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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


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CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

FLÁVIA MONALIZA NUNES SECUNDO LOPES

COMO ERA NA FAVELA? COMO É NO CONJUNTO?


Relações entre Propriedades Espaciais e Modos de Uso no Caso do Reassentamento da Favela do
Maruim em Natal/RN.

Natal/RN
Maio, 2018
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FLÁVIA MONALIZA NUNES SECUNDO LOPES

COMO ERA NA FAVELA? COMO É NO CONJUNTO?


Relações entre Propriedades Espaciais e Modos de Uso no Caso do Reassentamento da Favela do
Maruim em Natal/RN.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU)
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.

Linha de Pesquisa: Morfologia, Usos e


Percepção do Ambiente Construído.

Orientador: Prof. Dr. Rubenilson Brazão Teixeira

Coorientadora: Profª. Drª. Edja Bezerra Faria


Trigueiro

Natal/RN
Maio, 2018
4

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - -CT

Lopes, Flávia Monaliza Nunes Secundo.


Como era na favela? Como é no conjunto?: relações entre
propriedades espaciais e modos de uso no caso do reassentamento
da Favela do Maruim em Natal/RN / Flávia Monaliza Nunes Secundo
Lopes. - Natal, 2018.
148f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura e
Urbanismo.
Orientador: Rubenilson Brazão Teixeira.
Coorientadora: Edja Bezerra Faria Trigueiro.

1. Habitação - Dissertação. 2. Forma da arquitetura - Usos dos


espaços - Dissertação. 3. Reassentamento de Favelas -
Dissertação. 4. Conjuntos Habitacionais - Dissertação. 5. Favela
do Maruim - Natal/RN - Dissertação. I. Teixeira, Rubenilson
Brazão. II. Trigueiro, Edja Bezerra Faria. III. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.

RN/UF/BSE15 CDU 728.1


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À população do Maruim, hoje no São Pedro.


Pessoas que me acompanharam e deram sentido à
minha trajetória profissional até então. Obrigada
pela disponibilidade e acolhida em todos os
tempos.
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AGRADECIMENTOS
À agência CAPES pelo apoio financeiro fundamental para o andamento e conclusão desta pesquisa.

Aos meus pais, que por vezes acharam que eu estava “pirando” em largar “tudo” para investir em um
sonho maluco, mas por fim entenderam que a realização dele me faz uma pessoa mais feliz a cada dia.
Obrigada pelo apoio fundamental em todas as fases da vida. Essa é mais uma, mais um degrau que
subo e nada seria possível sem a ajuda de vocês.

À Tiago, meu companheiro, que me ajudou, me ajuda e investe na realização desse sonho junto
comigo. Obrigada por sempre acreditar em mim, até mesmo quando nem eu acredito.

Às minhas irmãs, Fábia e Mara, pela força em todos os momentos e por acreditarem que essa era a
escolha acertada desde sempre.

Aos meus cunhados, que assim como minhas irmãs, participaram e incentivaram toda esta jornada.

Ao meu Orientador, Professor Rubenilson Teixeira, pela dedicação, eficiência e organização. Obrigada
por me ajudar a colocar as ideias no papel de maneira mais clara e objetiva. Sua contribuição foi
fundamental para minha evolução como pesquisadora.

À minha Coorientadora, Professora Edja Trigueiro, pela dedicação a esta pesquisa (que foi além de
uma coorientação comum), pela amizade e por me ensinar a ensinar e evoluir como pessoa,
pesquisadora e mulher todos os dias. Nossa convivência quase que diária vai fazer falta e ainda vai
deixar saudades.

Às Professoras da minha banca, Amadja Borges e Circe Monteiro, que contribuem para a evolução
desta dissertação desde a banca de qualificação com observações preciosas.

À Nalvinha, moradora do Residencial São Pedro, minha companheira de andanças pelos


assentamentos desde os tempos de graduação. Sua disponibilidade e companheirismo foram
indispensáveis em todos os momentos.

Aos Professores e Professoras do PPGAU e do DARQ que me inspiraram e me ajudaram de alguma


maneira na minha passagem pela UFRN: Marcelo Tinôco (in memorian) ajuda fundamental na fase
inicial desta pesquisa; Gleice Elali, Amadja Borges, Márcio Valença, Aldomar Pedrini, Dulce Bentes,
Clewton Nascimento, Amíria Brasil e Hélio Takashi.

Aos funcionários do PPGAU, Nicolau, Vivi e Seu Mário que me aguentaram por todo esse tempo
pedindo café, conversando lorota e implorando por mais prazo. Obrigada pela disponibilidade de
sempre, vocês são demais.
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Aos componentes do grupo MUsA; Maria, Andreia, Fabrício, Nicholas, Mauricio, Ítalo, Ugo e Camila;
pelo apoio fundamental, disponibilidade, troca de conhecimentos, ajuda e paciência que tiveram comigo
durante a convivência.

À Lucy, por toda amizade e disponibilidade para ensinar e estar junto sempre.

Aos colegas alunos do PPGAU e do DARQ, pessoas sempre disponíveis para ajudar, trocar
experiências, compartilhar alegrias, angústias e conquistas.

Aos meus amigos que estão além da academia, não vou citar o nome de todos ou poderia estar sendo
injusta com alguém, agradeço pela paciência, ajuda e força durante o tempo de realização desta
dissertação.
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RESUMO
Nesta dissertação foram investigadas relações entre forma e usos da arquitetura visando identificar
efeitos que alterações morfológicas nos espaços abertos de uso coletivo possam ter exercido sobre
modos de uso desses espaços. Especificamente, buscou-se compreender se, e como, usos
preexistentes foram modificados após o reassentamento de uma população de uma favela,
assentamento orgânico, autoconstruído – Favela do Maruim – para um conjunto habitacional, planejado
pelo estado – Conjunto São Pedro. Com base no referencial teórico da Sintaxe do Espaço (HILLIER;
HANSON, 1984), partiu-se do pressuposto que a forma da Arquitetura – resultante do arranjo de cheios
(massas construídas) e vazios (permeabilidades) – estrutura possibilidades e restrições ao ir e vir estar
e enxergar, as quais definem campos potenciais de copresença e movimento de indivíduos no espaço.
Neste caso, a hipótese foi de que a natureza morfológica do conjunto é oposta à da favela, sendo
assim, alterou tipos de relações espaciais, da micro à macro escala, e possivelmente modificou
padrões de copresença, uso do lugar e interação entre os diferentes indivíduos no espaço – moradores
locais e estranhos (não locais). O conjunto subverteu a lógica autodefensiva e de proximidade entre os
moradores da Favela para um movimento mais similar ao da cidade de maneira global – onde há maior
potencial de encontro entre diferentes. A abertura para a cidade aproximou a população reassentada
do discurso do medo, da reclusão dentro de casa e da criação de muros e barreiras para o espaço
público. Na busca de comprovar a hipótese, foi realizado um estudo comparativo de instâncias
potenciais e episódios reais de encontro através da análise dos espaços, e visitas in loco na favela e no
conjunto. Técnicas da Análise Sintática do Espaço (ASE) caracterizaram a inserção de cada
assentamento na malha da cidade na perspectiva de entender acessibilidades “ao caminhar” e “ao
olhar” por meio de instrumentos que exploram relações topológicas e distâncias métricas. Para
entender a relação entre a massa construída e a estrutura de espaços abertos foram examinados usos
locais e relações entre espaços públicos e privados. Em busca de compreender os usos reais do
espaço, foram observados o movimento peatonal e traços físicos do espaço; ainda foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com a população. Os resultados mostram que a configuração da favela,
desordenada e menos integrada ao tecido urbano da cidade, delineava um enclave que diminuía a
interface de encontros entre diferentes (moradores e estranhos). Internamente, uma forte hierarquia e
coesão entre acessibilidades (local e vicinal “ao caminhar” e “ao olhar”), privilegiava o uso de certos
espaços abertos pelos moradores. Estes funcionavam como extensão da casa dos habitantes locais,
como pontos de confluência de encontros, passagem de pedestres e de atividades com forte ligação
público/privado. O conjunto, por sua vez, com uma ordem de acessibilidade e visibilidade mais
homogênea, pouco hierárquica, com ligações público/privado frequentemente interrompidas, ainda que
mais integrado à cidade, estimula a interface de encontros entre diferentes, enquanto restringe
potenciais encontros entre moradores. Em um esforço de contornar as limitações da forma da
arquitetura, moradores persistem em estar nos espaços coletivos do conjunto, ocupação
aparentemente consubstanciada na presença dos tapumes, uma vez que estes contribuem para
aproximar o conjunto da lógica de enclave da Favela, apartando-o do contínuo espacial da cidade e
consolidando barreiras que vem, de resto, se tornando recorrentes na construção de residências em
cidades brasileiras nos últimos anos.
Palavras-Chave: Forma da Arquitetura, Usos do Espaço, Reassentamento de Favelas, Conjuntos
Habitacionais, Favela do Maruim, Natal.
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ABSTRACT
This study addresses relations between form and use of architecture with the aim of investigating
whether morphological changes regarding open spaces shared by a housing community might have
exerted over the way people use those spaces. It aims to shed light on whether and how the
reallocation of a self-built organic settlement – Favela do Maruim – to a regularly schemed, state-funded
housing estate – Conjunto São Pedro – led to alterations in the way people used common open spaces
in their previous environs. Guided by the Space Syntax theory (HILLIER; HANSON, 1984), the
investigation approach stems from the assumption, that architectural form - structured by masses
(buildings) and voids (permeability) - offer possibilities and restrictions concerning moving, being and
seeing, and, therefore, define potential fields of co-presence and movement by individuals in space. The
hypothesis underlying the case study was that because the morphological nature of the housing estate
diverges from that of the Favela settlement, spatial relations are altered from the micro to the macro
scale, thus prompting changes in patterns of co-presence, use of communal areas and interaction
among diverse individuals in space – inhabitants, visitors and strangers (insiders and outsiders). In the
Housing Estate the self-defensive logic of nearness among residents that existed in the Favela was
subverted and replaced by another more similar to that which prevails in the city as a whole, with a
higher potential of encounter fields. The less enclosed arrangement appears to threat the resettled
population, bringing about the discourse of fear, which enforces reclusion inside an area severed from
the public space by walls and barriers. In the search to test the hypothesis, comparative studies of
potential and real instances of encounter were carried out by means of spatial analysis and of in loco
visits regarding actual use in the Favela and the Housing Estate. Space syntax analysis was applied to
quantify the insertion of each settlement in the city grid, in topological and metric distances, to gauge
accessibilities “by foot” and “to the eye”. In order to understand the relation between the built mass and
the structure of open spaces, local uses and relations between public and private spaces were
analysed. To understand the real uses of space, the data gathering process included the observation of
pedestrian movement and physical traces of space; and enquiries about the ways people use common
areas, by means of semi-structured interviews. The results show that the Favela configuration,
disorderly and less integrated with the city urban grid, outlined an enclave that decreased the potential
encounter field between insiders and outsiders. Internally, a stronger hierarchy and cohesion concerning
diverse accessibility catchment levels (local, vicinal, to the feet or the eyes) privileged the use of certain
open spaces by the inhabitants. Those points that showed strong public/private connections, worked as
extensions to the houses and as confluence points for encounter, pedestrian flows and activities. In the
Housing Estate, on the other hand, a homogeneous, less hierarchical internal structure, with low
cohesion concerning accessibility levels, less openings connecting closed/open spaces and higher
integration to the city grid, stimulate the interface between insiders and outsiders, whereas restraining
the potential encounter field amongst inhabitants. On an effort to overcome the limitations of the
architectural spatial form, inhabitants persist on being in the Housing Estate common areas, an
occupation apparently consubstantiated by the presence of construction fences that approximates the
Estate’s spatial structure to the Favela’s enclave logic, setting it apart from the city continuous space
and consolidating barriers, which at any rate, are becoming the norm, concerning residential premises in
Brazilian cities.
Key words: Architectural Form, Use of Space, Favela Reallocation, Housing Estate, Favela do Maruim,
Natal.
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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: A. Conjunto singapura São Paulo/SP; B. Conjunto cidade de deus Rio de Janeiro/ RJ; C.
Conjunto leningrado natal/RN; D. Conjunto Novo Horizonte (ex favela do detran) Natal/RN. ................24

FIGURA 02: A. Chegada dos hidroaviões em Natal na década de 1940, com destaque para o Maruim;
B. Detalhe da placa da colônia de pescadores; C. Canto do Mangue em 1944; D. Ocupações da favela
do maruim na década de 1980 ...............................................................................................................26

FIGURA 03: Linha de limite do bairro da Ribeira com apontamentos da localização do porto e da favela
– conflito fundiário ...................................................................................................................................27

FIGURA 04: A. Vista aérea maruim; B. Vista do Maruim a partir do rio; C,F.Ruas da favela; D. Conjunto
São Pedro; E. Favela sendo demolida; G, H, I. Ruas do condomínio .....................................................32

FIGURA 05: A. divisão da intervenção; B, C, E. imagens do projeto de urbanização; d. moradora no


trato de animais ......................................................................................................................................33

FIGURA 06: Gráficos dos sexos e idades dos chefes de família. ...........................................................34

FIGURA 07: Gráficos do número de pessoas por profissão citada e a distribuição por sexo em cada
uma delas. ..............................................................................................................................................35

FIGURA 08: Gráficos do número de pessoas em cada faixa de renda e distribuição da renda por sexo.
................................................................................................................................................................36

FIGURA 09: Esquema sobre o referencial teórico da análise espacial do trabalho ................................40

FIGURA 10: Abstração do espaço para a sintaxe. .................................................................................41

FIGURA 11: Demonstração da aplicação dos grafos no espaço ............................................................44

FIGURA 12: Demonstração do alcance e acessibilidade visual. ............................................................45


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FIGURA 13: Esquema sobre possibilidades e restrições com relação à configuração dos vazios ........47

FIGURA 14: Esquema sobre possibilidades e restrições dos cheios .....................................................51

FIGURA 15: Esquema da síntese da análise espacial ...........................................................................58

FIGURA 16: Mapa de eixos de Natal......................................................................................................61

FIGURA 17: Mapa axial de Natal (RN) ...................................................................................................62

FIGURA 18: Esquema da síntese da análise da acessibilidade “ao caminhar” a partir dos eixos de
movimento para este trabalho.................................................................................................................66

FIGURA 19: Definição de espaço convexo/côncavo ..............................................................................67

FIGURA 20: Esquema da síntese da análise da acessibilidade “ao caminhar” a partir dos espaços
convexos.................................................................................................................................................68

FIGURA 21: Exemplo da geração e forma de uma isovista....................................................................69

FIGURA 22: Modo de processamento do VGA ......................................................................................70

FIGURA 23: Esquema da síntese da análise da acessibilidade “ao olhar” para este trabalho ...............71

FIGURA 24: Distância entre os assentamentos .....................................................................................74

FIGURA 25: Foto de 1941 – formação inicial do assentamento / divisão da favela e distribuição de ilhas
................................................................................................................................................................75

FIGURA 26: Gráfico das áreas e números de ilhas do sistema da favela. .............................................75

FIGURA 27: Traçado dos assentamentos. .............................................................................................76


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FIGURA 28: Gráfico dos tipos edilícios presentes na Favela do Maruim ...............................................77

FIGURA 29: Maruim E São Pedro no contexto urbano: mapa axial de integração rn.............................79

FIGURA 30: Tabela com medidas derivadas do mapa axial. .................................................................80

FIGURA 31: Gráfico da correlação entre profundidade média e valor de integraçãohh_rn (derivado do
mapa axial) dos três assentamentos ......................................................................................................80

FIGURA 32: Mapa de integração visual (vga) com ruas adjacentes ......................................................82

FIGURA 33: Mapa de integração visual (VGA) assentamentos .............................................................83

FIGURA 34: Sobreposição das acessibilidades “ao caminhar” e “ao olhar” ...........................................85

FIGURA 35: Mapa de interfaces público/privado ....................................................................................87

FIGURA 36: Simulação do espaço sem tapume. ...................................................................................88

FIGURA 37: Mapas de uso e ocupação do solo .....................................................................................90

FIGURA 38: Exemplo do mapa elaborado em campo ............................................................................95

FIGURA 39: Observação dos modos de uso na favela ..........................................................................98

FIGURA 40: Gráfico do número de pessoas por observação no Conjunto São Pedro ...........................99

FIGURA 41: Gráficos do tipo de pessoas encontradas por observação no Conjunto São Pedro.........100

FIGURA 42: Médias dos tipos de atividades realizadas no espaço no momento das observações no
Conjunto São Pedro..............................................................................................................................102

FIGURA 43: Observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 21/10/2017


sobreposta ao VGA que mostra a medida de integraçãoHH_raioN ......................................................104
13

FIGURA 44: Observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia


21/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de integraçãoHH_raioN. ........................104

FIGURA 45: Observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 24/10/2017


sobreposta ao VGA que mostra a medida de integraçãoHH_raioN. .....................................................105

FIGURA 46: Observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia


24/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de integraçãoHH_raioN. ........................107

FIGURA 47: Observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 27/10/2017


sobreposta ao VGA que mostra a medida de integraçãoHH_raioN. .....................................................108

FIGURA 48: Observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia


27/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de integraçãoHH_raioN. ........................109

FIGURA 49: Recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço da Favela


do Maruim .............................................................................................................................................113

FIGURA 50: Recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço do conjunto


São Pedro .............................................................................................................................................115

FIGURA 51: A e B. roupas estendidas na favela / C e D.a recorrência da prática no conjunto ............116

FIGURA 52: Roteiro da entrevista semiestruturada ..............................................................................118

FIGURA 53: Resultado sobre a utilização dos espaços abertos da favela e do conjunto.....................120

FIGURA 54: Resultado sobre os tipos de atividades desenvolvidas nos espaços abertos da favela e do
conjunto ................................................................................................................................................121

FIGURA 55: Resultado sobre com quem utilizavam / utilizam os espaços abertos da favela e do
conjunto ................................................................................................................................................122
14

FIGURA 56: Resultado sobre a presença de estranhos nos espaços abertos da favela e do conjunto
..............................................................................................................................................................123

FIGURA 57: Resultado sobre locais utilizados para desenvolver as atividades para o espaço da favela
e do conjunto ........................................................................................................................................124

FIGURA 58: Resultado sobre o horário que utilizavam os espaços abertos da favela e do conjunto...126

FIGURA 59: Resultado da opinião dos moradores sobre a questão do tapume ..................................128
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................................17

1. DO MARUIM AO SÃO PEDRO ..........................................................................................................21

1.1. Contextualização do Caso de Estudo ....................................................................................21

1.2. O Caso do Reassentamento do Maruim ................................................................................25

1.3. A População Estudada em Números .....................................................................................33

2. POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES DA FORMA DOS ESPAÇOS ...................................................37

2.1. A Lógica Social do Espaço e as Comunidades Virtuais.......................................................37

2.2. Possibilidades e Restrições: a partir dos vazios (permeabilidades) ..................................40

2.3. Possibilidades e Restrições: a partir dos cheios (barreiras) ...............................................47

2.4. Objeto Espacial: Favela e Conjunto .......................................................................................51

3. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DA ANÁLISE MORFOLÓGICA ................................................57

3.1. Como Analisar a Comunidade Virtual a Partir da Ótica Morfológica ..................................57

3.2. Resultados da Análise Morfológica .......................................................................................72

4. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO ESPAÇO REAL...................................................................92

4.1. Como analisar o Que Fazem ...................................................................................................93

4.2. Resultados: “o que fazem” .....................................................................................................97

4.2.1. Resultados: observação da atividade peatonal .....................................................................97

4.2.2. Resultados: observação dos traços físicos do ambiente (apropriação x vulnerabilidade) ...111

4.3. Como Analisar: O que Dizem ................................................................................................116


16

4.4. Resultados: entrevistas semiestruturadas ..........................................................................119

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................................131

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................137

ANEXOS...............................................................................................................................................144
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INTRODUÇÃO

Nesta dissertação investigamos relações entre forma e usos da Arquitetura visando identificar efeitos
que alterações morfológicas nos espaços abertos de uso coletivo possam ter exercido sobre modos de
uso desses espaços. Especificamente, estudamos se, e como, a mudança de uma favela –
assentamento orgânico, autoconstruído – para um conjunto habitacional - planejado pelo Estado –
ocasionada por um processo de reassentamento, alterou modos de usos preexistentes nos espaços
abertos vivenciados na cotidianidade. Alinhados com o referencial teórico da Lógica Social do Espaço
(LSE) (HILLIER; HANSON, 1984) - ou Sintaxe do Espaço (SE) – entendemos a Arquitetura como uma
variável independente com implicações na vida das pessoas que a utilizam, sendo assim, é algo a mais
que um mero cenário da vida cotidiana, é aspecto intrínseco a cotidianidade ao potencialmente definir,
quem se encontra com quem, onde, como e quando. Esse efeito da forma arquitetônica é resultante da
justaposição espacial de cheios (massas construídas) e vazios (permeabilidades) que geram campos
de possibilidades e restrições para os indivíduos irem, virem, estarem, enxergarem, escolherem
caminhos, modos de encontro e esquivanças.

Os assentamentos que compõe o universo de estudo são a Favela do Maruim e o Residencial São
Pedro. A Favela, assentamento orgânico, autoconstruído, horizontal, originada em meados da década
de 1920, estava localizada no bairro histórico da Ribeira, nas adjacências do Rio Potengi, do Canto do
Mangue1 e do Porto de Natal. A localização privilegiada fez dela objeto de um conflito fundiário
encabeçado pela Companhia Docas do Rio Grande do Norte (CODERN) (gerenciadora do Porto da
cidade), que sempre desejou a posse da área para uma possível expansão da zona portuária. Em
2013, o conflito teve fim com um contrato assinado entre a Prefeitura Municipal de Natal (PMN) e a
Caixa Econômica Federal (CEF), o objeto desse contrato foi um conjunto habitacional vertical com 25
edifícios de 8 apartamentos, também localizado no bairro da Ribeira, distante 700m (setecentos
metros) do local da favela, que receberia a população reassentada. O conjunto São Pedro2, novo lar da
população do Maruim, teve obras financiadas pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) no
contexto do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) – Faixa 01. A construção foi concluída em

1 Tradicional centro de vendas de pescados da cidade de Natal/RN, localizado entre os bairros da Ribeira e das
Rocas, às margens do Rio Potengi.
2 O conjunto recebeu o nome de São Pedro por se tratar do santo padroeiro dos pescadores, ofício comum entre

antigos moradores da favela.


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2016, ano que também ocorreu a mudança dos moradores e destinação da antiga área da Favela para
a expansão do Porto de Natal.

Partimos do pressuposto de que essa mudança de um assentamento orgânico, horizontal, bottom up,
para outro racional, vertical, top down, com relações entre cheios e vazios diferentes da vivenciada
anteriormente, impactou a “vida de rua”, parte essencial da cotidianidade da favela. Através de uma
pesquisa empírica em outros casos de reassentamento na cidade do Natal/RN, realizada durante a
prática profissional da autora deste trabalho enquanto Arquiteta e Urbanista temporária da PMN, foi
possível perceber que após a mudança para os novos conjuntos, outros modos de uso e relações com
os espaços abertos começavam a emergir, situações que iam de encontro ao que acontecia
anteriormente nas favelas. Chamando atenção o esvaziamento das ruas, a depredação do
equipamento de uso comum e a construção de muros, por visitantes ou pelos próprios moradores, que
passaram a buscar uma apartação entre eles e o espaço aberto do conjunto e da cidade. A partir da
pesquisa empírica surgiu a questão que foi o mote inicial para esta dissertação: se, e até que ponto a
forma do lugar exerce uma pressão para a ocorrência de mudanças espaciais e de modos de uso dos
espaços abertos (ruas locais) nesses casos?

A partir dessa questão, formulamos a hipótese de que a natureza morfológica do conjunto é oposta à
da favela, sendo assim, altera tipos de relações espaciais, da micro à macro escala, que possivelmente
modificam padrões de copresença, uso do lugar e interação entre os diferentes indivíduos no espaço –
moradores locais e estranhos (não locais). O conjunto subverte a lógica autodefensiva e de
proximidade entre os moradores da Favela para um movimento mais similar ao da cidade de maneira
global – onde há maior potencial de encontro entre diferentes. A abertura para a cidade aproxima a
população reassentada do discurso do medo, da reclusão dentro de casa e da criação de muros e
barreiras para o espaço público.

A escolha por estudar especificamente o reassentamento do Maruim aconteceu, primordialmente, pela


relação estreita da autora deste trabalho com o caso, que foi objeto do seu Trabalho Final de
Graduação (TFG) e permeou parte de sua vida profissional enquanto Arquiteta e Urbanista, tendo feito
parte da equipe que atuou no levantamento da população que embasou o processo de reassentamento
– Como Arquiteta e Urbanista da SEHARPE3 - e colaborou em estudos de possíveis projetos
arquitetônicos do novo conjunto – Enquanto Arquiteta e Urbanista autônoma (nesse momento já fora da

3 Secretaria Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos Estruturantes.


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PMN). Além disso, pela possibilidade de estudar e documentar o processo de mudança da população
em uma fase inicial de consolidação.

Na busca de confirmar ou refutar a hipótese de trabalho do nosso caso de estudo, objetivamos de


maneira geral compreender se, e como, a mudança de natureza morfológica dos espaços abertos – do
Orgânico para o Racional4 - está alterando modos de usos e relações com esses espaços
preestabelecidos na favela. Para isso propomos um estudo comparativo de forma e usos da favela e do
conjunto. O estudo comparativo enquanto método da pesquisa científica nos permite entender
regularidades, transformações, possíveis continuidades, semelhanças e diferenças entre os espaços
(SHNEIDER; SCHIMITT, 1998). A comparação de uma mesma população em dois momentos
espaciais permite fazer o paralelo com foco na morfologia, variável não constante nesse caso. Para
isso o estudo foi dividido em algumas etapas que objetivam especificamente:

i. Apreender constâncias e/ou diferenças formais a partir da comparação de propriedades


espaciais de acessibilidade, visibilidade, interface entre espaço público/privado e usos do solo
em cada uma das situações - favela, conjunto planejado, situação atual - verificando o
potencial de cada uma enquanto estruturadora de campos de encontro entre indivíduos,
denominados comunidade virtual (HILLIER et al., 1987);
ii. Entender como se davam/dão os modos de uso e a relação dos moradores com o espaço na
favela e no conjunto na situação real;
iii. Confrontar os resultados das duas vertentes de trabalho, resultados da análise morfológica x
usos do espaço real, na busca de entender a influência da alteração da forma do espaço sobre
possíveis modificações no modo de uso e na relação dos moradores com o espaço.

Com base nisso, o trabalho foi estruturado em introdução e mais quatro capítulos. O primeiro
capítulo, após esta introdução, intitulado “Do Maruim ao São Pedro”, faz uma breve
contextualização do surgimento das favelas, de ações de reassentamento e seus possíveis impactos
na vida da população; em seguida, apresentamos o nosso caso, a questão do conflito fundiário e a

4 Acreditando que não há ação inocente na construção de qualquer tipo de ambiente arquitetônico,
compreendemos que ambos espaços são derivados de ações racionais, no entanto, por se tratar de um trabalho
no qual a forma do espaço é protagonista, devemos ressaltar que entendemos espaços orgânicos como aqueles
construídos pela ação pontual dos usuários ao longo do tempo, resultante em uma forma na qual não existe uma
ordem aparente, composto por traçados não ortogonais com ilhas de cheios que se voltam para a rua, elemento
que, por sua vez, atua como estruturador do sistema; já assentamentos racionais são aqueles derivados de um
planejamento profissional que resultam em planos regulares derivados de uma geometria euclidiana que deixam
a ideia de ordem explícita.
20

mudança para o conjunto; por fim, trazemos alguns números referentes à condição socioeconômica de
parte da população.

O segundo capítulo trata de possibilidades e restrições da forma dos espaços; focamos no


referencial teórico que guia este trabalho, no estudo da Arquitetura como variável independente que
atua na definição de campos de potenciais encontros entre os indivíduos, os quais chamamos de
comunidade virtual (HILLIER et al., 1987); destrinchamos essas possibilidades e restrições: a partir dos
vazios e dos cheios. Após isso, fazemos uma breve apresentação teórica dos objetos espaciais: favela
e conjunto.

O terceiro capítulo apresenta a análise morfológica, explorando potencialidades de encontros entre


indivíduos a partir da análise dos atributos dos vazios – análise sintática do espaço, acessibilidades
“ao caminhar” e “ao olhar” – e dos cheios - estudo morfológico de interface, variação edilícia e usos do
solo - da favela e do conjunto individualmente e em perspectiva comparada.

O quarto capítulo adentra na análise dos usos no espaço real. Nesse ponto analisamos modos de
uso e relações da população com o espaço físico construído reais. Para a análise de modos de uso
reais fizemos observações dos espaços in loco, especificamente, da atividade peatonal e de traços do
ambiente físico destacando recorrências de apropriação/vulnerabilidade; e realizamos entrevistas
semiestruturadas com os moradores como metodologia de suporte às limitações que enfrentamos no
decorrer da pesquisa.

Por fim, fazemos um arremate das duas partes da pesquisa nas considerações finais, que apresenta
resultados da sobreposição de potencialidades dos atributos espaciais e modos de uso reais,
explicitando constâncias e diferenças entre as situações da favela e do conjunto.

Sabemos que ações de reassentamentos são multifacetadas e podem ser estudadas em diversas
escalas, desde a escala da habitação até escalas maiores. A abordagem sobre impactos locais da
modificação dos espaços abertos na vida dos moradores, apresentada neste trabalho, é só um tipo de
abordagem sobre essa questão, poderíamos escolher estudá-la a partir de outra (s) escalas e/ou
através de uma outra ótica. A opção por nos aprofundar na morfologia dos espaços abertos e em seus
efeitos locais sobre modos de uso e relações com o ambiente construído aconteceu por entendemos
que esses espaços tem uma grande importância para o funcionamento da vida cotidiana da população
(principalmente moradores desses lugares), uma força que não deve ser negada ou deixada em
segundo plano em pesquisas da área de Habitação de Interesse Social, ainda que possam existir
outras tão importantes quanto. Esperamos que este trabalho possa contribuir para a evolução da
discussão acerca de características morfológicas de projetos de conjuntos habitacionais entregues a
populações removidas de favela, a fim de minimizar os muitos impactos que a mudança já traz.
21

1
DO MARUIM AO SÃO PEDRO

Desde pelo menos meados do século XX, estudos sobre favelas e provisão de habitação de interesse
social aparecem recorrentemente na literatura. Aspectos sobre contexto de formação, a produção do
espaço e a questão da remoção, assuntos tratados aqui, já foram amplamente discutidos por diversos
autores (VALLADARES, 2005 [1978]; MARICATO, 2000; VILLAÇA, 2001; BONDUKI, 2002;
PASTERNAK, 2008; FERREIRA, 2012). Nessa parte do trabalho faremos uma revisão da literatura,
contextualizando e discutindo nosso caso a partir do panorama histórico e morfológico da formação do
urbano brasileiro e suas desigualdades historicamente existentes que resultam no nosso objeto
principal, a ação do reassentamento.

1.1. Contextualização do Caso de Estudo

As favelas surgem em um contexto de injustiça e descontinuidades sociais, econômicas, culturais. São


objetos espaciais que nascem como expressões naturais, inevitáveis para o equilíbrio de um sistema
urbano marcado pela instabilidade e pela desigualdade (SOBREIRA, 2003). “Representam uma forma
específica (...) não só de substância material, mas, sobretudo, de significado simbólico, como espaço
de sobrevivência” (DEFFNER, 2011, p. 119). É um habitat simplificado ao extremo; a opção para quem
não são dadas opções; uma arquitetura sem arquitetos que monta seu espaço como é possível,
partindo da autoconstrução de um abrigo precário, em terreno ilegal, para posteriormente vê-lo evoluir
para uma complexidade espacial e simbólica (PASTERNAK, 2008).

Essa complexidade espacial tem um desenho definido, com características morfológicas próprias que
difere a Favela de outros assentamentos urbanos, sejam eles legais ou ilegais. A favela se caracteriza
por não seguir o modelo vigente imposto pela urbanização formal do espaço; ocupações fora da
legalidade, de elevada organicidade, estruturadas para favorecer relações espaciais entre os
moradores (LOUREIRO, 2017)5.

5 O termo favela é estigmatizado e evitado por muitos trabalhos acadêmicos, no entanto, escolhemos utilizá-lo
nesta dissertação para referenciar a existência de um objeto morfológico “favela”, explorado por estudos
anteriores tais como Sobreira (2003) e Loureiro (2017). Um tipo de ocupação urbana que possui características
22

Segundo Lícia Valladares (2005 [1978]), a expressão favela começou a ser atribuída a esse tipo de
formação espacial no final do século XIX, quando os combatentes da guerra de Canudos voltaram para
o Rio de Janeiro, e sem muitas oportunidades, se instalaram no Morro da Providência, onde era
possível encontrar uma planta com mesmo nome, espécie com a qual eles tinham tido contato na
Bahia durante as batalhas. O tipo morfológico “favela” é anterior à designação do nome, no entanto,
sua proliferação e consolidação acontece apenas no final do séc. XIX, quando o termo é disseminado e
passa a ser utilizado recorrentemente para esse tipo de ocupação (VALLADARES, 2005 [1978];
SANTOS, 1980).

De acordo com Ermínia Maricato (2000) a explosão desses assentamentos no final do séc. XIX se deu,
principalmente, pela abolição da escravatura e a industrialização nascente no país que consolidou uma
população urbana e aumentou consideravelmente a migração campo / cidade. A falta de infraestrutura
urbana para absorver essa população, aliada aos baixos salários que recebiam e a uma desigualdade
de privilégios arraigada na sociedade brasileira, colaborou para que os mais pobres não tivessem
condições de adquirir um imóvel de forma legalizada, dessa maneira, as favelas funcionavam como
uma espécie de alojamento de escape.

Durante o sec. XX o problema se agravou, condições de trabalho não melhoraram e a proliferação das
favelas no Brasil aumentou “com particular pujança nos núcleos urbanos metropolitanos no período que
vai do começo dos anos de 1930 até o final da década de 1950” (SANTOS,1980, p. 24), com destaque
para a década de 1940 e o surgimento da Lei do Inquilinato6, resposta ao crescimento demográfico da
época, consequência da consolidação industrial do país (MARICATO, 2003).

Em Natal, o processo de proliferação das favelas é acentuado com a chegada das tropas norte-
americanas em 1942. Imigrantes e migrantes atraídos pelo progresso e ofertas de emprego, vêm para
a cidade, aumentando consideravelmente as médias populacionais (ALMEIDA, 2007). Assim como em
outros centros brasileiros, a falta de infraestrutura para receber tal demanda de moradores, acarretou
um agravamento dos problemas urbanos já existentes na cidade, incluindo a falta de moradia e
alojamentos. A ineficiência do poder público em criar algum tipo de assistência para essa população,

espaciais bem definidas (como citamos no corpo do texto - Cap. 1 e Cap. 2), que se assemelham a situação
arquitetônica do Maruim.
6 Promulgado em 1942, o decreto-lei do inquilinato, instituía o congelamento dos valores locativos e
regulamentava as relações entre proprietários e inquilinos, uma medida de grande alcance que provocou
consequências na produção, distribuição e consumo de moradias populares. O congelamento dos aluguéis
reduziu drasticamente o lucro dos investidores. Estes, por sua vez, passaram a investir em venda de imóveis. O
alto valor das vendas, gerou uma escassez de imóveis compatíveis com as rendas dos trabalhadores e agravou
a crise de moradia (BONDUKI, 2002)
23

colaborou para a disseminação das ocupações ilegais em terrenos privados ou da União. Como
confirma Almeida (2005)

A crise social e econômica se estendeu até os anos de 1950, sendo intensificada


pelas diversas secas ocorridas. Em fins dessa década uma outra crise de moradias
eclodiu na cidade, resultando no surgimento das primeiras ocupações irregulares
com casas precárias no espaço urbano, características do que naquele momento já
se denominavam favelas. Percebe-se então, que da mesma forma que na cidade de
São Paulo da década de 1940, as favelas que surgiram na capital norte-rio-
grandense foram frutos de uma crise habitacional. (ALMEIDA, 2005, p. 106).
Deve-se ressaltar que ocupações desse tipo já existiam em Natal antes da data citada pela autora
(estima-se que desde o início do século XX já existissem ocupações consolidadas desse tipo), porém,
elas só passaram a ser reconhecidas e documentadas quando se tornaram problemas mais aparentes
para a cidade e para as autoridades. Como afirma Almeida (2005):

Apesar de existirem anteriormente em Natal, as habitações precárias só passaram a


serem consideradas um “problema urbano” – não somente sanitário –- pelas
autoridades, em meados da década de 1950 e início da década de 1960, quando se
mostraram um empecilho ao projeto de industrialização proposto pela elite política
na época. (ALMEIDA, 2005, p.106)
Em Natal, foram consideradas favelas ocupações irregulares de traçado “espontâneo”, assentamentos
sem planejamento profissional, grupos de habitações que não eram condizentes com padrões de
beleza e higiene da cidade (ALMEIDA, 2007). Locais indesejáveis que não se encaixavam com a ideia
de progresso que permeava o pensamento higienista da época. Representava atraso, remetia à uma
cidade pré-industrial indigesta para ideias higienistas vigentes. Almeida (2005) reproduz um trecho de
matéria da época (alterado por FERREIRA et al., 2003):

A presença desses “indesejáveis” (FERREIRA et al., 2003 apud ALMEIDA, 2005)


também tiveram como efeito o comprometimento da situação de higiene de muitas
localidades da cidade, que se encontravam “(...) tristes e [com] sujas taperas (...)”
(SANEAMENTO..., 1944, p.04 apud ALMEIDA,2005), dentre elas: Rocas, Alecrim,
Morro Branco, Carrasco, Canto do Mangue e Guarita. (ALMEIDA, 2005, p.81).
As primeiras ações intervencionistas em favelas florescem desse pensamento higienizador, no qual,
arquiteturas “bottom up” (sem arquitetos!), estavam fora da ordem aparente, eram patologias urbanas
que precisavam ser eliminadas. Ações de intervenção em favelas passaram a ser comum a partir da
segunda metade do século XX (VALADARES, 2005 [1978]). Neste trabalho, focamos nas ações de
remoção e reassentamento. Segundo Denaldi (2010) o reassentamento implica na transferência da
população para outra área que não a original, essa prática está embasada na produção de novas
residências (apartamentos, habitações evolutivas, lotes urbanizados) destinadas aos moradores
provenientes dos assentamentos ilegais. O objetivo dessa intervenção é estabelecer uma ordem social
e uma cidadania moderna através de um ordenamento físico traduzido em conjuntos de traçado
24

ortogonal e residências padronizadas que pouco se assemelham com a estrutura das ocupações
orgânicas das favelas (CARDOSO, 2007; PASTERNAK, 2008) (Figura 01).

Figura 01: A. Conjunto Singapura São Paulo/SP; B. Conjunto Cidade de Deus Rio de Janeiro/ RJ; C. Conjunto Leningrado
Natal/RN; D. Conjunto Novo Horizonte (ex favela do DETRAN) Natal/RN.

Fonte: A. Website Construbase Engenharia, 2017; B. Website Sala Geo, 2016; C e D. Arcevo da Autora.

Circe Monteiro, pesquisadora da área, afirma em entrevista à RADIS (2013) que apesar das questões
negativas que envolvem a infraestrutura do espaço, a favela tem uma dinâmica muito própria, baseada
em estratégias de sobrevivência que implicam em redes de solidariedade entre moradores. Isso não é
percebido pelos “de fora”. Para ela, os conjuntos projetados para o reassentamento de populações de
favelas não conseguem capturar essa complexa dinâmica socioespacial. São de grande pobreza
conceitual e de espaço, não atendendo o modo de vida dessas populações e seus hábitos de moradia.
Ou seja: agradam “os de fora” mas tendem a lacerar modos de vida preexistentes dos moradores.

Edinéia Alcântara e Circe Monteiro (2010) em pesquisa sobre o reassentamento da favela “Abençoada
por Deus” para um conjunto planejado pelo governo no Recife/PE, concluem que apesar da satisfação
25

da obtenção da casa própria (legalizada), os moradores não ficaram satisfeitos com a falta de opções
de lazer e com o desenho do espaço: “o projeto urbanístico pobre com ruas ortogonais e grandes
corredores que não oferecem condições de reunião e controle e fazem os moradores se sentirem
expostos à entrada de estranhos ao conjunto“ (ALCÂNTARA; MONTEIRO, 2010,p. 6). Essa exposição
mina a liberdade da população, que reclama também do aprisionamento, da falta de liberdade e de
privacidade.

Em Natal, nos últimos anos, houve uma explosão de construções de conjuntos habitacionais verticais
para receber populações reassentadas de favelas, ações impulsionadas pelo financiamento da Faixa
01 do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Essas construções continuam seguindo um
padrão racionalista, em sua maioria, instaladas em áreas segregadas que pouco facilitam a vida dos
moradores.

Em estudo de pós-ocupação de um desses conjuntos, o Vivendas do Planalto, Tinoco, Bentes Sobrinha


e Lima (2016) afirmam que apesar de satisfeitos com a infraestrutura do apartamento, os moradores
ressaltam os problemas de segurança e acesso aos equipamentos e serviços, sobretudo, as frágeis
relações entre a moradia, os espaços exteriores, e as práticas cotidianas como a ausência de lugares
para guardar os animais puxadores de carroça (população com grande número de catadores de lixo em
carroça), falta de lugar para coleta seletiva do lixo, ou para atividades básicas do dia a dia de toda
família como lavar e estender roupas.

Alcântara (2011, p.11) ressalta que situações de privação como essas podem acarretar doenças
psicológicas na população: “Observei um quadro de depressão, doença que os moradores não sabem
que têm. Eles relatam tristeza, isolamento social. Nos conjuntos habitacionais, não há lazer. E quando
tem, não se pergunta como eles querem essa área”.

O traço comum nessas intervenções decididas de cima para baixo, top down, é que na maioria das
vezes o projeto do conjunto ignora solenemente a complexidade de uma vida cotidiana baseada em
relações espaciais preexistentes, ocasionando um desmonte da cotidianidade, que precisa ser
reestruturada no novo assentamento. No entanto, de que maneira essa reestruturação ocorre?
Tentaremos responder essa questão para nosso estudo de caso.

1.2. O Caso do Reassentamento do Maruim

A Favela do Maruim surge e desaparece no contexto de desigualdade, dominação e apreço pela


ordem espacial apresentado nos itens anteriores. Formado à margem sul do Rio Potengi, na localidade
hoje conhecida como Canto do Mangue, nas adjacências da área portuária de Natal/RN, entre os
26

bairros das Rocas e da Ribeira, o Maruim, como é conhecido, tem suas primeiras referências
bibliográficas de existência datadas da década de 1940, apesar de alguns registros já aparecerem
desde a década de 1920 (como indica a placa da fundação da Colônia de Pescadores José Bonifácio,
marco inicial da sua ocupação) (LIMA,2015) (Figura 02). Aparentemente, um grupo de pescadores
vislumbrou no terreno vazio, pertencente à União, a possibilidade de se alojarem próximos ao local de
trabalho, o Rio Potengi. A partir disso começaram a construir suas casas, montando uma vila ribeirinha,
ocupação original da Favela do Maruim (Figura 02). Tinoco, Bentes Sobrinha e Trigueiro (2008)
descrevem, a evolução da apropriação:

O terreno, pertencente ao Patrimônio da União, foi sendo ocupado a princípio por


casas de taipa e palha, em precárias condições físico-ambientais, tendo sido
ignorado seu risco de inundação em função da proximidade com a área de mangue.
Inicialmente os moradores eram predominantemente pescadores humildes vindos
em geral do interior do Estado, que tinham o rio como fonte de sobrevivência a partir
da pesca artesanal. (TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008, p.169).

Figura 02: A. Chegada dos Hidroaviões em Natal na década de 1940, com destaque para o Maruim; B. Detalhe da placa
da Colônia de Pescadores; C. Canto do Mangue em 1944; D. Ocupações da Favela do Maruim na década de 1980

Fonte: A. IFR online, 2011; B. Lima, 2015; C. Blog Potiguartes, 2013; D. PRAC Ribeira, 2008
27

Alguns registros bibliográficos apontam o Maruim como uma das favelas mais antigas de Natal,
juntamente com o Passo da Pátria (também formada à beira do Rio Potengi) (LIMA, 2015). A boa
localização na malha urbana fez dela, durante toda sua existência, parte do trajeto do ir e vir de parte
da sociedade natalense. O movimento local, ocasionado também pela existência do Porto e pela
proximidade com o Canto do Mangue - importante área de comercialização de pescados, e polo
sociocultural da cidade - contribuiu para o Maruim ser parte integrante da paisagem urbana de quem
por ali passava (EMERECIANO, 2007; TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008). Bom por
um lado, ruim por outro; a visibilidade acentuada sempre a deixou em evidência, porém a aparente
desordem espacial aliada a traços de insalubridade contrastavam com anseios sociais gerais que viam
o espaço como patologia, sempre o colocando como alvo de possíveis ações de remoção e despejo.

Dentre todos os conflitos vivenciados pelos moradores do Maruim ao longo do tempo, destacamos aqui
o mais importante: o impasse relativo à questão fundiária com o Porto de Natal. A questão acabou por
acarretar a remoção da população, e se deu principalmente devido aos limites físicos que a Favela
sempre impôs para uma possível ampliação das atividades portuárias (Figura 03).

Figura 03: Linha de limite do bairro da ribeira com apontamentos da localização do Porto e da Favela – Conflito Fundiário

Fonte: SEMURB, 2008 / Editado pela autora.


28

A história do Porto de Natal se entrelaça com a do Maruim. Suas obras, iniciadas em 1922, datam do
mesmo ano do surgimento da colônia de pescadores José Bonifácio, marco inicial da ocupação da
Favela7. De acordo com o próprio Porto (2010):

O projeto inicial do Porto de Natal foi aprovado em 14 de dezembro de 1922, através


de decreto. No entanto, só dez anos depois, em 1932, o decreto de número 21.995,
assinado pelo presidente Getúlio Vargas, à frente do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, cria o Porto de Natal. No dia 21 de outubro
desse mesmo ano o decreto é publicado no Diário Oficial da União, mas a
solenidade oficial só ocorreu em 24 de outubro. A obra foi gerenciada pelo
engenheiro Hildebrando de Góis que na época chefiava a extinta Inspetoria Fiscal
dos Portos, Rios e Canais com sede no Rio de Janeiro. O engenheiro Décio
Fonseca foi o primeiro administrador do Porto de Natal. (PORTO, 2010).
O terminal é administrado pela CODERN desde 1983, uma companhia de economia mista com
atividades atreladas ao Ministério da Pesca e Aquicultura. Sua área de influência abrange todo o
Estado do Rio Grande do Norte, principalmente os municípios de Mossoró, Pau dos Ferros, Areia
Branca, Macau e Ceará-Mirim (TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008).

O Porto de Natal opera em uma área relativamente restrita e, atualmente, de difícil acesso para
grandes veículos (caminhões, carretas, etc.). Distante das bordas do tecido urbano. Próximo à área de
tombamento histórico, o Porto é comprimido pelo próprio desenho da malha. Suas poucas opções de
expansão limitam sua competitividade perante a outros portos maiores da Região Nordeste. Como a
CODERN afirma em entrevista ao jornal Tribuna do Norte:

O Porto de Natal tem competitividade limitada, mas busca alternativas para não ser
“dragado” pelos grandes terminais da região Nordeste. A localização geográfica
privilegiada e a diversidade dos produtos que compõe a pauta de exportações,
sozinhos, não fazem do Porto de Natal um terminal de grande potencial competitivo
frente àqueles localizados nos estados vizinhos – Pecém (Ceará) e Suape
(Pernambuco). A diretoria da Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern)
assegura que o terminal natalense é competitivo, mas reconhece a necessidade de
grandes investimentos para ampliar a capacidade de receber embarcações e atrair
mais cargas, fator imprescindível à implantação de uma linha de cabotagem. (...).
Mas para o Rio Grande do Norte ser interligado aos demais Portos do Brasil, a
CODERN precisa implementar outro projeto audacioso, (...): a ampliação da
retroárea portuária. (TRIBUNA DO NORTE, 2006).
A ampliação da retroárea ficaria dependente da remoção da Favela do Maruim, o único vizinho
adjacente que eles poderiam atacar por não ter a posse da terra. Cerca de 180 famílias que ocupavam

7 De acordo com Teixeira (2015) desde pelo menos meados do século XVIII existiam Portos não oficiais que
faziam da Cidade de Natal um entreposto comercial. Apanhados históricos do autor dão conta que desde o
século XIX existia um cais nas proximidades da Rua Tavares de Lira que atuava, junto com outros pontos
espalhados pelas margens do Rio Potengi, como facilitador para o comércio entre Natal e outros municípios. Em
1922 começa a construção do Porto oficial da cidade, remanescente até os dias atuais.
29

a favela naquela altura precisariam ser removidas para dar espaço à expansão portuária. Fatores
complexos que envolvem uma ação de remoção resultaram nos entraves entre CODERN, PMN e
população do Maruim que duraram longos anos. Os percalços retardaram, mas não frearam a ação da
CODERN em nenhum momento. Em 1997, o Porto fez sua primeira investida documentada na área da
favela. Como descreve Lima (2015):

Em 1997 a CODERN solicitou a regularização da área que ocupava e daquela a


qual tinha interesse, que corresponde também ao espaço ocupado pela
Comunidade do Maruim, à Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU/RN),
sem lograr êxito. (LIMA, 2015, p. 65).
O direito à moradia previsto no Art. 6º Constituição Federal de 1988, aliado ao reconhecimento da área
nas Leis Municipais e a resolução da Lei de Operação Urbana da Ribeira, nº 4.932/97, Art. 8º prevendo
para intervenções em áreas de interesse social, a elaboração de propostas habitacionais aprovadas
pelo Conselho de Habitação Municipal, exaltavam a complexidade social, cultural e histórica da ação, o
que dificultou a investida do Porto e determinou a falta de êxito nesse primeiro momento.

Autoridades do Porto não desistiram diante da negativa, seguiram pressionando o poder público a criar
algum tipo de proposta para a remoção das famílias da área. Diante da pressão, em 2000, surgiu a
primeira resposta do Poder Público Municipal:

No ano 2000, a Secretaria Especial de Meio Ambiente e Urbanismo - SEMURB, por


meio do Setor de Patrimônio Histórico – SPH, desenvolveu o Projeto Ribeira, de
Reabilitação Urbana. Esse projeto englobaria uma série de propostas pontuais para
o bairro, que compreendia diversos subprojetos dentre os quais: Largo do Teatro,
Urbanização da Praça Augusto Severo e Entorno, e Urbanização do Canto do
Mangue, Reassentamento da Favela do Maruim, Projeto de Ampliação do Porto de
Natal e Terminal Turístico de Passageiros. Estes dois últimos foram apresentados
pela Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN (CAVALCANTE e
BORGES, 2004, p.13).
A partir de então, as investidas da CODERN passaram a ser mais efetivas. Em 2005 a Companhia
encabeça uma nova solicitação da área, desta vez à Superintendência do Patrimônio da União em
Brasília-DF com um novo texto:

A ampliação das atividades do porto de Natal necessita da instalação de uma linha


da cabotagem e de linha (s) de longo curso de navios porta contêineres para a
Europa e para a costa leste os Estados Unidos. Para consolidar a linha de
cabotagem é necessária a construção de um armazém com área mínima de 5.000
m2, conforme pleito de armadores, e para viabilizar linha (s) de longo curso precisa-
se de uma área mínima de 10.000 m2, para armazenagem e circulação de, no
mínimo 400 contêineres, requisitos que dão sustentação a este pleito (Carta DP-
337/2005 apud TINOCO; BENTES SOBRINHA; TRIGUEIRO, 2008, p. 182 e 183).
30

Em apoio à CODERN, no ano de 2008, A Prefeitura Municipal através do Plano Municipal de Redução
de Riscos - PMN8 (2008), decreta a ocupação como sendo de risco moderado, principalmente por se
tratar de um local insalubre, com risco de alagamento e invasão da maré, sugerindo que a solução
seria a remoção das famílias da área, e o reassentamento dessas em outro local. Em 2013, o Plano
Local de Habitação de Interesse Social - PLHIS, encomendado pela Prefeitura reitera o parecer:

O terreno ocupado pelo assentamento configura-se como impróprio à sua


consolidação, em virtude de ocupar área de proteção permanente do Rio Potengi e
com isso apresentar vulnerabilidade por inundações e alagamentos. (IDESPLAN,
2013, p.310).
O Porto encontrou nessa conjuntura um cenário propício para convencer o poder público e a população
que a intervenção era necessária, tendo em vista os condicionantes físicos e a situação de
vulnerabilidade social. Em 2009, aconteceu a primeira ação efetiva para a remoção da população da
Favela do Maruim, como podemos verificar em uma matéria de 2009 do jornal Tribuna do Norte,
redigida pela Prefeita da época, Micarla de Souza:

A favela do Maruim tem representado para Natal dois aspectos negativos de uma
mesma realidade: primeiro a de uma comunidade que reúne dezenas de moradias
cujas condições não garantem um mínimo de dignidade aos seus habitantes e,
segundo, por ocupar uma área que impede a expansão do Porto de Natal, e, por
consequência, atrapalha o próprio desenvolvimento da economia local. (...). Agora
essa realidade vai mudar. Assinarei nesta terça-feira (10) em Brasília, junto com o
presidente Lula, um protocolo de cooperação para que as obras da remoção da
Favela do Maruim sejam incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento –
PAC. Esse será um marco na conquista da dignidade dos moradores daquela
comunidade. (SOUSA, 2009)
Vinte e uma das cerca de 180 famílias (na época) foram reassentadas em diversas Áreas de Natal. O
projeto elaborado pela Prefeitura era voltado para a modalidade aquisição: o morador do Maruim
escolhia um imóvel regularizado dentro do perímetro urbano de Natal e a Prefeitura, com auxílio da
verba Federal, adquiria o imóvel em nome do morador. A iniciativa não deu muito certo, se tornou
quase impossível encontrar residências regularizadas pelo baixo valor destinado para aquisição das
casas – cerca de 22 mil reais. Diante da dificuldade, mesmo com dinheiro em caixa, a PMN em nome
da SEHARPE, recuou e, mais uma vez, a questão voltou a ficar sem solução. Até a entrada de
recursos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no processo, em 2013.

O PMCMV foi aprovado através da Medida Provisória nº 459, em março de 2009 como resposta à crise
mundial de 2008. A intenção era dinamizar a economia do país através de investimentos no ramo da
construção civil, fazer o capital girar naquele momento. O plano da primeira fase do programa era

8 Prefeitura Municipal de Natal


31

audacioso, construir um milhão de habitações para a população menos abastada financeiramente,


contemplando dentre elas, famílias com renda entre 0 e 3 salários mínimos, que incluíam entidades de
luta de moradia e população de favelas nunca privilegiadas em um programa Federal deste porte
(FERREIRA, 2012).

O cenário do financiamento de um conjunto pelo PMCMV (Faixa 01) foi a solução para o impasse
fundiário que se arrastava por anos entre o Porto e a população da Favela do Maruim. Em 2013 a PMN
lançou, junto à CEF, uma proposta de operação conjugada entre os recursos que ainda existiam da
ação anterior (dinheiro do PAC) e novos recursos provenientes do PMCMV. A ação teria dois vieses: (i)
o primeiro seria a construção de um condomínio de apartamentos, o Residencial São Pedro, no mesmo
bairro da Ribeira, com obras completamente financiado pelo PMCMV – Faixa 01 – sem ônus para os
moradores (Figura 04); (ii) na área remanescente (onde existia a favela), seriam mantidos os comércios
da borda que formam o Canto do Mangue (30% da área), alegando-se que a remoção total seria um
prejuízo para a cultura e identidade do Bairro da Ribeira e de Natal. Porém, toda a área habitacional
seria removida e destinada para o Porto de Natal (70% da área). Na área remanescente, no Canto do
Mangue, ainda seria construído um centro comunitário destinado à população da favela que trabalha
com o trato de pescados (Figura 05).

Em 2014, começaram as obras do Residencial São Pedro em uma ação que envolveu a PMN (doação
do terreno e fiscalização), a CEF (gerenciador do processo), e uma empresa privada do ramo da
construção civil (responsável pela execução da obra). O condomínio é uma réplica do disseminado
conjunto habitacional moderno verticalizado, similar à maioria do que se produz pelo PMCMV. Conta
com 200 unidades habitacionais, distribuídas em 25 blocos de 4 pavimentos, em um terreno de cerca
de 1ha (área similar à da favela).

É indiscutível que a mudança da favela para o conjunto, dotado de toda infraestrutura de serviços
urbanos, promove uma melhoria nas condições de salubridade no cotidiano da população; todavia, a
mudança espacial também traz um desmonte de algumas situações preestabelecidas que precisarão
ser reestruturadas no conjunto. Situações essas, que no caso do reassentamento do Maruim, não
contaram com a participação popular; as decisões foram tomadas pelo poder público e impostas à
população residente na favela, o que torna o caso ainda mais grave.

Atualmente, a maioria da população encontra-se instalada no conjunto desde julho de 2016, exceto
alguns poucos resistentes na área da antiga favela, atualmente praticamente demolida. A área livre foi
destinada ao Porto, que já deu o funcionamento desejado. No conjunto já é possível notar os primeiros
traços de adaptação da população, no entanto, para a população que passa “pelo lado de fora” ainda
não consegue notar esses traços, fato relacionado a permanência do tapume de obras, barreira que
32

funciona como uma espécie de muro, aparta o conjunto da rua e impede a plena efetivação do partido
arquitetônico pensado para integrar a população da favela ao bairro e à cidade.

Figura 04: A. Vista aérea Maruim; B. Vista do Maruim a partir do Rio; C, F. Ruas da Favela; D. Conjunto São Pedro; E.
Favela sendo demolida; G, H, I. Ruas do Condomínio

Fonte: A. SEMURB, 2006 / Editado pela Autora; B, C, F, G, I. Acervo da Autora; D, G, H. Souza, 2016; E. Website Portal
Fala RN, 2016.
33

Figura 05: A. Divisão da Intervenção; B, C, E. Imagens do Projeto de Urbanização; D. Moradora no Trato de Animais.

Fonte: A. Acervo da autora; B. SEHARPE, 2017; C, E. Portal G1 de notícias, 2017; D. PLHIS Natal, 2013.

1.3. A População Estudada em Números

Este tópico da dissertação apesenta números que traçam um perfil socioeconômico de parte dos
moradores reassentados no conjunto São Pedro. As informações, cedidas pela SEHARPE, são parte
do relatório inicial do Trabalho Técnico Social9 (TTS), ação que deveria estar ocorrendo no pós-
ocupação do conjunto, no entanto, está paralisada devido a entraves burocráticos entre a PMN e CEF.
Com a suspensão do TTS, os dados existentes na secretaria e ofertados a esta pesquisa são

9 O acompanhamento social é obrigatório no pós-ocupação de empreendimentos do PMCMV- Faixa 01. A


normativa foi instituída pela portaria Nº 021/2014 do Ministério Das Cidades.
34

incipientes, fazendo referência apenas a alguns aspectos relacionados com os chefes das famílias em
detrimento de uma ampla visão social da composição familiar. Ainda assim, julgamos interessante
apresentá-los, pois delineiam aspectos da vida cotidiana de adultos que compõem a população
estudada, grupo que encontramos utilizando os espaços abertos de ambos os assentamentos com
maior recorrência (como veremos adiante no cap. 4).

Vale ressaltar que esse panorama foi realizado pouco antes da mudança para o conjunto, quando a
população ainda estava na Favela do Maruim, portanto, não são dados atualizados, podendo ter
ocorrido algumas mudanças nesse meio tempo. Profissão, idade, renda, estado civil, vendas e trocas
de imóveis (ainda que ilegais) que ocorreram após a mudança não foram documentadas pelas
Assistentes Sociais.

Segundo as informações, 173 famílias, provenientes da Favela do Maruim, devem estar reassentadas
no São Pedro. Dentre elas, 127 são chefiadas por mulheres e 46 por homens (figura 06). As mulheres
chefes de família tem uma idade média de 47 anos, assim como os homens.

Figura 06: gráficos dos sexos e idades dos chefes de família.

Fonte: elaborado pela autora com base em dados fornecidos pela SEHARPE.
35

Esses chefes de família descreveram exercer 30 diferentes profissões e/ou ocupações, nas quais se
destacam: aposentado (a) / pensionista, auxiliar de serviços gerais (ASG), autônomo (a),
desempregado (a), do lar (dono (a) de casa), fileteiro (a)10 e pescador (figura 07). Percebemos que as
profissões com maior número de pessoas estão relacionadas e/ou dependem do espaço da casa e/ou
da rua dos assentamentos. Ressaltamos que mulheres tendem ocupar postos que se desenrolam
próximos às residências ou dentro delas, como a ocupação do lar e a de fileteira, diferente das
ocupações masculinas, cuja maioria se desenrola longo do local de moradia (figura 07).

Figura 07: gráficos do número de pessoas por profissão citada e a distribuição por sexo em cada uma delas.

Fonte: elaborado pela autora com base em dados fornecidos pela SEHARPE.

10 Pessoas que trabalham no trato de pescados e frutos do mar.


36

As profissões resultam em uma renda média de R$ 564,18 (quinhentos e sessenta e quatro reais e
dezoito centavos) para os chefes de família. Mulheres, por ocuparem, em sua maioria, postos não
legalizados ou que não recebem remuneração, possuem uma renda média de R$ 488,85 (quatrocentos
e oitenta e oito reais e oitenta e cinco centavos), inferior à média de salários da população do sexo
masculino R$ 772,18 (setecentos e setenta e dois reais e dezoito centavos). Notamos que há uma
concentração de pessoas de ambos os sexos que ganham salários de até R$ 1500 (mil e quinhentos
reais), com algumas exceções (figura 08).

Figura 08: gráficos do número de pessoas em cada faixa de renda e distribuição da renda por sexo.

Fonte: elaborado pela autora com base em dados fornecidos pela SEHARPE.

De maneira geral, é um grupo homogêneo, com perfil coerente com o que exige a normativa da Faixa
01 do PMCMV, faixa que busca atender famílias que ganham até R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais).
Evidenciamos, como dado importante, uma maioria de mulheres chefiando famílias e com profissões /
ocupações que podem ser exercidas próximas às suas residências. Com algumas exceções (como as
empregadas domésticas), resultados apontam que pessoas do sexo feminino desenvolvem atividades
profissionais atreladas ao local de moradia, nas residências e/ou nas ruas do assentamento, achado
que condiz com resultados desta pesquisa apresentados mais adiante.
37

2
POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES
DA F O R M A D O S E S P A Ç O S

Nesta parte do trabalho apresentamos a literatura que utilizamos como base para a construção desta
pesquisa, desde o objeto de estudo, passando pelas questões e dúvidas principais, hipótese, até as
análises finais. Partimos de um referencial teórico guarda-chuva que nos fornece uma ideia central que
enraíza todas as outras. Este aporte principal é o da Teoria da Lógica Social do Espaço (LSE) ou
Sintaxe do Espaço (SE). O pressuposto da referida teoria é o de que a arquitetura, compreendida como
variável independente, causa efeitos e amolda modos de vida ao criar campos de possibilidades e
restrições ao ir, vir, estar, enxergar e encontros dos indivíduos no espaço construído. Neste capítulo
nos aprofundamos nesses campos de possibilidades e restrições, a partir da perspectiva de possíveis
efeitos derivados de características espaciais dos vazios (das permeabilidades), dos cheios (massas
construídas) e das relações entre eles. O ponto inicial é a apresentação da LSE; no segundo momento,
exploraremos atributos espaciais dos cheios e vazios e possíveis implicações destes sobre a presença
ou não de pessoas no espaço. Por fim, contextualizaremos, com base na literatura morfológica, a
favela e o conjunto enquanto objetos espaciais e seus possíveis efeitos na vida das pessoas.

2.1. A Lógica Social do Espaço e as Comunidades Virtuais

A Lógica Social do Espaço (LSE), ou, como popularizou-se, sintaxe do espaço (SE), é uma teoria que
estabelece relações entre espaço e sociedade. Tem início a partir da década de 1970 com trabalhos
dos pesquisadores da UCL11, Hillier, Leaman e colaboradores. A sistematização dos conceitos, das
categorias analíticas básicas e do referencial epistemológico da teoria, foi feita no livro The Social Logic
of Space12, de Bill Hillier e Julienne Hanson, em 1984.

A LSE ou SE nasce em um contexto de crítica ao funcionalismo e à produção científica sem unidade,


subdividida em áreas distintas do conhecimento, vigentes naquele momento. Para Hillier e Hanson
(1984) as teorias produzidas até então na área de estudo da Arquitetura e do Urbanismo, eram mais

11 University College London


12 Em português: A Lógica Social do Espaço
38

normativas que analíticas. Para eles, a indissociável relação entre a morfologia do espaço construído e
a sociedade que o produz e o utiliza era pouco explorada. Para superar essa limitação, propuseram
uma teoria que vislumbrasse além da estética ou da função dos edifícios e cidades, que explicasse a
natureza social do espaço e a natureza espacial da sociedade, como afirmam:

Por mais que possamos preferir discutir arquitetura em termos de estilo visual,
efeitos práticos de maior alcance não estão em absoluto no nível das aparências,
mas no nível do espaço. Ao dar forma e formato ao nosso mundo material,
arquitetura estrutura o espaço em que vivemos e nos movemos. (HILLIER;
HANSON, 1984, p. ix).13
A teoria da LSE parte do pressuposto que o artefato arquitetônico, formado pela justaposição dos
cheios (barreiras, massas construídas) e vazios (permeabilidades), carrega em si informações e
conteúdos sociais que vão além da ordem visível, estão subjacentes a uma estrutura espacial montada
por uma teia de relações entre os lugares que formam o todo. Não existe atitude inocente na
construção de um lugar, por mais desordenado que seja, ele embute alguma lógica social, é construído
para causar certos tipos de efeito, tem um fim, como bem frisa Holanda (2013, p.204): “Busque a lógica
social de qualquer configuração – todas as têm”.

Andamos, enxergamos, paramos e nos encontramos com outras pessoas por dentro da Arquitetura. A
forma do espaço direciona potencialmente escolhas humanas, não de maneira determinística de uma
relação obrigatória de causa/efeito como um dia se pensou - humanos são dotados de livre arbítrio -
mas criando campos potenciais de possibilidades e restrições para as ações humanas no ambiente
físico. Como destaca Hillier et. al. (1987):

[O] layout urbano - cria ou elimina - “vida” no sentido que determina um campo de
possibilidades e restrições a encontros e copresença, que pode ser esparsa ou
densa, previsível ou imprevisível (...). Essas relações são sistemáticas, e são
produtos do desenho espacial. (HILLIER et al., 1987, p. 235).
Cada lugar, enquanto estrutura formal, tem um potencial distinto de gerar e suportar certos tipos de
copresença humana, que podem variar em volume, em predictibilidade de encontros, em maior ou
menor mistura de iguais e/ou diferentes, em localização etc. tudo depende das variáveis espaciais
envolvidas que direcionam potencialmente modos de uso e tipos de comunidades que podem se formar
em cada espaço (HILLIER et al., 1987). Esse campo de encontros prováveis entre indivíduos, produto
direto da forma do espaço é o que chamamos de comunidade virtual, com base em Hillier et al.
(1987) e Hillier (1989):

13 Do original em inglês: However much we may prefer to discuss architecture in terms of visual styles, it most
far-reaching practical effects are not at the levels of appearances at all, but a t the level of space. By giving shape
and form to our material world, architecture structures the systems of space in which we live and move.
39

A forma espacial, infiro, cria campos de encontros prováveis – ainda que nem todos
possíveis – dentro do qual vivemos e nos movemos; levando, ou não à interação
social (...). Procurarei mostrar que tal campo tem uma estrutura definida, assim
como propriedades de densidade e rarefação. Ele, portanto, merece um nome.
Chama-lo-ei de comunidade virtual, querendo dizer que ele existe, ainda que seja
latente e irrealizado. A comunidade virtual é produto direto do desenho espacial.14
(HILLIER, 1989, p.13 tradução por HOLANDA, 2002).
A comunidade virtual está alinhada a questões de compreensão de características morfológicas dos
espaços por pessoas, como elas percepcionam e entendem que podem/devem ou não utilizar um ou
outro lugar. Crucialmente, alguns espaços possuem características morfológicas mais convidativas à
presença de pessoas que outras. Esses atributos espaciais são descritíveis e exploráveis, podendo
estar relacionados aos cheios (massas construídas), aos vazios (permeabilidades), ou a uma
conjunção de fatores entre os dois aspectos.

Segundo Holanda (2002) a comunidade virtual pode ser explorada e entendida apenas através da
análise do desenho espacial, no entanto, para uma maior compreensão, quando possível, é
interessante verificar a concretização desse campo probabilístico de encontro na realidade. A literatura
sintática entende que mesmo espaços com características convidativas a presença de pessoas não
garante a efetivação de uma comunidade e trocas de experiências reais. A ação de interação dos
indivíduos no mundo concreto não depende somente da forma do espaço, mas também da existência
de pessoas vivendo nesses lugares e traços culturais próprios de cada sociedade (HILLIER, [1996]
2007).

Como este trabalho caminha por uma linha morfológica, exploramos, inicialmente, potencialidades dos
atributos espaciais de gerar campos de encontros; esse foi o norte do trabalho. Em um segundo
momento, verificamos a efetivação desse potencial in loco, sempre focando em como os resultados da
análise espacial estavam sendo rebatidos na realidade.

Para a análise espacial, estudamos os vazios através da Análise Sintática do Espaço (ASE),
metodologia desenvolvida por Hillier e Hanson (1984) como suporte à teoria da LSE. Sobre o método,
eles sintetizam: “lemos um espaço e antecipamos um estilo de vida”15. Para “ler” e “calcular” o espaço,
ASE utiliza a matemática para representar os “ocos” através de símbolos e termos operativos que
fazem conexão entre a Arquitetura e potencialidades para a existência de pessoas nos espaços.

14 Do original em inglês: Spatial form, I argue, creates the field of probable – though not all possible – encounter
and co-presence within which we live and move; and whether or not it leads to social interaction (…). I will try to
show that this field has a definite structure, as well as properties of density or sparsity. It therefore deserves a
name. I will call it virtual community, meaning that it exists even though it is latent and unrealized. The virtual
community is product of spatial design.
15 Do original em inglês: We read space, and anticipate a lifestyle.
40

Especificamente, calcula o potencial de cada espaço a partir de uma visão sistêmica das relações das
permeabilidades, tendo atenção a todos os espaços que compõe o sistema estudado.

Como a ASE não dá lastro para análise dos cheios, utilizamos outros referenciais teóricos-
metodológicos, retirados de trabalhos como Jacobs (1961), Holanda (2002) e Tenório (2012) que fazem
referência a influência da forma das massas construídas sobre os usos do espaço. Devemos ressaltar
que todos esses referenciais metodológicos que vão além da ASE estão alinhados a LSE (figura 09)

Figura 09: Esquema sobre o Referencial Teórico da Análise Espacial do Trabalho

Fonte: Elaborado pela Autora

2.2. Possibilidades e Restrições: a partir dos vazios (permeabilidades)

Estudos arquitetônicos são tradicionalmente voltados para a análise dos cheios. Estudamos estilo, a
composição dos elementos, as intenções estéticas etc. O estudo dos espaços vazios – as
permeabilidades que articulam e/ou resultam dos cheios – está recorrentemente em segundo plano
(isso, quando é lembrado!). Uma contradição em si, pois é no vazio, no “oco”, que a vida humana
acontece, por onde nos locomovemos, interagimos, olhamos para o mundo. Estudar só uma das faces
da moeda é uma espécie de negação à própria arquitetura como aspecto inerente à vida cotidiana.
41

Apesar de ser uma teoria sobre espaço e sociedade de maneira geral, a maior contribuição da LSE é
no estudo dos vazios ao criar a análise sintática do espaço. A ASE foca nos lugares que a vida
cotidiana se desenrola. A metodologia parte do pressuposto teórico que qualquer ato humano, seja o
de simplesmente caminhar, atravessar uma rua ou um encontro casual entre pessoas está atrelado a
dois aspectos: (i) uma geometria espacial de atos humanos representada por abstrações
espaciais derivadas do espaço real; (ii) a relação que essas abstrações espaciais (que
representam o espaço real) estabelecem entre si.

Pessoas tendem a caminhar em “linhas”, em eixos, se agrupar ou permanecer em “rodinhas”, em


espaços convexos, possuem um campo visual dependente do local em que estejam, como afirmam
Hillier e Vaughan (2007) (Figura 10):

“mover-se através do espaço, interagir com outras pessoas ou apenas ver o espaço
de um ponto dentro dele, tudo tem uma geometria espacial natural e necessária: o
movimento é essencialmente linear, interações requerem um espaço convexo no
qual de todos os pontos possa se enxergar todos os outros, e de qualquer ponto do
espaço temos uma campo visual variado, muitas vezes espetado, campo visual que
podemos chamar de isovista (BENEDICKT, 1979)16.17 (HILLIER; VAUGHAN, 2007,
p.03).

Figura 10: abstração do espaço para a sintaxe.

Fonte: HILLIER; VAUGHAN, 2007, alterado pela autora.

No entanto, essas abstrações são apenas um ponto de partida, a “significação não se deposita no
elemento solitário ou no fato, mas sim nas relações que estabelece” (LIMA, 1971, p. 81 apud
MEDEIROS, 2013). Lugares são fundamentalmente produtos da sua localização no sistema espacial

16 O conceito de isovistas, derivado da matemática, foi aplicado pela primeira vez em formas espaciais por
Benedikt (1979); faz referência ao conjunto de todos os pontos visíveis a partir de um determinado ponto no
espaço (BENEDIKT, 1979)
17 Do original em inglês: moving through space, interacting with other people in space, or even just seeing space

from a point in it, all have a natural and necessary spatial geometry: movement is essentially linear, interaction
requires a convex space in which all points can see all others, and from any point in space we see a variably
shaped, often spiky, visual field we call an isovist (Benedikt 1979).
42

como um todo e de dinâmicas globais, mais que de dinâmicas locais pontuais (HILLIER, 2007). São
resultado de uma configuração espacial, como explica Hanson (1998):

Relações espaciais existem onde há qualquer tipo de conexão entre dois espaços.
Configuração existe quando a relação existente entre dois espaços é mudada à
medida que relacionamos eles a um terceiro, ou de fato a qualquer número de
espaços. Descrições configuracionais antes de tudo estão de acordo com o modo
que cada sistema de espaços se relacionam de maneira a formar padrões, em vez
de propriedades mais localizadas. (HANSON, 1998, p. 23).
A ASE aposta mais na topologia18 que na geometria dos lugares, utilizando a teoria dos grafos19 para
revelar aspectos subjacentes às estruturas espaciais. O grafo é uma simplificação matemática na qual
os “ocos”, os vazios, independentemente de espaços convexos ou eixos lineares são traduzidos
através de nós, representados por “bolotas”, enquanto as ligações entre eles são as arestas que unem
as bolotas (figura 11). O grafo apreende a estrutura física de maneira global e local, com atenção a
localização de cada ponto do sistema, capturando regras de combinação, cujo significado nos permite
determinar alguns aspectos do funcionamento arquitetônico que outras abordagens pouco exploram ou
não são tão eficientes em explorar como: hierarquia, controle, profundidade, continuidade ou
descontinuidade, contiguidade e separação, distância e proximidade, integração e segregação etc.
Aspectos que causam impacto sobre tipos de encontros entre indivíduos nos espaços (MEDEIROS,
2012).

Na figura 11 é possível notar que a configuração espacial de um sistema com dimensões


correspondentes é completamente modificada mediante pequenas alterações nas massas construídas
(cheios). Sutis modificações que influenciam na acessibilidade “ao caminhar”, ou seja, nas
possibilidades de locomoção e, consequentemente, de encontros entre indivíduos no espaço.
Pensemos ser um usuário hipotético saindo do espaço B3 com intenção de chegar no espaço C3: (i) no
caso da figura 11.1, para irmos de B3 a C3 teremos que percorrer um maior número de espaços; estes,
por sua vez, estão sempre controlados por um espaço imediatamente anterior. Se imaginarmos portas
na abertura entre os espaços, ao fecharmos uma delas todos os espaços seguintes ficarão restritos a
pessoas que tenham o código, a chave para adentrar tal passagem (geralmente, os moradores). É uma
configuração espacial de um sistema mais profundo, hierarquizado, assimétrico e segregado com um
maior controle sobre encontros randômicos entre iguais e/ou diferentes; (ii) na situação da figura 11.2 é
possível notar que com a mudança das aberturas o sistema profundo e hierarquizado da figura 11.1,
ficou mais raso, menos hierarquizado, mais integrado; a distância entre B3 E C3 diminuiu, ficando a

18 Topologia: Através de relações entre as partes


19 Criada pelo Matemático Leonard Euller em 1976
43

uma mudança de direção um do outro, no entanto, ainda temos um sistema controlado (por todos os
“B”); esse tipo de estratégia é amplamente utilizada em sistemas que precisam de espaços com alto
controle e alta acessibilidade visual (como veremos adiante), como no caso de hospitais e presídios;
(iii) na terceira configuração da (figura 11.3) a distância topológica20 entre B3 e C3 aumenta em relação
à figura 11.2; no entanto, ainda é menor que a da 11.1. O espaço C3 continua controlado, todavia,
existem outros espaços mais acessíveis no sistema, deixando-o mais integrado, com mais alta
acessibilidade, se comparado com a figura 11.1.

Humanos tendem a escolher sempre rotas mais fáceis em oposição aquelas labirínticas; seus cérebros
só conseguem processar até um certo grau de complexidade (HAMMER, 1999). Percebendo que existe
esse uso intuitivo do espaço pelas pessoas, Hillier et al. (1993), criaram o conceito de movimento
natural, no qual afirmam que a configuração da malha urbana é o gerador primário de movimento de
pessoas e a proporção desse movimento está diretamente relacionada com a posição de cada nó (para
espaços convexos ou eixos de movimento) no sistema. Nós bem integrados ao todo, são mais
acessíveis, rasos e potencialmente mais atravessados; enquanto espaços mais segregados, mais
profundos tendem a ter seu movimento reduzido.

Existem mudanças substanciais na profundidade média de linhas a partir de todas


as outras, e são essas diferenças que governam a influência da malha no
movimento no sistema: em linhas gerais, quanto menor a profundidade para todas
as outras linhas, mais movimento, quanto maior a profundidade, menos. (HILLIER,
2007, p.119) .

20Distância topológica faz referência a quantidade de passos topológicos (ou sintáticos) entre dois pontos, os
passos, por sua vez, estão relacionados com mudanças de nível e direção no grafo de acesso.
44

Figura 11: demonstração da aplicação dos grafos no espaço

Fonte: Instituto Técnico de Lisboa, 1998, p. 23 – Alterado pela Autora.

O mesmo raciocínio é aplicado para o estudo de campos visuais. Barreiras “ao olhar” delimitam a
permeabilidade visual dos vazios (figura 12). Utilizando o mesmo sistema espacial do exemplo anterior
(figura 11) pensemos no nosso campo visual como usuário hipotético parado no espaço B2: (i) na
situação da figura 12.1, percebemos que o controle do acesso “ao caminhar” gerado pela configuração
se reflete na acessibilidade visual; quando parado no espaço B2, o usuário só tem a possibilidade de
visualizar um espaço, o B3; (ii) na figura 12.2 percebemos que a medida que “abrimos vãos” no sistema
45

a configuração se altera, deixando o sistema mais raso com um maior campo visual; (iii) já na figura
12.3, o campo de visão diminui se comparado a 12.2, mas é maior que o sistema profundo e segregado
da 12.1.

Características do sistema espacial como profundidade, contiguidade, hierarquia alteram o alcance


visual humano, este, por sua vez, está intimamente atrelado à escolha de rotas, de caminhos menos
complexos, movimento de pedestres e, consequentemente, encontros entre indivíduos nos espaços
abertos (DESYLLAS; DUXBURY, 2004; VAROUDIS; PENN, 2015).

Figura 12: demonstração do alcance e acessibilidade visual.

Fonte: Instituto Técnico de Lisboa

Sendo assim, a configuração da malha urbana é um mecanismo de gerar contatos e movimento, atrair
e promover usos diversificados ao configurar campos prováveis de encontro e copresença no espaço.
46

No entanto, apesar de seu “poder”, outros elementos devem ser levados em consideração enquanto
atratores de pessoas: os magnetos. Segundo Hillier et al.:

O padrão de movimento de pedestre de uma área é determinado em primeira


instancia pelo padrão de “integração”, e na geral densidade de movimento de
pedestre pelo grau de integração da área. Isso significa que densidades de
movimento em espaços urbanos são determinadas principalmente pela relação do
layout como um todo, e só secundariamente por propriedades locais do espaço, ou
localizações de equipamentos ou magnetos.21 (HILLIER et al., 1987, p.235).
Atratores por natureza, os magnetos são locais que mesmo não muito bem localizados na malha
urbana, atraem o movimento. São espaços necessários para o desenrolar da vida cotidiana humana
como hospitais, aeroportos, rodoviárias; ou ainda locais simbólicos como igrejas, pontos turísticos, ou
até mesmo o mar (MEDEIROS, 2013; DONEGAN, 2016).

É possível afirmar que com base na literatura sintática, que a força da acessibilidade da malha e/ou a
presença de magnetos são características espaciais que potencialmente atraem presença de pessoas
para determinados locais em que esses atributos atuam com mais força. Esse movimento de pessoas
atrai potenciais animações e vitalidades (HILLIER, 2007), questões que também estão relacionadas
com questões de segurança tanto para pessoas, quanto para a estrutura física do espaço. Segundo
Hillier (2007) e Sahbaz e Hillier (2008), na realidade europeia, espaços que são mais conectados e
mais integrados ao todo, onde passam mais pessoas, tendem a ter uma ocorrência de roubos menores
que aqueles mais segregados. Em contraponto, ao estudar a realidade brasileira a partir da situação da
violência no bairro de Boa Viagem em Recife, Monteiro e Iancinelli (2009) verificam que ações de
roubos e furtos rápidos estão relacionadas a espaços mais integrados com a presença de comércios,
ou aparente magnetos como bancos, por onde passam um maior número de indivíduos e ladrões tem
mais oportunidades.

De uma maneira ou de outra, notamos que a forma do espaço tem relações com questões de presença
de pessoa no espaço público, vitalidade urbana e segurança. Como essas características espaciais são
aproveitadas, seja para o bem ou para o mal, são questões que vão além da morfologia do local.

21Do original em inglês: The pattern of pedestrian movement in a urban area is determined in the first instance by
the pattern of “integration”, and the overall density of pedestrian movement by the overall degree of integration of
the area. This means that density of movement in urban spaces are determined in the main by the relation of
spaces to the layout as a whole, and only secondarily by the local properties of the space, or locations of
facilities or “magnets”.
47

A partir do exposto, elaboramos um esquema sobre possibilidades e restrições dos vazios, chamando
atenção para os aspectos que possuem alguma influência sobre a presença de pessoas no espaço
(figura 13):

Figura 13: Esquema sobre possibilidades e restrições com relação à configuração dos vazios

Fonte: Elaborado pela Autora

Além da configuração de espaços abertos da cidade (em maior grau), associada a presença de
magnetos (em menor grau) e outros fatores relacionados aos cheios (as barreiras, massas construídas)
também estão vinculados a encontros de pessoas no espaço. A apresentação dessas características
morfológicas das massas construídas e das relações que elas estabelecem com os vazios que
contribuem para a o uso do espaço pelas pessoas serão exploradas no próximo tópico.

2.3. Possibilidades e Restrições: a partir dos cheios (barreiras)

A cidade física é uma grande coleção de edifícios (massas construídas) conectados por espaços vazios
que dão suporte as atividades humanas (HILLIER; VAUGHAN, 2007). Os dois componentes espaciais,
cheios (barreiras) e vazios (permeabilidades) convivem em uma relação dialética e exercem efeitos
sobre uma complexa rede de atividades humanas.

Desde pelo menos a primeira metade do século XX estudiosos da área de planejamento urbano
discutem efeitos da morfologia dos cheios sobre a existência de uma possível vida nos espaços
48

públicos das cidades. Discussão levantada, principalmente, pelas implicações da morfologia


modernista que rompeu com a forma da cidade tradicional, para implantar uma simetria espacial que foi
aparentemente incapaz de capturar a complexidade e a funcionalidade dos antigos padrões espaciais,
baseados na rua e na “vida de rua”.

Estudiosos como Jacobs (1961), Lynch (1960), Alexander (1965), Hillier e Hanson (1989) criticaram
duramente esses efeitos. Jacobs (1961), uma das pioneiras na crítica dos resultados negativos dos
padrões espaciais decorrentes do movimento moderno, sugeriu, a partir de sua realidade norte
americana, que algumas características das massas construídas poderiam promover um maior uso dos
espaços públicos. Dentre alguns atributos morfológicos providenciais apontados pela autora para a
apropriação das cidades, presença de pessoas na rua e consequente vitalidade urbana, destacamos 22:

i. “Olhos para a rua”: edifícios não podem ter os fundos ou fachadas cegas voltados para a rua,
ao contrário, portas e janelas devem se abrir para o espaço público garantindo uma vigilância
natural para quem transita no espaço público;
ii. Usos principais combinados: unir no mesmo lugar usos que por si só sejam atratores de
pessoas - residências, escritórios, fábricas, locais para lazer - de modo a estimular a presença
de pessoas no espaço público em diferentes horários do dia;
iii. Necessidade de quadras curtas: para se ter mais possibilidade nas escolhas de diferentes
combinações de rotas e encontros randômicos entre os indivíduos;
iv. Combinação de tipos distintos de edifícios: combinar o velho e o novo e diferentes
gabaritos, de modo que os edifícios possam abrigar diferentes funções e atrair maior
diversidade visual (em contraponto a monotonia moderna) e de pessoas para o local;
v. Concentração de atividades: um maior número de atividades em um mesmo local aumentaria
o grau de uso e diversidade de pessoas no espaço público, promovendo uma maior vigilância
natural.

Em oposição ao pensamento de Jane Jacobs (1961), Newman (1972), também norte americano, em
sua teoria da territorialidade baseada na premissa que o espaço, entendido como uma hierarquia de
domínios espaciais, tem a capacidade de estimular tipos particulares de comportamento, defende a

22Evidenciamos que essas características da forma espacial têm outras implicações sobre questões de
ventilação, acústica, sombreamento etc. Como este trabalho se atém a questão dos efeitos da morfologia sobre
padrões de encontro e presença de pessoas nos espaços abertos, outras questões arquitetônicas, apesar de
importantes, são colocadas em segundo plano em alguns momentos (como a questão do sombreamento), ou até
mesmo não aparecem. Tal decisão foi necessária para não desviar o foco da dissertação que é a análise
morfológica baseada no referencial teórico da LSE (como podemos ver no corpo do texto).
49

necessidade de uma delimitação rígida entre territórios, os domínios espaciais, de modo que sempre
alguém possa controlar a presença das outras pessoas. Segundo o autor, quando não há essa clara
delimitação o espaço se torna impessoal e anônimo, ainda vulnerável para ações de negligência e
vandalismo. Em relação à morfologia de espaços residenciais, Newman (1972) argumenta que devem
ser concebidos enquanto espaços defensáveis, de maneira que o habitante possa controlar o domínio
espacial, estando sempre em situação de vigilância permanente de modo a se sentir protegido com
relação à presença de estranhos potencialmente ameaçadores. Para isso é necessário recorrer às
barreiras físicas ou simbólicas e à monofuncionalidade desses espaços.

Hillier e Hanson (1987) e Hillier (2007 [1996]) defendem que aportes generalizados que guiam o design
como o do “espaço defensável” de Newman (1972) nunca - ou quase nunca – obtém sucesso na
performance social, em gerar comunidades interativas e vivas. Aparentemente, para os autores, esse
tipo de organização espacial pode funcionar como um instrumento para dividir e alienar. Laços
comunitários resultam de relações de vizinhança, de proximidade e compartilhamento dos espaços
públicos comuns, não necessariamente de uma estrutura física hierarquizada com limites definidos.
Hillier (1987; 1988; 2007 [1996]) acredita que o sucesso de uma vida pública esteja intimamente ligado
com algumas características espaciais como: acessibilidade espacial, permeabilidade, forte interface
entre os domínios público e privado, inteligibilidade e diversidade de usos.

Hanson (2000) ao estudar transformações em conjuntos habitacionais em Londres no séc. XX, afirma
que o modelo do modernismo rompeu a interface física entre domínios espaciais e consequentemente,
a interface social entre moradores e visitantes, desencorajando os encontros randômicos entre
diferentes. Encontros esses, que a autora acredita manter a segurança e evitar ações de abandono do
espaço público.

Heitor (2001) após estudar a vulnerabilidade dos espaços públicos do bairro de Chelas em Lisboa –
Portugal, defende que a ausência de pessoas no espaço público está relacionada com ações de
transgressões e negligências, esses aspectos são desencadeados principalmente pela ausência de
controle social e vigilância natural, fatores que são fomentados pelas condições de acessibilidade,
visibilidade dos espaços de uso coletivos e de comunicabilidade entre interior e exterior das
edificações.

Holanda (2002), corroborando Hillier e Hanson (1984), argumenta que a falta de diversidade implica em
um espaço público pobremente utilizado. Em busca de entender o uso potencial do espaço, o autor
seleciona alguns atributos espaciais que aparentemente são responsáveis por promover ou restringir
potenciais encontros entre os indivíduos nos espaços abertos das cidades. Dentre essas
características da forma do espaço trabalhadas por Holanda (2002), destacamos:
50

i. A variedade de rótulos23: a mistura de tipos de usos no local;


ii. A densidade de rótulos: maior ou menor concentração de pessoas em uma área tem grande
influência sobre modos de utilização do espaço público;
iii. Relação entre rótulos e padrões espaciais: a relação entre os usos dos edifícios e
características morfológicas das permeabilidades em que estão localizados, uma combinação
de aspectos dos cheios e vazios;

Alinhando-se com o pensamento de Jacobs (1961) e Holanda (2002), Tenório (2012) em sua Tese de
Doutorado que apresenta um mapeamento da vida pública em Brasília, elenca alguns fatores
estimulantes para a existência de vida no espaço público: fachadas ativas com edificações que “olham”
para a rua, espaços vazios claramente definidos pelos cheios em oposição à edifícios soltos na
paisagem (outra característica do modernismo), presença de habitações, fronteiras suaves entre
interior e exterior das edificações (sem muitas mudanças de nível); infraestrutura e conforto ambiental.

Em estudo sobre o uso do espaço público no Rio de Janeiro Netto; Vargas e Saboya (2012) identificam
que existe uma forte correlação entre espaços utilizados, configuração espacial e características dos
cheios. Espaços mais acessíveis na malha urbana, com densidade e variedade de “rótulos” e forte
interface entre domínio público e privado tendem a atrair mais pessoas.

Com relação ao estudo de interfaces, Valéria Ferraz (2008) em sua dissertação de mestrado
“Mapeando Esquisitices” na Ribeira, em Natal/RN verificou que espaços de fraca interface (entre os
domínios público e privado) e com alta quantidade de espaços cegos provocou sentimento de
vulnerabilidade das pessoas.

Segundo Netto e Jevez (2009) qualidades espaciais que estimulem a vigilância natural e intensifiquem
o movimento pacífico de pedestres podem deixar espaços públicos mais seguros e aprazíveis para
caminhar. Para os autores, muros altos que quebram a interface entro os domínios público/privado,
pouca variedade e densidade de usos podem atrair mais ações antissociais, principalmente em áreas
residenciais.

Lia Tavares (2012) em estudo que correlacionou aspectos morfológicos com a existência de crimes no
bairro de Manaíra em João Pessoa/PB, encontrou que essas ações antissociais estão em grande parte
atrelados à presença de muros cegos altos ou médios que ajudam a desertificar áreas residenciais; e a

23Holanda denomina de rótulo, para transmitir uma ideia que vai além do uso convencional. O rótulo não está
veiculado somente à atividade, mas a categorias de pessoas que as realizam.
51

passagem de um maior número de pessoas que fizeram/farão ações que envolvam dinheiro, no caso
de áreas comerciais, questão que estudo de Monteiro e Iancinelli (2009) também pontuou.

Pelo exposto, é possível notar que a formação de comunidades virtuais não depende somente da
configuração dos vazios; é um fenômeno espacial dependente de aspectos que vão da micro à macro
escala morfológica, como pontua Palaiologou; Griffiths e Vaughan (2016). A devida atenção deve ser
dada em igual tamanho tanto para os cheios, quanto para os vazios, ressaltando que o potencial para
promover encontros é maior quando há uma coesão entre as duas variáveis espaciais.

A partir da revisão da literatura sobre possibilidades e restrições à vida no espaço aberto a partir dos
cheios, apresentamos alguns aspectos que acreditamos ser de maior importância para nossa
investigação no esquema da figura 14:

Figura 14: Esquema sobre possibilidades e restrições dos cheios

Fonte: Elaborado pela Autora

2.4. Objeto Espacial: Favela e Conjunto

Segundo Medeiros (2013) cidades crescem com dois processos atuando paralelamente: o da
organicidade e da formalidade. A cidade formal é aquela resultante da justaposição de componentes
formais predefinidos por um guia, no caso das nossas cidades, a legislação urbana vigente; a cidade
orgânica, cresce à margem da lei, sem seguir o modelo imposto pela acepção formal do espaço. Todas
as cidades têm ambas características em diferentes níveis. As cidades brasileiras, de modo geral,
52

possuem um tecido particularmente fragmentado sem coesão entre as partes, um tipo de “colcha de
retalhos”, resultante, principalmente, de ações, sejam elas orgânicas ou racionais, pensadas na
pequena escala com poucas conexões globais (MEDEIROS, 2013). A cidade é pensada localmente e a
acepção do todo é perdida, desfavorecendo a integração do sistema como um todo.

Essa falta de coesão com o tecido urbano do seu entorno é perceptível na estrutura morfológica dos
dois objetos que estudamos uma vez que é, aparentemente, uma recorrência morfológica de favelas e
de conjuntos habitacionais, principalmente, quando cercados por muros e/ou barreiras que os apartem
do espaço público da cidade. Neste tópico nos debruçamos sobre a literatura que explora a forma dos
objetos espaciais que compõem nosso caso de estudo. A intenção é apresentar constâncias formais
dos artefatos físicos apontados e seus possíveis efeitos sobre os modos de uso da população
residente. Apresentaremos primeiro estudos sobre favelas, depois sobre conjuntos.

A Favela

A favela é um fenômeno complexo a ser considerado dentro da informalidade urbana; é um objeto


espacial, cujas características orgânicas são resultantes de um processo de auto-organização. Estudos
sobre o objeto espacial favela, como os de Sobreira (2003) e Loureiro (2017), defendem que esse tipo
de assentamento possui um padrão morfológico definido que se repete constantemente,
independentemente do local em que esteja implantado. Um tipo de agregação não randômica,
construída por ações pontuais dos habitantes, que segue uma lógica primordial: a de dar suporte à vida
cotidiana de seus moradores.

Segundo Loureiro (2017) a favela busca organizar-se dentro da malha da cidade que a recebe; é um
sistema espacial cujo desenvolvimento e consolidação sobre o território urbano se dá a partir de
processos de contingenciamento e restrição do crescimento. Consoante com Loureiro (2017), Sobreira
(2003), afirma que a maioria das favelas tende a se desenvolver em função de restrições físicas que o
próprio espaço urbano impõe, sejam elas barreiras naturais (rios, mangues, lagos, mares, a topografia
etc) ou artificiais (portos, rodovias, ferrovias etc).

No Brasil é comum encontrarmos favelas à beira de rios, mares, ferrovias e rodovias, o que tem um
certo sentido espacial: as faixas não edificantes de domínio, propriedade da união, configuram áreas
livres, na maioria das vezes com um baixo nível de fiscalização por parte do poder público que as
deixam suscetíveis a serem ocupadas por pessoas que legalmente não têm como adquirir ou locar no
mercado formal de terra urbana, um imóvel.

Sobreira (2003) afirma que esse “sufocamento” causado pelas barreiras artificiais ou naturais força o
crescimento por adensamento das favelas, em oposição ao crescimento por dispersão das cidades.
53

Sua geometria é compacta, fragmentada e labiríntica (característica comum de formações orgânicas), a


rua é um ponto de confluência, elemento estruturador de ilhas de edifícios que se voltam para fora
constituindo uma relação direta com os espaços abertos, estruturando uma forte permeabilidade entre
os domínios público e privado.

O tamanho das ilhas varia de acordo com o local de implantação da favela, mas, na maioria das vezes,
são pensadas de modo a otimizar a ocupação interna local. Favelas localizadas em áreas centrais
tendem a ser mais densas, por não terem área para espraiar seus domínios, diferentemente daquelas
que crescem em áreas mais livres nos subúrbios e áreas de expansão das cidades (LOUREIRO,
2017).

Ed Parham (2012), em seu estudo sobre estruturas sintáticas de assentamentos informais, incluindo
favelas em Agra (Índia) e Jeddah (Arábia Saudita), descobriu, através de medidas de acessibilidade
(como veremos mais adiante), que essas formações funcionam aparentemente como estruturas
independentes da malha que as envolve, estão espacialmente segregadas da cidade do “lado de fora”.

Loureiro (2017) concorda com Parham (2012) quanto ao funcionamento independente da cidade desse
tipo de assentamento, no entanto, afirma que a favela não é totalmente segregada da cidade.
Enquanto cresce e se articula “para dentro”, formando ilhas e guetos com hierarquias bem definidas
que caracterizam um comportamento endógeno; esses objetos espaciais também se articulam com a
malha urbana do entorno, apresentando um comportamento exógeno.

Magalhães (1997), em seu estudo sobre favelas no Rio de Janeiro, afirma que esses assentamentos se
organizam espacialmente de modo a formar um tipo de Marginal Integration (Integração Marginal), em
que as vias das bordas são mais acessíveis à malha da cidade que o núcleo do sistema espacial,
formando um tipo de enclave articulado com a cidade.

Loureiro (2017) e Sobreira (2003) destacam que essa apartação espacial entre o “lado de dentro”,
favela, e o “lado de fora”, cidade, funciona como mecanismo de proteção da população moradora
desses assentamentos informais. A integração marginal, promove um maior controle do espaço interno
para os moradores e tende a repelir o usuário externo de adentrar para além das bordas desses
assentamentos, por entender que existe uma clara hierarquia de domínios.

Greene (2003) em estudo sobre esse tipo de assentamento orgânico no Chile, escreve que essa
integração marginal com a cidade é responsável por formar um tipo de economia de borda para esses
assentamentos. Essa economia de borda é caracterizada por comércios maiores – que abrigam lojas
que servem todos da cidade - nos limites do assentamento e comércios locais - para suporte da vida
54

cotidiana dos moradores - na parte interna das favelas. O que garante, até certo ponto, que estranhos
não precisem adentrar no assentamento em busca de algum serviço.

Holanda (2002) em estudo sobre a Vila Paranoá, antiga favela de Brasília, hoje demolida, destaca a
intensa relação dos edifícios com a rua, que funciona como elemento estruturador e ponto de
confluência para o encontro de habitantes. Sobre a importância da rua, Monteiro (1997) ressalta que o
diminuto tamanho das casas das favelas, aliado a proximidade entre elas contribui para o uso do
espaço aberto e para a existência de solidariedades entre a população, como se a rua funcionasse
como extensão de suas casas.

Em geral, podemos perceber que a configuração espacial da favela atua restringindo, mas também
facilitando tipos de encontros entre os indivíduos. O espaço estruturado em enclave, por si só, monta
uma barreira para encontros randômicos entre visitantes e moradores que, até certo ponto, funciona
como um mecanismo de proteção contra “os do lado de fora”. No entanto, a estrutura viária
hierarquizada do interior aliada a atributos como forte relação entre os domínios público/privado e a
diversidade de usos facilita o encontro e troca de experiências entre os moradores.

O Conjunto

Os conjuntos habitacionais verticais, foram amplamente disseminados no século XX. Planejadores,


conscientemente ou não, influenciados por ideias modernas, passaram a criar espaços habitacionais
baseados na ideia racional de ordem24. Segundo Hanson (1989) planejamos esses tipos de
assentamentos, pois tendemos a usar conceitos de ordem para organizar qualquer plano. Nossa
formação ordenadora e racional não consegue transferir para o papel as lógicas que existem por trás
do espaço orgânico. Por esse motivo, acabamos utilizando noções de semelhança, repetição,
hierarquia, grelha, ritmo, simetria e “harmonia”, pois são conceitos que falam direto com o observador
sem mediação. São lógicas mais fáceis de apreender, de passar uma mensagem, além de serem uma
solução rápida para a urbanização de espaços aparentemente desordenados.

Hillier (1988), em crítica a esse tipo de conjunto, ressalta a repetição e homogeneidade espacial,
prevalecendo o interesse de construir espaços condenados a uma uniformização e coletivização
alienante, causando efeitos indesejáveis, principalmente, quanto à possibilidade limitada de uso dos

24Destacamos que ideia de ordem geométrica permeia a acepção da Arquitetura desde os tempos mais antigos,
de Vitruvius a Alberti e Le Corbusier vemos a fundamentação de considerações formais não somente em
edifícios (e cidades) mas também no estudo arquitetônico (PSARRA, 2010). Nesta dissertação nos referimos a
aspectos formais e ideia racional de ordem disseminados especificamente pela arquitetura moderna, o que
aparentemente guia mais fortemente a produção desses conjuntos habitacionais.
55

espaços abertos e, consequente falta de interação entre os indivíduos sejam eles moradores ou
visitantes.

Hanson (2000) afirma que esses aspectos ressaltados por Hillier (1988) são questões recorrentes em
conjunto construídos no séc. XX, época em que houve uma mudança de paradigmas arquitetônicos e a
ascensão de novos padrões espaciais. Edifícios foram separados do contexto da rua, e a consequência
disso foi a destruição da interface público/privado como conhecida originalmente; e essa falta de
articulação prejudicou a presença e trica de experiências entre pessoas baseadas na rua
(PALAIOLOGOU; GRIFFITHS; VAUGHAN, 2016). As ruas foram reduzidas a espaços abertos
residuais entre os edifícios, houve uma perda na relação entre os domínios interno e externo, gerando
o distanciamento das pessoas com o espaço público.

Netto (2017) chama atenção para o agravamento dessa situação de afastamento das pessoas das
ruas, também pela construção de conjuntos habitacionais enclausurados por muros cegos,
disseminados por todas as classes sociais. O autor afirma que esse tipo de ação reforça um padrão
antiurbano, muitas vezes fruto de escolhas individuais ou de pequenos grupos sociais, que resultam em
cidades cuja forma pouco estimula a existência de uma vida pública baseada no encontro entre
indivíduos nos espaços abertos. No caso dos conjuntos murados, há uma dupla quebra de interface
público/privado, a do edifício com a rua do condomínio e a do condomínio com “o lado de fora”,
gerando uma descontinuidade total com a malha preexistente. O layout casa/rua que tradicionalmente
era pensado para ser diretamente conectado, ganha novas nuances e pelo menos um espaço
intermediário a mais.

Segundo Amorim e Loureiro (2008), os condomínios fechados surgiram na perspectiva de criar


enclaves cuja intenção inicial era a consolidação de redes de socialização entre moradores do local
(principalmente para classes mais altas); expectativa que a realidade cotidiana não revelou. Fato
creditado a alguns aspectos espaciais dos condomínios como: possibilidade limitada do uso dos
espaços abertos, falta de privacidade das habitações localizadas no térreo e a dificuldade de
orientação, tanto local quanto global, para “os de dentro” e para “os de fora”, devido a soluções
arquitetônicas e urbanísticas repetitivas.

Monteiro e Alcântara (2010), em estudo sobre população reassentada de favela no conjunto


“Abençoada por Deus” no Recife, destacam a pobreza do projeto urbanístico desses conjuntos, com
ruas ortogonais que formam grandes corredores e não oferecem espaços de reunião para o encontro
de moradores e ainda os fazem se sentirem expostos à entrada de estranhos no condomínio.

Magalhães (1997), ao comparar a estrutura de favelas do RJ a conjuntos habitacionais, neste caso sem
muros, construídos para absorver a população reassentada das favelas, assegura que há uma
56

subversão dos padrões existentes no assentamento informal na morfologia do conjunto. A favela, uma
descontinuidade espacial que forma um enclave com bordas integradas ao sistema espacial “do lado
de fora”, tem sua sintaxe subvertida pela do conjunto que se abre para a cidade com vias de mais alta
integração que atravessam todo o assentamento formal, deixando-o mais coeso e menos descontínuo
com a malha urbana.

Podemos notar pontos comuns que aparecem recorrentemente nesses estudos sobre os conjuntos
habitacionais: a quebra da relação casa/rua, a solução arquitetônica repetitiva e impessoal, a ausência
de locais para reunião da população moradora. Situações que parecem ser ainda mais graves quando
concebidas para populações provenientes de favelas que aparentemente tinham uma vida cotidiana
preestabelecida em um outro tipo de espaço. Nos conjuntos a existência de potenciais solidariedades
entre moradores é dificultada por características do próprio sistema espacial, o que não quer dizer que
são impossíveis de acontecer, pois como ressalta Holanda (2013), são questões superáveis por
humanos que possuem vontades próprias, como apontam resultados deste estudo (apresentados
adiante nos Cap. 3, Cap.4 e Cap. 5).
57

3
A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ

DA ANÁLISE MORFOLÓGICA

Neste capítulo apresentamos a análise morfológica do espaço e seu potencial para a formação de
comunidades virtuais, isto é, quais e que tipos de encontros são possibilitados pela forma do espaço.
Por enquanto, ainda não estamos considerando a comunidade que, de fato, habita o lugar, objeto do
próximo capítulo, o estudo neste ponto é voltado apenas para a exploração espacial. Apresentamos
primeiramente como as análises da forma do espaço foram pensadas e executadas em relação a
atributos espaciais dos vazios e dos cheios. Em seguida adentramos na análise espacial propriamente
dita. A favela e o conjunto são analisados separadamente, depois confrontamos os resultados em uma
análise comparativa. Finalizamos com um apanhado sobre resultados encontrados e como se dá o
campo probabilístico de encontro estruturado por cada um dos assentamentos estudados.

3.1. Como Analisar a Comunidade Virtual a Partir da Ótica Morfológica

Buscamos o entendimento da dimensão espacial através da leitura das duas variáveis estruturantes
arquitetônicas, os cheios e vazios, ambas em consonância com a ideia de que o espaço é variável
independente, como proposto pela LSE. Para a leitura dos espaços vazios da Favela e do Conjunto
utilizamos a metodologia de análise proposta pela LSE, a análise sintática do espaço (ASE). Para a
ASE aplicada a este trabalho, o espaço real foi particionado e transformado nas três abstrações
propostas pela teoria para a análise – eixos de movimento, espaços convexos, campos de visão – e a
partir de aspectos relacionais de cada uma delas, calculados por softwares específicos, obtivemos o
entendimento da configuração, da morfologia do lugar. O foco foi em medidas de acessibilidade, como
já vimos anteriormente, preditoras de movimento e copresença de indivíduos no espaço. Essas
medidas foram extraídas de mapas axiais, de segmento e de integração visual (detalhados adiante)
(figura 15). Para o estudo dos cheios, voltado para a exploração de atributos como variedade e
densidade de rótulos e interface entre domínios público/privado, elaboramos e analisamos mapas de
uso do solo e mapas de constitutividade respectivamente (detalhados adiante). A análise se dividiu
assim:
58

Figura 15: Esquema da Síntese da Análise Espacial

Espaços Tipo de Análise A se investigar Através de Resultam em

Mapas Axiais Potencial de


movimento e
copresença de
Mapas de pessoas nos
Segmento espaços
Acessibilidade
“ao caminhar” Potencial de
(eixos de permanência e
movimento e copresença de
espaços pessoas no espaço;
Análise Sintática do Mapas de
Vazios convexos) Aspectos
Espaço (ASE) Espaço
relacionados a
Convexo
conceitos de
urbanidade x
formalidade
(HOLANDA, 2002)
Potencial de
Acessibilidade Mapas de
movimento e
“ao olhar” Integração
permanência de
(campos visuais) Visual
pessoas no espaço

Variedade de
rótulos Animação,
Mapas de Uso
vitalidade,
e Ocupação do
frequência de
Densidade de solo
pessoas em
Outras variáveis rótulos
Cheios horários distintos,
morfológicas
encontros
Interface entre randômicos,
Mapas de cenários de
domínios público
constitutividade vigilância natural
e privado

Fonte: Elaborado pela Autora

Para a etapa de confecção dos mapas de eixo (a base dos mapas axiais e de segmento – como
veremos adiante), de constitutividade e de usos do solo seguimos algumas etapas:

i. Inicialmente foi feito um levantamento de dados sobre as áreas estudadas: esse


levantamento não seguiu um padrão, tendo sido realizado de duas maneiras; inicialmente, foi
feito um levantamento documental na Prefeitura de Natal e em arquivos antigos da autora
deste trabalho (que atuou como Arquiteta e Urbanista no poder público municipal), do qual
foram obtidos alguns mapas das áreas de estudo; no entanto, foi necessária uma atualização
desses mapas ‘in loco’; Precisávamos de mapas mais aproximados da realidade possível para
que pudesse ser feito um trabalho coerente com o que realmente é real.
59

ii. Em seguida foi inciado o tratamento dos mapas: com os mapas das áreas em mãos,
precisamos deixá-los prontos para confecção dos mapas de análise. O primeiro passo foi
identificar o que era barreira (cheio), o que era permeabilidade (vazio). Feito isso, elaboramos
uma espécie de mapa nolli25 georreferenciado, onde cheios e vazios foram definidos montando
alguns mapas “base”. Esses mapas “base” foram elaborados e georreferenciados nos
programas AutoCAD e Quantum GIS26 (QGIS).
iii. Com os mapas das áreas tratados, demos início à modelagem dos mapas de análise: para o
contínuo vazio particionamos as áreas em espaços convexos, construímos eixos de movimento
sobre as vias e modelamos mapas de campos visuais; para os cheios construímos mapas de
uso do solo e mapas de constitutividade (interface entre o público e privado). Todos os mapas,
tanto dos atributos dos cheios como dos vazios, foram modelados no QGIS.

Com os mapas das áreas modelados no QGIS começamos a análise espacial. Para os vazios cada
abstração teve um tratamento diferente: para o mapa de eixos de movimento, utilizamos o mapa de
eixos de Natal elaborado por Donegan (2016). A esse arquivo foram adicionados os eixos do nosso
caso de estudo levantados ‘in loco’ (no caso do Maruim) e desenhados por cima do projeto (no caso do
São Pedro) no QGIS. Após a adição dos novos eixos, os mapas foram exportados para que o
DepthmapX27 gerasse mapas axiais e de segmentos. Com essa parte pronta, reimportamos esses
mapas para o QGIS, utilizando o plug-in Space Syntax Toolkit28. No QGIS, analisamos
quantitativamente os resultados e tratamos a parte gráfica da cartografia; os mapas de espaços
convexos foram elaborados, analisados quantitativamente e tratados graficamente no próprio QGIS;
os mapas de campos visuais foram desenhados no AutoCad e QGIS e transformados em mapas de
integração visual no DepthmapX e depois reimportados para o QGIS para a análise quantitativa e
gráfica. Com relação aos cheios o caminho foi mais simples, todos os mapas relacionados a essa
variável foram modelados, quantificados e tratados graficamente no QGIS.

25 Mapa conhecido pelo nome do seu criador, Giambattista Nolli, assinala no espaço as massas construídas e
as permeabilidades como uma radiografia. Cheios em preto, vazios em branco.
26 O QGIS é um Sistema de Informação Geográfica (SIG) de Código Aberto licenciado segundo a Licença
Pública Geral GNU. Disponível no sítio eletrônico: https://www.qgis.org/en/site/forusers/download.html.
27 O DepthmapX é software de livre acesso desenvolvido por Alaisdair Turner e Eva Friedrich, atualizado por
Tasos Varoudis. Todos membros do laboratório de Sintaxe Espacial da University College London. Disponível no
sítio: http://varoudis.github.io/depthmapX/.
28 Plug-in para o QuantumGIS desenvolvido para análise sintática do espaço por pesquisadores da UCL, com
destaque para Jorge Gil.
60

Mediante a exploração de recursos do QGIS, foi feita uma sobreposição das variáveis analisadas,
gerando mapas que correlacionam a configuração espacial dos vazios com atributos dos cheios e
mostram um panorama geral do potencial morfológico que cada espaço carrega.

Após a obtenção dos resultados foi possível estabelecer uma comparação entre as variáveis espaciais
da Favela e do Conjunto; por meio da qual identificamos o potencial de cada espaço na criação de
tipos distintos de comunidades virtuais, sem perder de vista a comprovação ou refutação da nossa
hipótese de trabalho.

Os eixos: mapas axiais e de segmentos

A elaboração do mapa de eixos, seguiu à risca definição de linhas axiais proposta por Hillier e Hanson
(1984); no contínuo aberto acessível (espaços abertos contínuos) foi traçado o menor número das mais
longas linhas, conectando todos os espaços considerados permeáveis. A base para modelagem foi o
mapa de eixos de Natal já existente desenvolvido por Donegan (2016), tendo sido acrescido a ele os
eixos dos assentamentos que montam o universo de estudo desse trabalho, a Favela do Maruim e
Residencial São Pedro, como já dito anteriormente (figura 16). Para a elaboração do mapa de eixos de
Natal, Donegan (2016) utilizou a base cartográfica de imagens de satélite do Google Maps (através do
Software Quantum GIS – e do aplicativo Open Street Layer29 ), entretanto, essa base de fotografias
aéreas é falha em capturar os espaços abertos de favelas. Por se tratar de formações orgânicas com
ilhas de massa construídas muito próximas umas das outras, os espaços abertos muitas vezes são
engolidos por sombras das marquises e “puxadas” das residências resultando em divergências com o
espaço real. Esse foi um dos motivos para atualizar e conferir a existência ruas in loco. Além disso,
tivemos que acrescentar os eixos referentes ao espaço do residencial São Pedro; isso foi feito com
base no projeto arquitetônico do conjunto e ainda com confirmação dos espaços in loco.

No total, Natal possui 13.260 (treze mil duzentos e sessenta) eixos, um sistema pequeno se comparado
com outras cidades brasileiras como Salvador com mais de 45.000 (quarenta e cinco mil) eixos e São
Paulo com aproximadamente 80.000 (oitenta mil) eixos (MEDEIROS, 2013).

Para a investigação das relações entre esses eixos, o mapa das linhas foi processado através de um
software específico de análise sintática, no nosso caso, utilizamos o DepthmapX (versão 0.30). O
programa processou a matriz de interseções dos eixos, onde cada linha no sistema virou um nó de um
grafo, e as conexões estabelecidas entre esses nós foram calculadas, gerando valores representativos

29Plug-in compatível com o QGIS desenvolvido pela OpenStreetMap que oferece serviços de mapas de fonte
aberta ao público.
61

de suas relações axiais. Inicialmente o processamento gerou medidas de primeira ordem como
conectividade, profundidade média e integração HH (medida de acessibilidade do mapa axial).

Essas medidas são traduzidas no mapa axial através de uma escala gráfica que pode variar entre: (i)
tons de cinza até o preto; (ii) espessuras de linhas; (iii) escala cromática do azul profundo – para
espaços mais segregados – até o vermelho – para espaços mais integrados. Neste trabalho utilizamos
a escala cromática (figura 17).

Figura 16: Mapa de eixos de Natal.

Fonte: DONEGAN, 2016 – alterado pela autora.

Para mapas axiais, as principais medidas de primeira ordem a serem analisadas são: a conectividade e
a integraçãoHH, medidas de acessibilidade. A conectividade está associada a uma relação local e mais
direta entre eixos contíguos que se tocam; já a medida de integração interpreta a localização do eixo
levando em consideração a posição dele em relação a todos os demais eixos do sistema, como
descreve Donegan (2016):
62

(i) Conectividade: quantidade de eixos o qual cada eixo se conecta (considerando


apenas um nível de profundidade); (ii) Acessibilidade topológica ou integração:
relaciona-se à profundidade média do eixo no sistema, o carro-chefe da análise dos
mapas axiais, calcula a centralidade de um eixo em relação ao sistema como um
todo. Espaços mais rasos e acessíveis no sistema são mais integrados; Espaços
mais profundos demandam mais mudanças de direções para serem alcançados,
mais difíceis de acessar e, portanto, mais segregados. (DONEGAN, 2016, p. 91).
A medida de integraçãoHH pode ser considerada a principal medida de acessibilidade; é também
conhecida como to-movement (movimento para algum lugar). está associada ao potencial de atração
de fluxos, movimento e copresença de pessoas no espaço urbano (HILLIER et al., 1987).

Figura 17: Mapa axial de Natal (Rn).

Fonte: DONEGAN, 2016 – alterado pela autora.

A figura 17 apresenta a medida de integração do sistema de Natal no Raio N (RN), onde “N” é medida
de acessibilidade global. Nesse raio, os valores das medidas são calculados a partir da relação de
63

todos eixos para todos os outros eixos do sistema. Além da medida de integração HH no RN, ainda são
consideradas importantes para entender a acessibilidade em um nível mais local as medidas de Raio 3
(R3), que calcula a acessibilidade até 3 mudanças de direção no sistema; e de Raio R (RR) um raio
intermediário entre o local e o global. O RR varia em tamanho para cada sistema já que está embasado
no valor de profundidade média da via mais acessível do todo.

Na análise axial deste trabalho exploramos apenas as medidas de primeira ordem de conectividade e
integraçãoHH, com destaque para a segunda. A medida de integração (ou acessibilidade) foi analisada
no Raio N (RN), no Raio 3 (R3) e no Raio R (RR) de modo a apreender desde a lógica global de
inserção dos assentamentos, até relações mais locais com seus entornos.

Para além de estudos axiais, ainda fizemos a análise do mapa de segmentos, que diz respeito a um
estudo mais refinado que nasceu em reposta a algumas limitações ferramentais do mapa axial
(TURNER, 2001). Apesar de ser precursor nos estudos de análise sintática e continuar útil para revelar
relações topológicas e hierarquias do sistema, o mapa axial é limitado para capturar certas lógicas. Por
exemplo: se seguirmos a definição de eixos axiais (menor número das mais longas linhas),
desenharemos apenas um eixo para longas ruas que cortam o sistema; a questão é que essa única via
pode conter uma diversidade topológica com inúmeras lógicas distribuídas em sua extensão, abstraí-la
em uma só linha pode suprimir e não capturar essas variações; podemos citar também o exemplo de
mudanças angulares suaves ao longo de uma rota, mas como o eixo não captura sinuosidades, a rota
é partida em vários eixos no mapa axial, fazendo com que uma rua que possui apenas uma lógica em
sua extensão (ainda que com sinuosidades) fique com diversos passos sintáticos a mais divergindo da
realidade local.

Tendo em vista entraves como esses citados acima, Alasdair Turner junto com pesquisadores da UCL
desenvolveram o mapa de segmentos. O processamento do mapa é feito com base no mapa axial. Os
eixos são quebrados em linhas menores na medida que há uma intersecção com outros eixos. O nó do
grafo, nesse caso, deixa de ser o eixo inteiro e passa a ser o segmento. A matriz numérica é
processada para um número muito maior de linhas. Em Natal, o mapa axial, processado no
DepthmapX, tem cerca de 13 mil eixos; quando quebrados em segmentos, a matriz processa pouco
mais de 40 mil linhas, mais do triplo do mapa “base”.

Além do refinamento, o mapa de segmentos possibilitou a incorporação de outras distancias além da


topológica (a dos níveis de profundidade – passos sintáticos) utilizada no mapa axial: (i) a angular – na
qual o caminho mais curto que minimiza o ângulo entre você e o seu destino, pondera o ângulo de
encontro dos segmentos; quanto menor o desvio angular maior a acessibilidade do sistema; e a (ii) a
métrica – no qual o caminho mais curto é aquele que percorre a menor distância métrica.
64

Segundo Turner (2001), pessoas tendem a escolher percursos com menores desvios angulares. Esses
caminhos geralmente têm, além de uma maior acessibilidade “ao caminhar”, uma maior visibilidade que
aumenta o potencial de acessibilidade e escolha da rota. Com base nesse achado, Turner (2001) cria
uma ASE do mapa de segmentos denominada Angular Segment Analysis30 (ASA), estudo que leva em
consideração, além das relações topológicas, variações angulares das rotas para traduzir medidas de
acessibilidade “ao caminhar”.

Hillier (2009) defende que para além dos raios topológicos do axial, os raios métricos, gerados através
da ASA, têm se mostrado bastante eficientes para inferir potencial de movimento e encontro nas
cidades. Os raios podem variar de tamanho (200m, 400m, 600m, 1200m, 3000m etc.), a calibração vai
depender da necessidade de cada estudo. Especificamente, nesse tipo de análise duas medidas de
acessibilidade se mostraram mais relevantes para representar o potencial de movimento de
determinadas áreas:

i. A integração: é processada através de uma lógica apenas de origem-destino, de movimento


para algum lugar (to-movement). Calcula-se a profundidade média e a acessibilidade de cada
linha com relação às demais (HILLIER; HANSON, 1984);
ii. A medida de choice (escolha): diferentemente da integração é processada através de uma
lógica de um par origem-destino. Está relacionada com a probabilidade de escolha de um
determinado segmento em uma determinada rota; é também conhecida como movimento
através (through-movement) (HILLIER et al., 1987) ou betweenness centrality (VAROUDIS et
al., 2013).

A medida de choice aparece nos escritos da SE pela primeira vez em Hillier et al. (1987), segundo os
autores ela representa as menores rotas de todos os espaços para todos os outros espaços do
sistema. Diferentemente da integração que calcula a rota de uma origem com relação a todos os outros
pontos do sistema, o valor de choice leva em consideração a origem e o destino, calculando além de
questões de acessibilidade as rotas mais curtas entre os dois pontos, percursos potencialmente mais
elegíveis, caminhos propícios a serem escolhidos como intermediações, ou como atalhos, entre lugares
(DONEGAN, 2016). A “escolha” por alguma rota não é uma variável intuitiva, mas está relacionada a
um conhecimento prévio do sistema. Por esse motivo, a medida de choice representa melhor um
potencial de movimento de habitantes que entendem e conhecem os caminhos da cidade (HILLIER,
2009; VAUGHAN; DHANANI; GRIFFITHS, 2013).

30 Análise Angular de Segmentos


65

Em contraponto, a medida integração que só calcula o movimento para algum lugar, está relacionada
com questões mais voltadas para localização dos eixos/segmentos e formação de centralidades na
malha, na qual vias, rotas e núcleos principais das cidades sobressaem no mapa. Para quem vem de
fora e não conhece os atalhos, seguir o caminho mais intuitivo circulando por vias mais bem
localizadas, que dão acesso a mais lugares na malha da cidade se torna mais fácil. A medida de
integração é uma medida de acessibilidade geral, mas também aponta possíveis rotas mais utilizadas
por estranhos que não conhecem o sistema (HILLIER et al., 1987; HILLIER, 2009).

Além de termos analisado as medidas individuais de integração e choice, ainda fizemos a correlação
entre elas. Estudos como o de Hillier et al. (1987) e ainda outros mais recentes como Dhanani e
Vaughan (2013) mostram uma notável relação entre a medida resultante da sobreposição das medidas
de integração e choice e o movimento de “diferentes” (moradores e visitantes) em um mesmo espaço.
Segundo Dhanani e Vaughan (2013) a sobreposição das medidas cria “diferentes modos de
copresença e comunidade virtual nos espaços”31.

Na ASA, as medidas de integração e de choice também podem ser normalizadas (resultam em NAIN –
normalised angular integration - e NACH – normalised angular choice). Essa normalização, criada por
pesquisadores da UCL (HILLIER; YANG; TURNER, 2012; YANG; HILLIER, 2012), está baseada em
um algoritmo que pondera as medidas e as relativiza, o resultado permite que sistemas de tamanhos
diferentes se tornem comparáveis.

Para a análise do mapa de segmentos deste trabalho exploramos as medidas de NAIN e NACH
separadamente e depois correlacionadas no RN e em diferentes raios métricos (200m, 400m, 1200m,
2400m), sempre focando nos espaços favela e conjunto (figura 18).

31 Do original em inglês: different modes of spatial co-presence and virtual community.


66

Figura 18: Esquema da síntese da análise da Acessibilidade “ao caminhar” a partir dos eixos de movimento para este
trabalho.

Tipo de Representada Quantificada Através da


Analisada a Partir de
acessibilidade por Medida de
Médias de Conjunto
Conectividade
de Eixos
Mapa Axial Abrangência
Integração topológica:
RN, R3,RR
Abrangência Métrica:
Integração (NAIN) RN, R200m,
Acessibilidade “ao
R600m,R1200m,R360
caminhar”
0m
Mapa de Abrangência Métrica:
Segmentos Choice (NACH) RN, R200m,
600m,1200m,3600
Abrangência Métrica:
NAIN/NACH RN, R200m,
600m,1200m,3600
Fonte: Elaborado pela Autora

Espaço Convexo e a Técnica da Convexidade

“Ao caminhar pelo espaço aberto da cidade sabemos intuitivamente que sempre cruzamos transições
(invisíveis) entre dois lugares (entre dois espaços convexos), ao dobrarmos uma esquina, ao
adentrarmos em uma praça” (HOLANDA, 2002, p.97). O espaço convexo é o que entendemos por
lugar, principalmente lugares de permanência nos quais interagimos na pequena escala: trechos de
ruas, pátios, jardins, quintais, nacos de uma praça.

Na definição matemática formal, da qual a SE se apropria, o espaço convexo é aquele em que


nenhuma linha desenhada a partir de dois pontos desse espaço passa por fora dele (HILLIER;
HANSON, 1984) (figura 19).
67

Figura 19: definição de espaço convexo/côncavo

Fonte: Hillier e Hanson (1984) – Alterado pela autora

Para a criação de mapas de espaços convexos Hillier e Hanson (1984) sugerem o particionamento do
espaço aberto no menor número possível dos espaços mais largos de duas dimensões, pensando
sempre mais espacialmente do que geometricamente, ou seja, dividir o espaço seguindo além da
definição matemática, respeitando os usos reais do lugar. As medidas resultantes da articulação dos
espaços convexos seguem o mesmo raciocínio utilizado para o estudo de eixos. Um grafo extraído das
relações entre os espaços convexos gera uma matriz numérica que traduz os padrões de
conectividade, profundidade, intergração, controle etc. de cada sistema espacial.

No entanto, para este trabalho, pensamos no espaço convexo para além dessas medidas sintáticas,
buscamos entender ele como articulador da forma dos espaços abertos e da relação deles com os
cheios. Adentrando em uma questão morfológica para além dos aspectos topológicos, focando no
desenho do lugar propriamente dito e sua relação com aspectos de modos de usos alinhados aos
conceitos de urbanidade e formalidade (HOLANDA,2002), A análise foi feita através da metodologia
proposta pelo próprio Holanda (2002) (figura 20), na qual calculamos:

i. O percentual de espaços abertos sobre o percentual de espaços total: cálculo da relação


entre espaços abertos e massa edificada expressa em percentagens. Segundo Holanda,
apesar de não se tratar de uma medida que revele a lógica dos espaços convexos
propriamente dita, ela está relacionada com o conceito de “paisagem de lugares” ou “paisagem
de objeto” (explicados mais a frente), o tipo de desenho urbano que se associa com os
conceitos de urbanidade e formalidade.
ii. O espaço convexo médio: uma média, resultado de uma ponderação simples da soma das
áreas de todos os espaços, dividida pela quantidade de espaços convexos. É expressa em
metros quadrados. Lugares com médias menores têm sido relacionados a utilizações mais
alinhadas a preceitos de urbanidade, lugares com médias maiores, por sua vez, estão
relacionados ao conceito de formalidade (HOLANDA,2002).
68

Figura 20: Esquema da síntese da análise da Acessibilidade “ao caminhar” a partir dos espaços convexos.

Quantificada Através da
Tipo de acessibilidade Representada por Analisada a Partir de
Medida de
Relação entre
Percentual de espaço aberto percentual dos espaços
sobre o espaço total abertos sobre a massa
Acessibilidade “ao Mapa de Espaço construída
caminhar” Convexo Ponderação da soma
das áreas divididas pelo
Espaço convexo médio
nº de espaços
convexos
Fonte: Elaborado pela autora

Mapas de Visibilidade e VGA

“Para se mover em torno dos edifícios, pessoas buscam orientação a partir do que veem e de onde é
possível ir” (HANSON, 1998, p.54). Estudos sintáticos, desde o princípio, entendem que da relação
entre os vazios derivam dois tipos de acessibilidades, uma “ao caminhar” e outra “ao olhar”. Variáveis
importantes para entender potencialidades de encontro entre indivíduos no espaço, isso porque, a
escolha por estar ou ir para algum lugar está intimamente atrelada aos tipos de conexões entre as vias
e à visibilidade da rota (como vimos anteriormente).

Análises visuais foram inseridas no estudo da SE através do conceito de isovistas. Derivado da


matemática, o conceito foi aplicado pela primeira vez em formas espaciais por Benedikt (1979); e faz
referência ao “conjunto de todos os pontos visíveis a partir de um determinado ponto de vista no
espaço”32 (BENEDIKT, 1979, p.47). O resultado da isovista é um polígono simples de duas dimensões,
onde as medidas resultantes – área e perímetro – dimensionam o campo visual de determinado
indivíduo (figura 21).

32 Do inglês: the set of all point visible from a given vantage point in space.
69

Figura 21: Exemplo da geração e forma de uma isovista

Fonte: TURNER et al., 2001 – alterado pela autora.

Turner et al. (2001) afirmam que o estudo das isovistas foi interessante em um primeiro momento; uma
maneira atraente de estudar o espaço construído a partir de um olhar “visto de dentro”, da percepção
do espaço pelos usuários. No entanto, algumas limitações da técnica travavam o entendimento do todo
espacial; a isovista traduz a visibilidade a partir de um ponto no espaço, revelando propriedades mais
locais (pensando na visão de um só ponto no espaço) que globais. Além disso, Benedikt (1979) não faz
proposições sobre como interpretar as medidas resultantes na perspectiva de possíveis efeitos sobre
modos de uso do espaço.

A partir das limitações elencadas, Turner et al. (2001), com base na ideia central das isovistas,
desenvolveram a metodologia do VGA – Visual Graph Analisys. O VGA calcula relações baseadas na
sobreposição de várias isovistas no mesmo espaço. Para o desenvolvimento da ideia, os
pesquisadores resolveram pensar no espaço a partir de uma grelha sobreposta a ele. Nessa grelha,
cada intersecção dos eixos gera um centróide, esse centroide é o “nó” do grafo (como o eixo e o
espaço convexo), as relações visuais entre os centroides são traduzidas em linhas que unem esses
nós (figura 22).

Se cada ponto no espaço gera uma isovista, ao colocarmos diversos pontos espalhados por esse
mesmo espaço (os centroides), gerarmos uma isovista para cada um e sobrepormos os resultados,
encontraremos áreas de intersecções. Essas áreas de interseção são os espaços mais integrados e
acessíveis visualmente do sistema.
70

O mapa foi processado pelo DepthmapX, o software gerou uma matriz numérica para medidas de
integração e conectividade, que seguem o mesmo conceito proposto por Hillier e Hanson (1984) para a
análise dos eixos. Os resultados são traduzidos em uma escala cromática que varia do azul profundo
(espaços mais segregados, menos visíveis a partir de todos os outros centróides) ao vermelho
(espaços mais integrados e visíveis a partir de todos os outros pontos)

Figura 22: Modo de processamento do VGA

Fonte: TURNER et al., 2001; Site Urbanidades, 2011 – alterado pela autora.

Neste trabalho comparamos os sistemas de duas maneiras:

i. Foi modelado e processado um mapa de campos visuais com as ruas adjacentes para
entender a integração visual entre “os de dentro” do assentamento e os “de fora”;
ii. Em seguida processamos um mapa de VGA para entender o funcionamento do assentamento
como sistema independente, campos visuais oferecidos para quem está dentro e se desloca
dentro dele.

Para ambas as situações utilizamos apenas medida de integração visual RN (quadro 04). Estudos
como Desyslas e Duxburry (2004) apontam uma alta correlação entre essa medida e movimento de
pedestres (figura 23).
71

Figura 23: Esquema da síntese da análise da acessibilidade “ao olhar” para este trabalho

Quantificada Através da
Tipo de acessibilidade Representada por Analisada a Partir de
Medida de

Acessibilidade “ao Mapa de VGA - Visual


Integração visual RN
olhar” Graph Analysis

Fonte: Elaborado pela autora

Mapa de Diversidade de Usos

O mapa de uso e ocupação do solo é a representação gráfica dos usos que são atribuídos aos edifícios
dos locais estudados. Para este trabalho estabelecemos algumas categorias de utilização predial,
pensadas a partir do que encontramos no mapeamento in loco (moradia, comércios, lazer, edifícios
institucionais) e representadas graficamente através de uma escala cromática:

i. Residencial: apenas casas (AMARELO);


ii. Uso comercial: todos os edifícios que abrigam atividades somente comerciais (VERMELHO);
iii. Uso misto: edifícios que abrigam tanto uso comercial quanto residencial, bem comum na área
da favela (LARANJA);
iv. Centro comunitário: edificações que abrigam centros comunitários de reuniões da população
(AZUL CLARO);
v. Culto: qualquer tipo de imóvel destinado a usos com fins religiosos (AZUL PROFUNDO);
vi. Institucional: prédios que abrigam atividades relacionadas ao poder público municipal,
estadual ou federal (ROXO);
vii. Vazio: demarcação dos espaços vazios, ou casas demolidas (CINZA).

Mapa de Constitutividade

A literatura sintática entende constituição como a transição de entradas entre o espaço público e o
espaço privado. “Quando edifícios são diretamente acessíveis a um espaço axial ou convexo, dizemos
que o espaço é constituído pelo edifício” (HILLIER; HANSON, 1984, p. 98). O mapa de constitutividade
é a representação gráfica das interfaces entre o domínio público e privado. Para o estudo dessas
permeabilidades, elencamos algumas categorias que julgamos importantes para diferenciar tipos de
relações que encontramos in loco. Essas relações foram traduzidas através de uma escala cromática
que marcam as fachadas dos edifícios no mapa:

i. Espaço constituído: demarca transições que tenham uma relação com a rua através de porta
e de janela (abertura total) (VERMELHO);
72

ii. Porta: transições que tenham a porta como elemento de ligação entre os dois domínios
(AMARELO);
iii. Janelas: edifícios conectados com a rua através de pelo menos uma janela (AZUL);
iv. Espaços cegos: muros que não possibilitem nenhuma integração visual ou corporal com a rua
(PRETO);
v. Grades: marcam a fachada de espaços que são separados da rua através de grades,
cobogós. Possuem contato visual, mas não possuem contato físico (MAGENTA);
vi. Diferença de nível: locais que diferem do domínio público apenas por uma mudança de nível
com possibilidade de contato físico e visual (CINZA).

3.2. Resultados da Análise Morfológica

O caso do reassentamento da Favela do Maruim tem algumas peculiaridades que tiveram que ser
levadas em consideração na análise espacial, sobretudo, para ampliar a perspectiva do estudo
morfológico sobre a realidade. Dentre essas peculiaridades, destacamos a presença do tapume.
Inicialmente colocado para isolar a obra; ele ainda está instalado e envolvendo o conjunto, situação
que vai de encontro à ideia central do partido arquitetônico do São Pedro pensado para deixar a obra
integrada ao entorno. Tendo em vista essa situação, as análises de acessibilidade “ao caminhar” e “ao
olhar” tiveram que levar em consideração a barreira que funciona como um muro. Fizemos as análises
axiais, de segmento, VGA e de constitutividade para a favela e para o conjunto com tapume;
simulamos a situação projetada (sem tapume) e comparamos as três situações.
Ambos os assentamentos estão localizados no bairro da Ribeira, Zona Leste da cidade de Natal/RN,
distantes um do outro 700m. Em termos métricos, 700m é uma distância relativamente aceitável para
um percurso a pé, no entanto, mudanças desse tipo, mesmo quando para áreas próximas, tendem a ter
um grande impacto na vida dos envolvidos. No caso do reassentamento da Favela do Maruim, é
possível perceber claras rupturas antes mesmo de adentrar na análise espacial propriamente dita.
Evidenciamos a quebra da relação com o Rio Potengi e com o Canto do Mangue. De acordo com
dados de Lima (2015) e da PMN, parte da população, enquanto moradora do Maruim, exercia alguma
atividade econômica ligada a atividades pesqueiras ou de tratos de frutos do mar, ocupações
relacionadas com a localidade. O reassentamento os afastou desses locais e quebrou a lógica da
vizinhança, dificultando o acesso e afastando algumas pessoas dessas atividades (como veremos
confirmado também nas entrevistas) (figura 24).

Sobre a configuração e estruturação dos espaços abertos do Maruim, podemos afirmar que o
assentamento seguia o padrão espacial de outras favelas estudadas por Sobreira (2003) e Loureiro
73

(2017). O Maruim se desenvolveu em um vazio urbano, bem localizado, contingenciado por barreiras
naturais - o Rio Potengi - e artificiais - o Porto, o Canto do Mangue e vias do entorno. Cresceu por
adensamento, com uma ocupação inicial de borda que ao longo do tempo foi enchendo o miolo do
terreno (figuras 24, 25 e 27).

Já o conjunto foi implantado em um terreno que pertencia à Prefeitura de Natal, com medidas
semelhantes à área da favela, cerca de 9.000 m² (nove mil metros quadrados). No terreno funcionava
um depósito, onde a Gestão Municipal guardava restos de enfeites natalinos. A construção do São
Pedro no local resgatou a área de uma subutilização dando uma função de moradia, atraindo mais
habitantes e adensando a região do bairro. Em relação à forma espacial, a ortogonalidade em pouco,
ou em quase nada se assemelha com seu entorno. No projeto não se pensou em uma confluência
entre o desenho do conjunto e o preexistente no entorno, pois a forma do São Pedro seguiu diretrizes
apontadas pela CEF para a construção de conjuntos do PMCMV; diretrizes que prezam pela
racionalidade e homogeneidade da forma dos conjuntos e facilitam a rapidez na execução das obras.

Na favela encontrávamos uma clara divisão espacial marcada pela Rua da Floresta. Para melhor
compreensão dessa apartação separamos o espaço em 01 e parte 02. A parte 01, ocupação inicial da
favela, era estruturada a partir de uma única ilha de massa construída com área de aproximadamente
5.100,00 m²; sua borda era formada quase inteiramente por comércios envolvidos com as atividades do
Canto do Mangue, com destaque para a presença do edifício da Colônia de Pescadores (marco inicial
da ocupação da favela). Na parte 02 era possível perceber uma fragmentação maior, composta por
diversas ilhas de menor tamanho, cujo somatório da área, 5.044,85 m² era inferior à parte 01. As duas
partes, quando justapostas no terreno formavam um traçado orgânico marcado por uma combinação
de massas construídas que emolduravam ruas e becos que desembocavam em pequenos pátios,
locais de confluência de encontro entre os moradores (como veremos detalhadamente mais a frente)
(figura 25 e 26)
74

Figura 24: distância entre os assentamentos

Fonte: Elaborado pela Autora


75

Figura 25: Foto de 1941 – formação inicial do assentamento / Divisão da favela e distribuição de ilhas

Fonte: alterado pela Autora

Figura 26: gráfico das áreas e números de ilhas do sistema da favela.

Fonte: elaborado pela autora


76

As partes 01 e 02 ainda apresentavam características distintas quanto a uma variação de tipos edilícios
que se distinguiam em área, estrutura e salubridade. Na parte 01, verificamos 51 edifícios com áreas
superiores aos da parte 02, em situações menos precárias (ainda que assim fossem), com mais
salubridade e dotados de melhor estrutura física. Na parte 02, contamos 150 edifícios, quase o triplo da
parte 01 (mesmo com área da massa construída inferior), a maioria com um alto nível de precariedade,
falta de salubridade, risco de desabamento (figura 25). Apesar desses pontos negativos, a combinação
de tamanhos distintos de ilhas e tipos edilícios montavam um espaço diversificado que oferecia um
certo grau de surpresa ao caminhar.

No Residencial São Pedro o traçado ortogonal é definido por fitas de edifícios idênticos soltos no lote,
com a mesma área (17m x 7m), todos revestidos com a mesma paleta de cores. É um espaço bem-
sucedido em transmitir a ideia de ordem geométrica, em contraponto à organicidade da favela (figura
27 e 28).

Figura 27: Traçado dos assentamentos.

Fonte: elaborado pela autora


77

Figura 28: gráfico dos tipos edilícios presentes na Favela do Maruim

Fonte: elaborado pela autora

Quando adentramos no estudo sintático, verificamos que a análise axial reforça algumas características
espaciais distintas para o espaço da favela e do conjunto. Apesar da localização privilegiada, próxima
ao núcleo de integração da cidade (linhas mais integradas da cidade concentrada no eixo entre os
bairros de Lagoa Nova e Ponta Negra, com algumas poucas vias com maior integração escorrendo
para a Zona Norte), ambos os assentamentos possuem média de integração menor que a da cidade
em todos os raios (RN, R3, RR), uma segregação espacial que reforça a descontinuidade com o tecido
urbano que os envolve (figura 29).

A favela, era mais segregada em relação à cidade, tinha menor média de integração que o conjunto
(com tapume ou sem tapume) em todos os raios topológicos, possuía uma clara estrutura espacial que
se definia a partir de uma hierarquia de acessibilidade distribuída de fora para dentro, assim como se
deu a ocupação (figura 31). Eixos mais periféricos eram mais rasos e tinham maior medida de
integraçãoHH. Era uma estrutura em enclave cujas bordas eram mais acessíveis à cidade que o
núcleo, achado que corrobora com a forma de outras favelas encontradas em estudos de Magalhães
(2007), Sobreira (2003), Loureiro (2017). A parte interna se estruturava a partir de um esqueleto
formado pelas linhas que ligavam as bordas “ao lado de dentro”. Essas linhas eram as mais acessíveis
“ao caminhar” da parte “interna” do Maruim, pontos com maior potencial de movimento interno que era
dissipado ao passo que o sistema ficava mais profundo.

A morfologia da Favela apontava para um sistema com uma territorialidade (NEWMAN, 1972) bem
definida, tinha uma clara hierarquia entre os domínios favela/cidade que colaborava para o controle e
diminuição do potencial de encontros entre diferentes (moradores/estranhos). De acordo com Sobreira
78

(2003) e Loureiro (2017) o comportamento endógeno, de crescer e se estruturar para dentro, de “evitar
o encontro com os de fora” é um tipo de resistência e proteção do modo de vida que se desenrola na
parte interna. O controle do espaço do Maruim era ainda reforçado pela estrutura do miolo que
concentrava o potencial de movimento em eixos de ligação entre a parte periférica e a mais interna do
assentamento. Para entrar no sistema, pessoas “de fora” tinham que passar por eles, com o potencial
de movimento de moradores concentrado nesses locais, as entradas de estranhos seriam
potencialmente mais controladas.

O conjunto tem uma lógica espacial diferente, é mais integrado (com e sem tapume) à cidade apesar
da clara descontinuidade que tem com na malha do seu entorno. Internamente, a lógica uniformizante e
homogênea das massas construídas, criticada na literatura, é rebatida também na configuração
espacial.

O conjunto é planejado a partir de uma lógica baseada na axialidade, grandes corredores pensados
para conectar uma rua à outra (a Esplanada Silva Jardim à General Glicério) e para abrir e integrar o
espaço da cidade. É uma estrutura mais rasa, sem muitas nuances de hierarquia de profundidade
como existe na favela. Apesar de ter bordas mais integradas que o núcleo, assim como o Maruim, a
menor variação de hierarquia de profundidade e de integração se comparado à favela, aliada a alta
acessibilidade do corredor central faz o conjunto mais acessível na malha urbana.

A presença do tapume, no entanto, não colabora com a implantação do que foi pensado no partido
arquitetônico. Obviamente, a barreira deixa o São Pedro com uma lógica de apartação mais similar à
da favela, entretanto, ainda com maior potencial de confluência de movimento entre diferentes segundo
as medidas sintáticas (Figura 29).
79

Figura 29: Maruim e São Pedro no contexto urbano: Mapa Axial de Integração Rn.

Fonte: DONEGAN, 2016 – editado pela autora


80

Figura 30: tabela com medidas derivadas do mapa axial.

Fonte: elaborado pela autora

Figura 31: gráfico da correlação entre profundidade média e valor de integraçãoHH_RN (derivado do mapa axial) dos
três assentamentos

Fonte: elaborado pela autora

Resultados da análise de segmento revelam médias de NAIN (medida de integração normalizada)


menores para todos os assentamentos estudados (favela / conjunto com e sem tapume) se
comparados à malha em que se inserem, reforçando os achados que confirmam que essas estruturas
são espacialmente segregadas do entorno em que estão inseridas. O tecido urbano de Natal,
processado com o conjunto com tapume e depois com o Maruim, apresenta maior média de integração
em raios menores se comparada a estrutura sem o tapume. No raio N as medidas são equiparadas.
Isso mostra que o conjunto sem tapume colabora para um leve aumento nos níveis de segregação e
fragmentação da cidade que já é uma colcha de retalhos (MEDEIROS, 2013). As estruturas em enclave
81

mantêm o nível de integração da malha, no entanto, as conexões que o São Pedro sem tapume
estabelece com a cidade ressaltam a perceptível quebra espacial.

Ainda sobre a medida de NAIN, destacamos a média mais alta do São Pedro com tapume (se
comparado ao Maruim e ao São Pedro sem tapume) nos raios menores. Isso acontece, provavelmente,
pois esses raios abrangem apenas o assentamento e um entorno relativamente imediato. Dentre os
eixos e a estrutura abrangidos pelos raios o conjunto se impõe e confirma seu funcionamento como
estrutura independente do entorno.

Com relação à medida de NACH (medida de choice normalizada) verificamos que as médias da favela
e do conjunto, de modo geral, continuam menores que as de Natal nas três situações. Quando
analisamos o coeficiente de correlação (R2) entre as medidas NAIN/NACH, percebemos que o São
Pedro sem tapume possui melhor média para o potencial de interface de encontros entre diferentes,
achado que confirma o que pensamos na hipótese. No entanto, esse melhor desempenho é quebrado
pela presença do tapume que baixa essas médias evidenciando o potencial restritivo da barreira.

O afastamento espacial entre a favela e a cidade encontrado na análise da acessibilidade “ao


caminhar” é reforçado na análise da acessibilidade “ao olhar”. Quando analisamos a integração visual
considerando as ruas adjacentes dos dois sistemas nas três situações (favela, com tapume e sem
tapume), verificamos que a configuração de enclave da favela deixava seu interior menos visível que o
conjunto (com e sem tapume) para o transeunte que atravessa as ruas das bordas. O conjunto possui
um corredor central bem integrado às ruas adjacentes, característica que é pouco prejudicada pela
presença do tapume. Obviamente, a barreira deixa o conjunto mais segregado que a implantação
planejada, entretanto, com uma proporção de pontos mais integrados maior que a encontrada na favela
(figura 32).

No São Pedro, assim como na favela, existem espaços mais privilegiados visualmente que outros. Na
figura 32, podemos notar que o Conjunto também possui um alto índice de pontos visualmente
segregados (na cor azul) quando consideramos o entorno, a diferença é que quando analisamos a
proporção de pontos integrados / segregados da favela, percebemos que a favela não apresentava
pontos bem integrados e ainda tinha uma média relevante de pontos muito segregados. Enquanto o
conjunto, apesar do considerável número de pontos com baixa visibilidade, tem uma hierarquia de
integração com pontos cuja medidas variam entre as mais baixas e as mais altas.
82

Figura 32: Mapa de Integração Visual (VGA) com Ruas Adjacentes

Fonte: elaborado pela autora

Quando excluímos as ruas adjacentes para a análise visual dos assentamentos enquanto sistemas
independentes da malha, percebemos dois tipos de estruturação espacial que definem diferentes
83

composições de acessibilidade “ao olhar”. A favela era formada por ruas e becos que desembocavam
em pátios com melhores médias de integração. O principal ponto de confluência da visibilidade do
assentamento era o pátio central que funcionava como o coração da estrutura, onde podemos notar a
maior concentração de pontos vermelhos e laranja. O conjunto, apesar de possuir uma média
proporcional de integração visual melhor que a da favela, é estruturado a partir de corredores. No São
Pedro, a acessibilidade “ao olhar” é pulverizada, assim como o à acessibilidade “ao caminhar” se
comparado à hierarquia da favela (figura 33).

Na análise do VGA fica clara a formação de uma “paisagem de objetos” (HOLANDA,2002). O conjunto
apresenta quase o dobro do número de pontos nos espaços abertos se comparado ao Maruim (6.206 –
63,45% do espaço total para o conjunto; 3202 – 29,52% do espaço total para a favela), característica
marcante de assentamentos influenciados por conceitos modernos que privilegiam a implantação do
edifício solto no lote em detrimento da constitutividade encontrada em assentamentos orgânicos.

Figura 33: Mapa de Integração Visual (VGA) Assentamentos

Fonte: elaborado pela autora

Quando sobrepomos as acessibilidades “ao caminhar” (axial) e “ao olhar” (vga), percebemos que na
favela existia uma coesão entre elas, eixos internos mais integrados “ao caminhar” (amarelos) eram
84

mais acessíveis “ao olhar” (variando do turquesa ao laranja), indicando que esses locais privilegiados
em termos de acessibilidade eram pontos com maior potencial de encontros que o restante da
estrutura. Principalmente, encontros entre moradores, pela estrutura em enclave que restringia
potenciais encontros entre os “de fora” e os “de dentro” da favela.

No conjunto com tapume, essa coesão espacial se perde, eixos mais segregados “ao olhar” (azul
escuro) possuem uma integração mediana “ao caminhar” (verde), enquanto alguns eixos que compõe o
grupo dos mais segregados “ao caminhar” (turquesa) tem uma melhor acessibilidade visual (que varia
do azul turquesa ao laranja). Esse achado reforça o potencial interno de pulverização do potencial
movimento dos próprios moradores na situação com tapume.

Ao sobrepormos essas acessibilidades ao conjunto sem tapume, a lógica da coesão de integração


retorna, os eixos mais integrados visualmente são eixos da borda do conjunto que fazem ligação entre
ele e a cidade. Na situação hipotética da derrubada do tapume, os eixos periféricos também ficariam
mais acessíveis “ao caminhar”, deixando o espaço com um maior potencial de confluência de
encontros entre diferentes em todos os níveis (figura 34).

Apesar de termos feito as análises de segmento, preferimos sobrepor a acessibilidade visual ao mapa
axial. Consideramos que ele representa melhor a realidade dos assentamentos. O mapa de segmento,
por ter mais cisões, particiona algumas lógicas reais que julgamos ser de grande importância para o
entendimento do sistema, como a quebra dos grandes eixos do conjunto.
85

Figura 34: Sobreposição das Acessibilidades “ao caminhar” e “ao olhar”

Fonte: elaborado pela Autora

Na análise dos espaços convexos, percebemos que a favela era um assentamento construído a favor
da convexidade, possuía áreas abertas bem definidas que resultaram em 60 espaços convexos. Nessa
situação, o espaço convexo médio encontrado foi de 54,36 m². O espaço do conjunto foi particionado
em 37 espaços convexos, o tamanho do espaço convexo médio encontrado para o São Pedro foi de
153,70 m². Segundo Holanda (2002) assentamentos que possuem menores áreas médias de espaço
convexo tendem a ter um uso mais alinhado com preceitos de urbanidade, ou seja, lugares que são
configurados para dar suporte à vida cotidiana, e promovem potencialmente um uso mais
“democráticos” dos espaços abertos; já espaços que possuem maiores médias tendem a ser mais
formais, com usos relacionados ao paradigma da formalidade, mais relacionados a uma potencial
hierarquização e apartação dos sujeitos que os utilizam.
86

Como podemos ver na figura 35, a favela era um lugar mais constituído que o conjunto. Apesar da
quantidade de muros cegos (31,6% da extensão de todas as fachadas), havia um número considerável
de espaços constituídos33 (43,1% da extensão de todas as fachadas) e conexões entre os domínios
público/privado que podiam ser realizadas através de portas (21,7% da extensão de todas as
fachadas). O volume considerável de fachadas ativas alimentava um potencial contato físico entre
moradores e os espaços abertos da favela. Segundo Monteiro (1997) essa morfologia é comum nesse
tipo de assentamento e potencializa solidariedades e encontros randômicos entre a população local
(figura 35).

No conjunto, notamos, que apesar de encontramos uma menor proporção de espaços cegos que na
favela (16,8% da extensão total das fachadas), poucos espaços são constituídos (1,3% da extensão
total das fachadas) ou se conectam ao espaço público através de portas (5,0% da extensão total das
fachadas). O contato entre o morador e a rua se dá, principalmente, por janelas (55,3% da extensão
total das fachadas). A porta dos apartamentos, nesse caso, se abre para o hall que liga o edifício com a
rua; a constitutividade casa / rua e o contato físico direto entre moradores / espaços abertos é perdido,
todavia, permanece o contato visual com a rua do São Pedro através das janelas (figura 35).

Nas figuras 35 e 36, podemos perceber que situação do conjunto com tapume ainda intensifica a
separação morador / cidade, ao criar uma barreira a mais para a visualizar ou estar na rua da cidade.
Essa situação ainda cria um campo restritivo de movimento para os transeuntes das ruas adjacentes. É
uma barreira contínua, cega, “sem olhos” para ela. A favela, apesar da estrutura em enclave, tinha uma
borda que dialogava com a cidade através de um alto nível de constituição e permeabilidade entre
espaço público/privado (figura 35). A simulação do conjunto sem o tapume, com “olhos na rua”,
confirma a maior permeabilidade visual que a situação traria para o local e para a cidade como um todo
(figuras 35 e 36).

33 Consideradas espaços constituídos fachadas que tem máxima conexão com a rua, ou seja, se ligam a
transição entre espaço público e privado é feita através de porta e janela.
87

Figura 35: Mapa de Interfaces público/privado

Fonte: elaborado pela Autora


88

Figura 36: Simulação do Espaço sem Tapume.

Fonte: Google Earth / Acervo da Autora

A favela e sua borda também tinham uma variedade de usos maior que a do conjunto entregue aos
moradores, No Maruim, diferenciamos dois tipos de uso: o da borda e o interno. A borda, local mais
acessível do sistema abriga (ainda) lojas de pescados que se relacionam com as atividades do Canto
do Mangue, comércios mais amplos se comparados aos internos. Tal característica estrutura um tipo
de “economia de borda” (GREENE, 2003) (figura 37), comum nesse tipo de assentamento informal,
reforçada, principalmente, pela característica da integração marginal que segue a lógica do ciclo do
movimento natural apontada por Hillier ([1996] 2007), na qual locais mais acessíveis tendem a ter um
maior potencial de movimento, movimento tende a atrair comércio que tende a atrair mais movimento.
89

Com relação aos usos internos da favela, percebemos a existência de comércios menores, a maioria
improvisado na sala das casas. Ainda ressaltamos a presença de uma praça e uma biblioteca em
frente ao antigo espaço da favela, corroborando para a variedade de usos do entorno.

O conjunto, projetado para o uso habitacional, varia com a presença de um centro comunitário e de
uma quadra. Seu entorno é bem servido de comércios e serviços, ainda que em nada se assemelhem
ao tipo existente anteriormente na favela. Como veremos adiante, novos usos estão emergindo no
espaço interno do conjunto como ações espontâneas dos moradores.
90

Figura 37: Mapas de Uso e Ocupação do Solo

Fonte: elaborado pela autora


91

Podemos afirmar que a comunidade virtual que se forma é diferente para cada um dos espaços. Na
favela, a borda acessível e bem constituída com a cidade monta uma configuração em enclave na qual
a interface do potencial de encontros entre diferentes (moradores/estranhos) é reduzida. Todavia, o
núcleo bem estruturado articula acessibilidades que resultam em pontos de alta confluência de
potencial de movimento de moradores ainda reforçada pela alta constitutividade, os “olhos na rua” e a
diversidade edilícia e de usos.

A forma da favela, como já dito anteriormente vai ao encontro de características encontradas por outros
estudos para esse tipo de assentamento (SOBREIRA, 2003; LOUREIRO, 2017). Isto é, uma morfologia
da autosegregação, de “não serem vistos” em nome da proteção de um modo de vida existente dentro
do lugar. Um modo de vida complexo, com conflitos internos e luta diária pela sobrevivência em um
local insalubre, onde falta o básico; mas é o lugar de moradia, onde há uma relação de pertencimento,
vivência com o espaço, com os vizinhos e existem hábitos preestabelecidos.

Na hipotética mudança da população para um conjunto sem tapume, essa lógica de vida espacial
preexistente seria completamente alterada. O São Pedro planejado se abre para a rua, favorecendo a
copresença de diferentes. Sua estrutura homogênea e rasa, com ponto de vantagem visual na rua
central e a ausência da barreira fixa (o tapume) atrairia, potencialmente, estranhos para os espaços
abertos de “dentro” do conjunto e a lógica da proteção e da autosegregação se dissiparia. No entanto,
não pudemos verificar isso na situação real; uma vez que a presença do tapume quebra essa lógica e
retoma a estrutura separatista que restringe potenciais encontros entre moradores e visitantes existente
na favela.

A barreira contínua (o tapume) ainda exerce potenciais efeitos sobre o movimento da cidade ao
funcionar como um muro cego que esconde os “olhos da rua” dentro do São Pedro. O elemento ainda
atua como potencial inibidor da efetivação do movimento hipotético das ruas adjacentes.

Vale ressaltar que os vários resultados obtidos se referem ao potencial do espaço em criar
comunidades virtuais. Não há uma garantia que elas sejam efetivadas na realidade. Todavia, estudos
da área sintática mostram que, de fato, há uma relação entre a comunidade virtual e modos de uso
encontrados no espaço real (TENÓRIO, 2012). Mais adiante verificaremos se, e até que ponto isso é
válido para o nosso trabalho.
92

4
A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO
ESPAÇO REAL

Neste capítulo nos aprofundamos nos usos dos espaços abertos reais do Maruim e do São Pedro,
buscando compreender se, e como, o campo de encontro potencial gerado pela forma do espaço,
discutido no capítulo anterior, é efetivado na realidade, isto é, no espaço físico concreto, tal qual
utilizado por pessoas reais. Pesquisas de campo vem confirmando grandemente a existência de uma
correlação entre o potencial de encontros (gerados pela forma espacial) e modos de uso no espaço
real (HANSON, 2000; HEITOR, 2001; TENÓRIO, 2012; NETTO, 2017). Nesta dissertação utilizamos
dois métodos para verificação in loco:

i. O primeiro, amplamente utilizado em estudos sintáticos e/ou morfológicos para confirmação do


potencial da arquitetura é a observação do movimento e do espaço físico real. Fizemos
dois tipos de observação: da atividade peatonal dos indivíduos e dos traços físicos do
conjunto e da favela (espaços apropriados e vulneráveis). A intenção da observação da
atividade peatonal é entender a densidade e distribuição do movimento e copresença dos
indivíduos nos espaços abertos e de que maneira esse uso real corrobora com achados
espaciais explorados no capítulo anterior. O objetivo da observação dos traços físicos é
entender padrões de distribuição de ações de apropriação e vulnerabilidade e se, e como, elas
estão relacionadas com a atividade peatonal e com o potencial de movimento do espaço.
Abordamos as observações e os resultados provenientes delas no tópico 3.1 de título “o que
fazem”;
ii. O segundo consiste na aplicação de entrevistas semiestruturadas. Este método precisou
ser utilizado como suporte para o primeiro. Como a mudança para o conjunto e a demolição da
favela ocorreu em julho de 2016, momento em que esta pesquisa estava em andamento havia
apenas 06 meses, não foi possível obter a quantidade de observações necessárias para um
panorama mais amplo. A entrevista, então, entrou na pesquisa como maneira de tentar superar
algumas limitações e investigar vestígios de usos no Maruim através das falas dos moradores.
Este método e os resultados obtidos estão no tópico 3.2 “o que dizem”.

Os resultados desta fase foram sobrepostos e correlacionados com as análises espaciais no intuito de
vislumbramos um panorama geral acerca da efetivação do potencial de copresença dos lugares,
93

explorado no capítulo anterior. Em alguns momentos esses resultados parecem e são de fato, bastante
descritivos, sistematizados e/ou matematizados. O instrumental da ASE nos leva a resultados como
esses, como era, aliás, nossa intenção desde o início. Entendemos e não negamos que há uma
complexidade social neste caso e, em alguns momentos, nos aprofundamos em certas questões que
pensamos ser pertinentes para a explicação de quesitos espaciais. Obviamente, nem tudo é espaço e
algumas dimensões sociais escapam à abordagem proposta, pois são de outra natureza que não estão
sendo exploradas nesta dissertação. Reconhecemos, portanto, os limites de nossa análise. As portas
estão abertas para futuras pesquisas sobre o tema que abarquem outras dimensões.

4.1. Como analisar o Que Fazem

No capítulo anterior (Cap. 3), extraímos resultados da análise espacial que apontaram certos padrões
de copresença e uso potencial dos espaços abertos da favela e do conjunto. Para entender o índice de
realização desse potencial no espaço real, recorremos a observação in loco dos espaços abertos.
Segundo Tenório (2012), em seu trabalho sobre a análise da vida pública em Brasília, quando
trabalhamos com usos reais dos lugares, não podemos ficar apenas no nível da análise espacial, é
necessário validar o potencial da arquitetura através de uma pesquisa de campo.

As observações do espaço real foram divididas em duas vertentes que julgamos ser importantes para
entender o uso e a relação dos moradores com os dois espaços e se, e como, essa ligação pode ter
sido alterada de alguma maneira com a mudança espacial:

i. Inicialmente observamos a distribuição e densidade da atividade peatonal da população


pesquisada enquanto moradores da favela e do conjunto. A decisão por verificar esses
aspectos em primeiro lugar foi para entender o padrão e a frequência da presença de pessoas
nos espaços abertos de ambos os assentamentos, e de que maneira a comunidade virtual
indicada pela análise do potencial da arquitetura era/é efetivada nas duas realidades, a do
Maruim e do São Pedro.
ii. Em seguida observamos traços físicos do ambiente, investigando vestígios de uso deixado
pelos moradores no ambiente físico, no sentido de entender ações de apropriação e/ou
vulnerabilidade dos espaços “internos” dos dois assentamentos. A intenção dessa observação
é compreender a relação que essa população mantém com o espaço construído e como essa
relação está relacionada com a atividade peatonal e com o potencial de copresença gerado
pela morfologia.
94

Os métodos e as técnicas relacionadas com cada uma das observações foram diferentes; para facilitar
o entendimento e a cadência do trabalho, os dividimos em tópicos distintos, apresentados a seguir.

Atividade Peatonal

A observação da atividade peatonal se configura como importante elemento para o entendimento dos
usos locais, o modo como se distribui a circulação, os encontros e o convívio da população. Dela ainda
é possível extrair conjecturas sobre aspectos de vitalidade, abandonos e vulnerabilidades dos espaços
urbanos (HEITOR, 2001).

Neste trabalho, o método da observação da atividade peatonal foi baseado na metodologia das
pesquisas de Hillier et al. (1987) e Hillier et al.(1993). Basicamente, consistiu em observações diretas
das pessoas nos espaços abertos dos assentamentos, de modo sistemático ao longo de um percurso
previamente estabelecido (figura 38). Durante este percurso de observação, realizamos uma
caracterização e quantificação das pessoas no espaço através de mapas de copresença. Nesses
mapas, os fluxos de pedestres são traduzidos para uma convenção gráfica de fácil legibilidade (no
nosso caso, pontos no espaço), que permitem ao pesquisador analisar a frequência, a contiguidade de
utilização dos lugares, as atividades que estão sendo realizadas, a composição e tipos de interação
entre indivíduos da população analisada. Na favela, devido à data de demolição, só foi possível realizar
um levantamento (no sábado 25/06/2016 às 11h da manhã), limitação que buscamos superar pela
aplicação da entrevista (como veremos adiante). Já com relação ao conjunto, visando construir uma
amostra representativa do uso local, foram realizadas diversas observações em outubro de 2017. Os
levantamentos do uso do espaço foram realizados em diferentes dias da semana (terça-feira, sexta-
feira e sábado) e em horários pré-estabelecidos pela manhã e pela tarde (entre 08h e 09h, entre 11h e
12h, entre 15h e16h). Não foram feitas observações à noite por opção. A decisão levou em conta a
segurança da autora deste trabalho (realizadora das observações in loco) diante de algumas ações
antissociais que alguns moradores relataram acontecer durante à noite no local.

Para sistematizar os achados das visitas, criamos categorias de análise escolhidas para estruturarmos
um panorama sobre a diversidade e tipos de atividades exercidas pelas pessoas nos espaços abertos.
Distinguimos os grupos em:

i. Faixa etária / Variedade de Gênero: adulto (masculino e feminino) e criança, para entender a
representatividade de cada um nos usos dos espaços abertos;
ii. Tipo de atividade: se era efêmera - indivíduos de passagem ou realizando atividades de curta
duração como estender roupa - ou de permanência, indivíduos que permaneciam no espaço
público conversando, trabalhando, admirando a paisagem – para nos aprofundar nos modos de
encontro e interação.
95

Para o campo levamos um mapa nolli dos assentamentos impressos e à medida que percorríamos a
rota previamente determinada, anotávamos com caneta de cores variadas o grupo etário e o tipo de
atividade. Para a representação de grupos etários marcamos: adultos do sexo masculino com a cor de
caneta azul claro, adultas do sexo feminino com a caneta da cor vermelho e crianças na cor lilás. Para
a diferenciação do tipo das atividades utilizamos um código: “x” para atividades de permanência; “y”
para atividades efêmeras (figura 38).

Figura 38: exemplo do mapa elaborado em campo

Fonte: elaborado pela autora


Na representação gráfica computacional traduzimos os indivíduos como pontos no espaço,
diferenciando os grupos etários por cores: homens ganharam a cor preta; mulheres permaneceram
como pontos vermelhos e crianças como pontos lilás; com relação aos tipos de atividades trocamos a
96

simbologia de “x” e “y” por círculos e estrelas, atividades efêmeras foram marcadas com o círculo,
enquanto as de permanência viraram estrelas.

Os resultados das observações foram correlacionados com variáveis espaciais. Para essas correlações
espaço/uso, o tapume precisou ser levado em consideração por estar presente na situação real no
momento das observações (ainda é a situação atual). Dessa maneira, as variáveis espaciais que
aparecerão nas análises serão do São Pedro com a barreira. Os mapas de copresença sobrepostos ao
resultado da análise espacial foram tratados e interpretados no QuantumGIS; os dados ainda foram
exportados para o Microsoft Office Excel34 para a sistematização dos resultados e formulação de
gráficos que facilitassem o entendimento.

Observação do Ambiente Construído

Observar os traços físicos do ambiente construído significa olhar para o local em busca de vestígios de
atividades espontâneas que aconteceram previamente à observação. Traços que foram deixados
conscientemente ou inconscientemente pelos moradores em seu entorno sem o pensamento que estes
pudessem ser medidos por pesquisadores (ZEISEL, 2006).

Segundo Zeisel (2006) uma das principais qualidades deste método é a abordagem pouco invasiva, o
levantamento pode ser feito a partir de fotografias ou mapas dos ambientes construídos, sem que os
moradores locais percebam e possam mudar seu modo de agir, alterando resultados da pesquisa.

Para esta etapa do trabalho, foram realizadas visitas in loco. No espaço da favela, as visitas foram em
menor número, pelo fato da demolição já citado anteriormente. No conjunto, foram realizadas inúmeras
visitas a partir de 2016 (data da mudança), sendo a mais recente no mês de abril de 2018. Em todas as
visitas, anotamos traços físicos que se destacaram e aparentemente se tornaram/eram permanentes
nos ambientes dos assentamentos. O registro in loco foi feito a partir de fotografias e anotações em
mapas da favela e do conjunto. Nesses mapas destacamos 02 tipos de aspectos físicos principais:

i. Vestígios de apropriação do espaço: modificações no ambiente físico que indicassem um


cuidado e a possível relação de pertencimento que os moradores tinham/tem com certas
áreas;
ii. Vestígios de vulnerabilidade no espaço construído: traços de negligência e transgressão nos
espaços abertos dos assentamentos.

34 O Microsoft Office Excel é um editor de planilhas produzido pela Microsoft para computadores que utilizam o
sistema operacional Microsoft Windows.
97

Os resultados dessas observações foram correlacionados com achados das atividades peatonais e dos
estudos morfológicos em busca de descobrir se há uma congruência entre a morfologia do espaço, o
movimento peatonal real e a espacialização dessas ações.

4.2. Resultados: “o que fazem”

Seguindo a lógica do item anterior, neste tópico apresentaremos os resultados das observações da
atividade peatonal e de traços físicos da favela e do conjunto. Seguindo a mesma lógica anterior,
apresentamos os resultados individuais e depois comparamos os resultados dos assentamentos na
perspectiva da influência do espaço em possíveis modificações em modos de usos dos espaços
abertos.

4.2.1. Resultados: observação da atividade peatonal

Para o levantamento da atividade peatonal na favela (realizado em uma única observação, por motivos
já explorados anteriormente), resultados dão conta que existia uma diversidade de faixas etárias,
gêneros e tipos de atividade, com vantagem para mulheres em atividades de permanência no espaço
no momento da observação. Pela análise da distribuição do tipo de atividade, foi possível constatar que
pessoas que exerciam atividades de permanência se encontravam, em sua maioria, em grupos
“convexos” vinculados à abertura de alguma (ou algumas) residências.

Ao sobrepor o resultado da observação ao mapa axial e ao mapa de visibilidade, é possível verificar


que apesar da quantidade de pessoas na rua, a maioria dos indivíduos estavam concentrada em
alguns eixos de maior média acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” do sistema (figura 39). A favela,
como já dito anteriormente, é um sistema com uma forte estruturação e coesão espacial; não por
coincidência, vias mais acessíveis “ao caminhar” são também mais acessíveis “ao olhar”, e nessas se
encontra a maior densidade de movimento do sistema.

Em apenas 26% (10 eixos) dos 39 eixos que compunham a favela foi possível constatar a presença de
algum indivíduo. Sete (70%) desses 10 eixos onde se concentra o movimento são compostos pelas
linhas de maior ou média acessibilidade do sistema, com destaque para os dois eixos internos mais
integrados “ao caminhar” e “ao olhar” (locais com mais pessoas) (figura 41). Os outros 30% dos 10
eixos onde estava concentrada a animação eram linhas de menor integração onde, coincidentemente,
encontramos menos pessoas. 74% do total de eixos do sistema não possuíam nenhum tipo de
movimento, o que aponta, que de fato o potencial de encontros previsto na análise morfológica é
efetivado na realidade, tendo a constitutividade como suporte para atividades de permanência (figura
39).
98

Figura 39: observação dos modos de uso na favela

Fonte: elaborado pela autora


99

No São Pedro foi possível realizar um maior número de observações (como já explicado
anteriormente). Um total de nove visitas in loco distribuídas em três dias diferentes da semana (terça-
feira, sexta-feira e sábado) em horários que variaram entre o começo da manhã até o final da tarde
(das 8h – 9h, das 11h -12h, das 15h – 16h).

Durante as visitas, documentadas nas figuras que vão de 41 a 46 (mostradas adiante), percebemos
uma quantidade considerável de pessoas nos espaços abertos do conjunto em todos os horários.
Dentre os usuários, encontramos uma diversidade de gêneros, faixas etárias e tipos de atividades em
todas as visitas.

As observações dos dias de semana (terça-feira e sexta-feira) seguiram uma lógica da variação de
quantidade de pessoas na rua do conjunto, ambas demonstrando um decréscimo do movimento na
segunda observação do dia (entre 11h e 12h) e um aumento considerável na última observação (entre
15h e 16h), enquanto o sábado seguiu uma linha crescente do número de pessoas por horário (figura
40). O ápice do movimento foi na observação 3 do dia 27/10/2017, sexta-feira no final da tarde, instante
em que encontramos 100 pessoas utilizando o espaço aberto do conjunto. A observação que
constatamos menor movimento foi a número 2 (entre 11h e 12h) da sexta-feira 27/10/2017, 38 pessoas
na rua.

Figura 40: gráfico do número de pessoas por observação no Conjunto São Pedro.

Fonte: elaborado pela autora

Com relação ao tipo de pessoa (criança, adulto homem, adulto mulher), percebemos que as três
categorias utilizam o espaço, com uma leve vantagem para mulheres adultas com uma média de
37,05%, enquanto homens adultos são 34,80% e crianças em geral 28,15% (figura 41).
100

Figura 41: gráficos do tipo de pessoas encontradas por observação no Conjunto São Pedro.
101

Fonte: elaborado pela autora

Com relação ao tipo de atividade das pessoas no espaço, notamos que as atividades de permanência
superaram as momentâneas na maioria das observações, na média geral 63,15% das pessoas
presentes no espaço no momento das observações estavam em situação de permanência, enquanto
36,85% realizavam alguma ação efêmera. A exceção foi a observação do início da manhã da sexta-
feira (27/10/17), na qual encontramos exatamente a mesma quantidade de pessoas realizando as duas
atividades (figura 42).
102

Figura 42: Médias dos tipos de atividades realizadas no espaço no momento das observações no Conjunto São Pedro.

Fonte: elaborado pela autora

Indivíduos em situação de permanência no espaço estavam, em geral, agrupados em “rodinhas” ou


linhas de conversa. Esses grupos, na maioria das observações, costumavam estar vinculados a duas
variáveis espaciais específicas: portas dos blocos de apartamentos e às esquinas do conjunto. Vale
ressaltar que as esquinas em que estavam localizados são pontos de vantagem visual (mais integrados
visualmente) (figuras 43 a 48).

A graduação da densidade de movimento de cada eixo variou em cada observação, como podemos ver
nos mapas apresentados adiante (figuras 43 a 48). No entanto, há uma recorrência de maior presença
103

de pessoas na rua central, nas duas extremidades em um dos lados do conjunto, estruturando um
padrão de movimento em “C” invertido. Na sobreposição das observações ao mapa axial, é possível
notar, que as pessoas tendem a ocupar em maior grau o grupo de linhas mais integradas (composto
pelo eixo central – único eixo interno - e eixos da borda) e o grupo de linhas mais segregadas “ao
caminhar”. Linhas com índice de integração mediano, tendem a ser menos ocupadas (figuras 44, 46 e
48). Quando realizamos a sobreposição das observações ao mapa de intervisibilidade do sistema,
percebemos que a ocupação tende a se concentrar em pontos com maior vantagem visual, lugares
mais segregados “ao olhar” são pouco movimentados. Esses lugares visualmente desprivilegiados, por
sua vez, coincidem com linhas de acessibilidade mediana “ao caminhar” (figuras 43, 45 e 47). No São
Pedro, as pessoas costumam estar na rua, mas em locais mais acessíveis “ao olhar” que “ao
caminhar”.
104

Figura 43: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 21/10/2017 sobreposta ao VGA que
mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN

Fonte: elaborado pela autora


105

Figura 44: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 21/10/2017 sobreposta
ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Fonte: elaborado pela autora


106

Figura 45: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 24/10/2017 sobreposta ao VGA que mostra
a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Fonte: elaborado pela autora


107

Figura 46: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 24/10/2017 sobreposta
ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Fonte: elaborado pela autora


108

Figura 47: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 27/10/2017 sobreposta ao VGA que mostra
a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Fonte: elaborado pela autora


109

Figura 48: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 27/10/2017 sobreposta
ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Fonte: elaborado pela autora


110

Quando realizada a comparação da atividade peatonal de indivíduos em ambos os assentamentos, foi


possível afirmar que o espaço da favela, autoconstruído, apartado da cidade, entretanto, fortemente
estruturado internamente, efetiva na realidade o potencial virtual do espaço encontrado no capítulo
anterior; existe uma coerência entre a hierarquia das partes, acessibilidades e constitutividade com a
copresença de indivíduos observados na realidade. No conjunto geometricamente planejado,
características espaciais que, segundo a literatura, teriam potencial para restringir campos de encontro,
como a baixa acessibilidade de algumas vias, a ausência de uma hierarquia bem definida, a ausência
de pátios de reuniões e a baixa constutividade, aparentemente, até o presente momento, não estão
causando os efeitos esperados. A população persiste em estar nos espaços abertos do conjunto São
Pedro, em grupos, assim como verificado no Maruim.

Ainda com relação às práticas cotidianas verificadas durante as observações, foi perceptível que no
conjunto São Pedro as pessoas possuem hábitos de atividades no espaço aberto diferente de quando
estavam no Maruim. Na favela, a rua funcionava como extensão das casas. Práticas domésticas, como
lavar roupa aconteciam frequentemente nos espaços abertos. Esses locais ainda eram utilizados para
trabalhos relacionados à pesca. Não era incomum chegar na comunidade e encontrar um grande
número de mulheres sentadas nas cadeiras descascando camarão. No conjunto, as pessoas
permanecem na rua, no entanto, a maioria em rodas de conversa ou observando as crianças
brincarem. Durante todo o período de visitas (que durou até abril de 2018), encontramos apenas um
senhor utilizando a rua do conjunto para executar alguma atividade ligada à pesca (ele estava tecendo
uma rede de pesca).

É valido destacar que nos dois assentamentos no momento da observação não foi notada a presença
de muitos estranhos, exceto uma freira na observação do Maruim que aparentemente parecia
conhecida e era convidada das moradoras, pois estava em roda de conversa. A ausência de estranhos
foi validada nas entrevistas (como veremos adiante).

O que devemos levar em consideração é que aparentemente mesmo não havendo mudanças bruscas
na quantidade de pessoa utilizando os espaços abertos, mesmo diante de um espaço que não
favorece encontros (no caso do conjunto), o tipo de ocupação e relações espaciais com o espaço
aberto e com os vizinhos são outras. Na favela, a localização privilegiada, ao lado dos comércios do
Canto do Mangue e do Rio Potengi, favorecia a consolidação de uma atividade que gerava renda para
a população. A rua, no caso da favela, além de local de encontro e troca era o ambiente de trabalho de
muitos homens e mulheres, relações complexas que foram quebradas com a mudança já que no
conjunto, esse tipo de relação trabalho / espaços abertos não se consolidou.
111

A questão é que se trata de uma população de baixo poder aquisitivo que em parte tirava de alguma
maneira vantagem para sua subsistência nas relações favorecidas pela localização espacial. No
conjunto, aparentemente o custo de vida é maior (agora “legalizados” eles têm novas contas para
pagar) mas parte dos chefes de família perderam sua principal fonte de renda. A intenção, como já
tratado anteriormente, é que se construa um centro comunitário na antiga borda da favela que abrigue
esses usos relacionados à pesca, nesse caso outras relações serão quebradas.

As fileteiras, em sua maioria mulheres (como podemos ver no tópico 1.3), precisavam que os trabalhos
fossem nas portas de casa para concomitantemente à filetagem pudessem ter o domínio de atividades
domésticas, como cozinhar e cuidar das crianças, como mesmo afirma uma das moradoras do
conjunto:

“A diferença é que na favela eu descascava camarão com minhas vizinhas, lá eu


ficava descascando camarão e ficava mais perto de casa, podendo olhar minha
casa, aqui eu não faço isso”. (MORADORA DO CONJUNTO).
Provavelmente, por essa nova situação, novos padrões relacionais entre espaço / pessoas / uso
surgirão após a construção do centro da antiga área da favela. Fica aberta a sugestão para futuras
pesquisas investigarem o desenrolar dessa situação.

4.2.2. Resultados: observação dos traços físicos do ambiente (apropriação x vulnerabilidade)

Durante as observações do espaço real foi possível verificar apropriações e vulnerabilidades


delineadas nas áreas abertas da Favela do Maruim e do conjunto São Pedro. A apropriação e a
vulnerabilidade dos espaços comuns não são o foco desta dissertação, no entanto, encontramos
correspondências entre a distribuição da copresença das pessoas no espaço e localizações diferentes
de apropriações e vulnerabilidades nos assentamentos; especificamente, como se a graduação da
densidade do movimento causasse alguns efeitos sobre o modo como o espaço é / era tratado e
modificado pelos moradores.

Segundo Mourão e Cavalcante (2006) a apropriação é um processo dialético entre o homem e o meio
em que vive. O sujeito age sobre o entorno, modificando-o, para se sentir ligado e pertencente ao lugar.
Emerge da necessidade humana de enraizamento no ambiente, um processo essencial para que exista
um sentimento de identificação e pertencimento do homem com o espaço da vida cotidiana. É
dependente de alguns fatores, dentre os quais os mais recorrentes são a forma do espaço, local de
moradia, tempo de moradia e necessidade de alteração por parte do morador.

A vulnerabilidade, por sua vez, diz respeito a atitudes de negligência e transgressão no espaço por
parte da população que o utiliza. De acordo com Heitor (2001) ações de negligência estão relacionadas
à ausência de manutenção e limpeza dos espaços de uso comum dos conjuntos, manifestado,
112

primordialmente pela presença de lixo e excrementos de origem humana ou animal. Já ações de


transgressão estão vinculadas a propósitos agressivos e ofensivos, como a destruição dos
equipamentos de uso comum, grafites, pichações e danificação de janelas e portas dos edifícios.

Na parte interna do Maruim era possível encontrar ações dos dois tipos. As de apropriação estavam
ligadas à presença de marquises improvisadas e “puxadas” construídas para sombrear os espaços
abertos. Além disso, verificamos a existência de pequenos comércios sempre vinculados a alguma
residência. Com relação a ações que imprimem a marca da vulnerabilidade espacial, destacamos a
presença de pichações e lixo acumulado em alguns pontos (figura 49).

Como apresentado na figura 49, as ocorrências de apropriação seguiam um claro padrão de


distribuição espacial atrelado a vias de maior acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar”, confirmando o
potencial encontrado na análise espacial. Para ações de transgressão e negligência não encontramos
uma recorrência configuracional que explicasse espacialmente sua existência. Ocorriam em vias mais e
menos integradas. As pichações eram encontradas, em sua maioria, em muros cegos de fundos de
imóveis e espaços sem uso. A presença de lixo, por sua vez, não estava atrelada a nenhuma variável
morfológica específica, provavelmente a distribuição dos focos de lixo em espaços variados ocorre por
outros motivos que fogem da explicação formal deste trabalho e perpassam pelas fragilidades de um
espaço altamente adensado com serviços fragilizados de infraestrutura urbana.
113

Figura 49: recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço da Favela do Maruim

Fonte: elaborado pela autora

No São Pedro verificamos os dois tipos de ocorrências em diferentes níveis, apesar da ocupação
relativamente recente (foi ocupado em julho de 2016). Com relação a mudanças para fins de
apropriação, destacam-se ações de plantações e jardinagens, modificação de usos das casas para
comércios, galinheiros, e, mais recentemente, a implantação de uma oficina de bicicletas e de um bar
dentro do conjunto. Mudanças evidentes, mas que não alteraram significativamente a morfologia do
projeto entregue aos moradores até este momento. Com relação a ações que podem causar algum tipo
de vulnerabilidade no espaço, é possível notar a presença de lixo e excrementos animais espalhados
por algumas áreas e ainda a destruição dos equipamentos do playground.

Na figura 50 é possível perceber que as ações de apropriação e vulnerabilidade no conjunto se


relacionam com a variável espacial de acessibilidade “ao olhar” e a distribuição da copresença e
114

movimento de pessoas no espaço (também atrelada a esta variável como foi mostrado no tópico
anterior). Em geral, observamos que em áreas mais movimentadas, espaços mais compartilhados
entre todos do conjunto, como o eixo central, são menos cuidados, nota-se maior presença de lixo,
depredações das casas de gás de alguns edifícios e ainda menor apropriação se comparadas com
áreas de menor índice de presença de pessoas e/ou que são controladas por algum morador. As áreas
menos acessíveis “ao olhar”, são o alvo principal das duas ações, a diferença é que quando essas
áreas visualmente segregadas e pouco movimentadas estão sob controle de algum edifício ou
morador, elas são locais limpos, com ações de jardinagem bem executadas e mais bem cuidadas que
todas as outras plantações encontradas no conjunto, ou com criação de galinhas bem cuidadas, com
cerca e ração; já em áreas com baixa acessibilidade visual que são espaços “de todos” sem um
controle perceptível e sem relação direta com nenhum edifício é possível encontrar traços de
negligência e transgressão como a presença de lixo e excremento e danificação de equipamentos
comunitários.

Ainda na figura 50, que retrata as ações de apropriação e vulnerabilidade no conjunto São Pedro,
destacamos que os comércios existentes até então são de dois tipos: aqueles que utilizam a estrutura
do apartamento para montar algum tipo de venda ou restaurante, os ditos usos mistos; e aqueles que
possuem uma estrutura independente do apartamento, quiosques e trailers montados na rua. Ambos
são encontrados em sua maioria em pontos com maior acessibilidade “ao caminhar” e ao “olho”,
confirmando a lógica do ciclo do movimento natural de Hillier (2007), ainda que se trate de um
ambiente controlado (principalmente, pela presença do tapume).
115

Figura 50: recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço do Conjunto São Pedro

Fonte: elaborado pela autora

No conjunto, retratado na figura 51, notamos que a prática recorrente na favela de estender roupas no
espaço de uso comum perdura. Geralmente, a prática ocorre em áreas de maior controle visual
imediatamente à frente do bloco em que moram. A ação ainda se repete, principalmente, devido ao
diminuto tamanho da área de serviço do apartamento e à ausência de um planejamento de uma área
para esse fim dentro das casas. O tapume, que aparta o conjunto da rua, até certo ponto facilita a
permanência dessa prática.
116

Figura 51: A e B. roupas estendidas na favela / C e D. a recorrência da prática no conjunto

Fonte: acervo da autora

4.3. Como Analisar: O que Dizem

Para nos aprofundarmos um pouco mais nas dinâmicas locais e tentarmos superar algumas limitações
que encontramos no decorrer da dissertação, optamos por utilizar entrevistas semiestruturadas como
método de suporte ao entendimento dos usos reais. As entrevistas foram feitas durante o período de
dezembro de 2017 a janeiro de 2018. A realização das conversas em uma data avançada para a
pesquisa foi uma escolha para que pudéssemos ter também um panorama mais recente, a partir da
fala dos moradores. Ao total foram aplicadas 24 entrevistas semiestruturadas, com 12 homens e 12
mulheres maiores de 18 anos, moradores do conjunto, provenientes da Favela do Maruim.

Segundo Haguette (1997) a entrevista de maneira geral consiste em um processo de interação social
entre duas pessoas, em que uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de dados
objetivos e/ou subjetivos através de perguntas direcionadas a outra parte, o entrevistado. Nesta
pesquisa optamos por utilizar entrevistas semiestruturadas, cuja composição é baseada na
estruturação de um roteiro com tópicos gerais e/ou perguntas previamente estabelecidas. O
pesquisador deve seguir o roteiro de modo que a conversa entre as partes se desenrole semelhante a
117

uma conversa informal. Durante o processo, o entrevistador deve ficar atento para dirigir a discussão
para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para questões que, por ventura, não
foram elucidadas, recompondo o contexto da entrevista sempre que precisar, caso o informante fuja do
assunto ou tenha algum tipo de dificuldade (ALVES; SILVA, 1992; BONI; QUARESMA, 2005).

A nossa opção pela entrevista semiestruturada aconteceu por entendermos que deixar o discurso do
entrevistado fluir de uma forma natural, menos dura, favoreceria uma atmosfera de confiança troca de
informações entre os envolvidos.

O desenvolvimento e eficácia da aplicação das questões/roteiro da entrevista está vinculado ao modo


com que essas questões são preparadas. Nesse processo, é essencial que o entrevistador tenha um
alvo bem delineado, fundamentado em pressupostos teóricos e em um conhecimento prévio da
realidade (ALVES; SILVA, 1992). Buscando responder nossa hipótese35, tentamos entender
incialmente se havia / há um uso dos espaços abertos da favela e do conjunto; em caso de resposta
positiva, a entrevista caminhava para entender como se davam / se dão as atividades realizadas, os
tipos de interação entre moradores e/ou estranhos, onde eles realizavam/realizam as atividades citadas
e em que horário isso acontecia. Por fim, adicionamos uma questão que julgamos ser pertinente,
acerca da presença do tapume, aspecto inerente ao entendimento da relação de dentro para fora, dos
habitantes do conjunto com a cidade (figura 52).

35A natureza morfológica do conjunto é oposta à da favela, sendo assim, altera tipos de relações espaciais, da
micro à macro escala e modifica padrões de copresença e interação entre os diferentes indivíduos no espaço –
moradores e estranhos. Isso subverte a lógica auto defensiva e de proximidade da favela para um movimento
mais similar ao da cidade de maneira global - onde há uma maior mistura de moradores e estranhos. A abertura
para a cidade aproxima a comunidade da lógica do discurso do medo e da necessidade de reclusão dentro de
casa.
118

Figura 52: roteiro da entrevista semiestruturada

Fonte: elaborada pela autora

A entrevista foi submetida e aprovada pelo comitê de ética UFRN – HUOL em maio de 2017
(comprovante no Anexo 01). Foram aplicadas 24 entrevistas entre dezembro de 2017 e janeiro de
2018, correspondendo a 13,87% do número de unidades habitacionais do conjunto destinadas a
moradores provenientes da Favela do Maruim36. Inicialmente, a perspectiva era que fizéssemos 30
entrevistas, entretanto, a medida que avançávamos na aplicação do método fomos nos deparamos
com um “fechamento amostral por saturação”37, não sendo considerado relevante persistir na coleta de
dados, pois as informações começaram a se repetir sistematicamente, não mais contribuindo
significativamente para o aperfeiçoamento da reflexão sobre o caso. Os pré-requisitos básicos para
escolha dos entrevistados era que fossem pessoas maiores de 18 anos provenientes da Favela em
estudo, se possível, que não fossem da mesma família, nem morassem na mesma casa. Todos os
respondentes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), também aprovado

36 O conjunto tem um total de 200 unidades habitacionais, no entanto, 24 apartamentos foram destinados para
famílias provenientes de outras áreas de risco de Natal.
37 Segundo (FONTANELLA; RICAS; TURATO, 2008) o fechamento amostral por saturação consiste na

suspensão da inclusão de novos participantes na pesquisa quando os dados obtidos passam a apresentar, na
avaliação do pesquisador, uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na
coleta de dados. Informações
119

pelo Comitê de Ética, afirmando estarem de acordo com a entrevista (Anexo 02). As 24 entrevistas,
coincidentemente, foram divididas entre 12 homens e 12 mulheres.

Todas as 24 entrevistas foram realizadas pela autora deste trabalho. No momento da coleta dos dados,
as transcrições das falas foram anotadas com caneta e posteriormente passadas para um arquivo
elaborado no Microsoft Word38. Os textos foram interpretados e deles foram retiradas palavras chaves
recorrentes em cada resposta, as quais passaram a compor uma planilha de dados elaborada no
Microsoft Excel, programa em que também foram elaborados os gráficos com os resultados
apresentados adiante. A intenção era que áudios das entrevistas ficassem registrados através de
gravações, no entanto, houve uma negativa por parte dos entrevistados para esse recurso.

4.4. Resultados: entrevistas semiestruturadas

Os resultados dos dois primeiros tópicos do roteiro da entrevista serão apresentados de modo
comparativo, sempre contrapondo opiniões dos moradores sobre os mesmos aspectos com relação ao
Maruim e ao São Pedro. Ao final da apresentação das duplas de perguntas, faremos uma breve
retomada e síntese dos resultados, contrapondo-os com o que encontramos nos tópicos anteriores, no
estudo da comunidade virtual e da observação dos modos de uso in loco. Por fim, nesta parte, ainda
criamos um tópico para discutir a questão do tapume, entendimento fundamental para o contexto da
nossa hipótese de trabalho.

Utilizam/Utilizavam o Espaço Aberto?

A maioria dos entrevistados respondeu que sim, em ambas as situações. Em uma amostra de 24
entrevistados, apenas dois afirmaram não utilizar o espaço aberto do conjunto; em relação ao espaço
da favela, apenas uma pessoa afirmou não o utilizar. O interessante é que as negativas não
coincidiram. Os que deram não para o conjunto, disseram sim para a favela; e única pessoa que não
utilizava a rua na favela, utilizava o espaço aberto do conjunto (figura 53).

38 O Microsoft Word é um processador de texto e documento produzido pela Microsoft.


120

Figura 53: resultado sobre a utilização dos espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora

Como? Que Tipos de Atividades Realizam/Realizavam?

Na figura 54, podemos perceber que a comparação dos números aponta para uma variação entre os
tipos de atividades executadas em cada assentamento. Na favela foram citados 07 tipos de atividades
diferentes, no conjunto, 08 tipos. A maioria das pessoas citou utilizar o espaço aberto para realizar mais
de uma delas. O que chama atenção é que algumas atividades se repetem nos dois espaços, como a
preferência por sentar para conversar, estender roupa e utilizar os espaços abertos para realização de
algum tipo de exercício físico; em compensação, atividades relacionadas à pesca citadas como
recorrentes no espaço aberto da favela, some nos discursos sobre o conjunto, como afirma a moradora
respondente da entrevista nº 09:

“Lá (na favela) eu ficava na rua do mesmo jeito que fico aqui (no conjunto). Lá só era
melhor financeiramente, lá tinha trabalho do Canto do Mangue (em referência ao
trato de pescados) e aqui não tem, em compensação é melhor a morada”.
(ENTREVISTADA Nº 9).
Apesar do trato de pescados sumir das respostas dos entrevistados sobre atividades realizadas no
conjunto, alguns entrevistados fizeram questão de salientar que perderam por um lado, mas ganharam
por outro em infraestrutura como a entrevistada nº 9 (já citada acima), o entrevistado nº 11 e a
entrevistada nº 13.

“Sim lá eu usava também, mas lá era muito diferente daqui. Eu ficava na rua
conversando com mas tinha muito esgoto a céu aberto, aqui é saneado. Mesmo que
aqui a gente pague água, energia, a gente tem uma garantia, não é? ”
(ENTREVISTADO Nº 11).
“Lá eu fazia as mesmas coisas, sentava na calçada para conversar, estendia roupa,
a diferença é que o espaço aqui é muito mais limpo”. (ENTREVISTADA Nº 13).
121

Figura 54: resultado sobre os tipos de atividades desenvolvidas nos espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora

Com Quem Utilizam/Utilizavam o Espaço Aberto?

Os números da figura 54 mostram que atividades em grupo foram maioria nas repostas, uma minoria
afirmou realizar atividades solitárias, como passear com o cachorro, ou estender roupa, o entrevistado
122

nº 17, uma das poucas pessoas que afirmou fazer atividades solitárias disse que o fazem pois se
envolver com vizinhos é problema:

“Não (não fica com os vizinhos). Eu só venho aqui para a rua para caminhar,
estender roupa, passear com meu cachorro, não fico em roda de conversa não que
só dá problema”. (ENTREVISTADO nº 17).
Sobre atividades em grupos para respostas positivas, questionamos quem fazia parte desses grupos
na favela, a reposta da maioria dos entrevistados foi que vizinhos de maneira geral compartilhavam o
espaço aberto do Maruim, grupos misturados com pessoas provenientes de todas as partes da favela.
Com relação ao conjunto, a resposta foi alterada, a maioria respondeu que geralmente utilizam o
espaço aberto com os vizinhos do mesmo bloco, como verificamos, por exemplo, na fala do
entrevistado nº 14.

“Aqui (sobre o conjunto) eu fico ajeitando minha rede, sento aqui na porta do bloco
para ver televisão com minha família e vizinhos do bloco mesmo. Lá (na favela) eu
fazia a mesma coisa, mas falava mais com todo mundo, agora apartou né? Os meus
vizinhos de lá não são os mesmos daqui. ” (ENTREVISTADO Nº 14).

Figura 55: resultado sobre com quem utilizavam / utilizam os espaços abertos da favela e do conjunto
123

Fonte: elaborado pela autora

Quando questionados sobre a presença de estranhos, a maioria afirmou não ser comum, a não ser que
seja alguém de fora convidado por um morador. A favela teve um número maior de respostas positivas,
moradores afirmaram que costumavam ver estranhos praticando atos ilícitos no assentamento (figura
56):

“É, lá dava para ver mais outras coisas de droga, entende? Aqui essas coisas são
mais escondidas. Não vejo gente entrando aqui não. O povo tem até medo, né não?
A gente veio para cá, mas ainda é favela” (ENTREVISTADA Nº 9).

Figura 56: resultado sobre a presença de estranhos nos espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora


124

Onde é/era mais comum ficar?

A maioria dos entrevistados atrelou sua estadia no espaço aberto, da favela e do conjunto, a um só
lugar, como podemos ver nos resultados expostos na figura 57. Para ambos os espaços a resposta
mais recorrente foi a porta dos edifícios, no caso da favela, a porta das residências, no conjunto, a
entrada dos blocos de apartamento. Para o espaço do São Pedro, o segundo e terceiro lugares mais
mencionados foram as esquinas e as entradas do conjunto.

Com relação à vida no Maruim moradores também falaram sobre utilizar o Canto do Mangue ou o Rio,
que não eram lugares pertencentes ao espaço aberto do assentamento, mas pelas respostas podemos
perceber a forte ligação de alguns moradores com esses locais, uma extensão da vida cotidiana na
favela, percebemos por entrevistas como a de nº 03, na qual o entrevistado afirmou:

“Aqui (no conjunto) eu fico na calçada, daqui a pouco dou uma volta. Lá (na favela)
eu ficava na calçada também, mas era melhor porque eu ia pescar, tomar banho de
rio, ficava na colônia (de pescadores) conversando. Meu pai tinha barco, fui
acostumado assim a vida toda. ” (ENTREVISTADO Nº 03).
Esses espaços vizinhos (Rio Potengi e Canto do Mangue), que funcionavam como uma extensão da
favela, não apareceram nos discursos sobre locais utilizados no conjunto; outros locais da nova
vizinhança também não foram citados, o que leva a crer que a população, mesmo após dois anos da
mudança, possivelmente não estabeleceu vínculos afetivos e de apropriação com o entorno atual.
(Figura 57).

Figura 57: resultado sobre locais utilizados para desenvolver as atividades para o espaço da favela e do conjunto
125

Fonte: elaborado pela autora

Em que Horário Utilizam/Utilizavam Os Espaços Abertos?

A maioria dos moradores citaram que utilizavam / utilizam os espaços abertos de ambos os
assentamentos em mais de um horário. A resposta mais recorrente foi que utilizavam em qualquer
horário do dia, inclusive à noite, horário em que não fizemos observações, mas pudemos aferir pelas
respostas que existe uma utilização noturna. À tarde, ainda foi o turno mais citado com relação à favela
e ao conjunto para quem afirmou utilizar só em um horário (figura 58).
126

Figura 58: resultado sobre o horário que utilizavam os espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora


127

Síntese dos resultados da comparação

Segundo os resultados das entrevistas, uma maioria considerável das pessoas utilizam os espaços
abertos nas duas situações, Favela e Conjunto. Grande parte destaca utilizar a rua de ambos os
lugares como local de encontro, permanência e conversas entre grupos de vizinhos que residiam /
residem no Maruim e no São Pedro. Segundo os entrevistados, esses grupos de conversa ou de
trabalho, na favela, estavam em sua maioria vinculados à porta das residências, achado que corrobora
e reforça a questão do potencial da constitutividade do espaço da favela confirmado na observação in
loco. No conjunto, confirmamos que as relações com as portas dos edifícios, agora as dos blocos de
apartamento, permanecem. Mesmo com perda da relação direta casa/rua, a cultura de estar na “porta
de casa” se sobrepõe às limitações do espaço. No São Pedro, diferentemente do Maruim, outros dois
locais internos são citados como ponto de encontro: as esquinas e as entradas do São Pedro, lugares
com pontos de alta acessibilidade visual (e potencial de encontro), aspecto configuracional (visibilidade)
com potencial mais efetivado na realidade.

Presença de pessoas estranhas foram negadas na maioria das respostas, confirmando o que
encontramos nas observações, e reforçando a questão espacial do baixo potencial de interface de
encontros entre moradores e estranhos na favela e no conjunto com tapume.

Com relação ao horário, percebemos que os espaços abertos de ambos os lugares são amplamente
utilizados ao longo do dia, com destaque para o turno da tarde, resultado que vai ao encontro de
aspectos encontrados nas observações do conjunto São Pedro, cujo horário do final da tarde foi
comprovado ser o mais intensamente utilizado pela população, possivelmente por causas também
relacionada a questões climáticas (o horário do fim da tarde é mais aprazível no conjunto).

Ainda destacamos na fala dos moradores, quando se referem à favela, forte relação com o entorno ao
qual pertenciam, principalmente a elementos como o Canto do Mangue e o Rio Potengi. Mesmo não
fazendo parte dos espaços abertos do Maruim, as localidades, eram objeto de uma relação de
pertencimento estabelecida no imaginário dos moradores da favela, em maior grau por ter feito parte de
toda a história da favela, sejam ligadas às atividades de lazer, ou a modos de subsistência através de
atividades relacionada à pescaria. No conjunto, essas relações não são citadas, com exceção de um
senhor que tece rede de pesca no local. A ausência dessas atividades no conjunto reafirma
consequências da quebra espacial ocasionada pelo reassentamento, que desestabilizou vínculos, que
para alguns moradores eram de uma vida inteira.
128

E o Tapume?

A maioria, 67% dos entrevistados, responderam que gostariam de manter ou ainda reforçar a barreira
física entre o a cidade e o conjunto como algo permanente. 25% responderam que gostariam de retirar
o tapume, deixariam o conjunto aberto para a rua; enquanto 8% preferiam não opinar sobre a questão
(figura 59).

Figura 59: resultado da opinião dos moradores sobre a questão do tapume

Fonte: elaborado pela autora

Oficialmente o tapume deveria ter sido retirado em julho de 2017, um ano após a mudança, data que a
ocupação foi considerada consolidada pela Prefeitura de Natal. Desde então algumas tentativas de
retirada da barreira foram executadas pelo Poder público junto à empresa responsável pela construção.
Em todas as vezes que tentaram, houve protestos por parte dos moradores do conjunto. Na nossa
entrevista, a maioria a favor da manutenção da barreira respondeu que tais atos pela manutenção do
tapume são justificáveis pois o tapume é o que traz segurança para a população. Alguns desse grupo
foram específicos em suas respostas, se preocupando com a relação entre as crianças e a rua
movimentada do lado de fora, como esse morador, respondente da entrevista nº 08:

“Por mim não deve ser retirado (o tapume), tem trazido segurança para minhas
crianças. Não só minhas, as de todo mundo. Esse tapume empata elas de correrem
para a rua e um carro pegar, assim eu fico mais seguro de deixar elas brincarem
aqui”. (ENTREVISTADO nº 08).
129

Outro grupo formado dentre os que preferem a manutenção do tapume, afirma que de alguma maneira
o tapume deixa “inocentes” (quem não praticam ações ilícitas dentro do conjunto) seguros contra brigas
de gangues, facções e estranhos que possam fazer algum mal à população, sentimento traduzido nas
palavras da entrevistada nº 10:

“Não, minha filha. Se tirar (o tapume) é melhor expulsar a gente daqui. A gente aqui
veio para esse negócio (o conjunto) mas todo mundo ainda acha que a gente é
favelado. O povo daqui não gosta da gente, já fizeram até abaixo assinado para
tirarem a gente daqui. Se tira esse negócio (o tapume) vai ser um tora rei39 de bala
maior do mundo.” (ENTREVISTADA nº 10).
Ainda entre os que querem manter o tapume, existem aqueles que se limitam a afirmar que dá mais
segurança e privacidade para a vida dentro do conjunto: “Dá mais segurança. Quem quer ficar exposto
na situação de hoje? ” Pergunta a entrevistada nº 02. Discurso recorrentemente presente nas
entrevistas.

Entre a minoria a favor da retirada da barreira e abertura do conjunto para a cidade é recorrente o
discurso contrário ao do aumento da segurança. Para eles, o tapume é o aspecto que ajuda a esconder
algumas ações antissociais que ocorrem dentro do São Pedro e diminui a segurança de quem não está
envolvido nas ações, como fala o entrevistado nº 04:

“Acho que deve retirar o tapume. Isso aí não traz segurança para seu ninguém, pelo
contrário, só barra a ação da polícia e deixa o bonde da massa com mais liberdade
aqui dentro, aí por conta disso eles não querem que tire, mas vai ter que tirar ”.
(ENTREVISTADO nº 04).
Coincidentemente, o entrevistado nº 04 afirmou não utilizar o espaço aberto do conjunto por motivos de
segurança, aspecto que ele não tinha problemas na favela. Outros respondentes ainda acham que o
tapume é um assunto muito delicado e preferem não opinar para não se comprometer de qualquer
maneira; preferem que decidam por eles.

O panorama geral das conversas indica a existência de 06 grupos dentre os entrevistados: (i) os que
não querem a retirada do tapume por medo de alguma que alguma ação antissocial “dos de fora” que
possa prejudicar pessoas inocentes; (ii) outros optam pela manutenção pois o tapume os afasta dos
olhos “dos de fora”, dá mais liberdade e privacidade; (iii) os que querem manter a barreira pela
segurança das crianças; (iv) os que querem que seja retirado, pois acreditam que o tapume diminui a
segurança e reforça ações antissociais dentro do conjunto; (v) os que querem tira-lo por outros motivos
aleatórios; (vi) os que preferem não opinar.

39 Expressão nordestina que quer dizer grande estouro de alguma coisa.


130

A ampla maioria a favor da manutenção do tapume ou de qualquer outro tipo de barreira entre o
conjunto e o “lado de fora”, reforça o que pensamos na hipótese. Há uma necessidade de afastamento
entre os moradores e a cidade; esse distanciamento é defendido por eles, independentemente do
motivo. É uma população proveniente de uma área espacialmente autosegregada, com baixo potencial
de encontro entre moradores e estranhos. Na nova área, eles optam por repetir o padrão, agora
baseado em outro elemento que não existia na favela: um tapume / muro cego.

A questão é que esse muro cego corrobora com um padrão antiurbano que gera uma reação de efeitos
em cadeia (NETTO, 2017). Esses efeitos não são só para os residentes do conjunto; o tapume implica
em diminuição do potencial de encontros do lado de fora do São Pedro. A barreira contínua cria
espaços cegos pouco convidativos à passagem de transeuntes.
131

5
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação investigou um processo de reassentamento de uma Favela – Favela do Maruim –


para um conjunto habitacional – Conjunto São Pedro – através de uma ótica morfológica.
Especificamente buscamos entender, se, e como, mudanças na forma dos espaços abertos, ocorridas
com a mudança, afetou modos de usos preestabelecidos. Para elucidar nosso questionamento, nos
aprofundamos em aspectos espaciais de ambos os assentamentos, potencialidades e restrições para a
encontros de indivíduos no espaço e a efetivação desses encontros no espaço real.

No que concerne a atributos morfológicos da Favela do Maruim, podemos afirmar que a aparente
desordem espacial escondia uma ordem subjacente concebida pelos moradores para favorecer certos
aspectos da vida cotidiana da população, como a troca de experiências e atividades desenvolvidas com
base no uso dos espaços abertos. A morfologia da Favela era um enclave, estruturado de fora para
dentro, hierarquizado, com níveis de acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” inversamente
proporcionais à profundidade média dos espaços. As bordas, eixos mais rasos e bem integrados,
estavam embebidas na malha da cidade, dialogavam com o “lado de fora”, no nível dos cheios e dos
vazios, possuíam edifícios com usos variados e com forte relação com as ruas adjacentes. No entanto,
apesar do bom contato com a cidade, o Maruim tinha um núcleo segregado do tecido urbano da
cidade, com um bom nível interno de constituição, horizontalidade, variação edilícia e de usos,
aspectos que favoreciam encontros “do lado de dentro”. A morfologia, calcada na territorialidade
(NEWMAN, 1972), na forte hierarquia entre os domínios cidade/favela, favorecia um maior controle da
área por parte dos moradores e desfavorecia potenciais encontros randômicos entre diferentes –
moradores e estranhos. Ou seja: era uma arquitetura que, potencialmente, afastava estranhos, ao
tempo que estruturava e elevava as possíveis relações entre os moradores.

A configuração em enclave, típica de favelas (SOBREIRA, 2003; LOUREIRO, 2017) de certo modo,
para o Maruim, representava uma resistência comunitária, de um modo de vida preestabelecido
calcado em relações familiares e de vizinhança complexas e com o espaço preexistente do entorno. O
afastamento da cidade também afasta “os de fora” do local, uma escolha espacial segura para
proteção, do bem e do mal.

O conjunto São Pedro sem a presença do tapume, como planejado pelo poder público, falha em
encapsular as lógicas espaciais que existiam na favela. É uma oposição ao padrão morfológico anterior
132

em todos os níveis. Edifícios verticais pouco constituídos montam uma paisagem de objetos
(HOLANDA, 2002) soltos em uma malha ortogonal, ordenada, pouco hierarquizada e estruturada,
facilmente apreendida em um “voo de pássaro” (HANSON, 1989). A configuração do conjunto em
pouco se assemelha ao entorno no qual está inserido; há uma clara quebra espacial, todavia, foi
pensado para ser aberto e integrar o conjunto e a população à cidade. Nesse item, o planejamento teve
sucesso no que se propôs a fazer, o São Pedro é mais acessível à cidade, com destaque para o eixo
central, ponto de alta confluência de acessibilidades “ao caminhar” e “ao olhar”. Conecta lugares
importantes do bairro, o que é ponto positivo, já que anteriormente no local existia um terreno
subutilizado com fachadas cegas. Em geral, o São Pedro sem tapume, apesar da baixa constitutividade
e variedade edilícia e de usos, tem um potencial de movimento e de geração de encontros não
programados entre moradores e estranhos maior que a favela. A possibilidade da mistura entre
indivíduos variados na estrutura urbana, possivelmente seria benéfica para aspectos de uso, vitalidade
e sustentabilidade do entorno e da cidade como um todo.

O tapume quebra essa possível lógica da abertura para a rua e deixa o conjunto com uma configuração
mais semelhante ao do enclave da favela, apesar de internamente ainda permanecer a alta ordem e
baixa hierarquia e estrutura, pouca constitutividade e pouca variedade de usos. O tapume cria uma
situação híbrida entre as outras duas apresentadas anteriormente. A questão da territorialidade
(NEWMAN, 1972), da hierarquia entre os domínios cidade/conjunto é retomada, mas ao contrário de
encapsular uma lógica que favorecia o encontro e a troca entre os moradores como na favela do
Maruim, cerceia outra que, até certo ponto, é restritiva para o contato entre moradores do São Pedro. O
tapume baixa o potencial de encontros randômicos entre moradores e estranhos, se comparado ao
conjunto aberto para rua, mas a parte interna restringe também a comunidade virtual. O artifício do
tapume ainda prejudica o potencial de animação das ruas adjacentes ao criar uma barreira contínua e
cega para o lado de fora. A favela, apesar de espacialmente segregada, possuía uma borda que
contribuía para o uso dos espaços abertos da cidade.

Com relação ao movimento/atividade peatonal verificado in loco, é possível afirmar que na favela,
apesar das limitações que tivemos com relação ao número de observações, pessoas tendiam a estar
nos espaços abertos, a maioria em situação de permanência, distribuídas em grupos concentrados nas
vias de maior acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” e vinculados, em sua maioria, à porta dos
edifícios.

Para o conjunto com tapume, houve a possibilidade de realizar mais observações. Quando
comparamos os números encontrados nas visitas aos dois assentamentos, percebemos que no
conjunto as pessoas persistem em estar na rua, em situação de permanência, distribuídas em grupos,
133

vinculados em sua maioria à porta dos edifícios, esquinas e entradas do conjunto, pontos de maior
vantagem visual, aspectos que até certo ponto se assemelham ao que encontramos no Maruim.

De fato, a configuração com tapume valoriza um tipo de resiliência comunitária, de permanecer na rua,
que vai de encontro aos resultados da análise morfológica do espaço. Especificamente, a atividade
peatonal no São Pedro tem um padrão de concentração nos grupos de eixos com maior e menor
medida de acessibilidade “ao caminhar”. Os eixos com medidas medianas são pouco utilizados. No
entanto, o conjunto de eixos mais ocupados coincidem com pontos de mais alta integração visual; por
sua vez, os menos utilizados coincidem com pontos mais segregados visualmente, ressaltando a falta
de coesão espacial das acessibilidades do conjunto e a preferência da população em estar em lugares
mais acessíveis “ao olhar”. A ausência de constitutividade é superada no conjunto. Moradores
persistem em estar na porta de casa, resgatando o costume da favela. Grupos ainda se distribuem
pelas esquinas e entradas do conjunto, já delineando um novo tipo de ocupação. No que diz respeito à
composição da ocupação do espaço, vale ressaltar a baixa presença de estranhos em ambas as
situações – favela e conjunto.

Com relação ao mapeamento de ações de apropriação / vulnerabilidade na Favela do Maruim,


verificamos que ações de apropriação, atreladas em sua maioria à presença de serviços e “puxadas”
para sombrear as áreas abertas, estão concentradas em vias de maior acessibilidade tanto “ao
caminhar” quanto “ao olhar”, segundo nossos achados, nas ruas mais movimentadas. Sobre ações que
deixam traços de vulnerabilidade, encontramos, em maioria pichações e lixo acumulado. Não
encontramos um padrão de distribuição configuracional para as pichações, mas, essas ações tem um
claro padrão vinculado a muros cegos e imóveis abandonados ou demolidos. O lixo, da mesma
maneira, não possui uma clara definição relacionada à configuração. Provavelmente, sua distribuição
está vinculada a outro tipo de variável não estudada neste trabalho.

No conjunto, apesar do menor tempo de ocupação, encontramos uma maior variedade de ações de
apropriação. Serviços, locais de guarda de animais e jardinagem foram os mais recorrentes.
Encontramos um padrão de distribuição espacial diferente e para cada um deles. Serviços, em geral,
estão concentrados em locais com maior acessibilidade visual, efetivando o potencial do espaço, assim
como na favela. Canis e galinheiros têm uma distribuição configuracional diversa, mas estão atrelados
a espaços construídos sem uso, como casas de gás e de lixo, espaço do castelo d’água, e na parte de
baixo da rampa do centro comunitário. Ações de jardinagem se dividem em dois tipos, jardins com
cerca e jardins sem cerca, ambos tendo um ponto em comum: sempre estão controlados pelo “olho do
dono” e acontecem em locais que têm uma relação de pertencimento com algum dos edifícios e/ou
moradores. Jardins com cerca podem ser encontrados em ruas com maior acessibilidade visual,
134

também mais movimentadas. Jardins sem cerca estão em locais visualmente mais segregados, com
menor movimento. Em relação às ações de negligência e transgressão que deixam vestígios de
vulnerabilidade no espaço, achamos lixo acumulado e depredação de espaços de uso comum. Essas
ações se distribuem entre espaços mais segregados e mais integrados “ao olhar” que não possuam um
controle nem uma relação de apropriação bem definida. A hipótese confirmada por Lira (2013) em seu
estudo em conjuntos habitacionais modernos em Natal, é rebatida da mesma maneira no São Pedro,
onde o espaço de todos acaba sendo espaço de ninguém. Sem clara definição de controle, eles
acabam por ser tornarem vulneráveis.

Os resultados das entrevistas corroboraram com achados espaciais e das observações. Existia/existe
uma intensa ocupação dos espaços abertos relacionadas a atividades de permanência, que podem
acontecer em qualquer hora do dia, executadas em grupos, cuja maioria, estão em vias mais
acessíveis “ao olhar” e vinculados à porta dos edifícios nos dois casos. O aspecto que chamou atenção
nas entrevistas foi a citação de atividades relacionadas à pesca, ao Rio Potengi e ao Canto do Mangue
no discurso dos moradores sobre a vida na Favela, ponto que não se repetiu nas falas sobre o
conjunto.

Essa quebra espacial entre Favela / Canto do Mangue / Rio Potengi que ocorre com a mudança causa
efeitos em diferentes níveis, como pudemos perceber. O reassentamento sem dúvidas é benéfico em
alguns aspectos como a melhoria em questões de infraestrutura e salubridade do conjunto se
comparado à estrutura física das casas e da favela em si, lugar onde a desigualdade social e o
esquecimento da população pelo poder público (e pela sociedade em geral!) era evidente em cada
canto; no entanto, apesar das melhorias, a nova localização das moradias, traz alguns problemas.
Dentre eles destacamos o afastamento dos moradores de lugares que aparentemente eram entendidos
como uma extensão da vida na favela, o reassentamento quebra relações de pertencimento e
apropriação dos moradores com Rio Potengi e o Canto do Mangue. Ademais, cortam a fonte de renda
das fileteiras que trabalhavam tratando frutos do mar para os comércios próximos à favela. Problemas
de outra ordem, que vão além da morfologia, mas que precisam ser citados aqui dado o impacto na
vida dos reassentados.

Como ação mitigadora para esse cenário, o poder público Municipal investirá na construção de um
centro para abrigar esses trabalhadores terceirizados do Canto do Mangue. A questão é que a
localização da favela ao lado dos comércios possibilitava que mulheres, donas de casa, tivessem
alguma fonte de renda sem se afastar do lar. Para a manutenção dessa renda, as fileteiras terão que
sair de suas casas, deixar filhos e afazeres domésticos para caminhar em direção ao novo centro
comunitário distante 700m do local do conjunto. Novas relações complexas irão surgir.
135

Para além dessas questões, ainda perguntamos sobre a presença do tapume, elemento que vai de
encontro ao que foi planejado. A maioria da população se posicionou a favor da manutenção ou até de
reforçar a barreira, substituindo o tapume por algo permanente, como um muro.

Nossa hipótese de trabalho é confirmada. A favela é um enclave que restringe encontros entre
diferentes; o conjunto planejado, se comparado à favela, favorece esses encontros; a presença do
tapume, unida a vontade da maioria da população de mantê-lo, é uma confirmação mais perversa do
que pensamos incialmente quando imaginamos que as ações físicas no espaço para a autosegregação
da rua aconteceriam em um nível individual, ou por decisões de pequenos grupos (como nos outros
conjuntos da problemática) e não baseado em uma apartação no nível macro (apartar todo o conjunto
da rua).

O tapume, além de ter efeitos para dentro do São Pedro, causa também efeitos para “o lado de fora”.
De fato, a barreira deixa o conjunto com uma lógica espacial similar à do enclave da Favela, com uma
hierarquia entre os domínios do conjunto e da cidade que deixa os moradores com o controle do
espaço e restringe os encontros randômicos e indesejados entre eles o os transeuntes das ruas
adjacentes. Defendemos, que até certo ponto, a prática de utilizar o espaço aberto ainda remanesce no
conjunto pela presença da barreira que afasta os olhos “dos de fora” para ações que acontecem
internamente. Para fora, os efeitos prováveis são mais perversos, pois a barreira cega cria um padrão
espacial antiurbano que prejudica a animação / vitalidade da cidade e potencializa ações antissociais
junto com o sentimento de medo (NETTO, 2017).

O conjunto não foi planejado para esse fim. Ao contrário, pensava-se em uma integração entre a
população e a cidade. Esse fato reforça a afirmação de Netto (2017) que, atualmente, o desejo e a
implantação dessas ações antiurbanas não vem só “de cima para baixo”, em decisões tomadas em
esferas superiores. É uma vontade que vem emergindo também de “baixo para cima” a partir de
decisões individuais (ou grupais) dos citadinos independentemente de classe social. Segundo o autor,
a escolha por esse tipo de arquitetura está vinculada à publicização contemporânea do “melhor modo
de morar”, intimamente relacionado com esses padrões.

O muro no Brasil é empregado como elemento de segurança. Se afastar da rua é uma legitimação do
tipo de sociedade em que vivemos: da diferenciação, da divisão, da evitação (CALDEIRA,2000). Essa
barreira entre domínios embute uma significância baseada na distância daqueles que são perigosos, os
outros “do lado de fora”. A questão é que ações espaciais como essa acabam gerando uma reação em
cadeia, com resultados perversos. Ao construir barreiras buscando segurança, as pessoas estruturam
cidades de muros voltada para dentro dos imóveis que colaboram para a diminuição da vitalidade e
136

aumento da insegurança. Escolhas espaciais que causam efeitos em diferentes níveis e precisam ser
repensadas e discutidas.

Além do impacto de decisões individuais sobre modos de vida em sociedade, outras questões surgiram
durante a caminhada e as reflexões desta dissertação: como seria a relação dos moradores com o
espaço sem o tapume? Eles ainda utilizariam os espaços abertos? A continuação da utilização dos
espaços abertos no conjunto tem relação com a oferta melhor de infraestrutura? Que novos modos de
uso iriam surgir caso o tapume fosse retirado? E a opinião de fora para dentro? Como “estanhos” lidam
com o conjunto e com a barreira? A necessidade de reclusão é um padrão nesse tipo de situação?
Questões que ficam postas para futuras pesquisas.

Mesmo com todas as limitações e dificuldades encontradas, esperamos que este estudo possa
contribuir para enriquecer o universo das pesquisas sintáticas, morfológicas e de habitação social no
Brasil e no mundo. Ademais, ansiamos que o conteúdo aqui exposto seja uma semente para se
repensar padrões espaciais de maneira geral, e mais especificamente, os vinculados à política e
projeto de conjunto habitacionais para populações de menor renda, especialmente, em casos de
reassentamentos involuntários, nos quais modos de vida cotidiana estabelecidos tendem a ser
desmontados no novo espaço.
137

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ANEXOS
ANEXO I: Comprovação de aprovação no comitê de Ética UFRN - HUOL
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ANEXO II: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


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