Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
I
A
Nesse tempo tinha-lhe medo. Medo e admiração. O medo resulta do que acabo de
contar. A admiração vinha das récitas dos amadores dramáticos da vila.
Era pelo Inverno. Jantávamos à pressa e nessas noites minha mãe penteava-me
com cuidado. Calçava uns sapatos rebrilhantes e umas peúgas de seda que me
enregelavam os pés. Saíamos. E, no negrume da noite que afogava as ruas da vila, eu
conhecia pela voz famílias que caminhavam na nossa frente e outras que vinham para
trás. Depois, ao entrar no teatro, sentia-me perplexo no meio de tanta luz e gente
silenciosa. Mas todos pareciam corados de satisfação.
Daí a pouco entrava num mundo diferente. Que coisas estranhas aconteciam!
Ninguém ali falava como eu ouvia cá fora. E mesmo quando calados tinham outro
aspecto; constantemente a mexerem os braços. Mestre Finezas era o que mais se
destacava. Manuel da Fonseca, “Mestre Finezas” in Aldeia Nova
B
Volto a cabeça e olho-o. Sei o que vai dizer-me. Vai falar do abandono a que o
votaram. Vai falar-me do teatro, da música, da poesia. Vai repetir-me que a arte é a mais
bela coisa da vida. Mas não. Já nos entendemos só pelo olhar. Mestre Finezas salta por
cima de tudo isto e ergue a navalha num lance teatral:
- Que sabem eles da arte? Tu que estudaste, tu sabes o que é a arte. Eles hão-de
morrer sem nunca terem gozado os mais belos momentos que a vida pode dar.
Atravessou a loja, abriu um armário cavado na parede, e tirou o violino.
- Eu não te disse nada, Carlinhos... mas, olha, tenho vendido tudo para não morrer
de fome... Tudo. Mas isto!...
Estendeu o violino na minha direcção e continuou reprimindo um soluço:
- Isto nem que eu morra! ... É a minha última recordação...
Manuel da Fonseca, “Mestre Finezas” in Aldeia Nova
Para responderes às questões de 1. a 6., indica na folha de teste, a alínea
correspondente à alternativa correcta, de acordo com o sentido do texto.
1. A ida ao teatro era um acontecimento que reunia muita gente da vila. Isto é confimado
pela expressão:
a) “Jantávamos à pressa.”
b) “...eu conhecia pela voz famílias que caminhavam na nossa frente...”
c) “Daí a pouco entrava num mundo diferente.”
d) “Ninguém ali falava como eu ouvia cá fora.”
6. “...tenho vendido tudo para não morrer de fome... Tudo...” Esta expressão é exemplo
de:
a) caracterização directa da personagem.
b) narrador participante.
c) espaço social.
d) tempo cronológico.
11. No excerto B há informações que nos permitem caracterizar o espaço social referente
ao tempo presente.
11.1 Transcreve duas expressões relacionadas com esta categoria da narrativa.
III
1. Actualmente o destino inevitável de todos os que envelhecem é o abandono, o
esquecimento. Numa sociedade que valoriza, cada vez mais, a juventude, não há lugar,
nem tempo, para os mais velhos.
I
Lê o excerto atentamente.
Passaram anos. Um dia, parti para os estudos. Voltei homem. Mestre Finezas é ainda a
mesma figura alta e seca. Somente tem os cabelos todos brancos.
- Olha bem para mim – pede-me às vezes - , olha bem e diz lá se este é o mesmo homem
que tu conheceste?...
Finjo-me admirado de uma tal pergunta. Procuro convencê-lo de que sim, de que ainda
é. Compreende as minhas mentiras e abana docemente a cabeça :
- Estou um velho, Carlinhos!...
Vou lá de vez em quando. A loja está sempre deserta. As mãos muito trémulas de mestre
Finezas mal seguram agora a navalha. Também abriram, na vila, outras barbearias cheias de
espelhos e vidrinhos, e letreiros sobre as portas a substituírem aquela bola com um penacho que
mestre Finezas ainda hoje tem à entrada da loja.
Mestre Finezas passa necessidades. Vive abandonado da família, com a mulher entrevada,
num casebre próximo do castelo. Eu sou um dos raros fregueses e o seu único confidente.
Algo de comum nos aproximou. Ilídio Finezas sonhou ser um grande artista, ir para a
capital, e quem sabe se pelo mundo fora. Eu falhei um curso e arrasto, por aqui, uma vida de
marasmo e ociosidade. Há entre mim e esta gente da vila uma indiferença que não consigo
vencer. O meu desejo é partir breve. Mas não vejo como. E, quando o presente é feio e o futuro
incerto, o passado vem-nos sempre à ideia como o tempo em que fomos felizes. Daí eu ser o
confidente de mestre Finezas.
Ele ajuda as minhas recordações, contando-me os dias a que chama da “sua glória”.
Estamos sozinhos na loja. De navalha em punho, mestre Finezas declama cenas inteiras dos
“melhores dramas que já se escreveram”. E há nele uma saudade tão grande das noites em que
fazia soluçar de amor e mágoa as senhoras da vila que, amiúde, esquece tudo o que o cerca e fica,
longo tempo, parado. Os seus olhos ganham um brilho metálico. Fixos, olham-me mas não me
vêem. Estão para lá de mim, através do tempo.
In “Mestre Finezas” de Manuel da Fonseca
11. O Valter e a Verónica, depois de lerem o conto “Mestre Finezas”, de Manuel da Fonseca,
iniciaram uma conversa sobre o mesmo.
- Considero que a culpa da situação actual do mestre Finezas é
11.1 Refere com qual destas opiniões estás mais de acordo, justificando devidamente o
teu ponto de vista.
II
1. Divide e classifica as orações das seguintes frases:
1.1 Compreende as minhas mentiras e abana docemente a cabeça.
1.2 A saudade dele é tão grande que esquece tudo à sua volta.
1.3 O Carlos, que é um dos raros fregueses, troca confidências com o mestre.
1.4 Os sentimentos mudaram visto que já passaram muitos anos.
2.1 Identifica o tempo, o modo, a pessoa e o número das formas verbais das frases.
2.2 Classifica morfologicamente as palavras sublinhadas.
III
1.1 Escreve um texto de opinião sobre o enunciado, com um mínimo de 140 palavras e
um máximo de 240.