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GRADUAÇÃO

ESTUDO DO SER HUMANO


CONTEMPORÂNEO
Camila de Oliveira Casara
Douglas Ochiai Padilha
Luiz Augusto de Mattos
Osmar Ponchirolli
GRADUAÇÃO
Paulo Moacir Godoy Pozzebon
Camila de Oliveira Casara/Douglas Ochiai Padilha/
Luiz Augusto de Mattos/Osmar Ponchirolli/Paulo Moacir Godoy Pozzebon

ESTUDO DO SER HUMANO CONTEMPORÂNEO

2019/I
Desenhista Instrucional
Katia Paulino

Revisores
Carolina Bontorin Ceccon
Cláudia Mara Ribas dos Santos
Natasha Suelen Ramos de Saboredo

Diagramadores
Ana Maria Oleniki (projeto gráfico)
Débora Cristina Gipiela Kochani
Evelyn Souza Alves
Thais Suzue Ikuta
Ticiane de Farias Pietro
OS AUTORES
Camila de Oliveira Casara
Mestre em Filosofia – Ética e Política, pela Universidade Federal do Paraná (2012). Graduada em
Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (2008).

Douglas Ochiai Padilha


Doutor em Sociologia, na modalidade sanduíche, pela Universidade Federal do Paraná e pela
Université Paris Ouest Nanterre La Défense. Mestre em Sociologia pela UFPR (2008) na linha
de pesquisa Ruralidades e Meio Ambiente. Graduado em Ciências Sociais pela UFPR (2005),
atuando principalmente nas seguintes áreas: sociologia ambiental, sociologia rural, teoria
ator-rede, nova sociologia econômica e redes de movimentos sociais. Atualmente, é professor
na FAE Centro Universitário.

Luiz Augusto de Mattos


Doutor em Teologia Moral pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (2000).
Mestre em Teologia Dogmática pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
(1984); e em Teologia pelo Centro Universitário Assunção (2009). Graduado em Estudos
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1976); em Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1981); e em Geografia pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (1976). Atualmente, é professor do Instituto Teológico de São Paulo,
da Universidade São Francisco e da UNISAL. Assessor da CRB Regional de São Paulo, membro
e coordenador da equipe interdisciplinar CRB Nacional. Também é assessor de dioceses e
congregações religiosas.
Osmar Ponchirolli
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em
Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Filosofia
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Dom Bosco (1988); e em Teologia pela Studium
Theologicum (1994). Atualmente, é professor da FAE Centro Universitário. Professor pesquisador
do grupo Economia Política do Poder em Estudos Organizacionais e Observatório Interdisciplinar
em Economia Política do Poder. Pesquisador na linha de epistemologia e teoria crítica;
complexidade e redes em estudos organizacionais. Líder do grupo de pesquisa sobre Teoria do
Reconhecimento e Organizações da FAE Centro Universitário.

Paulo Moacir Godoy Pozzebon


Mestre em Lógica e Filosofia da Ciência (Área de Concentração Filosofia Política) pela Universidade
Estadual de Campinas (1995). Licenciatura Plena em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (1985). Atualmente, é professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e
da Universidade São Francisco. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Metodologia
da Pesquisa Científica e do Trabalho Científico e Filosofia Política, atuando principalmente nos
seguintes temas: metodologia científica, educação, filosofia política, ética e filosofia. Possui
também experiência na área de gestão.
SUMÁRIO
Tabela de Ícones 7
Informações gerais sobre a disciplina 9
Apresentação 10

A MODERNIDADE: SURGIMENTO E TRANSFORMAÇÕES 13

A QUESTÃO DA PÓS-MODERNIDADE: A SOCIEDADE


PÓS-INDUSTRIAL E A CULTURA PÓS-MODERNA 23

A GLOBALIZAÇÃO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS 33

CRÍTICA DO CONHECIMENTO I 43

CRÍTICA DO CONHECIMENTO II 53

O HUMANO – QUEM É ELE? 63

O SER HUMANO RELACIONAL, SOCIAL E POLÍTICO 73

ECOLOGIA: DESAFIOS AMBIENTAIS 85

ECOLOGIA: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 93

ECOLOGIA: AMEAÇAS AMBIENTAIS 103

POLÍTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL 111

O FENÔMENO RELIGIOSO 121


ATIVIDADE
Indica as orientações da Atividade Avaliativa da Unidade de Estudo.
OBRIGATÓRIA

ÍCONES
BIBLIOTECA
Indica que o material está disponível na Biblioteca Digital.
DIGITAL

CALCULADORA
Indica a utilização da calculadora HP 12C para resoluções mais precisas.
FINANCEIRA

Indica um conjunto de ações para fins de verificação de uma rotina ou um


CHECKLIST
procedimento (passo a passo) para a realização de uma tarefa.

Será utilizado sempre que houver necessidade de exemplificar um caso, uma


EXEMPLO
situação ou conceito que está sendo descrito ou ensinado.

Utilizado sempre que houver necessidade de entender o significado de uma


GLOSSÁRIO
palavra ou termo desconhecidos.

Indica um link (ligação), seja ele para outra página do módulo impresso ou
HIPERLINK
endereço de Internet.

LEIS Indica a necessidade de aprofundamento da lei ou artigo referidos no texto.

LEITURA
Indica os livros e textos de leitura obrigatória.
OBRIGATÓRIA

Indica que você deve refletir sobre o assunto abordado para responder a um
PENSE
questionamento.

PESQUISE Indica a exigência de pesquisa a ser realizada na busca por mais informação.

Indica a necessidade de se obter resolução utilizando a planilha Excel, tor-


PLANILHA
nando o trabalho mais rápido.

Determina a existência de atividade: um exercício, uma tarefa ou prática a ser


REALIZE
realizada. Fique atento a ele.

REVEJA Indica a necessidade de rever conceitos estudados anteriormente.

Apresenta informações adicionais sobre o tema abordado, de forma a pos-


SAIBA MAIS
sibilitar a obtenção de novas informações ao que já foi referenciado.

SUGESTÃO DE Indica textos de referência utilizados no curso e também faz sugestões para
LEITURA leitura complementar.

Indica vídeos que lhe ajudarão a aprofundar seus conhecimentos sobre o


VÍDEOS
conteúdo estudado.
Informações gerais sobre a disciplina

EMENTA
O ser humano e a formação cultural do ocidente: modernidade, pós-modernidade e globalização.
Expressões e processos do conhecimento. O humano como ser multifacetário e relacional.
Dimensões políticas, ambientais, sociais e religiosas da contemporaneidade.

OBJETIVOS
Por meio do diálogo com as questões centrais que caracterizam o humano e a sociedade
contemporâneos, desenvolver uma reflexão que articule um discernimento criterioso das temáticas
abordadas, contribuindo com uma formação integral, ética e humanizadora.

CARGA HORÁRIA
72 horas

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 9


Apresentação
Unidade 1: MODERNIDADE: SURGIMENTO E TRANSFORMAÇÕES
Nesta Unidade, estudaremos a modernidade, com suas características marcantes, seus
principais acontecimentos e suas peculiaridades.
O objetivo é aguçar o olhar para as transformações sociais que nos envolve e circunda muitas
vezes de maneira invisível e natural, mas, mesmo assim, irreversível.

Unidade 2: A QUESTÃO DA PÓS-MODERNIDADE: A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL E A CULTURA


PÓS-MODERNA
Na Unidade 2, abordaremos a pós-modernidade e as principais transformações que possibilitaram
o desenvolvimento das tecnologias da informação e a consequente sociedade em rede. Veremos
também a questão da desterritorialização como um dos grandes temas da pós-modernidade.

Unidade 3: A GLOBALIZAÇÃO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS


Esta Unidade trata de uma das questões mais comentadas e polêmicas da contemporaneidade:
a globalização. Vamos estudar suas principais características: como surgiu, por que se intensifica,
os elementos mais importantes responsáveis pela sua intensificação a partir dos anos 1980, e as
consequências desse processo na definição de novas identidades.

Unidade 4: CRÍTICA DO CONHECIMENTO I


Nesta Unidade, vamos apresentar as principais modalidades de conhecimento atuantes em
nossa sociedade: o senso comum, o mito e a ideologia. Buscaremos entender os diferentes modos
como essas formas explicam o mundo em que vivemos, como se articulam entre si e quais são as
suas limitações.

Unidade 5: CRÍTICA DO CONHECIMENTO II


Continuaremos o estudo sobre as principais modalidades de conhecimento atuantes em nossa
sociedade. Nesta Unidade estudaremos: a ciência, a tecnologia e a filosofia. Conhecer as principais
formas do conhecimento nos permite interpretar melhor o mundo em que vivemos e escolher com
maior liberdade nossos caminhos.

Unidade 6: O HUMANO – QUEM É ELE?


Compreender o ser humano é uma tarefa infinita. Por isso, esta Unidade pretende traçar
algumas linhas indicativas das múltiplas dimensões do ser humano. Apresentaremos, na forma
de uma síntese de ideias provenientes de muitos pensadores, os seguintes aspectos: dimensão
biológica e animal do ser humano, inteligência, linguagem e cultura.

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Unidade 7: O SER HUMANO RELACIONAL, SOCIAL E POLÍTICO
Nesta Unidade daremos continuidade as múltiplas dimensões do ser humano, com o estudo
do ser humano e o trabalho, como acontece a interação com outros seres humanos ao longo de
sua história, a liberdade de escolha, a alienação e a busca do transcendente. Também abordaremos
dois dos maiores desafios para o indivíduo humano: o autoconhecimento e a elaboração de um
projeto de vida.

Unidade 8: ECOLOGIA: DESAFIOS AMBIENTAIS


Nesta Unidade, daremos início ao estudo da Ecologia e o Pensamento Ecológico.
Apresentaremos conhecimentos básicos sobre a educação ambiental e seus desafios, e como
cada um de nós pode enfrentar as questões ambientais e repensar o modo de vida em sociedade
reconhecendo nossas responsabilidades para controlar os danos causados pela sociedade moderna
e industrializada.

Unidade 9: ECOLOGIA: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Daremos continuidade aos estudos sobre a Ecologia e o Pensamento Ecológico, com foco para
o desenvolvimento sustentável. Veremos como atender as necessidades do mundo contemporâneo
sem colocar em risco a capacidade das próximas gerações, que vai além do desempenho financeiro
e do lucro pelo lucro.

Unidade 10: ECOLOGIA: AMEAÇAS AMBIENTAIS


Para concluir os estudos sobre a Ecologia e o Pensamento Ecológico veremos nesta Unidade as
ameaças ambientais, buscando desenvolver sua capacidade de perceber os problemas ambientais
como processos complexos que envolvem de forma interdependente elementos sociais, políticos,
econômicos e ecológicos.

Unidade 11: CIDADE, POLÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL


A presente Unidade de Estudo focará os temas sobre: política, cidadania e justiça social. A
política surgirá sempre que uma pluralidade de indivíduos estiver presente, pois as deliberações e
ações que daí surgirem caracterizarão o exercício mais nobre e complexo das atividades humanas.
Também apresentaremos a relação da política com a cidadania e a justiça social.

Unidade 12: FENÔMENO RELIGIOSO


Para finalizar a disciplina abordaremos os traços mais determinantes do fenômeno religioso e
os conceitos que permitem melhor compreendê-lo. As considerações apresentadas são válidas para
quaisquer crenças religiosas. Não se pode compreender o ser humano – nem ontem, nem hoje, nem
nas sociedades mais simples, nem nas mais complexas – sem refletir sobre o fenômeno religioso.
Nem se pode viver plenamente a condição humana sem fazer, em algum grau, a experiência religiosa.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 11


UNIDADE DE ESTUDO 1

A MODERNIDADE: SURGIMENTO E TRANSFORMAÇÕES

INTRODUÇÃO
Nesta Unidade de Estudo, veremos que o surgimento e desenvolvimento de um período
histórico específico e importantíssimo, chamado modernidade, atinge a todos nós de maneiras
diversas, desde a organização de nossas instituições sociais mais básicas como família, religião
etc. às nossas concepções políticas. A todos aqueles e aquelas que desejam formar consciência
crítica e reflexiva sobre suas vidas e os contextos sociais, econômicos, culturais e políticos em
que estamos submersos, recomendamos a leitura atenta desta Unidade de Estudo. Estudaremos
a modernidade, com suas características marcantes, acontecimentos principais e, como sempre,
suas idiossincrasias fundamentais.
Assim, apresentaremos logo no início algumas das transformações históricas cabais para definir
este período, como o Renascimento e a Revolução Industrial. Longe de serem apenas fatos históricos,
esses dois eventos marcam o surgimento de uma nova mentalidade social: surge um novo modo
de vida, de produção, de se relacionar e conhecer o mundo. A relevância do renascimento e da
revolução industrial é inegável para entendermos as transformações pelas quais passou o mundo.
De maneira definitiva, nada mais será como antes após estes acontecimentos.
Em seguida, para nos aprofundarmos e entendermos ainda mais sobre os efeitos da
modernidade, essa interessante época histórica, apresentaremos algumas ideias de um importante
sociólogo inglês chamado Anthony Giddens. Este pensador é responsável por um dos mais
relevantes estudos sobre o tema; suas ideias são apresentadas em seu livro As Consequências
da modernidade, de 1991. Conhecer um pouco das ideias trabalhadas neste livro contribuirá, e
muito, para ampliar as possibilidades de entendimento do período denominado modernidade.
O objetivo desta Unidade de Estudo é modesto: esperamos que você possa aguçar seu
olhar para as transformações sociais que o envolve e circunda muitas vezes de maneira invisível e
natural, mas, mesmo assim, irreversível. Esperamos, ainda, que a leitura aqui proposta aguce suas
indagações e desperte seu olhar para as principais consequências da modernidade. Bons estudos!
FONTE: Banco de Imagens 123rf

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 15


1 A MODERNIDADE: SURGIMENTO E TRANSFORMAÇÕES
O período que se convencionou denominar como “modernidade” envolve uma série de
acontecimentos no campo da política, da cultura, da religião etc. Entre os historiadores, não há
consenso quanto a datas formais para o início deste período. O que se pode afirmar, portanto, é
que o início da modernidade engloba uma série de transformações que modificam radicalmente
a vida de uma parte do mundo, mais especificamente, a Europa.
IMPORTANTE

A caracterização da história em períodos, como Antiguidade, Idade Média e Modernidade,


sempre foi assinalada por determinados acontecimentos, que engendram certas rupturas
com a ordem anterior, faz sentido quando se pensa em modificação da vida social,
política, cultural, religiosa em uma parte do mundo, isto é, na Europa.
Continentes como Ásia, Oceania e América foram posteriormente influenciados pelo
modo de vida europeu; isto quer dizer que outras partes do mundo, embora já conhecidas,
mantinham estruturas de pensamento, organização social, política e religiosa diversas.

Portanto, as transformações aqui narradas só farão sentido


para o continente europeu, o que não invalida a curiosidade e a
necessidade de conhecimento sobre este tema. Esta parte do globo
foi e será continente de irradiação de um modo de organização
social, política, econômica que arrebata todos os outros. Será em
função da importância e da influência deste continente na constituição
das outras partes do mundo que apresentaremos as características
principais da chamada modernidade.

A despeito das diversas possibilidades de entendimento sobre o surgimento da modernidade


pelos historiadores, o Renascimento e a Revolução Industrial representam marcos históricos
importantes e contribuem para solapar um modo de vida e possibilitar a irrupção de outro.

16 Camila de Oliveira Casara


1.1 RENASCIMENTO

FONTE: Banco de Imagens 123rf


Vista de Florença/Itália. Praça Piazzale Michelangelo.

O período que será agora tratado representou uma transformação importantíssima para a
humanidade. O Renascimento irá inaugurar uma nova fase de conhecimento e descoberta que
influenciará decisivamente o ocidente. Vamos entender por quê.

O Renascimento, mais do que a maioria dos diversos momentos históricos suscita grandes
controvérsias. Há quem veja nesse movimento filosófico e artístico o momento de ruptura entre
o mundo medieval – com suas características de sociedade agrária, estamental, teocrática e
fundiária – e o mundo moderno urbano, burguês e comercial. (COSTA, 2005, p. 28)

Isso pode ser afirmado porque muitas mudanças importantes ocorreram na Europa a partir
do século XV; e estas mudanças serão as bases para a estrutura das sociedades contemporâneas.

Estrutura feudal: A estrutura da sociedade feudal já não dava mais


conta das transformações sociais, econômicas e políticas que assolavam
a Europa. Esta estrutura, agrária em sua essência, mantinha nas mãos da
nobreza e do clero o poder econômico e político.

Expansões marítimas: Foram as expansões marítimas (com a circum-


navegação da África e o descobrimento da rota para as Índias e América), os
excedentes de produção e o desenvolvimento de atividades comerciais, que
contribuíram fortemente para que este sistema entrasse em colapso. Assim,
tornou-se cada vez mais presente uma nova mentalidade: mais laica e mais
centrada em preocupações materiais e, principalmente, no homem.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 17


Doutrinas religiosas: Novas doutrinas religiosas, que propuseram leituras
interpretativas dos textos sagrados, surgiram como forte contribuição às
mudanças e ao estabelecimento de outra mentalidade. A partir do século
XVI o movimento denominado de Reforma Protestante questionava
o poder clerical. Este movimento foi fundamental para que o “novo
homem” redescobrisse a possibilidade do questionamento baseado
na própria razão. “O conhecimento deixa de ser encarado como uma
revelação, resultante da contemplação e da fé, para voltar a ser, como
o fora para os gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida
atividade do pensamento” (COSTA, 2005, p. 30).

Desenvolvimento da ciência: O desenvolvimento das ciências,


portanto, pode ser entendido como resultado destas transformações
em curso na Europa renascentista.

Crescimento das cidades: O crescimento das cidades, do comércio, e,


sobretudo, das transações comerciais engendradas pelas terras recém-
descobertas na América obrigaram o homem medieval a “abrir mão”
de velhas estruturas explicativas e dar lugar ao novo e surpreendente
mundo que agora se estabelecia. Foi neste cenário que a forma de
produção e organização política se modificou para sempre.

18 Camila de Oliveira Casara


1.2 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL – O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO
Os séculos subsequentes às mudanças iniciais
não foram menos turbulentos. Uma nova maneira de
se produzir, a partir do século XVII foi inaugurada: a
riqueza passou a ser oriunda de indústrias e grandes
máquinas, estas estavam geralmente alocadas em
cidades grandes e superpopulosas; pertenciam a uma
nova classe economicamente poderosa denominada

FONTE: Banco de Imagens 123rf


burguesia industrial, ao passo que eram operadas
por uma também recente classe social, denominada
proletariado. Neste período, chamado de Revolução
Industrial, o trabalho e a estrutura social ganharam
contornos radicalmente novos.
O conhecimento científico aperfeiçoou as
técnicas de produção: aumentando a produtividade
das máquinas e os lucros, e diminuindo o uso da mão
de obra. Este período ficou marcado pelo fenômeno
da maquinofatura.

O que era produzido manualmente


pelos artesãos passou a ser feito
por máquinas, aumentando muito o
volume de produção de mercadorias.

Anthony Giddens, um importante pensador inglês sobre o tema da modernidade, pode nos
ajudar a entender melhor esta fase histórica por meio da seguinte afirmação:

A Revolução Industrial do final do século XVIII e do XIX transformou radicalmente as


condições materiais de vida e os modos de ganhar dinheiro para sempre, trazendo com
isso, pelo menos inicialmente, muitos problemas sociais novos, como a superlotação urbana,
a falta de saneamento e as doenças que a acompanham, e a poluição industrial em uma
escala sem precedentes. (GIDDENS, 2012, p. 63)

Como podemos perceber, Giddens nos esclarece sobre a radicalidade da mudança trazida
pela nova forma de viver e se organizar da Europa. Esta nova fase trouxe também consequências
importantes para os séculos seguintes. Será com base nas principais ideias deste autor sobre as
caracterizações e perigos trazidos pela modernidade, que iniciaremos o segundo tópico desta Unidade.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 19


2 OS EFEITOS DA MODERNIDADE
Em seu livro de 1991 chamado As Consequências da modernidade, Anthony Giddens
caracteriza este período histórico e apresenta os principais efeitos da modernidade para o mundo
ocidental. O autor a define da seguinte maneira:

“modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na


Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais na
sua influência” (GIDDENS, 1991).

Isto é, um período em que a maneira de organização das instituições sociais, políticas e


econômicas passam a operar diferentemente da anterior e paulatinamente vão sendo incorporadas
por todo o mundo.
As principais características das novas instituições da modernidade que se diferenciam do
período anterior, segundo Giddens, serão: o ritmo de mudança, o escopo da mudança e a natureza
intrínseca das instituições modernas.
Vamos entender mais especificamente cada uma delas:

O ritmo de mudança
A rapidez com que as mudanças acontecem na modernidade é extrema;
isso pode ser entendido como resultado do desenvolvimento da tecnologia,
porém esta movimentação também é observada em outras esferas.

Escopo da mudança
Isto é, o alvo das mudanças trazidas pela modernidade. Por meio do
uso da tecnologia mais incisivamente, partes do globo são colocadas em
conexão e as transformações sociais acontecem em todo o planeta.

Natureza intrínseca das instituições modernas


Segundo Giddens (1991), alguns tipos de organização social não
se encontram em outras épocas históricas, apenas na modernidade. É o
caso do estado-nação, a necessidade de grandes fontes produtoras de
energia, o surgimento da mercadoria e do trabalho assalariado.

FONTE: Giddens (1991)

Prosseguindo em sua caracterização da modernidade, Anthony Giddens ressalta a importância que


alguns debates adquirem neste período. As preocupações com o meio ambiente e a instrumentalização
da natureza como fonte geradora de riqueza econômica são discussões que só farão sentido no contexto
moderno. O autor entende que foi somente neste contexto histórico específico que as “forças de
produção” adquiriram um potencial tão destrutivo em relação ao meio ambiente.

20 Camila de Oliveira Casara


Outro tema de relevância para entender a modernidade será a ascensão de episódios de
totalitarismo.

“O governo totalitário combina poder político, militar e ideológico de forma mais


concentrada do que jamais foi possível antes da emergência dos estados-nação modernos”
(GIDDENS, 1991, p. 18).

Ainda no que diz respeito ao ineditismo do poderio e desenvolvimento das forças militares
na modernidade, Anthony Giddens afirma que a junção entre inovação industrial e poder militar
remete à própria origem da industrialização moderna. Isto é, tendo a indústria e as inovações
tecnológicas neste período se desenvolvido de maneira tão eficiente e complementar, tais inovações
não deixariam de se estender às forças militares da modernidade.
Neste sentido, este autor sugere que as análises que se empreendam sobre a modernidade
se esforcem para abarcar não somente as mudanças e avanços da modernidade, como também os
perigos e riscos que este período carrega no seio de suas características mais essenciais.

CONCLUSÃO

Nesta Unidade de Estudo, vimos que o período que chamamos de modernidade se refere
a transformações importantes em todas as instituições sociais: desde as relações de trabalho, até
a política e economia. O Renascimento, como fato importante e cabal traz uma nova maneira
de o homem enxergar a si e o mundo em que vive, enquanto que a Revolução Industrial muda
radicalmente a ordem produtiva da vida econômica e altera para sempre os modos de produção.
Vimos ainda que autores importantes da sociologia, como Anthony Giddens e Cristina
Costa, elaboram reflexões sobre este período histórico e o caracterizam a partir da rapidez das
mudanças e o alvo destas.
Também foi tópico importante abordado a natureza característica das instituições modernas.
Para o inglês Anthony Giddens, é preciso estar atento para as consequências que a modernidade
acarreta para vida do planeta como um todo, como o impacto das transformações no meio
ambiente, o totalitarismo e a associação entre poder militar e industrial.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 21


REFERÊNCIAS

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Penso, 2012.

______. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

22 Camila de Oliveira Casara


UNIDADE DE ESTUDO 2

A QUESTÃO DA PÓS-MODERNIDADE: A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL


E A CULTURA PÓS-MODERNA

INTRODUÇÃO
Nesta Unidade, abordaremos um dos temas mais fascinantes e envolventes da
contemporaneidade: a pós-modernidade. Compreender o que a constitui e quais as suas
consequências para o mundo de hoje é uma das tarefas que aqui nos propomos.
Esta Unidade de Estudo requer de você capacidade reflexiva e leitura atenta, não só dos textos
obrigatórios, mas do mundo que o cerca.
No início dos nossos estudos, iremos caracterizar a pós-modernidade. De onde surgiu e
qual o seu campo de estudos originário serão alguns dos dados importantes para entendê-la. Em
seguida, apresentaremos as principais transformações que possibilitaram a pós-modernidade: o
desenvolvimento das tecnologias da informação e a consequente sociedade em rede.
Você poderá enxergar claramente que a realidade que o cerca está permeada pelos efeitos
da pós-modernidade, pois as consequências da sociedade em rede nas relações de produção e
nos movimentos sociais fazem parte, mesmo que de maneira indireta, da vida de qualquer cidadão
do século XXI.
Não poderíamos deixar de apontar para a questão da desterritorialização como um dos
grandes temas da pós-modernidade. Uma das suas principais transformações, a redefinição de
fronteiras e territórios, será nesta Unidade esclarecida e debatida como manifestação das novas
relações sociais, políticas e econômicas que a pós-modernidade trouxe para o mundo. Esperamos
que ao finalizar esta Unidade de Estudo, você esteja ainda mais instigado a pensar e refletir sobre
as transformações do mundo ao seu redor. Bons estudos!
FONTE: Banco de Imagens 123rf

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 25


1 A PÓS-MODERNIDADE: CARACTERIZAÇÃO
Definir pós-modernidade exige
um esforço bastante grande, pois este O conceito de pós-
termo não se originou no campo das -modernidade, para esta
ciências humanas e filosofia; ele começa área do conhecimento,
a ser empregado primeiramente no caracterizava uma nova
campo das artes visuais. forma de entendimento
das produções artísticas
A partir da perspectiva pós- pautada no rompimento de
-moderna, já não se buscariam mais paradigmas da Modernidade.
critérios universalmente válidos para a
arte (como por exemplo, as formas, cores e texturas consideradas boas ou más, belo ou feio); regras
ou normas não poderiam ser entendidas para toda a produção artística mundial. Esta proposta de
entendimento dos fenômenos da realidade, nascida nas artes visuais, expande-se rapidamente para
outras áreas do conhecimento como uma nova forma de compreensão do mundo e das relações
sociais; um novo paradigma para caracterizar as sociabilidades contemporâneas e as modificações
profundas trazidas pelas transformações do século XXI.

“A pós-modernidade passou a designar uma nova proposta de produção artística que, por
sua ideologia contestadora, associou-se à quebra de valores e de normas de comportamento
que caracterizou o homem contemporâneo, especialmente nos grandes centros urbanos.”
(COSTA, 2005, p. 232).

A pós-modernidade passa a ser o termo usado, então,


para denominar rupturas com modelos e padrões de
entendimento que são postos em xeque no momento em Exemplos são Robert Venturi,
que o mundo passa a conviver com intensas e profundas Aldo Rossi, James Corbett,
mudanças. Para Jurgen Habermas, havia um “projeto da entre outros.

modernidade” que consistia:

a) na crença inquestionável à ciência;


b) na libertação do homem por meio do domínio total da natureza;
c) no desenvolvimento da racionalidade a ponto de superar mitos, religião e superstição.

FONTE: Harvey (2007)

O período denominado pós-moderno, seria, portanto,


o momento em que o “projeto da modernidade” passa a
FONTE: Banco de Imagens 123rf

ser questionado e superado (HARVEY, 2007, p. 23).


Sendo assim, a pós-modernidade, tendo nascido nas
artes visuais, pode ser empregada para entendermos os
novos hábitos, costumes, formas de vida e movimentos
sociais impregnados pelas mudanças sociais, econômicas,
políticas e tecnológicas do século XXI.

26 Camila de Oliveira Casara


Para muitos estudiosos da contemporaneidade, entre eles o sociólogo inglês Anthony Giddens
(2012), estamos diante de uma nova sociedade: mais plural e diversificada. Isso se deve, em grande
parte, ao poder dos meios de comunicação incidindo na vida dos seres humanos, trazendo-lhes
informações, valores e ideias de várias partes do mundo muito rapidamente.

Em uma quantidade incontável de filmes, vídeos, programas de televisão e sítios da internet,


as imagens circulam ao redor do mundo. Temos contato com muitas ideias e valores, mas
eles têm pouca conexão com a história das áreas em que vivemos ou, de fato, com nossas
próprias histórias pessoais. Tudo parece constantemente em fluxo. (GIDDENS, 2012, p. 81)

O pensador inglês chama a atenção para o fato de que na pós-modernidade os meios


de comunicação permitem a troca de informações e imagens com rapidez e eficiência jamais
experimentadas. Isso incide decisivamente em diversos aspectos das relações sociais, da economia
e da política do século XXI.
Para que essa transformação toda fosse possível, alguns acontecimentos foram cruciais no
decorrer do século XX. Entenderemos melhor do que estamos falando nos tópicos seguintes, ao
abordarmos as transformações fundamentais que possibilitaram o advento da pós-modernidade.

2 A SOCIEDADE EM REDE

FONTE: Banco de Imagens 123rf


O desenvolvimento dos meios de co-
municação, da informática e da automação
impactou definitivamente a maneira tradi-
cional de articulação e cooperação em todo
o planeta. A rapidez na produção, nas trocas
comerciais e nos fluxos financeiros, nos diz
Cristina Costa (2005, p. 234), “deu à econo-
mia um ritmo impensável anteriormente”,
transformando em mercadoria aquilo que
passa a circular pelas redes de comunicação: a informação.
Para o sociólogo espanhol Manuel Castells (2013), o desenvolvimento das tecnologias da
informação e da internet fortaleceu as redes entre diferentes pessoas e organizações em lugares
extremamente distantes no globo terrestre. Para ele, as redes são as formas de organização que
definem nossa era; informações podem ser recebidas imediatamente em qualquer parte do mundo,
não existindo necessidade da presença física dos envolvidos (GIDDENS, 2012, p. 579).

O impacto da tecnologia da informação e sua consequente


transformação nas relações sociais pode ser sentido em diferentes
espaços e maneiras. Desde as novas formas e processos de
produção, isto é, na organização das estruturas de trabalho na
contemporaneidade, chegando até aàs reivindicações sociais, ou
seja, na maneira como os novos movimentos sociais se articulam
e tomam corpo, a pós-modernidade exerce sua influência.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 27


A pós-modernidade permeia a maneira de se produzir: muito mais rápida e descartável;
suscetível aos fluxos do mercado e das influências culturais distantes; desterritorializada e
segmentada em diferentes espaços e países.
Como também permeia as formas de reivindicação e afirmação de desejos e identidades,
isto é, os movimentos sociais. Nos tópicos seguintes, abordaremos melhor esses dois impactos.

2.1 A INFLUÊNCIA DAS REDES NOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO


Uma das consequências de tal transformação pode
ser sentida nos processos produtivos, isto é, na maneira de
se produzir sob a influência da informática e da automação
que passa a ser radicalmente diferente. O resultado
disso aparece nas novas estruturas organizacionais, mais
FONTE: Banco de Imagens 123rf

descentralizadas e flexíveis. Cada vez mais, empresas estão


ligadas em redes e se relacionam com a economia global;
esse processo torna mais difícil a sobrevivência de uma
organização comercial – seja pequena ou grande – se não
fizer parte de uma rede.
O grande catalisador dessa transformação são os
meios de comunicação, mais especificamente, a internet.

“A introdução da nova tecnologia permitiu que muitas empresas ‘reprojetassem’ sua estrutura
organizacional, tornando-se mais descentralizadas, e reforçando a tendência para tipos
menores e mais flexíveis de empresas, inclusive o trabalho em casa” (GIDDENS, 2012, p. 579).

David Harvey (2007), geógrafo britânico e um dos grandes estudiosos do impacto da tecnologia
da informação nos processos produtivos, afirma que as transformações no processo produtivo sob
a influência dos avanços tecnológicos caracteriza o período denominado de acumulação flexível.
Esse novo modo de organizar a produção se caracteriza pela flexibilização dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos produzidos e dos padrões de consumo.
Surgem nesse contexto muitos outros setores de produção, bem como novas maneiras de
fornecimento dos serviços financeiros, novos tipos de mercados, e, principalmente, muita inovação
comercial, tecnológica e organizacional, nos explica Harvey (2007, p. 140).
A acumulação flexível traz como resultados imediatos o aumento dos empregos e oportunidades
de empreendimentos no chamado “setor de serviços”, assim como parques industriais em países
de industrialização tardia ou capitalismo periférico, como Brasil, Índia e África do Sul. Como
consequência do aumento da produção pelas novas tecnologias, a maneira de explorar o mercado
e oferecer mercadorias também se modifica.
A acumulação flexível confere “uma atenção muito maior às modas fugazes” e mobiliza “todos
os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural” para induzir o consumo a uma
forma efêmera e descartável. Atrelado a esse processo, o relacionamento com os produtos (com
significativa vida útil menor) produzidos passa a ser mais fugaz e caracteriza, portanto, uma “estética
pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de
formas culturais” (HARVEY, 2007, p. 148).

28 Camila de Oliveira Casara


Cristina Costa (2005, p. 235) corrobora a visão de Harvey e salienta que “a informatização
acabou gerando modificações radicais nos processos produtivos, levando a uma reengenharia
industrial com a adoção crescente de sistemas automatizados”.

2.2 A INFLUÊNCIA DAS REDES NAS MOVIMENTAÇÕES SOCIAIS


FONTE: Banco de Imagens 123rf

Outra face da influência das redes no mundo contemporâneo pode ser sentida na maneira
de organização das mais recentes movimentações sociais. Manuel Castells, em seu livro Redes
de indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet (2013) analisou o impacto
das novas tecnologias da comunicação em protestos recentes da primeira década do século XXI,
especialmente aqueles acontecidos no mundo árabe e alguns países da Europa. Para este autor,
as redes sociais na contemporaneidade se constituíram como espaços de autonomia, capazes de
levar os sujeitos além do controle de governos e empresas. Com a intensificação da comunicação
em redes trazida pelas novas tecnologias da informação, há a consequente produção de novos
entendimentos sobre fatos, eventos, políticas, relações sociais etc.
Nesse sentido, Castells afirma que as redes de comunicação (as famosas redes sociais) são,
em certa medida, temidas por governos e instituições de poder, pois são capazes de construir
novas formas de pensamento, direcionar atitudes, construir significados e mobilizar agentes sociais,
sejam eles individuais ou coletivos. Portanto, nos esclarece este autor, as modificações nas formas
de comunicação afetaram definitivamente as relações de poder.

“As rede de poder o exercem sobretudo influenciando a mente humana (mas não apenas)
mediante as redes multimídia de comunicação de massa. Assim, as redes de comunicação
são fontes decisivas de construção do poder” (CASTELLS, 2013, p. 12).

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 29


Capazes de operar novos significados sobre as mais
diferentes relações e provocar reações inesperadas e irreversíveis,
os movimentos sociais são definitivamente fomentados pelas
informações mais imediatas e diversificadas possíveis, aptos a
articular ações conjugadas nos mais distantes lugares do globo
ao mesmo tempo.

Não se faz mais necessário que as novas movimentações sociais sejam alocadas em uma sede
física, com uma escala hierárquica definida entre indivíduos e encontros periodizados entre seus
membros. Basta que os manifestantes estejam organizados em rede e se identifiquem em suas
dificuldades e reivindicações.

“A autonomia da comunicação é a essência dos movimentos sociais, ao permitir que o movimento


se forme e possibilitar que ele se relacione com a sociedade em geral, para além do controle dos
detentores do poder sobre o poder da comunicação” (CASTELLS, 2013, p. 16).

Ainda nas considerações de Manuel Castells sobre a influência das redes nas novas
movimentações sociais, o pensador espanhol afirma que o poder pode estar se deslocando
dos Estados-Nações para novas alianças e coalizões não governamentais. Estas relações não
pertencentes a nenhum território, mais fluidas e inconstantes, podem ser lidas como resultantes
da sociabilidade típica da pós-modernidade.
A influência da tecnologia nas relações sociais, econômicas e políticas dá origem a uma sociedade
muito mais integrada e diversificada. Este fenômeno, aqui chamado de desterritorialização, será
fundamental para entender o que é e quais as consequências da pós-modernidade nas relações
sociais do século XXI, que abordaremos a seguir.

3 A DESTERRITORIALIZAÇÃO
Se uma das características marcantes da pós-modernidade se faz sentir nos novos movimentos
sociais, os quais passam a não necessitar mais de encontro físico entre todos os seus participantes,
então entendemos que a desterritorialização é uma das faces da pós-modernidade.
Segundo Cristina Costa (2005, p. 237), a desterritorialização seria “a perda da importância do
território nacional e a transnacionalização da economia”, bem como “as novas alianças que unem
blocos regionais mais amplos, enfraquecendo as fronteiras nacionais e a circunscrição do Estado”
(COSTA, 2005, p. 237).
Nesta perspectiva, os territórios, as fronteiras e as vizinhanças necessitam de constante
redefinição. São típicas desse processo, as constantes migrações humanas ao redor do globo
terrestre, motivadas pelas mais diferentes causas: guerras, desastres naturais, alianças políticas,
atividades econômicas etc.
Anthony Giddens (2012, p. 467) rotula o século XXI como “a era da migração”, isto porque
a intensificação da migração global após a Segunda Guerra Mundial, e especificamente em anos
mais recentes, trouxe questões políticas e de governança muito sérias para todo o mundo. Inegável,
portanto, é a multiplicidade de dados culturais e influências étnicas que permeiam as sociedades
atingidas por este processo.

30 Camila de Oliveira Casara


Tanto os países alvos de imigrantes – geralmente pela prosperidade econômica (como
Alemanha, França, Inglaterra) – quanto aqueles que “cedem” seus indivíduos a outros espaços
(como Síria ou Haiti) – mais prósperos ou menos violentos e intolerantes – veem no fenômeno da
desterritorialização uma mescla de culturas e tradições que atingem em cheio os sujeitos e definem
novas identidades e relações sociais.

Constituem exemplos de alguns desses espaços de desterritorialização os campos de refu-


giados, as colônias de imigrantes, multinacionais e empresas de capital misto, nos esclarece
Cristina Costa (2005, p. 237).

FONTE: Banco de Imagens 123rf


FONTE: Banco de Imagens 123rf

Fronteira entre Grécia e a FYRON (antiga República


Campo de refugiados em Domeez, Iraque. Iugoslava da Macedônia).

A partir de agora, mais abstratos e difíceis de definir, os territórios nacionais, as fronteiras, os


nacionalismos e as idiossincrasias culturais passam a ser constantemente reelaboradas sob uma
perspectiva diversificada, múltipla e transnacional que traz a pós-modernidade. Entender esse
fenômeno contemporâneo irreversível se faz uma das tarefas mais instigantes e complexas do
pensamento social.

CONCLUSÃO

Evidentemente todos nós já ouvimos o termo pós-modernidade, vida pós-moderna, amores


pós-modernos em algum momento de nossas conversas mais banais. No entanto, a Unidade
de Estudo apresentada forneceu aspectos e características desse fenômeno de modo mais
complexo e aprofundado.
Passamos pelas principais faces da pós-modernidade: suas características, a importância das
tecnologias da informação e a consequente sociedade em rede, e a ideia de desterritorialização.
Ao abordarmos a questão das redes, não pudemos nos furtar do impacto disso nas relações
de produção e nas movimentações sociais.
Todos esses aspectos se dispuseram a agregar dados e possibilidades de entendimento
da realidade do século XXI a você que está disposto a captar de maneira crítica e reflexiva a
realidade em que estamos todos inseridos.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 31


REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet.


Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Editora Penso, 2012.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2007.

32 Camila de Oliveira Casara


UNIDADE DE ESTUDO 3

A GLOBALIZAÇÃO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

INTRODUÇÃO
Esta Unidade trata de uma das questões mais comentadas e polêmicas da contemporaneidade:
a globalização. Tema profícuo entre filósofos, sociólogos, economistas entre outros profissionais
interessados em entender os meandros que regem a vida social, política e cultural do século XXI,
este assunto sempre traz posições contrárias e favoráveis capazes de despertar as discussões mais
acaloradas.
O intuito desta Unidade é apontar as principais características da globalização: como surge, por
que se intensifica, os elementos mais importantes responsáveis pela sua intensificação a partir dos
anos 1980, e as consequências desse processo na definição de novas identidades serão algumas
das abordagens do primeiro tópico da Unidade.
Em seguida, ainda no intuito de lhe fornecer maior subsídio para as discussões e
problematizações acerca do tema, propomos uma investigação sobre a questão da ampliação das
fronteiras, processo inevitável da globalização. Abordaremos a formação dos blocos econômicos
e a consequente e dramática questão da imigração no século XXI.
Finalizamos nosso debate apresentando a proposta de uma governança global como saída
pensada por alguns estudiosos para os problemas gerados em função de uma internacionalização
das fronteiras. Esperamos, com esta Unidade, contribuir para o despertar de uma consciência
crítica e reflexiva acerca do tema e levantar ainda mais possibilidades de discussões que busquem
a construção de um mundo mais justo e humano para todos.
Bons estudos!
FONTE: Banco de Imagens 123rf

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 35


1 GLOBALIZAÇÃO: CARACTERIZAÇÕES
Nos noticiários, artigos de jornais, conversas informais e tantos outros espaços que permeiam
nosso cotidiano ouvimos falar sobre a globalização. Esse termo se tornou palavra-chave para definir
as novas relações no mundo contemporâneo, tanto para os debates sociológicos e filosóficos quanto
para os econômicos e políticos.
De uma maneira geral, o termo “global” se refere aos caminhos que as políticas econômicas
e sociais do mundo capitalista vêm trilhando a partir da década de 1980.

“A globalização refere-se ao fato de que estamos cada vez mais vivendo em um mesmo
mundo, de modo que os indivíduos, grupos e nações, se tornaram cada vez mais
interdependentes”. (GIDDENS, 2012, p. 102).

Muitos estudiosos do assunto tratam da globalização como uma significativa perda de poder do
Estado Nacional e do mercado interno, o que acarreta trocas comerciais e financeiras internacionais
intensas e confere muito poder às instituições supranacionais, isto é, corporações, bancos e empresas
multinacionais. No entanto, podemos afirmar que, relacionada às profundas transformações
econômicas, acompanhamos uma reviravolta nas relações culturais, sociais e tecnológicas entre os
países a partir dessa época. Giddens (2012) corrobora essa ideia ao afirmar que:

“Embora as forças econômicas sejam uma parte integral da globalização, seria errado sugerir
que elas a produzem sozinhas. A união de fatores políticos, sociais, culturais e econômicos
cria a globalização contemporânea” (GIDDENS, 2012, p. 102).

Assim, a globalização não se restringe às novas dinâmicas econômicas e políticas, ela envolve
outros tantos aspectos sociais capazes de alterar profundamente sociedades inteiras. Somos
levados a crer, portanto, que a globalização é processo multidimensional, ou seja, seus impactos
e consequências podem ser sentidos em diversos âmbitos da vida dos indivíduos no século XXI.

Tendo em vista a possibilidade de entendermos melhor essas transformações, propomos uma


reflexão sobre o funcionamento atual e as possibilidades futuras da globalização enquanto nova
forma de ordenação das relações sociais, econômicas e políticas da atualidade.

Para isso, explicaremos a seguir alguns dos fatores que contribuíram para a globalização.

1.1 A TECNOLOGIA DAS COMUNICAÇÕES E DA INFORMAÇÃO


O desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação pode ser apontado como
um dos aspectos fundamentais para a intensificação da globalização na contemporaneidade. Isto
porque elas aumentaram, em muito, a velocidade e o alcance das trocas sociais entre os indivíduos
por todo o mundo.
Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, esta disseminação da informação sofreu
grande transformação. Ela foi facilitada por vários avanços na estrutura das telecomunicações
do planeta como o desenvolvimento de um sistema de cabos mais eficiente e menos caro e o

36 Camila de Oliveira Casara


desenvolvimento tecnológico dos satélites de comunicações, que a partir da década de 1960
expandem as comunicações internacionais. A partir de então, grandes quantidades de informação
podem ser comprimidas e transferidas por meio digital.
Nos lares, empresas, escritórios de qualquer país com infraestrutura de comunicações mais
desenvolvida, as pessoas estão interconectadas, recebendo e mandando informações em tempo
real para qualquer indivíduo ao redor do globo terrestre. Isso acarreta uma transformação na
concepção do tempo e do espaço substancial aos envolvidos nesses processos.

Um indivíduo em Tóquio recebe documentos, envia imagens e vídeos em tempo real a outro em
São Paulo, graças ao desenvolvimento da tecnologia dos satélites.

1.2 OS FLUXOS INTERNACIONAIS E TRANSFORMAÇÕES DAS IDENTIDADES


As trocas de informações possibilitadas pela tecnologia da comunicação permite a interconexão
entre indivíduos no mundo todo. Esse fenômeno, para além das trocas já mencionadas, faz com
que as pessoas estejam mais conscientes e se identifiquem mais umas com as outras em problemas
globais do que no passado.

Um exemplo claro das possibilidades trazidas pela tecnologia da comunicação está na mo-
bilização de milhares de pessoas em manifestações políticas e culturais. Movimentos como a
chamada Primavera Árabe (grandes insurreições nos países árabes, a partir de 2009, quando
milhares de pessoas saíram às ruas contra governos ditatoriais, inicia-se na Líbia e se expande
para vários países vizinhos); ou o Greenpeace (importante Organização Não Governamental
que luta pelas questões ambientais), entre outros, podem ser classificados como ações que
buscam agir para além de seus territórios nacionais e são possíveis graças à internet.

Explicaremos o fato das trocas de informações facilitadas pela tecnologia a partir de duas dimensões.

A primeira é que indivíduos no mundo todo passam a entender que suas


responsabilidades vão além de suas fronteiras nacionais. Desastres naturais, guerras,
fome e injustiças de toda ordem passam a ser vistas como problemas de alçada
internacional, dignos de ação e intervenção.

A segunda diz que indivíduos no mundo todo buscam, cada vez mais, forjar
sua identidade em fontes além de seu Estado-Nação. As identidades culturais locais
passam por transformações profundas, e um habitante da Irlanda do Norte, por
exemplo, pode se identificar culturalmente com um da França. A ideia da identificação
patriótica dos indivíduos com seu Estados-Nação está em xeque à medida que as
políticas em níveis globais e regionais se orientam para além das fronteiras geográficas.

Anthony Giddens (2012) afirma que, embora a globalização seja fomentada por grandes trocas
econômicas e desenvolvimento tecnológico, ela pode ser sentida nas relações mais cotidianas. As
transformações são vistas nas formas como as instituições sociais mais elementares, como família, papéis
sociais, identidades pessoais, relações de trabalho, sexualidade etc., são afetadas e reconfiguradas.
Neste sentido, para o autor, a globalização inaugura um período de ascensão do individualismo.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 37


“Em condições de globalização, enfrentamos uma tendência a um novo individualismo, no
qual as pessoas devem agir ativamente para construir suas próprias identidades” (GIDDENS,
2012, p. 116).

À medida que nos deparamos com transformações profundas nos mais elementares pilares
de sustentação da vida em sociedade, e tradições e costumes antigos já não fazem mais sentido, é
preciso que sejamos capazes de alterar a maneira como pensamos a nós mesmos e surjam novos
padrões identitários.

1.3 OS FATORES ECONÔMICOS


Dada a importância que a tecnologia da informação confere às identidades individuais e a
promoção de novas formas de comunicação, não podemos deixar de salientar que os processos
econômicos são cruciais para que a globalização atinja os patamares do século XXI. Cada vez
mais a economia global se orienta para as atividades ligadas à tecnologia da informação, isto é,
softwares de computador, mídia, produtos do entretenimento e serviços baseados na internet.
Segundo Anthony Giddens (2012, p. 106), a globalização é orientada “por atividades que não têm
peso e são intangíveis”.
A forma predominante da economia contemporânea passa a ser a rede entre diversas atividades
que cruzam as fronteiras geográficas, tornando as empresas cada vez mais flexíveis e dispersas
em suas hierarquias e atividades. É necessário fazer parcerias e participar de redes de distribuição
mundial para estar presente nos negócios do mundo globalizado.

2 A AMPLIAÇÃO DAS FRONTEIRAS


Os processos de integração regional que se delinearam em
meados do século XX estão diretamente ligados ao desenvolvimento
do capitalismo globalizado. Novos blocos econômicos surgiram e um
novo patamar de integração entre os países foi possível.
Nesse tópico, abordaremos as características principais da
formação de blocos econômicos e suas principais consequências;
assim como abordaremos a imigração.

2.1 OS BLOCOS ECONÔMICOS


Dentro do sistema internacional de comércio na contemporaneidade, a formação de blocos
econômicos passa a ser assunto de primeira ordem para os países que desejam estar inseridos na
economia mundial. Esse fenômeno pode ser definido como um processo político entre dois ou mais
países para limitar, total ou parcialmente, as barreiras comerciais entre eles. Esse fato contribui muito
para a internacionalização das economias, e, consequentemente, para o processo globalizador.

38 Camila de Oliveira Casara


A constituição de um bloco econômico é a principal política de integração regional para
criar e ampliar espaços inter ou supranacionais que permitam maior complementaridade,
intercâmbio e incremento da capacidade competitiva dos países-membros em relação ao
resto do mundo. (SILVA, 2013, p. 294)

No entanto, o processo integrador das economias globais assume também as diferenças


econômicas e políticas entre os países. Serão justamente essas diferenças entre os envolvidos que
representará um dos principais problemas enfrentados pela formação dos blocos econômicos (por
exemplo: União Europeia, Mercosul, Nafta, entre outros), símbolos da globalização.

2.2 A IMIGRAÇÃO
No contexto dos blocos econômicos, as fronteiras são bastante livres e sem impedimentos
quando o que circula são as mercadorias. No entanto, quando se trata de pessoas, especialmente
aquelas vindas dos países de economias periféricas, como África, América Latina e Ásia, as fronteiras
já não são tão desimpedidas.

Restrições à entrada de imigrantes e políticas restritivas são


formas contemporâneas de segregação espacial e consequente
elemento fundamental de distinção social.

Idomeni, Grécia. Fronteira entre a Grécia e a FYROM.

“A possibilidade de se deslocar tornou-se um elemento fundamental para distinguir as classes


sociais em nível global, não só pelos meios com os quais se movimentam, mas também,
ou principalmente, pelas segregações e restrições espaciais que isso acarreta”. (BAUMAN
apud SILVA et al., 2013, p. 295).

Atrelada à face positiva e transformadora das relações sociais que a globalização promete,
está sua face perversa e excludente. Para que o ideal de integração da globalização se realize, é
necessário abandonar antigas tradições e posições nacionalistas.

“O nacionalismo tranca as portas, arranca as aldravas e desliga as campainhas, declarando


que apenas os que estão dentro têm direito de aí estar e acomodar-se de vez” (BAUMAN,
2001, p. 203).

Neste sentido, podemos afirmar que um dos grandes desafios que se impõem às novas
relações entre os países é a questão da imigração e circulação de pessoas em busca das promessas
e benefícios do capitalismo globalizado.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 39


3 UMA GOVERNANÇA GLOBAL É NECESSÁRIA
No processo da globalização, o avanço tecnológico serve para a promoção da circulação de
capitais e mercadorias, no entanto, este processo não é homogêneo e igualitário. Àqueles países
em que o capitalismo ainda é subdesenvolvido (por exemplo: Brasil, Índia, Chile), sobra apenas a
transferência dos lucros aos países do capitalismo central (por exemplo: Estados Unidos, Inglaterra).
Já a circulação humana é restrita e problemática, como visto no tópico anterior.
É por isso que os efeitos negativos da globalização podem ser sentidos principalmente nas
regiões de capitalismo periférico onde a instalação de grandes multinacionais explora a força de
trabalho regional muitas vezes de maneira injusta, como por exemplo, pagando salários cada vez
mais baixos, por muitas vezes mantendo os trabalhadores em condições análogas à escravidão,
aproveitando-se da pouca organização sindical dos trabalhadores desses países, e ainda, valendo-se
das isenções fiscais oferecidas por líderes desses países para que instalem suas fábricas nesses locais.
Também é possível sentir os efeitos negativos da globalização nas consequências ao meio ambiente
desses países, em que o processo de dilapidação dos recursos naturais se mostra insustentável.
Por esses motivos, muitos estudiosos da globalização falam em estabelecer uma governança
global. Esta proposta visa abordar de maneira global problemas que são criados e têm consequências
num nível global.

Os efeitos do aquecimento do planeta, da


disseminação de doenças, da regulamentação
de mercados financeiros instáveis e dependentes
internacionalmente, são exemplos de problemáticas
que surgem em função de uma nova ordem
econômica, política e social que é a globalização.
FONTE: Banco de Imagens 123rf

Para a resolução destes entraves gerados pela internacionalização das relações, cada vez
mais se propõe que as soluções para estes se dê num nível global. Segundo Giddens (2012, p.
117), o estabelecimento de uma governança global pode ajudar “a promover uma ordem mundial
cosmopolita, na qual regras e padrões transparentes para o comportamento internacional, como
a defesa dos direitos humanos, sejam estabelecidos e observados”.

40 Camila de Oliveira Casara


CONCLUSÃO

Ao longo desta Unidade, procuramos elucidar aspectos importantes acerca do tema


da globalização. Passamos pelas suas características principais, pelos fatores cruciais para
que alcançasse os níveis do século XXI, pela importância da tecnologia da informação e do
desenvolvimento da internet nesse processo. Também salientamos o papel da economia e
a formação dos blocos econômicos como grandes catalizadores da globalização tal como
temos hoje. Tratamos do problema da imigração e de como a globalização pode ser perversa
com aqueles países considerados como capitalismo periférico. Por fim, apontamos como
saída para estes entraves o sonho da governança global, que, para muitos estudiosos, é a
possibilidade mais plausível para os problemas criados pela internacionalização das fronteiras.
Esperamos que os elementos aqui apresentados tenham fomentado uma nova e mais
complexa maneira de enxergar o fenômeno que atinge a todos os cidadãos e todas as
cidadãs do mundo contemporâneo, a globalização.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 41


REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Editora Penso, 2012.

SILVA, Afrânio et al. Sociologia em movimento. São Paulo: Moderna, 2013.

42 Camila de Oliveira Casara


UNIDADE DE ESTUDO 4

CRÍTICA DO CONHECIMENTO I

INTRODUÇÃO
Na época em que vivemos, diferentemente das anteriores, abundam informações. Chegam
até nós turbilhões diários de informações. Nem todas são exatas, verdadeiras e relevantes. Muitas
vezes temos a sensação de que recebemos informações em excesso, que mais nos confundem
que esclarecem. Muitas delas truncadas, grosseiramente simplificadas, cuja fonte não é conhecida,
que podem ter sido divulgadas com a intenção de iludir as pessoas, não com a intenção de lhes
auxiliar a conhecer e compreender a realidade em que vivem. Outras tantas vezes as informações
nos chegam apenas como entretenimento, modeladas (e distorcidas) para provocar emoções e
divertimento, não para ajudar elaborar conhecimentos.
Você já deve ter experimentado isso e provavelmente percebeu que a dificuldade é separar
informações verdadeiras e não verdadeiras, informações relevantes e meros truísmos que nos ocupam
a mente e o tempo. Cada vez mais, é necessário podermos discernir entre as informações que
podem nos ser úteis e as que podem nos iludir. Nesta Unidade, queremos trabalhar alguns conceitos
e distinções que podem nos ajudar na tarefa de filtrar informações e construir conhecimentos.

FONTE: Banco de Imagens 123rf

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 45


1 INFORMAÇÕES E CONHECIMENTOS
Informações não são conhecimentos. Essa é a primeira distinção que devemos fazer. Informações
são registros de algumas características de fatos, objetos ou processos que detectamos no mundo.
Conhecimentos são conjuntos de informações organizadas, articuladas e interpretadas, que nos
ajudam a compreender uma parte da realidade natural, social ou cultural do mundo em que vivemos.

Pense numa lista telefônica (daquelas antigas, enormes e


impressas em papel fininho). Você tem nela uma grande quantidade
de informações, mas, por si só, a lista não representa conhecimento.
Para transformar aquelas informações em conhecimentos sobre
a cidade a que se refere essa lista, você precisa analisar essas
informações, estabelecer relações entre elas e interpretar seu
significado. Só assim você saberá se a cidade é populosa ou não, se
é rica ou pobre, antiga ou jovem, que tipos de empresas possui, se seus
serviços de saúde e de educação estão bem distribuídos ou não.

Todos os dias somos bombardeados por uma enorme quantidade de informações. Jornais,
revistas, TV, Internet, rádio, redes sociais... Não nos faltam informações. Na verdade, as temos em
excesso. Isso cria um dos grandes desafios de nosso tempo: filtrar essas informações, separando
relevantes e irrelevantes, verdadeiras e falsas, úteis e inúteis.
A análise das formas de conhecimento, que empreenderemos nesta Unidade, apresenta algumas
ferramentas para ajudá-lo a enfrentar o desafio de fazer o exame crítico das informações que recebemos.

2 AS FORMAS DO CONHECIMENTO
Ao longo da História, os seres humanos criaram variadas formas de conhecer. São modos diferentes
de usar sua capacidade intelectual, de articular ideias, imagens, raciocínios, sentimentos. Todas as
formas de conhecimento – senso comum, mito, ideologia, ciência, tecnologia, filosofia, religião, arte,
entre outras – atendem de maneiras diferentes à necessidade humana de conhecer e compreender o
mundo e o próprio ser humano. Analisaremos nesta Unidade apenas algumas dessas formas.

2.1 SENSO COMUM


O senso comum pode ser entendido de duas formas distintas, mas que são complementares:

01 Como Fenômeno Social: Em todos os grupos sociais percebemos a existência de informações que
circulam continuamente entre seus membros, formando um cabedal comum, isto é, conhecido por todos.
Esse cabedal contém normas de comportamento social, fatos históricos, lendas, superstições, informações
científicas popularizadas, valores morais, crenças religiosas, modos de fazer coisas e organizar a vida,
mitos, ideologias políticas, representações do que seja o mundo e a sociedade etc. Tudo isso misturado,
num conjunto pouco organizado e muitas vezes contraditório. Esse cabedal, entretanto, é da máxima
importância, pois permite a comunicação entre os membros do grupo social e, consequentemente,
facilita a interação e a cooperação entre eles. O senso comum forma uma visão de mundo, isto é, uma
representação, uma imagem de como é o mundo, que é a primeira referência que temos do mundo
que nos cerca e é a referência que as pessoas usam como orientação para a vida cotidiana.

46 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


Como forma de organizar os conhecimentos: Numa outra abordagem, o senso comum é também 02
uma maneira de conhecer, isto é, um modo de lidar com informações e elaborar conhecimentos. O
senso comum elabora conhecimentos de modo assistemático, fragmentário e superficial. Isso porque
o senso comum é muitas vezes portador de uma atitude crédula e acrítica, que se satisfaz com as
aparências, que aceita opiniões somente porque foram emitidas por supostas autoridades do saber,
que admira as opiniões mais chocantes. Podemos resumir afirmando que o senso comum não examina
seus conhecimentos: não pergunta pela origem das informações, não pergunta por sua veracidade,
ou pelos interesses que eventualmente podem promover a divulgação de fatos distorcidos.

O que vou comer na lanchonete, se levarei ou não agasalho ao sair de casa, se é moralmente
certo ou errado o gesto que pretendo realizar para uma pessoa, em que candidato pretendo
votar, tudo isso é geralmente avaliado por meio de critérios extraídos do senso comum.

Vale atentar para esta característica do senso comum: toda informação que se torna senso
comum, isto é, que se dissemina na sociedade e é repetida em toda parte, começa a ser tomada
como verdadeira. É como um boato maldoso: depois que se difunde, ninguém mais se lembra de
onde veio, quem o proferiu e com que interesse. Tornou-se senso comum, todos o repetem como
se fosse verdadeiro.
IMPORTANTE

Podemos resumir afirmando que o senso comum não examina seus conhecimentos:
não pergunta pela origem das informações, não pergunta por sua veracidade, ou pelos
interesses que eventualmente podem promover a divulgação de fatos distorcidos.

O exame do conhecimento é tarefa constante para todos aqueles que não se satisfazem com
aparências e buscam a verdade. Por isso, apesar de sua enorme importância na vida cotidiana de
indivíduos e coletividades, não podemos nos limitar a aceitar e reproduzir os conteúdos superficiais
do senso comum.

2.2 MITO
Mitos são também uma maneira de conhecer, que a humanidade vem utilizando desde a mais
remota antiguidade até hoje. Trata-se de uma forma de conhecimento baseada fundamentalmente
na compreensão intuitiva dos fatos, que é apresentada, em geral, sob o formato de uma história.
Essa narrativa apresenta, muitas vezes a saga de um herói, a origem do cosmos ou dos deuses, a
origem do ser humano, das raças e dos povos, entre outros temas.
Os mitos são criados, anônima e coletivamente, para explicar o mundo em que vivemos,
especialmente os acontecimentos que nos amedrontam. Essa explicação não segue critérios racionais,
muito menos científicos, mas ensinam, por meio do comportamento dos personagens da narrativa,
a solução dos enigmas da vida, a identidade do grupo social e o modo correto de se conduzir.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 47


Todos os povos criam seus mitos e os utilizam para compreender os mistérios da vida e do mundo.

No cinema americano encontramos, onipresente, o mito do herói. Na história política brasileira


é recorrente o mito do salvador da pátria. Nas tradições religiosas de origem hebraico-cristã,
em papel fundante o mito da origem do povo. Nas tradições indígenas muitas vezes encon-
tramos mitos da origem dos alimentos e das ferramentas.
IMPORTANTE

É importante observarmos que os mitos estão presentes em nossa vida, mesmo que
não os percebamos. Nós os tomamos como explicações válidas, até o momento
em que novas informações nos fazem adotar outras explicações, mais afeitas às
ciências ou à racionalidade pragmática. Apenas quando as primeiras explicações
são recusadas como inválidas, percebemos que são explicações míticas. O exemplo
a seguir apresenta um caso assim.

UM MITO CONTEMPORÂNEO
Alguém já lhe contou a história seguinte? Ela já foi muito difundida no Brasil há algumas décadas.
Apesar de ser uma explicação mítica, foi aceita como válida por amplos setores da sociedade brasileira:
“O Japão é um país muito pequeno, que fica do outro lado do mundo. Durante a Segunda Guerra
Mundial, foi inteiramente destruído. Mas os japoneses foram tão esforçados, disciplinados e trabalhadores,
que rapidamente reconstruíram tudo e ainda se tornaram um dos países mais ricos do mundo”.
Essa narrativa surgiu nos anos 1960, quando o Japão experimentou um crescimento econômico muito
forte e impressionou o mundo todo com seus trens-bala, automóveis baratos e aparelhos eletrônicos.
Visto a partir do Brasil, o “milagre econômico japonês” parecia incompreensível e, sobretudo,
assustador. O Japão não tinha sido inteiramente destruído, inclusive por duas bombas atômicas? Como
os japoneses conseguiram essa façanha? O que eles faziam de especial para chegar tão longe?
Desconhecendo os fatores econômicos e geopolíticos que favoreceram a reconstrução do Japão,
inclusive a enorme cooperação norte-americana, os brasileiros recorreram à consciência mítica, que
forneceu uma explicação – intuitiva, mas fundamentada na realidade: a tradição japonesa de valorização
do esforço, do trabalho e da disciplina.
E o que os brasileiros têm a ver com esse mito?
Como essa narrativa, criada por brasileiros, pode se referir à identidade dos brasileiros?
A resposta parece estar em uma espécie de contraposição muda:
▪▪ o Japão é um país muito pequeno, o Brasil é um país com imenso território;
▪▪ o Japão foi inteiramente destruído durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil sempre se ufanou
por não ter guerras em seu interior;
▪▪ o Japão foi reconstruído e se tornou rico por meio do trabalho e do esforço de seus cidadãos, o
Brasil ainda não chegou lá.

48 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


2.3 IDEOLOGIA
Desde Destutt de Tracy e Karl Marx, no século XIX, o fenômeno da ideologia tem despertado
interesse e inúmeros teóricos já se manifestaram sobre o tema, formulando concepções das mais variadas.
Com base nas ideias do filósofo polonês Adam Schaff (1913-2000), apresentamos uma concepção ampla
de ideologia, que nos fornece uma interessante ferramenta para elaborar a crítica do conhecimento.

De acordo com esse pensador, podemos definir ideologia


como um conjunto de opiniões, baseadas em um conjunto de
valores admitidos, pelo qual um grupo organizado afirma sua
identidade e seus interesses (SCHAFF, 1968).

A ideologia é concebida, então, como uma visão de mundo sistematizada (ao contrário do
senso comum, que é uma visão de mundo desorganizada), modelada pelos interesses do grupo
que a elaborou, que atua afirmando a identidade do grupo, controlando as divergências de seus
membros e difundindo por toda a sociedade a visão de mundo desse grupo.
A ideologia pode atuar como instrumento crítico de desvelamento da realidade, num contexto
em que o grupo que a formula se encontra em situação de subordinação ou de oposição ao grupo
dominante. Contudo, a ideologia se torna falsa consciência e obstáculo à compreensão da realidade
sempre que está a serviço da dominação e, por conseguinte, dos interesses de ocultação do real.
Os mecanismos utilizados pela ideologia para ocultar a realidade foram estudados por Marilena
Chauí (2008. p. 113.). Os principais são:

Naturalização – faz com que os processos provocados pela


intervenção humana sejam interpretados como resultantes de
fenômenos naturais;

Inversão de causa e efeito – em geral faz com que as


vítimas de um processo social violento ou excludente
apareçam como seus causadores;

Universalização de interesses – maneira pela qual os interesses


do grupo dominante são apresentados como interesses de todos
os membros da sociedade;

Ocultação de informações – informações que, se


reveladas, destroem a coerência do discurso ideológico e
evidenciam seu propósito ocultador.

FONTE: Aranha e Martins (1993, p. 37)

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 49


IMPORTANTE
Na vida cotidiana e na vida civil, em todos os debates de cunho político, econômico social ou
cultural, estão presentes as ideologias, ora ocultando a realidade, ora forçando seu desvelamento.
Não existe um “lugar” ou um tipo de discurso ideologicamente neutro. A ideologia só
pode ser vencida pelo esforço crítico de perceber, em cada caso, em cada ponto de
discussão, os interesses que estão moldando o discurso e deformando a percepção da
realidade. É uma tarefa indispensável e permanente.

CONCLUSÃO

Em nossa vida cotidiana, na interação social, no trabalho e mesmo nos estudos,


recebemos uma enorme quantidade de informações, estruturadas sob diferentes formas de
conhecimento, sem indicação de sua origem nem dos interesses de quem a veicula. É um
desafio constante buscar distinguir informações verdadeiras e falsas, relevantes e irrelevantes,
descritivas ou ideológicas, objetivas e subjetivas. Por isso, a crítica do conhecimento é uma
tarefa permanente, que deve se tornar, para nós, um verdadeiro hábito.
Reconhecer as diferentes formas do conhecimento com as quais convivemos – senso
comum, mito, ciência, tecnologia, filosofia, ideologia e outras – e entender suas respectivas
dinâmicas, constitui uma importante ferramenta de análise. A busca de informações
complementares e de aprofundamento dos conhecimentos permitem avançar na tarefa crítica.
A recompensa? Uma compreensão mais adequada da realidade em que vivemos. Quem
conhece mais escolhe melhor e mais livremente.

50 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed.
São Paulo: Moderna, 1993.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 113.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1983.

SCHAFF, Adam. A definição funcional de ideologia e o problema do “fim do século da ideologia”.


L’Homme et la societé: Revista Internacional de Pesquisas e Sínteses Sociológicas, Série Documentos,
São Paulo, n. 2, Ed. Documentos, 1968.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 51


UNIDADE DE ESTUDO 5

CRÍTICA DO CONHECIMENTO II

INTRODUÇÃO
Nesta Unidade daremos continuidade ao estudo da Crítica do Conhecimento, com ênfase
para uma das formas de conhecimento mais prestigiosa dos últimos séculos: a ciência. Dela se
esperam conhecimentos verdadeiros e uma explicação científica tende a ser aceita como verdadeira
e incontestável.
Veremos como surgiu a tecnologia, seu papel na sociedade e como ela atua com a ciência
para desenvolver o conhecimento.
Estudaremos também o papel da Filosofia na construção do conhecimento e como se dá o
diálogo entre ela e outras formas de saber.
Bons estudos!

1 CIÊNCIA
A ciência foi buscada, desde a antiguidade

FONTE: Banco de Imagens 123rf


Clássica, como um ideal de conhecimento certo e
seguro, que permitisse superar as limitações do senso
comum e do mito. Contudo, somente a partir da
Revolução Científica do Século XVII (protagonizada
por Galileu Galilei, entre outros), estruturou-se o tipo
de saber que hoje denominamos ciência. Sendo assim,
na escala de tempo da história da humanidade, esse é
um acontecimento recente. Seu enorme sucesso e suas
conquistas se devem à adoção de um método baseado
na experimentação. Com ele, a ciência moderna foi
mais longe e mais fundo que a maior parte das formas
de conhecimento. Atualmente, a ciência abrange os
estudos da natureza, do ser humano, da sociedade e
da cultura.
A ciência tem limitações, contudo. Sua capacidade de conhecer vai somente até onde é
possível fazer experimentações, ou constatações empíricas. Muitas coisas importantes ficam de
fora do conhecimento científico:

O campo dos valores éticos e estéticos: pois a ciência não discute valores (o cientista
é quem deve ter valores éticos);

A arte: que é também uma forma válida (e indispensável) de interpretar a realidade;

O campo da fé: que continua a mover a humanidade;

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 55


As profundezas da alma humana: reveladas nos mitos e na arte;

E os voos mais altos da razão: em que a filosofia ultrapassa a ciência e tematiza a


própria razão.

Dessa forma, o formidável poder explicativo da ciência nunca será capaz de esclarecer toda a
realidade, nem de afirmar a existência ou inexistência de Deus, a justiça, a beleza e muitos outros
temas. Não poderá substituir outras formas de conhecimento, como a filosofia, ou a experiência
religiosa, mas poderá conviver com elas e mesmo cooperar, pesquisando em seu campo próprio
e com seus métodos específicos os aspectos básicos dos fenômenos que interessam também a
essas formas de saber.

1.1 COMO PODEMOS CARACTERIZAR O CONHECIMENTO CIENTÍFICO?


O conhecimento produzido pela ciência pretende ser, acima de tudo, objetivo. Objetivo é o
conhecimento que traduz as características do objeto (a coisa) que está sendo conhecido. É, portanto,
um conhecimento fiel à realidade, evitando distorções introduzidas pela subjetividade do cientista.
O conhecimento científico é também organizado e coerente, sem contradições nem lacunas que
o invalidem. Nisto difere do senso comum, que é um conjunto desorganizado de opiniões. É também
metódico, isto é, segue com rigor um método científico, evitando saltos, “chutes” e “achologia”. É
racional, isto é, exprime-se em conceitos e relações lógicas e pode ser compreendido por meio da
razão humana. É testável, isto é, pode ser submetido à experimentação e, por meio dela, corroborado
ou refutado.
O conhecimento científico pretende ser válido, isto é, capaz de descrever e explicar fenômenos
com objetividade, sem pretender constituir verdade definitiva. De fato, os cientistas sabem que
seu conhecimento é falível e, frequentemente, uma teoria deve ser abandonada em favor de outra
porque aquela permite explicar fenômenos que a primeira não explica.
O que são, então, as teorias científicas?
São modelos que pretendem descrever o funcionamento dos fenômenos, isto é, são maquetes
da realidade, que nos ajudam a compreendê-la. Nunca são, porém, representações completas
e infalíveis da realidade.

2 TÉCNICAS E TECNOLOGIA
Técnicas são as formas que a humanidade foi criando, ao longo da história, para transformar
materiais naturais nos bens de que tinha necessidade.

Foram assim inventados, por exemplo, a agricultura e a pecuária; alimentos


como o pão, os queijos, o vinho e demais bebidas alcoólicas; a fundição de
metais; a edificação com madeira e/ou pedra etc.

Por sua vez, a tecnologia surgiu com a ascensão da ciência moderna, no final do século
XVIII. Os cientistas da época procuravam explicar com ajuda da ciência o funcionamento das

56 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


técnicas tradicionais. Com isso, abriram caminho para o aperfeiçoamento dessas técnicas por
meio do conhecimento científico e para sua utilização na indústria. Surgiu assim a eletrônica e a
microeletrônica, a informática e todo o aparato que hoje utilizamos nas telecomunicações e no
processamento de informações.
Ciência e tecnologia atuam em mão dupla: o conhecimento científico abre caminho para o
desenvolvimento de tecnologias e a tecnologia dá meios à ciência para o aprofundamento das
pesquisas. Essa relação é tão profunda que atualmente alguns setores preferem usar o termo
“tecnociência”, ao invés de “ciência e tecnologia”.

A tecnologia desempenha papéis fundamentais em nossa


sociedade. O mais nobre é com certeza a criação de novos
medicamentos e aparelhagens que facilitam o diagnóstico e o
tratamento de doenças. Entretanto, os produtos de uso doméstico
(eletroeletrônicos, químicos, alimentícios), do setor automobilístico
ou de transportes, do setor agropecuário, entre outros, transformam
incessantemente a economia, pois ora dão maior eficiência e
produtividade aos métodos de produção, ora criam produtos que
introduzem facilidades novas e disseminam novos comportamentos. Isso
sem mencionar a área militar, onde novas tecnologias bélicas (armas, comunicação
e transporte) tendem a ser decisivas na guerra. Por essa razão, o desenvolvimento
de novas tecnologias é preocupação constante de muitos países.

Dessa maneira, é fácil entender que o principal papel da tecnologia tem sido o de estimular
a economia com novos e melhores produtos, cujo surgimento leva à substituição de produtos
anteriores e força a realização de novos investimentos. A tecnologia se tornou um dos principais
motores da economia capitalista. Contudo, seu uso deve ser dirigido e, quando necessário, limitado,
pela atuação responsável de cientistas e de toda a sociedade.

3 FILOSOFIA
Também a filosofia é um modo especial de elaborar conhecimentos. A própria palavra filosofia
o denuncia: no grego antigo, filo + sofia equivale a amor pela sabedoria, isto é, uma busca contínua,
amorosa e empenhada do conhecimento em direção à sabedoria. Mas esta explicação não nos
basta atualmente.
Como modo de conhecer, a filosofia pode ser compreendida como reflexão radical, rigorosa
e de conjunto sobre problemas que a realidade em que vivemos nos apresenta (SAVIANI, 1983).
Afirmar que a Filosofia é reflexão significa afirmar que a razão (nossa capacidade de raciocinar)
é o instrumento mais importante para a compreensão da realidade. Mas não é qualquer tipo de
reflexão que pode ser chamada de filosófica.
▪▪ deve ser radical, na medida em que desce às raízes dos problemas enfrentados;
▪▪ deve ser rigorosa, quando utiliza de procedimentos com lógica e metodologia, indispensáveis
para o desenvolvimento reto e seguro da razão, bem como da percepção das racionalidades
no real;
▪▪ deve, finalmente, ser abrangente, na medida em que procura focar seus objetos nos contextos
que lhes dão sentidos e nas circunstâncias que interagem com os seres humanos.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 57


Os objetivos desta reflexão são variados e diversos, conforme os diferentes autores e correntes
da filosofia. Observe a seguir:

Filosofia
a) um conjunto de conhecimentos que visa fornecer explicação
fundamental de todas as coisas;
b) a tentativa de encontrar sentidos que expliquem radicalmente a
realidade humana, sua inserção no mundo e suas possibilidades
existenciais;
c) a busca pelos fundamentos concretos da realidade, bem como a
busca pelas possibilidades de conhecê-la;
d) a busca do direcionamento racional das ações humanas, na ação
e na ética, e da construção racional do mundo humano.

Vale uma palavra sobre a necessidade e a importância da filosofia. O senso comum a considera
inútil. Entretanto, apoiada na reflexão rigorosamente racional, a filosofia permite ao homem se distanciar
do mundo cotidiano, do agir imediato, dos sentidos preconcebidos e impostos pelas ideologias.
Este distanciamento permite:
▪▪ a retomada crítica dos fundamentos da ação individual e coletiva;
▪▪ a crítica do pensamento relativista ou mesmo dogmático, tão frequentes no senso comum;
▪▪ a crítica da especialização fragmentadora das ciências, da estreiteza da razão instrumental
sacralizada pela tecnologia.
Na filosofia reside a possibilidade de o homem transcender a situação dada e não escolhida,
reside nela a possibilidade de o homem se tornar capaz de projetar o efetivamente novo e direcionar
livremente seu destino.
Pelo exercício do pensamento radicalmente crítico, a filosofia permite elaborar a reflexão sobre os
fundamentos e limites da ciência, das tecnologias e das profissões e de todas as formas do conhecer.
Observe o QUADRO 1 a seguir:

QUADRO 1 – Diálogo entre a Filosofia e outras formas do conhecimento

CIÊNCIAS PROFISSÕES E TECNOLOGIAS FÉ E A TEOLOGIA

Com a fé e a teologia, a filosofia


De fato, no diálogo com a ciência, a
Às profissões e tecnologias, a pode empreender riquíssimo
filosofia se apropria de conhecimentos
filosofia traz a discussão ética e diálogo, no qual se alcança uma
científicos que lhe permitem melhor
metodológica das finalidades e esfera mais ampla de significação
aproximação do real, enquanto as
dos meios da ação, do trabalho da experiência humana e de sua
ciências se enriquecem com a discussão
e do próprio conhecimento relação com o ser e com o Criador.
dos fundamentos e do alcance dos
científico. Com as artes, a filosofia dialoga em
conhecimentos construídos.
busca do belo, do ser e do fazer.

FONTE: O autor (2017)

A filosofia permite diálogo construtivo com todas as modalidades do conhecimento. Mas também
se opõe, criticamente, à ciência que pretende explicar o real pela negação de tudo o que não recai sob
seus instrumentos; contrapõe-se às ideologias que mascaram a realidade, às tecnologias que pretendem
prescindir da finalidade humana, às abordagens ingênuas e redutoras, que entorpecem o senso comum.
A filosofia pode cooperar construtivamente com todas as modalidades do conhecimento que
exerçam suas funções sem ultrapassar o grau próprio de seu saber.

58 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


4 EM BUSCA DE UMA COMPREENSÃO CRÍTICA
Como nos situamos diante de todas essas formas de conhecimento?
Qual delas tem mais razão no que afirma, no que nega ou no modo como procede?
Infelizmente não temos à nossa disposição a alternativa de adotar uma forma única e suficiente.
Todas as formas de conhecimento nos são necessárias:
A ciência é indispensável. Trata-se do mais bem-sucedido empreendimento humano na área
do conhecimento e seu papel é insubstituível para a compreensão do mundo em que vivemos,
de tudo o que envolve a vida humana e mesmo para a compreensão de nós mesmos. É a forma
de conhecimento que permite a elaboração de tecnologias, que se tornaram indispensáveis à
conservação da vida humana.
Contudo, não nos basta a ciência. As demais formas do conhecimento são também necessárias
para a vida humana atual.
O senso comum tem papel importantíssimo nos grupos sociais, pois as opiniões e significados
que faz circular permitem o entendimento mútuo entre indivíduos.
Os mitos, já o vimos, são um esforço, permanente e nunca abandonado, para compreender
os mistérios que nos cercam.
As ideologias proporcionam unidade e mobilização de grupos sociais.
A filosofia busca compreensão crítica e radical da realidade humana e das próprias formas
de conhecimento.
Todas essas formas de conhecimento têm sua importância e atendem à irrenunciável necessidade
humana de conhecer. Na vida cotidiana, utilizamos todas essas formas, ora isoladamente, ora
mesclando-as. Todas elas, cada uma a seu modo e para momentos distintos, podem nos ser úteis
na busca da compreensão mais profunda da realidade humana e do mundo que nos cerca.
Isso não significa aceitar, ingenuamente, qualquer opinião como válida, ou qualquer
informação como verdadeira. Precisamos nos aproximar criticamente de toda informação e de todo
conhecimento que nos é proposto.
IMPORTANTE

Pensar criticamente o conhecimento é, em primeiro lugar, constatar que o conhecimento


humano é sempre limitado e sujeito a falhas; por outro lado, a realidade é complexa e
sua apreensão nunca é completa nem automática. A criticidade consiste em examinar
todo discurso que se apresenta com portador de conhecimentos, seja ele científico,
ético, político, religioso, artístico ou do senso comum. Isso inclui examinar nossa própria
concepção de mundo, certezas arraigadas, pressupostos teóricos e hábitos intelectuais.

Diante de qualquer discurso, podemos sempre refletir:


▪▪ Quais são os fatos objetivos apontados e quais são as impressões subjetivas? Nesse discurso,
o que é descrição da realidade e o que é juízo moral?
▪▪ Como podem ser verificadas as informações transmitidas?
▪▪ Esse discurso mostra a realidade como um conjunto complexo de elementos e suas relações
ou como um esquema simplificado de oposição entre os bons e os maus?

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 59


▪▪ Qual é a perspectiva a partir da qual pensa e fala o autor desse discurso? Quais são seus
pressupostos sociais, políticos, éticos e antropológicos? Quais poderiam ser seus interesses?
▪▪ Qual é o objetivo desse discurso: descrever, discutir, persuadir, mobilizar, mostrar a realidade
ou ocultá-la?
Alimentada por uma atitude analítica, atenta, que não se satisfaz com as aparências, não
aceita passivamente opiniões e valores que lhe são propostos, mas quer interrogar o real e
compreendê-lo profundamente, a criticidade requer um esforço metódico e constante de exame
dos conhecimentos e de busca de informações mais amplas e precisas. Desse esforço depende a
esperança de compreendermos melhor o mundo em que vivemos.
Em nossa vida cotidiana, na interação social, no trabalho e mesmo nos estudos, recebemos
uma enorme quantidade de informações, estruturadas sob diferentes formas de conhecimento,
sem indicação de sua origem nem dos interesses de quem a veicula. É um desafio constante buscar
distinguir informações verdadeiras e falsas, relevantes e irrelevantes, descritivas ou ideológicas,
objetivas e subjetivas. Por isso, a crítica do conhecimento é uma tarefa permanente, que deve se
tornar, para nós, um verdadeiro hábito.

CONCLUSÃO

Reconhecer as diferentes formas do conhecimento com as quais convivemos – senso


comum, mito, ciência, tecnologia, filosofia, ideologia e outras – e entender suas respectivas
dinâmicas, constitui uma importante ferramenta de análise. A busca de informações
complementares e de aprofundamento dos conhecimentos permitem avançar na tarefa crítica.
A recompensa? Uma compreensão mais adequada da realidade em que vivemos. Quem
conhece mais escolhe melhor e mais livremente.

60 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed.
São Paulo: Moderna, 1993.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 113.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1983.

SCHAFF, Adam. A definição funcional de ideologia e o problema do “fim do século da ideologia”.


L’Homme et la societé: Revista Internacional de Pesquisas e Sínteses Sociológicas, Série Documentos,
São Paulo, n. 2, Ed. Documentos, 1968.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 61


UNIDADE DE ESTUDO 6

O HUMANO – QUEM É ELE?

INTRODUÇÃO
Quem é o ser humano?
Esta pergunta é constantemente repetida, em todos os tempos e lugares, mas as respostas
nunca permitem compreender inteiramente o ser humano. A complexidade biológica, psíquica,
sociocultural e espiritual do ser humano, associada à sua capacidade de se modificar e de se
reinventar, faz dele um grande mistério para si mesmo.
No entanto, não é possível vivermos como humanos sem nos colocarmos questões fundamentais:

▪▪ Quem somos nós?


▪▪ Qual é o propósito de nossa existência?

Nesta Unidade, veremos algumas características que fazem do humano um ser tão especial.
Essas características indicam dimensões que, profundamente integradas, constituem o ser humano.
É fundamental entendê-las, pois, se as desconsiderarmos, correremos o risco de construir uma visão
distorcida do que é o ser humano.
IMPORTANTE

O ser humano pode ser pensado como sendo constituído por múltiplas
dimensões profundamente integradas.

1 O SER HUMANO É FEITO DE TERRA E É PARTE DA TERRA


O ser humano, como todos os seres vivos do planeta Terra, tem seu corpo constituído pelos
mesmos materiais biológicos presentes em todos os animais. Por sua vez, estes são compostos por
elementos químicos extraídos do solo, da água, do ar e de outros seres vivos. Nesse sentido, nós
compartilhamos a mesma “química da vida” com todos os seres vivos e obedecemos às mesmas
leis naturais.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 65


Somos, assim, filhos da Terra, que nos dá a vida biológica e o
alimento com que, diariamente, construímos nosso corpo e do qual
retiramos a energia de que necessitamos, e a qual devolveremos
tudo um dia, ao final da vida.

É para essa reflexão que nos convida a imagem utilizada pela Bíblia para descrever o surgimento
do ser humano: um boneco modelado em barro, no qual Deus introduziu um espírito: “Então
Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida
e o homem se tornou um ser vivente” (BÍBLIA, Gn 2, 7).

A reflexão de Leonardo Boff (2013) nos ajuda a compreender melhor essa realidade:
Somos Terra que pensa, sente e ama. O ser humano, nas várias culturas e fases históricas,
revelou essa intuição segura: pertencemos à Terra; somos filhos e filhas da Terra; somos
Terra. Daí que [a palavra] “homem” vem de “húmus”. Viemos da Terra e voltaremos
à Terra. A Terra não está à nossa frente como algo distinto de nós mesmos. Temos a
Terra dentro de nós. Somos a própria Terra que na sua evolução chegou ao estágio de
sentimento, de compreensão, de vontade, de responsabilidade e de veneração. Numa
palavra: somos a Terra no seu momento de autorrealização e de autoconsciência.
IMPORTANTE

O corpo humano é composto por elementos químicos extraídos do solo,


da água, do ar e de outros seres vivos. Somos, portanto, feitos de terra e à
terra devolveremos nosso corpo.

2 O SER HUMANO: UM ANIMAL EXTRAORDINÁRIO


Como animal, o ser humano compartilha características das espécies mais evoluídas, mas
também possui traços que o diferenciam dos outros animais.
De fato, somos bastante semelhantes aos grandes primatas, como orangotangos, gorilas e
chimpanzés. Somos mamíferos, organizados em simetria bilateral, dotados de quatro membros
divididos entre superiores e inferiores, possuímos polegares opositores que permitem à mão
segurar um objeto, um cérebro desenvolvido e a capacidade de ficarmos eretos. Partilhamos com
outros animais a capacidade de sentir dor e afeto, as diferentes formas e graus da inteligência e
da memória, o impulso sexual e reprodutivo.
Entretanto, alguns traços muito importantes nos diferenciam dos outros animais: a adoção
da postura ereta e a liberação das mãos, o maior desenvolvimento do cérebro, que nos possibilita
(como um sofisticado hardware biológico) uma complexa vida psíquica, um grau extraordinário de
inteligência e a elaboração da linguagem.

66 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


Uma característica merece menção especial: somos animais que, ao nascer, não são
especializados. Compare o bebê humano com os filhotes dos outros animais. Grande parte dos
animais, quando nasce, já tem grau elevado de amadurecimento e de especialização de suas
funções orgânicas. Estão prontos para viver como indivíduos de sua espécie.

Observe, como exemplo:


▪▪ um bezerro é capaz de andar poucas horas depois de parido;
▪▪ um filhote de girafa reconhece sua mãe, entre as demais, pelas manchas de sua pelagem;
▪▪ um filhote de tartaruga marinha sai do ovo e corre imediatamente para o mar, sendo
também capaz de gravar a localização da praia onde nasceu e para onde voltará para
se reproduzir.

Essas características os tornam menos dependentes das mães (às vezes inteiramente
independentes), facilitando a sobrevivência em seu habitat natural e permitindo se desenvolver
rapidamente, alcançando em pouco tempo a plenitude física e a capacidade reprodutiva.
IMPORTANTE

Ao nascer, o ser humano é um animal não especializado.


Suas funções orgânicas não estão prontas para
assegurar a sobrevivência. Isso lhe permitirá adquirir
características exclusivamente humanas por meio do
aprendizado e da cultura.

Durante um longo período de dependência da mãe Humanização é o processo pelo qual


ou de outros adultos, irá se desenvolvendo aos poucos e uma criança adquire comportamentos
adquirindo características que não são somente naturais, humanos, características físicas,
mas também culturais. Isto é, durante o desenvolvimento da linguagem e conteúdos culturais, por
meio da convivência e interação com
criança, ela passará pelo processo de humanização, pelo
outros seres humanos.
qual adquirirá características e comportamentos humanos.
Esse processo é natural, sociocultural e psíquico, ao
mesmo tempo. Se um bebê não passasse por esse processo desde seu nascimento, muitas das
características que distinguem os seres humanos deixariam de ser aprendidas:
▪▪ andar sobre duas pernas;
▪▪ falar e se comunicar, relacionar-se com outros seres humanos;
▪▪ comportar-se como se comportam os adultos da sociedade em que nasceu.

Se o bebê humano nasce quase sem funções especializadas e necessita aprender o


comportamento humano com outros humanos, como seria seu desenvolvimento se fosse
privado dos estímulos recebidos na convivência com seres humanos?

Algumas outras diferenças entre o ser humano e o animal serão a seguir destacadas.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 67


2.1 O SER HUMANO POSSUI INTELIGÊNCIA ABSTRATA
O comportamento dos animais situados nos níveis mais baixos da escala zoológica (insetos,
por exemplo) é controlado por reflexos e instintos resultantes de sua constituição biológica. Isso
faz com que respondam sempre da mesma forma a diferentes situações e suas ações não indicam
qualquer finalidade consciente.

Por isso, aranhas executam suas teias sempre da mesma


forma, peixes migram para se reproduzir (a piracema)
quando recebem um certo estímulo químico das águas
do rio e pássaros constroem seus ninhos da maneira
típica de sua espécie.

Animais situados nos níveis mais elevados da escala zoológica possuem, além dos instintos, uma
certa inteligência concreta, que lhes permite responder de forma nova e diferente a uma situação
imprevista. Chamamos de concreta porque sua inteligência está limitada ao aqui e agora, isto é, a
resposta do animal depende dos elementos presentes e não faz uso de elementos anteriores nem
de possibilidades futuras.

Chimpanzés, golfinhos e elefantes estão entre os animais mais inteligentes. Mas,


entre os animais domésticos, cães, gatos e porcos manifestam considerável
inteligência concreta.

A inteligência humana é diferente. Além das características de flexibilidade e adaptação a


situações novas, que observamos na inteligência concreta, temos a possibilidade de antecipar o ato,
examiná-lo enquanto possibilidade futura e, valendo-nos das experiências pessoalmente aprendidas
ou transmitidas por outros, escolher os meios necessários e ajustá-lo à finalidade desejada. A
inteligência humana é, portanto, abstrata. Não se limita aos elementos presentes aqui e agora, mas
incorpora elementos passados, distantes no espaço e até mesmo possibilidades futuras.

A inteligência humana é, portanto, abstrata. Não se limita


aos elementos presentes aqui e agora, mas incorpora elementos
passados, distantes no espaço e mesmo possibilidades futuras.

68 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


Devido à inteligência, o comportamento humano é Ato voluntário: o ato humano é dirigido
marcado pelo ato voluntário, isto é, o ato humano que por uma finalidade consciente e livremente
é dirigido por uma finalidade consciente, livremente escolhida. A inteligência permite ao ser
escolhida, que utiliza meios racionalmente coordenados humano escolher e coordenar os meios
para atingi-la. que permitirão atingir essa finalidade.

2.2 O SER HUMANO SE COMUNICA POR MEIO DE LINGUAGEM SIMBÓLICA


Outra importante distinção entre o humano e o animal está na linguagem. Os animais são
capazes de comunicação – abelhas indicam às outras por meio de movimentos do voo a localização
das flores, cavalos são capazes de emitir cerca de 40 tipos distintos de sons. Contudo, a comunicação
dos animais é limitada, pois utiliza tão somente sinais indicativos que se referem de modo fixo a
um objeto ou situação, quase sempre por meio de um vínculo natural de causa e efeito.

Um cão comunica a outros a “posse” de um


território por meio da urina que deposita em certos
locais. O cheiro da urina indica o animal dominante
naquele espaço.

Como sua comunicação se limita a sinais indicativos (índices), não podemos dizer que os
animais possuem linguagem propriamente dita.
Já o ser humano é capaz de elaborar linguagens.
Uma linguagem é um sistema organizado de signos, isto é, sinais que se referem a objetos. O
principal tipo de signo que compõe a linguagem humana é o símbolo. Símbolos são sinais que se
referem ao objeto significado não por meio de um vínculo natural de causa e efeito, mas por meio
de uma relação arbitrária e convencional, isto é, criada pelos homens.

Assim, a bandeira nacional é o símbolo


convencionado pelos cidadãos para significar
o país, o povo e o Estado nele instituído.
Enquanto som, a palavra casa é o
símbolo linguístico que utilizamos para CASA
indicar moradia, e, enquanto escrita, casa é
o símbolo convencionado para representar
graficamente a palavra sonora casa.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 69


O ser humano constantemente produz símbolos e cria linguagens para exprimir suas experiências
(isso se dá sempre no contexto das relações sociais). Devido a sua característica de representar por
meio de relações arbitrárias e convencionais, a linguagem permite ao ser humano se distanciar da
experiência vivida aqui e agora e reorganizá-la num outro nível, dando-lhe um novo sentido. Dessa
forma, a linguagem dota o ser humano de um pensamento abstrato, capaz de operar no contexto
de uma inteligência abstrata. Por isso, podemos falar também que pensamento é linguagem.

O pensamento se articula sempre por meio


de signos linguísticos, opera com eles e se
transmite por meio deles. Uma linguagem rica em
quantidade de vocábulos, formas de combinação
e diferentes usos é o instrumento do pensamento
para conhecer profunda e amplamente as
realidades complexas. Linguagem pobre limita
e empobrece o pensamento.

Pensamento e linguagem se implicam mutuamente. Ludwig Wittgenstein, filósofo austríaco


do século XX, gravou essa importantíssima relação numa frase famosa:

“Os limites da minha linguagem significam ‘os limites do meu mundo”


(WITTGENSTEIN, 1987, p. 114).

2.3 O SER HUMANO PRODUZ CULTURA


Diferentemente do animal, que vive dentro dos
limites que a natureza lhe impõe, o ser humano é
capaz de produzir meios para sua subsistência, criar
vestimentas e utensílios para a própria proteção
e modificar profundamente o ambiente em que
vive. Cria também símbolos, significados, normas,
instituições, costumes, valores e crenças.
Tudo isso é cultura. Cultura é o que o ser
humano cria para prover sua subsistência, proteger
sua vida e dar-lhe significado. O termo “cultura” se
refere, portanto, àquilo que é feito pelo ser humano,
opondo-se nesse sentido ao termo “natureza”.
FONTE: Banco de Imagens 123rf
IMPORTANTE

Natural: tudo aquilo que é criado pela natureza.


Cultural: o que é criado ou construído pelo ser humano.

70 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


2.4 O SER HUMANO E O TRABALHO
O ser humano produz sua sobrevivência, seu mundo e a si mesmo por meio do trabalho.
O trabalho dos animais é apenas uma metáfora. Animais provêm sua subsistência coletando,
caçando ou pescando os alimentos que o ambiente natural lhes oferece. Constroem ninhos e abrigos
com os materiais que o ambiente lhes disponibiliza. Ao fazê-lo, agem segundo seus instintos ou
segundo a inteligência concreta de que dispõem.
Já o trabalho, propriamente dito, é a ação transformadora, dirigida por finalidades conscientes,
pela qual o ser humano modifica o ambiente para obter meios de subsistência e proteção.

Exemplos de trabalho:
▪▪ a agricultura, pela qual o ser humano modifica o solo e a disseminação das
sementes para obter alimento em quantidade e em local conveniente;
▪▪ a construção de moradias, pela qual o ser humano abandona a busca por abrigos
naturais e produz abrigos destinados a satisfazer todas as suas necessidades,
materiais e culturais.

Ao mesmo tempo em que transforma o ambiente natural, o trabalho transforma o próprio


ser humano, desenvolvendo suas habilidades físicas e mentais. Por isso, podemos dizer que, pelo
trabalho, o ser humano produz sua subsistência e produz a si mesmo.
IMPORTANTE

Trabalho é uma ação transformadora, dirigida por finalidades conscientes, pela qual o ser
humano modifica o ambiente para obter meios de subsistência e proteção. O trabalho
transforma também o próprio ser humano, desenvolvendo suas habilidades físicas e mentais.

CONCLUSÃO

Vimos nesta Unidade as características fundamentais do ser humano e como acontece


o processo de humanização ao longa da vida.
Estudamos também como é constituída a inteligência humana e o que a difere dos
animais situados nos níveis mais baixos da escala zoológica.
A comunicação por meio da linguagem simbólica também foi objeto de estudo desta
Unidade.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 71


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1981.

BOFF, Leonardo. Ecoespiritualidade: que significa ser e sentir-se terra? Disponível em:
<http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/eco-espiritualidade.htm>. Acesso em: 29 jun. 2013.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado logico-filosófico: Investigações filosóficas. Lisboa: Calouste


Gulbenkian, 1987.

72 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


UNIDADE DE ESTUDO 7

O SER HUMANO RELACIONAL, SOCIAL E POLÍTICO

INTRODUÇÃO

O ser humano não vive isolado. Ele se torna humano convivendo e se relacionando com outros
seres humanos. Adquire os conteúdos de uma cultura determinada e se torna capaz de produzir
cultura quando vive em sociedade. Atende a suas necessidades produzindo bens por meio do
trabalho organizado em sociedade. Confere sentido à sua existência por meio de significados
coletivamente elaborados. Cria laços políticos como forma de pertencimento a grupos e promoção
de seus interesses.
O ser humano necessita de interação com outros seres humanos para se humanizar e se
desenvolver. Veremos nesta Unidade como acontece este processo.
Bons estudos!

FONTE: Banco de Imagens 123rf

1 O SER HUMANO É HISTÓRICO


Isto quer dizer que, ao contrário de algumas crenças frequentes, o ser humano não permanece
o mesmo ao longo da história da humanidade.
Estamos mergulhados na História, mergulhados em circunstâncias sociais, econômicas, políticas
e culturais que se modificam constantemente e com as quais interagimos. Respondendo a desafios
sempre novos, colocados por cada época histórica, os seres humanos se reinventam constantemente,

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 75


criando novos comportamentos e mentalidades, novas formas de vida social, econômica e política,
novas concepções morais e religiosas e até mesmo novos conceitos para entender o ser humano.

FONTE: Banco de Imagens 123rf


IMPORTANTE

O ser humano não permanece o mesmo ao longo de sua


história. Respondendo aos desafios de cada época história,
ele se reinventa constantemente.

2 O SER HUMANO É LIVRE


Em geral se costuma dizer que a liberdade é ausência de coação. Conforme as causas, a
liberdade pode ser:

▪▪ Física: ausência de coação pela força;

▪▪ Moral: ausência de pressões de ordem moral, como prêmios, castigos e ameaças.

▪▪ Política: ausência de determinismos políticos e interesses comprometidos.

▪▪ Psicológica: ausência de impulsos de outras faculdades humanas sobre a vontade para


induzi-la a agir de uma determinada maneira ou, mais exatamente, capacidade que o ser
humano tem de escolher entre fazer, ou não, uma determinada coisa, de cumprir, ou não,
uma determinada ação, quando já existem as condições requeridas, ou ainda, de querer
ou não querer agir, de escolher entre coisas opostas, quando existem as condições para tal.
Exteriores ou interiores, todas essas facetas da liberdade se enraízam numa mesma realidade
fundante: o livre-arbítrio.

76 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


Livre-arbítrio é a capacidade de decidir e de determinar-
se para um certo agir ou para sua omissão. Dizendo com
outras palavras, é a capacidade de querer ou não querer,
ou ainda a capacidade de escolher.

A liberdade se apoia em duas faculdades humanas: a inteligência e a vontade. A inteligência


nos permite conhecer o que é o objeto a ser escolhido e a vontade nos permite percebê-lo como
um bem. Trabalhando juntas, inteligência e vontade nos permitem escolher conscientemente e nos
determinarmos a agir ou a não agir.
IMPORTANTE

O principal fundamento da
liberdade é o livre-arbítrio.

Um exemplo extremo e caricato pode nos ajudar a


entender o livre-arbítrio.
Um prisioneiro, amarrado e amordaçado, confinado
numa cela escura, é livre?
Certamente não tem a liberdade física de ir e vir.
Sua situação também o coloca sob coação moral
e psicológica. Mas, enquanto tiver consciência,
inteligência e vontade, o prisioneiro goza de livre-
arbítrio, ou seja, tem escolhas a fazer. Certamente desejaria poder escolher ser libertado
imediatamente. Mas não tem essa alternativa.
Que tipo de escolhas poderia fazer?
Poderia escolher entre se resignar à sua condição ou se rebelar; poderia escolher entre
colaborar com seus algozes ou tentar escapar; poderia escolher entre agir para conservar a
própria vida ou para dar cabo dela.

Semelhante a nosso prisioneiro fictício, quase nunca temos, para escolher, as alternativas que
desejaríamos. Mesmo assim, temos escolhas e podemos fazê-las com base em nosso livre-arbítrio.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 77


IMPORTANTE
Não existe liberdade total. A liberdade humana é sempre limitada. Podemos ampliá-la
por meio do conhecimento e do discernimento, ou por meio de instrumentos que criamos
para possibilitar certas ações que a condição humana nos impede (um balão para voar,
por exemplo). Podemos restringi-la por meio da ignorância, das coações descritas, dos
fortes sentimentos, ou de um sistema político opressor. Mas a liberdade é uma faculdade
humana tão fundamental quanto viver, pensar e trabalhar. Está sujeita às mesmas limitações
do viver, pensar e trabalhar, causadas pela nossa finitude.
A liberdade humana é sempre limitada. Não existe liberdade total.

3 O SER HUMANO NÃO APENAS VIVE, MAS EXISTE


Todas as coisas são, isto é, têm ser. O modo de ser de um utensílio, como uma faca ou uma
caneta, nos é bem conhecido: possui 2 dimensões físicas limitadas, duração restrita e é compreendido
pelo modo como o utilizamos. Vegetais e animais têm um modo de ser mais complexo: surgem do
impulso de preservação e expansão da vida, crescem, amadurecem, reproduzem-se e perecem como
parte da dinâmica da vida. Até onde podemos compreendê-los, sua razão de ser é o próprio viver.
O ser humano, que é também ser vivo e obedece à dinâmica da vida, tem um modo de ser
bem mais complexo e sem dúvida especial. Somos postos no mundo à revelia de nossa vontade.
No mundo, não escolhemos nossa condição: vivemos por meio do corpo que possuímos, educamo-
nos num determinado ambiente familiar e cultural e, em sociedade, convivemos com as limitações
e possibilidades de um certo contexto histórico, político e econômico. Mergulhados no mundo,
vivemos não apenas biologicamente, mas tomamos consciência de nossa condição e, diante dela,
somos levados a realizar escolhas e a nos responsabilizar por elas. Convivemos com a incerteza e
o risco que cada escolha pode nos trazer.

Em nossa liberdade de escolha reside o aspecto mais elevado


da condição humana: a possibilidade. Nosso modo de ser é aberto
e dinâmico, abrange o que presentemente somos e também as
possibilidades que temos. Podemos projetar o que queremos ser, o
tipo de vida que queremos levar, o que pretendemos fazer dos dias de
nossa vida, o sentido que queremos dar à nossa presença no mundo.

Somos finitos e limitados, com certeza, e não dispomos de todas as alternativas de escolha
que desejaríamos possuir. Porém, reconhecer e aceitar nossa finitude e as limitações colocadas
pelas circunstâncias externas nos permite traçar com realismo os nossos projetos e utilizar toda
nossa capacidade de trabalho, de pensamento e criatividade para concretizar nossos projetos.
Por isso, dizemos que o ser humano não apenas vive, mas existe. Não está no mundo como
os demais seres, mas projeta e modifica seu ser e o modo como está no mundo. Vive, mas também
“pilota” sua existência.

78 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


4 O SER HUMANO PODE SE ALIENAR
Nem tudo é sucesso na aventura da existência. O ser humano pode se tornar alienado.
Alienação é um fenômeno social e político observado com frequência nas sociedades industriais
e pós-industriais.

Alienar-se é se deixar controlar por uma pessoa, entidade


ou organização, submetendo-se a seu domínio e renunciando
consciente ou inconscientemente à liberdade de escolher os
rumos da própria vida.

A alienação do trabalhador durante a Revolução Industrial foi profundamente analisada por


Karl Marx. Além dessa, conhecemos atualmente formas mais amplas de alienação, atingindo o
consumo, o lazer, a religião e a política.

5 O SER HUMANO É PESSOA


Ser pessoa é muito mais que ser indivíduo.
Somos individuais porque nossa vida física é
distinta e autônoma em relação aos demais seres
humanos. Mas muitos outros animais também o
são, sem serem pessoas.
Uma pessoa é um indivíduo consciente, racional
e livre, que se sustenta e se conduz pela inteligência e
pela vontade. O indivíduo humano é pessoa porque
é também uma unidade indissociável de matéria
e espírito, uma totalidade em si, uma espécie de
microcosmo independente, capaz de conhecer a si
mesmo e a realidade que o cerca, capaz de dar um
sentido à própria vida e à própria identidade, capaz
FONTE: Banco de Imagens 123rf
de dispor de si e se doar por meio do amor.
Por tudo isso, a pessoa humana é um fim em si mesma e nunca pode ser reduzida a mero
instrumento. Possui uma dignidade inerente a seu ser, irrenunciável, que lhe confere um valor
inestimável e idêntico para todos os seres humanos, independentemente de idade, etnia, cultura,
crença ou condição socioeconômica. A pessoa humana é, portanto, a razão de ser todas as
instituições sociais, políticas e econômicas (ÁVILA, 1982, p. 452).

6 O SER HUMANO É CAPAZ DE TRANSCENDER E DE BUSCAR O TRANSCENDENTE


Transcender é ultrapassar, superar. Como vimos, o ser humano é capaz de transcender suas
limitações e as circunstâncias que o determinam, através do pensamento, da reflexão, da vontade
livre e do trabalho. O gesto de transcender não elimina, entretanto, a percepção da finitude e da
fragilidade humanas. Nem elimina as perguntas fundamentais, que afetam o sentido de nossas vidas:

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 79


Por que a doença, o sofrimento, o mal e a morte? Por que estamos aqui? Há algo além
desta vida? Há um sentido para a vida humana?
Em busca do sentido da própria existência, o humano sente necessidade do além-humano,
do além-limites, do transcendente. Busca-o, quer conhecê-lo e experimentá-lo. Sente que somente
o transcendente, percebido como bem e como infinito, poderá satisfazer a inquietude humana
e trazer sentido, esperança e força para os momentos em que o ser humano enfrenta a falta de
sentido, o vazio e o desespero. O encontro com o transcendente também traz luz, isto é, uma nova
perspectiva de compreensão da realidade, da vida humana e da história.

O ser humano se abre ao transcendente, dando-lhe os


nomes de divino, sagrado, Deus, absoluto. Dessa abertura ao
transcendente nascem a experiência religiosa e a espiritualidade,
que encontramos em todos os povos da história.

7 DESAFIOS PARA O INDIVÍDUO: CONHECER A SI MESMO E CRIAR SEU PROJETO DE VIDA


Compreender o ser humano e reconhecer suas dimensões biológica, cultural, social, política,
econômica, histórica, existencial e espiritual – tudo isso é necessário para compreendermos a nós
mesmos, enquanto indivíduos. Mas, como vimos, não nos basta compreender nossa condição.
Queremos projetar nosso ser no mundo e dirigir, quando possível, nossa existência.
Por isso, enquanto indivíduos, cada um de nós tem duas tarefas intransferíveis: conhecer a si
mesmo e elaborar seu projeto de vida.
Ninguém é óbvio para si mesmo. Conhecer a si mesmo começa pela observação de cada
um dos traços da própria personalidade, inclusive aqueles difíceis de admitir; inclui reconhecer
honestamente nossos sentimentos de afeto e desafeto, amor e ódio, medo e coragem, desejos
e repulsas, impulsos e aspirações. Passa por captar os anseios mais recônditos da alma e a sede
pelo transcendente, requer avaliar atitudes, valores e princípios éticos, bem como tentar entender
como os outros me percebem. Tudo isso sou eu. Não devo ignorar essa realidade, mas aceitá-la.
Aos poucos, irei reconhecendo o que posso modificar e em que direção fazê-lo.

Conhecer a si mesmo é tarefa para todas as etapas da vida.


Requer disciplina e coragem. Os resultados são sempre positivos:
o autoconhecimento amplia a liberdade, seja porque permite
ao indivíduo avaliar mais objetivamente suas capacidades e
limitações, seja porque permite entrar em harmonia consigo
mesmo, reduzindo os conflitos interiores e permitindo identificar
seus valores e anseios fundamentais.

Por essas razões, o autoconhecimento é um requisito indispensável do projeto de vida.

80 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


IMPORTANTE Autoconhecimento: conhecimento profundo e progressivo de si mesmo.
Permite conhecer melhor suas capacidades e limitações e identificar seus
valores e anseios fundamentais.

Um projeto de vida é um plano de desenvolvimento pessoal, uma rota que você escolhe para
alcançar os objetivos mais importantes, isto é, aqueles que vão dar sentido à sua vida, porque
respondem aos anseios mais profundos de seu ser. Elaborar seu projeto de vida supõe, além de
estratégias e metas racionalmente elaboradas, responder, do fundo do coração, a perguntas vitais
e muito pessoais, como:
▪▪ Que tipo de pessoa eu quero ser?
▪▪ Que propósito e que uso quero dar aos 25 mil dias que tenho pela frente?
▪▪ Que tipo de vida vai me fazer sentir feliz e realizado?
▪▪ O que estou disposto a fazer para alcançar os objetivos que me realizam?
▪▪ Qual é, para mim, a importância do amor, do sexo, da família, da fé religiosa, do dinheiro,
do reconhecimento e da fama?
Não confunda projeto de vida com projeto de carreira. Um plano para o desenvolvimento da
formação e da carreira profissional, fixando estratégias, metas e prazos é muito importante para
você se tornar um profissional bem-sucedido. No entanto, a carreira profissional é apenas parte
de sua vida e não toda a vida.
IMPORTANTE

Projeto de vida: um plano para alcançar os objetivos que


dão sentido à sua vida. Requer autoconhecimento.

Um projeto de vida nunca é definitivo, pois a vida muda incessantemente e mudamos com
ela. Escolher seus objetivos de vida e planejar a rota a percorrer para alcançá-los é um passo
indispensável para chegar lá.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 81


CONCLUSÃO

Ao término desta reflexão, vale destacar algumas ideias principais.


Embora seja parte da Terra e uma entre as muitas formas de vida, o ser humano é especial
entre todos os seres vivos e não vivos. Especial pela sua complexidade biológica, psíquica,
sociocultural e espiritual; especial pelas características que o distinguem dos demais animais;
único pela sua capacidade transformadora, pela sua liberdade e historicidade; distinto dos
demais seres pela possibilidade de transcendência. Mas sobretudo, o que faz o ser humano
espetacular é o fato de ser pessoa, microcosmo, capaz de projetar sua existência e dar sentido
à sua vida. Não é um todo acabado e é capaz de criar coisas novas e de reinventar a si mesmo.
Todas essas dimensões estão essencialmente integradas no ser humano, que não é uma
simples soma de partes.
Do ser humano, em cada época, conhecemos apenas parte do que ele pode realizar, ser,
fazer e sofrer. Conhecemos apenas parte do que significa ser um ser humano. Por isso, nunca
é demais lembrar: o ser humano ainda é um mistério para si mesmo.

82 Paulo Moacir Godoy Pozzebon


REFERÊNCIAS

ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 3. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1981.

BOFF, Leonardo. Ecoespiritualidade: que significa ser e sentir-se terra? Disponível em:
<http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/eco-espiritualidade.htm>. Acesso em: 29 jun. 2013.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado logico-filosófico: Investigações filosóficas. Lisboa: Calouste


Gulbenkian, 1987.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 83


UNIDADE DE ESTUDO 8

ECOLOGIA: DESAFIOS AMBIENTAIS

INTRODUÇÃO
No início do século XX pouco se conhecia sobre a ecologia e as questões ambientais; na
época, um cidadão brasileiro poderia passar a vida toda sem se preocupar com o meio ambiente.
Atualmente, você já deve ter percebido que o ambiente é um assunto incontornável. Assim como
você, todos somos convocados a repensar nossas práticas cotidianas, nossas formas de produzir e
consumir, visando formas mais ecológicas de viver e se desenvolver.
Nesta Unidade de Estudo, você deverá desenvolver maior consciência sobre o ambiente e
seus vários problemas. Apresentaremos conhecimentos básicos sobre o meio ambiente buscando
desenvolver sua capacidade de perceber os problemas ambientais como processos complexos
que envolvem de forma interdependentes elementos sociais, políticos, econômicos e ecológicos.
Você perceberá que as questões ambientais são muito interessantes, profissionais do mundo todo
trabalham intensamente sobre elas desenvolvendo ideias e soluções. Esta Unidade de Estudo é
apenas um princípio ou incentivo para você estudar e conhecer, ela não aborda todos os temas e
problemas ambientais.
Esperamos que você desenvolva maior sentimento de responsabilidade em relação à sociedade
e ao meio ambiente e que siga em sua educação ambiental indo além deste breve estudo.
FONTE: Banco de Imagens 123rf

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 87


1 RECONHECENDO OS DESAFIOS AMBIENTAIS
Há milhares de anos, desde o início da agricultura, os seres humanos têm cortado árvores,
limpado a terra e mantido distante da lavoura as plantas consideradas daninhas. Em comparação
com as sociedades caçadoras e coletoras, as sociedades agrícolas dispõem de mais alimentos,
porém há maior exigência de transformação do mundo natural. Para plantar, a comunidade agrícola
precisa cortar as florestas naturais e abrir clareiras, e,
quando um lote é cultivado até a exaustão, novos lotes
Resiliência é a capacidade de um sistema
de terra são limpos. O solo exposto ao vento e à chuva recuperar seu equilíbrio após este ter sido
forte pode sofrer erosão e se degradar rapidamente, rompido por um distúrbio, a resiliência
inviabilizando a agricultura e a resiliência florestal. também descreve a velocidade com
Até mesmo sociedades agricultoras no passado que uma comunidade retorna ao seu
estado anterior após ter sido perturbada
distante desmataram e plantaram em seus solos até
e deslocada de tal estado (TOWNSEND
sofrerem erosão. O problema é que nós, modernos, temos
et al., 2011, p. 357).
degradado os solos rapidamente e em largas extensões.

FONTE: Banco de Imagens 123rf


A Ilha de Páscoa, denominada pelos nativos
como Rapa Nui, é um conhecido exemplo
de degradação da terra causada por seu
uso desequilibrado em um ecossistema
sensível. A Ilha de Páscoa, tornada um
local praticamente sem árvores, sofreu
sérios prejuízos ambientais, principalmente
perda do solo por erosão, o que ocasionou
Estátua Moai na Ilha de Páscoa, Chile.
a decadência da população local.

Ecossistemas complexos e cadeias alimentares no ambiente proporcionam serviços ilimitados


para o sustento da vida. Na ausência de danos, o ambiente é resiliente e muito eficiente na
autoestabilidade por meio da interação complexa de espécies vivas. Os seres humanos se beneficiam
fazendo parte desse ecossistema. Qualquer alteração prejudicial aos componentes do ambiente
traz impactos adversos para todas as espécies.

A destruição de árvores no planeta levaria à acumulação de gases tóxicos e à escassez de


oxigênio no ar. Como resultado, a proteção contra os raios nocivos do sol deixaria de funcionar,
causando temperaturas descontroladas e efeitos adversos para a saúde humana.

Se durante milhares de anos a vida humana esteve


O que é característico das sociedades
muito submetida à natureza, com o desenvolvimento das
modernas é que as ameaças ecológicas
sociedades modernas industrializadas a transformação não são mais oriundas das contingências
humana sobre o ambiente se tornou intensa, ao mesmo do ambiente natural, mas resultantes
tempo em que se instaurou uma busca incessante por do conhecimento reflexivo socialmente
compreender a natureza para controlar e prever os organizado, isto é, das ameaças decorrentes
processos naturais. do impacto da industrialização sobre o
meio ambiente (BECK et al., 2012).

88 Douglas Ochiai Padilha


O próprio funcionamento das sociedades modernas impôs a apropriação e a transformação da
natureza, de forma incontida e ilimitada. Sem dúvida, a industrialização traz benefícios como a maior
produção de alimentos e bens de conforto, mas também proporciona desastres industriais frequentes.

No Brasil, o mais recente desastre industrial ocorreu em 2015, no município de Mariana (MG),
quando se rompeu a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pelas empresas
Vale S/A e BHP Billiton. O rompimento da barragem causou uma grande enxurrada de lama e
rejeitos industriais que matou 19 pessoas e devastou o distrito de Bento Rodrigues. Além das
perdas humanas e materiais, a lama provocou graves impactos ambientais.

Estar atento à ecologia ambiental se tornou fundamental. Todos nós precisamos enfrentar
as questões ambientais reconhecendo nossas responsabilidades, isso quer dizer que precisamos
não apenas controlar os danos ambientais, mas também repensar o modo de vida das sociedades
modernas industrializadas.
A preocupação com o impacto nocivo dos humanos sobre o mundo natural levou à formação
de movimentos sociais e políticos “verdes”, como o Greenpeace e o Partido Verde. Embora existam
visões de mundo e estratégias muito diferentes entre os ambientalistas, é comum a preocupação e a
ação em favor de preservar as espécies remanescentes e conservar os recursos do planeta no lugar de
exauri-los. Porém, estes esforços não têm sido suficientes para evitar a poluição ambiental e um possível
aquecimento global excessivo. Reconhecendo o problema, cientistas e líderes, como o Papa Francisco,
afirmam que precisamos proteger nosso planeta unindo esforços para enfrentar simultaneamente os
problemas ambientais e sociais. Neste sentido, o Papa Francisco, faz um apelo fundamental:

Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio


ambiental que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito
e têm impacto sobre todos nós. O movimento ecológico mundial
já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas
agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização.
Infelizmente, muitos esforços na busca de soluções concretas
para a crise ambiental acabam, com frequência, frustrados não
só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse
dos outros. As atitudes que dificultam os caminhos de solução,
mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à
indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas
soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade universal
(FRANCISCO, 2015, p. 13).

Hoje a ecologia ambiental é tema fundamental nos debates políticos, planejamentos econômicos
e na reflexão religiosa; não há como esquivar das questões ambientais e do reconhecimento de que
todos são responsáveis pela preservação ambiental: governos, organizações e cada cidadão.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 89


2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL
O meio ambiente está sendo degradado
em um ritmo muito mais rápido do que
imaginávamos. A maior parte dessa “bagunça”
é causada por atividades humanas. Os danos
são tanto a nível global como regional. Portanto,
qualquer erro ou dano que tenha sido causado
por nós deve ser corrigido por nós.
Nesse sentido, para proteger e gerir o meio
ambiente, é fundamental que tenhamos uma
boa Educação Ambiental (EA). É uma maneira
de ensinar as pessoas e as sociedades sobre como usar os recursos presentes e futuros de forma
melhor. Mediante a educação ambiental, as pessoas podem adquirir conhecimento para lidar com
as questões fundamentais que levam à poluição e ao esgotamento dos recursos.
Faz parte da EA a compreensão de como o ambiente natural funciona e como os seres
humanos devem se comportar para gerenciar os ecossistemas de forma sustentável. Ela transmite as
habilidades e conhecimentos necessários para enfrentar os desafios associados à questão ambiental.

O foco principal da Educação Ambiental é dar conhecimento,


criar consciência, inculcar uma atitude de preocupação e fornecer
a habilidade necessária para interagir melhor com o meio
ambiente e enfrentar os desafios ambientais.

A EA ganhou importância a nível global após a Conferência de Estocolmo sobre Ambiente Humano,
organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em
1972. Logo após esta Conferência, a Unesco lançou o Programa Internacional de Educação Ambiental
(BRASIL, 2014). Cada país está direcionando esforços para integrar as preocupações ambientais com
a educação. Porém, a EA não deve apenas fazer parte do sistema educativo, mas também do sistema
político onde as ações políticas e planos podem ser formulados e executados a nível nacional.
No Brasil, a educação ambiental emerge em meados da década de 1980, com a ampliação de
forças sociais envolvidas com a temática ambiental. Sua importância se explicita na obrigatoriedade
constitucional, em 1988, no primeiro Programa Nacional de Educação Ambiental, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, lançados oficialmente em 1997 (BRASIL, 2014), e na Lei Federal n. 9.795,
que define a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999).
IMPORTANTE

A Educação Ambiental deve ser capaz de avaliar a situação ambiental e


as condições que levam ao dano do meio ambiente, ela deve direcionar
a rotina e apontar como as mudanças simples em uma vida diária podem
fazer enorme diferença para o ambiente.

90 Douglas Ochiai Padilha


Proteger o meio ambiente é responsabilidade de
todos e, portanto, a educação ambiental não pode ser
confinada a um grupo ou sociedade. Cada indivíduo
deve estar preparado para salvar o meio ambiente.
Deve ser um processo contínuo e permanente.
Acima de tudo, a educação ambiental deve ser prática
para que os ensinamentos possam ser implementados
diretamente. Conservar a natureza e o ambiente será
muito mais fácil se as crianças forem ensinadas sobre
o esgotamento dos recursos, a poluição ambiental, o
deslizamento da terra e a degradação e extinção de
plantas e animais.

CONCLUSÃO

A ecologia nos fornece informação para compreender melhor o mundo em torno


de nós, nossa vida cotidiana e profissional. Os conhecimentos e saberes ambientais
também podem nos ajudar a melhorar o nosso ambiente, a gerir nossos recursos naturais
e a proteger nossa saúde.
A ecologia trata das interações e interdependências entre os organismos e de seus
habitats (casas) na natureza. Todos somos parte do ecossistema, dependemos dele para
a nossa sobrevivência, já que em muitos aspectos somos apenas mais uma espécie,
mas também estamos na situação única de podermos mudar o ecossistema de muitas
maneiras diferentes. E a compreensão dos efeitos da mudança de um ecossistema
é importante para evitar que nossas ações tenham consequências não intencionais
(como a fome em algumas regiões do continente africano, em grande parte devido às
mudanças humanas no ecossistema).

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 91


REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich; GIDDENS Anthony; LASH Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, regulamenta a Lei
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92 Douglas Ochiai Padilha


UNIDADE DE ESTUDO 9

ECOLOGIA: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

INTRODUÇÃO
Há uma ameaça significativa na degradação ambiental devido ao avanço da tecnologia e de outras
atividades humanas. Esta destruição é evitável por meio de metas ambientalmente amigáveis, como
a manutenção de excelente qualidade da água, ar saudável e preservação da biodiversidade. Cada
indivíduo tem um papel na realização desses objetivos e, portanto, a proteção do meio ambiente.
Veremos nesta Unidade os estudos e as ações em andamento para preservar o meio ambiente
e as gerações futuras.

1 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Grupo que se formou na capital
Em meados da década de 1970, um relatório científico
italiana e reunia industrialistas,
encomendado pelo Clube de Roma, intitulado Os Limites
consultores empresariais e
do Crescimento (MEADOWS, 1972), despertou o interesse
servidores públicos.
público em relação aos problemas ambientais.
Os pesquisadores reunidos para este estudo apontaram que se os índices de crescimento
econômico e populacional continuassem a crescer como no período entre 1900 e 1970, em 2100
teríamos certamente uma crise ambiental muito grave.
A conclusão do relatório encomendado pelo Clube de Roma, é que os índices de crescimento
industrial não são compatíveis com a natureza finita dos recursos da Terra e que o planeta não é
capaz de suportar o crescimento populacional e se recuperar da poluição ambiental. A ideia que
se lançou para o mundo na década de 1970 é de que os níveis de crescimento na população,
industrialização, poluição, produção de alimentos e esgotamento dos recursos é insustentável.
Embora amplamente criticados, os resultados do relatório do Clube de Roma foram utilizados
por muitos grupos para impulsionar a ideia de que o desenvolvimento econômico deveria ser não
apenas limitado, mas drasticamente reduzido a fim de conservar o meio ambiente.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 95


A ideia de reduzir severamente o crescimento econômico foi logo criticada por aqueles que
a julgavam desnecessária; estes críticos afirmavam que o desenvolvimento econômico poderia
e deveria ser incentivado, pois este seria o único meio de ampliar a riqueza mundial. E, se o
desenvolvimento econômico fosse reduzido, os países menos desenvolvidos nunca poderiam se
industrializar como os países mais ricos.
É preciso lembrar que as questões ambientais ocorrem em um mundo fortemente desigual e com
interesses conflituosos. Os diferentes graus de desenvolvimento econômico possibilitavam a suposição
de que o crescimento econômico é possível a todos os países, bastaria trilhar o caminho certo.

O BRASIL SEM RESTRIÇÕES À POLUIÇÃO

Na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano,


organizada em 1972 na capital da Suécia, Estocolmo, o governo brasileiro liderou um bloco de 77
países em desenvolvimento resistentes ao reconhecimento da importância da problemática ambiental e
que se negavam a reconhecer o problema da explosão demográfica. Foi na Conferência de Estocolmo
que o governo brasileiro estendeu uma faixa com o seguinte dizer:
Bem-vindos à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições,
temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos
empregos, dólares para o nosso desenvolvimento.
A faixa ficou famosa e resumia a posição do Brasil (sob ditadura militar) de que o principal
problema era a miséria e que era preciso desenvolver a economia primeiro e pagar os custos da
poluição ambiental mais tarde. Acreditava-se que o desenvolvimento econômico dos países mais
pobres não poderia ser sacrificado por considerações ambientais.
FONTE: Dias (1991)

Em meio ao acirrado debate sobre o meio ambiente,


criou-se o conceito de “desenvolvimento sustentável” como
uma forma de aliar ideias até então opostas:
Conservação ambiental e desenvolvimento econômico.
O termo foi utilizado pela primeira vez no relatório
Nosso Futuro Comum (World Commission on Environment
and Development, 1987), também conhecido como Relatório
Brundtland, de 1987, encomendado pelas Nações Unidas.
Neste relatório, o desenvolvimento sustentável foi definido
como o uso dos recursos renováveis para promover o
crescimento econômico, a proteção da biodiversidade e o
compromisso com a manutenção da pureza do ar, da água e
da terra. O desenvolvimento sustentável é, então, aquele
que atende às necessidades de hoje, sem comprometer
a capacidade de as próximas gerações atenderem às suas próprias necessidades.
Com a difusão da noção de desenvolvimento sustentável, o chamado tripé da sustentabilidade
se tornou amplamente conhecido no mundo empresarial e no mundo acadêmico como uma
ferramenta útil para constituir uma visão de mundo (e da economia) mais ampla, que vai além do foco
no desempenho financeiro e no lucro pelo lucro (ainda predominantes nas sociedades modernas). A
noção de desenvolvimento sustentável convoca governos, empresas e cidadãos a rever suas ações
considerando no mínimo as três dimensões a seguir.

96 Douglas Ochiai Padilha


DE
DA
LI
BI
TA
EN
ST
SU

1. Sustentabilidade Social
Compreende o respeito à diversidade, empoderamento de grupos excluídos socialmente,
incentivo à resolução pacífica de conflitos e convivência saudável.
2. Sustentabilidade Econômica
Diz respeito à inserção dos limites ecológicos na produção de bens e serviços, visando
a sustentabilidade econômica, a justiça no acesso ao sustento familiar e pessoal e
economia solidária e responsável.
3. Sustentabilidade Ecológica
Analisa a relação do homem com a natureza, buscando formas de reduzir ou acabar com
o impacto das ações humanas sobre a natureza e vice-versa e de repensar as estruturas
e iniciativas que reforçam e representam a mútua dependência.
FONTE: Pereira (2008)

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 97


Após a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, a expressão desenvolvimento sustentável
passou a ser amplamente utilizada tanto pelos ambientalistas quanto pelos governos. Apesar de
muito utilizada, a noção de desenvolvimento sustentável (e o Relatório Brundtland) não permaneceu
sem críticas. Os críticos, tais como Sachs (2000), consideram a noção de desenvolvimento sustentável
muito vaga, dando margem para muitas distorções, e omissa em relação às necessidades específicas
dos países mais pobres. Para eles, a ideia de desenvolvimento sustentável concentra atenção sobre
as necessidades dos países mais ricos e ignora o fato de que os altos níveis de consumo nestes
países se dão à custa de outros povos.
Além disso, o termo sustentabilidade é ambíguo, ele integra ao menos dois significados:

um que implica a internalização das condições ecológicas pelo processo econômico;

outro que aponta a durabilidade do próprio processo econômico.

O sociólogo ambientalista Enrique Leff (2006) aponta que tem ocorrido uma adoção oportunista,
por parte dos estados e das empresas, de novos valores trazidos pelo ambientalismo. Para esse
tipo de soluções falsamente sustentáveis, bastaria agregar como valor a esses “produtos” o que,
até então, era ignorado ou não contabilizado como custos de produção, ou seja, a noção de
desenvolvimento sustentável algumas vezes tem sido utilizada para dar aparência ecológica a
produtos e sistemas de produção que são poluidores ou geradores de resíduos.
Consideradas as críticas à noção de sustentabilidade, cabe considerarmos que uma empresa ou
governo está agindo com responsabilidade socioambiental quando de fato incorpora os princípios
e práticas relacionados às três dimensões de sustentabilidade. Para saber se o modelo de negócio
de uma organização não é sustentável, basta notar se ele contribui direta ou indiretamente para:
▪▪ o aumento sistemático nas concentrações de desperdícios de recursos naturais;
▪▪ o aumento sistemático nas concentrações de substâncias perigosas produzidas pela sociedade;
▪▪ a exploração sistemática e indiscriminada dos recursos naturais;
▪▪ o abuso de poder político e/ou econômico na sociedade, prejudicando a qualidade de vida
dos seres humanos (PEREIRA, 2008).

2 CONSUMO, POBREZA E MEIO AMBIENTE


Grande parte do debate sobre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico está diretamente
relacionado com o padrão de consumo. Ele possui dimensões positivas e negativas, detalhadas no QUADRO 1:

QUADRO 1 – Aspectos positivos e negativos do aumento do consumo


POSITIVO NEGATIVO

Um consumo maior, proporcionado pelo


Os padrões de consumo podem causar impactos
desenvolvimento econômico, significa que as
negativos aos recursos naturais e aumentar a
pessoas vivem em melhores condições do que
desigualdade.
no passado. Ele significa o aumento do padrão
Como por exemplo, a maior extração de
de vida, ou seja, maior acesso à comida, roupas,
minérios e queima de combustíveis fósseis.
itens pessoais, tempo de lazer, carros etc.

FONTE: O autor (2017)

98 Douglas Ochiai Padilha


Ao longo do século XX, o aumento do consumo mundial se tornou alarmante. Se no início do
século XX os níveis de consumo mundial estavam próximos de 1,5 trilhão de dólares, no ano de
1998, os gastos com o consumo público e privado chegaram a 24 trilhões de dólares. Nos países
industrializados, o consumo tem aumentado aproximadamente 2,3% ao ano, já nos países africanos,
o consumo é 20% menor do que há 25 anos.
As desigualdades de consumo entre ricos e pobres são alarmantes. Apesar de os mais ricos
serem os maiores consumidores mundiais e responsáveis pelos maiores impactos sobre o meio
ambiente, os impactos mais violentos dos danos ambientais recaem sobre os pobres. Os mais ricos
estão em melhores condições para desfrutar do consumo sem sofrerem seus efeitos negativos, as
pessoas com mais dinheiro podem abandonar ambientes degradados ou afetados por desastres
naturais. Os países mais ricos podem enviar seus resíduos para países mais pobres.

Segundo dados das Nações Unidas (UNEP, 2015) até 90% do lixo
eletrônico do mundo é despejado sem obedecer a nenhum critério ou
respeito pelos humanos ou pela natureza. Para Gana, por exemplo, são
enviados contêineres cheios de equipamentos eletrônicos obsoletos
ou quebrados com a desculpa de que os países ricos estão doando
equipamentos para diminuir o abismo digital entre ricos e pobres.

Por outro lado, a pobreza também intensifica as ameaças ambientais. A degradação do solo,
o desmatamento, a falta de água, as emissões de chumbo e a poluição do ar são problemas que
estão concentrados nos países e regiões mais pobres. As pessoas que possuem poucos recursos
têm poucas escolhas senão maximizar os recursos disponíveis a elas.
Podemos perceber, no exposto acima,
que, ao falarmos de meio ambiente,
estamos também falando da relação entre Os países industrializados e a ONU exigem
a natureza e a sociedade que a habita. Não que a Indonésia preserve suas florestas
tropicais, porém a Indonésia precisa muito
podemos considerar a natureza como algo
mais da receita proveniente das florestas do
separado de nós, estamos incluídos nela,
que os países industrializados.
somos parte dela. Quando analisamos as
razões pelas quais um ambiente se degrada
ou se contamina, precisamos considerar o funcionamento da sociedade, da sua economia, das
políticas públicas e das suas maneiras de entender a realidade. Tendo em vista a amplitude das
mudanças, já não é possível encontrar uma resposta independente para cada parte do problema.
IMPORTANTE

É preciso buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais
entre si e com os sistemas sociais. Não podemos considerar as crises ambiental e
social separadamente, mas uma única e complexa crise socioambiental. A solução
para tal crise requer uma abordagem integral que acabe com a pobreza, devolvendo
dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuide da natureza (FRANCISCO, 2015).

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 99


CONCLUSÃO

Diante dos desafios ambientais que enfrentamos, seja na vida cotidiana ou


globalmente, é fundamental aprimorarmos nossos conhecimentos e dialogarmos
entre diversos saberes ambientais. A qualidade da vida humana na Terra depende do
esforço conjunto de todos – empresas, escolas, igrejas, Estados e cada cidadão – no
sentido criarmos solução para a atual crise socioambiental. A educação ambiental
é uma das principais ferramentas nesse processo de desenvolvimento ecológico
sustentável, por isso ela deve ser incentivada e praticada.

100 Douglas Ochiai Padilha


REFERÊNCIAS

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WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our Common Future. Oxford:


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Estudo do Ser Humano Contemporâneo 101


UNIDADE DE ESTUDO 10

ECOLOGIA: AMEAÇAS AMBIENTAIS

INTRODUÇÃO
Atualmente, o mundo enfrenta diversas ameaças e riscos ambientais. O aquecimento global
e o consumo de alimentos transgênicos são considerados os mais sérios.
As ameaças podem ser divididas, grosso modo, em dois tipos: a poluição e os resíduos lançados
no meio ambiente; e o esgotamento dos recursos renováveis.
Estes são os assuntos que estudaremos nesta Unidade. Bons estudos!

1 A POLUIÇÃO DO AR
É causada pela emissão de substâncias tóxicas na
atmosfera e pode ser a causa da morte de mais de 2,7
milhões de pessoas por ano. A poluição do ar não afeta
apenas a saúde humana, seu impacto é também prejudicial
para outros elementos do ecossistema, como no caso das
chuvas ácidas.
A chuva ácida é um fenômeno que ocorre quando as
emissões de enxofre e óxido de nitrogênio são precipitadas
com a chuva. O impacto da chuva ácida é grave, pois
prejudica florestas, plantações e a vida animal, além de acidificar lagos. Ela é de difícil controle porque
as emissões podem ocorrer em um país e se precipitar em outro.
No Canadá, por exemplo, grande parte da chuva ácida que ocorre no leste do país está
relacionada com a produção industrial do estado de Nova York, do outro lado da fronteira entre
os Estados Unidos da América e o Canadá.

2 A POLUIÇÃO DA ÁGUA
Pode ser entendida com a contaminação do
fornecimento de água por substâncias tóxicas,
minerais, pesticidas e esgoto sem tratamento. Águas
contaminadas são a maior ameaça aos habitantes de
países pobres ou em desenvolvimento onde quase um
terço da população não tem acesso à água que possa
ser consumida com segurança.
Nos países industrializados, os casos de poluição da água ocorrem geralmente em função
do uso excessivo de produtos agrícolas, tais como fertilizantes e pesticidas químicos. No Brasil, a
principal causa de poluição da água é a falta de tratamento de esgoto; em segundo lugar, temos
os lançamentos da indústria e da agricultura.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 105


3 RESÍDUOS SÓLIDOS
O problema é que as sociedades industrializadas
produzem um volume imenso de itens que são diariamente
descartados. Hoje, são poucas as coisas que podemos
comprar sem embalagens. Preste atenção quando for
ao supermercado ou à lanchonete e você verá plásticos,
latas, papéis, isopores, que são descartados nas ruas, nas
lixeiras e nos rios.
Nos países e regiões onde ocorre a coleta de lixo,
o problema ambiental é a dificuldade no processo de
descarte dessa enorme quantidade de resíduos.
Os aterros sanitários das grandes cidades estão se enchendo rapidamente e forçando a criação
de novos aterros cada vez mais distantes dos grandes centros urbanos, o que leva a um maior custo,
devido ao transporte dos resíduos até estes aterros. Nos países industrializados, a coleta de lixo
é quase universal, mas nos países em desenvolvimento o principal problema enfrentado, relativo
aos resíduos, ainda é a falta de coleta de lixo.
No Brasil, a geração de lixo aumentou 29% entre 2003 e 2014, o equivalente a cinco vezes a
taxa de crescimento populacional no período. No entanto, a quantidade de resíduos com destinação
adequada não acompanhou o crescimento da geração de lixo. Em 2015, apenas 58,4% do total
de lixo foi direcionado a aterros sanitários.

4 ESGOTAMENTO DOS RECURSOS RENOVÁVEIS


Além da poluição e dos resíduos sólidos, elementos
como água, madeira, vegetais, animais terrestres e
marinhos são muitas vezes denominados de recursos
renováveis, porque em um ecossistema equilibrado eles
se substituem automaticamente com o passar do tempo.
Porém, se o consumo destes recursos for excessivo,
desequilibra-se o sistema natural e se corre o risco de
serem completamente esgotados. Inúmeros cientistas de diversos países apontam evidências disto
estar ocorrendo.
Em países como o Brasil, é provável que as pessoas não deem muita atenção para o
abastecimento de água, exceto em situações de seca. Porém, a falta d’água já afeta o Oriente
Médio, a China, a Índia e o norte da África. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que,
até o ano 2050, 50 países enfrentarão crise no abastecimento de água.

A Organização das Nações Unidas (WWAP, 2015) estima que um bilhão de


pessoas carece de acesso a um abastecimento de água suficiente. A demanda
por água doce está crescendo. A menos que o equilíbrio entre a demanda e os
suprimentos finitos seja restaurado, o mundo enfrentará um déficit mundial de água
cada vez mais severo. A demanda global de água é fortemente influenciada pelo
crescimento populacional, urbanização, políticas de segurança alimentar e energética
e processos macroeconômicos, como a globalização do comércio, a mudança das
dietas e o aumento do consumo.
Até 2050, prevê-se que a demanda global de água aumente em 55%,
principalmente devido às crescentes demandas da produção, geração de
eletricidade térmica e uso doméstico.

106 Douglas Ochiai Padilha


Ao problema de esgotamento da água devemos somar a degradação do solo, o desmatamento
e a desertificação. A degradação do solo é o processo onde a qualidade do solo é piorada pelo
uso excessivo (como na agricultura e pecuária) ou pela seca. Já a desertificação ocorre quando a
degradação do solo se estende em grandes áreas, produzindo uma paisagem que se assemelha
a desertos. O desmatamento é o processo de destruição da terra arborizada, que geralmente
ocorre por fins comerciais. O valor da biodiversidade que as florestas abrigam é incalculável, elas
são indispensáveis para o equilíbrio dos sistemas que mantêm a vida no planeta e fornecem bens
e serviços para os humanos.
No Brasil, a problemática ambiental,
e sobretudo a questão da biodiversidade,
ganha força a partir de meados da A floresta amazônica
década de 1980. A devastação da brasileira representa
40% de toda a área
floresta amazônica trouxe visibilidade
de florestas tropicais
internacional a tal questão.
no mundo, cerca de
A partir da eminência de desastres 8,5 milhões de Km2.
ambientais globais e a emergência
de novos mercados, as atenções de
ambientalistas e conglomerados da indústria se voltaram para o Brasil e sua riqueza em biodiversidade,
deixando-o em uma situação complicada.

Como preservar a floresta e ao mesmo tempo como tirar proveito dessa


posição estratégica?
Muitos especialistas na área visaram preservar a natureza, conferindo-lhe um valor
no mercado. Como se pudéssemos solucionar o problema demarcando um valor
para as florestas tropicais e explicar para os exploradores que as florestas podem
valer mais de pé do que deitadas.
Ocorre que, diante do lema “salvar o planeta e ganhar dinheiro”, surge um
certo círculo vicioso: para salvar a floresta, precisa-se conferir-lhe um valor
econômico, ou seja, torná-la produtiva. Ao fazer isso, incentiva-se a criação de
determinadas tecnologias que movimentariam a produção dentro da lógica do
mercado. Porém, essas tecnologias se revelam como uma nova forma de depredação.
Assim, a biodiversidade vem ainda sendo entendida pelo mercado como um grande
reservatório de matéria-prima, onde se busca a variante mais rentável, perpetuando
o projeto moderno de controle e manipulação sobre a natureza.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 107


5 RISCOS AMBIENTAIS
Os humanos sempre enfrentaram riscos
externos, como secas, terremotos, escassez e
tempestades provenientes do mundo natural,
mas os riscos ambientais que nós vivemos
atualmente são diferentes, pois são riscos
produzidos pelo impacto de nosso próprio
conhecimento e da tecnologia sobre o mundo
natural. Existem diversos riscos produzidos, mas
os riscos mais famosos envolvem aquecimento
global e alimentos transgênicos.
O aquecimento global é considerado por muitos como o desafio ambiental mais sério que
precisamos enfrentar. Atualmente, a maioria dos cientistas reconhece que o aquecimento global
é causado pelo efeito estufa e que este efeito é uma consequência da intervenção humana, ou
seja, um risco produzido. Em função dos processos industriais, temos um contínuo aumento na
emissão e acúmulo de gases que provocam o “efeito estufa”, ou seja, a ampliação de gases que
armazenam o calor na atmosfera terrestre.

O dióxido de carbono (proveniente da queima de combustíveis), os clorofluorcarbonetos


(compostos artificiais utilizados em processos de refrigeração com efeito destruidor da camada
de ozônio que protege a Terra de raios solares), o metano (com origem na intensificação
das atividades pecuárias), o óxido nitroso (destruidor da camada de ozônio utilizado em
fertilizantes agrícolas), entre outros elementos provenientes de emissões antrópicas, alteram
a composição a atmosfera e causam um aquecimento global acelerado.

Se as previsões científicas estiverem corretas, o aumento da temperatura média da Terra tem


o potencial de alterar irreversivelmente o funcionamento do clima na Terra.

Se as calotas polares continuarem a derreter, como muitos estudos têm apontado, o nível do
mar aumentará ao ponto de ameaçar as populações litorâneas e terras que estão abaixo do
nível do mar, como as do Reino dos Países Baixos. Nestas condições, somos forçados a refletir
sobre os riscos ambientais.

Outro tipo de risco produzido pelos seres humanos pode ser observado na produção e consumo
de alimentos transgênicos ou Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Os alimentos
transgênicos têm sua composição genética manipulada para que sejam resistentes a agrotóxicos
ou pragas e para que tenham maior produtividade. Eles são diferentes de todos os organismos
que já existiram, pois envolvem o transplante de genes de um organismo para outro diferente.

108 Douglas Ochiai Padilha


O milho Bt no qual foram introduzidos
genes específicos da bactéria Bacillus
thuringiensis (Bt) para que o milho seja
tóxico a alguns tipos de insetos.

FONTE: Banco de Imagens 123rf

Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de


OGMs do mundo, ficando atrás apenas dos EUA. Provavelmente você consome
OGMs diariamente ao se alimentar
Mesmo sendo rapidamente adotada, tendo em vista
de pão, macarrão, arroz, feijão,
que o primeiro cultivo comercial ocorreu em 1999, ainda milho, bolacha e frutas.
há incerteza sobre a segurança dos alimentos transgênicos
para o consumo humano e para os sistemas naturais. O risco
está em não termos pleno conhecimento sobre as consequências da ingestão destes alimentos
por longos períodos.
Por isso, alguns países como França, Escócia, Japão, Nova Zelândia, Alemanha, Áustria, Hungria,
Grécia, Bulgária, Luxemburgo, entre outros, proíbem ou restringem a produção de alimentos
geneticamente modificados em seus territórios. Estes países estão adotando em suas políticas
agrícolas e de saúde pública o princípio da precaução, ou seja, um princípio moral e político que
determina que se, na ausência de consenso científico irrefutável, uma ação pode originar um dano
irreversível público ou ambiental, quem deve provar que a ação é segura é aquele que pretende
praticar a ação. Ao restringirem ou banirem os transgênicos de seus territórios, as populações e
governos de muitos países dão um sinal de que não têm confiança nos relatórios de segurança
sobre estes alimentos. Por isso, cientistas, como Ulrich Beck, afirmam que vivemos incertezas
sobre os riscos a que estamos expostos cotidianamente, não temos certezas sobre as causas e as
consequências de muitos riscos ambientais produzidos.

CONCLUSÃO

A fim de permitir que as pessoas gozem de boa saúde e de uma elevada qualidade de
vida, é vital evitar efeitos nocivos para a saúde humana ou danos ao ambiente, causados pela
poluição do ar, da água e do solo. Nesse processo, meu caro aluno, sua responsabilidade é
mergulhar mais fundo na educação ambiental e aplicar seus conhecimentos nos espaços que
você convive. Repense suas práticas em casa, na rua e no trabalho. Pense global e aja local
contribuindo para as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável.

Estudo do Ser Humano Contemporâneo 109


REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich; GIDDENS Anthony; LASH Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na
ordem social moderna. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, regulamenta a Lei
n. 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, e dá outras
providências. Portal da Legislação, Brasília, jun. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/2002/D4281.htm>. Acesso em: 07 nov. 2016.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação. Educação Ambiental: Por um Brasil
sustentável – ProNEA Marcos Legais & Normativos. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.mma.gov.
br/images/arquivo/80221/pronea_4edicao_web-1.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.

DIAS, Genebaldo Freire Os 15 anos da educação ambiental no Brasil: um depoimento. Revista Em


Aberto, Brasília, v. 10, n. 49, p. 3-14, 1991.

FRANCISCO. Carta encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. Vaticano, 2015. Disponível
em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_
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HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. [CD-ROM].
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares


2002-2003 - Perfil das despesas no Brasil: Indicadores selecionados. Rio de janeiro: IBGE, 2007.

LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2006.

MEADOWS, D. L. et al. Limites do crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o
dilema da humanidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.

MIETH, Andreas; BORK, Hans-Rudolf. History, origin and extent of soil erosion on Easter Island
(Rapa Nui). Catena, v. 63, n. 2-3, p. 244-260, oct. 2005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.
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WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our Common Future. Oxford:


Oxford University Press, 1987.

110 Douglas Ochiai Padilha


UNIDADE DE ESTUDO 11

POLÍTICA, CIDADANIA E JUSTIÇA SOCIAL

INTRODUÇÃO
A presente Unidade de Estudo focará o tema da política, da cidadania e da justiça social. A
política surgirá sempre que uma pluralidade de indivíduos estiver presente, pois as deliberações e
ações que daí surgirem caracterizarão o exercício mais nobre e complexo das atividades humanas.
Para esta Unidade de Estudo, a leitura atenta deste material, bem como a atenção especial
a todos os acontecimentos políticos a sua volta, é de extrema importância para uma base teórica
e prática de nossas ações na sociedade. Toda e qualquer atividade que nasça da pluralidade, será
atividade política.

FONTE: Banco de Imagens 123rf


1 A POLÍTICA: SEU NASCIMENTO E TRANSFORMAÇÕES
Para tratarmos da questão da política, é necessário termos claro que o sentido gregário dos seres
humanos desencadeia uma série de formas organizacionais específicas. Temos, por exemplo, diversas
organizações com objetivos definidos em todas as sociedades, são as chamadas instituições sociais.
Uma instituição impõe padrões de conduta e maneiras de agir em sociedade originadas a
partir da própria sociedade.
Neste sentido, tomamos a política como uma dessas formas de organização, denominadas
instituições sociais. Refletir sobre tal organização social nos leva a
questionarmos seu histórico, seu sentido e sua significação para a
sociedade em que estamos inseridos. O nome política vem
da designação de pólis
Para entendermos a política como instituição social, temos como
(“cidade” em grego),
horizonte a cultura grega, de quem tal organização no ocidente é segundo Maria Lúcia de
herdeira. É exatamente no período de 440 a 404 a.C., denominado de Arruda Aranha (1993),
“século de Péricles”, que podemos observar a formação inicial desta filósofa brasileira.
instituição como uma organização.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 113


Sólon (594 a.C.), ao perceber que “a
terra ateniense era pobre e a agricultura não
Sólon (séculos VI a V a.C.): seria suficiente para manter a cidade” (CHAUÍ,
FONTE: Domínio Público

o estadista, legislador e 2002, p. 132), incentivou as atividades do


poeta da Grécia Antiga era comércio e artesanato, empreendendo
considerado um dos grandes assim uma quebra do poder da aristocracia
sábios desse período, tendo fundiária e atraindo estrangeiros. A ideia
composto inúmeros poemas
deste legislador era incentivar a participação
importantes.
no poder político a partir do critério da
fortuna pessoal.

FONTE: Domínio Público


No entanto, foi somente a partir de
Clístenes (510 a.C.) que se delimitou a
pólis como espaço político por excelência. Clístenes (séculos V a IV a.C.):
político da Grécia Antiga que
A reforma de Clístenes instituiu o
leva adiante as obras de Sólon.
espaço político ou a pólis propriamente
Era de família abastada, porém
dita. Assim, a partir destas reformas, liderou uma revolta popular e
surge um espaço próprio para que reformulou a antiga constituição
decisões e deliberações que envolviam a ateniense.
sociedade desta época fossem tomadas.

A pólis não se referia à noção de cidade como a temos


hoje, isto é, um conjunto de edifícios e ruas, comércio e
outras organizações destinadas a atender as mais variadas
demandas da comunidade. A pólis instituída neste período
se caracterizou como um espaço destinado aos indivíduos
deliberarem e se expressarem coletivamente acerca dos
assuntos da cidade.

Nas democracias representativas, mais comuns


Segundo Marilena Chauí (2002, p. 134), nas sociedades modernas, segundo Anthony
neste período, tinha-se “uma democracia Giddens (2012, p. 703), “as decisões que
direta ou participativa e não uma democracia afetam a comunidade são tomadas não por seus
representativa, como as modernas”. membros como um todo, mas por pessoas que
foram eleitas para essa finalidade”.

A modernidade foi uma série de


acontecimentos nos campos da Diversas foram as transformações que esta instituição
política, religião, Estado e cultura social sofreu ao longo do tempo. Identificamos na modernidade
que inauguram uma nova forma o fortalecimento e a concentração das atribuições políticas nas
de pensar e organizar a vida social mãos do chamado Estado Moderno.
após o feudalismo.

114 Camila de Oliveira Casara | Osmar Ponchirolli


Esta organização passa a dispor de um aparato jurídico-administrativo para a distribuição dos
recursos numa coletividade, bem como monopoliza o uso da violência e das forças armadas, segundo
o sociólogo Anthony Giddens (2012).
Percebemos, assim, que, tal como originalmente a pólis pensada pelos gregos, o Estado
Moderno representa o lugar em que as decisões sobre a cidade, isto é, a política acontece em
nossa sociedade.

FONTE: Domínio Público


1.1 AS ANÁLISES MODERNAS DA POLÍTICA
As análises da política moderna
na filosofia e sociologia são muitas.
Uma das mais importantes vem da
Nicolau Maquiavel (1469-1521):
Itália, mais especificamente no século
pensador, político e historiador
XIV, a partir da figura de Nicolau florentino da época do renascimento.
Maquiavel (1469-1527). Para este
pensador, a questão que se coloca
é a da legitimidade do poder, isto é,
qual a natureza do poder político.
Em sua obra O Príncipe, de 1513, Maquiavel nos fala das ações mais importantes para
que o governante tenha legitimidade sobre seus súditos. Nesta concepção, o poder político é
originado das relações sociais estabelecidas entre governantes e governados, ou seja, a partir
das relações sociais. Ao pensar a força do príncipe sobre seus súditos, a partir de suas ações,
Maquiavel dará origem ao pensamento político moderno. O Príncipe foi geralmente entendido
como um manual contendo ideologia da classe dominante. A política passa a ser entendida
como um violento jogo de forças ao qual se submetem moral, religião ou o direito – pois só
neste confronto, ou a partir dele, adquirem sentido.
Outro pensador que dedicou especial
atenção à questão da política foi Max Weber
(1864-1920) para quem, assim como Maquiavel,
FONTE: Domínio Público

Max Weber (1824-1920): o poder político era fruto das relações sociais:
sociólogo alemão, consi- “Todo poder é exercício e, quando exercitado,
derado um dos grandes é política, pois poder é uma ação social”
nomes do início do pen-
(ARAÚJO, 2013, p. 144). Para este autor, a
samento sociológico.
questão da legitimidade do poder político
também foi um tema bastante debatido.
Se nos aprofundarmos no pensamento de Weber, veremos que o pensador alemão nos
esclarece que o poder político se apoia na crença de uma ordem legítima por parte daqueles
que estão envolvidos numa relação de poder. Para uma melhor abordagem da realidade, Weber
classifica a atribuição da legitimidade do poder por parte dos agentes em virtude da tradição, da
crença afetiva e da crença na legalidade de um estatuto:

Tradição
A legitimidade atribuída ao poder da
rainha ou rei, por exemplo.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 115


Crença afetiva
A legitimidade atribuída ao poder
de líderes carismáticos, como o Papa
João Paulo II e a Madre Tereza de
Calcutá, por exemplo.

Crença na legalidade de um estatuto


A legitimidade atribuída a um presidente
eleito democraticamente, por exemplo.

Dentre as análises sobre a natureza do poder


político, Hannah Arendt (1906-1975), pensadora alemã,
FONTE: Domínio Público

também fez grandes contribuições. Para ela, a política


é um fenômeno intimamente relacionado ao poder e à
pluralidade humana. Poder, para Arendt, é resultante da
multiplicidade humana; da presença de certo número de
indivíduos que o caracteriza como fenômeno que ocorre
em meio à diferença e à multiplicidade de objetivos.
Hannah Arendt (1906-1975): filósofa Juntamente com Maquiavel e Weber, Arendt vê na
alemã de origem judaica, perseguida política o exercício de poder em meio às relações sociais
pelo regime hitlerista, foi responsável e, portanto, o fenômeno que surge quando homens e
por grandes obras filosóficas do
mulheres se encontram unidos. Sem uma pluralidade de
século XX, entre elas A origem do
totalitarismo. indivíduos, não há poder, isto é, não poderá nascer daí
nada de político.

“O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O
poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência
apenas na medida em que o grupo conserva-se unido” (ARENDT, 1994, p. 36).

2 A CIDADANIA: SEU NASCIMENTO E TRANSFORMAÇÕES


Importante frisar que
A partir do momento em que a inscrição na pólis grega passou a mulheres, crianças, es-
ser definida pela noção de cidadão, ou seja, todos aqueles que fossem trangeiros e escravos
considerados cidadãos poderiam participar das decisões da pólis, iniciou-se não estavam inclusos
uma forma de governo em que as decisões sobre a pólis passaram para na cidadania.
as mãos desses indivíduos.
Esta forma foi denominada democracia (démoi, os cidadãos; krátos, o poder, portanto, o poder
dos cidadãos). Nesta organização da política, a função soberana estava no poder das leis, ou seja, as
leis válidas a todos os cidadãos seriam a força maior neste tipo de organização.
No entanto, diferentemente da forma original praticada pelos gregos, a maneira de participação
dos cidadãos na política da modernidade está alicerçada no Estado-nação, isto é, instituições em que
grande parte da população é composta por cidadãos que se consideram como parte de uma nação.

116 Camila de Oliveira Casara | Osmar Ponchirolli


Para Anthony Giddens (2012), a cidadania é uma das características essenciais dos Estados-
nação e, na atualidade, o conceito de cidadania se estende a todas as pessoas pertencentes a um
determinado Estado.

“Nas sociedades modernas, a maioria das pessoas que vivem dentro das fronteiras do sistema
político é de cidadãos, tendo direitos e deveres comuns e se considerando parte de uma nação”
(GIDDENS, 2012, p. 699).

No decorrer dos séculos, percebemos o reconhecimento e a expansão dos direitos por parte da
população mais pobre. Esta ampliação veio como resultado de diversas lutas e reivindicações para
que os direitos de cidadania fossem reconhecidos a todos os indivíduos de determinado Estado.
Segundo Thomas Marshall (1893-1981), sociólogo britânico, em sua obra Cidadania e Classe
Social (1949), existiram três ciclos de geração de direitos de cidadania:

Direitos civis: a conquista dos


direitos mais básicos, como o direito
de ir e vir, liberdade religiosa etc.

Direitos
Direitos políticos:
conquista
sociais:
dos direitos
conquista
de eleger e
dos
ser eleito
direitos de
e participar
bem-estar ativamente
social, como no processo
saúde, educação político.
etc.

O conceito inicial de cidadania surge juntamente com a pólis na Grécia Antiga, mas se amplia e
sofre transformações ao longo dos séculos e das transformações que as instituições políticas passaram.
Neste sentido, a justiça social se mostra como a ampla possibilidade de que indivíduos possam usufruir de
seus direitos e deveres enquanto cidadãos de maneira igualitária e solidária em qualquer Estado-nação.
Com a Revolução Francesa, a concepção de cidadania se expande para abranger os direitos
fundamentais do homem, entendidos como direito da liberdade suscetível de concretização na
cidade e no Estado, e os direitos vinculados à ideia de igualdade e justiça.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 117


Cidadania é o pertencer à comunidade, que assegura
ao homem a sua constelação de diretos e o seu quadro de
deveres. O exercício da cidadania está assegurado pelos direitos
fundamentais presente na Constituição brasileira. O direito
político, social e econômico se encontra em constante tensão
com as ideias de liberdade, de justiça política, social e econômica.

A igualdade de oportunidades, de resultados e de solidariedade tem vínculos com a cidadania.


A cidadania é analisada e estudada como cidadania local, nacional, mundial, comunitária,
cosmopolita e virtual.

3 JUSTIÇA SOCIAL: DIVERSIDADE DE SIGNIFICADOS


É consenso na literatura que a justiça deve ser analisada como um conjunto de exigências
relativas à estrutura da sociedade.

“A justiça apresenta-se como um conjunto de critérios ideais que devem presidir a boa conduta e o
desenvolvimento ordenado da coisa pública” (LUMIA 2003, p. 493).

Na órbita dos procedimentos, alguns desses critérios apresentam objetividades indubitáveis: a


exigência de imparcialidade, a proibição de alguém vir a ser juiz em causa própria ou a necessidade,
no caso de um conflito, de que os dois lados litigantes sejam escutados.
No âmbito do pensamento ocidental, a justiça foi concebida sob a forma de repartição. A justiça
consistiria na disposição ou virtude permanente de dar a cada um o que lhe é devido. Percebe-se,
nesta concepção, a necessidade de distinção entre duas dimensões da repartição: a formal e a
material. A formal é de caráter procedimental e a material indica a necessidade de identificação
dos princípios a serem utilizados na repartição. Observe na FIG. 1:

FIGURA 1 – Distinção entre estado formal e material de direito

FORMAL MATERIAL

Procedimental Substancial

Parte de uma definição formal da


Enfrenta a tarefa de escolher entre os
igualdade, isto é, da suposição de que
princípios de distribuição mais adequados
todas as pessoas em uma sociedade ou
e o desafio de justificar as desigualdades
grupo devem ser tratadas de acordo com
dele decorrentes.
regras idênticas.

FONTE: Os autores (2017)

118 Camila de Oliveira Casara | Osmar Ponchirolli


Segundo Silva (2007, p. 115), “o Estado de Direito deixou de ser formal para transformar-se
em Estado Material de Direito”. Neste sentido, o Estado tende a realizar a justiça social.
A partir da modernidade, a Justiça deixou de ser apenas uma virtude e passou a ser enfatizada
como fundamento da sociedade. David Hume (1995), filósofo francês, definiu a justiça como virtude
artificial fundada numa convenção social preexistente. O Utilitarismo pensou a justiça em termos
teleológicos, isto é, como a maximização do bem-estar social.
Kant (1994) conceituou a justiça como um dever absoluto que consistiria em tratar cada ser
humano com respeito, isto é, como um fim em si mesmo e não como meio para obtenção de algo.
No pensamento contemporâneo, o filósofo americano John Rawls marca o ressurgimento do debate
sobre a justiça. Desde a publicação da obra Uma Teoria da Justiça (1993), as discussões teóricas deram
ênfase à justiça como a promotora da maximização da liberdade e de distribuição do Capital Social.
O tema da justiça e, consequentemente, da justiça social continua a suscitar importantes debates
no âmbito do pensamento contemporâneo. Há uma discussão sobre a distribuição dos bens culturais,
bem como as questões relacionadas aos grupos vulneráveis, sobretudo mulheres e homossexuais.
No mundo atual, o homem enfrenta o problema de sobreviver e conviver de modo digno. Esta
situação requer uma solução adequada para as relações econômicas e de poder. Há a necessidade
de estabelecer os direitos e deveres das pessoas na sociedade. Se há direito à alimentação, à
habitação, à educação e à saúde, será oportuno criar mecanismos que concretizem esses direitos.
Se há direito à diversidade, às minorias e aos excluídos do sistema, será urgente criar mecanismos
que concretizem esses direitos. Neste sentido, a justiça social apresenta uma dimensão política que
reclama a participação de todos na solução das realidades concretas na sociedade.
A justiça social evidencia, além da dimensão política, a dimensão social do ser humano. O ser
humano é capaz de compreender a importância da alteridade (o outro). Necessitamos do outro,
no plano político, econômico e afetivo. Sem a alteridade, não teríamos condições de saber quem
somos e que rumo dar à nossa existência.

CONCLUSÃO

Nesta Unidade de Estudo, buscamos compreender como aconteceu o nascimento da


política, mais especificamente a política ocidental, na Grécia Antiga. Desde então, esta instituição
eminentemente humana sofreu diversas transformações e passou a ser objeto de análise de
diversos autores, desde Nicolau Maquiavel, passado por Max Weber, até Hannah Arendt.
Também analisamos o conceito de política, que decorre do papel do indivíduo que vive
e participa da pólis e as novas concepções na contemporaneidade. Seja na configuração da
Grécia Antiga, seja no Estado-nação, o conceito de cidadania está presente como elemento
fundamental da vida política. Percebemos que a cidadania e a justiça social sofrem alterações
e ampliam-se, à medida que os séculos elaboram melhor a noção política.
A existência humana é coexistência, é convivência com a alteridade. Toda a relação
humana é também uma relação de poder. O ser humano é capaz de solucionar de forma
responsável e comunitariamente as questões de convivência e de sobrevivência. Na vida
em sociedade, todos querem liberdade, igualdade, participação, responsabilidade e
autonomia, no entanto, ao mesmo tempo, o homem renuncia com facilidade estes valores.
A tarefa política do homem no século XXI é recuperar o Estado como instituição máxima e
administradora da vontade da maioria da população e de seus interesses comuns.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 119


REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

ARAÚJO, Sílvia Maria (Org.). Sociologia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto, 2013.

ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. v. 1.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. São Paulo: Penso, 2012.

HÖFFE, Orfried. Justiça e política. Petrópolis: Vozes, 1991.

HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral. Campinas: Editora Unicamp, 1995.

KANT, Immanuel. Métaphysique dês moeus. Paris: Flammarion, 1994.

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RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, 1993.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. rev. e atual. Emenda constitucional
n. 56, de 20.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008.

VECCA, Salvatore. La bellezza e gli oppressi: dieci lezioni sull’idea di giustizia. Feltrinelli, 2002.

WALZER, Michael. As esperas da justiça: em defesa do pluralismo e da igualdade. Lisboa:


Editorial Presença, 1999.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de sociologia compreensiva. Brasília: Editora UnB, 1999.

120 Camila de Oliveira Casara | Osmar Ponchirolli


UNIDADE DE ESTUDO 12

O FENÔMENO RELIGIOSO

INTRODUÇÃO
O fenômeno religioso é uma das manifestações mais profundas e significativas do ser humano.
Sob variadas formas, está presente em toda a história humana e em todas as sociedades. Sua
influência se estende sobre todo o campo da cultura, das instituições e das ações humanas.
Por isso, não se pode compreender o ser humano – nem ontem, nem hoje, nem nas sociedades
mais simples, nem nas mais complexas – sem refletir sobre o fenômeno religioso. Nem se pode
viver plenamente a condição humana sem fazer, em algum grau, a experiência religiosa.
Esta Unidade pretende apresentar os traços mais determinantes desse fenômeno e os conceitos
que permitem melhor compreendê-lo. As considerações aqui contidas são válidas para quaisquer
crenças religiosas.
FONTE: Banco de Imagens 123rf

1 RELIGIÃO HOJE: ABANDONO OU CRESCIMENTO?


Na atual sociedade, pode-se (ainda)
deparar com a visão ou comentários de que “O movimento que se iniciou no século XIII na
o fenômeno religioso acabará se diluindo, ou direção da autonomia do homem... completou-se
de certa forma em nossa época. O homem aprendeu
melhor, perderá força na vida das pessoas, das
a lidar com todas as questões de importância sem
famílias e da sociedade. Houve uma época recorrer a Deus como uma hipótese explicativa...
em que se comentava sobre a possibilidade Cada vez se torna mais evidente que tudo funciona
do desaparecimento da religião, mas, ao normalmente sem Deus. Já se admite que o
contrário do que se acreditava, a experiência conhecimento e a vida são perfeitamente possíveis
religiosa está com muita vitalidade. O fenômeno sem Ele” (BONHOEFFER apud ALVES, 2006, p. 35).
religioso está “em alta”.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 123


Podemos citar o crescimento do islamismo na Europa e
o número crescente de evangélicos na América Latina,
inclusive no Brasil.

A compreensão do fenômeno religioso geralmente é condicionada pela influência de uma


concepção das ciências e do poder tecnológico sobre a vida em geral, como também pela influência
de uma nova cultura moderna. Outra razão importante para compreender uma interpretação do
fenômeno religioso tem a ver com a dinâmica da sociedade a partir da secularização, da pluralidade
e da laicização.
No aspecto da secularização, por exemplo, há que dizer que não ocorreu um secularismo, ou
seja, uma total perda da dimensão transcendental e religiosa do ser humano. O que tem ocorrido
é um surto do sagrado, que é conhecido até nos países mais desenvolvidos. No entanto, ocorre:

Uma real secularização no sentido da dificuldade de o homem e a mulher modernos integrarem as


experiências religiosas no conjunto de sua vida profissional, familiar e social. Sofrem de verdadeira cisão
interna. As experiências secularizadas e religiosas coexistem em suas pessoas de maneira paralela.
O sagrado já não é instância normativa, de referência, que integra as outras experiências e lhes dá
sentido. (LIBÂNIO, 2000, p. 45-46)

Tudo parece indicar que se pode viver uma


vida social pós-religiosa, isto é, uma experiência
pessoal e social desligada de uma confissão religiosa
(cristã, budista, islâmica etc.). Contudo, apesar do
aprofundamento da modernidade por influência do
hipercapitalismo, é surpreendente a sede de Deus,
sede da religião.
De repente uma experiência não institucionalizada,
mas desde a fé, a crença num Sagrado, o Transcendente
é algo perceptível na vida das pessoas. E mais ainda:

A história [...] parece que se deleita em zombar de nossas previsões científicas. Quando tudo parecia
anunciar os funerais de Deus e o fim da religião, o mundo foi invadido por uma infinidade de novos deuses
e demônios, e um novo fervor religioso, que totalmente desconhecíamos, tanto pela sua intensidade
quanto pela variedade de suas formas, encheu os espaços profanos do mundo que se proclamava
secularizado. [...] O fascínio pelo misticismo oriental, a ioga, o zembudismo, a meditação transcendental...
todos estes elementos fizeram cair por terra as previsões científicas acerca do fim da religião. Mudaram-se
as vestes. Frequentemente deixam-se de lado os símbolos ostensivamente religiosos. Mas sempre, de
uma forma ou de outra, é possível constatar no mundo humano e nos recônditos da personalidade a
presença obsessiva e incômoda das questões religiosas. (ALVES, 2006, p. 36-37)

124 Paulo Moacir Godoy Pozzebon | Luiz Augusto de Mattos


Ademais, o fenômeno religioso na sociedade se destaca por uma experiência plural, o
que significou mudar de lugar (não só nos templos) e foi vivido de várias formas (não apenas
convencional). É vivida a experiência religiosa desde a esfera privada e a social.

A religião se mantém ainda na atualidade, e não só como fenômeno, mas também como força social,
só que agora sob uma forma fortemente subjetivada e, por conseguinte, muito diversificada. Trata-se
de uma religião mais sutil, mais livre e mais emocional. E nem falemos das formas degradadas de
religião (que vão desde o charlatanismo até o satanismo), nem das formas camufladas (sob o disfarce
do culto do corpo, do esporte, dos ídolos da música e por aí vai). Sob todas essas formas, a religião
se mostra presente e viva na sociedade por certo jogo de esconde-esconde muito mais esperto que
a pretensa esperteza intelectual de seus especialistas. (BOFF, 2015, p. 428)

Enfim, dizer que a religião é uma ilusão ou que vai desaparecer significa não compreender a
importância da experiência religiosa para o ser humano, preferencialmente para os mais vulneráveis
e desprovidos de cuidados da sociedade.

E é quando a dor bate à porta e se esgotam os recursos da técnica que nas pessoas acordam os viventes,
[...] surgem então as perguntas sobre o sentido da vida e o sentido da morte, perguntas das horas de
insônia e diante do espelho... O que ocorre com frequência é que as mesmas perguntas religiosas
do passado se articulam agora, travestidas, por meio de símbolos secularizados. Metamorfoseiam-se
os nomes. Persiste a mesma função religiosa. Promessas terapêuticas de paz individual, de harmonia
íntima, de liberação da angústia, esperanças de ordens sociais fraternas e justas, de resolução das lutas
entre os homens e de harmonia com a natureza... serão sempre expressões dos problemas individuais
e sociais em torno dos quais foram tecidas as teias religiosas. (ALVES, 1981, p. 11-12)

Há que se compreender que a essência da religião não se reduz a uma ideia, mas tem a ver com
força. O crente que entra em comunhão com Deus se torna mais forte, para suportar o sofrimento
e as lutas do cotidiano. Por isso, o sagrado não tem a ver com um saber, e sim com o poder.
O que se constata é que a religião não terá fim, pelo menos enquanto na Terra existir o ser
humano. Ou melhor, enquanto existir sociedade, a religião não desaparecerá. A religião é resposta
diante do não sentido, ou alento para o “suspiro do oprimido”.

Por isto a religião permanecerá até o fim. Como esperança e como protesto, como símbolo que
informa o homem da incompletude e definitiva de sua própria condição, como consciência de que tal
sociedade ainda não chegou e nunca chegará. (ALVES, 1987, p. 100)

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 125


2 A EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL E MÍSTICA
Todo ser humano, independente de religião e Igreja,
deve cultivar a experiência do Espírito. E espiritualidade
tem a ver com “espírito”. Viver espiritualmente implica viver
no “espírito”, seja bom ou ruim. E o espírito não é alguma
“coisa” que está fora do mundo, da matéria, do corpo. Ele
permeia toda a realidade como vida, força, ação liberdade,
construção...
A experiência espiritual e mística dá ao ser humano
vigor, entusiasmo, boa-vontade para amar. Ao mesmo tempo,
o Espírito interpela, encoraja, provoca à novidade, lança ao
crescimento e à criatividade. Por isso, o “espírito de uma
pessoa é o profundo e dinâmico de seu próprio ser: suas motivações maiores e últimas, seu ideal, sua
utopia, sua paixão, a mística pela qual se vive e luta e com a qual contagia” (CASALDÁLIGA, 1998, p. 8).
Além disso, a espiritualidade de uma pessoa humana será o “feitio de sua própria humanidade”.
A experiência no e segundo o Espírito se dá a partir de algumas características fundamentais,
pelo fato de ela tocar a pessoa e a realidade na sua totalidade. Leonardo Boff (1993) destaca as
seguintes características:

Globalidade: Uma primeira característica é a globalidade – a experiência do


divino, do transcendente permeia toda a realidade. Tem a ver com tudo que
existe, com o todo da vida e da história. Consegue vivenciar a presença de Deus
no espaço do sagrado e no espaço secular;

Dinâmica Integradora: Uma segunda característica corresponde à


dinâmica integradora de todas as dimensões da vida. Isso quer dizer
que a experiência religiosa não é separada da razão, do corpo, do
cotidiano, ou da história. No contexto da experiência religiosa, tudo tem
a ver com o sagrado, pois tudo é permeado pela presença da divindade.
(BOFF, 1993, p. 64).

Diafania: Uma terceira característica diz respeito à diafania, isto é,


a transparência. Deus aparece através do homem e do mundo. A
experiência do divino se dá na mediação de todas as experiências
humanas. Tudo que existe possui uma realidade mistérica.

FONTE: Boff (1993, p. 64)

Esta experiência mística e religiosa é patrimônio de todos os seres humanos.

126 Paulo Moacir Godoy Pozzebon | Luiz Augusto de Mattos


Toda pessoa está animada por uma espiritualidade ou por outra, porque todo ser humano – cristão ou
não, religioso ou não – é um ser também fundamentalmente espiritual. Toda mulher e todo homem
são mais do que biologia pura. É esse algo mais, muito mais, que os distingue do simples animal. [...]
Perder essa dimensão profunda é deixar de ser humano, é embrutecer-se. (CASALDÁLIGA, 1998, p. 9)

Enfim, quanto mais uma pessoa vive e age à luz da experiência espiritual, mais poderá
cultivar opções profundas, grandes sonhos, valores éticos, responsabilidade com a humanidade.
A espiritualidade, por ser o mais profundamente humano, seria o que mais a pessoa tem para ser
à semelhança de Deus. E mais,

“Não é a religiosidade quem faz a verdade ou a mentira de uma vida humana, mas a autenticidade
dessa mesma vida. ‘Em espírito e verdade quer ser adorado o Pai’, recordava Jesus à Samaritana,
junto ao poço de Jacó (Jo 4, 23)” (CASALDÁLIGA, 1998, p. 10).

Para a pessoa humana mística, espiritual, o ordinário (o doméstico, o cotidiano, o dia a dia) é
o lugar por excelência para um verdadeiro encontro com Deus. É numa experiência de abertura à
presença do outro, sobretudo do outro necessitado (Mt 25), e com uma comunhão, uma solidariedade
e uma sensibilidade profunda com toda a realidade, que se pode viver o Encontro com o Amor
e a Vida humanizada. O Sagrado, o Transcendente, o Deus da Vida é revelação, manifestação na
experiência da generosidade, da misericórdia, da justiça, da comensalidade.

3 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA OU VIVÊNCIA DO AMOR


Toda experiência do Divino, do Transcendente, ou melhor,
do Deus que é vida para nossa vida, tem que colocar na
prática a experiência do Amor, porque Deus é amor. “Quem
não ama não conhece a Deus” (1Jo 4, 8). Nesse sentido, é
possível dizer que:

“Diante de Deus, se não há a caridade, a religião é inútil”. A religião não é necessariamente prática de
amor, e pode estar totalmente alheia ao amor, como Jesus bem explicou no capítulo 23 de Mateus. Aí
fica muito claro que a religião pode ser obstáculo ao amor, fechamento da pessoa e das instituições ao
amor. A religião precisa de conversão ao evangelho. Pessoas muito religiosas podem ser egoístas,
cruéis, arrogantes, dominadoras, orgulhosas; e as próprias instituições religiosas podem ser de poder,
de cobiça, de egoísmo e de autoritarismo. A religião torna-se um perigo quando esconde o vazio de
amor, a carência de esperança e de fé verdadeira. (COMBLIN, 2004, p. 222-223)

O Evangelho convoca, interpela, provoca a uma vida de humildade, serviço-amor e justiça.


O importante é que a experiência religiosa favoreça à humanidade uma experiência do Deus
que é vida para todos os povos.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 127


Em Jesus se concretizou o grande acontecimento que marcou definitivamente a história das tradições
religiosas da humanidade. No homem Jesus, o divino fundiu-se com o humano, de tal modo que, a
partir de Cristo, ficou demonstrado que Deus é diferente do que se supõe. Porque o distintivo mais
profundo de Deus não é sua divindade (que nem sabemos o que é, nem podemos sabê-lo), mas sim
sua humanidade. Sem dúvida, nisso está radicado o mistério profundo de Deus que, sem deixar de ser
o Transcendente, é a realização mais plena e mais profunda da humanidade. (CASTILHO, 2010, p. 30)

De acordo com a compreensão de Deus que se tem é que se vive; ou seja, se tenho uma
representação de um Deus autoritário, juiz, castigador, patriarcal... Com certeza que minha vivência
com o outro terá o reflexo dessa representação de Deus. Uma vida assumida a partir do Deus
humanizado e vivida de acordo com esse Deus é a única vida que hoje pode ser sinal e compromisso
de humanização para o mundo.
O que importa é a experiência do amor. A experiência religiosa tem que estar a serviço do
compromisso de amor; vale dizer, vivenciar o Evangelho.

A religião é boa se serve para manter a memória de Jesus, para preparar a acolhida do evangelho ou
para estimular a fidelidade. Mas a religião pode também ocultar o evangelho, tornando-o a si própria
a sua finalidade. Então ela transforma a sua doutrina numa mitologia, os ritos num formalismo e a
instituição num instrumento de poder. A religião vale se está a serviço do evangelho, mas é nociva se
ela se torna a si própria como o seu fim. [...] Só Deus salva e salva pela prática do evangelho. Toda
religião deve estar subordinada a essa fé e não substituí-la por outra fé. Nenhuma religião salva porque
somente Deus salva, e salva gratuitamente. (COMBLIN, 2012, p. 97)

Viver o Seguimento de Jesus é praticá-Lo na história. É adentrar no caminho Dele, atitude que
significa viver o amor-misericórdia, a solidariedade-afetiva e efetiva, não como sentimento, mas
como agir concreto. O que importa é praticar a verdadeira religião:

“Se alguém pensa ser piedoso, mas não refreia a língua e engana o seu coração, então é vã a sua
religião. A religião pura e sem mácula aos olhos de deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas
nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo” (BÍBLIA, Tg 1, 26-27).

4 O DESAFIO DO FUNDAMENTALISMO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO


Atualmente, a civilização mundial é atravessada pelo fenômeno do fundamentalismo em duas
características: a religiosa e a secularizada. O fenômeno do fundamentalismo é responsável por
muitos tipos de violência, discriminação, falta de diálogo
entre as religiões e os povos, xenofobia, guerras em
vários países.
O fenômeno do fundamentalismo é encontrado
em vários cenários: nas religiões, nas Igrejas, na política,
nas relações econômicas, nas ciências etc. Ocorre o
fundamentalismo quando o ser humano, a instituição,
o pensamento hegemônico, o poder técnico-científico,
as ciências etc. se apresentam com postura absoluta,
irreversível, impositiva, não cabendo o diálogo, a
reciprocidade, a tolerância, a pluralidade.

128 Paulo Moacir Godoy Pozzebon | Luiz Augusto de Mattos


O fundamentalismo não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir
a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre
cambiante da história, que obriga a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter
sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto
ao seu ponto de vista. (BOFF, 2002, p. 25)

Trabalhar por uma civilização mais humanizada, onde todos os seres humanos e natureza
serão respeitados, implica superar a realidade fundamentalista que é encontrada por toda a Terra.
A atual globalização capitalista é força e “imperativo” imposto pelo primeiro-mundo a partir de
um fundamentalismo que se assenta na política de um Mercado totalitário. O Mercado proclama:
“fora de mim não há salvação” – se considera legítimo e todo-poderoso. A política imperialista,
neo-colonialista que se impõe sobre os povos e os países mais pobres da Terra, tem a ver com um
fundamentalismo guerreiro, conquistador que pratica uma geopolítica desumanizadora, desapiedada
e cruel.

5 A EXPERIÊNCIA DE FÉ E AS IDOLATRIAS
A atual situação de insensibilidade e de exclusão em relação a dois terços da humanidade
tem a ver com a experiência de fé.

O problema não é ter fé, mas, sim,


em quem temos fé?

Quem é nosso Deus?

Em que ou em quem colocamos nossa


Esperança?

O que significa vivenciar uma fé anti-idolátrica?

Como vivenciar a fé a partir do amor, preferencialmente dos que sofrem?

A sociedade contemporânea tem uma causa responsável pelo sofrimento dos seres humanos
e pela destruição da natureza. Ou seja, a policrise (crise de múltiplas dimensões: ecológica, social,
política, financeira, ética etc.) que atravessa a humanidade e que tem levado a situações assustadoras
(terrorismo; migrações dos povos pobres; refugiados; fome; miséria; exaustão dos recursos naturais;
guerras etc.) tem como um fator importante para o seu desencadeamento a crise antropológica.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 129


“Há uma crise antropológica profunda: a negação da
primazia do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração
do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32,1-35) encontrou
uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na
ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo
verdadeiramente humano” (FRANCISCO, 2013).

A experiência de uma fé idolátrica é preocupante porque os ídolos exigem sacrifícios de vidas


humanas e da natureza, em nome do progresso, do bom consumo ou do bem-estar. Inclusive, a
idolatria leva a perder a esperança no Deus da vida, a legitimar a morte do próximo.
A idolatria se dá pelo culto ao dinheiro, consumo, poder, ter etc. O ser humano endeusa essas
realidades e se submete a elas. Pelos ídolos se faz qualquer coisa!
Há um consenso em dizer que o problema no Continente latino-americano não é o ateísmo,
mas, sim, a idolatria:

Na América Latina de hoje, o problema central não é a questão do ateísmo, o problema ontológico da
existência ou não existência de Deus. [...] O problema central está na idolatria como culto aos falsos
deuses do sistema de opressão. Mais trágico que o ateísmo é o problema da fé e da esperança nos
falsos deuses do sistema. Todo sistema de opressão caracteriza-se precisamente por criar deuses e
gerar ídolos sacralizadores da opressão e da antivida. [...] A busca do Deus verdadeiro nessa luta dos
deuses leva-nos ao discernimento anti-idolátrico dos falsos deuses, dos fetiches que matam e de suas
mortais armas religiosas. A fé no Deus libertador, no Deus que revela seu rosto e seu mistério na luta
dos pobres contra a opressão, passa necessariamente pela negação e a apostasia dos falsos deuses.
A fé torna-se anti-idolátrica. (DEI, 1982, p. 7)

O problema é que os ídolos são deuses que sobrevivem às custas de sacrifícios de vidas
humanas e da natureza.
IMPORTANTE

A grande questão é esta: como vivenciar uma Fé no Deus da vida diante de tantos
deuses? Uma fé anti-idolátrica que se opõe a uma experiência que legitima o
sofrimento, a exclusão e a morte dos pobres e vulneráveis. Estar na defesa e promoção
dos “últimos” deve ser o critério para o discernimento de uma fé que não comunga
da idolatria reinante, e nem legitima o genocídio e o ecocídio.

130 Paulo Moacir Godoy Pozzebon | Luiz Augusto de Mattos


O que importa é cultivar uma fé que seja:

o grito fundo que me acorda do torpor egoísta e me faz perguntar pelo outro, por meu vizinho, por minha
filha, pela criança caída na estrada... Outras vezes está na pura beleza da aurora de um novo dia, ou no
entardecer luminoso de certos dias de outono ou num sorriso ou num olhar que desmancha nosso coração
de prazer. Por isso espero... Que o coração não seja soberbo e ganancioso. Que nos eduquemos para
desequilibrar a instável balança de nossa vida, para não destruir a beleza que nos rodeia, para não ficar
indiferente à dor alheia, para não sermos os únicos a participar do banquete de maravilhas que a Terra azul
nos oferece. Minha fé e minha esperança se encontram, se dão as mãos, se assemelham, se misturam, se
atraem, se conflitam, vivem uma da outra. [...] Sim eu creio, tenho fé e espero... No pão partilhado de cada
dia, na acolhida ao estrangeiro, no cuidado ao órfão e ao velho, ao drogado e ao alcoólatra, às vítimas de
tantas guerras... Eu creio, apesar do real escurecido que meus olhos vêem hoje... [...] O provisório da vida
é o chão que pisamos e, é nele, que a fé e a esperança crescem. Por isso, a fé e a esperança nas coisas
pequenas e aparentemente insignificantes nutrem a... vida, fazem... vida, sustentam... vida. (GEBARA, 2015)

A experiência religiosa tem que ser vivenciada à luz de uma fé que ilumina, ampara, motiva,
encoraja a seguir vivendo na esperança e no compromisso por um mundo onde todos serão
acolhidos no banquete do amor, da justiça, da liberdade e da paz.

CONCLUSÃO

Nesta Unidade, vimos alguns pontos importantes, como:


a) O fenômeno religioso, que se manifesta de múltiplas maneiras e lugares, está presente
em todas as sociedades, mesmo naquelas que pretendem se livrar dele. No último meio
século, quando a religiosidade parecia se extinguir nos povos ocidentais, reapareceu sob a
forma de novas crenças e manifestações, muitas vezes desligadas das religiões tradicionais
e mesmo, algumas vezes, recusando o adjetivo “religioso”.
b) A espiritualidade é a vida humana conduzida à luz da experiência espiritual da vida humana. Não
se desliga das coisas e atividades comuns, mas procura nelas a possibilidade de se encontrar
com o divino. Contudo, é numa experiência de abertura à presença do outro, sobretudo do
outro necessitado, que se pode viver o encontro com o divino que humaniza a vida.
c) Encontramos atualmente dois tipos de fundamentalismo: o religioso e o secularizado (na
política e nas relações econômicas, por exemplo). Todas as formas de fundamentalismo
adotam postura de absolutização de suas posições e de recusa do diálogo e da busca
do entendimento. O resultado sempre é a violência. Trabalhar por uma civilização mais
humanizada, onde todos os seres humanos e natureza serão respeitados, implica superar
todas as formas de fundamentalismo.
d) A experiência de uma fé idolátrica se encontra em toda parte sob a forma de culto ao
dinheiro, ao poder etc. Isto preocupa, pois resulta em sacrifícios de vidas humanas e da
natureza, em nome do progresso, do bom consumo ou do bem-estar.
Todos esses pontos são chaves de leitura que podemos utilizar para interpretar as manifestações
religiosas na sociedade em que vivemos e buscar experiências que permitam o encontro com o
divino e com o outro e, por isso, sejam verdadeiramente humanizadoras.

Estudos do Ser Humano Contemporâneo 131


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132 Paulo Moacir Godoy Pozzebon | Luiz Augusto de Mattos

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