou a personificar a união militar e da própria nação.
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BARROCO JESUÍTICO-GUARANI?
Jacqueline Ahlert62
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Professora do PPGH da Universidade de Passo Fundo, doutora em História pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: ahlert@upf.br.
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organização religiosa e absolutista, que terminou por adquirir neste uma função de
estrutura, não apenas decorativa ou de fantasia (1980, p. 22 e 36)63.
A parafernália litúrgica barroca deveria causar grande impacto na população nativa,
de modo que os padres não demoraram a se dar conta do poder de mediação das imagens e
sonoridades. Orientados pelos ditames das estratégias contrarreformistas 64, utilizaram-se
amplamente da iconografia de Nossa Senhora da Conceição, a Virgem Conquistadora, e
envolveram os índios com a operística barroca, visual, sonora e sensitivamente.
63
Afonso Ávila se refere, em especial, a sociedade mineira do século XVIII. Elucida uma assimilação do
barroco que não se aplica em sua totalidade as Missões Jesuíticas do Paraguai.
64
A Ordem dos Jesuítas não foi a única criada na primeira metade do século XVI com o intuito de contribuir
com o processo reformador da Igreja. Os Teatinos (1524), os Irmãos Menores Capuchinos (1528), os
Samascos (1537) e os Barnabistas (1539) constituem-se em outras ordens religiosas que podem ser
consideradas “nascidas reformadas”.
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Ferreira Gullar situa o barroco entre 1610 e 1750. Na América espanhola, esta datação corresponde a quase
totalidade do período das reduções da Província Jesuítica do Paraguai. Em 1610, foi fundada a primeira e, em
1750, foi assinado o Tratado de Madri, que ocasionou a expulsão da ordem em 1767/8. Ver: GULLAR,
Ferreira. Barroco: olhar e vertigem. In: NOVAES, Adauto. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2003
e WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da historia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.19.
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ele nas atividades litúrgicas cotidianas, fosse nas festivas. Esses artifícios, ao modo de uma
“catequese lúdica”, aproximavam-se da ritualistica festiva presente no mundo indígena,
possibilitando a formulação de vínculos de sentido para a ressignificação de tais práticas.
A ritualização era prática intrínseca à vida social dos povoados, esteve ligada
diretamente a uma concepção reciprocitária indígena que não reconhecia distinção clara
entre as relações econômicas, políticas e sociais (WILDE, 2003, p. 206).
O centro nevrálgico desse arranjo era o complexo formado pela igreja e pela praça
central. Wölfflin (1996) observou que, sempre que possível, a arquitetura barroca procurou
deixar um espaço vazio – uma esplanada – diante do edifício. Este aspecto já iniciara sua
elaboração nas construções maneiristas, em geral, graciosas e preocupadas em integrar a
obra ao ambiente, mas configurou-se no barroco, uma vez que a praça era tratada como
uma esplanada.
Este era um elemento organizador do espaço urbano, onde se concentrava o
conjunto de atividades da comunidade. Essa função vinculava a estrutura missioneira à
espacialidade da aldeia guarani, elemento incorporado e adaptado na redução.
Nesse espaço era potencializada a característica barroquista de sacralização da
rotina, dando uma nova faceta ao tradicional esquema de acumulação de funções que
definiam a centralidade urbana hispano-americana. A praça – mediadora das organizações
e sistemas medievais, barrocos e maneiristas – era vestida e decorada conforme as ocasiões
adequadas: cívicas, religiosas, culturais, esportivas ou militares.
No que compreende a igreja, a maior parte da produção das oficinas – no tocante às
talhas, ornamentos, instrumentos musicais –, tinha como destino ornamentá-la. Abóbodas
pintadas, altares “muito grandes, cheios de talhas e dourados com arcos setoriais”
compunham as estratégias suasórias elaboradas pelos padres (AZARA, [1781] 1998, p.
239-40).
As igrejas possuíam de três a cinco naves e de cinco a sete altares cada uma, todos
ornados com retábulos dourados que abrigavam esculturas de santos. As paredes,
comumente, eram pintadas com passagens da vida de Cristo e cenas do Velho Testamento.
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Trompe-l'oeil é uma expressão francesa: “enganar o olho”, usada principalmente em pintura e arquitetura,
por meio de uma técnica artística que, com efeitos de perspectiva, cria uma ilusão ótica que sugere
profundidades, volumes e formas que não existem realmente.
67
A forma predominantemente retangular das plantas das igrejas missioneiras levou muitos historiadores a
estabelecerem paralelos com a igreja de Gesú, em Roma, marco identificador da Companhia, vista como
arquétipo nos projetos jesuíticos em todos os continentes, inclusive nas reduções da Província Jesuítica do
Paraguai. Sobre este engano, Sustersic afirma que: “eles esquecem que a arquitetura é fundamentalmente
ordenação e experiência do espaço, as plantas e elevações não são, neste caso, os elementos definidores do
mesmo”. E complementa: “a planta de uma igreja missioneira de três naves mostra pouca diferença com as
basílicas paleocristãs. Porém, o espaço de uma e outra é inteiramente distinto”(2004, p. 38).
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uso pessoal, medalhas, estampas, agnus dei, etc.) dentro do espaço missioneiro é entendida
não somente como o alargamento de práticas religiosas, mas como a tradução e a
ressignificação dessas práticas no cotidiano indígena.
Mesmo considerando-se a importância de tais estruturas, deve-se atentar a
complexidade do espaço missional. Esse é,comumente, reduzido a um sinônimo do “plano
urbanístico reducional”, ou seja, a disposição do sítio onde se construíram os edifícios
principais. Ainda que o pueblo se apresentasse como ponto de referência – pois abrigavaa
igreja, as oficinas, o cabildo, a casa dos padres, as moradias, a hospedaria, o cotiguaçu, o
cemitério etc. -, a abrangência territorial das missões compreendia, na área rural, estâncias,
fazendas e ervais, ligados por caminhos interceptados por capelas. Nas imediações, havia
fontes de água, hortas, hospitais, pedreiras, cárceres, entre outras instalações vinculadas a
estrutura produtiva das doutrinas. As imagens estavam presentes em todos esses domínios,
abrangiam desde a composição de capelas, oratórios móveis, altares portáteis e ermidas até
a utilização independente, situação em que sua presença estava cingida pela simbologia da
companhia e proteção divinas.
Com premissas similares de totalização homogeneizante, é comum a tendência de
resumir todas as manifestações simbólicas ou ritualísticas das reduções a
“expressõesbarrocas”, ou regras ditadas pelo Concilio de Trento. O termo tornou-se
cômodo e redutivo, e não representa todo o complexo artístico e social das Missões. De
fato, a presença barroca é inegável, mas insuficiente para explicar o processo histórico
missioneiro.
Barroco missioneiro?
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um apelo positivo, moral que, de certa forma, conteve essa expressão em suas formas
plásticas.
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Gian Lorenzo Bernini foi um artista pioneiro na criação da linguagem plástica barroca. Suas obras foram
altamente revolucionárias pelo movimento, os valores tácteis e a expressão dos rostos. De origem italiana,
viveu entre os anos de 1598 e 1680. Foi escultor, arquiteto e pintor.
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A arte voltava, assim, à sua dinâmica animista, portava anima, e espraiava-se pelas
solicitações da vida prática. A modificação da forma, a seleção de atributos, ou seja, a
expressão do conteúdo era articulada pela emoção e estava intimamente ligada ao plano em
que originalmente se realizou a conversão, aos pontos identificatórios que conferiram
sentido ao catolicismo.
Essas imagens, mestiças e de feitio autóctone, não correspondem a um ideal
estético adequado aos padrões europeus de arte barroca (vejam-se, comparativamente, as
Figuras 4 e 5). Satisfazem as tendências da expressão nativa que aplica às suas obras traços
formais de esquematismo e geometrismo. Produtos dos plurifacetários contornos de uma
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sociedade em processo de transculturação, que tanto apresenta santos europeus como peças
zoomorfas, ambos dentro de esferas diferentes de sacralidade.
Reconhecer um estilo de expressão missioneiro é assumir a complexidade da
variedade dos estágios de desenvolvimentos reais, históricos e contextualizados, resultado
de reflexões decorrentes de uma situação de fronteira – o tomar como exemplo certas
formas e a rejeição de outras, a alteração do ritmo das convenções de cada fator da
produção artística e a heterogeneidade das contradições.
Referências bibliográficas
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RESUMO: Fundado em 1907, em Porto Alegre, o Photo-Club Helios existiu até 1949
exercendo a prática da fotografia amadora num circuito urbano de cultura visual, através de
exposições locais, participação em eventos e promoção de concursos. Predominantemente
formado por imigrantes alemães e descendentes, o grupo foi um dos primeiros e principais
fotoclubes do Brasil e realizou intercâmbios com outras associações do Rio de Janeiro e da
Europa, especialmente da Alemanha. Exemplares da relação “arte, fotografia e sociedade”,
que já estava consolidada nas primeiras décadas do século XX, esses entusiastas da
fotografia faziam parte da uma rede internacional estabelecida pelo movimento
fotoclubista, que reunia amadores interessados na produção da fotografia artística e
articulados para a promoção de seu trabalho em ambientes de visibilidade e
reconhecimento. A partir de investigação já realizada pela autora durante seu mestrado e
que prossegue em seu doutorado, constatou-se que o Photo-Club Helios está na história da
fotografia brasileira, que se construiu permeada pela diversidade de práticas sociais e
culturais. Assim, esta comunicação objetiva apresentar resultados do trabalho.
Introdução
Espaço de muitas etnias que contribuíram para sua formação, a cidade de Porto
Alegre recebeu uma significativa imigração de alemães, ou povos da chamada “ordem
69
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), na Linha de Pesquisa “Cultura Visual, História Intelectual e Patrimônios”. Mestra em Memória
Social e Patrimônio Cultural (UFPel). E-mail: luziarodeghiero@yahoo.com.br
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Para todos os efeitos práticos, portanto, eram alemães os imigrantes vindos dos territórios da Alemanha
atual, da Áustria, Suíça, Alsácia, Lorena, Luxemburgo, da Pomerânia, da Silésia, da Boêmia etc. (...) para
todos os efeitos práticos de identidade étnica, entraram no Brasil como alemães (RAMBO, 2005, p. 203).
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71
Dentre outras, o LIVRO de Atas do Photo Club Helios - II, (Registros entre 11/02/1933 e 7 de dezembro
de 1949).
72
Boris Kossoy se refere a uma premiação recebida pelo fotógrafo amador Lunara (Luiz do Nascimento
Ramos, Porto Alegre, 1864-1937) e, conforme citação do autor, a fonte dessa informação é o CATÁLOGO
da exposição Lunara “Amador” 1900, realizada pelo Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa,
Secretaria da Cultura, Desportos e Turismo, em 1979, em Porto Alegre.
73
É possível que se trate do poeta e professor, vinculado à Bismarckrunde, a confraria fundada na adega de
Jacob Aloys Friederichs, “congregando alemães natos e naturalizados, cidadãos alemães e alemães étnicos,
autoridades diplomáticas alemãs e fomentadores da germanidade no Brasil; enfim, indivíduos letrados,
influentes social, política e economicamente” (SILVA, 2006, p. 272). Mas também pode ser um homônimo.
Não confundir com Ernst Otto Meyer, fundador da VARIG, que chegou ao Brasil em 1921 e fundou a
companhia aérea em 1927.
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diversas situações que vivenciava em seu meio social e também se interessasse pela arte
fotográfica.
E pensar sobre esse tempo, que segundo Jacques Le Goff (2012, p. 218) se encontra
“entre a vivência do passado, a história do presente e o fascínio do futuro”, quando a
humanidade se viu em meio a uma “crise do progresso”, é atitude que fundamenta o
conhecimento e a apropriação de parte da trajetória dos grupos que se organizaram nesse
movimento fotoclubista. Ainda, de acordo com o autor:
74
FORTINI, Archymedes. Photo-Clube Hélios, o pioneiro no sul... / Como era a fotografia no início do
século XX. In: Folha da Tarde (Suplemento), Porto Alegre, 06/12/1958, p. 5.
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estatuto75. Portanto, esse interesse pela arte fotográfica era adequado à tecnologia de ponta
desenvolvida pelas empresas alemãs ou belgas76 fabricantes de câmeras, objetivas, filmes e
químicos. Ampliavam-se as possibilidades e processos técnicos para produzir as
fotografias e, ainda, para garantir sua circularidade por meio das publicações impressas
nacionais ou estrangeiras.
Sob o conceito de Pierre Nora (1993), pode-se categorizar a fotografia como “lugar
de memória”, mesmo que se trate de um meio com tantas ambiguidades, que represente
parte das sociedades e seus espaços. Os termos paradoxais utilizados pelo autor, como
“aceleração da história”, que sobrepôs os tempos e dos quais restaram apenas “resíduos”,
constituindo-se, assim, como fragmentos de memória, alinham-se com a história obscura
do Photo-Club Helios, até recentemente. A frase “Fala-se tanto de memória porque ela não
existe mais (...)” (NORA, 1993, p. 7) é coerente com a fragmentação ocorrida no tempo de
muitos registros que povoaram e documentaram as ações do grupo.
De suas fotografias, que foram reunidas, ou não, nos portfólios itinerantes que
chegaram até Hannover 77, por exemplo, poucas restaram e, se outras ainda existem, podem
estar esquecidas no silêncio dos acervos e arquivos78. Uma das razões que levaram a essa
perda, além do curso acelerado da história, foi o fato de que o grupo, por ser independente,
possuía autonomia para preservar ou descartar — nas casas de seus associados — seus
suportes memoriais, aqui se acrescendo ao conjunto imagético as revistas ilustradas, um
primeiro Livro de Atas, que pode ter registrado as atividades entre 1907 e 1933,
correspondências e demais fontes escritas.
Um dos acervos ainda preservados por seus descendentes é o de Jacob Prudêncio
Herrmann (1896-1967), contador de profissão, associado e também tesoureiro do Photo-
Club Helios durante os vários anos em que fez parte do grupo, o que se estima tenha sido
no período entre 1930 e 1949. Através do acervo de negativos de vidro e de acetato, e de
75
ESTATUTO do Photo-Club Helios. (Documento datilografado, sem data).
76
Tais como: Zeiss-Ikon, Leica e Agfa.
77
De acordo com os dados registrados no LIVRO de Atas do Photo Club Helios - II, (Registros entre
11/02/1933 e 7/12/1949).
78
Para reunir outras fontes que embasem sua tese de doutorado, a autora realiza, desde o início de 2015, a
pesquisa sobre os diversificados acervos e arquivos que ainda preservam originais (fotografias e documentos
textuais) produzidos pelos associados do Photo-Club Helios ou a eles correlatos.
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79
O neto de Jacob, o artista plástico Jorge Herrmann, e a pesquisadora Kátia Lorentz realizaram, em 2002, o
projeto que contemplou uma exposição de parte desse acervo e uma publicação (CATÁLOGO Jacob
Prudêncio: Uma Visão Estética e Histórica da Porto Alegre da Década de 30. Porto Alegre: Secretaria
Municipal da Cultura, Fumproarte, 2002).
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A matéria de Helena Rocha (Prefeitura estuda reforma da Ponte de Pedra. In: Editorial J, 24/06/2015)
informa que as obras ocorrem por determinação do Ministério Público. Uma imagem da área em obras, com
a drenagem do lago em andamento, foi publicada junto ao texto.
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Considerações finais
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ainda reúnem81 — aficionados pela imagem surgida e aperfeiçoada sob a ordem industrial,
dentro de um mercado de consumo urbano, atrativo por sua diversidade de opções que
permitiam ao cidadão comum, porém, detentor de sensibilidade artística, produzir a sua
própria arte fotográfica.
O fotoclubista, pertencente a uma classe burguesa em ascensão, buscava a
capacitação técnica para materializar e aprimorar suas fotografias e ganhava
reconhecimento em seu meio. A saber, tal meio não se restringia apenas ao círculo social
do fotógrafo amador. Conforme foi constatado, os integrantes do Helios promoviam seu
intercâmbio com outras sociedades e conviviam com intelectuais que faziam parte da
crítica de arte nacional, com destaque para a cidade do Rio de Janeiro e suas influências
acadêmicas.
Sua relevância ultrapassou fronteiras e foi reconhecida por fotoclubistas europeus.
Haveria, então, semelhança entre as imagens produzidas pelos porto-alegrenses e a
premissa estética em voga na Europa, na primeira metade do século XX? As respostas a
essa e a outras perguntas se pretende obter com base nos dados já levantados e na
construção da pesquisa atual, que considera o pensamento dos teóricos da História para
analisar os muitos tempos que permearam a vida do Photo-Club Helios. Uma vida de
entusiastas da fotografia.
81
É considerável o número de cursos, grupos e escolas que se especializam no estudo e na prática da
fotografia digital contemporânea e sua gama de possibilidades (câmeras, softwares, pigmentos minerais,
papéis para impressão Fine Art, etc.) seja para o conhecimento técnico amador ou para o profissional que
busca pelo aperfeiçoamento de sua prática cotidiana. No site da Confederação Brasileira de Fotografia
(CONFOTO) podem-se verificar as atividades constantes na área e o número expressivo de fotoclubes que
surgiu na década de 2000, quando a fotografia digital superou a analógica e essa ficou em desuso, sendo
ainda praticada pelos fotógrafos que dispõem de laboratório ou podem terceirizar o processamento técnico
dos filmes e se interessam pelo estudo da mágica matriz fotográfica popularizada desde o final do século
XIX.
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Disponível em: <http://www.editorialj.eusoufamecos.net/site/prefeitura-estuda-reforma-da-
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EDUCAÇÃO. Rio Grande: Editora da FURG, 2012. Disponível em: <
http://seminariodialogos.files.wordpress.com/2013/05/anais1.pdf>. Acesso em: 01 ago.
2015.
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Marcelo Téo82
A reflexão sobre o nacional na arte brasileira dos anos de 1920 é uma constante.
Entretanto, embora perpasse, de forma direta ou indireta, a quase totalidade de trabalhos
82
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Professor colaborador do
departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail:
marceloteo@hotmail.com
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Conforme J. Toledo, “o grande clã dos Carvalho ramificava-se ali, com os Rezende de Minas, numa
vertiginosa ascendência que se perdia na história, de Tiradentes a Martim Afonso de Souza, dos soberanos
portugueses aos antigos reis visigodos” (TOLEDO, 1994, p. 2-3).
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“postura elegante dos violinistas”. Aos 12, parte para Europa com os pais em viagem que
duraria um ano, mas que, para Flávio, acabou por estender-se. Seu pai o matriculara no
Lycée Janson de Sailly, refinado estabelecimento de ensino de orientação católica que
deveria prepará-lo para o ingresso na mais famosa escola de engenharia da Europa, a
L’École Nationale des Ponts et Chaussées, em Paris.
Já no liceu Flávio iniciou seu envolvimento com o desenho, recebendo algumas
menções na cadeira Dessin d’imitation. Apesar dos planos implacáveis do pai, a eclosão da
I Guerra em 1914 acabou por dificultar sua estadia em Paris. O Lycée Janson dispensara
alunos e funcionários para tornar-se abrigo da Cruz Vermelha. Aproveitando o período de
férias, o já adolescente Flávio de Carvalho rumou para Londres, onde, pelo menos
inicialmente, a situação parecia estar menos complicada do que no lado continental do
Canal da Mancha. Contudo, apenas alguns dias após sua chegada, o Rei George V declarou
a entrada da Inglaterra no conflito. Decidido a sair de Paris, Flávio convence a família da
necessidade de mudança, matriculando-se, exultante, no Claphan College em Londres.
Após passagens por outras escolas e cidades inglesas, e uma breve inclinação em cursar
Letras em Oxford, em meados de 1917 decide cursar Engenharia no Amstrong College da
Durham University, em New Castle, garantindo assim as gordas mesadas que só assim seu
pai seguiria lhe enviando. Paralelamente, frequentou o curso de belas artes da conservadora
King Edward Seventh School of Fine Arts, vinculada à mesma
universidade. Daí se conhecem alguns poucos trabalhos, tais como
Mulher (1918) (Figura 1). Os gestos extremamente polidos da
figura remetem à gramática do desenho acadêmico. Os volumes e
contrastes entre áreas de luz e sombra não lembram, nem de longe,
o movimento frenético dos desenhos de prostitutas e nus da década
de 1930, onde o traço foge nitidamente da disciplina em busca de
uma vibração rítmica que caracterizará seu expressionismo.
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Não se sabe ao certo por quanto tempo Flávio estudou na King Edward, tampouco a
profundidade de seu vínculo, de sua dedicação aos estudos artísticos tal qual propostos por
aquela conservadora instituição. Poucas conexões diretas podem ser estabelecidas entre o
período em que a frequentou e a constituição do estilo de Flávio de Carvalho: talvez o
gosto pelo retrato adquirido nos longos passeios pela Royal Academy, onde teve contato
com mestres acadêmicos da época como Philip Connard e Melton Fisher, artistas
profundamente admirados entre tradicionalistas e conservadores; e a fascinação com o
mundo da cor a partir da descoberta de Turner. Este último foi objeto de estudos exaustivos
por parte do célebre crítico de arte inglês John Ruskin, do qual alguns de seus professores
na King Edward, como R. G. Hatton e R. Bullock, eram fervorosos seguidores. Embora
décadas mais tarde Flávio tenha desprezado seus mestres do período inglês, apontando-os
como “medíocres”, de “importância menor”, conforme afirmam seus biógrafos (TOLEDO,
1994, p. 35), não seria insensato sugerir que sua descoberta da cor e seu vínculo com a
estética expressionista tenham sido semeados neste período, numa apreciação de Turner,
cuja violência no uso das cores pode ter impressionado o jovem amador do desenho.
Embora não se tenham registros que comprovem seu interesse por movimentos de
vanguarda nesse período, J. Toledo afirma o gosto de seu biografado por escolas como De
Stijl e Bauhaus. Ainda que não encarnasse os valores e as filosofias destes grupos, pode
sim ter assimilado alguns de seus ideais de criação, que marcarão sua atividade artística,
embora seja mais sensato sugerir que a constituição de sua concepção artística tenha se
dado, em grande parte, após o retorno ao Brasil. Todavia, já durante a estadia na Europa, e
sobretudo no período em que se instala na Inglaterra, o artista passa a utilizar-se do
desenho como instrumento de expressão. Considerando a alta valorização do corpo em sua
obra pictórica e em seus escritos jornalísticos, conforme veremos mais adiante, é bem
provável que o então garoto Flávio de Carvalho tenha se impressionado com a figura de
Nijinsky e com os balés de Diaghilev, que vinham causando grande impacto em toda a
Europa entre os anos de 1912 e 1917. É nesse período também que Flávio desenvolve um
estilo pessoal excêntrico, vestindo-se de forma ousada, com atitudes por vezes chocantes,
traços que marcarão sua “performance” artística no Brasil.
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Seu intenso envolvimento com atividades esportivas também deve ser ressaltado,
tendo em vista o papel fundamental que o corpo assumirá em sua criação, tanto nas obras
de pintura quanto em suas proposições precursoras no âmbito da arquitetura e do vestuário,
sobretudo na década de 1930. Em seus anos na Europa, na condição de verdadeiro
playboy, Flávio desenvolveu um grande número de atividades físicas (tiro, remo, esgrima,
tênis, equitação, natação, entre outras). Possuidor de um físico atlético, era adepto do
cuidado meticuloso do corpo, hábito que adquiriu em casa. É sabido que seu pai possuía
verdadeira obsessão com a saúde e a aparência corporal, submetendo a todos que o
rodeavam (família, empregados, etc.) a uma rotina extenuante de duas horas de exercícios
diários. Aí, talvez, tenham sido plantadas as primeiras sementes do profundo interesse do
artista em questões relativas à corporalidade. Para além dos estímulos familiares, Flávio
viveu um período de intensas transformações no que diz respeito ao lugar do corpo e dos
sentidos, sobretudo na Europa, onde se encontrava entre os anos de 1910 e parte da década
seguinte. A experiência dos campos de batalha durante a I Guerra Mundial, as novas
constatações no âmbito das ciências sociais, sobretudo da sociologia e da antropologia, as
novas expectativas estatais de engajamento político dos cidadãos e mesmo algumas das
tendências mais contundentes da arte moderna: todos apontavam para a soberania do
corpo, dos instintos, da vida dos sentidos. Esse estado de excitação e automatização das
energias sensoriais se traduzia na febre esportiva dos anos de 1910 e 1920, atitude que,
conforme Nicolau Sevcenko, implicava uma reformulação profunda da experiência da vida
(SEVCENKO, 1992, p. 52). A própria ideia de regeneração ou aperfeiçoamento das raças,
que emergia na Europa, sobretudo na Alemanha, encontrava na prática esportiva um
instrumento poderoso para o adestramento dos corpos. A ênfase nas potencialidades físicas
era incitada através de campanhas publicitárias, de revistas e periódicos voltados
exclusivamente para o tema da saúde corporal, além da multiplicação de espaços para a
prática esportiva, de competições, celebridades do mundo do esporte e a inserção de
atividades físicas nos currículos de instituições de ensino. Expandia-se uma aura sedutora
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em torno do corpo. E os impulsos sensoriais passam a “falar mais alto do que a cultura
herdada”84.
O envolvimento visceral com a nova realidade em suas dimensões mais fascinantes
– a dos lazeres, da moda, do culto ao corpo, do desfrute das novas tecnologias e da
velocidade – indica um ponto de convergência, que nunca deve ser tomado como absoluto,
entre o homem Flávio de Carvalho e seu tempo. Tal sugestão pode causar certo
desconforto, já que usualmente o artista é visto antes como criador, transformador e crítico
da realidade, raramente como fruto dela, condição atrelada ao “homem comum”. Todavia,
uma olhada atenta na biografia, sempre articulada a uma noção dinâmica de contexto, que
se desloca sem pudor do interior do lar aos cenários políticos mais gerais, fornece, no mais
das vezes, dados que informam, de alguma maneira, sobre a produção e a postura do
criador. O interesse pelo desenho articulado à febre do corpo e à mobilidade de Flávio de
Carvalho, indo e vindo entre as fronteiras europeias durante os anos de estudo, dão a ver –
ainda que sem explicar – alguns pontos de partida para compreender sua atuação artística
após o retorno ao Brasil. Sua condição financeira privilegiada e as pressões familiares
também foram fatores que funcionaram ora como estímulo ora como limite à construção de
sua personalidade criadora. Todavia, na mesma medida em que o homem é explicado pelo
tempo, deve servir, especialmente através de sua obra, para acoplar significados e expandir
a compreensão histórica do momento do qual tomou parte. É esta a dimensão que mais
interessa aqui.
Flávio volta aos trópicos em algum momento entre 1922 e 192385, pouco tempo
após a realização da Semana de Arte Moderna, já com o diploma de engenheiro, chegando
a trabalhar como calculista de estruturas em firmas importantes de São Paulo. Sua
aproximação com os modernistas paulistas é demorada, tendo sido, até 1927, pontual e
84
Maria Odila Leite, parafraseando Walter Benjamin no prefácio de SEVCENKO, 1992: XV.
85
DAHER, 1982; SANGIRARDI, 1985; e MORAES, 1986 apontam o ano de 1923 como data do retorno de
Flávio ao Brasil. TOLEDO, 1994, assegura que o retorno de Flávio se deu em agosto de 1922. LEITE, 1994,
corrobora a data deste último.
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secundária. Apesar de ter frequentado os salões de Olívia Penteado, tal qual fazia a parte
mais expressiva da intelectualidade paulista ligada ao Modernismo, a presença de Flávio
era pouco expressiva nos primeiros anos após seu retorno ao Brasil. Depois de rápidas
passagens por firmas de engenharia – empregos arranjados e impostos pelo pai –, Flávio
ingressa, através de sua rede de contatos, no mundo da imprensa, passando a colaborar
como ilustrador e repórter em periódicos da capital, sobretudo o Diário da Noite, que tinha
Rubens Amaral, conhecido de Flávio, como chefe de redação. Estas atividades passam a
ser seu ganha-pão após o rompimento com Dr. Raul, causado pela recusa em submeter-se à
vida profissional traçada pelo autoritário patriarca. Assim o futuro artista entrava em
contato com a realidade de boa parte da intelectualidade local, que tinha na produção
jornalística o meio principal de ação, inserção e, no caso dos menos abastados, sustento.
Flávio frequentou espetáculos e eventos, escreveu artigos de jornal e manifestou
intenso interesse pela dança e pela dimensão rítmico-visual do corpo como elemento
expressivo. Seu primeiro encargo foi a cobertura de um balé de Loie Fuller, que se
apresentava em São Paulo com muito sucesso no ano de 1924, após uma longa temporada
de vastas plateias nos Estados Unidos e na Europa, onde seu pioneirismo na dança
moderna, bem como no uso da iluminação cênica causara grande impacto. Apesar da idade
avançada – ultrapassara os sessenta anos –, a dançarina ainda impressionava pela exótica
virtuosidade. Sua original performance juntava corporalidade, plasticidade, cor e
movimento, valendo-se de luzes, tecidos e movimentos harmônicos em busca de um
impacto visual bem próximo daquele almejado pela pintura pós-impressionista86.
O envolvimento de Flávio de Carvalho com o universo da dança foi marcado por
esta impactante apresentação. Sua preocupação, ao retratar a bailarina (Figura 2), não era
com os tecidos, as cores, mas com a estilização dos movimentos, entendendo o corpo como
vetor, como base para um desenho cru que dá vazão a uma expressão híbrida,
geometrizada e orgânica, sintética e expressiva, diferente, portanto, da preocupação com a
leveza e liberdade no traço, tão comum a artistas de fins do século XIX, momento em que
86
Talvez por isso tenha chamado a atenção de artistas como Toulouse-Lautrec já em fins do século XIX,
momento em que a dança e a figura da bailarina exerciam grande fascínio entre os pintores. Para visualizar
uma das performances de Loie Fuller, datada de 1896, acessar
http://www.youtube.com/watch?v=fIrnFrDXjlk.
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A fascinação diante dos efeitos da música sobre o corpo é compartilhada por Flávio
de Carvalho, arrebatado, tal qual fora Lautrec três décadas antes (Figura 3), pela
performance de Loie Fuller. Contudo, uma série de detalhes separa os dois desenhos. A
começar pela sua funcionalidade: Flávio o produziu como parte de uma reportagem
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jornalística, a ser impressa às centenas, em preto e branco. Seu interesse pela dança, ao
mesmo tempo que se confunde com o do francês na busca por traduzir o movimento
expressivo da bailarina, negando a gramática gestual da pintura acadêmica, se distancia de
forma radical. Primeiro, pelo seu entendimento distinto do corpo, que, para Toulouse-
Lautrec, parecia ser mero motivo expressivo, abafado pela ênfase nos volumes, nos
tecidos, nos espaços criados para servirem à cor. Em Flávio de Carvalho, por outro lado,
predomina um ideal de síntese que integra sua compreensão do desenho, funcionando
como indicador estético numa busca pautada pela geometrização das formas, pela precisão
angulosa dos movimentos, pela regularidade dos contrastes, pela eliminação de detalhes
irrelevantes nos figurinos e movimentos, marcados por um ideal cubista de estilização
antinatural.
Sua atuação articulava a crítica textual e a crônica visual. Através de ambas, Flávio
encarna uma nova percepção com relação à dança e ao corpo, defendendo ideais típicos da
belle époque, conectados ao mundo da máquina e da cidade moderna por um lado, e de
culto ao primitivo, anti-intelectual, por outro. Conceitos como ritmo e constância
apareciam repetidamente em seus textos de crítica de espetáculos de dança. Os desenhos,
esboços e caricaturas publicados nesse período demonstram essa dualidade, misturando
formas sintéticas de tendência geometrizante a um traço claramente influenciado pelo
discurso e pela arte primitivistas, negando a técnica acadêmico-naturalista que marcou seus
primeiros desenhos, realizados na Europa alguns anos antes.
O movimento associado ao corpo foi um problema amplamente discutido e
desdobrado pelas vanguardas europeias, assumindo, nas primeiras décadas do século XX,
um sentido metafórico antiintelectualista, de combate às convenções e tradições herdadas.
À gramática de movimentos do balé clássico opunham-se novas tendências da dança
moderna, negando o corpo “desmaterializado” da arte acadêmica, em busca de expressar
experiências intransponíveis através da palavra (DAHER, 1984, p. 11). Paul Valéry (1871-
1945), em produção contemporânea à de Flávio de Carvalho, identificou tal separação,
deixando claro seu profundo interesse por questões relacionadas ao corpo.
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A instrução que se dispensava por volta de 1850 nos colégios devia ser
tão absurda, embora mais forte, quanto a que se dá hoje. (...) Nem a
limpeza, nem as menores noções de higiene, nem a arte de se portar, nem
mesmo a pronúncia de nossa língua apareciam nos programas desse
ensino inacreditável, de cujas concepções o corpo, os sentidos, o céu, as
artes e a vida social eram cuidadosamente excluídos (VALÉRY, 2012, p.
39).
87
Vale ressaltar que entre a dança de Loie Fuller e Josephine Baker há uma dessemelhança fundamental. Se
para a primeira, o corpo, bem como as luzes e tecidos utilizados, são vetores de uma expressividade
essencialmente visual, para a segunda é o próprio fim, sendo a dança ritmo vivido no corpo. Para uma
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capital, a década de 1920 marcou também uma guinada no carnaval paulista, que passa a
contar com a presença das elites em meio aos festejos de operários, ambulantes,
camponeses, indicando uma convergência de símbolos entre setores díspares da população.
A dança emergia como símbolo paradoxal, capaz de englobar – sem pacificar – dimensões
díspares da modernidade que invadia as principais cidades do país. Espetáculos de dança
moderna indicavam a atualidade e o caráter cosmopolita da metrópole nascente, para o
deleite da intelectualidade local. A moda dos chás dançantes, dos clubes recreativos, dos
bailes, crescia exponencialmente, mantendo viva, ao longo do ano, a febre carnavalesca. E
a imagem do corpo dançante parecia refletir a vida da própria cidade, que se definia através
da ideia de ritmo, a qual acusava tanto a permanência dos velhos ritos e costumes
populares quanto o pulsar mecânico que raiava com a crescente industrialização. Os textos
de Flávio de Carvalho sobre dança, publicados em diversos periódicos da capital paulista,
acusavam a atualidade da questão corporal em meio aos fluxos de modernidade que
invadiam a cidade. Mais do que reproduzir pontos pacíficos do debate, Flávio investiu na
fixação de uma determinada visão sobre o corpo, de forte teor estético, impregnada pelo
discurso futurista da maquinização do cotidiano e do triunfo do homem sobre a natureza,
dando forma a uma concepção singular na qual o homem sensorial e a cidade-máquina
eram partes inseparáveis de uma modernidade ideal. Este breve mapeamento de ideias e
imagens servirá de base para a análise de duas imagens do pintor, as quais constituem o
cerne deste artigo.
Marcada não apenas pelo discurso moderno que se erigiu em São Paulo nos anos
20, mas pela própria experiência proporcionada pela cidade, a produção do jovem Flávio
de Carvalho apresenta pontos de profundo interesse para melhor entendermos os
desdobramentos das questões acima apresentadas. Indício disso é o colossal projeto para o
Palácio do Governo de São Paulo, dando início à extensa série de concursos arquitetônicos
discussão sobre Josephine Baker e o lugar da dança e do corpo nos anos de 1920, ver GUMBRECHT, 1999,
p. 111-9.
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prestados pelo arquiteto. O projeto teve papel providencial na criação de uma nova posição
conquistada pelo seu autor no cenário artístico-intelectual local. Inaugura, pelo seu caráter
abertamente modernista, a vanguarda arquitetônica brasileira, ausente na Semana de 2288,
embora não tenha saído do papel, como a grande maioria dos realizados por Flávio 89. Foi,
todavia, o mais discutido, provocando extensas querelas, algumas das quais reproduzidas
nos jornais de então, estendendo-se desde fins de 1927 até os primeiros meses do ano
seguinte.
As dimensões bélicas do projeto (Figura 4) – aparência de fortaleza, exterior
adequado à técnica de camuflagem, campos de descida de helicópteros, espaços destinados
à presença de armas de alto calibre (metralhadoras, canhões, catapultas) – causaram grande
estranhamento, tendo sido um dos pontos mais discutidos e questionados da proposta.
Embora a eleição de Washington Luiz tenha sido recebida com grande esperança após um
período de agitações políticas, sobretudo no meio paulistano, um clima tenso ainda pairava
sobre o país. A memória recente dos levantes e do estado de sítio que caracterizara o
governo de Artur Bernardes (1922-6), bem como a progressiva instabilidade nas relações
internas entre oligarquias e dissidências democráticas durante a República Velha sugeriam,
no entender de Flávio, a necessidade de medidas preventivas à situação de crise ou
possíveis ataques ao governo. O golpe de 1930 mostrou que suas previsões não eram assim
tão descabidas, embora as soluções propostas o fossem em certa medida.
88
Flávio de Carvalho divide o posto de fundador da arquitetura moderna no Brasil com o russo Gregori
Warchavchik, autor de um manifesto em prol da arquitetura modernista publicado inicialmente em italiano
no jornal Il Piccolo (15/6/1925), sob o título de "Futurismo?", o qual foi traduzido posteriormente e
republicado no Correio da Manhã (1º/11/1925) como "Acerca da Architectura Moderna". Warchavchik
também foi responsável pela primeira construção modernista, sua própria casa, situada à Rua Santa Cruz
(Vila Mariana, São Paulo), erigida entre 1927 e 1928.
89
Conforme apontou Rui Moreira Leite, estudioso da obra do artista, sua participação em sucessivos
concursos oficiais no Brasil e no exterior deve ser interpretada na qualidade de “propaganda do projeto
moderno (...). Se os projetos seriam previsivelmente recusados, os concursos oficiais – como reduto das
tendências conservadoras – eram um espaço privilegiado de discussão. A atitude provocadora se completaria
com a reinterpretação dos programas estabelecidos nos concursos realizados por Flávio de Carvalho em seus
projetos” (LEITE, 1994: 8-9).
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Figura 4: Flávio de Carvalho. Fachada do projeto Eficácia para o Palácio do governo de São
Paulo (1927). Centro de Documentação Alexandre Eulálio (CEDAE) – IEL – UNICAMP.
90
Para acompanhar as discussões sobre o projeto arquitetônico entre Flávio de Carvalho e Mário de Andrade
ver, deste último, “Arquitetura moderna I”, “Arquitetura moderna II” e “Arquitetura moderna III”,
publicados no Diário Nacional nos dias 2, 3 e 4/1928. Do primeiro, ver “O palácio do governo – a propósito
do anteprojeto ‘Eficácia’”. Diário Nacional, fev./1928; e “O novo palácio do governo e o anteprojeto
modernista”. Diário da Noite, fev./1928.
91
Ver “O Palácio do Governo – a propósito do anteprojeto Eficácia”. In: Diário Nacional (fevereiro de
1928), apud TOLEDO, 1994, p. 51.
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geométricas, mostrando sua eficiência” 93, conceito este nitidamente associado à construção
rítmica do desenho, bem ao estilo do futurismo, submetendo o tratamento formal a
princípios provenientes da realidade moderna.
A curiosa opção por uma cena rural, em tudo contrastante com a estética cubo-
futurista, traz, contudo, uma segunda linha interpretativa, pautada por um elevado grau de
ironia, tão típico deste artista. O problema da eficiência exposto através de variações
rítmico-geométricas é submetido à lógica do trabalho manual, da exploração ineficaz dos
corpos à beira da falência. A imagem de uma São Paulo moderna é exposta pelo artista não
como solução, mas como problema a ser discutido – ainda mais se levarmos em conta sua
simpatia pelo Partido Democrático, que então fazia oposição aos governos federal e
estadual. O painel contempla as dissonâncias do progresso em sua versão tupiniquim, o
que nos faz relativizar o alcance do discurso tecnicista do arquiteto, tendo em vista a
pluralidade e a ambivalência das significações que parecem escapar ao seu controle.
No esboço do Painel sobre a dança (Figura 6), há, como no primeiro, um complexo
enlace entre tema e forma. A distância entre os temas, entretanto, gera uma dissonância
estilística considerável. A linguagem futurista do primeiro painel estava em acordo com o
tema do trabalho, da fábrica, embora Flávio a tenha submetido a um tema rural, investindo
no caráter ambíguo da proclamada eficácia do Estado moderno. No Painel sobre a dança,
o pintor se vale de uma linguagem mais próxima do primitivismo, em diálogo com
algumas das figuras centrais do Modernismo europeu, colocando em pauta mais um ponto
crítico das discussões sobre a modernidade e a nacionalidade: o lugar do corpo na
formação das identidades nacionais/regionais e, de um modo mais geral, na representação
do homem e da cidade modernos.
93
CARVALHO, Flávio. “Ainda o atordoante projeto Efficácia”. Diário da Noite, São Paulo, 6/2/1928. É
importante lembrar que era prática comum àquela época a exposição dos projetos que concorriam a editais
públicos, os quais eram debatidos na imprensa e nos cafés por alguns segmentos da população. Diferente das
exposições modernistas, visitadas por um público restrito, a exposição destes projetos dizia respeito
diretamente à imagem da cidade, sob a qual residia substrato significativo das identidades regionais – e, no
caso das grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, pretensamente nacionais.
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Em descrição da obra, Flávio salienta que as figuras seriam douradas, com cabelos
de prata, insinuando, talvez, o alto valor que atribuía ao corpo e à dança, possíveis tesouros
nacionais. Se no painel anterior, a forma estava submetida à ação, neste se associa
diretamente ao produtor da ação, o corpo. Não há referências à paisagem rural ou à
natureza tropical. São somente corpos femininos isolados, explorando a gestualidade em
sua dimensão expressiva. Os movimentos perdem o sentido dinâmico para alcançar a
síntese estética, cuja violência e magnitude justificam a deformação dos membros e o
caráter antinatural das poses. Os adereços e gestos musicais, comuns a obras realizadas no
mesmo período sobre o tema da dança, estão ausentes, o que acaba por conferir à
gestualidade grande autonomia, simulando sua potência expressiva.
A autonomia atribuída ao gesto faz transcender a concepção do corpo como sujeito
da enunciação (gestualidade comunicativa), transformando-o no próprio agente do
enunciado (práxis gestual) (MENESES, 2007, p. 3). Os corpos do Painel sobre a dança
são o próprio enunciado que circula. Não é a gestualidade como contrato, que visa
comunicar, mas como presença, dando um sentido quase ritualístico à obra. Por outro lado,
conserva-se um certo ímpeto em anular o espaço – e não consagrá-lo, função primeira do
ritual – tal qual na concepção da dança ocidental, em que o corpo luta contra as leis físicas
que o apreendem, buscando a flexibilidade das formas, o seu alargamento, a sua
centralidade absoluta diante do meio dissolvido. No lugar de uma representação voltada a
identificar espaço e cultura através do gesto musical, Flávio de Carvalho busca a
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A carga erótica do painel fez aumentar ainda mais as polêmicas em torno do projeto. Em crítica anônima
publicada no Diário Nacional, um indignado defensor da honra e da família paulista exigia que a exposição
do projeto Efficácia fosse restrita a horários noturnos – após as oito da noite, “hora em que os menores não
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Esta, outra dissonância com relação à obra de Matisse, marcada por um clima
compenetrado de ritual que remete às origens da música e do homem. Na obra do pintor
francês, há uma síntese entre representação e decoração, cruzando um ímpeto formalista –
que dá autonomia ao traço, à cor e aos volumes – com a busca pela representação artística
das verdades supremas do homem e do Universo. Para Flávio, interessa essencialmente
oferecer uma síntese estética da dança como meio de expressão autônomo e como sintoma
dos tempos modernos. O arquiteto se vale do corpo feminino como território de conquistas
urbanas, representando a um só tempo a modernidade paulista e a originalidade do homem
brasileiro, ambas tratadas a partir da ênfase na gramática gestual, sendo o corpo elemento
motriz da transformação do mundo, através do qual significamos o tempo por meio de
ações ritmicamente “adestradas”.
Figuras 7 e 8: Henri Matisse (1869-1954), La Danse (à esquerda), 1909, óleo sobre tela,
260 x 389 cm; e La musique (à direita), 1910, óleo sobre tela, 260 x 389 cm.
Museu Hermitage, São Petersburgo.
poderão entrar” – em função das silhuetas femininas expostas no Painel sobre a Dança. Seguem as palavras
do anônimo reacionário: “E é com meu pudor ofendido, em defesa da família paulista, temendo as futuras
críticas à nossa civilização na história, que assim estou procedendo. Deus o poderá castigar com muito maior
facilidade que o Sr. Presidente do Estado”. In: “O Palácio do Governo”. Diário Nacional. São Paulo, fev.
1928, apud TOLEDO, 1994, p. 57.
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de temática semelhante, como em La danse aux voiles (1907). Nesta obra (Figura 9),
Picasso se vale de uma arquitetura fechada, tensa, opondo-se visivelmente aos ritmos
soltos e à espacialidade aberta das obras de Matisse, em que predomina uma visão lírica do
mundo95. Tal como na conhecida Les demoiselles d’Avignon (1907), o espaço é um
elemento concreto, finito, articulado e formado junto às figuras, todos conectados pela teia
rítmica construída num jogo que engloba a linha e a cor e que tende à contração. No caso
de Matisse, os elementos (céu, terra e homem) são estruturados de forma a expandir os
limites espaciais. As formas tendem à união, alongando-se, deformando-se pelo ritmo, que
cumpre um papel transformador e, sobretudo, desbravador. Não há formas finitas, mas
contínuas. Essa continuidade é rítmica, trazendo figura e fundo para um mesmo plano, no
qual sua ideia cósmica do belo se realiza. Em La danse, o movimento é expansivo, rumo ao
infinito.
95
Além dos painéis aqui discutidos, vale citar a obra-prima de Matisse, La joie de vivre (1906), à qual,
segundo Argan, Picasso parece reagir em Les demoiselles d’Avignon (1907). Ver ARGAN, 1992, p. 423.
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que tende ao infinito. Os grupos são compostos por três figuras femininas, abruptamente
interrompidos à direita e a ponto de desaparecer à esquerda, como que representando o
movimento de fotogramas na projeção cinematográfica. Essa ideia é reforçada pela relativa
continuidade das poses, sugerindo a existência de um único grupo que se reproduz,
simulando movimento 96. A sucessão de gestos dá a ideia de um leitmotiv, que se repete e se
transforma ao longo do trajeto, sem fim... sem começo. O ritmo, ainda que abdique do
caráter cósmico oferecido por Matisse, ajuda a desconstruir os limites espaciais da obra,
tornando-a aberta, ilimitada, aproximando-se, neste quesito, do mural La danse do pintor
francês. Esse caráter expansivo do painel é alcançado através da circularidade que conecta
os corpos, como num zootroscópio ou numa tira de filme em loop, simulando movimento
através de sucessivas variações sobre um corpo. O efeito final, todavia, é imensamente
distinto. Flávio procura conectar a dança à nova realidade pulsante da cidade, ao passo que
Matisse oferece justamente uma saída outra que não a da vida racionalizada do homem
moderno. Segundo Flávio, em texto publicado na imprensa paulista:
96
A estética cinematográfica provocou profundo impacto em Flávio, levando-o, anos mais tarde, a aventurar-
se em tentativas frustradas de dirigir um filme sobre lendas indígenas na Amazônia.
97
CARVALHO, Flávio de. “O bailado de Chinita”. Correio da Tarde, São Paulo, 28/7/1931.
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Para uma abordagem acerca da significação política dos diálogos com a arte primitiva nos primeiros anos
do século XX, ver LEIGHTEN, 1990.
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Referências bibliográficas
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& Hudson, 1991.
LEIGHTEN, Patricia. “The White Peril and L'Art nègre: Picasso, Primitivism, and
Anticolonialism”. In: The Art Bulletin, v. 72, n. 4, p. 609-630, 1990.
LEITE, Rui Moreira. Flávio de Carvalho (1899-1973): entre a experiência e a
experimentação. São Paulo: ECA-USP, 1994 (tese).
99
Conforme Giulio Carlo Argan, um quadro, tal qual qualquer intervenção histórica é “uma ação que se
realiza; é um empreendimento que se assume e não se sabe como irá terminar. A chamada coerência
estilística (...) é um preconceito a ser eliminado: a arte é realidade e vida, a realidade e a vida não são
coerentes. Se as circunstâncias mudam enquanto o artista está compondo um quadro, o quadro há de registrar
a mudança, há de terminar de uma maneira diferente de como se iniciara” (ARGAN, 1992, p. 424).
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SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
TOLEDO, J. Flávio de Carvalho: o comedor de emoções. São Paulo; Campinas:
Brasiliense; Editora da UNICAMP, 1994.
VALÉRY, Paul. Degas dança desenho. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.
_____________. Poésie. Milano: Feltrinelli, 1978.
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Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), doutorado em História na StateUniversity of New York, SUNY
at Stone Brook. E-mail: angelicazubaran@yahoo.com.br
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Octávio Feijó: “Mirem-se nesse exemplo todos aqueles que preferem não deixar os filhos
sem instrução e sem ofício. É assim que vão se fazendo os futuros notáveis e grandes
servidores da pátria, da família e da sociedade, nossos parabéns ao recém-formado! Honra
ao esforço próprio!” (O Exemplo, 21.01.1917). Saliento, a partir da noção de
endereçamento de Elizabeth Ellsworth, que a seleção da imagem de um jovem para essa
homenagem, melhor interpelaria o público de jovens negros, “sem instrução e sem ofício”,
para quem o apelo do “esforço próprio” estaria dirigido.
Hall (1997) destaca que os textos verbais e imagéticos ganham em significação
quando são lidos considerando-se o contexto da época. Neste sentido, para entender-se o
valor positivo atribuído à pátria é importante considerar que, a partir da I Guerra Mundial,
a emergência de um discurso nacionalista no Brasil ajudou a impulsionar um orgulho
nacionalista e a ideia da defesa da pátria. Esses sentimentos ganharam completa expressão
com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, em que intelectuais como Oswald
de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral propuseram novas visões da cultura
nacional. Micol Siegel (2007) e Paulina Alberto (2011) apontaram que os redatores da
imprensa negra paulista estrategicamente apropriaram-se do discurso do nacionalismo e o
associaram ao ideal de integração na nação, enquanto brasileiros que tinham direitos iguais
aos dos brancos.
O Dr. Alcides Feijó das Chagas Carvalho, diretor do jornal O Exemplo entre 1916 e
1918, também foi homenageado pelos seus colegas redatores na ocasião em que deixava a
direção do jornal. A imagem selecionada para representá-lo foi sua fotografia vestindo a
toga de sua formatura na Escola Médico Cirúrgica de Porto Alegre. O texto da homenagem
salienta as “vicissitudes” e “dificuldades” enfrentadas ao longo de sua vida, que, no
entanto, “não lhe tiraram a energia, nem lhe arrefeceram a vontade firme de trabalhar e
estudar”.
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Ele foi representado como um “espírito forte, aparelhado para as grandes lutas” e
que “jamais descuidou os estudos” “sem alhear-se as atividades da imprensa nas poucas
horas que lhe sobravam de descanso” (O Exemplo, 04.02.1917). Pedagogicamente, os
redatores do jornal O Exemplo salientavam atributos considerados fundamentais para os
jovens afrodescendentes triunfarem na sociedade brasileira: trabalhar e estudar, além de
enfrentar com tenacidade as dificuldades que o contexto histórico da jovem república lhes
reservava.
Também o jovem Dario de Bittencourt, diretor do jornal O Exemplo na década de
1920, foi homenageado pelos seus colegas e representado com a toga, na ocasião da sua
formatura no Curso de Direito da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Na imagem selecionada para representar Dario de Bittencourt, mais
uma vez, os redatores D’O Exemplo pedagogicamente subvertiam a imagem estereotipada
e negativa do negro sem cultura pela representação positiva do afrodescendente culto e
bem apresentado. No breve texto de sua homenagem salientava-se seus “pertinazes
esforços”, representando-o como um exemplo de admirável tenacidade e “energitismo
moral” (O Exemplo, 04/01/1925, p. 1).
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Contraponto, 2012.
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Tomaz Tadeu da (Org.), Stuart Hall, Kathryn Woodward. Petrópolis: Vozes, 2000, pp. 73-
102.
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RESUMO: O trabalho estuda uma narrativa fílmica sobre a colônia alemã de São
Leopoldo realizada em 1926. O filme foi produzido como material promocional da
Comunidade Evangélica de Hamburger Berg - RS, especialmente da escola de meninas
Evangelisches Stift, fundada em 1886. O filme insere-se na categoria de documentários do
período silencioso (MORETTIN, 2011) e é entendido como uma narrativa histórica de
determinados aspectos da dinâmica social da colônia alemã do período, atribuindo-lhe
determinados significados pautados pela experiência vivida, pela finalidade da obra, bem
como pelo olhar estrangeiro do autor, ou seja, pela integração entre a "experiência" e a
consciência, base de toda narrativa (RICOEUR, 1994). Lugar de memória, este registro
visual constitui-se em documento/monumento que permite uma outra forma de acesso à
história da colonização alemã no Rio Grande do Sul.
101
PUCRS – Doutorado em História – Professora do PPGH – UPF. E-mail: meyrer_nh@hotmail.com
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estreito vínculo com a Igreja Evangélica 102, cuja filosofia influenciava, em grande parte, a
sua prática pedagógica, não era, oficialmente, uma escola confessional. Em 1895,
entretanto, este caráter passou a oficial, quando as suas fundadoras decidiram doá-la ao
Sínodo Riograndense103, que, por sua vez, criou uma sociedade, denominando-a de
EvangelischesStift (Töchterpensionat), cuja tradução literal é Fundação Evangélica
(Pensionato para filhas) 104.
O filme pode ser caracterizado como documentário do período, definido como o do
"cinema silencioso". Moretin (2012) afirma ser este segmento uma das principais lacunas
na produção historiográfica sobre o cinema no Brasil e que os autores optam, na maioria
das vezes, pela análise da produção ficcional, sendo que no período em questão, esta
modalidade era exceção. Os dados fornecidos pela cinemateca brasileira, disponíveis no
site http://www.cinemateca.gov.br, comprovam essa afirmativa. Entre as produções
cinematográficas do início do século XX encontramos o registro de dois documentários
referentes a região de colonização Alemã do Rio Grande do Sul. Um deles, sobre a
indústria de conservas Tigre, em Novo Hamburgo e outro sobre os cem anos da Imigração
Alemã em São Leopoldo, que apresenta a presença do Dr. Borges de Medeiros, então
presidente do Estado, nas comemorações do centenário em São Leopoldo. Ambos os
filmes, entretanto, constam como desaparecidos.
O material aqui analisado, ainda carece de pesquisa mais ampla sobre sua produção,
circulação e objetivos. Como a maioria deste tipo de documentos no Brasil, além de
escassas referências, trabalha-se com "o que sobrou", muitas vezes já alterado tanto pelas
102
Quando citarmos a Igreja Evangélica, neste trabalho, estamos nos referindo, especificamente, a
esta Instituição de confissão luterana.
103
Primeira organização eclesial permanente dos Luteranos no Rio Grande do Sul, fundado em maio de
1886, em São Leopoldo/RS.
104
A forma administrativa desta sociedade foi definida nos estatutos da EvangelischesStift de 1895,
ficando estabelecido que o órgão máximo era a Assembleia Geral, composta pela diretoria do Sínodo,
pastores e membros leigos das comunidades evangélicas e pelas fundadoras da escola Amalie e Lina
Engel. A Assembleia reunia-se duas vezes por ano, podendo ocorrer convocações extraordinárias. Qualquer
decisão em relação à escola como: Contratação e demissão de professores, despesas financeiras,
valor da pensão do internato ou mesmo as taxas escolares eram definidas por esta Assembleia. Além desta,
tinha um Conselho Administrativo ou Curatório, escolhido através de voto pelos membros da Assembleia
Geral. Este era composto inicialmente pelas professoras fundadoras (posteriormente este cargo passou a ser
ocupado pela diretora em exercício) e por cinco membros da Assembleia Geral. (KANNEMERG, 1987, p.
38)
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acesso, tratam de filmagens mais amplas da região do Vale dos Sinos. Necessário enfatizar
a importância da verba recebida de sociedades alemãs ligadas a Igreja Evangélica para
manutenção desta escola e outras ações da Igreja Luterana no sul do Brasil. Entre estas
sociedades de auxílio, podemos citar a Sociedade Evangélica de Barmen e a Sociedade
Gustavo Adolfo, esta última a patrocinadora da vinda da Dra. Hubner e seu esposo para o
Brasil.
Entretanto, o casal ficou menos de um ano no Brasil. Em documentos da diretoria
da Instituição, citados por Kanemberg (1987) e em cartas enviadas a Igreja na
Alemanha105, o Sr. Hubner foi alvo de diversas acusações, em especial ligadas ao uso
indevido de verbas da Instituição, além de ter contraído dívidas na sociedade local. Entre
os recursos recebidos da Igreja estavam "10.000$000 para o fundo Memorial da Fundação,
na qual inseria-se a realização do filme. Ainda Kanemberg (1987) avalia que a Dra.
Hubner, com ou sem o apoio do esposo, trouxe importantes contribuições para a
Instituição, mas que sua visão de futuro era grande demais para a época e a Igreja local.
É nesse sentido que se insere a proposta do filme, por si só, produto representativo
de uma modernidade que se pretendia trazer para a localidade, um novo tempo evidenciado
pela chegada da nova diretora estrangeira e suas propostas modernizantes para a Instituição
que tinha como público principal, a elite local.
Na década de 1920, o cinema tinha a mesma função das Exposições Universais,
servindo de vitrine e celebração das virtudes nacionais (MORETTIN, 2012). Embora o
filme não trate das especificamente das virtudes nacionais, a função de vitrine parece ter
sido o principal propósito de sua produção. Mostrar de um lado a Instituição escolar e seu
modelo educacional, pautado pelos valores burgueses da sociedade européia, entremeado
por um componente étnico e religiosos, de outro, a capacidade civilizatória do elemento
germânico na região, servindo como uma espécie de vitrine étnica. Esta referência, aliada à
caracterização do discurso do filme como um documentário com finalidade
propagandística, nos auxilia na análise, uma vez que inexiste, na época, referências de
autoria, portanto, a subjetividade do produtor/diretor, é avaliada nesses quadros
105
Evangesches Zentralarchiv in Berlin. Kirtchliches Aubenamt. 1927. Band 2247. Fiche: 4400. (Original
manuscrito).
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consideração a forma como o filme foi concebido - sua estrutura, as cenas, a seqüência,
etc., escolhas que evidenciam determinada visão de mundo. Esta, no entanto, é
condicionada pela tecnologia e estilo do cinema da época, bem como pelo diálogo com
outros suportes imagéticos - como a fotografia - dentro de um sistema de representação
visual do período, que contribuem na definição do que e como filmar. Nesse sentido, o
filme em questão segue o modelo documentário da época caracterizado pela
A narrativa do filme
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um corte, segue-se a imagem das meninas, em plano geral, numa apresentação de dança,
tendo, ao fundo, a mesa do café ocupada pela diretoria, que as assiste.
A próxima cena apresenta-se sob o título (somente em alemão): Arbeitundspiel. Em
vários planos, a câmera registra as atividades das meninas na escola - sala de aula,
trabalhos manuais, aulas de ginástica. A última cena sob este título mostra as brincadeiras -
ordeiras - realizadas no pátio da escola. Ao final, legendas em português e alemão
reforçam a mensagem pretendida: A aula é o fundamento do Estado e da economia social.
A legenda AmSontag, anuncia as próximas imagens. O prédio da Igreja é
enquadrado em primeiro plano, sendo que na seqüência a cena tem como plano geral as
alunas, vestidas igualmente de branco e em fila dupla, saindo do prédio da escola. Na
próxima tomada elas aparecem ao fundo da imagem, tendo como primeiro plano a rua.
Elas se aproximam até ocuparem todo o plano da imagem. Ao lado da fila de meninas, a
figura da professora representa a autoridade responsável pela manutenção da ordem e da
disciplina. Os planos seguintes registram a entrada na Igreja e as meninas no seu interior.
Os momentos de lazer também são alvos da filmagem. Esta é a proposta da cena em
seguimento àquela da Igreja. Em primeiro plano vê-se um automóvel chegando em frente à
escola. As meninas e professoras entram no veículo que parte, sendo que a câmera
enquadra seu afastamento até desaparecer na linha do horizonte. Já na próxima imagem, o
mesmo veículo pode ser visto buscando as meninas para o retorno do passeio, porém na
imagem seguinte, as meninas aparecem brincando em um rio, provavelmente o destino do
passeio de carro. Acreditamos que seqüência cronológica deve ter sido invertida na
transposição da película para a VHS. As cenas retratam a natureza da região, rios, árvores,
plantas exóticas e, no mesmo contexto, a cena de um homem, aparentemente com trajes de
gaúcho, montado em um cavalo branco. O cenário, provavelmente, é a atual cidade de Dois
Irmãos, que fica bem próxima a Hamburgerberg.
Um novo título introduz a próxima cena, que dá continuidade ao registro do cenário
da região: Carroças de mulas. Paisagem rural, carroças conduzidas por trabalhadores e
casas simples, distribuídas de forma esparsa no espaço, constituem-se em um cenário
diferente daquele de Hamburgerberg. Na sequência, a legenda anuncia: Cabanas de
negros. Seguem imagens de pequenos casebres, sendo que na última cena, um grupo de
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negros, composto por mulheres e crianças posam para o registro em frente à cabana. A
câmera detém-se longamente nesta imagem. A cena seguinte, sem nenhuma legenda que a
descreva, mostra agricultores em uma carreta de bois. Os personagens, numa evidente
atitude de encenação para a filmagem, exibem orgulhosamente sua colheita de aipim,
apresentando exemplares do produto com um tamanho maior do que o comumente
conhecido. Este bloco, que registra o cenário rural da região, finaliza com a imagem de um
grupo de pessoas, homens e mulheres (agricultores?), alguns a pé, outros montados em
cavalos, que lentamente se aproximam da câmera.
Abre-se uma nova cena sob a legenda: Cascata e usina electrica do município de
São Leopoldo, com tradução em alemão. A cascata apresenta-se enquadrada no centro da
imagem em primeiro plano. A câmera detém-se longamente, como que contemplando a
beleza natural, para em seguida, na cena seguinte, mostrar o prédio da Usina, que aparece
na direita da imagem, de maneira que cascata e prédio sejam vistos conjuntamente em um
grande plano geral, tornando explícito seu significado.
Em seguida, apresenta-se a cena final do filme, em que duas alunas da escola,
uniformizadas, surgem em meio a um jardim coberto e erguem uma guirlanda de flores, em
cujo centro aparece a palavra FIM, em português e alemão.
O caráter propagandístico, ou de vitrine, do filme, dirige a organização dos temas e
cenas privilegiadas. O espaço filmado aparece como lugar de possibilidades naturais,
técnicas e humanas. Nesse sentido cenas da paisagem natural evidenciando terras ainda a
desbravar, aparecem em harmonia com os avanços técnicos (trem, carro, usina elétrica).
Da mesma forma, agricultores que, embora denotem certa rusticidade, revelam sua
competência para o trabalho. Da mesma forma, os membros da diretoria da Igreja, as
meninas da escola, educadas e disciplinadas e as ações pedagógicas da mesma, pretendem
demonstrar a existência de um grupo distinto, capaz de dirigir o processo civilizatório em
andamento. O caráter propagandístico, no entanto, não consegue dissimular o olhar
estrangeiro do produtor do filme, identificado na narrativa.
Este olhar do outro, europeu, permeou as narrativas dos viajantes estrangeiros que
circularam pela região de colonização alemã desde meados do século XIX, sendo que sua
visão pouco se modificou até meados do século XX. Segundo RAMOS (2012, p. 245),
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"atualizava-se a viagem com o trem e a máquina fotográfica no início do século XX, mas o
olhar do viajante ainda era o olhar do outro, do europeu sobre nós". Este olhar europeu era
carregado de uma bagagem cultural que pressupunha a superioridade européia com relação
aos outros povos. É nesse sentido que o produtor, Sr. Hubner, registrou as cenas da cabana
de negros, o homem vestido de gaúcho, a vegetação ou mesmo a carroça de mulas. Cenas
que contrastavam àquelas protagonizadas pelo grupo germânico, que aparecem como os
elementos humanos responsáveis pelo desenvolvimento econômico, social e cultural do
lugar.
A narrativa está estruturada alternando aspectos urbanos com elementos rurais;
símbolos do progresso com outros que remetem a ideia de atraso. Embora na estrutura
geral do filme estes elementos apareçam separadamente, representando distinção social e
espacial, em alguns momentos são introduzidas cenas que evidenciam exatamente o
contrário, ou seja, o fato de que este espaço, no período, ainda era predominantemente
rural. A escola aparece sempre integrada a parte mais urbanizada e economicamente
desenvolvida do local, representada por construções (Igreja, comércio, indústria) ruas
regulares, mais ou menos organizadas, enfim, o lugar onde o trem chegou, representação
icônica da chegada do progresso.
Por outro lado, o cenário rural também é representado, nas imagens, embora
separado do local da escola. Este espaço é caracterizado essencialmente pelos elementos
naturais e ocupado por trabalhadores negros e agricultores, contraponto as alunas da
escola, dos membros da diretoria e professoras. Nesse sentido, a carroça de mulas, bem
como os cavalos, aparecem como contraponto ao trem e ao automóvel. As pessoas bem
vestidas, que circulam nas ruas do centro urbano parecem neste cenário - rural - somente
enquanto visitantes, turistas, para quem este espaço tem outro significado, o de lazer.
Porém, em alguns momentos, são inseridas imagens que parecem fugir a narrativa
central como quando, entre as cenas que retratam o passeio das alunas pela cidade,
introduz-se uma cena da rua em que a circulação de animais é o enfoque principal. Como
não temos como saber até que ponto a estrutura da narrativa é original e o quanto ela foi
alterada no processo de conversão para VHS, não podemos nos aprofundar nessa
discussão. Mas podemos questionar sobre o porquê da seleção dessas imagens, na
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Referências bibliográficas
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vol. 2, n. 3, p.3-15, 1989.
RAMOS, Eloisa Capovilla da Luz. São Leopoldo pelo olhar dos viajantes: 1834-1906.
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WEBER, Regina. Grupos étnicos, estratégias étnicas. In: Campos Múltiplos: identidade,
cultura e história. São Leopoldo: Nova Harmonia/Oikos, 2008, p. 257-269.
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Doutora em História (Universidade Federal do Paraná). INDEX Informação Integrada/ Museu Paranaense.
Contato: mhlbecker@gmail.com
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Introdução
Um museu pode se denominar ‘de história’, ‘de ciências’, ‘itinerante’, ‘de arte’,
dentre muitas outras formas. Em última instância, porém, um museu é definido por aquilo
que guarda, estuda e expõe: seu acervo. O Museu Paranaense, localizado em Curitiba,
Paraná, ao longo de seus 139 anos de existência foi caracterizado por coleções
tradicionalmente associadas aos grandes museus nacionais da virada do século XIX para o
XX, com uma ênfase inicial nas Ciências Naturais, um espaço significativo para
Arqueologia e Etnografia e uma forte presença de itens da História Militar. Ainda assim, o
ecletismo sempre marcante das aquisições desta instituição vez ou outra abriu margem a
várias possibilidades interpretativas, hoje, mais do que nunca, exploradas diante das novas
propostas museológicas para narrar o passado.
Recentemente, a doação de dois conjuntos materiais profundamente ligados ao
universo infantil se apresentou como uma oportunidade interessante para exercitar os
diferentes níveis de atuação do museu e torná-la uma situação de aprendizagem tanto para
a equipe quanto para pesquisadores voluntários. Foi grande o volume de miniaturas,
bonecas, roupas, jogos, livros educativos e cadernetas de atividades, em excelentes
condições de preservação, entregue aos cuidados da instituição, sobretudo associado à
primeira metade do século XX. Dessa forma, foi instituído o Grupo de Trabalho em
Cultura Material e Infância com o intuito de explorar com profundidade o processo de
inserção destes objetos nas atividades expositivas, educativas e sociais do Museu
Paranaense. Este artigo visa delinear alguns preceitos básicos que fundamentaram as
discussões do GT e apontar os caminhos escolhidos para o estudo e a divulgação deste
acervo no contexto museal.
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complexidade própria destes que se confundem com os artefatos em escala reduzida que
poderiam ter outra função, alheia ao divertimento infantil. No entanto, tais objetos
compõem acervos de museus desde muito antes, como indica Guedes (2003) no que se
refere aos brinquedos do Museu Histórico Nacional, por exemplo, coletados nos primeiros
anos de funcionamento da instituição.
O objeto identificado como brinquedo apresenta uma dualidade interessante ao
museu, uma vez que sua conotação aparentemente infantil evoca também no público adulto
uma série de sentimentos de afeto, de nostalgia, de estranhamento, de curiosidade, de
empatia; estas múltiplas sensações do visitante (seja ele adulto ou criança) facilita seu
envolvimento com a história que o circuito pretende contar, potencializando o impacto
reflexivo de uma exposição bem planejada. Neste contexto, mesmo a ausência de alguns
tipos de objetos, a falha em representar certos sujeitos ou a invisibilidade de memórias
esquecidas podem ser exploradas como pontos de contraste às vitrines preenchidas por
conjuntos materiais específicos de determinados grupos sociais ou culturais. A
interpretação depende, enfim, da proposta efetivada pela experiência na visitação.
Se muitas lacunas são encontradas nas coleções museológicas, há igualmente muito
a ser explorado em cada uma delas – conforme Pereira (2009), por exemplo, todo
brinquedo carrega em si a época na qual foi produzido, o mundo que o gerou, a educação
que propunha, um projeto de sociedade. Aliás, não são poucos os autores que argumentam
o quanto a história da moda e da tecnologia está documentada em bonecas e carrinhos,
especialmente do século XIX em diante. Isto é especialmente válido para os brinquedos
industrializados, acompanhados de uma infinidade de dados complementares –
transformados em fontes pelos historiadores – tais como anúncios em jornais, estatísticas
dos fabricantes, campanhas publicitárias e a utilização de todo o potencial midiático com
histórias em quadrinhos, animações e filmes.
O perfil das coleções doadas ao Museu Paranaense está enquadrado neste período
de profusão de informações, situação ideal a princípio, entretanto a questão que se colocou
foi, acima de tudo, qual história gostaríamos de contar? Enquanto uma instituição
comprometida em explorar as narrativas da ocupação do atual território paranaense, de que
maneira um conjunto de brinquedos poderia contribuir e acrescentar?
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Kopytoff (2004) argumenta que objetos são entidades culturalmente construídas, assim
como o são seus significados e suas muitas classificações e reclassificações, permitindo
pensar suas trajetórias biográficas como histórias dotadas de incertezas e valores
transitórios.
Volpato (2002) afirma, relembrando Benjamin, que não são poucos os objetos de
culto mais antigos que foram transformados em brinquedos, ressignificados e
reformatados. De certa forma, qualquer objeto pode virar brinquedo – improvisados,
desenhados, reconstruídos; novamente a agência é um fator a ser considerado, basta que se
dê crédito ao poder imaginativo e criativo da criança. E, assim como a cultura material da
infância é mais do que o brinquedo, o brinquedo é mais do que a cultura material da
infância – adultos colecionam estes objetos ou guardam seus brinquedos antigos com afeto.
Os brinquedos que chegaram ao museu foram guardados, e com muito cuidado
preservados no seio familiar, conservados apesar da passagem das gerações, das muitas
mãos que os manipularam. Mas houve aqueles – improvisados, desenhados, reconstruídos,
repito – que não sobreviveram, por serem frágeis, efêmeros, por terem sido esquecidos,
perdidos, quebrados.
Além disso, Guedes (2004, p. 39) observa que “a maioria das pessoas tem a
tendência de doar brinquedos usados para obras de caridade ou até jogarem foram”,
situação que a autora atribui ao desconhecimento que a população tem com relação ao
interesse dos museus em suas vivências infantis. Isto também reflete a percepção difundida
entre a população de que museus históricos acumulam objetos de estética mais artística ou
muito antigos, associados a determinados personagens.
Porém, as renovações do pensamento das Ciências Humanas e Sociais na segunda
metade do século XX incluíram a ampliação do que significa “objeto de museu”,
provocando uma alteração profunda em políticas de aquisição antes conservadoras e
elitistas. Portanto, se há uma tendência em áreas como a Pedagogia em valorizar
brinquedos populares, que se valem da reutilização do lixo ou são confeccionados à mão
com materiais simples (SOUSA; MELO, 2009), esta também se apresenta nas instituições
de memória que pretendem direcionar suas práticas preservacionistas para as
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Ainda que o museu não possua em seu acervo exemplares como a peteca
mencionada, um objeto como este é facilmente confeccionado e pode resultar em um
elemento de contraste interessante numa vitrine de brinquedos de fabricação complexa e
atribuição gendrificada. Outrossim, esta solução de hibridismo nas matérias-prima compõe
não apenas os brinquedos populares, como também muitos brinquedos indígenas
confeccionados em beiras de estrada como formas de sobrevivência, à venda para turistas
que não necessariamente vão utilizá-los como brinquedos, considerando-os artesanato.
Brinquedos indígenas, além disso, são abundantes no acervo etnográfico do Museu
Paranaense, permitindo que bonecas Karajá e miniaturas de animais em cera de abelha ou
madeira sejam inseridos entre as bonecas de porcelana e os soldadinhos de chumbo
montados em camelos. Por que não aproveitar a oportunidade e pensar nos grupos
indígenas que tem sua própria concepção de infância, com seus próprios significados e
culturas materiais?
Por fim, a proposta deste GT se resume em demonstrar as possibilidades
encontradas na busca por alternativas aos formatos narrativos tradicionais que caracterizam
alguns museus históricos, tomando por base um trabalho ativo de pesquisa de acervo aliado
a discussões bibliográficas e intercâmbios disciplinares. Dessa forma, os circuitos
cronológicos, exemplificados por cenários estanques higienizados e idealizados dão lugar
ao conflito, à problematização de aspectos nem sempre positivos e ao uso de outros
elementos associados à cultura material encontrada no acervo. Como se trata de um projeto
inacabado, este texto não apresenta um estudo de recepção que sinalize ajustes ou novos
caminhos a serem trilhados no futuro, porém, a introdução de novas concepções
expográficas e o acolhimento da proposta como experiência evidenciam o quanto o Museu
Paranaense tem se mostrado aberto a atender as necessidades de um público cada vez mais
participativo e crítico.
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Agradecimentos
Este trabalho não teria sido viabilizado sem a contribuição essencial dos
participantes do Grupo de Trabalho em Cultura Material e Infância, em especial os
envolvidos na fase das discussões bibliográficas: Alexandre Cozer, Denise Haas, Douglas
Scirea, Gustavo Anderson, Jamile Silva, João Carlos Coronel, Kamila Bach, Lorena
Pantaleão, Neusa Cassanelli, Raíza Luara da Silva e Willian Funke. Da mesma forma sou
grata ao diretor do Museu Paranaense, Renato Carneiro Jr., pela possibilidade e o
compromisso de levar a ideia adiante, e à Tatiana Takatuzi, Ellen Nascimento, Janaik
Helcias, Gerson Tuleski Jr. e Flaviane Silva por seu envolvimento fundamental na fase da
exposição.
Referências bibliográficas
BREIER, Ana Claudia Bôer. Museus infantis: uma questão contemporânea. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2005.
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Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora da rede estadual de ensino no
Colégio Inácio Montanha. E-mail: raquelbraun1@gmail.com
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Desde o seu surgimento, na primeira metade do século XIX, até os dias atuais, os
usos da fotografia foram múltiplos e podem nos ajudar a compreender parte do passado, ao
utilizá-la como fonte histórica a partir de uma problemática pertinente. O objetivo desse
texto é pensar uma produção fotográfica realizada na Casa de Correção de Porto Alegre. O
então médico da instituição, Sebastião Leão, publicou, em 1897, um álbum fotográfico dos
detentos, intitulado Os criminosos do Rio Grande do Sul, organizado por ele ao longo do
ano de 1896. Torna-se necessário pensar a especificidade da fotografia jurídico-criminal,
naquele período de recente surgimento dessa técnica de captura de imagem. Problematiza-
se a relação da produção do álbum com aquele contexto científico. Por último, questiona-
se a possibilidade de auto-representação e a subjetividade presentes em uma produção
imagética dita tão objetiva.
O trabalho aqui exposto é parte de uma dissertação de mestrado que buscou
entender a apropriação das teorias raciais através da obra do médico porto-alegrense
Sebastião Leão, na segunda metade do século XIX. A sua obra refere-se às suas
publicações no jornal Correio do Povo, como médico e como cronista histórico, ao álbum
fotográfico e ao estudo de antropologia criminal (também publicado em 1897), em que ele
analisa os detentos da Casa de Correção. Esse documento foi enviado ao Secretário de
Estado dos Negócios do Interior e Exterior, João Abott e, depois, anexado no relatório
desse último, ao Presidente do Estado Júlio de Castilhos, em 1897. Esse estudo foi
produzido na Oficina de Identificação Antropométrica, criada em 08 de janeiro de 1896,
com o aval de Borges de Medeiros, então chefe da polícia. Leão visava entender se o
criminoso era formado pelo meio social ou por caracteres atávicos, bem como se a raça
influenciava na formação do criminoso.
Sua produção intelectual é entendida não como uma produção isolada, como se
suas ideias estivessem soltas no ar, mas como parte de uma prática social perpassada por
diversas características intercambiadas naquele processo histórico específico. Dentre os
elementos que intercruzam a sua trajetória e perpassam a sua produção poderíamos
relacionar a forma de dividir as pessoas por raças, o governo do Partido Republicano Rio-
Grandense, a condição de classe de Sebastião Leão, os questionamentos científicos do final
do século XIX, a reestruturação do sistema penal em diversos países do mundo, o
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isoladamente e, a partir dela, se poderia proceder a uma valoração dos indivíduos, das
raças e de grupos sociais. Entende-se que a ciência feita por esses homens era um
fenômeno social e por isso não era imparcial. Com isso, não se afirma que esses homens
não tinham seriedade ao analisar seus dados ou que eram maquiavélicos na elaboração de
suas conclusões. Como qualquer outro aspecto da ciência, os dados quantitativos e a ideia
de que a inteligência de cada indivíduo podia ser ordenada conforme uma escala gradual
ascendente também eram sujeitos ao condicionamento cultural. Conforme Gould (1991, p.
12), “[...] os argumentos deterministas para classificar as pessoas segundo uma escala de
inteligência, por mais refinados que fossem numericamente, limitaram-se praticamente a
reproduzir um preconceito social [...]”.
Na segunda metade de século XIX, progredia a antropologia na Europa, surgindo
trabalhos de estudiosos em todos os lugares do continente, com especial expressão na
Alemanha, na França e na Inglaterra. Desde a primeira metade do século XIX, a
antropologia criminal ganha destaque e começam a ser fundadas sociedades para debater e
pesquisar a temática em diferentes países da Europa. Exemplos disso seriam: Sociedade
Frenológica (1831), na França; Sociedade de Antropologia de Paris (1859), fundada por
Paul Broca; Sociedade de Autópsia (1876).
No correr do século XIX, surgem revistas, jornais e se formam congressos sobre
antropologia criminal, reunindo antropólogos, biólogos, psiquiatras, médicos-legistas,
sociólogos, juristas. Além disso, “A partir de 1885, congressos internacionais de
antropologia criminal reúnem a cada quatro anos não apenas médicos, mas também
magistrados, policiais e políticos de todos os países” (DARMON, 1991, p. 85). Esses são
realizados até 1906 e param de ocorrer somente após a morte de Lombroso, em 1909.
O estudo do Dr. Sebastião Leão segue, portanto, essa tradição de estudos em
processo de organização na segunda metade do século XIX. Seu trabalho resultou de um
estudo científico realizado em 1897, em sua Oficina de Identificação, estabelecida na Casa
de Correção de Porto Alegre. O autor utilizou as teorias raciais de forma original para
entender e refletir sobre o seu contexto local, de modo a debater com autores europeus.
Entre os autores lidos por Sebastião Leão nessa obra, pode-se destacar: Alphonse Bertillon,
Maudsley, Cesare Lombroso e Lacassagne. Os dois primeiros ele utiliza como inspiração
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metodológica. Os outros dois autores são fundamentais para o seu estudo, pois Leão se
identifica com a teoria do francês Lacassagne, valorizando a influência do meio no
surgimento dos criminosos, em contraposição ao cientista italiano Césare Lombroso, que
afirmava ser o criminoso definido por caracteres atávicos. Isso não significa que Leão não
concorde com Lombroso em alguns aspectos, além de utilizá-lo como aporte metodológico
para as características dos detentos que analisou.
Outra questão colocada por Leão foi quanto à influência das raças em relação aos
tipos de crimes cometidos por pessoas de diferentes origens geográficas ou raciais 108. O
autor não chega a nenhuma conclusão sobre esse assunto, pois afirma “que o material de
que dispunha, parte completamente original, era deficiente e devia limitar-me a considerá-
lo como contingente à elucidação da questão por espíritos melhor orientados, ou
tardiamente, por mim próprio, uma vez que disponha de soma de elementos” (LEÃO,
1897, p. 243). Porém, mesmo realizando essa afirmação inconclusa, ele atribuiu diversas
diferenciações raciais ao longo de seu estudo que demonstram seu entendimento
diferenciado de pessoas através das raças. Não é o caso de aprofundar essa questão nessa
comunicação. Mas, citarei apenas um exemplo, que possibilita relacionar as afirmações do
médico com o álbum fotográfico, para pensarmos como diferentes fontes podem fazer o
historiador entender melhor práticas sociais do passado. Sebastião Leão afirmou ser as
expressões no olhar de negros e crioulos menos desagradáveis do que de caboclos,
indiáticos e brancos (!) (LEÃO, 1897, p. 222). Lombroso afirmou “que o traço mais
característico, verdadeiramente especial nos delinquentes natos, reside no olhar”. Curioso
dessa afirmação do médico italiano é que justamente um dos traços estabelecidos por ele
que poderia ser julgado o mais subjetivo seria o mais característico do criminoso.
108
Ressalte-se que a raça está sendo considerada como uma construção social, que apenas faz sentido no
interior de uma sociedade racista. Para saber mais consultar: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo.
Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 1999.
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escravos que queriam mostrar seus escravos como bens, ou como parte de uma cena em
que os senhores eram os principais; amas-de-leite com crianças no colo; detentos de Casas
de Correção; figuras tidas como “exóticas” onde se demonstrava a sua etnia ou o seu modo
de vida para venda de souvenir; pessoas classificadas como “objetos” de análise científica.
Esses dois últimos tipos de imagem eram adquiridos para estudos científicos, embora a
foto do tipo souvenir não tenha sido, necessariamente, produzida para esse fim. Nesse
sentido,
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pretendia fazer no Rio Grande do Sul o que Bertillon fez para a França. Porém, ele não
teve a estrutura necessária que esse último contou pra realizar o seu trabalho.
Se pensarmos no álbum de Sebastião Leão como forma de identificação de
recidivistas, ele tinha uma valia limitada. Por mais que estivessem identificadas, as fotos
eram guardadas em um mesmo álbum, tendo o funcionário que folhá-lo por inteiro para
reconhecer um antigo detento. Não se sabe se havia outro lugar em que as imagens
estavam dispostas, já que não foram encontradas fichas individuais de cada detento.
Porém, produzir o álbum foi importante, pois “no enquadramento e na fixação da
imagem do outro, tinha-se a disciplinarização do condenado; o que criava uma relação
interessante entre poder e foto do preso, como bem cabia a um país civilizado”
(KOUTSOUKOS, 2010, p. 243).
A forma de fotografar os detentos foi especificada por Alphonse Bertillon na
década de 1880. Para ele, as fotografias dos delinquentes não deveriam representá-los de
forma artística como queriam muitos fotógrafos. Essas fotografias “deveriam ser, ao
contrário, de uma escrupulosa feiúra, de maneira a pôr em evidência verrugas, sinais,
cicatrizes, barba e pequenas rugas” (DARMON, 1991, p. 222). Surgiram as duas
fotografias tradicionais de infratores: uma do perfil direito e outra da face. Essas
fotografias passaram a ser acrescentadas à ficha antropométrica e deveriam ser tiradas à
mesma distância e com as mesmas condições de iluminação. Além disso, Bertillon fixou
regras sobre a fotografia realizada no local dos crimes e inventou a técnica do retrato
falado. Essa última foi aperfeiçoada depois pelos doutores Reiss, de Lausanne, e Icard, de
Marselha.
O álbum produzido por Sebastião Leão seguiu em parte os preceitos de Bertillon,
uma vez que apresentou as fotos sem realizar uma representação artística dos detentos e
expôs a foto da face. Porém, dos 101 presos fotografados, apenas 11 tiveram as fotos de
perfil. Isso pode representar pouco cuidado do médico, como também displicência do
fotógrafo ou erro na revelação.
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Figura 4: Os criminosos do Rio Grande do Sul. Album Photographico organisado pelo Dr.
Sebastião Leão, Diretor da Officina de Anthropologia Criminal. Porto Alegre, 1897.
Imagens 01, 02, 03 e 04.
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Figura 5: Os criminosos do Rio Grande do Sul. Album Photographico organisado pelo Dr.
Sebastião Leão, Diretor da Officina de Anthropologia Criminal. Porto Alegre, 1897.
Imagens 13, 14, 15 e 16.
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Figura 6: Os criminosos do Rio Grande do Sul. Album Photographico organisado pelo Dr.
Sebastião Leão, Diretor da Officina de Anthropologia Criminal. Porto Alegre, 1897.
Imagens 83, 84, 85 e 86.
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não se limita em si mesmo, operam-se arranjos e desvios que manifestam cada apropriação
específica. Entende-se que cada vestígio histórico representa o real e só pode ser entendido
quando se relaciona com seu contexto, para apreendermos sua historicidade. Sendo assim,
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Tradução da autora. Citação original: Esta historizacion de la especificidad de la tiene por corolário la
interrogación sobre las relaciones que las obras mantienen con el mundo social. Lejos de la tentación (que fue
fuerte en los historiadores) por reducir los textos a un puro estatuto documental, hay que trabajar sobre las
distancias. Distancias entre las representaciones literarias y las realidades sociales […]. Distancias entre la
significación e la interpretación (CHARTIER, 1998, p. 49).
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Então, quem dizia quem era o criminoso? Quem era o criminoso encarcerado
naquele momento? A partir dessas questões, é possível pensar se a objetivação desses
detentos fotografados implicou marcas e hábitos de criminosos, como um modo de se fazer
representar frente à complexa dialética do cotidiano, em que diversas características da
sociedade se intercruzam em suas trajetórias individuais. É possível entender, através desse
trabalho, as representações desse álbum para o médico da Casa de Correção e para as
autoridades policiais e estatais. Representações relacionadas ao discurso científico de
entendimento da formação do criminoso e às práticas sociais de encarceramento daqueles
considerados perigosos. Porém, entender a significação desse álbum e do encarceramento
na forma em que cada detento se auto-representava socialmente para além do cárcere e
deslocava-se em sua trajetória é uma parte dessa luta por representação que ainda está por
ser apreendida – a partir do entendimento das diferentes concepções de mundo de
diferentes setores sociais, cada qual com seus próprios valores e referenciais simbólicos.
Por enquanto, ficamos com os olhares dos 101 detentos fotografados fazendo-se
representar diante da lente uniformizante do laboratório fotográfico do antigo cárcere.
Fontes
Os criminosos do Rio Grande do Sul. Album Photographico organisado pelo Dr. Sebastião
Leão, Diretor da Officina de Anthropologia Criminal. Porto Alegre, 1897.
Relatorio apresentado ao Sr. Dr. Julio Prates de Castilhos, Presidente do estado do Rio
Grande do Sul pelo Dr. João Abott Secretario d’Estado dos Negócios do Interior e
Exterior em 30 de julho de 1897. Porto Alegre: Officinas a vapor da Livraria Americana,
1897. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Localização: SIE.3-005.
Relatorio apresentado ao Sr. Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros, Presidente do
estado do Rio Grande do Sul pelo Dr. João Abott Secretario d’Estado dos Negócios do
Interior e Exterior em 30 de julho de 1899. Porto Alegre: Officinas a vapor da Livraria
Americana, 1899. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Localização: SIE.3-007; 670p.
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Cuadernos de Trabajo, Valencia: Fundación Cañada Blanch, n. 2, p.157-162, 1998.
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2004.
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Da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia da Letras, 2010, p. 413-
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DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque: a medicalização do crime. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
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MENESES, Ulpiano T. B. de. Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço
provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p.
11-36, 2003. Disponível em:
<http://www.anpuh.org/revistabrasileira/view?ID_REVISTA_BRASILEIRA=43>. Acesso
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MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e modernidade: a construção social do
espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Recordação da Casa dos Mortos: Introdução ao
relatório do Dr. Sebastião Leão. In: 1º SEMINÁRIO DE PESQUISA DE PESQUISA DO
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2001. 01 CD.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Visões do Cárcere. Proto Alegre: Zouk, 2009.
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no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SEGALA, Lygia. Ensaio das luzes sobre um Brasil pitoresco: o projeto fotográfico de
Victor Frond. 1998. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 1998. 388p.
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No Rio Grande do Sul, o Núcleo Regional da ANPUH está organizado desde o ano
de 1979, tendo sofrido uma reestruturação em 1994. Possui em torno de 300 associados
ativos anualmente espalhados por todo o Estado e é o segundo maior núcleo em número de
filiados do Brasil. Parte dos seus sócios está organizada em Grupos de Trabalho (GTs) que
visam trabalhar temas específicos de interesse histórico e/ou profissional.
O Encontro Estadual de História é a principal das diversas atividades científicas da
ANPUH no Estado. É realizado bienalmente, nos anos pares, contando com um tema
central escolhido de acordo com a pertinência historiográfica e social. Constitui-se num
momento privilegiado de intercâmbio entre a comunidade dos historiadores e de
articulação entre os estudos e as pesquisas já realizados ou em andamento.
Desde 2008, a ANPUH-RS possui uma sede própria, localizada no centro de Porto
Alegre, onde está localizado seu arquivo administrativo. O local possui ainda uma sala de
reuniões com capacidade para aproximadamente 30 pessoas, onde são realizadas atividades
de iniciativa dos membros dos GTs e de sócios com anuidade em dia.
Os sócios da ANPUH com o pagamento em dia da anuidade, além de garantirem os
seus direitos estatutários, recebem regularmente os informes eletrônicos da ANPUH-RS e
podem enviar artigos para a Revista Brasileira de História. Também ganham descontos na
compra de publicações da Coleção ANPUH-RS e inscrevem-se nos encontros estaduais e
nos simpósios nacionais com valores de taxas diferenciadas.
Para mais informações: www.anpuh-rs.org.br.
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