Miguel Torga

Poema
«Orfeu rebelde»
 George Frederic Watts,2
Orfeu e Eurídice (c. 1870-1872).
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Orfeu:
poeta da mitologia grega conhecido
pelo seu canto melodioso,
que encantava a Natureza.
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Orfeu rebelde, canto como sou:

Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...

Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte

No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
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«Canto…» «como um possesso / Que na casca do tempo,

a canivete, / Gravasse a fúria de cada momento;»
(vv. 1-3)
Poesia

Arma Desejo de lutar contra

a efemeridade da vida

Arma que o sujeito poético

usa para lutar contra a morte

«Canto, a ver se o meu canto compromete /

A eternidade no meu sofrimento.» (vv. 5-6)

«Bicho instintivo que adivinha a morte /

No corpo dum poeta que a recusa, /
Canto como quem usa /
Os versos em legítima defesa.»
(vv. 13-16)
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O canto do eu e o canto dos outros

«Outros, felizes,
sejam rouxinóis…» (v. 7)

Canto dos outros

Harmonia

Franz von Stuck, Orfeu (1891).

«Eu ergo a voz assim,

num desafio:» Canto do sujeito Grito contra
(v. 8) poético a morte
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«Saibam que há gritos como há nortadas /

A força da revolta
Violências famintas de ternura.»
do eu assemelha-se à
(vv. 11-12)
força dos elementos
da Natureza

A agressividade do eu
traduz também
aspiração ao afeto

«Canto, sem perguntar à Musa /

Oscilação entre
Se o canto é de terror ou de beleza.»
exaltação e horror
(vv. 17-18)
A realidade, ainda
que bela, é marcada pela
omnipresença da morte
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«Orfeu rebelde» (título)

O eu poético identifica-se
com poeta da mitologia
grega célebre pelo seu
canto melodioso, que
encantava a Natureza Representação de Orfeu encantando
os que o rodeiam, num sarcófago
do século III a. C., na Grécia.
Poeta cujo canto
tem um forte impacto
naqueles que o rodeiam
MAS é um
Poeta que procurou «Orfeu rebelde»
lutar contra a morte O seu canto
recorrendo ao seu canto não é harmonioso,
mas um grito
de revolta
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Luigi Vacca (1824) — representação da descida
de Orfeu ao Inferno, na cortina do Teatro
de Chambéry, em França.