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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 130
TÍTULO: ESCOLA DE ESPIÃS
CAPA: BENICIO
AUTOR: MIKE STANFIELD
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1981
PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 60,00
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

DISPONIBILIZAÇÃO
BOLSILIVRO-CLUB.BLOGSPOT.COM.BR
Bolsilivro-club@bol.com.br

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ESCOLA
DE
ESPIÃS
MIKE STANFIELD

Capa de BENICIO

PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE

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EDITORA MONTERREY LTDA.
Rua Visconde de Figueiredo, 81
Caixa Postal 24.119 — ZC-09
20550 TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ
Fones: 234-8398 e 248-7067
------------------------------------------------------------

© EDITORA MONTERREY LIMITADA


MCMLXXXI Publicação no Brasil
Composto e Impresso pela
GRÁFICA LUX LTDA.
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer
semelhança terá sido mera coincidência.

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PRÓLOGO

— Miss McCroy, sua correspondência pessoal acaba de


chegar.
— Está bem, Eveline. Pode trazê-la.
Marjorie McCroy desligou o interfone com um gesto
elegante. Levantou-se e, caminhando alguns passos,
postou-se em frente das amplas janelas de seu magnífico
escritório, no trigésimo sétimo andar do Nantucket
Building, entre a Rua 14 e a Sexta Avenida, em Nova
Iorque.
Era um belo dia verão. Dez horas da manhã. O sol
brilhava cálido sobre as águas tranquilas do East River. Lá
embaixo, na Sexta Avenida, as pessoas caminhavam em
passo rápido, comprimindo-se nas calçadas, confundindo-
se e plasmando-se numa massa humana homogênea e
despersonalizada.
Marjorie McCroy sorriu. Sentia-se satisfeita. Muito
satisfeita consigo mesma. Olhar as pessoas do alto de trinta
e sete andares dava-lhe uma reconfortante sensação de
superioridade, suficiência e poder. O mesmo poder que
perseguira tenazmente durante quarenta e cinco anos,
durante toda a sua vida.
Claro, não fora fácil. Tivera que empreender árduas
lutas, vencer batalhas, lutar contra tudo e contra todos,
enfrentar terríveis barreiras de preconceitos, pelo fato de ser
mulher. Mas, pouco a pouco, chegara aonde pretendia. Era

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agora a todo-poderosa diretora-presidente da Electronic
Crafts Dynamics, Inc., um dos conglomerados industriais
mais vigorosos do mundo. Encerrada em seu amplo e
luxuosíssimo escritório, no coração de Nova Iorque, como
se estivesse postada no interior de uma torre de marfim,
Marjorie McCroy manipulava uma organização com vinte
mil funcionários, controlando indústrias em trinta países do
Ocidente. Dispunha de todo o poder que sempre desejara
possuir, a força do dinheiro e da influência.
Evidentemente, criara uma legião de inimigos durante
todos esses anos. Trapaças e jogadas sujas constituíam um
recurso do qual hesitara em lançar mão, nos primeiros
tempos. Depois, habituara-se e tornara-se insensível às
desgraças que ia fomentando em sua escalada em direção
ao sucesso. Afinal este era o preço do Poder.
A entrada de Miss Eveline, sua secretária particular,
veio arrancar Marjorie McCroy de seus agradáveis
devaneios.
— Eis aqui sua correspondência de hoje, Miss McCroy.
Chegaram mais cartas que o normal.
De frente para as enormes janelas panorâmicas, as mãos
cruzadas às costas, a diretora-presidente respondeu, sem se
voltar:
— Pode deixar sobre a mesa, Eveline.
A secretária cumpriu a ordem, deixando o volumoso
maço sobre a mesa, junto ao cortador de papéis.
— Mais alguma coisa, Miss McCroy?
— Não, obrigada. Pode retirar-se.
Marjorie McCroy permaneceu imóvel após a saída da
secretária. Contemplava a cidade e as pessoas a seus pés.
Não tinha dúvidas de que aquele seria um dia agradável.
Permaneceu ainda uns cinco minutos imersa em suas
reflexões. Depois, com um suspiro de satisfação,

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encaminhou-se de volta à grande mesa de trabalho,
começando a abrir os envelopes com o cortador de papéis
de prata e a ler as cartas com evidente desinteresse.
Exatamente como ela pensara. Pedidos, pedidos e mais
pedidos. As pessoas não deixavam em paz uma mulher
como ela, uma vencedora. Lançando mão dos mais diversos
pretextos, tentavam a todo custo extorquir-lhe quantias
apreciáveis. Entidades filantrópicas, casas de beneficência,
assistentes sociais. Convites para o jantar de adesões ao
comitê de candidatura do Senador Raymonds, de Michigan,
exposições de arte, desfiles de moda, recepções em
embaixadas, coquetéis exclusivos para o jet-set...
Seus lábios se contraíram num sorriso maligno. Não,
aquelas pessoas, como de hábito, não receberiam um
centavo sequer do seu dinheiro.
Era incrível como insistiam nisso, ano após ano. De
mais a mais, providenciar o seu próprio bem-estar já não era
uma empreitada fácil. McCroy considerava inútil e ocioso
sequer pensar em auxiliar o próximo. Os outros que se
virassem, como ela o fizera.
Alguns envelopes timbrados, cujo conteúdo ela já
conhecia de cor, iam direto para a fragmentadora de papéis,
sem que a diretora-presidente se dignasse sequer a abri-los.
Porém, um dos envelopes despertou vivamente a sua
curiosidade. Grande e pardo, parecia conter algo
relativamente volumoso. Procurou os dados do remetente
no verso. Um tal de Mr. Duncan Lloyd, de Los Angeles,
Califórnia. Nunca ouvira falar no sujeito. No entanto
McCroy acostumara-se a tomar decisões rápidas. Tempo é
dinheiro. Pouquíssimas vezes na vida tomara decisões
erradas. E a sua curiosidade venceu.
Rapidamente, aplicou o gume do cortador de papéis ao
fecho do envelope.

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Foi puro instinto. Uma espécie de sexto sentido. Ao
vislumbrar, por um milésimo de segundo, a quase
imperceptível centelha nas bordas do papel, teve a nítida
intuição de que tomara a decisão mais errada de toda a sua
carreira. E também a última.
Com um misto de pavor e ódio, seu cérebro calculou
exatamente o que se passava naquele intervalo infinitesimal
de tempo. Os fios finíssimos e transparentes, cortados pelo
gume da faca, ativaram a corrente elétrica na direção da
bomba plástica contida no envelope.
A explosão foi brutal.
Atingido pela força espantosa da expansão dos gases, o
corpo de Marjorie McCroy foi violentamente arrancado do
chão e chocou-se contra o teto do escritório.
A parede divisória da sala de recepção desabou
estrepitosamente, soterrando Miss Eveline e matando-a
instantaneamente.
As grandes janelas panorâmicas, estilhaçadas,
simplesmente desapareceram, tombando em cacos na Sexta
Avenida, trinta e sete andares abaixo.
Em um segundo todo o Sucesso e o Poder enfeixados
nas mãos de Marjorie McCroy, diretora-presidente da
Electronic Crafts Dynamics, Inc., transformaram-se,
literalmente, em fumaça e cinzas.

***

O homem trajado esportivamente estava nervoso e


preocupado. Mais do que desejaria deixar transparecer. Mas
era inevitável. Enfrentava uma das situações mais estranhas
e desagradáveis de toda a sua vida.
— Tom, querido — dissera sua mulher, dois dias antes
—, é inútil aborrecer-se por causa disso. Não vai resolver

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nada. O melhor que temos a fazer é adiantar o nosso
programa de férias. Em vez de aguardarmos ainda dois
meses, podemos preparar tudo agora mesmo para o nosso
cruzeiro pelas Bahamas. Chamaremos os Reed para nos
acompanhar, você deixará os negócios da firma com o vice-
presidente, e nós poderemos desfrutar tranquilamente de
quinze dias de sol e mar. Acho que é o que devemos fazer.
Ele relutou um pouco mas terminou por concordar. Na
verdade, não conseguia encontrar alternativa melhor. E, de
qualquer modo, seria sempre uma fuga agradável aos
problemas que o afligiam.
Agora, sentado a uma das mesas do exclusivo Palm
Beach Sea Club, observando o mar e saboreando em largos
tragos um daiquiri, sentia suas preocupações renascerem. A
pressão estava se tornando insuportável.
Um garçom aproximou-se de sua mesa, situada no
amplo terraço construído sobre o mar. Com um gesto, o
homem solicitou mais um aperitivo. Ficou olhando para as
belas garotas que circulavam, trajando exíguos biquínis,
sem, contudo, prestar atenção alguma no que via.
Levantou-se à chegada de sua mulher.
— Oi, Tom.
— Tudo bem? Onde foram parar os Reed?
— Foram diretamente para o embarcadouro, querido.
Jarvis disse que está tudo pronto: combustível, provisões,
instrumentos, plano de navegação... podemos partir
imediatamente, se você quiser.
O homem de bermudas e camisa de gola olímpica
deixou uma nota de dez dólares sobre a mesa e acompanhou
a mulher até o embarcadouro do Palm Beach Sea Club,
exclusivo para os sócios, onde se encontrava o seu
magnífico iate de cento e vinte pés. Os possantes motores
já haviam sido postos em funcionamento por Jarvis, o

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comandante, e os dois marinheiros recolheram a passarela
de embarque logo após o proprietário do iate e sua mulher
terem subido a bordo.
Os motores foram acelerados e o enorme barco afastou-
se rapidamente do ancoradouro do clube, demandando o
alto-mar, rumo ao leste.
Do alto de um mirante, cerca de uma milha distante do
clube, a jovem morena de corpo espetacular acompanhava
atentamente, com um binóculo, o movimento do iate.
Longos cabelos negros, pele bronzeada, corpo
voluptuoso e escultural, a garota parecia ser apenas uma
bela turista, apreciando a vista do mar de Palm Beach.
Quando o iate do milionário Tom já se encontrava a
cerca de três milhas da costa, ela decidiu-se subitamente a
bater algumas fotos. Pelo menos, era o que parecia.
Pousando o binóculo no banco dianteiro do carro
esporte, empunhou a câmera fotográfica. Delicadamente
seu dedo indicador pressionou o botão disparador.
Lá longe, no mar, ouviu-se a tremenda explosão. Por
breves instantes o intenso clarão, mais violento que a luz do
sol, obrigou a jovem morena a fechar os olhos com força.
Em pouco tempo o iate do milionário, transformado num
monte de escombros enegrecidos, naufragava com todos os
seus tripulantes e passageiros, sendo sepultado sob as
ondas.

***

Já anoitecia. O imponente Mercedes-Benz negro


deslizava suavemente pela Rodovia Estadual 61, entre
Duluth e Minneapolis.
Um dos passageiros, homem de seus sessenta anos,
envergando um black-tie de corte italiano que assentava

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perfeitamente ao seu corpo alto e magro, esmagou a ponta
do caríssimo charuto cubano no cinzeiro. Abriu então a
portinhola almofadada do bar, dissimulada no lado
esquerdo do espaçoso banco traseiro do automóvel. Retirou
uma garrafa de scotch e, sempre em silêncio, serviu-se uma
dose generosa, enquanto estendia outro copo a seu
companheiro, um homem bem mais jovem.
Sorveu com prazer um gole do uísque. Esteve pensativo
por uns instantes e então, num gesto abrupto, agarrou o
telefone, discando o número de chamada.
— Telefonista? Quero uma ligação de pessoa a pessoa
com Mr. Stratford Lewis. O número é RLS 72-44. OK. Eu
espero.
O homem mais jovem voltou-se no banco.
— Não devia fazer isto, Mr. Compton. Não devemos
desobedecer às instruções recebidas.
O senhor de black-tie fitou fixamente seu interlocutor.
— O que quer dizer com isto, Al? Que mais eu posso
fazer? O que você me sugere?
— Ouça, Mr. Compton, dê-me mais algumas horas.
Deixe-me cuidar do caso a meu modo. Quando chegarmos
a Minneapolis, tudo se esclarecerá e poderemos tomar
decisões mais acertadas. Tudo o que lhe peço é que não
ligue ainda para Mr. Lewis. É cedo demais e poderá nos
acarretar problemas terríveis.
Arthur Compton III ouviu a voz da telefonista
anunciando que completara a ligação. Em vez de atender,
voltou a cabeça para trás. Tudo bem. Lá estava a sua
escolta, num outro Mercedes negro. Quatro agentes de
segurança viajavam atrás dele. Seria muito difícil
surpreendê-lo.
Desligou o telefone.

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— Vou lhe dar uma chance, Al. Mas só até as onze da
noite. Se até lá não tiver conseguido nada, eu agirei do meu
modo.
O outro emitiu um suspiro.
— Muito obrigado, Mr. Compton.
Então os olhos de Arthur Compton III abriram-se
desmesuradamente. Acabara de ver, ao mesmo tempo que
o motorista, o carro atravessado na estrada, ocupando a
extensão das duas pistas. Sua voz, embargada pelo susto,
ecoou simultaneamente à brusca freada:
— Desvie, Freddy! Desvie! Vamos bater!
Mas Freddy, o motorista, não conseguiu evitar o outro
carro. Pisou fundo no freio e deu um golpe de direção,
sendo que o único efeito desta manobra foi fazer o
Mercedes negro derrapar e colidir de frente com o barranco
ao lado da estrada.
Então o impossível aconteceu. Enquanto Compton e
Freddy, estonteados pelo choque e pela surpresa, tentavam
sair do interior do carro, o veículo em que viajavam os
quatro agentes de segurança conseguia parar a alguns
metros do automóvel atravessado na estrada.
Imediatamente ouviu-se o matraquear de metralhadoras. Os
clarões partiam de dentro do carro parado. Em alguns
segundos os quatro agentes de segurança estavam mortos,
sem ter tempo sequer para sacar suas armas.
Arthur Compton III estava lívido, completamente
desorientado. Não conseguia atinar com o que estava se
passando. Foi então que viu a automática surgir nas mãos
de Al, como num passe de mágica.
— Que... que é isso, Al?
— Adeus, Mr. Compton — sorriu Al, com uma
expressão sinistra.

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Duas balas alojaram-se no peito do homem elegante,
fazendo-o estremecer violentamente e tombar com o tronco
fora do carro. Outra bala no peito liquidou o aturdido e
espantadíssimo Freddy.
Al saltou agilmente por sobre o cadáver de Compton e,
ainda com a automática na mão, correu para o carro
atravessado na estrada, que agora já começava a manobrar,
completado o trabalho. Abriu a porta traseira e lançou-se
para dentro do veículo, enquanto este, com um violento
ranger de pneus, arrancava em alta velocidade.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

A dama de ouros

O tipo alto, louro e bonitão emitiu uma sonora


gargalhada. Encostou as mãos na borda da mesa e afastou a
cadeira giratória, de modo a poder rir mais livremente. O
homem em pé diante da mesa não gostou e fechou a cara.
— Olhe, Horace, estou cheio dessa sua secretária. Cada
vez que venho aqui vê-lo ela me encara como se fosse um
oficial da Gestapo investigando um suspeito, e eu tenho que
passar pelo crivo censor da infeliz antes de poder entrar em
sua sala. Minha paciência já se esgotou.
Ainda rindo, o louro atlético fez um gesto com as mãos,
como a pedir trégua.
— Acalme-se, Mr. Lattuada. Você conhece Miss
Marble. Ela o vê como um misterioso habitante do
submundo do crime, sempre pronto a me envolver nas mais
terríveis trapalhadas. Não posso dizer a ela que você é um
dos diretores da CIA e meu chefe direto, não é mesmo?
— Eu sei. Mas essa história de dizer que você tinha
viajado para a China Comunista e só voltaria no ano que
vem irritou-me profundamente. Tive de conter-me para não
estrangular a diabólica mulherzinha.
— Sente-se, Mr. Lattuada. Tenha calma. Bolei um
plano infalível para fazer com que minha secretária, Miss
Ventura Marble, receba-o derretendo-se em sorrisos da

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próxima vez que você vier ao meu escritório sob a
identidade de Mr. Smith, indivíduo nebuloso do qual
ninguém sabe nada.
— Ah, é? — fez o diretor da CIA, mastigando as
palavras. — E que plano mirabolante é esse?
— Simples. Vou enviar a ela quatro dúzias de rosas
vermelhas, acompanhadas de um cartão romântico com a
sua assinatura.
Mr. Lattuada estremeceu.
— Cartão romântico? Só se for um cartão-bomba.
Estalou os dedos e levou o indicador à testa.
— Por falar em cartão-bomba, vamos direto ao assunto
que me trouxe aqui. Não podemos perder mais tempo. Veja
isto, Horace.
Mr. Lattuada depôs sobre a mesa um volumoso dossiê.
Horace Young Kirkpatrik, um rapagão de quase dois
metros de altura e cara de galã do cinema, era conhecido
por todos como um playboy alegre e inconsequente,
possuindo uma grande série de atrativos para as mulheres:
simpático, rico, presidente da K.K.K Steel, Ltda., um dos
mais poderosos consórcios de usinas de aço do mundo
inteiro. Mas, além disso, Horace Young Kirkpatrik era
também o supersecreto agente 77Z da Central Inteligence
Agency dos Estados Unidos, sendo que muito poucas
pessoas conheciam esta outra faceta das suas atividades.
Uma dessas poucas pessoas era o seu chefe, Mr. Lattuada,
um dos diretores da organização de espionagem americana
e responsável pelo Departamento 77 da CIA. Às vezes,
Kirkpatrik, sob a denominação em código de Máscara
Negra, atuava também pelo DCA (Department of Couvert
Activities), um dos departamentos mais reservados da CIA.
Kirkpatrik começou a folhear o dossiê, enquanto seu
chefe prosseguia:

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— Na verdade, Horace, este constitui um dos casos
mais estranhos e intrincados que já tivemos em mãos.
O playboy louro acendeu um cigarro aromático e
estendeu a caixa a seu chefe, que, após inalar a fumaça,
começou a explicar o problema:
— Tudo começou em abril último, quando um
banqueiro e financista chamado Abraham Steinmetz
morreu em Chicago. Assassinado.
— Como foi isso?
— Uma coisa muito estranha. Steinmetz praticava
cultura física e ginástica numa academia da zona norte da
cidade. Certo dia, ao entrar na tina de hidromassagem, para
um relax, morreu eletrocutado.
— Puxa! Usou o método mais drástico para emagrecer!
— Não brinque, Horace. A coisa é séria. A polícia
metropolitana de Chicago investigou o caso e chegou à
conclusão de que alguém trocou a posição dos fios do motor
do aparelho, fazendo a corrente elétrica passar pela água da
tina. Steinmetz entrou e foi torrado. Não conseguiram
descobrir o assassino ou os assassinos, uma vez que ficou
provada a impossibilidade de tratar-se de um mero acidente.
A única pista é isto.
Mr. Lattuada retirou do bolso do paletó algo que cabia
perfeitamente na palma da sua mão. Só ao depositar o
objeto sobre a mesa de Kirkpatrik é que este percebeu do
que se tratava.
— Ora, chefe, agora é você quem está brincando! Uma
carta de baralho! E logo a dama de ouros!
— Sim. Foi encontrada no motor do aparelho de
hidromassagem. É um sinal que o criminoso deixou para
personalizar o assassinato.
— Que absurdo, Mr. Lattuada! Um facínora entendido
em eletricidade mata o tal do Steinmetz e deixa a dama de

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ouros como pista. Tudo bem. Mas o que isso tem a ver com
a CIA?
— Steinmetz era um agente da CIA.
— Como? — espantou-se o louro.
— Ele não era um agente de ação, um espião como
você. Era mais um... informante, vamos dizer assim. Um
homem nosso plantado nos meios bancários e financeiros,
onde conhecia tudo e todos. Informava aos nossos analistas
todas as tendências e manobras na área, deixando a Agência
sempre a par de todos os planos em andamento.
— O longo braço da CIA, hem?
— Isso mesmo. Não investigamos o caso de Steinmetz
no início, pois a morte dele poderia não ter nada a ver
conosco.
— Então seguiram-se outros crimes?
— Exato. O dossiê explica o caso detalhadamente, mas
vou fazer um breve resumo. A treze de maio, Lesley W.
Wellington, empresário no ramo de produtos químicos, foi
morto com um tiro na nuca em frente do portão de sua casa.
Como no crime de Steinmetz, Wellington também era um
industrial ligado à CIA. E também foi encontrada uma dama
de ouros ao lado do corpo.
— Que estranho senso de humor!
— A vinte e nove de maio, Marjorie McCroy, diretora-
presidente de um grupo de empresas ligadas à eletrônica,
foi liquidada por uma carta-bomba enviada ao seu
escritório. Em junho, foi a vez de Thomas B. Anderson
morrer. Seu iate explodiu quando ele se dirigia às Bahamas
com a mulher e alguns convidados. Sabotagem por controle
remoto, claro. Anderson tinha interesses em empresas de
mineração. E finalmente, ontem, foi encontrado o corpo de
Arthur Compton III, abatido a tiros em seu carro, na
Rodovia 61, em Minnesota.

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— Que massacre!
Ignorando o comentário de Kirkpatrik, Mr. Lattuada
esmagou a ponta do cigarro aromático no cinzeiro e
prosseguiu:
— Todos esses crimes estão relacionados entre si, de
algum modo. As cinco vítimas eram poderosos empresários
e industriais, que dispunham de muita influência em suas
áreas de atuação. Além disso, todos eles eram de algum
modo ligados à CIA, seja como informantes secretos, seja
como colaboradores eventuais. E, o que é mais conclusivo,
temos ainda o detalhe da dama de ouros, deixada em todos
os locais dos crimes. No atentado a Anderson, encontramos
a dama de ouros no embarcadouro do Palm Beach Sea Club.
Com o queixo apoiado na mão, em atitude meditativa,
Kirkpatrik lançava baforadas para o teto.
— Assunto meio complicado...
Mr. Lattuada abriu o dossiê numa determinada página.
— Veja bem, Horace: o crime de Steinmetz foi
investigado, a princípio, apenas pela polícia metropolitana.
Após a morte de Wellington, o FBI e nós entramos em ação.
Fizemos um trabalho completo. Vasculhamos tudo.
Circunstâncias dos atentados, vida pregressa das vítimas,
eventuais testemunhas, pessoas próximas aos locais dos
crimes, gente que pudesse de algum modo beneficiar-se
com as mortes... tudo, enfim. E a única informação de real
importância que obtivemos, de pessoas ligadas às vítimas,
foi de que elas ficaram extremamente nervosas alguns dias
antes dos atentados, em virtude de cartas que haviam
recebido.
— Hem? Cartas?
— Sim. Todas as vítimas, sem exceção, receberam uma
determinada carta três a quatro dias antes de morrer. E

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apenas mencionaram o fato com pessoas ligadas, sem
revelar o teor dessas cartas.
— Encontramos algumas dessas cartas?
— Não. Nenhuma delas foi encontrada. Sabemos
apenas que Arthur Compton III, pouco antes de morrer,
solicitou uma ligação telefônica para comunicar com Mr.
Lewis, o nome em código do nosso homem em
Minneápolis. Ao saber da morte de Compton, Lewis
conjecturou que talvez o industrial quisesse pô-lo a par do
conteúdo de uma carta desse tipo que recebera. No entanto
a ligação não foi completada, e Lewis, na verdade, está
sabendo tanto quanto nós.
— E quanto aos analistas da CIA, Mr. Lattuada? O que
dizem eles?
O diretor da CIA levantou-se da cadeira que ocupava e
deu alguns passos pelo escritório.
— Nossos analistas examinaram detidamente o modus
operandi dos autores dos atentados e chegaram a uma
conclusão que não nos é nada favorável.
— Qual? O caso é insolúvel?
— Quase isto. Eles concluíram que estamos lidando
com uma organização criminosa extremamente sofisticada,
que faz inclusive questão absoluta de dar a maior
publicidade possível aos seus atentados, usando o recurso
de identificar-se através do seu símbolo, a dama de ouros.
Provavelmente para assustar as próximas vítimas, que
devem estar recebendo agora novas cartas ameaçadoras.
— Estou entendendo. Eles pretendem atingir algum
objetivo, e enviam uma carta à vítima em potencial,
explicitando suas exigências, com a marca da dama de
ouros. O indivíduo, que já sabe do caso pelos jornais,
assusta-se e cede.

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— Correto. Mas o pior de tudo é o seguinte: segundo
nossos analistas, isto tudo não é obra de criminosos
organizados, e sim de perigosos espiões.
— É... dá para perceber...
— Em resumo, Horace, desta vez estamos mesmo
enfiados num beco sem saída. Qual o motivo dos atentados?
Que perigosa rede de espionagem inimiga é essa? Qual o
objetivo que eles pretendem atingir? Quais serão as
próximas vítimas, se é que os crimes continuarão?
— Muitas perguntas, chefe, e eu realmente não posso
respondê-las. Se você tentar Agatha Christie, talvez...
E prosseguiu, antes que o diretor da CIA tivesse tempo
de dizer algo:
— Sabe de uma coisa, Mr. Lattuada? Não leve a mal,
mas não estou gostando nem um pouco deste caso. Tudo é
misterioso, e não temos nenhum ponto de partida para
investigar. O que pretende, afinal, que eu faça?
— Sei lá, Horace. Isso é com você. A polícia, o FBI e a
própria CIA já trabalharam nele sem sucesso. Agora é a sua
vez. Afinal você é 77Z, e não eu. Por que não movimenta
seus contatos do submundo?
Kirkpatrik suspirou profundamente.
— Não... não. Ugly Joe ficou meio chateado comigo,
depois daquele caso do Menino Demônio... (*)

(*) Ver MENINO DEMÔNIO, vol. n.º 125 desta


coleção.

Mr. Lattuada abriu os braços, numa expressão de


desalento.
— Está bem. Você é quem sabe. Vou deixar o dossiê
com você, para que possa estudá-lo mais detidamente.

— 21 —
Qualquer dúvida, sabe onde encontrar-me. Até logo,
Kirkpatrik.
Nesse momento ouviu-se a chamada do interfone.
Kirkpatrik atendeu:
— Sim, Miss Marble?
— Mr. Kirkpatrik, acaba de chegar uma carta especial
para o senhor. Traz um carinho de urgente no envelope.
O agente 77Z olhou para Mr. Lattuada. Este assentiu
afirmativamente com a cabeça, enquanto tornava a sentar-
se.
— Pode trazer, Miss Marble.
Os dois homens aproximaram o rosto da carta que a
secretária depositou sobre a mesa de Kirkpatrik, olhando-a
desconfiados. Manipularam o envelope durante uns cinco
minutos, analisando-o detidamente. Por fim Kirkpatrik
resmungou:
— Parece limpa. Acho que não contém bombas.
— Abra-a e veremos se tem razão.
Com os olhos voltados para o céu, o agente fora de série
da CIA abriu o envelope, dele extraindo um papel dobrado
em quatro. Leu-o, enquanto seus lábios desenhavam um
sorriso irônico.
Mr. Lattuada tomou o bilhete das mãos de Kirkpatrik e
seus olhos se arregalavam à medida que lia:

Kirkpatrik,

Sabemos tudo a seu respeito.


Absolutamente tudo. Você está
condenado à morte. Sua única chance de
sobreviver é comparecer a Marsh Drive
2018 às quatro da tarde do dia 17. Se
faltar ao encontro ou divulgar esta

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mensagem nós saberemos e você
morrerá imediatamente. Nem pense em
avisar a polícia. Para provar que não
estamos blefando, enviamos em anexo a
lista completa das suas atividades. Você
não pode fugir. Destrua imediatamente
este bilhete.

Assinado: a dama de ouros.

— 23 —
CAPÍTULO SEGUNDO

Meio milhão de dólares

Exatamente à hora marcada Horace Young Kirkpatrik


chegava em frente do número 2018 de Marsh Drive.
Era a única pista de que dispunha para investigar a rede
de espionagem que se autodenominava dama de ouros. Um
encontro. Fora realmente um grande golpe de sorte receber
a carta ameaçadora dos criminosos.
E, ao mesmo tempo, fora muito azar. Porque a dama de
ouros não brincava em serviço, conforme os cinco
atentados anteriores podiam demonstrar. Haviam-no
condenado condicionalmente à morte. Mais uma vez o
agente fora de série da Central Intelligence Agency teria
que apelar para toda a sua capacidade profissional e contar
com uma boa dose de sorte para tentar sair vivo daquela
enrascada.
Kirkpatrik imediatamente avaliou o lugar. Uma velha
casa de cômodos, caindo aos pedaços. Os quartos eram
certamente alugados para finalidades indecentes, o que não
seria de admirar, considerando o aspecto daquela parte da
cidade.
Tocou a campainha e esperou. Foi atendido por uma
velhota horrível, de cabelos desgrenhados e cor indefinível,
que pelo jeito não conseguia dormir há dois meses.
Kirkpatrik armou seu melhor sorriso.

— 24 —
A megera não se impressionou. Segurando a vassoura
como se fosse um porrete, atacou, em voz cavernosa:
— Não estou interessada em comprar enciclopédias.
O agente fora de série da CIA não se abalou. Manteve
o sorriso.
— Também não estou interessado em lhe vender livros,
vovó. Procuro pela dama de ouros.
— Quem?
— A dama de ouros, como eu disse. Embora seja muito
difícil encontrar qualquer tipo de dama numa espelunca
como esta.
— Ora, seu...
Antes que a velhota conseguisse expulsar o espião
surgiu à porta uma belíssima loura de olhos verdes.
— Mr. Kirkpatrik?
77Z recompôs-se rapidamente, após esquivar-se de uma
vassourada.
— Exato. É você a dama de ouros?
— Entre, por favor.
Deixando a velhota plantada na porta a resmungar,
Kirkpatrik seguiu a loura, observando atentamente suas
curvas aerodinâmicas. Subiram por uma escada e a garota
abriu a porta de um dos cômodos. O espião sentou-se numa
poltrona esfiapada e examinou disfarçadamente o quarto.
— Muito bem, Mr. Kirkpatrik. Gostei de ver que seguiu
à risca as nossas instruções.
— E que mais poderia fazer? Detestaria virar churrasco
da próxima vez que fizesse uma hidromassagem.
A loura sorriu, mostrando uma fileira de dentes
perfeitos e muito alvos.
— Soube o que ocorreu ao Steinmetz, hem? Pois vai lhe
ocorrer algo muito pior se nós dois não chegarmos a um
acordo, aqui e agora.

— 25 —
Kirkpatrik deu de ombros e acendeu um cigarro.
— O que vem a ser exatamente essa tal organização
dama de ouros?
— Calma aí, Kirkpatrik. Quem vai falar sou eu. Essa
sua pergunta é simplesmente idiota.
A loura espetacular lançou às mãos do agente 77Z um
maço de papéis datilografados.
— Dê uma lida nisso, bonitão.
Em cinco minutos Kirkpatrik inteirou-se do teor
daqueles documentos. Seu rosto estampou profundo
espanto.
— Mas isto é impossível! É o cúmulo da desfaçatez!
— Achei que ia dizer isso, meu chapa. Mas é que será
o que você viu.
— Que absurdo! Então vocês me chamam aqui para me
apresentar um projeto destes? Esperam que eu dê a vocês
quinhentos milhões de dólares sem mais aquela?
— Deixe-me explicar melhor o que pretendemos,
Kirkpatrik. Você é um homem riquíssimo, presidente da
K.K.K. Steel, Ltda. E nós queremos o seu dinheiro.
— Para quê?
— Isso não interessa. Vou lhe adiantar apenas que, para
prosseguir com nossos grandes planos, precisamos de muito
dinheiro. E eu acabei de lhe apresentar um projeto
detalhado no qual você transferirá para nossas mãos,
mediante jogadas bancárias complicadas, a quantia que
mencionou. Fim. Pronto. Evidentemente, você, como
menino obediente que é, fará isso para nós e não falará com
ninguém. O plano prevê fórmulas para driblar os acionistas
de sua empresa e todos os controles financeiros normais.
Nem o Fisco conseguirá descobrir coisa alguma.
Kirkpatrik sorriu com fria ironia.
— Por que não pedem logo um bilhão de dólares?

— 26 —
A loura rebateu o sorriso do agente.
— Justamente por isso. Um bilhão é uma quantia
grande demais para você bancar de uma vez só. Haveria o
risco de alguém perceber a descapitalização súbita das suas
usinas de aço. Convença-se de uma vez por todas,
Kirkpatrik, sabemos tudo a seu respeito e a respeito de suas
empresas. Sabemos inclusive que é um agente da CIA!
77Z abanou a cabeça.
— Tudo bem, menina. Se você diz, eu acredito. Mas
como podem ter certeza de que vou lhes dar o dinheiro?
— Veja bem, meu amigo: nós não estamos lhe pedindo
nada. Estamos exigindo que nos entregue quinhentos
milhões de dólares a curto prazo. Só isso.
— E se eu me recusar?
A loura ergueu os braços, como a pedir paciência aos
céus.
— É problema seu. A vida é sua. Quem se recusou está
agora contribuindo para a explosão demográfica dos
cemitérios. E vou lhe dar um aviso de amiga, Kirkpatrik: é
completamente impossível escapar de nós, como você já
deve ter percebido. Nós o mataremos onde e quando
quisermos. Pode esconder-se até embaixo da cama do
Presidente Reagan. Seja inteligente e cumpra os passos do
projeto.
— E quem me garante que vocês não me matarão após
eu ter-lhes entregue o dinheiro?
— Obviamente, deverá confiar em nós. Mas digo-lhe
uma coisa: de nossos muitos clientes apenas cinco se
recusaram a colaborar. E não viveram para contar a história.
Por tudo isto, a atitude mais sensata que você pode ter é
passar-nos o meio bilhão tranquilamente e não pensar nem
falar mais no assunto. Nós lhe garantiremos então uma
longa vida.

— 27 —
— Mas... ficarei então escravizado a vocês pelo resto
da vida!
A loura sorridente balançou os ombros.
— Assim é a vida, amigo Kirkpatrik. Mas há coisas
piores.
De repente, como num passe de mágica, a Mauser
equipada com silenciador surgiu na mão direita do agente
fora de série da CIA. O sorriso escarninho desapareceu
abruptamente do rosto da loura.
— Agora chega, sua idiota sorridente! Vocês se dão ao
trabalho de me enviar um bilhete ameaçador, arrastando-me
até esta pocilga, e armam uma palhaçada monumental
destas! Já estou cheio de ouvir todas essas baboseiras. Não
percebe que posso capturá-la, dar-lhe uns sopapos violentos
e obrigá-la a contar tudo o que sabe até em chinês, se eu
quiser? Não imagina que posso esmagá-la até conhecer tudo
sobre os planos malucos dessa infeliz dama de ouros? E,
ademais, o que a faz crer que vim sozinho a esta espelunca?
O rosto da loura transformou-se numa máscara de ódio.
— Você é mais cretino do que eu pensei, Kirkpatrik. Eu
sei que está só. Se não estivesse, teria tombado morto muito
antes de chegar até aqui!
O espião levantou-se da poltrona, a arma engatilhada.
— Agora você vai ver o que é bom, boneca — rosnou,
ameaçador.
A loura encostou-se à parede, as mãos em frente ao
rosto girando velozmente, em atitude típica de judoca.
Foi então que uma parte da parede do cômodo desabou
com estrépito e duas jovens morenas materializaram-se
dentro do aposento numa fração de segundo.
Era exatamente isto o que Kirkpatrik previra ao
provocar a loura. Ameaçando torturá-la, esperava que as
outras pessoas que se encontravam ocultas, dando-lhe

— 28 —
proteção, aparecessem. Defendendo do número de
atacantes, o espião teria uma chance de derrotá-los e
aprisioná-los, extraindo então toda a verdade a respeito
daquela confusão toda.
Ao ver que todo o aparato secreto de proteção à loura
consistia, aparentemente, nas duas jovens morenas, o
playboy espião sorriu diverti-lo. Talvez não fosse tão difícil
como ele pensava.
Mas seu sorriso transformou-se numa careta de dor ao
levar o violento chute na mão direita. A pistola voou longe.
Enquanto uma das morenas desarmava o agente da CIA
com a brutal patada, a outra descia com a mão em cutelo
rumo à testa de 77Z. A loura, sentindo que Kirkpatrik
perdera o controle da situação, avançou com o pé rumo ao
plexo solar do espião.
A coisa não ia bem para o agente fora de série. Em sua
carreira, raras vezes fora obrigado a lutar com mulheres,
mas aquelas, pelo jeito, eram judocas dignas de todo o
respeito. Não havia dúvida de que estava em presença de
três perigosas espiãs.
Fazendo uso de toda a sua agilidade, Horace Young
Kirkpatrik conseguiu esboçar sua defesa. Com o braço
aparou a fulminante cutilada que se lhe atingisse a testa, fá-
la-ia em pedaços. Simultaneamente aplicou uma pancada
seca na nuca da moça que o desarmara, e que para isso fora
obrigada a inclinar-se diante dele. Mas não conseguiu
driblar o poderoso “atemi” no plexo solar, que o derrubou
para trás, extraindo o ar de seus pulmões.
Kirkpatrik rolou pelo chão e pôs-se em pé rapidamente,
a tempo de esquivar-se do pontapé dirigido ao seu fígado.
Pulando para a frente, seu braço distendeu-se como se
impulsionado por uma mola, fazendo com que o punho
fechado atingisse o queixo da loura. Ela recuou aos

— 29 —
tropeções e chocou-se estrepitosamente de costas para a
parede.
A esse tempo, as duas, morenas atacavam-no
simultaneamente. Sentiu a dor aguda no ombro, provocada
pela cutilada de uma delas. No entanto, quando a outra
lançou a perna, buscando atingir-lhe os rins, Kirkpatrik
conseguiu agarrar pé da jovem. Torceu-o impiedosamente.
A gata urrou de dor e saiu rolando sobre si mesma, tentando
desvencilhar-se. A outra, correndo em seu auxílio, aplicou
uma gravata no agente da CIA. 77Z sentiu o pescoço estalar
de forma alarmante e, antes de ser estrangulado como um
frango, lançou-se com violência ao chão. Agora a luta
prosseguia no solo. As duas morenas martelavam
impiedosamente o corpo maltratado do espião, enquanto a
loura, já refeita do direto nos queixos, aproximava-se
decidida, sadicamente disposta a colaborar na sessão de
pancadaria. Reunindo suas últimas forças, Kirkpatrik
apoiou-se nas espáduas e enviou o pé em arco para cima,
para a posição que a loura ocupara ao se inclinar sobre ele.
O chute atingiu fortemente o ventre da moça de olhos
verdes, deixando-a sem fôlego e fazendo-a dobrar-se sobre
si mesma.
Aproveitando os escassos momentos de espanto
provocados pelo golpe, o agente 77Z começou a reagir,
impulsionado apenas pelo instinto. Com o cotovelo direito
movendo-se como poderosa alavanca, assestou certeira
pancada nos seios de uma das morenas, que gemeu
profundamente. Com o braço esquerdo aparou um
espantoso chute lançado pela outra moça.
Agora foi a vez de Kirkpatrik berrar de dor, convencido
de que tivera o braço quebrado pelo golpe de caratê.
Mas naquele instante a luta era precisamente contra a
venenosa morena que lhe vibrara o chute. O espião fora de

— 30 —
série girou o corpo de cento e oitenta graus e lançou seus
noventa quilos de músculos sobre a garota, mantendo-a
estatelada contra o chão, enquanto procurava avidamente
imobilizar seus braços e pernas.
Nesta posição, com suas pernas e braços segurando as
pernas e os braços da morena, só lhe restava o recurso de
utilizar a luta portuguesa: aplicar uma forte testada no rosto
da jovem. Kirkpatrik hesitou. E então ouviu a voz às suas
costas:
— Muito bem, Kirkpatrik. A função terminou. Agora
levante-se.
Claro. A morena que fora atingida nos seios: conseguira
apoderar-se da sua Mauser. Agora não havia mais recurso.
Kirkpatrik cumpriu a ordem. As outras duas garotas
olhavam-no com indisfarçável ódio.
— Perfeito. Fique de pé, de frente para mim. Isso. Sabe,
Kirkpatrik? Você não é um cara muito esperto.
O espião segurou o braço esquerdo pendente e seu rosto
contraiu-se de dor.
— Essa sua amiguinha bate muito bem. Creio que partiu
meus ossos.
— Azar o seu. Se se limitasse a cumprir nossas
instruções, não sofreria nada. De qualquer forma,
Kirkpatrik, a oferta da dama de ouros continua de pé. Meio
bilhão contra sua vida. Creio que a escolha é muito fácil.
O espião tentou balançar os ombros, sem conseguir.
— Não vou matá-lo agora, Horace Young Kirkpatrik.
Vou dar-lhe três dias de prazo. Se não começar a agir como
queremos, sua destruição será inevitável. Lorraine!
O agente 77Z sentiu que a loura se aproximava por trás
dele. Contraiu todos os músculos, mas sabia que não ia
adiantar. Levou o tremendo tapa em ambas as orelhas,

— 31 —
simultaneamente, e sentiu a poderosa cutilada na base do
pescoço.
Seu cérebro foi imediatamente envolvido pelo turbilhão
de inconsciência.

— 32 —
CAPÍTULO TERCEIRO

Tiroteio no mar

— Acorde, indivíduo! Vamos, levante-se! Ponha-se de


pé de uma vez!
Kirkpatrik recebeu o jato de água fria no rosto e sacudiu
furiosamente a cabeça, fazendo os bastos cabelos louros
ondearem como a juba de um leão.
— Que raios vocês fizeram ao meu estabelecimento?
Não podiam agir como pessoas normais?
O louro milionário nem se preocupou em responder à
velhota.
— Para onde foram as moças, vovó? Há quanto tempo
saíram?
— A loura que alugou o quarto já se foi há bem uns dez
minutos. Não pense que vai escapar desta. Chamei a polícia
e você terá que pagar pelos danos causados. Coisa de louco!
Não se pode mais confiar em ninguém!
Kirkpatrik não tinha o menor interesse em ficar e
prestar esclarecimentos à polícia, o que poderia lhe tomar
muito tempo. Deveria escapar imediatamente e aguardar
um novo contato da dama de ouros, esperando melhor
oportunidade para continuar a agir. Estava mais do que
evidente que a velhota não poderia prestar-lhe informação
alguma de utilidade quanto às moças. As espiãs não iriam
deixar pistas de sua identidade.

— 33 —
— Eu pago vovó. Quanto quer para o conserto?
— Bem... não sei como vocês conseguiram derrubar a
parede e destruir o mobiliário... não vai sair barato, meu
chapa.
— Duzentos dólares são o suficiente? — ao ver a cara
de reprovação da dona da espelunca, Kirkpatrik
impacientou-se: — tudo bem, mil então.
Ao pegar sua carteira de notas, que durante a luta com
as espiãs fora parar sob o sofá semi-destruído, o agente fora
de série da CIA teve a atenção despertada para um pequeno
pedaço de papel amassado. Curiosamente, tomou-o e leu d
seu teor, rabiscado apressadamente:
Palm Beach Sea Club, às nove da noite.
Enquanto passava uma nota de mil dólares para a
megera, Kirkpatrik raciocinava rapidamente. O que seria
aquilo? Uma pista deixada intencionalmente pela dama de
ouros, com a finalidade de atraí-lo a uma armadilha e perdê-
lo? Ou uma mensagem perdida pelas moças durante a luta?
De qualquer modo, o Palm Beach Sea Club estava
relacionado com o caso após o atentado a Thomas
Anderson.
Ouviu então as sirenas do carro policial que se
aproximava.
— Tchau, vovó. Você nunca me viu aqui.
A velhota assentiu, com os olhos pregados na nota de
mil, enquanto Horace Young Kirkpatrik saltava agilmente
pela janela.

***

O agente 77Z depositou o binóculo a seu lado. no


assento dianteiro do espetacular Masseratti-Bora dourado,
e acendeu um cigarro com visível impaciência. Desde as

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sete horas controlava a entrada do Palm Beach Sea Club a
distância e não vira nenhuma das três espiãs aparecer.
Consultou o relógio. Nove e um quarto. A festa corria
animada na sede social do clube Música, risos, comida e
bebida à farta. Não havia dúvida, tratava-se de uma reunião
para pessoas de alta classe.
Kirkpatrik já estava chateado. Talvez a mensagem não
se referisse àquele mesmo dia, precisamente. Era bem
possível que a reunião das espiãs no clube já tivesse
ocorrido, em outra data qualquer. 77Z chegou à conclusão
de que estava perdendo seu tempo. E o tempo era-lhe
extremamente precioso, uma vez que dispunha de apenas
sessenta e sete horas para resolver o intrincado caso e salvar
a pele, de acordo com as ameaças da espiã loura.
Ia dar a partida em seu carro e retirar-se. Foi então que
viu o Pontiac-455 aproximar-se da portaria do clube, pela
ampla esplanada de acesso. Assestou então o binóculo, mais
uma vez.
Com efeito. Kirkpatrik reconheceu imediatamente a
morena que conseguira apoderar-se da sua pistola durante a
luta na casa de cômodos.
Ela deteve o carro durante um minuto, diante da portaria
do clube, e pôs novamente o veículo em marcha, rumo à
sede social, cem metros adiante.
O agente fora de série raciocinou velozmente. Poderia
entrar no clube disfarçadamente, pelo lado do cais,
aproveitando-se das sombras da noite, mas corria o risco de
sujar a roupa nessa manobra. Não seria viável entrar na sede
social com as roupas enlameadas e esperar que isto não
chamasse a atenção.
Pôs o Masseratti em movimento e percorreu os
trezentos metros que o separavam da portaria, parando
diante desta.

— 35 —
— Boa-noite, senhor. É sócio?
— Não.
— Nesse caso, devo pedir-lhe que me mostre o seu
convite.
Kirkpatrik suspirou e enfiou uma nota de cem dólares
no bolso da camisa do porteiro.
— Mas, senhor, estou vendo apenas um quarto do
convite. Onde está o restante?
77Z molhou a mão do indivíduo com mais três cédulas
e penetrou tranquilamente no Palm Beach Sea Club,
estacionando um pouco afastado dos demais carros.
Entrou na sede. A música executada pela orquestra
atingiu-o com maior intensidade. Tocavam naquele instante
Wade in the Water, do Pacific Gas & Electric, animando os
presentes.
Circulando por entre os garçons, Kirkpatrik percorria
com o olhar o vasto salão em toda as direções, buscando a
morena espiã.
Com um sorriso amistoso pregado no rosto, o louro
milionário aceitou uma dose de scotch e continuou a
pesquisa. Ele dispunha da vantagem do caçador.
Provavelmente a caça não tinha a menor noção de que ele
se encontrava ali.
Por fim conseguiu ver a espiã. Participava de uma roda
animada de cinco ou seis pessoas postadas próximas às
portas do terraço. Kirkpatrik sacou do bolso a câmera
fotográfica, pouco maior do que isqueiro, e dedicou-se a
procura um ângulo adequado para as fotos que tencionava
bater.
Todo o seu plano estava traçado. Através das fotos,
acionaria os recursos da CIA, de forma a obter uma
identificação positiva da espiã. E se houvesse oportunidade,
agarraria a garota para tentar extrair-lhe informações, o que,

— 36 —
de qual quer modo, seria um processo mais rápido par
chegar à dama de ouros.
De súbito a morena virou-se para o lado em que
Kirkpatrik se encontrava. O louro milionário escondeu-se
atrás de um garçom que servia canapés de caviar e
encaminhou-se para o palco ocupado pela orquestra. Torceu
para que a moça não o tivesse visto e reconhecido.
O agente fora de série da CIA conseguiu bater dez ou
doze fotos da morena, de diversos ângulos diferentes.
Percebeu então que ela, aparentemente sem despedir-se do
pessoal da roda, afastava-se rumo ao terraço.
Kirkpatrik não desejava perdê-la de vista. Guardou a
câmara no bolso da calça e seguiu-a.
Chegou ao terraço a tempo de ver a espiã dirigindo-se
em passos rápidos para o estacionamento. Kirkpatrik correu
atrás dela, observando atentamente as circunvizinhanças.
Aproximou-se velozmente da moça. Ela percebeu o
fato, e, ao contrário do que Kirkpatrik esperava, não
acelerou o passo. Sua reação foi diferente: com grande
agilidade, girou sobre si mesma e apoiou os joelhos no
chão, enquanto a automática de silenciador surgia em suas
mãos como um truque de prestidigitação. O louro
milionário teve o tempo exato de mergulhar atrás de um
carro, enquanto ouvia o “plap” abafado e sentia a bala
chamuscar a sua têmpora.
No chão, Kirkpatrik empunhou também sua arma e
atirou na direção em que supunha estar a jovem. Mas ela já
corria em grande velocidade para o local em que se
encontrava o seu automóvel.
Kirkpatrik, apoiado atrás de um carro, atirou
novamente, sem conseguir atingir o objetivo de acertá-la
nas pernas, o que de fato seria extremamente difícil.

— 37 —
Saltando por sobre o capô dos carros, Kirkpatrik
aproximou-se do automóvel da moça. Atirou então contra o
para-brisa, estilhaçando-o.
A morena respondeu ao fogo, obrigando o agente fora
de série da CIA a procurar refúgio atrás de um Lincoln-
Continental. Mas percebeu que não poderia mais escapar
utilizando o seu próprio carro. Tinha que bolar outra coisa.
Saltou então uma pequena mureta de proteção, rolando
através do talude gramado que levava ao embarcadouro de
lanchas.
Através das janelas de um dos carros Kirkpatrik viu a
manobra e deslocou-se velozmente para o talude. Viu o
clarão alaranjado partir do cano da pistola empunhada pela
espiã e a terra saltou bem próxima ao seu pé. Mergulhou de
cabeça e rolou também pela grama, enquanto a garota
pulava dentro de uma das lanchas.
Ao chegar ao embarcadouro o agente 77Z percebeu que
mais gente acabara de sair da sede do clube, e não pareciam
ser muito amistosos, como o demonstravam os tiros que
partiam por trás de si.
A situação estava realmente desagradável. A morena
dera partida à lancha e, acelerando violentamente, afastava-
se do embarcadouro. Por trás do estacionamento, três ou
quatro pessoas faziam fogo sobre Kirkpatrik. Somente a
fraca iluminação do local dava-lhe uma chance de
sobrevivência.
Rolando pelo chão, o louro milionário tentava escapar
das balas que picotavam o piso de madeira do
embarcadouro. Sem outra alternativa, pulou no mar,
enquanto percebia que os atiradores misteriosos desciam
também pelo talude gramado, dispostos a liquidá-lo.
Kirkpatrik sentiu-se perdido.

— 38 —
Porém, mais uma vez em sua vida, a sorte correu a
auxiliá-lo. Aproximava-se do embarcadouro uma lancha
ocupada por dois homens, que a manobravam de formar a
atracar. Certamente pensavam em assistir à festa. Um deles,
como o agente da CIA percebeu, trajava um elegante
smoking.
Os atiradores desconhecidos deviam estar chegando ao
embarcadouro, pois Kirkpatrik percebeu uma trégua na
fuzilaria.
Enquanto o marinheiro aproximava a lancha de lado,
em velocidade reduzida, o seu acompanhante, o homem de
smoking, preparava-se para desembarcar. Foi surpreendido
por um rosto que surgiu subitamente ao nível da água.
— Oi!
Antes que pudesse refazer-se do susto, o agente 77Z,
apoiando as palmas das duas mãos na borda da lancha,
tomou um impulso poderoso e foi praticamente cair dentro
da pequena embarcação. Seus noventa quilos chocando-se
dentro da lancha desequilibraram os dois passageiros.
Kirkpatrik ajudou-os a tombar na água com um safanão.
— Desculpem, amigos, mas a minha carcaça está em
jogo.
Deitado no assoalho da lancha, o agente fora de série
empurrou até o fim o acelerador, enquanto tentava controlar
o leme e afastar o barco do ancoradouro. Ouvia nitidamente
o “tchac” das balas mergulhando no mar.
A lancha foi atingida diversas vezes no casco antes de
Kirkpatrik conseguir interpor uma distância segura entre ele
e os atacantes. 77Z conseguiu vislumbrar, graças à
claridade de uma boia luminosa, a lancha pilotada pela
espiã morena fazendo a curva por trás do molhe de
arrebentação. Imediatamente lançou-se em sua
perseguição.

— 39 —
Quando conseguiu orientar-se pela esteira de espuma da
lancha que tentava alcançar, o louro milionário olhou para
trás e viu que um outro barco partia velozmente do
embarcadouro. Claro, eram os pistoleiros misteriosos.
Kirkpatrik sentiu-se numa situação ridícula, para não
dizer desesperadora. Precisava alcançar a lancha da espiã e
ao mesmo tempo escapar dos insistentes perseguidores.
À sua frente a garota executava uma série de curvas
malucas, tentando desorientá-lo, enquanto driblava
habilmente as boias de sinalização. Além de conhecer
perfeitamente o local, parecia ser uma exímia navegadora.
Mas Kirkpatrik sabia manejar também qualquer engenhoca
que dispusesse de motor.
O agente fora de série tentou acelerar mais, mas a
marcha estava no fim do curso. O motor de popa rugia
alarmantemente, mas, apesar das temerárias manobras, o
louro milionário conseguia aproximar-se cada vez mais da
lancha da perigosa espiã.
Ela percebeu isto, e, enquanto pilotava com uma das
mãos, desfechou alguns tiros contra o agente fora de série.
Os pistoleiros, já mais próximos, seguiram o exemplo e de
suas armas também começou a brotar chumbo.
Apanhado entre dois fogos, nada mais restava ao
playboy senão espremer-se no fundo da lancha, dedicar
toda a sua atenção às manobras e rezar para que seu motor
não fosse atingido.
Subitamente a espiã cessou o fogo. Sua lancha assumiu
uma linha reta, rumo à entrada da marina do clube.
Kirkpatrik jogou seu barco na esteira do outro sempre
perseguido pelas balas dos pistoleiros. Teve o para-brisas
de acrílico destruído pelos disparos dos perseguidores, mas
conseguiu manter o curso e aproximar-se cada vez mais da
representante da dama de ouros.

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Então o agente 77Z pressentiu o desastre. Manobrando
com grande perícia, a espiã escapou pelo lado esquerdo de
uma boia de sinalização, deixando Kirkpatrik frontalmente
a ela. Se a lancha do louro milionário a atingisse talvez nem
mesmo sua alma conseguisse escapar.
No desespero, o gigante louro aplicou ao leme uma
guinada violenta, sentindo a lancha adernar perigosamente
e percebendo que a hélice atingira a estrutura esférica da
boia, passando a responder com dificuldade ao comando do
motor.
Simultaneamente algo grave ocorreu. Uma das baías
dos pistoleiros deveria ter atingido o motor, pois este
começou a esfumaçar e ratear.
Não havia outro recurso. Ao preparar a jogada da boia,
a espiã fora obrigada a abrir muito o raio de curva.
Kirkpatrik, mesmo com a sua lancha praticamente
destruída, tinha a percorrer um caminho muito mais curto
na linha da rota de colisão que imaginara.
Praticamente um suicídio. Um lance in extremis. Mas a
dama de ouros jogara e quase vencera. Agora era a vez de
77Z jogar e lançar a cartada final.
Por efeito da força de inércia que a animava a lancha de
Kirkpatrik cresceu assustadoramente sobre o barco da
espiã. O choque seria inevitável em frações de segundo.
Alguns metros antes de verificar-se a colisão Kirkpatrik
acionou o leme da embarcação. A curva pretendida era
muito fechada, de sorte que o agente fora de série da CIA
teve o seu salto auxiliado, caindo dentro da lancha da espiã
a serviço da dama de ouros. Sentiu uma bala chamuscar-lhe
o braço esquerdo, provocando uma dor aguda, mas, ao
tombar de braços abertos dentro do outro barco, arrancou a
pistola das mãos da espiã com uma violenta cutilada.

— 41 —
O choque foi tão brutal que ambos caíram ao mar,
enquanto suas respectivas lanchas seguiam uma rota
maluca que deveria findar-se com o inevitável impacto no
cais do Palm Beach Sea Club.
Kirkpatrik agarrou a jovem pelo pescoço e procurou
puxá-la para o embarcadouro, para terra firme, onde teriam
mais chances.
Mas o tempo era muito escasso. O agente 77Z levou da
jovem o violento golpe na testa, que o deixou ainda mais
estonteado do que já estava. Ao mesmo tempo, a lancha dos
pistoleiros chegava ao local, literalmente crivando de balas
a superfície das águas.

— 42 —
CAPÍTULO QUARTO

Traição na CIA

O sistema de som estereofônico transmitia uma música


suavemente romântica ao interior do aposento.
A belíssima morena de grandes olhos verdes e lábios
sensuais suspirava sobre a cama, enquanto envolvia o corpo
do homem com suas pernas esguias, longas e muito bem
torneadas.
— Meu amor... você sabe realmente como despertar
uma grande paixão em uma mulher...
O homem colou sua boca aos lábios grossos e apetitosos
da morena, num longo beijo que deixou a ambos sem
fôlego. Em seguida tomou aqueles seios túrgidos e
frementes em suas mãos, acariciando-os suavemente e
despertando um insaciável desejo em sua parceira.
— Meu querido... ame-me novamente...
O homem continuava a percorrer a sua maravilhosa
anatomia com mãos experientes, acariciando-lhe
delicadamente os seios e as costas, baixando as mãos até os
quadris.
Os dois jovens fundiram-se, mesclando-se num só
corpo, delirando de paixão. Atingiram o êxtase do amor
total e completo, e a morena, apaixonadamente, beijou com
sofreguidão o rosto e os lábios de seu amante. Abraçaram-

— 43 —
se com amor, e trocaram palavras ternas e suaves.
Constituíam um casal perfeito em todos os sentidos.
O homem acendeu dois cigarros e ofereceu um deles à
sua amada. Permaneceram fumando em silêncio durante
cerca de dois minutos.
— Horace, eu o amo muito. Quero demonstrar-lhe isto
por todos os meios dê que disponho.
— Eu sei disto, senhorita Karen Langley. E procurarei
retribuir à altura, através do meu recurso especial. (*)

(*) ver FALSOS AMIGOS, VOL. N 126 DESTA


COLEÇÃO

Ambos riram, divertidos.


— Mas Horace, você acabou não me contando como
conseguiu escapar do clube. Excitou minha curiosidade e
não a satisfez.
— Foi simples, boneca. Como eu lhe disse, estava
perseguindo aquele grupo de sabotadores que pretendiam
prejudicar as minhas usinas de aço. Num determinado
momento consegui agarrar a moça e ambos caímos ao mar.
A lancha dos pistoleiros atingiu o local em que nos
encontrávamos e fez fogo bem nutrido sobre nós. Eu
mergulhei, arrastando a moça comigo, e, aproveitando a
escuridão e o mar revolto pelas hélices das lanchas,
conseguimos chegar a terra firme, nadando sob a superfície.
Não pude chegar ileso, porém: duas balas atingiram-me de
raspão.
A morena Karen Langley sorriu maliciosamente.
— Sim, você perdeu um bocado de sangue, mas isso
não chegou a afetar o seu desempenho.
Horace Young Kirkpatrik correspondeu ao sorriso e
emitiu uma baforada com visível prazer.

— 44 —
— Ora, Karen! Você sabe que é preciso muito mais do
que isso para afetar o meu desempenho!
— E quanto à moça, Horace?
— Ela foi atingida seriamente. Estava sem sentidos
quando chegamos à terra. Escapei dali, chamei a polícia e
nós a removemos para um hospital. Não sei se conseguirá
sobreviver.
— Nesse caso, o grupo de sabotadores também fugiu
tranquilamente.
— É verdade. Só consegui deter a moça.
— Então é por isso que estamos escondidos nesta
cabana das montanhas?
— Exatamente, Karen. Um amigo emprestou-me esta
cabana, pois as minhas residências são conhecidas por
aquele pessoal. Permanecendo aqui temos uma chance de
que os sujeitos pensem que realmente me mataram no Palm
Beach Sea Club. Enquanto isso, eu espero que a polícia me
forneça uma identificação positiva da garota, para que eu
possa atacar novamente.
Karen Langley encostou seu corpo ardente ao do louro
playboy, abraçando-o com força, enquanto murmurava com
voz enrouquecida pela paixão:
— Você é realmente diabólico, meu amor. Vamos agora
fazer mais algumas diabruras!
Nesse instante a campainha do telefone tocou.
Kirkpatrik pespegou um beijo apaixonado nos lábios
carnudos da Morena Karen e levantou-se. Inteiramente nu,
dirigiu-se para o pequeno living da casa de campo.
— Horace falando.
— Horace, aqui é Mr. Smith. Nossos amigos chegaram
a uma conclusão importante sobre a moça.
— Excelente. Trabalharam bem depressa.

— 45 —
— Claro. Encontre-se comigo no local de sempre
dentro de duas horas.
— OK. Até logo.
77Z desligou o telefone. Do quarto veio-lhe a voz suave
de Karen:
— Quem era, Horace?
— O comissário de polícia. Devo ir imediatamente à
cidade.
Despediu-se da morena com um longo beijo, e, retirado
o carro da garagem, pisou fundo no acelerador do
espetacular Masseratti-Bora dourado. Quando Kirkpatrik
saía a serviço da CIA jamais tinha certeza de conseguir
voltar.

***

Acabaram de comer o delicioso porco agridoce,


especialidade do restaurante chinês na zona leste da cidade
que se constituía no ponto de encontro secreto de Kirkpatrik
e Mr. Lattuada. Este último levantou a chávena de chá e
sorveu mais um gole.
— Como vê, Horace, a coisa está se complicando cada
vez mais.
Kirkpatrik estava pensativo.
— Eu previa algo deste tipo, Mr. Lattuada. Era
justamente o que eu temia.
O diretor da CIA serviu-se de mais chá do gracioso bule
de porcelana.
— Quando a moça deu entrada no hospital, nossos
técnicos conseguiram identificá-la rapidamente. Quero
parabenizá-lo pelo bom trabalho executado ao agarrá-la no
Palm Beach Sea Club.
— Obrigado, chefe.

— 46 —
— De fato, era o mínimo que você podia fazer, após o
retumbante fracasso de March Drive.
Kirkpatrik resmungou algo ininteligível. Mr. Lattuada
prosseguiu:
— A moça chama-se Mary Ann Vickers. Vinte e oito
anos, solteira. Durante cinco anos foi agente do grupo de
ação' da CIA. Desligou-se da Agência há alguns meses,
dizendo que pretendia casar-se e levar uma vida normal,
dentro da sua profissão. Ela é engenheira eletrônica,
graduada com laudo pela Universidade de Harvard.
— Eu suspeitei disso. Quando, no encontro na casa de
cômodos, as moças afirmaram saber que eu sou agente da
CIA percebi imediatamente que deveria haver traição
envolvida na história. Essa moça Mary Ann, ex-agente da
CIA agora a serviço da dama de ouros, deve ter tido acesso
à informação, de algum modo.
— Correto. E agora estamos realmente assustados. As
cinco vítimas anteriores dos atentados eram pessoas ligadas
à Central Intelligenee Agency. Essa tal organização dama
de ouros pode ser formada por espiões egressos da CIA,
traidores que conhecem quase todos os nossos segredos.
Você sabe o que isso significa. Um perigo mortal para todos
nós.
— Sim. Estamos caminhando na corda bamba. Uma
eficiente organização de espionagem que deseja extorquir
tranquilamente grandes somas em dinheiro de empresários
ligados à CIA de algum modo. A chantagem, em resumo, é
muito simples: a bolsa ou a vida. E, o que é muito pior, há
agentes da CIA ligados a essa infernal organização. Gente
que sabe de muitas coisas a nosso respeito. E nós, por nosso
lado, nada sabemos sobre eles. Quem são, o que pretendem,
na verdade. Sim, porque desconfio que a dama de ouros tem

— 47 —
algum plano terrível em mente, e está juntando dinheiro
para deflagrar esse plano maléfico, seja ele qual for.
— Exato, Horace. Neste exato momento deve haver
mais empresários sendo chantageados. Eles estão
amealhando dinheiro a cada segundo que passa, e a
qualquer momento poderão dar início aos seus misteriosos
projetos que, suspeito, devem incluir a destruição da CIA.
Dispomos de apenas quarenta horas para resolver o caso.
Caso contrário você será morto inapelavelmente, e não
poderemos impedi-lo. E a dama de ouros ficará livre para
executar os seus desígnios.
— Nossa única chance reside em continuarmos
seguindo os indícios, chefe. Que mais sabemos sobre Mary
Ann?
— Tudo, até o momento em que ela se afastou da
Agência.
— Seria ela a bombardeadora maluca responsável pela
execução dos atentados?
Mr. Lattuada abriu os braços, desconsolado.
— Quem sabe? Afinal ela é profunda conhecedora de
eletrônica. Fabricar um artefato explosivo comandado por
controle remoto seria uma brincadeira de criança para Mary
Ann. E ela já fez muitos desses, em seus cinco anos de CIA.
Era considerada uma agente perigosíssima, muito eficiente,
tendo atuado praticamente em todo o mundo. Porém, nada
conseguiremos arrancar dela enquanto estiver em coma. E
os médicos não sabem quando ela estará em condições de
ser submetida a um interrogatório, embora acreditem que
tem boas chances de sobreviver.
— É... fazendo-a cantar teríamos uma boa oportunidade
em mãos.

— 48 —
— Sim, mas ela não pode cantar. Nem ao menos piar,
no seu presente estado. Sabemos, no entanto, que ela
continua morando no mesmo endereço anterior.
— Qual?
— 915, West Belle Avenue, em Los Angeles.
Mr. Lattuada aceitou um cigarro aromático.
Kirkpatrik acendeu com seu isqueiro os dois cigarros
turcos, ovais.
— Bem... não temos outros elementos?
— Horace, sabemos até a hora em que ela costuma ir ao
banheiro. Temos muitos homens, e inclusive gente do FBI
e da polícia pesquisando tudo sobre a garota. Mas
acreditamos que este endereço é a pista mais forte, e a
reservamos para você.
— Claro, a mais forte, e, portanto, a mais perigosa.
Corro o violento risco de cair de cabeça na goela da dama
de ouros. Muito obrigado, Mr. Lattuada.
O chefe deu de ombros.
— É justo. Afinal é a sua pele que corre o maior perigo
neste momento. E não se esqueça de que você é 77Z, o
trunfo da CIA.
Retirando um envelope do bolso interno do casaco, o
diretor da CIA prosseguiu:
— Tomei a liberdade de reservar um lugar para você no
voo 404 da Continental Airlines. Esteja no aeroporto em
quarenta minutos. Boa sorte.
Quatro horas depois Horace Young chegava ao Los
Angeles International Airport.

— 49 —
CAPÍTULO QUINTO

Uma casa de campo em Los Angeles

— O que você acha, Pinky?


A moça chamada Pinky, uma loura alta de olhos verdes,
corpo perfeito e sensual e rosto diabolicamente belo, olhou
para sua interlocutora, uma morena de cabelos longos,
grandes seios e coxas grossas, um tipo de beldade que se
poderia dizer uma bomba latino-americana.
— Perfeito, June. Um trabalho de mestre.
A morena chamada June concluiu com habilidade o
trabalho que estava fazendo. Esticou uma série de fios
elétricos finíssimos e transparentes ao longo da folha da
porta do apartamento, conectando-os por uma das
extremidades a uma massa de explosivo plástico
engenhosamente dissimulada atrás da porta, e, pela outra
extremidade, a um dispositivo à primeira vista complexo,
que incluía duas pilhas grandes, um condensador comum,
de rádio, e alguns contatos de latão.
Pinky acompanhava com interesse as manipulações da
companheira. Por fim, sorriu apreciativamente.
— Muito bom, June. Nem Mary Ann faria melhor.
— As conexões estão preparadas. Quando sairmos do
apartamento, a porta, ao fechar-se por fora, estabelecerá o
contato elétrico. Qualquer pessoa que abrir esta porta,
então, interromperá a corrente elétrica, pelo rompimento

— 50 —
dos fios. O resultado será a ativação da carga de seis quilos
de explosivo plástico, com uma explosão violentíssima.
Provavelmente a explosão matará alguns vizinhos também,
mas é melhor a gente se garantir: de qualquer modo,
teremos certeza de que não restará nem o número do sapato
do intruso.
— Ótimo, June.
Ainda sentada no chão June cruzou as mãos atrás da
nuca e levantou o rosto para a loura.
— Acha que aquele maldito Kirkpatrik morreu no
clube, Pinky?
A loura espetacular deu de ombros.
— Sei lá. Tenho a impressão de que o infeliz não
morreu. Pelo menos, não consegui encontrar o corpo dele
nem de Mary Ann, mas eu tinha que escapar rápido com os
rapazes. Alguns seguranças do clube já haviam percebido a
luta e estavam se encaminhando, de lancha, para o local.
Assim, esgotamos nossa munição em cima dos dois. Espero
que tenham morrido. Era impossível resgatar Mary Ann
naquela situação.
— De qualquer modo, não temos certeza disso.
— Não. E não sei como aquele desgraçado descobriu
que nós iríamos ao clube naquela noite. Acabou que não
conseguimos executar o atentado preparado contra
Malcolm Cheevers.
— Demos azar. Mas vamos pegá-lo dentro de pouco
tempo.
Pinky semicerrou os olhos, como uma gata.
— Kirkpatrik é um tipo muito esperto, June. 'O
Comando concordou comigo quando sugeri eliminá-lo
imediatamente, sem esperar que ele nos fornecesse o
dinheiro. Afinal podemos chantagear outros caras e evitar
dores de cabeça com o presidente da K.K.K. Steel. Se ele,

— 51 —
por azar, sobreviveu ao episódio do clube certamente
morrerá se vier aqui.
— Correto. De qualquer modo, como perdemos o
contato com Mary Ann, estávamos na obrigação de vir aqui
ao apartamento dela e evacuá-lo de qualquer pista que
pudesse comprometer a organização. A decisão do
Comando foi muito acertada.
— Isso mesmo. E, como precaução adicional, a
armadilha explosiva. Boa idéia. Destruímos todas as pistas
e ainda os intrometidos da CIA que aparecerem.
As duas belíssimas jovens deixaram o apartamento de
Mary Ann. Ao fecharem a porta, ouviram o suavíssimo
“clic” que indicava o fechamento dos contatos elétricos.
June sorriu malevolamente.
— Sabe, Pinky? Eu até gostaria que Kirkpatrik não
tivesse morrido no mar. Só para que ele pudesse ter a
oportunidade de vir xeretar no apartamento de Mary Ann.
Quando ele abrisse a porta... pum! Não restaria nem a unha
do energúmeno.
Pinky sorriu e as duas moças encaminharam-se para o
elevador.

***

No saguão do luxuoso prédio, o número 915 de West


Belle Avenue, Horace Young Kirkpatrik observou quando,
instantes antes de pressionar o botão de chamada do
elevador, acendeu-se a luz indicativa de que o aparelho se
encontrava no décimo segundo andar e preparava-se para
descer.
Enquanto o ascensor rumava para o andar térreo, uma
centelha espocou no cérebro de Kirkpatrik. Bem, tratava-se
do andar em que se situava o apartamento de Mary Ann

— 52 —
Vickers. Não seria de todo mau perder alguns segundos e
verificar quem estava vindo daquele andar. Podia até dar de
cara com alguém conhecido.
Assim raciocinando, 77Z subiu alguns degraus e
postou-se por trás do ângulo das escadas, com ampla visão
dos elevadores e completamente oculto.
Foi realmente uma grande surpresa ver saindo do
elevador as duas jovens que encontrara em sua malfadada
aventura de Marsh Drive. De fato, a loura que o havia
recebido na casa de cômodos e a morena.
Por alguns instantes Kirkpatrik pensou no que deveria
fazer. Subir ao apartamento, como estava programado? Ou
seguir as duas representantes da dama de ouros?
A decisão foi fácil. O apartamento não iria sair do lugar
em que se encontrava.
O agente fora de série correu para a saída do prédio a
tempo de ver as duas moças chegando ao lado de um
imponente Thunderbird-Luxury de quatro portas, azul-
escuro. Um motorista abriu a porta traseira e ambas se
acomodaram dentro do veículo.
Kirkpatrik correu para o Ford-Shelby que alugara e
estava estacionado do outro lado da West Belle Avenue.
Deu a partida e fez o retomo na pista, atraindo xingamentos
dos demais motoristas, enquanto colocava-se a prudente
distância do Thunderbird, que se encaminhava para o final
da avenida.
O motorista das moças dobrou à esquerda no Vernon
Boulevard, passando pelo Fleetwood Park e enveredando
por South 57 Street, rumo à saída sul de Los Angeles.
Driblando o tráfego pesado, Kirkpatrik conseguiu
aproximar-se do carro das moças, mantendo uma distância
média de quatro a cinco veículos entre ambos. Podia seguir

— 53 —
assim as manobras de seu perseguido sem ficar muito em
evidência.
Em Marlborough Course o motorista do Thunderbird
cortou rapidamente as pistas de tráfego e tomou a entrada
para Ventura Highway, sem fazer uso dos sinalizadores.
Kirkpatrik teve que agir rápido. Se subisse o viaduto
perderia inevitavelmente de vista o carro da dama de ouros.
Dando um golpe de direção, ao mesmo tempo que brecava,
saiu para o acostamento e executou uma manobra
absolutamente maluca na pista de acesso de Ventura
Highway.
Buzinadas e freadas bruscas dos carros de trás e do lado
direito. Um veículo bateu na traseira do Ford-Shelby de
77Z. Este, sem se preocupar com o detalhe, pisou fundo no
acelerador, arrancando faíscas dos pneus, e entrou de lado
na autopista, tentando localizar o seu perseguido.
Encontrou-o uma milha adiante, respeitando os limites
de velocidade. Kirkpatrik reduziu a pressão no acelerador e
continuou a segui-lo a distância, sem pressa.
O Thunderbird azul claro rodou mais algumas milhas
na direção de Long Beach. Depois reduziu a velocidade e
tomou por uma estrada secundária, à direita, na direção do
mar.
O louro milionário aguardou que o carro sumisse de
vista e então enveredou também pela estrada secundária,
seguindo o outro com uma boa distância.
Cinco ou seis milhas adiante o Thunderbird sumiu.
Kirkpatrik compreendeu que deveria ter entrado por uma
pequena estrada de terra, ladeada por árvores, que se via
mais adiante. Saiu então da estrada e deixou o seu carro
escondido entre as árvores, aproximando-se do local a pé.
A estrada de terra continuava por cerca de meia milha, até
uma bela casa de campo, quase que inteiramente oculta por

— 54 —
um denso bosque, agente fora de série da CIA acercava-se
do local cautelosamente, de arma em punho, pronto para
responder a qualquer agressão.
De súbito ouviu o ruído característico de um motor, e,
poucos segundos depois, via um helicóptero levantar voo
rapidamente, saído de algum ponto por trás da casa de
campo. Lançou-se agilmente ao chão, sob uma moita.
O helicóptero seguiu no rumo sul, em direção San
Diego, provavelmente, e Kirkpatrik, tenso, aguardou alguns
minutos oculto em seu improvisado esconderijo.
Nada aconteceu.
O louro milionário, então, de arma em punho e com
todos os sentidos alerta, aproximou-se d casa de campo.
Por trás da casa encontrou o que esperava. Lá estava o
motorista, fechando tranquilamente na porta de uma
garagem, certamente após guardar o Thunderbird. Um
galpão, à esquerda, deveria ser o local utilizado para ocultar
o helicóptero.
— Pare aí mesmo, amigo. Não mova um músculo.
O motorista pareceu congelar-se instantaneamente.
Com dificuldade girou a cabeça e viu a feia automática com
o cano apontado diretamente para ele. Gaguejou:
— Escute... eu não tenho dinheiro...
— E eu tenho cara de um reles assaltante? Quem mais
está aqui?
— Ouça... eu estou só, mas vai chegar gente e...
— Ótimo. Então vamos conversar. Sente-se aí mesmo,
no chão. As palmas das mãos sob nádegas. Isso. Agora tire
um sapato. Qualquer um.
— Escute... você é maluco?
Kirkpatrik riu, divertido.
— Posso ser, amigo. Mas isto é apenas um recurso para
que possamos conversar mais sossegados. Sentado sobre as

— 55 —
mãos eu saberei que você não poderá tentar nada mesmo
com elas. E sem um sapato será muito mais difícil correr.
Expliquei-me bem?
— Sim.
— Perfeito. Agora você cantará no tom que eu quiser.
Para onde foram as moças?
— Eu não sei!
Kirkpatrik fechou a cara, aborrecido. Deu ao gatilho.
Uma bala ricocheteou no solo, bem perto das pernas
cruzadas do motorista, quase sem fazer ruído. O homem, no
paroxismo do pavor, tentou levantar-se, mas o agente 77Z
fez um gesto com a arma e ele tornou-a sentar-se, lívido.
— Veja bem, patife: não estou brincando. Se eu não
gostar do tom da sua música, a próxima bala vai ao joelho.
Fale logo!
Trêmulo, o motorista levou alguns segundos para
conseguir começar a falar.
— Eu não sei de nada! Eu sou apenas o motorista de
Miss Everet e Miss Saint-Witold.
— Para onde elas foram?
— Para Ensenada, no México. É tudo o que sei.
— E quem vai chegar aqui dentro em pouco?
— Elas mesmas. Vão voltar dentro de algumas horas.
Disseram-me para esperá-las aqui, com o carro.
— E o que vão fazer então?
— Não sei! Elas não me dizem nada, eu sou apenas o
motorista! Por favor, estou dizendo a verdade!
Kirkpatrik percebeu que o cara estava mesmo. Portanto
abriu um sorriso simpático. O homem ficou muito mais
assustado.
— Meu bom homem, você tem sotaque espanhol. É
mexicano?

— 56 —
— Sim. Meu nome é Carlos Ramírez e eu sou o
motorista...
— Chega, meu chapa. Você já disse isso. Responda-me
apenas mais algumas perguntinhas. O que foram fazer no
915 de West Belle Avenue?
— Juro que não sei! Juro por...
— Não é preciso. O que as adoráveis mocinhas foram
maquinar em Ensenada?
— Pelo que pude ouvir, foram tratar de negócios. Elas
são artistas. São escultoras, e...
Kirkpatrik não pôde evitar uma gargalhada. Podiam ser
artistas, sim, mas certamente eram artistas do crime.
— Está bem, Carlos. Vou engolir isso. Agora diga-me:
o que é a dama de ouros?
Pela cara de Carlos Ramirez e a sua genuína confusão,
Kirkpatrik notou facilmente que ele jamais ouvira falar na
organização de espionagem. O que não era de espantar.
Deveria ser penas um inocente útil servindo à dama de
ouros sem o saber. A incursão do agente especial a CIA à
casa de campo das perigosas meninas não renderia muito se
ele se limitasse a interrogar o pobre motorista.
— Ouça... até onde eu sei, é uma carta de baralho, e...
Pela expressão de Kirkpatrik, o motorista julgou estar
em presença de um louco furioso. O louco milionário
aproximou-se alguns passos.
— Quando é que as pombinhas voltarão?
— Olhe... quatro, talvez cinco horas. Não ti ao certo.
O agente 77Z fitou Carlos Ramirez com um olhar
penetrante. O motorista sentiu uma sensação desagradável
invadi-lo. Sua testa ia gradualmente perlando-se de suor
frio. Tinha certeza de estar à mercê de um perigoso
maníaco, talvez tarado...

— 57 —
— OK, meu amigo. Você me foi de muito pequena
utilidade. Tem mais algo a dizer antes que eu estoure o seu
joelho com um balaço?
O mexicano abriu desmesuradamente os olhos,
aterrado. Antes que conseguisse reagir, Kirkpatrik aplicou-
lhe, com o cano da arma, uma pancada no alto da cabeça,
com a força cuidadosamente calculada de modo a não lhe
partir o crânio. Depois arrastou-o para o interior da
garagem, amarrando-o com alguma corda que al encontrou.
Acomodou-se então, escondido por trás do galpão,
disposto a esperar pacientemente pela chegada da dama de
ouros.

— 58 —
CAPÍTULO SEXTO

Céu em chamas

— Maldição! Por essa eu não esperava!


— Nem eu, Pinky. Aquele bastardo maldito!
— E o pior é que agora eu fiquei queimada com o
Comando. A dama de ouros está extremamente furiosa com
o meu fracasso no episódio do clube. Como terá o maldito
Kirkpatrik escapado?
— Não sei, mas agora vai morrer de qualquer jeito. Se
não foi explodido no apartamento de Mary Ann, um terrível
fim espera por ele agora.
— Certo. Iremos até a cabana do amigo dele nas
montanhas. Se Horace não estiver lá, sequestraremos a
morena, e, de qualquer forma, ele terá que dar as caras.
Prepare-se, Kirkpatrik: sua hora final já soou!
Anoitecera. Voando no rumo norte, o helicóptero
atravessou uma nesga de mar e aproximou-se do local do
pouso.
— Já vejo as luzes de Long Beach.
— Certo, June. Prepare-se para descer.
O helicóptero aproximou-se da casa de campo,
perdendo altitude. Guiado pelas luzes do galpão, pousou no
local convencional. June desligou o motor e, lentamente, as
hélices pararam de girar.
— Onde raios terá se metido o Carlos?

— 59 —
— Deve estar no quarto dele. Vejo as luzes acesas.
As duas garotas saltaram agilmente do helicóptero e
fizeram menção de dirigir-se para a casa. Estacaram de
súbito.
O rosto sorridente de Kirkpatrik surgiu no canto do
muro, convenientemente acompanhado pelo negro cano da
automática.
— Olá, queridas! Como o mundo é pequeno, hem?
Os rostos de June e Pinky transformaram-se em
máscaras do mais puro ódio. Por um segundo June pensou
em reagir, apesar da desvantagem de sua situação. A mão
direita deslizou rumo ao bolso do vestido, onde guardava a
sua arma provida de silenciador.
— Hã, hã, hã, garota! Se eu fosse você não faria isso!
June estacou, rígida como uma estátua.
— Isso mesmo, menina. Eu não gostaria de ter que abrir
um rombo em seus lindos peitinhos.
— Seu bastardo sujo!
— Paus e pedras podem me atingir, mas não as suas
palavras, menina. Agora, como boas espiãs que são, vocês
vão obedecer direitinho ao titio Horace.
— O que fez com Carlos?
— Não se preocupem, ele está muito bem. Agora quero
ver as duas deitadas de bruços no chão. Pernas e braços bem
separados. Sejam prudentes e nada acontecerá. Isso. Quero
lembrar a vocês de que eu só preciso de uma de vocês viva.
Não hesitarei em atirar para matar. E, de qualquer forma, é
claro que matarei ambas se isso for necessário para a
salvação da minha pele.
Kirkpatrik aproximou-se das garotas deitadas e, com
muito cuidado para não ser surpreendido pelas perigosas
espiãs, desacordou ambas com pancadas na nuca. Precisava

— 60 —
que elas dormissem apenas alguns minutos para dar
andamento ao seu plano.
Metodicamente, sem pressa, o agente 77Z começou a
revistar as roupas e os corpos das terríveis espiãs. Como já
esperava, encontrou um farto arsenal de truques e recursos
secretos: pistolas presas às cozas, punhais nos sapatos,
estiletes colados aos casacos, cápsulas de gases narcóticos
e outras misérias do mesmo calibre. Com um sorriso cínico,
o louro milionário recolheu aquela parafernália de
espionagem e amarrou solidamente os pés e mãos de June
e Pinky. Em seguida, jogou ambas dentro do helicóptero e
acomodou-se no assento do piloto, fumando um cigarro e
deixando o tempo escoar-se.
Não precisou esperar muito tempo. Após dez ou doze
minutos percebeu que a loura Pinky voltara a si. Ela
disfarçou o fato de já estar de plena posse de suas
faculdades, enquanto procurava avaliar a situação em que
se encontrava.
— É inútil, belezoca. Já vi que despertou.
Ela dirigiu-lhe um olhar gélido.
— Enquanto sua amiguinha dorme, vamos conversar
um pouco. O que vem a ser essa maldita dama de ouros?
Pinky sorriu com ar de desprezo e manteve os lábios
unidos. Kirkpatrik sorriu também. Um sorriso muito
amistoso.
— Está vendo esta faca, Valquíria? Chamo-a de
Valquíria porque não sei seu nome, e você é alta, loura e
perigosa, exatamente como uma valquíria.
É claro que Pinky a vira. Uma faca de cozinha,
grosseira.
— Obviamente, você já ouviu falar do
Götterdämmerung. O crepúsculo dos deuses. E é
exatamente o que vai lhe ocorrer, bela deusa nórdica, se não

— 61 —
começar a cantar imediatamente. E, por favor, não quero
ouvir óperas de Wagner.
Pinky mastigou as palavras entre dentes:
— Fala demais, Kirkpatrik. Esta será a sua ruína.
Kirkpatrik abriu ainda mais o sorriso e fez a lâmina da
faca brilhar à luz do luar.
— Sabe, Valquíria? Você já torrou a minha paciência.
Minha vida esteve em risco em várias ocasiões devido a
você e esta droga de dama de ouros. Infelizmente não posso
ter mais contemplações.
Com um movimento brusco o agente 77Z arrancou a
parte superior do vestido de Pinky, deixando à mostra seus
generosos seios, protegidos pelo sutiã.
— Veja bem, Valquíria. Observe o que esta faca pode
fazer.
Kirkpatrik apoiou o gume da faca no seio esquerdo da
espiã. Pressionou um pouco. Pinky arfava de raiva e medo.
— Não ousaria, Kirkpatrik... não ousaria!
— Não? Estamos falando de espionagem, deusa
germânica... e da minha vida também!
O brilho dos olhos do agente 77Z era francamente
ameaçador. Pinky farejou o perigo. A faca afundou
lentamente, começando a ofender a pele de seda da
belíssima espiã.
— Está bem, Kirkpatrik! Pare! O que deseja saber de
mim?
O louro milionário afrouxou imediatamente a pressão
na faca.
— Em primeiro lugar, o que vem a ser a dama de ouros?
Pinky suspirou.
— Olhe, é muito difícil de explicar... e, além do mais,
eu não sei exatamente o que possa vir a ser essa

— 62 —
organização... tenho um conhecimento muito limitado a
respeito.
Kirkpatrik irritou-se.
— Ah, então é assim? Ninguém sabe da dama de ouros,
ninguém sabe explicar o que é... pois digo-lhe uma coisa,
Valquíria: tenho certeza de que você foi hoje até o covil da
dama de ouros. E nós todos, juntos, vamos voltar lá. Agora
mesmo. Fale o que sabe!
June despertara um pouco antes. Ouvira as últimas
frases do diálogo. E interveio rapidamente:
— Não lhe diga nada, Pinky! Você seria destruída, sabe
disso!
O agente 77Z deu de ombros.
. — Tudo bem. Não querem falar. O que devo fazer
primeiro? Arrancar os seus seios? Ou cortar suas orelhas?
Juntando a ação à palavra, o louro milionário encostou
o gume da faca na orelha esquerda de Pinky. E prosseguiu,
com voz persuasiva:
— Como é, Valquíria? Sem uma orelha, você não vai
ficar uma moça propriamente bonita. Sabe que eu posso lhe
arrancar a verdade, toda a verdade. É apenas uma questão
de tempo. E eu tenho muitas horas disponíveis ainda.
— Tudo bem, Kirkpatrik... quer ir até a dama de ouros?
— Não! — berrou June. — Não fale nada, Pinky! Nós
morreremos!
— Cale a boca de uma vez, morena! Deixe sua
amiguinha falar!
Pinky olhou para June com um sorriso. A espiã captou
algo em seu olhar e calou-se subitamente. Depois fitou o
agente 77Z.
— Você é biruta, Kirkpatrik? Quer ir à dama de ouros?
— Que acha que estou fazendo aqui? Jogando batalha
naval?

— 63 —
— Você avisou a alguém que nos pegou, Kirkpatrik?
Pinky captou o milionésimo de segundo de indecisão no
olhar do agente 77Z. Sorriu.
— Estou às suas ordens, Horace. Mas não sei o que
pretende.
— Ora, o que pretendo! Ir ao fétido fim deste tenebroso
assunto, é claro! Esmagar essa miserável dama de ouros
com um four de ases! Chegar ao ninho das cobras!
Repentinamente Kirkpatrik percebeu que as duas espiãs
estavam calmas e relaxadas. Evidentemente isto não
poderia lhe augurar nada de bom. Mas 77Z sabia, por
experiência própria, que arrancar confissões de espiãs
experimentadas era uma tarefa ingrata e demorada. Tinha
em mãos um grande trunfo: duas agentes que sabia
pertencerem à organização. Tinha que dançar conforme a
música. Seria uma grande chance descobrir o que estava
sendo tramado no México.
— E então? Como chegar lá?
Pinky semicerrou os olhos.
— Duzentos e quarenta graus a sudoeste, meu chapa.
Na rota de Ensenada.
Kirkpatrik ligou o motor do helicóptero e as hélices
começaram a girar, decolando imediatamente.

***

— O que vocês foram fazer, afinal, no apartamento de


Mary Ann?
A pergunta de Kirkpatrik não provocou nenhuma
reação em Pinky e June. O louro milionário não se
incomodou.
— Certamente foram limpar o local. E devem tê-lo
minado, hem?

— 64 —
De mau humor Pinky limitou-se a observar:
— Mantenha o rumo. Está muito a oeste. Deste jeito
vamos nos perder no Pacífico.
O agente 77Z corrigiu em alguns graus a rota do
helicóptero e dedicou-se a observar o céu estrelado. A noite
estava realmente linda, uma típica noite de verão da
Califórnia. Pouquíssimas nuvens, tempo muito bom.
O céu estava tão claro que Kirkpatrik não pôde deixar
de perceber a mancha escura vinda do sul, de frente para a
trajetória do seu helicóptero. Não deveria ser uma aeronave,
pois não apresentava luz alguma. Deveria ser apenas uma
sombra.
Mas, gradualmente, chegou-lhe aos ouvidos o rumor
típico. De outro motor. Outro helicóptero. O louro
milionário observou as espiãs no banco traseiro do seu
aparelho e percebeu que elas começavam a ficar um pouco
nervosas.
— O que você me diz disso, Valquíria? Não está
ouvindo um helicóptero se aproximar do nosso?
Ouviu a movimentação irrequieta atrás do seu banco. O
som tornava-se mais audível. Pilheriou:
— Será a dama de ouros que veio nos escoltar?
June emitiu um grito agudo que tinha muito pouco de
humano.
— Eu lhe avisei, Pinky, sua idiota! Agora vamos morrer
todos!
— Cale-se, June! Vamos escapar!
Kirkpatrik estava meio desorientado.
— Afinal que negócio é esse, meninas? Será mesmo a
dama de ouros?
Uma rajada de metralhadora abafou suas últimas
palavras. Kirkpatrik viu claramente as centelhas alaranjadas

— 65 —
partindo do interior da sombra escura, que era realmente um
helicóptero com todas as luzes de navegação apagadas.
A carlinga do helicóptero ficou crivada de balas. Uma
delas cravou-se no assento, a poucas polegadas do corpo do
agente 77Z. Este reagiu rapidamente, apagando todas as
suas luzes e empurrando o pedal para a frente, executando
um rápido mergulho. No banco traseiro, as moças gritavam,
desesperadas. O outro aparelho passou rapidamente por
cima daquele de Kirkpatrik, e, já ao norte, executou uma
ampla curva, tornando a aproximar-se.
— Desgraça, Pinky! Viu o que fez? Isto é o fim para
nós! Falhamos e estamos recebendo o nosso castigo!
Pinky não sabia o que dizer. Tentava articular algumas
palavras, mas o terror a impedia de ter sucesso. Kirkpatrik
interveio:
— Querem fechar as matracas, por favor? Preciso me
concentrar neste problema!
O helicóptero agressor estava agora atrás e acima do
aparelho ocupado por Kirkpatrik. A posição ideal para um
novo ataque.
O louro milionário não manteve o curso em linha reta.
Deslocando o manche, executou um outro mergulho,
escapando para a direita, rumo ao mar. Ao mesmo tempo,
abria com dificuldade a portinhola do helicóptero e sacava
a sua pistola, sentindo o vento frio inundar a carlinga.
Era uma luta muito desigual. Uma pistola contra
algumas metralhadoras. Uma das mais estranhas batalhas
aéreas de que se têm notícia.
Outra rajada estrugiu. Kirkpatrik, quase tocando a
superfície das ondas, sentiu as balas passando sobre a
hélice. Executou uma guinada brusca, fazendo as moças
deslizarem do banco e cair amontoadas, June sobre Pinky,
e, mirando a mancha negra com a pistola, fez fogo.

— 66 —
Descarregou a arma e não viu nada ocorrer. O único efeito
foi o afastamento do helicóptero agressor. Temporário.
O aparelho de Kirkpatrik ganhou altura e rumou para o
sudeste. Estavam próximos a San Diego, e o agente 77Z
concluiu que seria melhor aterrissar em algum local
próximo à cidade. Não haveria chance contra os atacantes.
Mas talvez não houvesse tempo nem para isso.
Novamente acercando-se por trás surgiu a terrível sombra
negra. O louro milionário apoiou as costas contra o painel
de instrumentos, e, metade fora da porta, recomeçou a atirar
para trás, com a arma já recarregada. Mirou o perfil escuro
e descarregou as nove balas.
Novamente o único resultado de sua desesperada
manobra foi um movimento por parte dos atacantes.
Kirkpatrik viu o outro helicóptero erguer a dianteira e
executar um loop, afastando-se para cima. Não fora
atingido, mas seus ocupantes eram prudentes.
As espiãs berravam em pânico. Tentavam movimentar-
se, mas o agente 77Z não lhes deu quartel. Suspeitando que
tencionavam jogá-lo fora do aparelho, empurrou-as para o
fundo do helicóptero, enquanto recarregava a arma e
mantinha o rumo, em direção às luzes já visíveis de San
Diego.
O louro milionário percebeu que agora o helicóptero da
dama de ouros limitava-se a segui-lo, sem que as
metralhadoras fossem acionadas. Deduziu que agiam assim
devido ao fato de estarem agora sobrevoando San Diego.
Uma batalha aérea seria facilmente notada por qualquer um,
sobre o perímetro da cidade.
Respirou, um pouco mais aliviado. E decidiu informar-
se mais sobre a situação:
— É realmente a dama de ouros, Valquíria?

— 67 —
— O que você acha, palhaço? Parece ser Papai Noel e
seu trenó voador?
— Calma, garota. É fácil entender que a sua
organização está nos atacando na intenção de me matar e a
vocês também de contrapeso, porque falharam em me
capturar. Tudo bem. Mas não entendo como se interessou
tanto em me levar ao covil da dama de ouros.
— É óbvio. Planejava levá-lo à nossa base secreta para
que fosse aprisionado e destruído.
— Muito obrigado pela atenção. E como seus cupinchas
perceberam que estávamos voando para Ensenada?
Com um sorriso escarninho, Pinky abriu um
compartimento camuflado na traseira do aparelho,
revelando um transmissor-receptor de rádio com cerca de
duzentas milhas de alcance.
— Idiota! — urrou o louro milionário, desesperado. —
Aqueles infelizes estão ouvindo tudo o que dizemos!
Devem estar gargalhando freneticamente!
Com um tiro Kirkpatrik destruiu o aparelho de rádio.
— Besteira, Kirkpatrik. Não devia gastar munição.
Desliguei o aparelho há poucos minutos. Ademais, não há
mais chance para nós. Morreremos todos em muito pouco
tempo. Ninguém escapa da dama de ouros.
— Cale-se! Cale-se! — 77Z estava extremamente
furioso. — Vocês, a dama de ouros e toda esta mixórdia são
um tiro na minha paciência!
Sobrevoaram a fronteira mexicana, deixando San Diego
ao norte. Kirkpatrik não sabia se tentar um pouso ou
prosseguir em voo. Na verdade, considerando-se o imenso
perigo da situação em que se encontravam qualquer opção
seria igualmente nefasta. Por fim, como era de seu
temperamento, o agente fora de série da CIA decidiu-se por
uma reação.

— 68 —
Utilizando sua pistola e aquelas que tomara das espiãs,
aguardou a aproximação do outro aparelho. Disparou então,
concentrando o fogo. Notou clarões na carlinga do
helicóptero da dama de ouros, e tentou sorrir, percebendo
que o havia atingido.
Mas a resposta não se fez esperar. Três ou quatro
metralhadoras dispararam simultaneamente. O aparelho
ocupado por Kirkpatrik foi literalmente varrido pelas balas
e, envolto em chamas, iniciou um brusco mergulho,
precipitando-se quase que verticalmente rumo ao solo.

— 69 —
CAPÍTULO SÉTIMO

Perseguição insensata

Na lanchonete do posto de gasolina situado à margem


da estrada para Ensenada as pessoas que deglutiam
tranquilamente os seus hambúrgueres foram de súbito
arrancadas de sua paz por um grande alarido que se elevava
do pátio do posto. Alguns curiosos, atraídos pela gritaria,
saíram da lanchonete e reuniram-se às pessoas que,
alarmadas, apontavam para o céu.
Como sói ocorrer em circunstâncias desse tipo, todos
imediatamente olharam para cima. E o que viram os
estarreceu.
Dois helicópteros voando muito baixo. Um deles
totalmente envolvido pelas chamas, como uma bola de
fogo. O outro afastando-se velozmente para o leste.
O horror apossou-se dos espectadores daquela cena
inusitada. O helicóptero incendiado caía velozmente na
direção do posto de gasolina.
— Meu Deus! Vai cair sobre nós!
A idéia de ocorrer a queda do artefato em chamas sobre
o posto de gasolina, provocando uma explosão
monumental, cruzou como um raio o cérebro dos presentes.
O terror infundido pelo imenso perigo que corriam
paralisou-os, pregando-os ao chão e impedindo que fosse

— 70 —
esboçada qualquer tentativa de fuga do holocausto que se
avizinhava.
Tudo ocorreu muito rapidamente. O helicóptero
transformado num verdadeiro inferno voador passou sobre
a lanchonete, a poucos metros acima do telhado, cruzou a
pista e foi cair sobre uma formação de arbustos, cerca de
cem metros mais adiante.
À luz das chamas, pôde-se ver três pessoas saltando
velozmente do aparelho incendiado, com as roupas pegando
fogo. Rolaram pela relva, enquanto procuravam
desesperadamente afastar-se daquele pesadelo. Foram
auxiliadas nesse intento pela brutal explosão que ocorreu
alguns segundos depois, e que, arrancando-as do solo,
lançou-as em direção à estrada, junto com uma miríade de
destroços fumegantes.
Então os espectadores começaram a mover-se. Saindo
do estupor em que se encontravam, alguns homens
atravessaram a pista correndo e resgataram os corpos das
três vítimas.
Pela agilidade e presença de espírito que demonstraram
em face do desastre, dir-se-ia que os três passageiros do
helicóptero sinistrado eram pessoas acostumadas a
enfrentar grandes perigos e situações como aquela. Embora
permanecessem sem sentidos, não estavam em mau estado.
Apenas chamuscados e apresentando algumas contusões.
Instalou-se um tremendo rebuliço na lanchonete, para
onde foram removidos os corpos desfalecidos dos infelizes
aeronautas. Médico e polícia foram convocados por
telefone. Recursos de emergência foram acionados.
Mas o estado das vítimas não demandava tantos
cuidados. Como haviam escapado a tempo dos efeitos das
explosões, apresentavam apenas queimaduras provocadas

— 71 —
pelo incêndio anterior e algumas escoriações, fruto do
tombo causado pelo deslocamento de ar.
Em melhor situação estavam as duas mulheres, jovens
e muito belas. Tanto que, muito antes da chegada do médico
e da polícia, já haviam sido reanimadas com goles de água
e tequila.
No entanto era muito estranho. As duas apresentavam
ainda os pedaços de corda amarrados aos pulsos e
tornozelos. E faziam esforços ingentes para afastar-se do
local o mais rápido possível, o que não seria permitido,
claro. Tinham ainda que ser examinadas pelo facultativo,
prestar esclarecimentos aos policiais e, eventualmente,
serem removidas para um hospital. Portanto o pedido de
carona para Ensenada foi terminantemente negado.
Na verdade, não podiam ser pessoas comuns. Em breve
o gigante louro estendido sobre uma das mesas da
lanchonete deu sinais de vida. Aguardou que a névoa se
dissipasse da frente de seus olhos e então conseguiu
focalizar os objetos. Rapidamente inteirou-se da situação.
Viu as duas moças, saindo da lanchonete, encostarem num
carro estacionado, aparentemente a fim de aspirar o ar mais
fresco da noite.
Não. Kirkpatrik não chegara tão perto da dama de ouros
inutilmente. Não deixaria aquela chance escapar de suas
mãos.
Saltou da mesa e pôs-se com dificuldade em pé,
apontando para a direção em que as moças se encontravam.
— Peguem-nas! Não as deixem fugir! São criminosas!
As únicas pessoas que entenderam o alcance daquelas
palavras foram as moças. Enquanto os prestativos cidadãos,
confusos, tentavam compreender o que se passava, June e
Pinky sentiram que a fuga era inadiável. Com movimentos
rapidíssimos e calculados, pularam para dentro do carro em

— 72 —
que estavam encostadas. June, encontrando a chave na
ignição, deu a partida.
A esse tempo, enquanto os demais presentes
permaneciam atônitos, dada a esquisitice da cena,
Kirkpatrik, manquitolando, arrastando a perna direita,
acorria, tentando evitar a escapada das espiãs a soldo da
dama de ouros. Realmente conseguiu chegar ao lado do
automóvel, mas o que lucrou com isso foi uma violenta
patada no queixo, desferida por June com o pé esquerdo.
Enquanto tombava de costas nas escadas de acesso à
lanchonete, o carro roubado pelas jovens arrancava com um
ranger de pneus, voando por dentro do pátio do posto de
gasolina e entrando na estrada para Ensenada como um
bólido.
O cérebro de Kirkpatrik estava obcecado pela idéia de
alcançar as espiãs. Refazendo-se do golpe, o agente 77Z
dirigiu-se aos tropeços para um táxi que acabara de encostar
ao lado de uma das bombas de gasolina, e cujo motorista,
espantadíssimo, acabara de assistir à cena.
Num repelão, o louro milionário abriu a porta do táxi e
jogou o motorista para o assento ao lado. Aproveitando o
fato de o motor do veículo estar ainda ligado, pisou até o
fundo o acelerador, após engrenar a primeira marcha.
Esqueceu-se, porém, de fechar a porta, e ela tombou fora ao
chocar-se com a bomba de gasolina.
Antes que o condutor do táxi conseguisse entrar em
sintonia com o que ocorrera naqueles quatro ou cinco
segundos, o automóvel, derrapando violentamente, sem
porta do lado esquerdo e com o motor exigido na máxima
rotação, invadia aos arrancos a auto-estrada, esquivando-se
por alguns palmos de ser atingido por um caminhão que
trafegava em sentido contrário.

— 73 —
Com o pé pressionando o acelerador no fim do curso,
Kirkpatrik engrenou a marcha mais rápida e disparou, a
uma velocidade absolutamente insensata, em perseguição
do veículo roubado por June e Pinky.
— Pegue isto, amigo — e Kirkpatrik lançou às mãos do
motorista uma carteira cheia de notas.
Por um ato reflexo, o condutor abriu-a e olhou o grosso
maço de cédulas de quinhentos dólares.
— Caramba! É a primeira vez que sou assaltado e
recebo dinheiro!
— Nada disso, Pablo. Estou comprando seu carro, sem
porta e tudo.
— O nome é Ignacio, señor.
— OK, Ignacio. Compensa o negócio?
— Claro. Esta charanga não vale mais que quatrocentos
dólares. O señor é ladrão? Contrabandista?
— Divisão Internacional de Narcóticos.
— Divisão... o quê?
— Esqueça.
Trafegando a cento e trinta milhas por hora, a
velocidade máxima daquela charanga, Kirkpatrik
aproximou-se sensivelmente do carro ocupado pelas espiãs,
que corria no rumo de Ensenada. Agora o agente 77Z estava
profundamente irritado. Dispunha-se inclusive a jogar as
moças fora da estrada.
Aproximavam-se de uma curva. Súbito o carro das
espiãs invadiu a pista da esquerda, na contramão, para
ultrapassar um velho Chevrolet. O agente fora de série da
CIA executou a mesma manobra e percebeu a extensão do
seu erro ao dar de cara com o gigantesco caminhão Mack
de quarenta toneladas, que vinha completando a curva.
O lance que se seguiu foi digno de um espetáculo de
ballet, uma verdadeira coreografia motorizada.

— 74 —
Simultaneamente o motorista do Mack aplicou os freios
pneumáticos; o Chevrolet escapou para o acostamento, à
direita; o carro de June e Pinky pareceu espremer-se para
conseguir passar no intervalo entre os dois anteriores; e
Kirkpatrik lançou o táxi de Ignacio ao acostamento da
esquerda, na contramão, levantando uma nuvem de poeira
e cascalho. Reentrando na pista asfaltada com o veículo a
dançar loucamente, o agente 77Z prosseguiu na insensata
perseguição.
— Pode descobrir o rosto, Ignacio. Está tudo bem.
Encolhido sob o painel, o condutor mexicano, trêmulo
de pavor, negava-se terminantemente a tomar
conhecimento da situação.
Enquanto esfregava o queixo ferido pelo chute de June,
o louro milionário refletia se agira certo ao cortar as cordas
que aprisionavam as duas perigosas espiãs, poucos
segundos antes da queda do helicóptero. Chegou à
conclusão de que fizera o que devia ser feito. Não podia
deixar as garotas morrerem no aparelho em chamas. E
ademais perderia a pista da dama de ouros.
— Señor...
— Fale, Ignacio.
— Creio que estamos próximos ao posto policial
rodoviário. Não crê que convém parar?
— Está louco, Ignacio? Eu poderia ser multado por
excesso de velocidade!
De fato; um pouco adiante Kirkpatrik viu de relance a
grande placa verde com dizeres em branco:

POLICIA CAMINERA
500 m.

— 75 —
Separados pela magra distância de cinquenta metros, os
dois carros passaram voando sobre o asfalto em frente do
posto dos policiais rodoviários, provocando um
pandemônio incrível e obrigando guardas e civis a saltarem
em todas as direções, evitando os bólidos à máxima
velocidade. Os policiais reagiram rápido e logo se ouviam
alguns tiros, mas Kirkpatrik e as espiãs já estavam longe.
Cerrando os dentes, furioso, o agente 77Z parecia
querer furar o soalho do carro com o pé que pressionava o
acelerador. Aproximava-se das espiãs e iria tentar uma
jogada maluca. Consultou os mostradores do painel e
vociferou:
— Desgraça, Ignacio! A gasolina está no fim! Por que
não abasteceu este calhambeque?
— E o que acha que eu estava fazendo ao ser
sequestrado, señor?
Antes que o combustível terminasse, o veículo pilotado
pela perigosa June cruzou toda a autopista e, executando
uma curva fechadíssima, enveredou à esquerda por uma
estrada de terra muito maltratada. O agente fora de série da
CIA, apanhado de surpresa, não conseguiu realizar a curva
com a mesma perfeição. Bateu num barranco e o carro
parou. Kirkpatrik aproveitou a oportunidade e praticamente
arrojou Ignacio fora do automóvel.
— Você desce aqui, amigo. Já arrisquei demais a sua
vida.
Com um poderoso rugido, o táxi sem porta esquerda
arrancou bruscamente pela estrada de terra.
Enquanto o veículo saltava, rangia e se esboroava
continuamente, o louro milionário sorria. Agora tinha
certeza de estar bem próximo do tenebroso covil da dama
de ouros, fosse ela o que fosse.

— 76 —
Percorreu ainda algumas milhas, com o carro caindo
aos pedaços devido ao péssimo estado da pista e à
velocidade absurda que desenvolvia. Continuava a ver à sua
frente a sombra do carro de June e Pinky.
Sem prévio aviso, viu os pequeninos clarões
alaranjados nascendo das trevas, à sua direita. Sentiu o
impacto das balas de grosso calibre destroçando o que
restava da carcaça do maltratado táxi. Protegendo-se sob o
painel, tentou ainda controlar o veículo. Uma densa nuvem
de fumaça surgiu sob o capô e o motor não mais respondeu
ao seu comando. Teve um pneu estourado. Dois. Três.
Vendo-se perdido, Kirkpatrik pulou pelo espaço onde
um dia estivera a porta esquerda do carro. Rolou pela pista
enquanto o táxi, desgovernado, rolava por uma ribanceira.
Com muito custo, o agente fora de série da CIA
conseguiu pôr-se de joelhos, enquanto apertava a cabeça
com ambas as mãos, estonteado. Ouviu então a voz severa
às suas costas:
— Muito bem, amigo Kirkpatrik. Sua carreira chegou
ao fim.
E tudo desapareceu.

— 77 —
CAPÍTULO OITAVO

Fábrica de espiãs

Horace Young Kirkpatrik teve certeza de que realmente


a sua hora final havia soado. Estava morto, não havia a
menor dúvida. Morrera e se encontrava agora no paraíso, a
recompensa última dos justos. Sua alma elevara-se à
dimensão dos bem-aventurados.
De outra forma, era inexplicável a situação em que se
encontrava. Reclinado num amplo e confortável divã, como
um nobre romano decadente do Império, cercado de
confortáveis almofadas e todo o luxo imaginável. Por
reflexo, procurou com o olhar um gigantesco negro abaná-
lo com plumas, de turbante e tudo, e, é claro, não encontrou
semelhante figura. E ele próprio estava vestido com...
com... nada. Encontrava-se inteiramente nu.
À sua frente, Kirkpatrik deparava-se com uma visão
celestial. Eram seis moças, seis jovens entre vinte e cinco e
trinta e dois anos, presumivelmente, de beleza
positivamente estonteante. Não era uma visão terrena.
Mulheres tão belas eram privilégio do Éden.
Três morenas, duas louras e uma oriental
provavelmente chinesa. Todas elas exiguamente vestidas,
apenas com uma diminuta tanga, de cor vermelha,
ocultando a beleza mais íntima de cada uma delas.

— 78 —
Era exatamente esta a idéia que Kirkpatrik acalentava a
respeito do paraíso. Algo como céu prometido aos
muçulmanos por Maomé, através do Corão, com odaliscas,
luxo, conforto bem-estar. Exatamente a vida que o playboy
milionário desfrutava em sua existência terrena.
Aquelas odaliscas eram realmente, personagens do
outro mundo. Todas elas, cada um no seu estilo,
apresentavam um conjunto de beleza e encantos capaz de
destruir qualquer concurso de Miss Universo. Corpos
perfeitos e harmoniosos, curvas suaves e bem delineadas,
seios generosos e agressivos, coxas sedutoras, pernas
maravilhosamente bem torneadas, rostos lindos e
angelicais...
Tratava-se de uma obra-prima da natureza. E todas elas,
descontraídas, sentavam-se em confortáveis poltronas que
formavam um semicírculo em torno do agente fora de série
da CIA com as espetaculares pernas graciosamente
cruzadas, algumas delas fumando cigarros aromáticos.
Sorriam todas, com os olhos fixos nele. E a única peça de
roupa que utilizavam, a tanga, tinha o formato de um
losango. Um losango vermelho.
Kirkpatrik aspirou o aroma do ambiente. Incenso
indiano da melhor qualidade, contribuindo para tornar
aquela ocasião um momento de sonho, estranhamente
irreal.
Uma das louras, uma jovem alta, de longos cabelos que
caíam sobre os ombros nus, seios opulentos e lábios
carnudos, tomou a palavra e disse, em voz quente e sensual:
— Procurava ansiosamente pela dama de ouros, não é
mesmo, Mr. Kirkpatrik? Pois aqui está ela.
A confusão mental que assaltava o agente 77Z era por
demais evidente. Sim, desafiara mil perigos para encontrar
cara a cara a dama de ouros. E...

— 79 —
— Posso compreender o que sente, Mr. Kirkpatrik. Está
obviamente aturdido. Pois garanto-lhe que tem o discutível
prazer de estar diante da dama de ouros!
Claro, se estava diante da dama de ouros, era evidente
que não havia morrido. Seria absurdo imaginar que a
tenebrosa organização persistisse em atormentá-lo, no céu
ou no inferno.
Kirkpatrik fez um movimento, como que desejando
levantar-se do confortável divã. No mesmo instante
surgiram nas portas e janelas do aposento dezenas de
metralhadoras, empunhadas por jovens de beleza
semelhante à das seis odaliscas. O agente 77Z tornou a
recostar-se, preocupado. Pediu:
— Posso fumar?
Uma das morenas jogou-lhe um maço de cigarros
Avrupa, turcos, e um isqueiro de ouro. O louro milionário
acendeu com vagar o cigarro, tragando-o profundamente.
— Vocês são a dama de ouros?
— Exatamente, Mr. Kirkpatrik. Oh, perdão! Permita-
me que me apresente: meu nome é Virgínia Wood, ex-
agente CAL 3666 da CIA, atual Presidente do Comando da
Organização Dama de Ouros.
— Muito prazer, Miss Wood — Kirkpatrik estava
estupefato.
— Na verdade o prazer é exclusivamente meu Mr.
Kirkpatrik. Apresento-lhe minhas companheiras do
Comando: camarada Yelena Latynina, do MVD soviético;
Miss Agatha Sheridan, do MI-5 britânico; Mademoiselle
Claudette de Saint-Simon, do Deuxième Bureau francês;
Mis Iress Ben-Yaakov, do Mossad israelense; e, finalmente,
Miss Kwang Mini, do Lien Lo Pou chinês.
À medida que iam sendo apresentadas, as moças
inclinavam suas cabeças, num formal cumprimento ao

— 80 —
agente fora de série da CIA. Este, por sua vez, mostrava-se
confuso ao ver aquela verdadeira salada de espiãs dos mais
diversos serviços secretos do mundo inteiro. A presidente
ia dama de ouros prosseguiu:
— O senhor só está vivo no presente momento, Mr.
Kirkpatrik, porque eu e minhas assessoras tivemos grande
curiosidade de conhecê-lo pessoalmente. Está claro que,
devido às informações que obtive enquanto agente da CIA,
eu tenha perfeito conhecimento de que o senhor é, na
verdade, o agente 77Z, a serviço do Departamento 77,
chefiado por Mr. Lattuada. Mas, sinceramente, não
esperava defrontar-me com um homem do seu quilate.
Senão, vejamos: foi ameaçado pela Organização, escapou
com um braço quase quebrado do episódio de Marsh Drive,
levou dois tiros e quase morreu afogado no Palm Beach Sea
Club, escapou da armadilha explosiva em West Belle
Avenue, capturou Miss Everett e Miss Saint-Witold na base
secreta camuflada em casa de campo de Los Angeles,
esquivou-se do ataque ao helicóptero e, finalmente
conseguiu chegar a nossa base secreta. Meus parabéns, Mr.
Kirkpatrik. O senhor é um homem terrível.
— Isso é um elogio, Miss Wood?
— Pode tomá-la assim. Mas não vejo motivo para ficar
tão excitado em nossa presença.
Apesar de se encontrar numa situação de grave perigo,
Kirkpatrik não pudera evitar a reação natural, ao ver-se
diante de seis belíssimas jovens praticamente despidas.
Procurou disfarçar, mergulhando em preocupações:
— Tudo bem, vocês são o Comando da organização
Dama de Ouros. Mas o que são, realidade? O que significa
tudo isto? O que pretendem? Por que estão extorquindo
empresários ligados à CIA?
Virgina Wood sorriu, acompanhada pelas assessoras.

— 81 —
— Mr. Kirkpatrik, não deve confundir curiosidade com
estupidez. Sem querer fazer trocadilho, o senhor é carta fora
do baralho. Está liquidado. E é apenas por isso, pelo fato de
podermos matá-lo no instante em que quisermos, que ainda
está falando neste momento. Quer realmente saber o que é
a Dama de Ouros? Teremos grande prazer em explicar-lhe.
Venha, por favor.
Virginia Wood levantou-se, seguida quase que
imediatamente pelas belíssimas espiãs que a assessoravam,
enquanto, com um gesto, convocava o agente fora de série
da CIA. Este hesitou, relutando em erguer-se do divã:
— Não sei se devo... estou descomposto...
Virginia Wood não pôde conter uma gargalhada.
— Ora, vamos, Mr. Kirkpatrik! Não se acanhe por isso!
Através de pórticos em arco, passaram do espaçoso
aposento em que se encontravam para uni amplo terraço
com piso de lajotas. O agente 77Z identificou o local.
Estavam numa antiga casa de fazenda, provavelmente
construída ainda na época dos conquistadores espanhóis.
Do terraço, dispunha-se de uma vista deslumbrante dos
terrenos circunvizinhos, a paisagem da Baixa Califórnia.
Várias outras casas, menores, podiam ser vistas duzentos
metros além.
— O que acha, Mr. Kirkpatrik?
— Parabenizo-as por seu bom gosto.
— Obrigada. Esta é a nossa hacienda, o nosso quartel-
general. Tudo o que a sua vista alcança pertence à dama de
ouros. São mais de vinte quilômetros quadrados. O México
é um país maravilhoso, Mr. Kirkpatrik, e esse foi um dos
motivos que nos levaram a instalar aqui a nossa
organização.
Prosseguiram caminhando pelo terraço. No extremo
gramado entre aquela casa de fazenda, em estilo colonial, e

— 82 —
as outras edificações mais próximas, o louro milionário viu
um grupo da oito ou dez moças, vestidas com quimonos,
praticando lutas japonesas, sob o comando de um:
instrutora de artes marciais. Ã esquerda, algumas jovens
treinavam tiro à silhueta. Mais adiante viu algumas garotas
recebendo instruções de manuseio de metralhadoras
Browning e rifles automáticos. Outras meninas
embarcaram num helicóptero e levantaram voo, certamente
de aprendizado. Ao todo, cerca de uma centena de moças
recebiam treinamento militar, de guerrilha, espionagem e
sabotagem.
— A Dama de Ouros é uma organização formada
apenas por mulheres, Miss Wood?
— Nossas principais colaboradoras são todas mulheres.
Isso não nos impede de termos homens também, mas
apenas para executar os serviços subalternos: motoristas,
mensageiros, faxineiros... coisas assim.
— E por que isso? Por que essa discriminação?
— Ora, Mr. Kirkpatrik! Sua pergunta me surpreende. Ê
um fato científico que, na espécie humana, a fêmea é
superior em todos os sentidos ao macho. Muitos fatores,
físicos, biológicos e outros, constroem essa superioridade.
Pense um pouco. A mulher é muito mais resistente à dor, à
tensão, é imune à hemofilia... para não citar milhares de
outros aspectos. É evidente que, para se construir uma
organização invencível, é necessário baseá-la em mulheres.
O agente fora de série não insistiu. Foi assaltado pela
suspeita de que se achava encerrado num hospício. Mudou
de assunto.
— Mas ainda não entendi que organização é esta.
Passaram a percorrer o amplo gramado, em direção das
moças que praticavam judô, caratê, ken-do e taekwon-do.

— 83 —
— O senhor não possui muita imaginação. Está vendo
uma sessão de treinamento de futuras espiãs, segundo o
programa estabelecido por nossa Diretora de Treinamento,
camarada Yelena. Isso não lhe sugere nada?
— Sim. Estou vendo uma verdadeira fábrica de espiãs.
Virginia Wood concordou, com um sorriso. Chegaram
diante das outras moças.
— Mr. Kirkpatrik, apresento-lhe Miss Ingrid
Johansson, nossa instrutora de artes marciais. Ingrid, não
quer demonstrar ao cavalheiro um pouco de sua técnica?
A alta loura assentiu com a cabeça. Então, subitamente,
ergueu as mãos em cutelo, como se pretendesse aplicar dois
golpes simultâneos na base do pescoço de Kirkpatrik. Este,
em ato reflexo, abriu os braços para defender-se. E recebeu
o violento chute no plexo solar, que o lançou ao solo dois
metros mais atrás.
— Está bem, Ingrid. Obrigada — e voltando-se para o
louro milionário caído de costas. — Percebeu o que eu quis
dizer há pouco, Mr. Kirkpatrik? Nenhum homem seria
capaz de derrotar Ingrid numa luta.
Dispensando as outras cinco componentes do
Comando, Virginia Wood sentou-se calmamente num dos
bancos do jardim. Respirando com dificuldade, o agente
77Z arrastou-se para o banco, acomodando-se ao lado da
Presidente da Dama de Ouros.
— Decidi satisfazer a sua curiosidade, Mr. Kirkpatrik.
Vou contar-lhe o que é a Dama de Ouros. Morrerá mesmo,
e, portanto, isso não poderá prejudicar-me em nada.
Ademais é um grande prazer para mim, acredite, mostrar-
lhe o imenso poder de que dispomos.
Virginia Wood acendeu dois cigarros e estendeu um
para o alquebrado milionário.

— 84 —
— Na verdade é uma longa história. Eu fui, durante
muitos anos, uma agente da CIA, ligada à residência de Los
Angeles. Trabalhei no mundo inteiro. Executei missões em
lugares tão distantes como Entebbe e Estocolmo. E, ao
longo de todos aqueles anos dentro do mundo da
espionagem, passei a conhecer perfeitamente todo o poder,
a influência e o dinheiro manipulado pelos grandes serviços
secretos. Conheci muita gente na CIA, no MVD, no Lien
Lo Pou, em quase todos os serviços de informação
existentes. Então, um dia, uma idéia espocou em meu
cérebro: eu arriscava a vida diariamente, vivia sob tensão
constante, sofria horrores, e tudo isto por quê?
Simplesmente para beneficiar a CIA, a Pátria, o Mundo
Livre, ou qualquer nome que se dê a um restrito círculo do
Poder. Minha existência era meramente uma carta de
baralho no jogo interminável de influências bancado pelos
donos do Poder. E foi então que eu mandei tudo às favas.
Decidi que, se deveria viver perigosamente, teria que ser em
meu próprio proveito, e não em benefício de algumas
dezenas de seres ambiciosos e egoístas.
Virginia Wood tragou profundamente o cigarro.
— Resolvi utilizar todos os conhecimentos que reunira
em meus anos de espionagem para a CIA e instituir meu
próprio serviço de espionagem, autônomo. Apresentei a
idéia a diversas espiãs de outras organizações, com as quais
eu mantinha algum relacionamento, e todas elas
concordaram comigo. Claro. Por que ganhar uma ninharia
arriscando a vida pelos outros, se poderíamos possuir muito
mais, montando um serviço autônomo e fazendo os outros
agirem por nós? Eu e minhas companheiras do Comando
fundamos, então, a Dama de Ouros.
Kirkpatrik seguia atentamente a exposição de Virginia
Wood. A loura continuou:

— 85 —
— Evidentemente, pelos motivos que lhe expus
anteriormente, era minha intenção montar um serviço
secreto gerido unicamente por mulheres, para obter
resultados mais compensadores. E, aos poucos, fomos
aliciando outras espiãs, dos mais diversos serviços de
informação, e introduzindo-as em nossa organização.
— Para fazer o jogo da espionagem.
— Exatamente. Fazemos o que qualquer outro serviço
secreto faz, só que em benefício de nós mesmas, e não de
qualquer país.
— E por que a extorsão contra os empresários ligados à
CIA? E contra mim?
— É uma coisa lógica, Mr. Kirkpatrik. Como eu
pertenci à Agência, conheço muita gente ligada a ela. E
tenho ainda duas dúzias de garotas que foram agentes da
CIA. Portanto, tínhamos um conhecimento completo de
tudo o que se referia a esses empresários, e ao senhor
mesmo. Por outro lado, montar uma organização como a
Dama de Ouros é uma coisa muito dispendiosa. Foi
necessário comprar esta hacienda, custear o treinamento das
garotas, comprar informações, adquirir material, pagar
traidores... enfim, conseguimos o dinheiro chantageando
esses grandes industriais. Os poucos que não quiseram
colaborar foram mortos sumariamente.
— Mas por que esse nome? Dama de Ouros?
— O senhor é muito fraco de imaginação, Mr.
Kirkpatrik. Somos mulheres em busca do ouro, não? Quer
um nome mais adequado? E ademais agora somos nós que
damos as cartas na espionagem mundial. Veja bem: somos
espiãs. Se quiser, traficantes de informações. Compramos,
conseguimos ou extorquimos dados militares e estratégicos
importantes sobre os Estados Unidos, por exemplo, e os
vendemos ao MVD. Informações sobre os russos são

— 86 —
vendidas ao Lien Lo Pou. Decisões secretas dos chineses
são negociadas com o Mossad israelense. E assim vamos
levando a vida, obtendo informações importantes em
espionagem com relação a qualquer país e negociando-as
com os interessados.
— Mas não compreendo que isso é um jogo muito
perigoso? Pode afetar o equilíbrio e a paz mundiais, já tão
combatidos nos últimos tempos. Pretende provocar uma
guerra mundial?
— Na verdade, estamos pouco ligando para o que
ocorra ao mundo, Mr. Kirkpatrik. E quanto ao perigo da
situação, reconheço-o, mas nós nos garantimos. O mesmo
tipo de chantagem que aplicamos' nos Estados Unidos está
sendo executado por nós na Inglaterra, França, Alemanha e
muitos outros países. Estamos atuando ainda em estágio
incipiente, mas quando estas cento e vinte garotas que o
senhor está observando em treinamento estiverem aptas, o
que deverá ocorrer dentro de dois ou três dias, espalhar-se-
ão pelo mundo como uma nuvem de gafanhotos,
multiplicando ad infinitum o poder da Dama de Ouros. A
Terra será nossa!
— Então é isso o que pretendem na verdade? Dominar
o mundo?
— E quem não o pretende, Mr. Kirkpatrik? Pode levar
algum tempo, mas dominaremos o mundo com o dinheiro e
o controle das informações. Venha ver uma pequena parte
de nossas instalações, por favor.
Dirigiram-se ao subsolo da casa de fazenda, formado
por diversas salas que continham uma parafernália de
equipamentos eletrônicos: computadores, aparelhos de
rádio, telex, circuitos internos de televisão e outros
engenhos desconhecidos pelo agente 77Z.

— 87 —
— Desta central controlamos os movimentos de todas
as nossas agentes através do mundo, Mr. Kirkpatrik. Além
disso ativamos também toda a sorte de armadilhas
científicas implantadas na extensão da fazenda. Se
conseguisse sair desta casa, não poderia dar três passos sem
ser morto por uma delas.
Virginia Wood sorriu de modo estranho para o louro
milionário.
— Creio que satisfizemos a sua curiosidade, Mr.
Kirkpatrik. Agora é a sua vez de satisfazer a nossa.
E, virando-se para quatro moças que empunhavam
metralhadoras, ordenou:
— Levem-no para a sala de torturas!

— 88 —
EPÍLOGO

Preso ao poste fincado verticalmente no centro da sala


de torturas, com as mãos acorrentadas acima da cabeça e
inteiramente nu, Kirkpatrik olhava fixamente para as duas
jovens, vestindo apenas a diminuta tanga em forma de
losango que parecia ser o uniforme das espiãs da Dama de
Ouros, e que, sentadas no chão, mantinham as
metralhadoras apoiadas sobre os joelhos.
— Alguma de vocês é a técnica cm torturas?
Uma delas, uma ruiva capaz de endoidar um frade de
pedra, respondeu:
— Não. Mas não demora a chegar.
— O que esperam arrancar de mim?
— Sei lá. Provavelmente alguma informação sobre a
CIA que ainda não seja do conhecimento do Comando. Ei,
por que está me olhando assim, meu chapa?
Kirkpatrik fixara um olhar obcecado na tanguinha da
moça.
— Interessante essa sua tanga vermelha. É o uniforme
daqui?
— É. A forma representa o naipe de ouros.
A ruiva encarou 77Z por uns instantes e suspirou
profundamente.
— Você é um homem incrível, Kirkpatrik. Vai sofrer
torturas horríveis, terá uma morte sinistra e, com todos
esses problemas, ainda consegue ficar excitado!!

— 89 —
— Claro. Com duas bonecas gostosíssimas como vocês
na minha frente, o que esperavam que me ocorresse?
O louro milionário calculou que as duas moças, após
tanto tempo na organização só de mulheres, deveriam estar
muito a fim de ser contempladas com carinhos masculinos.
— E então? Vão perder a chance de aproveitar um
material como este? — insinuou o cínico louro, em voz
sedutora.
A ruiva trocou um olhar com sua companheira. A outra
assentiu com a cabeça.
— Tudo bem. Vou cobri-lo com a metralhadora. Além
do mais, ele não tem chances de escapar. Vá em frente,
Betty.
Depositando a metralhadora no chão, ao lado da
companheira, a ruiva Betty aproximou-se do corpo
musculoso de Kirkpatrik, começando a acariciá-lo. Logo
acendeu-se a chama de um desejo avassalador, e,
concentrando suas atenções numa determinada parte da
anatomia de 77Z, Betty tentou recompensar-se pelo longo
tempo de abstinência. Observando a cena, sua companheira
também começou a ficar tremendamente excitada.
— Calma, menina... desse jeito jamais chegará a saber
o que minhas mãos podem fazer por você.
Betty olhou para a companheira. Esta colocou-se de pé,
metralhadora apontada para o peito do louro milionário.
— Ora... — sussurrou Kirkpatrik —, é impossível
escapar daqui. Eu não tentarei nada.
No paroxismo da excitação, Betty abriu as algemas que
fixavam as correntes e as mãos de Kirkpatrik. Livres, as
mãos do agente fora de série da CIA começaram a acariciar,
em movimentos experientes, os seios e toda a anatomia de
Betty, arrancando-lhe gemidos de prazer.

— 90 —
De boca aberta, consumida pela excitação, a
companheira viu Betty ser possuída pelo atlético
milionário, que a levava ao delírio do prazer. Quando a
ruiva atingiu o clímax sexual, a moça da metralhadora
aproximou-se um pouco mais, sem poder resistir à tentação.
Kirkpatrik teve que agir rápido. Elevando o braço
esquerdo, lançou a metralhadora longe com um violento
tapa. Antes que a moça, aturdida, pudesse gritar, um direto
aos queixos a pôs para dormir.
Agindo velozmente, Kirkpatrik amparou o corpo da
jovem e o depositou suavemente no chão. E quanto a Betty,
antes que pudesse tomar conhecimento da situação, sentiu
a manopla do agente fora de série da CIA cobrir-lhe a boca,
impedindo-a de gritar.
O agente 77Z amordaçou Betty com sua própria tanga
e amarrou-a com algumas cordas que encontrou na sala de
torturas.
— Desculpem, garotas — murmurou, olhando para a
ruiva Betty que o encarava fixamente com profundo ódio
estampado nos belos olhos.
Enquanto empunhava a metralhadora, Kirkpatrik
imaginou que talvez tivesse cometido um erro terrível.
Segundo Virginia Wood, era inteiramente impossível fugir
da casa de fazenda, devido às armadilhas acionadas
eletronicamente. De qualquer modo, tinha que tentar
alguma coisa. Não iria esperar que o transformassem em
filé à francesa.
A porta da sala não estava trancada. O agente 77Z
abriu-a e lançou uma olhada cautelosa ao corredor. Deserto.
Por sorte, a técnica em torturas ainda não chegara, e, ao que
parecia, ninguém havia escutado os ruídos na sala de
torturas. Claro, devia ser isolada sonoramente, para que os
gritos dos supliciados não incomodassem os demais.

— 91 —
Sem fazer ruído, com a arma apontada, Kirkpatrik
percorreu uma extensão do corredor. Deparou-se então com
a porta da sala de comando que Virginia Wood lhe
mostrara. Talvez lhe fosse possível provocar uma confusão
qualquer, achar um meio de escapar.
Difícil, mas de qualquer modo a sorte estava lançada.
Com um violento pontapé, abriu a porta e saltou para dentro
da sala de comando, repleta de computadores e operadoras.
— Todas quietas! Ao menor movimento, atirarei para
matar!
Aturdidas, as moças permaneceram paralisadas cm seus
postos. Kirkpatrik observou a infinidade de luzinhas
piscando, mostradores, painéis, terminais de vídeo, teclados
e aparelhos estranhos. De repente, como que obedecendo a
uma inspiração, apontou a metralhadora e abriu fogo sobre
os computadores.
Instalou-se um pandemônio na sala de comando,
enquanto pedaços de computadores, circuitos impressos,
telas e fitas magnéticas voavam em todas as direções,
despedaçados pelos balaços. Pequenas explosões e chamas
brotavam do interior dos cérebros eletrônicos destruídos.
As luzinhas piscantes enlouqueceram e um zumbido
horrível começou a brotar da parafernália inutilizada.
Súbito, quando todos corriam e saltavam como
dementes em meio aos escombros da sala de comando,
começou a ecoar o som fortíssimo e estridente de uma
sirena de alarma, atingindo todos os compartimentos do
quartel-general da Dama de Ouros.
— Idiota! Atingiu a Central Programada de Destruição
de Emergência! Tudo vai explodir dentro de três minutos!
Agora todas corriam em direção à porta, desesperadas,
e não prestavam mais a mínima atenção a Kirkpatrik,

— 92 —
amontoando-se no corredor e tentando febrilmente escapar
do subsolo da casa de fazenda.
O agente 77Z intuiu que, ao destruir os computadores,
acionara automaticamente algum tipo de controle de tempo
que faria aquela espelunca voar pelos ares.
Kirkpatrik lançou longe a metralhadora, tornada inútil
pelo imenso perigo que a situação apresentava, e, voando
por cima das moças que ocupavam o corredor em total
balbúrdia, penetrou na sala de torturas. Como se estivesse
levantando duas plumas, arrancou do solo os corpos de
Betty e sua companheira, e, fazendo uso de seu tamanho e
força física, abriu caminho através do corredor e da
escadaria que levava ao pavimento térreo da casa de
fazenda. Certamente os comandos eletrônicos das
armadilhas deveriam ter sido destruídos no tiroteio contra
os computadores. De qualquer modo, uma explosão
apocalíptica devia ter lugar a qualquer momento, e
Kirkpatrik só pensava em afastar-se velozmente daquela
casa.
Corria como um louco através do amplo gramado,
sobraçando as duas moças, quando ouviu-se um estrondo
ensurdecedor e o quartel-general da Dama de Ouros
desapareceu, envolvido pelas chamas.

***

Mr. Lattuada apoiou o cigarro no cinzeiro de cristal,


espalmou as mãos sobre a mesa e sorriu.
— Foi um excelente trabalho, Horace. Realmente
notável. Confesso que não esperava por um resultado tão
satisfatório.
Horace Young Kirkpatrik cruzou as pernas sobre a
mesa.

— 93 —
— Ora, chefe, não foi um trabalho muito difícil. A
polícia mexicana foi-nos muito útil no caso.
— Sim. Ao que parece, eles já estavam desconfiados
dos ocupantes daquela fazenda. A dama de ouros, na
verdade, não tinha condições de ocultar muito as suas
atividades secretas.
— Justamente. E, naquele dia, a queda do helicóptero e
a perseguição em frente do posto da polícia rodoviária
alertaram os mexicanos de que algo de muito estranho
estava ocorrendo. Encontraram então, na estrada, o
motorista Ignacio, o dono do táxi que fora sequestrado por
mim no posto de gasolina. Ignacio disse aos policiais que
eu era de uma tal Divisão Intercontinental de Tóxicos, ou
algo semelhante, e eles, que já estavam de olho na hacienda
de Virgínia Wood, estabeleceram uma discreta, mas
eficiente vigilância sobre o local. No entanto não podiam
invadir a propriedade particular sem dispor de provas
concretas de que havia algo cheirando mal ali.
— Mas quanto à explosão?
— O quartel-general da Dama de Ouros estava minado,
e os explosivos eram controlados por uma tal de Central
Programada de Destruição de Emergência. Quando
estraguei os computadores, entrou em ação um comando de
tempo e a casa explodiu em três minutos. No entanto a
explosão havia sido calculada para acabar com os arquivos
secretos da Dama de Ouros, e não para matar os que lá
estivessem. Assim sendo, todas as moças escaparam com
vida. Algumas ficaram mais ou menos feridas ou
chamuscadas, mas sem maior gravidade.
— E então...
— A explosão era o sinal que os policiais mexicanos
esperavam para intervir. Uma prova concreta de que algo
ilegal estava ocorrendo na hacienda. Logo após o sinistro

— 94 —
eles fecharam o cerco e prenderam todas as moças. Só não
sei o que será feito delas.
— Era um problema meio difícil de resolver, porque
todas as seis garotas do Comando sabiam de muitas coisas
sobre a CIA. Conheciam inclusive a sua identidade de 77Z
e a minha, como chefe do Departamento 77. No entanto
nossos psiquiatras foram ao México para examiná-las e
deram-me uma boa notícia.
— Qual?
— Parece que Virginia Wood e as outras moças
perderam a razão. Não estão em seu juízo perfeito.
— Fundiram a “mufa”?
Mr. Lattuada riu, divertido. Estava de muito bom
humor.
— Mais ou menos isso.
— E em que esse tato pode nos ser favorável?
— Ora, Horace, isto é óbvio. Uma vez declaradas
insanas, qualquer coisa que as moças disserem não poderá
ser aceita sem reservas. Se Virgínia Wood disser que você
é 77Z e eu sou o chefe do Departamento 77, a afirmação
provocará tanta hilaridade como se eu insistisse em que o
Presidente Reagan é um agente do MVD ou que a Rainha
da Inglaterra está a soldo da China.
— Entendi.
— De qualquer modo, tudo se resolveu muito bem,
graças à sua intervenção, Horace. Os projetos malignos da
Dama de Ouros foram abortados e Virginia Wood não
conseguiu concretizar o seu sonho de dominar a Terra.
Horace serviu mais duas doses de scotch.

***

— 95 —
A deliciosa morena gemeu mais uma vez,
profundamente, de puro prazer.
Kirkpatrik continuou beijando os encantos de Karen
Langley. Depois prosseguiu distribuindo quentes e
apaixonados beijos no ventre, nos seios e, finalmente, nos
lábios da belíssima garota.
Abraçou-a fortemente e ela estendeu uma perna sobre a
cintura do louro milionário. Suspirou, ardente de paixão:
— Venha novamente, Horace querido... não me deixe...
Karen fez o corpo do milionário playboy deslizar por
baixo de sua perna. Sentia-se satisfeita, realizada. Inundada
de amor. Colando seus seios ao peito largo e amplo do
gigante louro, começou a acariciá-lo, suavemente, sem
pressa alguma, estabelecendo um contato íntimo entre seus
corpos. Abraçou seu amante, cobrindo o seu rosto e pescoço
de beijos ardentes.
Kirkpatrik sentia todo o calor emanado pelo corpo
jovem e apetitoso de Karen. Envolvia a garota em seus
braços, rostos colados, desfrutando de uma deliciosa
intimidade que parecia eletrizar seus corpos com uma
paixão desenfreada.
Permaneceram unidos por longo tempo, murmurando
palavras isoladas e cobrindo-se mutuamente de beijos.
Entre um beijo e outro, Karen suspirou:
— Horace... estou apaixonada por você e por seu
recurso especial...
Kirkpatrik abriu a boca, fazendo menção de dizer algo,
mas desistiu a tempo. Não. Nada de falar em Betty. Não
seria conveniente dizer, naquele momento, que ele só estava
ali naquele instante devido exatamente ao seu recurso
especial.

— 96 —
FIM

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