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Planejamento regional integrado: a


governança em região de pequenos municípios
Integrated regional planning: governance in region of small
municipalities

Cássia Regina Gotler Medeiros Resumo


Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil.
E-mail: cgotlermedeiros@gmail.com
As diretrizes do Decreto nº 7508, de 28 de junho de
Olinda Maria de Fátima Lechmann Saldanha 2011, têm contribuído para ampliar a capacidade de
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil.
governança dos pequenos municípios nas regiões de
E-mail: olindas@univates.br
saúde. O objetivo do estudo foi identificar potenciali-
Magali Teresinha Quevedo Grave dades e entraves no processo do planejamento regional
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. integrado na região de saúde 29, do Rio Grande do Sul.
E-mail: mgrave@univates.br
Consiste em um estudo de caso, realizado mediante
Lydia Christmann Espíndola Koetz informações provenientes de entrevistas semiestru-
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. turadas, observações de campo e registros documen-
E-mail: lkoetz@univates.br
tais, analisados pelo método de Análise de Conteúdo.
Gisele Dhein Participaram do estudo gestores de saúde de cinco
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. municípios e três servidores estaduais vinculados à 16ª
E-mail: gidhein@gmail.com
Coordenadoria Regional de Saúde, selecionados inten-
Luís César de Castro cionalmente. Emergiram cinco categorias de análise:
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. a Comissão Intergestores Regional (CIR) como espaço
E-mail: lucamsc@univates.br
de articulação; o fortalecimento do Sistema Único de
Glademir Schwingel Saúde; a fragilidade da gestão; individualismo ao olhar
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. o processo; e o que tem pautado as reuniões da CIR. Os
E-mail: glademirschwingel@gmail.com resultados apontam que o processo de planejamento
Marilucia Vieira dos Santos regional integrado tem avançado, no sentido da CIR
Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, Brasil. constituir-se como um espaço de apoio mútuo entre a
E-mail: fisiolus@univates.br gestão municipal e estadual. No entanto, as decisões
são tomadas com embasamento mais político do que
técnico, com pouco monitoramento do acesso às ações
e aos serviços de saúde, dificultando a capacidade de
controle e negociação com os prestadores. Considera-
-se que a CIR necessita ser fortalecida e consolidada
por meio da qualificação da gestão e da participação
efetiva dos gestores municipais e estaduais de saúde,
a fim de possibilitar a governança regional.
Correspondência Palavras-chave: Planejamento em Saúde; Gestão em
Cássia Regina Gotler Medeiros Saúde; Regionalização; Políticas Públicas de Saúde.
Rua Avelino Tallini, 171, Bairro Universitário.
Lajeado, RS, Brasil. CEP 95914-014.

DOI 10.1590/S0104-12902017162817 Saúde Soc. São Paulo, v.26, n.1, p.129-140, 2017 129
Abstract Introdução
The guidelines of Decree No. 7508 – June 28, A regionalização tem se constituído em uma
2011 – have contributed to enhance the capacity diretriz de difícil implementação no âmbito do Sis-
of governance of small municipalities in health tema Único de Saúde (SUS), pois requer uma postura
regions. The objective of this study was to identify solidária entre os entes federativos. O arcabouço
the potential and the obstacles in the process of jurídico do SUS foi insuficiente para a instituição
integrated regional planning in health region 29, efetiva da regionalização da saúde em todo o Brasil.
Rio Grande do Sul. This is a case study carried Conforme Viana, Lima e Ferreira (2010), a descen-
out through information from semi-structured tralização do SUS trouxe avanços importantes na
interviews, field observations, and documentary expansão da cobertura de serviços de saúde, mas
records, analyzed according to Content Analysis não conseguiu resolver as imensas desigualdades no
method. The study had participation of health acesso e utilização desses serviços, principalmente
managers of five municipalities and three state na média complexidade, assim como não conduziu
public servants linked to the 16th Regional Health à formação de arranjos mais cooperativos na saúde.
Coordination, selected intentionally. Five catego- Neste contexto, o Decreto nº 7.508 veio reafirmar
ries of analysis emerged: the Regional Interman- a regionalização como estratégia para o reordena-
agers Committee (CIR) as a space of coordination; mento da política de saúde, configurando-se como
the strengthening of the Brazilian Unified Health regulador da estrutura organizativa do SUS, do
System; the weakness of the management; indi- planejamento em saúde, da assistência e da articu-
vidualism in observing the process; and what has lação interfederativa. Prevê ainda a organização das
guided the meetings of the CIR. Results indicate regiões em redes de atenção à saúde com resolutivi-
that the integrated regional planning process has dade locorregional (Brasil, 2011). O avanço proposto
advanced, in the sense of CIR being constituted as pelo decreto foi a ampla participação da gestão
a space of mutual support between the municipal municipal nas decisões, por meio da Comissão Inter-
and state management. However, decisions are gestores Regional (CIR) e o Contrato Organizativo
made with more political than technical basis, with de Ação Pública (Coap), que prevê o planejamento
little monitoring of the access to health actions regional integrado e ascendente. A regionalização é
and health services, hindering the ability of control observada em todos os países europeus com Sistema
and negotiation in relation to service providers. It Nacional de Saúde (SNS), estruturados a partir da
is considered that the CIR needs to be strengthened planificação territorial e populacional e regiões sa-
and consolidated through improvement of the nitárias que funcionam em níveis de complexidade,
management and through effective participation sendo sua característica mais importante estarem
of state and municipal health managers in order baseados na Atenção Primária em Saúde (Freire,
to enable regional governance. 2006). Neste caso, convém observar diferenças em
Keywords: Health Planning; Health Management; relação à existência da autonomia política e admi-
Regionalization; Public Health Policies. nistrativa que ocorre nas estruturas regionais de
alguns países.
Pesquisas realizadas nos Estados Unidos (EUA)
sugerem uma abordagem regional para atenção à
saúde. Neste sentido, estruturas regionais devem
ser capazes de fornecer pelo menos 60% ou mais
dos serviços essenciais de saúde à população. A
principal justificativa é a de compartilhar recursos,
trabalhar com as demandas regionais e assegurar
a coerência entre planejamento regional, estadual
e federal (Stoto, 2008).

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A partir do Decreto 7.508/2011, o estado do Rio das condições locais prévias, tornando complexa
Grande do Sul foi reorganizado em trinta regiões de a organização de sistemas de saúde regionais e
saúde, no ano de 2012. A região 29, denominada Vales precisando fortalecer seus espaços de governança
e Montanhas, é composta por 27 municípios, 209.144 (Viana, 2015). O contexto observado nesta região
habitantes (IBGE, 2010), e está vinculada à região ad- é semelhante a outros no país, considerando que
ministrativa da 16ª Coordenadoria Regional de Saúde cerca de 70% dos municípios brasileiros têm menos
(CRS). Dos 27 municípios que formam a região, deze- de 15.000 habitantes. Dessa forma, entende-se que
nove possuem 100% de cobertura de Estratégia Saúde os resultados deste estudo poderão eventualmente
da Família (ESF) (Brasil, 2013b). A média populacional ser verificados em outras regiões de saúde do País.
na região é de 7.702,33 habitantes, sendo que o maior Assim como os processos verificados a partir
município tem 71.445 habitantes. A localização geo- do Pacto pela Gestão, onde Machado (2009, p. 116)
gráfica dos municípios está representada na Figura 1. compreende “haver um conjunto de indicações de
que ainda são precárias as garantias institucionais
Figura 1 – Mapa da Região 29, Rio Grande do Sul de que a ‘regionalização solidária e cooperativa’ seja
incorporada às expectativas recíprocas dos gestores
do SUS”, questiona-se se o Decreto nº 7.508 (Brasil,
2011), que substituiu o referido Pacto pela Gestão,
tem contribuído para o avanço na incorporação de
uma ação cooperativa e solidária e na capacidade
de governança regional dos gestores.
Conforme Hufty, Báscolo e Bazzani (2006) a
governança é uma ferramenta analítica para a com-
preensão dos processos de ação coletiva que orga-
Fonte: Plano Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (2013) nizam a interação entre atores, a dinâmica e regras
dos processos com as quais uma sociedade toma e
O planejamento regional integrado estabelece a implementa suas decisões. Mendes (2014) afirma
CIR como espaço de articulação e pactuação entre que este conceito deve ser complementado pelo de
os entes federativos, permitindo discussões pro- governança de Redes de Atenção à Saúde (RAS),
positivas de aspectos operacionais, financeiros e garantindo o cumprimento dos pactos e acordos
administrativos da gestão compartilhada do SUS entre os atores, o manejo dos conflitos de interesse
(Brasil, 2011). Na região 29, além dos 27 gestores e a progressiva estabilização da rede.
municipais, participam cinco representantes da Neste contexto, observam-se na região 29 mo-
gestão estadual, compondo uma arena de 32 atores. vimentos de construção coletiva do planejamento
A CIR tem a importância de consolidar as políticas regional integrado, permeados de desafios e poten-
públicas em saúde e, considerando que a regiona- cialidades relacionados à necessidade de aproximar
lização é ponto chave nesta esfera, passa a ter um diferenças políticas, técnicas e administrativas,
papel fundamental neste processo, pois é neste além do esforço em promover avanços no processo
espaço que a organização da gestão e da assistência de regionalização em saúde. Historicamente, a
em saúde de uma região será planejada, bem como falta de um planejamento regional das políticas de
a definição dos recursos financeiros para este fim. saúde comprometeu sua adequação às múltiplas
Na década de 1990, a implantação do SUS na realidades do território brasileiro, e desconsiderou
região 29 coincidiu com o processo emancipatório o papel das esferas estaduais de governo (Viana;
de muitos municípios com baixa densidade popula- Lima; Ferreira, 2010). Sendo assim, este estudo teve
cional, poucos recursos tecnoassistenciais, e conse- por objetivo identificar potencialidades e entraves
quente dependência externa. Os sistemas descen- no processo do planejamento regional integrado
tralizados de saúde são bastante heterogêneos no em saúde na Região 29/RS, na ótica dos gestores
país, sendo os seus resultados muito dependentes municipais e servidores regionais.

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Metodologia A partir da análise de conteúdo das entrevistas,
observações e pesquisa documental, emergiram cin-
Realizou-se um estudo de caso por meio de infor- co categorias, duas referentes às potencialidades:
mações provenientes de entrevistas semiestrutura- (1) a CIR como um espaço de articulação e (2) Forta-
das com cinco gestores municipais de saúde e três lecimento do SUS; e três referentes aos entraves: (1)
servidores da CRS, participantes da CIR, que foram fragilidades da gestão; (2) O que direciona as pautas
selecionados intencionalmente. Utilizou-se como da CIR; e (3) individualismo ao olhar o processo, a
critérios de inclusão o tempo mínimo de um ano no seguir apresentados.
cargo e participação efetiva nas reuniões da CIR. As
entrevistas buscaram verificar, na percepção dos Resultados e discussão
atores envolvidos no planejamento regional, quais
as potencialidades e entraves neste processo. A CIR como um espaço de articulação
Foram respeitados os princípios da ética em
pesquisa, conforme Resolução 466, de 12 de dezem- Os gestores apontam diferentes potencialidades
bro de 2012 (Brasil, 2013a), utilizando-se do Termo da CIR, destacando-se a possibilidade do planeja-
de Consentimento Livre e Esclarecido de todos os mento de ações em saúde para os municípios que
participantes. As categorias emergentes foram ana- compõem a regional de saúde. O SE1 destaca que a
lisadas conforme a Análise de Conteúdo de Bardin CIR se torna potente na medida em que permite que
(2012). Também foram realizadas observações em todos façam parte do processo de negociação, assim
cinco reuniões da CIR 29, no período de junho a como a possibilidade de planejar, no âmbito regio-
outubro de 2014. Estas foram registradas em um nal, ações para responder às demandas de saúde.
diário de campo e utilizadas para complementar a Neste sentido, a possibilidade de discussão dos
análise de conteúdo das entrevistas. Outro método limites operacionais da gestão municipal é enten-
utilizado foi a pesquisa documental, analisando as dida como algo positivo na arena da CIR, tanto
atas das reuniões da CIR, ocorridas em 2014 – doze no aspecto técnico quanto político. Os gestores
atas de reuniões ordinárias e duas extraordinárias. municipais relatam que o compartilhamento de
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes- problemas e necessidades com os colegas de função
quisa sob o protocolo nº 612.126, em 2014. que atuam em municípios vizinhos, assim como a
Os entrevistados tinham idade entre 27 e 54 troca de experiências entre eles, estimula a parti-
anos. Em relação à sua formação, dois servidores cipação de todos.
estaduais são da área da saúde, e um da adminis- Os entrevistados também deixam claro nos seus
tração, todos com pós-graduação. Entre os gestores relatos a importância da CIR para esclarecimento
municipais, três concluíram ensino médio, e dois das dúvidas na articulação da atenção à saúde, onde
o ensino superior, sendo um na área da saúde. os gestores podem auxiliar no entendimento do
Quanto ao tempo na gestão municipal, quatro es- processo por suas experiências prévias. SE2 refere à
tão no cargo há um ano e oito meses, e um há seis CIR como “local de troca de informações, no intuito
anos. Entre os participantes da gestão estadual, de potencializar soluções locorregionais”.
um ocupa o cargo há três anos e os outros dois há A arena tecnopolítica da gestão regional da
quinze anos, sendo que dois já atuavam na área da saúde
saúde antes de ingressar no estado. A experiência
anterior dos gestores municipais de saúde é hete- expõe a necessidade de articulações intermu-
rogênea, sendo que três são profissionais da saúde, nicipais que abram espaço para a profusão de
e os outros dois são servidores públicos de outras novas formas de relação entre Estado e socieda-
áreas. Utilizaram-se os códigos SE para servidor de, colocando no âmbito da discussão pública os
estadual e GM para gestor municipal, seguido do alicerces da estrutura de poder, organização e
número da entrevista, a fim de manter o anonimato gestão das instituições políticas vigentes (Fleury;
dos participantes. Ouverney, 2007).

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Neste sentido, apesar de ser uma aspiração do diversos projetos apresentados pelos municípios
SUS regional, o que se percebe é que ainda há ne- referentes à atenção primária no seu território, no
cessidade de qualificar a integração solidária dos entanto, as observações revelam que, nestes casos,
atores sociais representados nesta arena, na medida os gestores dos outros municípios demonstravam
em que individualmente encontram-se fragilizados pouco interesse e participação. Verifica-se nas atas
politicamente e deficientes na condição técnica de das reuniões da CIR que as decisões ainda têm pouco
garantir a integralidade da assistência. embasamento em um diagnóstico regional de saúde.
Contudo, na análise das entrevistas dos gestores O mesmo foi identificado no estudo de Cecilio et
municipais, emergiu como potência a possibilidade al. (2007, p. 202) após avaliação qualitativa do perfil
de ser ouvido, fato percebido como relevante para e trajetória profissional de gestores municipais de
a construção deste espaço, assim como a possibili- uma Diretoria Regional de Saúde da Secretaria de
dade de articulação entre os municípios: “cada um Estado da Saúde de São Paulo, relatando que os
tem o seu ponto de vista e a gente discute, às vezes gestores municipais vêm se configurando “como
chega a conclusões que vêm ajudar aos municípios, importantes atores sociais no cenário político-
a gente tem vez e voz lá dentro” (GM2). -institucional do SUS e, ainda que de forma limitada,
Os municípios são os atores que operacionalizam propiciando espaço para experimentação de novos
as estratégias regionais de saúde e a manutenção modelos e práticas, visando à superação de diver-
de sua autonomia é essencial para a efetividade sidades presentes em vários municípios e regiões
do processo que, do contrário, pode ser origem de do país”.
frequentes conflitos e redução de potencial cole- Neste contexto, fica evidente que o encontro
tivo na articulação da atenção à saúde (Ouverney, entre gestores municipais e estaduais é importante
2005). Os entrevistados apontam que este espaço de na construção das políticas de saúde no âmbito re-
circulação do diálogo torna-se potente, pois permite gional e municipal, confrontando com os problemas
o aprendizado constante das equipes de saúde, re- cotidianos que perpassam a assistência à saúde.
sultando na melhora do sistema de saúde na região, Porém, estas potencialidades ainda não estão ple-
constituindo-se como um “espaço coletivo de olhar namente desenvolvidas, haja vista a capacidade
para a saúde” (SE1), onde é a partir destes encontros de articulação limitada dos gestores envolvidos.
em que se “chega a conclusões que vêm ajudar aos A CIR é um espaço com potencial de desenvolver
municípios” (GM2). a capacidade institucional para o planejamento
Miranda (2010) destaca que a CIR foi criada com e a coordenação territorial regional voltada para
o intuito de atender “demandas institucionais, nas superação de interesses corporativos e criação de
negociações intergovernamentais, produção de uma governança local baseada em solidariedade,
acordos e arranjos mediados pelo discurso tecnobu- democratização da decisão e cooperação intergo-
rocrático”. A reunião é vista como momento possível vernamental (Viana, 2015).
da articulação coletiva do planejamento regional,
já que “muitas questões também precisam ser pla- Fortalecimento do SUS
nejadas e aprovadas regionalmente e esse espaço é
uma garantia disso” (SE1). A capacidade profissional dos gestores munici-
Observa-se que a CIR tem favorecido maior pais para articulação no planejamento das ações
participação dos gestores municipais, tanto na em saúde, com apoio efetivo da gestão estadual,
perspectiva política quanto técnica, utilizando o possibilita o estudo e a compreensão da construção
espaço para articular o planejamento coletivo das do SUS (Cecilio et al., 2007). Da mesma forma, o
ações em saúde nos diversos níveis de atenção à Decreto nº 7.508 (Brasil, 2011), destaca a impor-
saúde. SE2 afirma haver um envolvimento maior tância do aprimoramento das redes de atenção nas
dos secretários, pois “eles […] estão preocupados em regiões de saúde na construção da assistência para
utilizar a CIR para melhoria do sistema como um além da perspectiva da organização dos serviços
todo” (SE2). A análise das atas das reuniões mostra (Shimizu, 2013).

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Ao serem questionados com relação às poten- -institucional, e a compreensão do seu papel na
cialidades da CIR, os gestores referem pontos que construção do SUS passa por duas questões: sua
convergem ao fortalecimento do SUS. Os servidores capacidade de gestão frente às crescentes e com-
estaduais entendem que a potência das reuniões plexas responsabilidades e a articulação regional
da CIR refere-se à possibilidade de encontros entre entre municípios, com a intermediação e apoio
gestores, resultando no compromisso das gestões e do gestor estadual, na sua representação regional
na apresentação de propostas para a área da saúde: (Cecilio et al., 2007).
“Eu vejo todas as decisões sendo direcionadas para A fragilidade da gestão ficou ressaltada nas falas
que tudo passe pela CIR, saia com resoluções regio- dos gestores municipais e regionais. O Decreto nº
nais, faz também com que esta participação se torne 7.508 (Brasil, 2011), define que o processo de plane-
algo mais permanente, sistemático e efetivo” (SE1). jamento deve ser ascendente e integrado, o que pres-
Os gestores municipais também apontam como supõe a participação ativa dos gestores. No entanto,
potente a possibilidade de organização dos fluxos observou-se que o posicionamento da maioria dos
para o encaminhamento de projetos. A apresentação gestores é de expectador e não de protagonista no
destes projetos nas reuniões possibilita que os ges- processo, conforme ratifica o depoimento: “fortale-
tores conheçam os projetos que são desenvolvidos cer essa participação é sair também de uma posição
pelos municípios vizinhos: “a gente vê os projetos mais de expectador” (GM1). Este posicionamento
que os outros municípios estão fazendo” (GM1). pode estar relacionado à alta rotatividade de gesto-
O gestor municipal é ator fundamental na avalia- res municipais de saúde, constatada pelas atas das
ção e planejamento dos serviços em seu município reuniões, o que dificulta a apropriação de conheci-
e, no momento em que se torna independente para mentos necessários para a tomada de decisão. Nesta
reconhecer as necessidades de saúde local, articula condição, outros atores demonstram maior controle
com gestores estaduais a alocação de recursos para sobre a agenda e maior poder de argumentação, o
as comunidades (Santos; Andrade, 2009). Dessa que influencia nas votações, conforme observações.
forma, amplia a oferta de assistência à saúde em Alguns gestores municipais referem satisfa-
todas suas dimensões, deixando de ser um serviço ção em contar com a participação dos servidores
oferecido apenas nas localidades de referências. regionais na CIR, mas colocando-se como ouvintes
Este espaço também é entendido como um lugar e não como tomadores de decisão, pois julgam que
de solidariedade entre os municípios, como refere não detêm conhecimento suficiente para isso: “já
GM4, ao afirmar que “sempre que a gente precisou de despacha, ele já anda e já dá a opinião dele, fala alto,
alguma coisa a CIR sempre nos apoiou”. Outro gestor não que os outros não falem, mas a gente pergunta
complementa que “o papel da CIR é extremamente e ele sabe. Ele entende (referindo-se a um servidor
importante, eu diria até indispensável para o bom regional)” (GM4).
andamento dos projetos a nível regional” (GM5). Este comportamento parece estar relacionado
Conforme Machado (2009), é necessário superar com a falta de conhecimento sobre a CIR e o papel
o estágio sociopolítico no qual o tema da solidarieda- da gestão no planejamento regional integrado,
de encontra-se apenas pautado em cartas, agendas conforme afirmação:
e resoluções conjuntas dos gestores. Da mesma
forma, após análise dos resultados desta categoria, então a dificuldade no funcionamento tem a ver
percebe-se que a discussão proposta pelo referido com o envolvimento, o empoderamento dessa gestão
autor mantém-se nas atuais Comissões Intergesto- desse espaço ali, do seu papel […] e em uma tomada
res Regionais, não tendo sido superadas. de decisão que muitas vezes tem que sair muito do
meu lugar para pensar em uma gestão regional de
Fragilidades da gestão saúde (GE1).

Os gestores municipais vêm se constituindo Em relação a esta questão, o Ministério da Saúde


como importantes atores sociais no cenário político- afirma que “não se pode perder de vista que o SUS é

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um sistema único num país de grandes diferenças A fala de um servidor regional demonstra que a
demográficas e socioeconômicas. Por isso, é impor- participação na CIR não é uma prioridade da gestão
tante ter clareza dos papéis dos entes federativos regional, não sendo reconhecida como espaço de
nas regiões e redes de saúde, onde o direito à saúde decisão efetiva para o planejamento regional. Infere-
se efetiva” (Brasil, 2011, p. 4). -se, pelos relatos, que assim como nos municípios, os
Alguns entrevistados consideram que há falta processos de trabalho da CRS sejam fragmentados e
de interesse e comprometimento de servidores alguns servidores envolvem-se somente com discus-
regionais e gestores municipais no processo de sões relacionadas com seu âmbito de atividades seto-
planejamento regional integrado. Verifica-se esta rial. O que deveria ser entendido como uma atividade
percepção na fala de GM2, que afirma que “às estruturante é considerada apenas como mais uma
vezes alguns chegam atrasados, outros chegam e tarefa: “A minha própria participação, muitas vezes
saem antes. […] Nós temos aqui diversas áreas que eu não consigo pela demanda, a gente tem muita
deveriam participar e não participam. A auditoria, deficiência de profissionais, […] tira praticamente
por exemplo, que tem os médicos, eles não têm en- um profissional que deveria estar atuando em outra
volvimento” (GM2). atividade para estar fazendo esse papel” (GM2).
Esta constatação mostra a falta de clareza dos No estado de São Paulo, verificou-se que a esfera
gestores municipais e servidores regionais sobre a estadual de poder também apresenta dificuldades
importância desta instância regional e sua poten- para assumir a efetiva coordenação do planejamen-
cialidade para a resolução de problemas que afetam to regional. “Nesse sentido, a construção histórica
a organização da atenção à saúde da região. Desta de apoios técnicos regionais que possam poten-
forma, ocorre pouca implicação nos processos de cializar a associação solidária comprometida dos
discussão e proposição de ações de enfrentamento a gestores na construção das regiões não tem sido
estes problemas. Uma rede se concretiza na medida fortalecida” (Mendes et al., 2015, p. 436).
em que haja atores políticos comprometidos com sua Observa-se que na região deste estudo, a maioria
efetividade. Para isso, é necessário um sistema de dos gestores municipais não tem formação na área
governança onde a articulação e a cooperação entre da saúde. Este fato é considerado por um servidor
os atores sociais e políticos e a construção de novos ar- regional como entrave para uma gestão de quali-
ranjos institucionais possam ocorrer (Mendes, 2011). dade e para participação efetiva no planejamento
No entanto, de acordo com Medeiros há uma regional. A ausência de pessoas qualificadas para
grande distância entre o que está escrito e a pos- o cargo no município e a necessidade de indicar
sibilidade de estabelecer a norma na prática, pois partidários políticos acaba levando à função pessoas
sem condições para exercê-la. Estes fatores podem
a constituição da CIR e das regiões de saúde traz no estar causando a alta rotatividade na gestão muni-
seu bojo a participação efetiva do gestor municipal cipal e regional, que foi referida como um problema
nas decisões relativas à sua região, sendo que a para o planejamento, provocando a descontinuidade
ausência desta participação sempre foi apontada no processo, dificultando o entendimento sobre a
como grande problema na descentralização das complexidade do sistema de saúde e as estratégias
ações e da gestão do SUS (Medeiros, 2013, p. 175). para responder às demandas regionais (Roese, 2012).
Esta rotatividade também pode estar relacionada ao
O estudo de Santos e Giovanella (2014) mostrou tensionamento produzido nesta arena de interesses,
na CIR de uma região de saúde da Bahia que os de- muitas vezes divergentes, ocasionando a alternân-
bates eram abreviados para caber no curto espaço cia no cargo, conforme relatado pelos entrevistados:
de tempo destinado às reuniões, e que os gestores se “têm secretarias que em um ano e oito meses já tro-
dispersavam frequentemente, retornando à plená- cou duas ou três vezes de secretário” (GM1); e “toda
ria para os momentos de aprovação e homologação vez que chegam aqui, o cara chega sem nenhum
de projetos, sem a perspectiva de planejamento ou conhecimento e tenta aprender saúde num local que
avaliação regional. tem por objetivo pôr em prática as questões” (SE2).

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A falta de conhecimento na área da saúde e nos dificuldade hoje” (GM2). Além do desconhecimento,
processos de gestão, e o descompromisso com as percebe-se a insegurança do gestor, possivelmente
questões de saúde regionais refletem-se em toma- ocasionada pela vinculação dos recursos a determi-
da de decisões muito rápidas, sem embasamento e nadas ações, com pouca flexibilidade para adapta-
informação, frequentemente equivocadas. Deste ção às necessidades do município. A dificuldade da
modo, o poder passa a ser de quem detém o conhe- CIR em realizar o monitoramento da aplicação dos
cimento técnico e político nesse campo. Segundo recursos aprovados também foi evidenciada, res-
Miranda (2010), as decisões nem sempre são produto saltando que muitas vezes não se tem a informação
do entendimento, mas muitas vezes os acordos são sobre a alocação do recurso na região, tampouco se
constrangidos pelos imperativos do “sistema”, do foi adequadamente aplicado.
tempo (prazos) e das relações estabelecidas de po- A ineficiência para resolução dos problemas re-
der. A leitura das atas revela a aprovação da maioria gionais reflete-se nas pautas da CIR, com discussões
das propostas apresentadas nas reuniões da CIR, recorrentes, sem efetivação prática dos encaminha-
com poucos questionamentos sobre a pertinência mentos propostos. O pacto interfederativo, neste
das mesmas. contexto, não se concretiza, na medida em que os
Assim como no Brasil, o Sistema Nacional de problemas impactam com diferente intensidade nas
Saúde espanhol (SNS) apresenta como fragilidade três esferas de governo. O município, sendo deman-
a instabilidade e a nomeação política dos cargos dado pelas situações do cotidiano, é mais afetado
de responsabilidade na gestão em saúde, diferente- pela urgência na resposta aos problemas: “Aponta
mente de países mais avançados da Europa, como os uma dificuldade e tem um trâmite todo de sair uma
nórdicos, Reino Unido e Itália, cuja gestão e níveis resolução da CIR, chegar até os departamentos lá
gerenciais têm caráter apartidário, técnico e estável. do governo do Estado, e a resposta demora a acon-
Apesar de uma crescente cultura de gestão, esta tecer. […] Nós temos uma dificuldade muito grande
não vem acompanhada da correspondente reflexão de acesso a algumas especialidades” (GM5). “Por
e decisões sobre o bom governo do SNS espanhol. O dificuldades de definição, os assuntos retornam e
Conselho Interterritorial é cenário de discrepâncias desgastam esse próprio coletivo, e aí às vezes a gente
partidárias e precariedade dos mecanismos de coe- não consegue botar na roda outros temas” (GE1).
são e coordenação do SNS (Freire, 2006). A falta de resolutividade e pouca resposta do
Leatt, Pink e Guerriere (2000), ao trazerem estado também foram constatadas em estudo
uma crítica ao modelo canadense de saúde, onde realizado em Brasília, com gestores de saúde que
hospitais, clínicas e demais equipamentos de saúde manifestaram a preocupação com a indefinição de
organizam-se separadamente, reafirmam a necessi- papeis em relação a qual esfera de governo assumirá
dade dos países pensarem seus sistemas de saúde de a responsabilidade de assegurar o acesso a serviços
forma integrada, em rede, e também considerando de maior densidade tecnológica. Ressaltaram ainda
as diversidades de cenários de cada região do país. o receio de que haverá dificuldade em garantir que
Para tanto, sugerem algumas estratégias para alguns estados contribuam com o financiamento
mudança: aposta no olhar da singularidade; foco adequado para as regiões de saúde (Shimizu, 2013).
na atenção primária; compartilhar informações A fragilidade da gestão também ficou eviden-
e explorar tecnologia; criar parâmetros em redes ciada pela dificuldade em fazer o enfrentamento e
virtuais em nível local; desenvolver métodos práti- negociação com os prestadores de saúde privados
cos de financiamento com base nas necessidades; em relação aos interesses da região: “Até comentam
e implementar mecanismos de monitoramento e conosco, mas quando envolve o prestador acabam
avaliação. não falando” (SE3). As ações são movidas por pro-
As dúvidas dos gestores aparecem na fala de blemas pontuais, não se percebe movimentos de
um participante do estudo, em relação à aplicação organização efetiva das redes de atenção em saúde.
dos recursos da saúde: “Como é que eu gasto, o que Em estudo realizado nesta mesma região, cons-
eu posso fazer com tal recurso, esta é minha maior tatou-se que os gestores municipais se mostram

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conformados e sentem-se incapazes de enfrentar temos um ponto frágil que é não termos referência
as decisões tomadas pelos prestadores de serviços em traumato, isso fica latente e é o que vem a todo
privados, o que denota sua dificuldade de empode- o momento para discussão (SE1).
ramento nos processos decisórios (Medeiros, 2013).
Há, de certa forma, uma relação de dependência Conforme Silva (2011, p. 12) a sociedade “cobra
do gestor em relação ao prestador de serviço, com dos gestores o acesso aos serviços e não é inco-
amparo na necessidade de garantir atendimento mum que considerem que as causas da demanda
às demandas diárias, especialmente na média e reprimida se devam à ineficácia da gestão, por
alta complexidade. Outro estudo, realizado em uma insuficiente organização dos serviços existentes
região de saúde do estado da Bahia, também cons- e inadequada regulação para sua utilização”. Esta
tatou que os gestores municipais não conseguiam cobrança dos usuários direciona a preocupação do
regular adequadamente o setor privado contratado gestor em atendê-las. Neste contexto, as questões
da saúde. Verificou que a CIR não possuía mecanis- relacionadas à atenção básica nos municípios fi-
mos para evitar as arbitrariedades dos prestadores cam preteridas, principalmente na avaliação dos
privados, como a majoração dos valores cobrados servidores estaduais: “A gente tenta puxar para o
ao SUS e cobranças diretas aos usuários (Santos; outro lado, convencê-los de que a atenção básica é
Giovanella, 2014). mais importante, porque reduz a pressão na outra
A descentralização sem integração regional e ponta, mas fica difícil pela emergência que eles têm
“fragilidades no poder do Estado na oferta de ser- de resolver problemas mais pontuais” (SE2).
viços de maior complexidade, com a presença de A dificuldade em garantir assistência na média e
grandes vazios assistenciais em enormes áreas do alta complexidade, também foi referida pelo estudo
território brasileiro, possibilitou o crescimento da de Shimizu (2013), o qual verificou que os serviços se
oferta privada” (Viana, 2015, p. 420) e consequente distribuem de forma bastante desigual no país, com
dependência desta. o agravante de que não se conseguiu estabelecer
mecanismos de cogestão entre o sistema público e os
O que tem pautado as reuniões da CIR serviços contratados, ocasionando pouca integração
às redes regionais. O estudo de Santos e Giovanella
Dois pontos foram verificados como direcionado- (2014) verificou que as estratégias regionais para
res das pautas na CIR: as dificuldades com a média fortalecimento da rede própria eram centradas na
e alta complexidade e a aprovação de incentivos cobrança para ampliação da oferta especializada e
financeiros ofertados pelo Estado e União. Ao se- hospitalar, sem ações articuladas para o fortaleci-
rem questionados sobre quais temas estavam mais mento e maior resolubilidade da Atenção Primária
presentes nas pautas, seis dos oito participantes à Saúde (APS).
destacaram as discussões em torno do atendimento No relato de um gestor municipal, no entanto,
na média e alta complexidade. Percebe-se que este evidencia-se o entendimento de que este espaço
fato é motivado principalmente pela deficiência de poderia contemplar debates sobre outras demandas
referências para especialidades, principalmente enfrentadas no cotidiano: “Eu acho que os assun-
a traumatologia, conforme desabafo deste gestor tos relacionados realmente ao nosso dia a dia da
municipal: “Quando eu não tenho uma referência, secretaria, para trocar ideias, isso não tem sido
aonde eu vou? A gente cansa aqui de ter uma batata feito” (GM1). A queixa manifesta a necessidade de
quente na mão, e daí para quem eu vou recorrer?” apoio para o diagnóstico da realidade e o planeja-
(GM1). mento de ações e serviços que vão ao encontro dos
Os servidores da gestão regional corroboram problemas locais.
desta percepção: Verificou-se que os incentivos financeiros
ofertados pela Secretaria Estadual de Saúde e pelo
A gente é engolido por essas pautas […] que é uma Ministério da Saúde ocupam significativamente as
demanda que parte da urgência e emergência. Então pautas das reuniões da CIR, pois devem ser obriga-

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toriamente aprovados por este coletivo, na lógica Um gestor municipal, analisando este aspecto,
de uma organização regional da saúde. No entanto, afirma que “talvez falte alguma coisa como união”
o interesse dos gestores municipais muitas vezes (GM2). Na mesma linha, um servidor estadual
tem se limitado ao acesso a estes incentivos, pouco acrescenta: “a dificuldade de sair dessa posição
pautando outras questões. para poder ver o que vai contribuir nas questões de
O Decreto nº 7.508 (Brasil, 2011) afirma que o saúde, votar a favor ou não de um determinado pro-
planejamento da saúde é obrigatório para os entes jeto de saúde, apoiar uma determinada ampliação
públicos e será indutor de políticas para a iniciativa de serviço” (SE1).
privada. No entanto, na avaliação dos servidores Na concepção de Silva (2011, p. 17), esta
estaduais, o planejamento não está devidamente determinação em defender projetos locais em
contemplado nas discussões da CIR: “como se orga- detrimento da rede de saúde leva a dificuldades
niza o sistema, como eu planejo as entradas lá no na construção de soluções locais, sendo que os
posto. Como é que eu melhoro a questão da saúde gestores municipais devem avaliar “a distribui-
bucal? O planejamento é muito difícil ouvir falar ção dos serviços assistenciais nos territórios dos
em CIR” (SE2). municípios e da região e, considerando a habitual
Embora o Decreto nº 7.508 (Brasil, 2011, p. 8), carência na oferta, distribuí-la da forma mais
determine que “o processo de planejamento da equitativa possível, visando garantia de acesso,
saúde será ascendente e integrado, do nível local até vínculo e continuidade da atenção para a popula-
o federal”, a análise da categoria descrita a seguir ção mais necessitada”.
evidenciou a ausência de integração regional e um A partir das entrevistas, é possível inferir que a
forte individualismo entre os gestores na tomada posição individual prevalece à coletiva, na medida
de decisões. em que os assuntos são tratados de acordo com a de-
manda de cada participante, o que vem ao encontro
Individualismo ao olhar o processo do observado no estudo de Silva (2011). Um gestor
municipal destaca que há, inclusive, um esvazia-
A definição do papel da CIR na construção de mento nas reuniões à medida que as pautas mais
um sistema de planejamento regional depende, urgentes são vencidas. Tal comportamento enfra-
fundamentalmente, do envolvimento dos atores quece a arena política, perdendo-se a possibilidade
participantes do cenário. Assim, o somatório de efetiva de construir mecanismos que aperfeiçoem o
esforços pode significar um processo produtivo, planejamento regional integrado. “As fragilidades
transformador. No entanto, o que se percebe é da construção político-administrativa dos Colegia-
que esta sintonia de objetivos não é rotina na CIR, dos de Gestão Regional os tornam mais vulneráveis
como destaca um gestor municipal, ao referir que aos interesses particulares em detrimento dos cole-
“talvez a maior dificuldade é os municípios se tivos” (Mendes et al., 2015, p. 436).
unirem para lutarem contra as entidades, vamos Estudo realizado em São Paulo mostrou que é
supor, contra um hospital, não adianta eu ir lá importante o fortalecimento do papel da gestão
discutir um contrato (sozinho)” (GM2). A afirmação regional no estado, pois sua proatividade na organi-
deste entrevistado é corroborada por outro gestor zação e estabelecimento de espaços de negociação e
municipal, que questiona a baixa participação de avaliação dos processos de pactuação teve impacto
um conjunto de gestores, que participam na even- positivo no referenciamento entre municípios (Ve-
tualidade de haver alguma pauta de interesse local. nancio et al., 2011).
Neste sentido, Silva e Gomes (2013), ao avaliarem
o processo na região do ABC paulista, destacam a Considerações finais
divisão política entre as representações dentro da
CIR como motivo de dificuldade para o interesse O processo de planejamento regional integrado
coletivo, estimulando-se assim uma perspectiva tem avançado no sentido de constituir-se como um
individualista. espaço de apoio mútuo entre a gestão municipal e

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estadual. No entanto, o comportamento individua- Referências
lista permanece, pouco avançando na proposta de BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo:
uma ação integrada e solidária, que teria o potencial Edições 70, 2012.
de fortalecer e qualificar as regiões de saúde.
BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos
A gestão em saúde ainda reproduz uma lógica
Jurídicos. Decreto nº 7.508, de 28 de junho
descontextualizada e baseada em demandas e quei-
de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19
xas tomadas isoladamente, com vistas a atender o de setembro de 1990, para dispor sobre a
“sintoma” atual do problema. Essa forma de exercer organização do Sistema Único de Saúde (SUS),
a gestão tem contribuído para a falta de planeja- o planejamento da saúde, a assistência à saúde
mento e de proposição de estratégias que garantam e a articulação interfederativa, e dá outras
recursos que respondam às demandas regionais providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
para os diferentes níveis de complexidade da rede 29 jun. 2011. Seção 1, p. 1-3.
de atenção à saúde. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho
O Decreto 7.508/2011 coloca, como atribuição Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de
da CIR, orientar e ordenar os fluxos das ações e dos dezembro de 2012. Trata de pesquisas em seres
serviços de saúde, mas para que isto seja efetivo humanos e atualiza a Resolução nº 196. Diário
é imprescindível o diagnóstico de necessidades Oficial da União, Brasília, DF, 13 jun. 2013a.
da região, com definição de demandas e ofertas Seção 1, p. 59.
de serviços. No entanto, não se verificou o conhe- BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de
cimento dos gestores sobre a realidade regional, Atenção Básica. Nota Técnica. 2013b. Disponível
prevalecendo decisões com embasamento mais po- em: <http://189.28.128.100/dab/docs/geral/
lítico do que técnico. Outra atribuição importante, historico_cobertura_sf_nota_tecnica.pdf>. Acesso
conforme o decreto, é o monitoramento do acesso em: 11 nov. 2014.
às ações e aos serviços de saúde. A CIR mostrou-se CECILIO, L. C. O. et al. O gestor municipal na atual
com poucas condições técnicas de monitorar os etapa de implantação do SUS: características
serviços para os quais foram aprovados incentivos e e desafios. Reciis: Revista Eletrônica de
recursos financeiros, tanto nas questões de acesso, Comunicação, Informação & Inovação em Saúde,
quanto de qualidade da assistência. Os problemas Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 200-207, 2007.
constatados eram pontuais e não comunicados FLEURY, S.; OUVERNEY, A. M. Gestão de redes: a
formalmente a SES. Este fato corrobora para en- estratégia de regionalização da política de saúde.
fraquecer a capacidade de controle e negociação Rio de Janeiro: FGV, 2007.
com os prestadores privados. FREIRE, J. M. El sistema nacional de salud español
Acredita-se que a consolidação e fortalecimento en perspectiva comparada europea: diferencias,
da CIR sejam fundamentais para a governança re- similitudes, retos y opciones. Claridad – Sanidad,
gional e a efetivação das redes de atenção em saúde. Madrid, v. 1, p. 31-45, jul.-set. 2006.
Contudo, é necessária a qualificação e participação HUFTY, M.; BÁSCOLO E.; BAZZANI, R.
efetiva dos gestores municipais de saúde. Nesta Gobernanza en salud: un aporte conceptual y
perspectiva, também é imprescindível a participa- analítico para la investigación. Cadernos de Saúde
ção dos servidores estaduais como articuladores Pública, Rio de Janeiro, n. 22, p. S35-S45, 2006.
desse processo, considerando a rotatividade da Suplemento.
gestão municipal. Para tal, a gestão estadual precisa IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
conscientizar-se da relevância de assumir e exercer E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. 2010.
este papel, preparando-se tecnicamente para isto, Disponível em: <https://goo.gl/F5Msw4>. Acesso
pois este estudo mostrou que o planejamento regio- em: 12 nov. 2014.
nal não tem sido prioridade, e que os servidores não LEATT, P.; PINK, G. H.; GUERRIERE, M. Towards
estão capacitados plenamente para participarem a Canadian Model of integrated healthcare.
deste processo. Healthcare Papers, Toronto, v. 1, n. 2, p. 13-35,

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análise dos dados, revisão crítica e aprovação da versão a ser
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140 Saúde Soc. São Paulo, v.26, n.1, p.129-140, 2017

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