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Qual o sentido de Rawls para nós?

Luiz Eduardo de Lacerda Abreu

Sumário
1. Introdução. 2. Uma teoria da justiça como o
exercício de uma filosofia crítica. 3. As concep-
ções políticas de justiça e as doutrinas abran-
gentes. 4. O diálogo com a tradição brasileira.

1. Introdução

Uma teoria da justiça é um trabalho ambi-


cioso: “fundar”, na justiça, o que Rawls cha-
mou de “estrutura básica da sociedade”,
quer dizer, a distribuição dos direitos e de-
veres fundamentais e das vantagens resul-
tantes da cooperação social pelas institui-
ções sociais mais importantes, sejam elas po-
líticas, econômicas ou sociais (FREEMAN,
2003, p. 3; RAWLS, 2002, p. 7-8). O impacto
do trabalho de Rawls na filosofia política
contemporânea, principalmente anglo-
saxã, é considerável1 – o que não se repetiu
no debate brasileiro. Talvez porque, num
certo sentido, a obra de Rawls poderia ser
percebida como uma elaboração relativa-
mente recente de uma longa tradição de pen-
samento liberal. É possível que haja algo de
verdade na crítica – bastante comum, aliás
– segundo a qual as idéias de Rawls teriam
uma aplicação limitada em outras tradições
culturais, uma vez que são características
da sociedade estado-unidense.
Neste artigo, vou explorar esse proble-
Luiz Eduardo de Lacerda Abreu é doutor ma a partir de uma perspectiva que, acredi-
em antropologia pela UnB e professor do Mes- to, seja ao mesmo tempo mais ampla e fun-
trado em Direito do UniCEUB. damental: qual o sentido que a justiça como
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eqüidade pode ter para nós? Minha hipóte- que sua teoria propõe. Em que medida es-
se inicial é que estamos diante de duas tra- sas categorias são abstrações necessárias e
dições de pensamento político distintas – o quanto delas é fruto de uma decisão um
mesmo considerando que a tradição brasi- tanto idiossincrática são questões que não
leira não formulou conscientemente os seus encontram respostas fáceis. Seja como for,
princípios e principais conseqüências num não vamos nos aproximar de Rawls a partir
sistema do tipo que Rawls propõe. Aliás – e da explicitação dessas categorias (algo que
me adianto –, uma das razões pelas quais já foi feito por outros, Cf. NUNES, 2005). Ao
Rawls parece ser interessante é justamente contrário, vamos aqui explorar Rawls a par-
porque ele difere de maneira bastante acen- tir de uma dupla hipótese de pesquisa: (a) o
tuada de nossas concepções políticas em objetivo de Uma teoria é o de construir crité-
aspectos centrais. Em outras palavras, é rios a partir dos quais seja possível discutir
porque somos diferentes que temos tanto o o justo; e (b) a construção desses critérios
que conversar. pode ser percebida como o exercício de uma
O texto está dividido em três partes. Nas filosofia crítica e, portanto, não dogmática.
duas primeiras, vamos examinar os princi- Essa maneira de abordar a obra de Rawls
pais aspectos de Rawls naquilo que, acredi- tem a vantagem adicional de estabelecer di-
to, dizem respeito, mais de perto, ao nosso álogos mais interessantes com alguém que
assunto. Elas correspondem aos seus dois percebe o debate a partir do caso brasileiro
principais trabalhos: Uma teoria da justiça e – mas nos adiantamos. Vamos começar com
o Liberalismo político (respectivamente a segunda parte da nossa hipótese.
RAWLS, 2002; 2005). A terceira examina a (1) Uma filosofia crítica tem, como ponto
nossa tradição de pensamento político e, de partida, o estabelecimento de um crité-
dentro dessa tradição, vou enfatizar algu- rio, “a”, a partir do qual ela pode dialogar
mas das suas formulações jurídicas. Em com outros discursos, montados sobre fun-
outras palavras, vou entender a tradição do damentos dogmáticos, quer dizer, discursos
pensamento jurídico brasileiro como conti- que não se submetem a critérios críticos.
da num sistema mais amplo de valores e Porém, para evitar que “a” também incor-
idéias e, portanto, formada não apenas pe- pore, no fundo, uma posição dogmática,
las elaborações conscientes da doutrina e então “a” deve, por sua vez, ser submetido
da jurisprudência em face dos enunciados a teste, validado por um outro critério, “b”.
normativos das diversas regras jurídicas, Ora, é possível perceber que “b” não é o fim
mas principalmente pela relação disso com do caminho, pois, sob o risco de cair nova-
a prática social da atividade jurisdicional e mente no dogmatismo, “b” necessita de um
as categorias culturais mais amplas que, outro critério de validação, “c” – e assim
muitas vezes, o campo do direito reelabora sucessivamente. Em outras palavras, a ten-
de uma maneira muito particular2. tativa de validar o critério a partir de um
outro critério leva a um regresso infinito.
2. Uma teoria da justiça como o O ponto que vou defender aqui é que a
exercício de uma filosofia crítica alternativa rawlsiana é semelhante, na sua
estrutura, àquela proposta por Kant (e tam-
Uma teoria da justiça é um trabalho com- bém por Wittgenstein) – embora com uma
plexo e, para o leitor brasileiro, de difícil diferença importante, como veremos adian-
aceitação. Há bons motivos para tanto. te3. Esse aspecto do argumento segue a in-
Rawls cria várias categorias e conceitos que terpretação de Garver (1996, p. 162-164), de
lhe são muito particulares – ele requer, por- quem reproduzo os aspectos essenciais. A
tanto, um certo esforço do leitor para, por solução kantiana para o problema da vali-
assim dizer, “entrar” no sistema conceitual dação é encontrar um critério auto-referen-

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ciado, quer dizer, um critério que passe pelo te: em que lugar de Uma Teoria da Justiça,
seu próprio teste crítico. Isso requer, por sua Rawls toma como dado fatos não filosófi-
vez, a aceitação “a-crítica de alguns fatos cos que passem no seu próprio critério críti-
não filosóficos”. Assim Kant teria tomado co? É preciso reparar que essa estratégia
como ponto de partida a geometria euclidi- envolve aquilo que poderíamos chamar de
ana, a física newtoniana e a lógica aristoté- o fundamento e não um ou outro aspecto
lica; depois, teria se perguntado como o co- que, apesar de gozar talvez de certa centra-
nhecimento e o julgamento seriam possíveis lidade, tem em relação àquele um papel de-
nesses campos. A teoria kantiana seria, por- rivado.
tanto, “um relato complicado do sucesso (2) A solução do problema está vincula-
[daquelas disciplinas]”. O problema é que da à idéia de posição original. Com efeito, o
“a filosofia kantiana teria sido bem sucedi- argumento em Uma Teoria da Justiça utiliza
da na sua estratégia auto-referenciada se – como o seu “lugar” central – a partir do qual
e somente se – ela estivesse correta sobre o os outros aspectos serão solucionados – a
que tomou como dado; mas esse não foi o idéia de uma situação inicial de contrato
caso” (GARVER, 1996, p. 164). Com efeito, marcada pelo véu da ignorância, quer di-
hoje não podemos tomar a geometria eucli- zer, pelo desconhecimento daqueles que es-
diana, a física newtoniana e a lógica aristo- tão na posição inicial de todas as informa-
télica como verdadeiras; como elas, sem ções particulares sobre a sua sociedade. As
dúvida, seriam percebidas à época de Kant. pessoas na posição inicial teriam apenas
Wittgenstein também teria utilizado de es- informações genéricas a respeito das socie-
tratégia semelhante, partindo de outros fa- dades em geral: elas saberiam, por exemplo,
tos não filosóficos. “O que Wittgenstein que as pessoas ocupariam diferentes posi-
toma por dado (…) são os seres humanos, a ções sociais e que essas posições seriam de-
forma humana de vida e os jogos de lingua- siguais, sendo que alguns seriam mais fa-
gem e as atividades humanas que contribu- vorecidos do que outros; elas saberiam tam-
em para ela – em uma palavra, tudo aquilo bém que os indivíduos possuiriam capaci-
que ele, por vezes, chamava ‘nossa história dades desiguais etc. O que elas não sabem –
natural’” (GARVER, 1996, p. 164). Seja como e isso faria toda a diferença – é qual posição
for, a conseqüência é a de que “o critério cada uma delas teria dentro da sociedade
não pode oferecer uma justificação comple- real. Em outras palavras, embora elas sou-
ta, no sentido forte do termo, sob o risco bessem da desigualdade inevitável, elas não
da circularidade do argumento. O critério saberiam se essa desigualdade as benefici-
pode apenas oferecer uma certificação” aria ou não. Isso garantiria aos participan-
(GARVER, 1996, p. 163). tes da posição inicial uma posição eqüitati-
É preciso notar, no entanto, que, ao con- va. A partir daí, o indivíduo teria de decidir
trário de Kant e de Wittgenstein, Rawls não os princípios da estrutura normativa da so-
está interessado na verdade científica ou ciedade que garantissem, da melhor forma
naquilo que podemos, com clareza, afirmar. possível, os seus interesses. É importante
Rawls dirige sua atenção para o sentido do enfatizar que essas decisões seriam toma-
que seja uma sociedade justa; em outras das numa situação hipotética, num estado em
palavras, como podemos encontrar funda- que o indivíduo tem informações insuficientes
mentos razoáveis para afirmar que em tais sobre quais seriam, concretamente, os seus inte-
ou quais condições determinado arranjo resses (parte da discussão de Rawls é justa-
normativo representa uma solução justa mente saber se, nessa situação, seria mais
para a organização da sociedade? Mas, se racional tomar uma decisão ousada ou con-
estamos corretos quanto ao uso da estraté- servadora). Num certo sentido, o argumen-
gia kantiana, a questão se resume ao seguin- to da posição original parece distante da

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estratégia kantiana de fundamentação de mente falha: a teoria da escolha racional não
uma filosofia crítica (no sentido apontado tem instrumentos para lidar com os aspec-
por GARVER, 1996), uma vez que utiliza tos culturais e societários; não pode respon-
uma situação ideal que é criada em contra- der, por exemplo, quais são os valores fun-
posição ao dado que é justamente a socie- damentais que devem ser preservados aci-
dade real. Mas essa seria uma perspectiva ma de todos os outros, ela também não res-
superficial. ponde pela importância de certas institui-
A posição original toma como dado ções como, por exemplo, a família. Do que
(quer dizer dado pela realidade) o indiví- nos interessa, no argumento de Rawls, a
duo racional da teoria econômica moderna, racionalidade se submete a um outro crité-
encarnado, concretizado na teoria dos jo- rio: o diálogo que Rawls estabelece com o
gos. Nesse sentido, a posição original pode- seu leitor, diálogo no qual o que está em jogo
ria ser percebida como um “jogo” particu- é o convencimento deste último, projeto con-
lar, no qual os indivíduos têm informações substanciado na idéia de “razoabilidade”
insuficientes sobre sua efetiva posição soci- que atravessa todo o texto5.
al4. Mas isso precisa ser explicado. O fato é Rawls não supõe uma situação ideal de
que os indivíduos não são sempre racionais, diálogo como, por exemplo, aquela desenha-
pelo menos não são sempre racionais no da por Habermas e constituída por uma plu-
sentido acima. Há vários trabalhos que mos- ralidade de indivíduos (essas questões são
tram justamente os limites da racionalida- explicitadas em RAWLS, 1995, p. 135-142,
de instrumental ou, dizendo de uma forma principalmente; HABERMAS, 1995; Cf.
menos elegante, do “interesse utilitarista” MCCARTHY, 1994); mas um diálogo efeti-
(Cf. SAHLINS, 1976, principalmente a con- vo em que os únicos juízos relevantes são o
clusão: “utility and the cultural order”). Essa seu e o do seu leitor. Há claramente um prin-
é uma questão à qual não temos tempo, aqui, cípio de economia explicativa nessa deci-
de nos dedicar; para o argumento, basta são. Suposições mais fortes poderiam apro-
supor que os indivíduos não são totalmente ximar sua teoria de uma situação possível
racionais ou, pelo menos, não o são em mui- (no sentido de descrever uma situação de
tos momentos – e essa é uma suposição ra- diálogo que poderia, mesmo dentro de limi-
zoável. Mesmo com essa suposição, mesmo tes, efetivamente acontecer), mas, para tan-
aceitando a irracionalidade como um aspec- to, ele teria de fazer uso de teorias mais com-
to central do fenômeno societário, mesmo plexas de argumentação racional e de con-
assim o uso do indivíduo racional na posi- textos nos quais essa argumentação seria
ção original poderia ser percebido como possível – como, aliás, fica evidente a partir
uma solução kantiana, na medida em que o das complexas suposições e reformulações
que está em jogo não é o fato de que todos os da teoria sociológica que requer a teoria ha-
indivíduos ajam racionalmente o tempo bermasiana. No entanto, o ganho “explica-
todo, mas que eles podem agir dessa forma tivo” da teoria equivaleria a uma perda cor-
e, principalmente, efetivamente o fazem em respondente na sua capacidade de conven-
condições especiais. Mas não é aí – acredito cimento. Rawls, portanto, coloca o diálogo
– que Rawls vai encontrar o fundamento não como um aspecto metodológico que se reali-
filosófico que lhe permite estabelecer uma za na estrutura argumentativa da obra e não
filosofia crítica. nas suas suposições teóricas. Ela se torna,
(3) O indivíduo racional é uma condição num certo sentido, “invisível” e só é referi-
necessária de toda a estrutura argumentati- da em passagens breves.
va de Uma Teoria da Justiça, mas ela de modo Assim, na última parte do último capí-
nenhum parece ser uma condição suficien- tulo, ele vai afirmar que, “se a justiça como
te. Nos momentos decisivos, ela simples- eqüidade é mais convincente que as variantes

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mais antigas da doutrina contratualista, seus princípios em atender às nossas
acredito que isso se deve ao fato de a posi- convicções mais profundas e oferecer ori-
ção original unir (…) em uma única concep- entação onde se fizer necessário”
ção, um problema razoavelmente claro de es- (RAWLS, 2002, p. 22, grifo nosso).
colha com condições que são amplamente re- Ora, justamente esse diálogo entre as
conhecidas como adequadamente impostas formulações da situação inicial e os julga-
à adoção de princípios morais” (RAWLS, mentos intuitivos do leitor fornece um crité-
2002, p. 651, grifo nosso); e mais à frente, rio crítico auto-referenciado, que Rawls
“as condições incorporadas na descrição (2002, p. 23, grifo nosso) formula da seguin-
dessa situação são condições que de fato acei- te maneira:
tamos. Ou, se não as aceitamos, podemos ser “(…) às vezes alterando as condições
persuadidos a aceitá-las por meio de conside- das circunstâncias em que se deve
rações filosóficas da espécie que ocasional- obter o acordo original, outras vezes
mente apresentei” (RAWLS, 2002, p. 654, modificando nossos juízos e confor-
grifo nosso). Mas afirmar que o diálogo com mando-o com os novos princípios,
o leitor perpassa a estrutura argumentativa suponho que acabaremos encontran-
de Uma Teoria da Justiça não nos é suficiente. do a configuração da situação inicial
É preciso verificar quais as bases desse que ao mesmo tempo expresse pres-
diálogo. suposições razoáveis e produza prin-
A idéia da razoabilidade serve, de uma cípios que combinem com nossas convic-
maneira mais profunda, como um teste para ções devidamente apuradas e ajustadas.
a descrição da posição original, para a so- A esse estado de coisas eu me refiro
lução do problema de escolha e para deci- como equilíbrio ponderado [no original:
sões que seriam eventualmente tomadas com reflective equilibrium]. Trata-se de um
respeito às partes propriamente substanti- equilíbrio porque finalmente nossos
vas da teoria (quais seriam os valores ado- princípios e opiniões coincidem; e é refle-
tados para a estrutura básica, por exemplo). xivo porque sabemos com quais prin-
Muitas dessas questões o texto deixa em cípios nossos julgamentos se confor-
aberto, afirmando que elas dependeriam das ma e conhecemos as premissas das
escolhas que efetivamente seriam realizadas quais derivam. Neste momento tudo está
tendo em vista a organização de uma socie- em ordem”.
dade particular. Seja como for, de uma ma- Algumas considerações sobre o caráter
neira muito geral, Rawls está discutindo hermenêutico do equilíbrio reflexivo6 são
fundamentalmente os valores de uma tradi- relevantes para o nosso assunto. Primeiro,
ção política e jurídica que é compartilhada a mais fundamental (da qual decorrem as
por ele e pelo seu leitor. Nesse sentido, o outras) é o caráter circular do procedimen-
diálogo baseia-se na capacidade de as solu- to: das proposições (sempre provisórias)
ções corresponderem aos julgamentos intui- obtidas na posição original a partir, por
tivos ou, como ele mesmo afirma, exemplo, do teste das concepções filosófico-
“Podemos observar se a aplicação políticas conhecidas num determinado pe-
destes princípios [escolhidos na po- ríodo histórico vai-se até os juízos nos quais
sição inicial] nos levaria a fazer, a res- se deposita maior confiança. Seriam os prin-
peito da estrutura básica da socieda- cípios e os juízos compatíveis? O mais pro-
de, os mesmos julgamentos que agora fa- vável é que eles não o sejam, e, nesse caso,
zemos intuitivamente e nos quais depo- ou se volta às proposições da posição origi-
sitamos maior confiança (…) Podemos nal, modificando-as se for o caso; ou se con-
então avaliar uma interpretação da vence de que os juízos devem ser, de algu-
situação inicial pela capacidade de ma forma, alterados ou se faz um pouco dos

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dois. Mas o processo não pára aí. Dos prin- maneira: o que Rawls tomaria como funda-
cípios e intuições assim ajustados volta-se mento não filosófico, o critério que passaria
aos juízos sobre os quais temos menos con- pelo seu próprio teste seria justamente a ca-
fiança (pode-se talvez estabelecer uma or- pacidade de o indivíduo elaborar e reelabo-
dem entre esses juízos, de forma a tratá-los rar a sua tradição cultural, incorporada nos
separadamente). Novamente, é possível ajus- seus juízos intuitivos, a partir de um esfor-
tá-los aos princípios obtidos anteriormente, ço reflexivo. Há algo de terapêutico, na me-
modificar os princípios ou fazer algo dos dida em que tomar consciência implica en-
dois. Em segundo lugar, um método assim frentar uma decisão: posso conscientemen-
concebido não tem por objetivo fixar, de uma te, nem que seja para mim mesmo, aceitar
vez por todas, aqueles que seriam os princí- que esses sejam os meus juízos? Permane-
pios da justiça. Ele não possui nenhum cri- cer assim é o que quero? É razoável o que
tério que limita o seu movimento; ao contrá- defendo? E como uma situação terapêutica,
rio, ele o supõe permanente. Assim, mesmo ela emerge, justamente, do diálogo. A leitu-
numa situação hipotética de uma socieda- ra de Uma teoria da justiça pode ser percebi-
de bem-ordenada (suposição que Rawls uti- da, então, como a proposta de um encontro
liza para pensar uma sociedade concreta a hermenêutico, do leitor com o mundo do tex-
partir da posição original, com objetivo de to (Cf. RICOEUR, 1986), mundo construído
limitar a complexidade da discussão), em de forma a trazer ao primeiro plano uma
que as novas gerações concordassem com tradição de pensamento a partir dos juízos
os princípios da justiça estabelecidos ante- intuitivos do leitor. Dessa perspectiva, é
riormente, mesmo nessa condição idealiza- possível propor que, em Rawls, a proprie-
da, os princípios da justiça deveriam ser dade hermenêutica do encontro é ao mesmo
percebidos como elaborações provisórias, tempo um instrumento metodológico e polí-
quer dizer, elaborações que poderiam ser tico: metodológico porque constrói o cami-
revistas sempre que a mudança das condi- nho que o texto nos propõe, e, nesse sentido,
ções sociais assim o exigisse (RAWLS, 1995, o critério auto-referenciado está presente na
p. 154). Por fim, o equilíbrio reflexivo não é própria estrutura do texto; o encontro tam-
um procedimento no qual os filósofos se bém é político, porque ele pretende uma
debatem para decidir os princípios a partir modificação daquilo que, com muito cuida-
dos quais uma sociedade pode ser conside- do, poderíamos chamar de “política ínti-
rada justa. Ao contrário, é um processo em ma”7 – a idéia é que a maneira de ver o mun-
que os próprios cidadãos devem envolver- do do indivíduo tem conseqüências políti-
se individualmente. Dito de outro jeito, ele cas e que, inversamente, certos tipos de mu-
tem um caráter pessoal, inalienável, no qual danças políticas (do tipo que, por exemplo,
o que está em jogo é a capacidade de o indi- Rawls propõe) exigem uma modificação na
víduo (a) examinar o problema a partir da maneira como os indivíduos vêem o mundo
posição original e (b) ser capaz de modifi- – ou pelo menos, como veremos adiante,
car-se, nos seus juízos e nos seus comporta- vêem a política.
mentos a partir do ajuste entre os princípios (5) Havia iniciado esse texto, afirmando
e os juízos. Em outras palavras, “o processo que, na minha interpretação, o que Uma teo-
de procurar o equilíbrio reflexivo é algo que ria da justiça propunha era fundamental-
cada um deve empreender por si mesmo, mente a discussão dos critérios a partir dos
e é o processo de decidir o que pensar; e quais seria possível discutir o justo. Tudo
não apenas descrever o que pensamos” se passa como se Rawls tivesse dois livros
(SCANLON, 2003, p. 149). em um, e o mais importante é aquele que
(4) Portanto, estamos agora em condições não está escrito. E digo mais importante,
de reformular nossa hipótese da seguinte porque é a necessidade não escrita que vai

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comandar o argumento do livro (na sua obra à questão da formulação das normas jurídi-
posterior, ele desenvolve o assunto detalha- cas e da sua aplicação. Assim, a primeira
damente, vide, por exemplo, RAWLS, 2005; etapa seria a discussão dos próprios princí-
voltaremos ao assunto adiante). Por enquan- pios da justiça; a segunda, a discussão das
to, vou me limitar a Uma teoria da justiça, pro- regras constitucionais; a terceira, a produ-
curando desenvolver como vejo a importân- ção de leis como a constituição permite e os
cia do diálogo que se constrói a partir do princípios da justiça requerem; a quarta,
texto e não dentro dele. enfim, a aplicação da constituição e das leis
Numa sociedade real, os argumentos dos pelos juízes, administradores e cidadãos em
indivíduos sobre o que seria justo estão efe- geral (RAWLS, 2002, p. 31). Conforme vai-
tivamente influenciados pelas suas respecti- se da primeira à última etapa, o véu da ig-
vas posições sociais, riqueza, valores religi- norância vai progressivamente se levantan-
osos, crenças pessoais, as escolhas éticas, a do. Assim, na discussão dos princípios da
história pessoal etc. Mais ainda, esses con- justiça, como vimos, as informações são mí-
dicionantes representam posições sociais nimas; já na última etapa, a da aplicação, o
assimétricas, quer dizer, elas incorporam acesso aos fatos é completo. Em cada uma
não apenas diferenças individuais, mas so- delas, o exercício se compõe de dois pontos:
bretudo desigualdades. Essas desigualda- (a) conjecturar (para continuar no termo de
des, por sua vez, não são apenas o resulta- Rawls) sobre ou a partir dos princípios da
do do esforço pessoal numa situação de justiça, utilizando as restrições aplicáveis
igualdade de oportunidades, mas são cons- em cada etapa, como se (b) lá estivéssemos
truídas e perpetuadas socialmente. Em ou- (participássemos da posição original, fôs-
tras palavras, os argumentos sobre o que semos delegados da assembléia constituin-
seria justo numa sociedade real potencial- te, legisladores ordinários, juízes ou admi-
mente – e na minha opinião de fato – refle- nistradores). Dessa perspectiva, a seqüên-
tem, nalguma medida, as injustiças da pró- cia de quatro estágios (ou etapas) “é parte
pria sociedade. Como alguém poderia de- da justiça como equidade e constitui parte
positar confiança nos juízos construídos do quadro de pensamento que, como cida-
dessa forma? Nesse sentido, a posição ori- dãos na sociedade civil, nós que aceitamos
ginal, o véu da ignorância, a suposição dos justiça como equidade utilizamos para apli-
indivíduos racionais e a questão de qual car seus conceitos e princípios” (RAWLS,
seria a decisão mais racional numa situação 1995, p. 151)8.
assim delineada servem como instrumentos
analíticos que permitem formular uma con- 3. As concepções políticas de
jectura (o termo é do próprio RAWLS, 1995, justiça e as doutrinas abrangentes
p. 139), conjectura que pode basear os argu-
mentos que utilizamos em situações discur- Da perspectiva da ciência política e, de
sivas reais. Teríamos boas razões para de- certa forma, da própria economia, o pano
positar confiança nesses argumentos, por- de fundo de Uma teoria da justiça é o seguinte
que: (a) eles representam juízos que seriam problema: como uma sociedade formada
o resultado de uma situação eqüitativa; e (b) por indivíduos que procuram a realização
podem ser criticados tanto em relação ao seu do seu interesse egoísta pode manter-se ao
procedimento (se o método foi bem empre- longo do tempo? Rawls recoloca o proble-
gado) como, principalmente, (c) em relação ma da seguinte maneira: como encontrar
ao seu conteúdo. regras justas para cooperação social num
Para tanto, Rawls, inclusive, sugere um ambiente marcado pela competição entre os
método de quatro etapas, método que, inci- indivíduos? A sua solução requer a existên-
dentalmente, nos interessa porque se refere cia de um conjunto de valores compartilha-

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dos (a) que os cidadãos se disponham a de- além da política] somente pode ser
fender quando as circunstâncias assim o mantida pelo uso opressivo do poder
exijam (por exemplo, num debate público); do Estado. Se nós pensarmos uma so-
e que (b) os cidadãos efetivamente utilizem ciedade como uma comunidade uni-
para guiar sua vida. No seu trabalho poste- da pela afirmação de uma e mesma
rior, Rawls vai entender que essa suposição doutrina abrangente, então o uso do
é contraditória com sua teoria. Vejamos. poder opressivo do Estado é necessá-
(1) Numa sociedade bem ordenada e ba- rio para a comunidade política. (…) O
seada nos princípios da justiça– ele argu- mesmo se aplica, acredito, para qual-
menta –, os cidadãos razoáveis, iguais e li- quer doutrina abrangente razoável,
vres iriam, inevitavelmente, pelo exercício seja ela religiosa ou não. Uma socie-
da sua liberdade, discordar dos próprios prin- dade unida em torno de uma forma
cípios da justiça. Dito de outro jeito, numa razoável de utilitarismo, ou dos libe-
linguagem mais sociológica, o exercício da ralismos razoáveis de Kant ou Mill,
liberdade leva as pessoas a se diferencia- iria requerer, da mesma forma, o uso
rem umas das outras, inclusive a divergir das sanções do poder do Estado
nas suas maneiras de ver o mundo. As con- para permanecer assim. Chame isso
seqüências disso para Uma teoria da justiça de ‘o fato da opressão’” (RAWLS,
são fáceis de perceber. O livro é dividido em 2005, p. 37).
três partes: na primeira, Rawls desenvolve É importante salientar que Rawls não
os princípios da teoria e o método de argu- está interessado em explicar o fato empírico
mentação; na segunda, pretende ilustrar os de que as sociedades existem no tempo, mas
princípios da justiça descrevendo as insti- na possibilidade de uma sociedade organi-
tuições básicas que os satisfariam; por fim, zada a partir dos princípios da justiça ser
na terceira, examina a questão da estabili- estável pelas razões corretas. Por razões cor-
dade, quer dizer, como uma sociedade ba- retas, Rawls (2005, p. xxxvii, 143 et seq., 459)
seada nos princípios da justiça poderia per- quer entender, no Liberalismo político, a esta-
durar. Ora, se uma sociedade bem ordena- bilidade assegurada “pelo firme apoio aos
da, nos termos de Rawls, não pudesse se ideais e valores políticos (morais) de uma
manter estável, então a terceira parte de Uma sociedade democrática” – algo semelhante
teoria da justiça seria contraditória com as ao resultado do equilíbrio reflexivo. Em ou-
duas primeiras (Cf. DREBEN, 2003, p. 317). tras palavras, “Rawls está dizendo que,
Num outro plano, Uma teoria da justiça mesmo se ele tivesse nos convencido que o
seria contraditória com aquilo que Rawls que ele escreveu em Uma teoria da justiça é
chamou de “pluralismo razoável”, quer di- direito e correto, racional e razoável, a úni-
zer, o fato de a sociedade democrática mo- ca maneira pela qual uma sociedade basea-
derna se caracterizar “não apenas pelo da nestes princípios poderia manter-se es-
pluralismo de doutrinas religiosas, filosófi- tável pelas razões certas seria utilizando as
cas e morais abrangentes, mas pelo plura- razões erradas” (DREBEN, 2003, p. 318). A
lismo de doutrinas incompatíveis e, ainda questão para Rawls é, então, no Liberalismo
assim, razoáveis” (RAWLS, 2005, p. xvi). Por Político, como garantir de maneira não vio-
esse motivo, a necessidade de uma visão de lenta a defesa voluntária e “pelas razões
mundo abrangente levaria à violência e à corretas” de um conjunto de valores com-
opressão, mesmo se essa visão fosse – ou se partilhados que fundam as regras de coo-
baseasse em – uma doutrina liberal. Assim, peração social, quer dizer, as instituições
“[Uma] doutrina religiosa, filosó- básicas da sociedade. Como fazer isso numa
fica ou moral abrangente [que perpas- sociedade caracterizada por diferentes ma-
sa outras dimensões da vida social neiras de perceber e estar no mundo?

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Rawls introduz a distinção entre concep- tenham (a) a capacidade para um senso de
ção política e doutrinas abrangentes (com- justiça e uma concepção do bem e (b) a ca-
prehensive doctrines) que vai basear tanto a pacidade de propor e agir de maneira equâ-
formulação do problema quanto a sua solu- nime naquilo que concerne às regras de co-
ção. Por “concepção” ele entende uma “con- operação social, assumindo – por evidente
cepção política e suas partes, como o con- – que os outros também o façam (essa últi-
ceito de pessoa como cidadão”; por “dou- ma, a idéia de reciprocidade); além disso, o
trina”, as “perspectivas abrangentes de to- cidadão deveria ter uma concepção racional
dos os tipos” (RAWLS, 2005, p. xxxv, e 441), e coerente do bem, concepção que ele perse-
isto é, doutrinas que incluíssem não apenas gue exclusivamente nos limites dos termos acor-
a dimensão político-constitucional, mas dados de maneira equânime para cooperação so-
também idéias que perpassassem outras cial (RAWLS, 1995, p. 167). Claro, a coerên-
esferas da vida social, tais como concepções cia nunca é absoluta, no sentido de que exis-
religiosas, filosóficas, morais, científicas etc. tem sempre no plano da organização social
Assim, “uma vez que a questão é colocada – plano que os indivíduos, em parte e inevi-
[a distinção entre concepção política e dou- tavelmente, reproduzem – incoerências,
trina abrangente], fica claro – acredito – que ambigüidades, paradoxos que são necessá-
o texto [de Uma teoria] percebe a justiça como rios para o funcionamento do sistema10. Cer-
eqüidade e o utilitarismo como doutrinas tamente, Rawls não é tão ingênuo a ponto
abrangentes ou parcialmente abrangentes” de acreditar que fosse possível, numa socie-
(RAWLS, 2005, p. xvi). Daí, a solução de dade real, obter uma coerência absoluta para
Rawls é a transformação daquilo que, em as crenças dos cidadãos, tomados indivi-
Uma teoria da justiça, é uma doutrina abran- dualmente. Rawls nunca deixa de ser um
gente, numa concepção puramente política pragmático: ele, a todo o momento, está co-
e, portanto, independente (freestanding); em locando limites às suas conjecturas em face
outras palavras, uma concepção que não da situação histórica de uma sociedade qual-
está fixa a nenhuma doutrina abrangente e quer. A coerência (no sentido apontado aci-
pode ser subscrita por uma pluralidade de ma) é muito mais uma idéia reguladora, um
doutrinas razoáveis – fato que ele chama de objetivo, talvez inatingível, mas que, mes-
“consenso sobreposto” (overlapping consen- mo assim, é preciso almejar.
sus). A partir daí, a justiça como eqüidade9 Seja como for – e esse é o meu ponto –,
poderia ser considerada como uma concep- Rawls está afirmando que os juízos intuiti-
ção puramente política e, portanto, limita- vos podem ser – e, arrisco, o são de fato na
da à formulação da estrutura básica da so- maioria dos casos – incoerentes entre si, prin-
ciedade, aos valores propriamente políticos. cipalmente, no caso dos argumentos sobre
(2) Curioso em todo esse percurso é jus- a justiça – seja por conta das injustiças ins-
tamente a relação entre concepção política e critas na estrutura social de uma sociedade
doutrina abrangente. Embora os juízos que real, seja por causa da pluralidade de dou-
interessam à questão da justiça se apliquem trinas abrangentes dos cidadãos. Rawls não
exclusivamente ao domínio político, eles, se satisfaz com uma solução baseada na tra-
ainda assim, precisam se apoiar em doutri- dição, no modus vivendi, quer dizer, no fato
nas abrangentes. Como se as crenças de um de que aceitar os outros é algo que sempre
indivíduo tivessem de ser coerentes entre si, fizemos – uma espécie de tolerância irrefle-
como se os indivíduos, num certo plano, ti- tida11. Ao contrário, a sua solução exige o
vessem de ser por inteiro – somente assim, apoio voluntário dos cidadãos, um apoio
uma sociedade bem ordenada seria estável baseado em uma reflexão sistemática e cons-
“pelas razões corretas”. Nesse sentido, o ciente sobre os seus juízos. Não é por outra
Liberalismo político requer que os cidadãos razão que ele propõe um método que teria

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por objetivo justamente aumentar a coerên- sejam completas, quer dizer, que elas abar-
cia ajustando juízos e princípios. Embora o quem os principais componentes e proble-
Liberalismo político vá enfatizar, entre outros, mas de uma concepção política (os valores
o consenso sobreposto e a razão pública, o políticos, a idéia de cidadão e a relação en-
equilíbrio reflexivo ainda está lá: é por meio tre eles, os princípios de argumentação etc.)
dele que é possível esse ajuste – utilizando, e que proponham instrumentos metodoló-
portanto, a posição original, o véu da igno- gicos que possam ser reproduzidos por
rância, os quatro passos e os outros instru- outros.
mentos analíticos que os acompanham Mas o mais importante para nós é que,
(RAWLS, 2005, p. 8, 28, 45 et seq.). A dife- da perspectiva do debate público, aceitar a
rença é que, agora, o equilíbrio reflexivo ajus- razão pública, no sentido proposto acima,
ta princípios a juízos que se referem exclu- significa submeter a discussão a um contro-
sivamente a valores políticos. Ele não a- le substantivo. Isso não significa que temas
brange juízos que se aplicam a outras es- considerados, à primeira vista, do domínio
feras da vida. privado não possam entrar na discussão
(3) Vou defender que, apesar das dife- das instituições públicas; mas, que, nesse
renças, Liberalismo político lida com a mes- caso, devam se ater a argumentos propria-
ma questão de Uma teoria da justiça e de ma- mente políticos, quer dizer, vinculados a
neira mais explícita (RAWLS, 2005, p. 10, uma teoria da justiça e comprometidos com
156, 213, 441 et seq.), qual seja: em quais suas implicações. Seja como for, esse con-
argumentos sobre justiça posso depositar trole substantivo é justamente a crítica que
confiança?12 Não apenas os argumentos Habermas dirige a Rawls. Habermas vai
sobre justiça numa situação real estão in- argumentar que a sua teoria “é mais modes-
fluenciados pelas injustiças sociais, como ta [que a de Rawls] porque ela enfatiza ex-
também estão vinculados a crenças, religio- clusivamente os aspectos procedimentais do
sas ou não, e maneiras de perceber o mundo uso público da razão e deriva o sistema de
que não apenas são diferentes, mas, em direitos da idéia da institucionalização le-
muitos sentidos, incompatíveis entre si. Isso gal destes aspectos”. Dessa forma, a teoria
leva Rawls a relativizar o, por assim dizer, habermasiana poderia “deixar mais ques-
contexto do debate público: por um lado, são tões em aberto, porque confia[ria] mais no
possíveis várias doutrinas abrangentes (e processo de formação da opinião e vontade
não apenas a justiça como eqüidade ou o racionais”. Em contraste com a posição de
utilitarismo) e os princípios da justiça são Rawls, Habermas propõe “que a filosofia se
restritos a um domínio em particular; por limite à clarificação do ponto de vista moral
outro, o conteúdo da discussão pública, con- e do processo de legitimação democrática;
tido naquilo que Rawls chamou “razão pú- e, à análise das condições dos discursos e
blica”, comporta não apenas uma, mas vá- negociações racionais. Neste papel mais
rias teorias da justiça. Assim, “o conteúdo modesto, a filosofia (…) deixa as questões
da razão pública” – ele escreve – “é forma- que precisam ser respondidas aqui e agora
do por uma família de concepções políticas ao engajamento mais ou menos ilustrado
de justiça”, de forma que “justiça como equi- dos participantes” (HABERMAS, 1995, p.
dade, quaisquer que sejam seus méritos, e 131; Cf. MCCARTHY, 1994, p. 61). Não pre-
apenas uma delas” (RAWLS, 2005, p. 450, tendo aqui entrar nesse debate, mas ele aqui
Cf. a introdução: xlvi). A exigência que Ra- me ajuda a clarear uma posição metodoló-
wls estabelece para essas outras concepções gica. Todo o argumento da última parte deste
políticas é de duas ordens: (a) que elas pos- artigo se baseia em algumas das questões
sam ser aceitas por outros cidadãos (no sen- substantivas levantadas pelo trabalho de
tido da idéia de reciprocidade) e (b) que elas Rawls, justamente por sua diferença com –

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me permito aqui uma generalização provi- deliberativo) exigiria que o diálogo se cons-
sória – a nossa “maneira de ver o mundo” – truísse também com os princípios da justiça
na qual incluo nossa tradição jurídica. propostos por Rawls (o que não temos tem-
po de fazer aqui). O meu argumento se de-
4. O diálogo com a tradição brasileira senvolve na seguinte direção: a riqueza da
justiça como eqüidade está justamente na-
Qual o sentido que a justiça como equi- quilo que ela difere do que, em termos mais
dade pode ter para nós? Ou melhor: quais amplos, poderíamos chamar de nossa “ide-
os diálogos que poderíamos estabelecer com ologia política”, quer dizer, o sistema de idéi-
as idéias de Rawls que façam sentido para as e valores incorporados nas nossas insti-
nós?13 Essas perguntas, por certo, evocam tuições políticas15. Especificamente, as idéi-
mais caminhos do que seremos capazes de as de Rawls nos permitem pensar os con-
trilhar no pouco espaço que nos resta. Por- tornos da nossa ideologia que, de outra
tanto, antes de prosseguirmos, é necessário maneira, talvez nos fossem invisíveis. Por-
examinar qual tipo de resposta podemos tanto, a parte final deste artigo compara a
obter ou, dizendo de outro jeito, a partir de justiça com eqüidade com alguns aspectos
qual perspectiva iremos explorar a questão. mais genéricos da nossa tradição16. É im-
O escrúpulo metodológico não é irrelevante portante frisar que as “conclusões” apre-
nesse caso. Por exemplo, se abordarmos a sentadas aqui são – no máximo – hipóte-
questão a partir da perspectiva do próprio ses provisórias, baseadas no trabalho de
Rawls, então a resposta dependeria de um pesquisa que venho desenvolvendo nos
processo de validação. Em outras palavras, últimos anos.
seria preciso saber se os princípios da justi- (1) Na tradição brasileira e, especialmen-
ça seriam validados pelo método do equilí- te, na parte jurídica dessa tradição, o debate
brio reflexivo que tivesse como interlocutor tem o caráter, em certo sentido, contrário
um leitor brasileiro ou, caso não o fossem, àquele suposto na justiça como eqüidade.
qual seria o resultado substantivo do ajus- No campo jurídico, a divergência é incenti-
tamento entre princípios e juízos que resul- vada e acalentada. Percebe-se um grande
tariam desse processo. Somente assim a teo- consenso a respeito das suas categorias dou-
ria continuaria a representar o exercício de trinárias mais centrais; e um dissenso gene-
uma filosofia crítica diante da nossa tradi- ralizado sobre a aplicação delas em ques-
ção político-jurídica, como ele representa- tões mais específicas. A hierarquia institu-
ria diante da estado-unidense. Claro, é sem- cionalizada dos nossos tribunais revê e,
pre possível dar outros usos a uma teoria portanto, controla a aplicação da lei nos
qualquer: ela, por exemplo, pode servir de casos particulares e, no limite, decide a di-
pólo de comparação, pois, embora o método vergência ou, utilizando a expressão do pró-
seja, em princípio ou fundamentalmente, prio meio jurídico, “pacifica a questão”. Mas
deliberativo, o seu resultado também pode isso acontece apenas em casos muito parti-
ser interpretado de uma maneira descritiva culares e, mesmo nestes, muitas vezes a di-
(SCANLON, 2003, p. 142 et seq.)14; ou, ain- vergência apenas muda de lugar, como, por
da, mesmo admitindo que a teoria não seja exemplo, se a Súmula Vinculante se aplica
igualmente válida para nós, ela pode ter ou não naquele caso específico. Seja como
propostas que poderíamos aceitar dentro de for, o debate se restringe ao campo jurídico e
limites e que talvez até mesmo considerás- aos bacharéis de direito – e este é um ponto
semos sedutoras. central nessa comparação. Há motivos téc-
Vou restringir o diálogo à perspectiva nicos para isso, principalmente no que se
descritiva e não deliberativa. Uma aborda- refere, por exemplo, aos instrumentos pro-
gem mais detalhada (incluso aí o caráter cessuais. Mas há também o exercício, em

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certo sentido, contrário: o de transformar dadãos. No mesmo sentido, o equilíbrio re-
aquilo que está presente na nossa ideologia flexivo, no Liberalismo político, permite ligar
política ou faz parte das, para utilizar o ter- a concepção de justiça aos juízos intuitivos
mo de Rawls, doutrinas abrangentes que que são parte daquilo que Rawls chamou
nos são compreensíveis em fórmulas jurídi- de “doutrinas abrangentes”, quer dizer, sis-
cas com um alto grau de elaboração. Em al- temas de idéias e valores, as tradições às
gumas situações, a fórmula chega ao extre- quais os indivíduos, pelo nascimento, pelo
mo de, para dizer algo simples e perfeita- acaso ou, em parte, pela escolha, pertencem
mente compreensível, utilizar um linguajar – e também aqui o indivíduo pode modifi-
tão alheio ao uso comum que se torna miste- cá-los segundo o seu convencimento. A idéia
rioso, obscuro e esotérico. O efeito geral des- de justiça como eqüidade então poderia ser
se tipo de estratégia é apagar, alienar a ori- traduzida da seguinte maneira para um lei-
gem comum das categorias e idéias: tudo tor brasileiro: é o procedimento que garante
parece o resultado da lei que se torna o crité- a possibilidade igual para todos de esco-
rio a partir do qual todo o resto se funda. O lherem os princípios da justiça que melhor
leitor pode perceber que a estratégia é o exa- representem aquilo que é razoável para cada
to oposto de Rawls, cujo objetivo é justamen- um, sem influências que possam, de algu-
te o de criar critérios a partir dos quais essas ma maneira, distorcer a igualdade fundamen-
questões possam ser objeto de um debate tal entre todos; em outras palavras, a posição
público no qual, idealmente, participassem original e do véu da ignorância etc. são ins-
todos os cidadãos. Vou defender que não só trumentos que permitem, pelo menos no pla-
aspectos importantes da legislação e da no do pensamento, a emergência da igual-
doutrina brasileira representam uma tradi- dade substantiva dos cidadãos como o parâ-
ção de pensamento social e político mais metro de construção do político. O ponto é
amplo que se diferencia em aspectos impor- que a estranheza que sentimos diante das
tantes dos fundamentos da justiça como idéias de Rawls é um dado que desvela as-
eqüidade, como também a própria restrição pectos importantes da nossa tradição. Acre-
do debate a um grupo particular, especi- dito que a estranheza se baseie em duas di-
alizado, reproduz aspectos importantes ferenças importantes: o tipo de individua-
dessa tradição. lismo suposto na justiça como eqüidade e o
(2) Para elucidar a hipótese acima, va- fundamento das regras de cooperação soci-
mos começar por um ponto, à primeira vis- al – vou começar pelo último.
ta, marginal: a tradução da idéia de fairness. No Brasil, acreditamos que o fato e as
O termo geralmente traduzido por “equida- regras da cooperação social sejam o resulta-
de”. Mas o que isso quer dizer em Rawls? do não da decisão dos indivíduos iguais,
Para responder a questão, é necessário vol- livres e racionais; mas da participação em
tar ao pano de fundo da justiça como eqüi- um grupo. Isso traz, em relação à alternati-
dade: a idéia de que as regras de coopera- va de Rawls, diferenças importantes. A pri-
ção social são construídas pela a ação refle- meira é que, do ponto de vista mais elemen-
tida dos indivíduos. Nesse sentido, é inte- tar, isso significa que para estabelecer uma
ressante observar que aquilo que parte da relação de cooperação é necessário, antes,
sociologia consideraria como fenômenos reconhecer que pertencemos a um mesmo
propriamente sociais – como as ideologias, grupo e/ou comunidade. O caso paradig-
culturas ou tradições – aparece também em mático é a família, mas a mesma gramática
Rawls, mas com um detalhe: esses sistemas opera a partir de outros grupamentos como
podem ser julgados, modificados, abando- a corporação, a instituição de trabalho, a
nados ou simplesmente ajustados segundo posição social, a vizinhança etc. – mesmo
a vontade, a razão e a razoabilidade dos ci- quando, nestes, o pertencimento é apenas

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algo que se diz, uma simulação que contém ção com o sistema de checks and balances
graus variáveis de engodo e mentira social. exemplificado em vários momentos do
Depois, o pertencimento é conjuntural, de- pensamento político estado-unidense, por
pende do contexto concreto no qual é evoca- exemplo:
do; como conseqüência, ele implica estabe- “A dependência do povo é, sem
lecer a comunidade em um grupo social em dúvida, o controle mais importante
oposição a outros grupos sociais (outras fa- sobre o governo; mas a experiência
mílias, grupos de interesse, vizinhança etc.), tem ensinado aos homens a necessi-
conforme o contexto o exija17. Mais ainda, dade de precauções auxiliares. Essa
as relações de cooperação assumem a for- política de suprir, por interesses rivais
ma de relações de troca que seguem de perto e opostos, a falta dos melhores moti-
o modelo da dádiva de Mauss (1968), quer vos pode ser encontrada em todo o sis-
dizer, a ênfase na generosidade e desinte- tema dos assuntos humanos, tanto
resse aparentes que recobrem a obrigação públicos quanto privados. Particular-
da contraprestação e o cálculo social de to- mente, nós a vemos exposta em todas
das as partes. Não temos tempo para apro- as distribuições subordinadas do po-
fundar o assunto, basta notar que, entre nós, der, onde o objetivo constante é divi-
a cooperação social/dádiva assume a lin- dir e arranjar os vários cargos de tal
guagem das relações pessoais, presentes na maneira que um possa ser o controle
categoria de “amizade”: amigo também é do outro – que o interesse privado de
um aliado (ABREU, 1997; 2005a). Por fim, cada indivíduo possa ser a sentinela
as regras não são o resultado de uma deci- dos direitos públicos. Estas invenções
são consciente dos indivíduos, mas estão da prudência não são menos neces-
incorporadas ao grupo ao qual se pertence. sárias na distribuição dos poderes
Todas essas características poderiam ser supremos do Estado”. (HAMILTON
expressas naquilo que é o aspecto central et al., 2003, p. 319)
de tudo isso: para nós, a cooperação social Claro, o trecho acima, retirado do Federa-
depende da subordinação do indivíduo ao lista, é bastante anterior às teses de Rawls,
grupo. mas creio que as similitudes são suficientes
Essa é uma característica tão marcante para podermos utilizá-lo na nossa compa-
do nosso pensamento social que ela se re- ração. E o que nos interessa é o seguinte:
produz, por exemplo, nas nossas fórmulas para essa tradição, ao contrário da nossa,
jurídicas. Nelas, o esforço é de subordinar não há uma contradição entre os interesses
os interesses do indivíduo ao “interesse do indivíduo e o bem público; mais do que
público”. Um exemplo está nas normas que isso, no caso do Federalista, a ação do pri-
regem a administração, normas que limitam meiro garante o segundo. Conseqüentemen-
ao mínimo possível as ações discricionári- te, o conflito entre os indivíduos tem um ca-
as e, mesmo essas, só são possíveis dentro ráter positivo em relação ao todo; daí a im-
dos limites que a lei permite. Um outro exem- portância de estabelecer regras de coopera-
plo é o Código de Ética dos deputados, se- ção social decorrentes da razão (e dos inte-
gundo o qual, o deputado deve “encaminhar resses) dos próprios indivíduos, como en-
todas proposições submetidas a sua aprecia- contramos em Uma teoria da justiça – essas
ção e voto sob ótica do interesse público” regras estabelecem os limites dentro dos
(alínea VI do art. 3o do Código de Ética e quais o conflito é razoável. No nosso caso,
Decoro Parlamentar da Câmara dos Depu- acontece justamente o contrário, o interesse
tados, 2001, grifo nosso). Isso é completa- individual e o todo são vistos como contra-
mente diferente da tradição política na qual ditórios entre si; da mesma forma, o conflito
Rawls se encontra. Compare a nossa tradi- também tem um caráter negativo. O conflito

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não é, para nós, aquilo que nos leva a pro- consiste senão em quinhoar desigualmente
gredir, que deve ser reconhecido aberta e aos desiguais, na medida em que se desi-
positivamente, mas aquilo que desagrega o gualam”, porque “tratar com desigualdade
grupo. Dito de outro jeito, a nossa ideologia a iguais, ou a desiguais com igualdade, se-
política enfatiza a diferença e a complemen- ria desigualdade flagrante, e não igualdade
taridade, tão presentes na idéia de “harmo- real”, e continua,
nia” incorporada, por exemplo, no preâm- “Os apetites humanos conceberam
bulo da nossa Constituição, que afirma ser- inverter a norma universal da criação,
mos “uma sociedade fraterna, pluralista e pretendendo não dar a cada um na
sem preconceitos, fundada na harmonia razão do que vale, mas atribuir o mes-
social e comprometida, na ordem interna e mo a todos, como se todos se equiva-
internacional, com a solução pacífica das lessem. Esta blasfêmia contra a razão
controvérsias” e no artigo 2o da Constitui- e a fé, contra a civilização e a humani-
ção, que afirma que os poderes executivo, dade, é a filosofia da miséria, procla-
legislativo e judiciário são – ou deveriam mada em nome dos direitos do traba-
ser – “independentes e harmônicos entre si”. lho; e, executada, não faria senão inau-
Isso não significa que sejamos uma socie- gurar, em vez da supremacia do tra-
dade “harmônica”, muito pelo contrário. A balho, a organização da miséria. Mas,
questão é que a nossa maneira de lidar com se a sociedade não pode igualar os que
o conflito reflete os valores a partir dos quais a natureza criou desiguais, cada um
ele é percebido: assim ele é varrido para os nos limites da sua energia moral, pode
bastidores; no limite, para o não dito ou o reagir sobre as desigualdades nativas,
que não se diz em público, quer dizer, para pela educação, atividade e perse-
aquilo que é dito somente nos interstícios, verança. Tal a missão do trabalho”
nos lugares de passagem, muitas vezes com (BARBOSA, 2006, p. 9).
a voz baixa como se conta uma confidência. Não é preciso muito para perceber que
É esse sistema de valores que explica por estamos defronte a duas perspectivas com-
que não basta que os conflitos sejam soluci- pletamente diferentes de pensar a igualda-
onados, mas que a própria sociedade preci- de – diferentes visões de mundo18. Em pri-
se ser “pacificada” (não é possível esquecer meiro lugar, Barbosa (2006) inverte a fórmula
que o direito brasileiro coloque como um que encontramos em Rawls. A justiça como
de seus objetivos mais importantes a “pa- eqüidade, vimos, consistia em um procedi-
cificação” social). mento que pudesse fazer emergir a igualda-
(3) O individualismo suposto na propos- de substantiva de todos, igualdade que as
ta de Rawls também nos é estranho. Trata- injustiças sociais tratavam de esconder. A
se do individualismo clássico, de tradição tese de Rui Barbosa (2006) é justamente a
européia, empirista e racionalista, que fre- contrária, existe uma situação de desigual-
qüenta os escritos de ciência política (caso dade “natural” que a sociedade distorce
típico de Hobbes, Rousseau e Locke) e ex- quando ignora. Em segundo lugar, Barbosa
plicitado nas análises comparativas de utiliza o termo desigualdade num sentido
Dumont (1985a). O nosso é um individua- diferente daquele que Rawls empregaria.
lismo de matriz ibérica (MORSE, 1988), e a Para este último (como para toda literatura
sua particularidade pode ser bem exempli- política desde, pelo menos, Rousseau), a
ficada pela “oração aos moços” de Rui desigualdade é aquilo que se opõe à igual-
Barbosa (2006). Ali se lê: “à parte da nature- dade enquanto um valor: a desigualdade é
za varia ao infinito. Não há, no universo, assim uma derivação e uma perversão da
duas coisas iguais (…) todas entre si diver- igualdade. Para Barbosa (2006), a desigual-
sificam”; assim, “a regra da igualdade não dade é uma diferença de valor (e, portanto,

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hierárquica) que permite estabelecer uma igualdade a partir da idéia barbosiana de
ordem de precedência: cada um tem o seu tratar desigualmente os desiguais e, para
lugar de acordo com o seu valor. A igualda- tanto, divide a igualdade em igualdade for-
de só existe entre aqueles que possuem o mal (aquela da lei) e igualdade material
mesmo valor: uma igualdade derivada da (aquela da sociedade). É uma solução enge-
diferença e da hierarquia e contida nelas nhosa que é capaz de integrar igualdade e
portanto. Vê-se assim que, no nosso caso, desigualdade numa mesma fórmula, tor-
trata-se de um individualismo que subordi- nando ambas legítimas ao mesmo tempo. O
na o indivíduo à sua posição social, mesmo mesmo princípio por detrás dessa solução
se essa posição for mais o fruto de uma ne- doutrinária se encontra na legislação e na
gociação conjuntural que o resultado de re- sua aplicação. Assim, parte de nossa legis-
gras prescritivas. Por fim, há um terceiro lação tem, por exemplo, um caráter assis-
contraste que convém examinar. No caso de tencialista, cujo objetivo é proteger os mais
Barbosa (2006), a distribuição dos direitos e necessitados e (o que não é tecnicamente a
deveres e do produto social é justa na medi- mesma coisa) “hipossuficientes”, quer di-
da em que reconhece e reproduz a diferença zer, aqueles que estão no pólo inferior de
de valor. A afirmação é sutil porque utiliza uma relação assimétrica – caso, por exem-
o verbo “quinhoar”, um verbo que já perdeu plo, das leis trabalhistas. No entanto, ao
o seu uso corrente, mas que significa repar- mesmo tempo, estabelece-se uma quantida-
tir em quinhões, partilhar, dar a cada um a de imensa de possibilidades recursais em
parte que lhe cabe. Novamente, esse é exata- nome da garantia dos direitos individuais.
mente o oposto de Rawls, para quem os prin- Ora, o resultado dessas possibilidades pro-
cípios da justiça escolhidos na posição ori- cessuais é, em alguns casos, o de retardar
ginal garantiriam um sistema de direitos e ao máximo a resolução da lide, benefician-
liberdades básicas iguais para todos, e as do o pólo superior da relação assimétrica:
desigualdades – sejam na distribuição das assim, “a prática processual brasileira mos-
posições políticas, sejam na distribuição do tra que quem pode aguardar a decisão por
produto social – só seriam justas caso bene- mais tempo vence, e uma olhada em muitos
ficiassem mais os menos favorecidos (o se- dos acordos levados a efeito na Justiça do
gundo princípio da justiça, Cf. RAWLS, Trabalho atesta o fato” (ADEODATO, 2002,
2002, p. 333-334; 2005, p. 5-6). Daí não fica p. 132). Como conseqüência, mesmo quan-
difícil perceber a dificuldade e a abstra- do a legislação estabelece distinções assi-
ção para o leitor brasileiro de um procedi- métricas favoráveis ao pólo inferior, a dife-
mento cujo objetivo é, justamente, o de fa- rença de valor, hierárquica (e portanto a
zer emergir a igualdade substantiva dos desigualdade, nos termos de Barbosa), pode
indivíduos19. ser reintroduzida pela prática jurisdicional,
O direito brasileiro utiliza-se da fórmula seja no uso de instrumentos processuais, seja
de Barbosa, mas ela ganha em complexida- na interpretação concomitante de outros
de, plasticidade e permeia, às vezes com re- dispositivos legais, seja ainda de alguma
sultados contraditórios, vários de nossos outra forma (Cf. LIMA, 1989; 2004).
momentos institucionais (Cf. ADEODATO, (4) A nossa ideologia política poderia ser
2002, p. 124-135). Não temos espaço para percebida como uma concepção política nos
mais do que algumas considerações muito termos de Rawls? Há vários motivos pelos
gerais. De uma perspectiva mais ampla, boa quais não poderíamos considerá-la assim.
parte da nossa legislação estabelece a igual- Eles estão ligados às características teórico-
dade e a dignidade como valores, como, por metodológicas que Rawls utiliza para, por
exemplo, no texto constitucional. A doutri- assim dizer, construir o conceito. Por exem-
na, no entanto, interpreta os dispositivos da plo, a nossa ideologia não passou por um

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processo de ajustamento do tipo de equilí- blema não é que nós precisamos ser iguais
brio reflexivo; não é completa, nem está ba- (mesmo que iguais na diferença); mas, uma
seada na idéia de reciprocidade (como Rawls vez que cada identidade tem um valor, um
a define) etc. Não vejo necessidade de apro- lugar relativo às outras identidades, a ques-
fundar ainda mais o argumento, porque o tão toda é saber justamente “seu lugar”, quer
que nos interessa é a maneira como a idéia dizer, reconhecer a diferença de valor perti-
de concepção política exprime uma certa nente a tal ou qual relação ou contexto. Vi-
maneira de lidar com a diferença, na qual o vemos, enfim, sob um individualismo rela-
ponto central é a coerência. Todo procedi- tivista, em que “cada um sabe do seu” e
mento em Rawls caminha, como vimos, no “cada um tem sua verdade”. Com isso, não
sentido de estabelecer uma coerência refle- quero afirmar que a sociedade seja, de fato,
tida ou, se preferirmos, uma autenticidade harmônica ou que um sistema seja preferí-
reflexiva entre doutrina abrangente e con- vel em relação ao outro. A nossa sociedade
cepção política. O que está em jogo aqui é, também tem suas formas de crueldade e bru-
no fundo, a coerência do indivíduo para com talidade que se protegem nessa ideologia,
ele mesmo, coerência exemplificada pela muito mais insidiosas e sutis. O tema é con-
idéia de “autenticidade” – em outras pala- troverso, mas não é o nosso assunto aqui.
vras, “ser verdadeiro para comigo mesmo e Simplesmente me limito, à maneira do cro-
para com minha própria maneira de ser” nista, a relatar uma história.
(TAYLOR, 1998, p. 48). (5) Como já disse, não pretendo que as
O meu ponto é que não lidamos com a comparações acima sejam respostas às ques-
pluralidade da mesma maneira das socie- tões evocadas aqui. Ficarei satisfeito se elas
dades que adotam um individualismo pró- forem suficientes para convencer o meu lei-
ximo daquele que encontramos na justiça tor da necessidade de trilhar esse caminho.
como eqüidade, quer dizer, um individua- Seja como for, havia dito acima que não ape-
lismo associado ao liberalismo como dou- nas tínhamos uma tradição diferente, mas
trina abrangente, com sua ênfase nos inte- também que a restrição do debate reproduz
resses e liberdades individuais (não é preci- aspectos importantes dessa tradição. Ora,
so aqui entrar em maiores detalhes sobre os não é difícil perceber que, numa sociedade
diferentes tipos de liberalismo). Para o nos- que se percebe baseada na diferença de va-
so sistema hierárquico, a contradição não é lor, falar sobre a sociedade incorpora em si
um problema, porque ela está submetida a mesmo um valor particular: é, por defini-
uma regra, diferença de valor que a precede ção, uma tarefa para poucos e iniciados.
e a organiza. Em outras palavras, a coerên- Mais ainda, a própria, por assim dizer, “ati-
cia não é um valor; bem ao contrário, o valor tude” do debate também reproduz o caráter
é a capacidade de movimentar-se nos diver- hierárquico da nossa ideologia política.
sos campos sociais (como a missa de dia e o Dentro dessa perspectiva, tudo se inverte: o
candomblé à noite), nos quais a regra que direito não é mais o reflexo do seu povo, mas
estabelece a precedência pode variar (inclu- o seu povo só é possível por causa do direi-
sive inverter-se), em que as diversas doutri- to ou, dizendo de outro jeito, é o Estado que
nas abrangentes encontram um lugar subor- faz possível o seu povo. Limito-me a regis-
dinado, valorado em relação ao todo, mas, trar que essa é a estratégia contrária à de
dentro desse, uma enorme liberdade de ex- Rawls: numa sociedade formada por indi-
pressão e a capacidade de estabelecer as víduos, o importante não é a criação das
suas próprias regras. Não é preciso se sub- distinções, mas o reconhecimento dos valo-
meter a uma identidade hegemônica e igua- res comuns que todos, igualmente, compar-
litária: bem ao contrário, o sistema precisa tilhamos, valores que fundam aquilo que
da diferença para funcionar. Então o pro- fazemos juntos. Pessoalmente me é muito

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sedutora a idéia de que as normas constitu- 2
Nesse sentido, o direito é percebido como um
cionais, a legislação ordinária, os atos dos produto da sociedade – apesar da sua relativa au-
tonomia em face de outras esferas da realidade
administradores e juízes podem e devem ser social. A mesma constatação pode ser encontrada
objeto do debate público que envolva não em alguns teóricos do campo do direito, principal-
apenas os iniciados – e a condição necessá- mente aqueles mais afeitos à sociologia jurídica.
ria para tanto é, por evidente, que elas fa- Para Dias (1977), por exemplo, a realidade jurídica
çam sentido para todos. Dizer que isso não é socialmente construída e, para a sua adequada
compreensão, o eixo de análise deve passar pelo
é possível porque nem todos são capazes de entendimento das condições teóricas e sociais des-
entender assuntos tão complexos é simples- sa construção, assim como pela compreensão do
mente repetir, noutros termos, a idéia de que modo próprio e singular por meio do qual o campo
temos entre nós diferenças de valor. Para jurídico representa a realidade e se apropria da lin-
mim, não é um argumento suficiente. guagem (Cf. SOUSA JR., 2002).
3
Rawls (2002, p. 275) marca em diversas par-
Estamos agora em condições de voltar à tes a sua herança kantiana; explicitamente, na sua
questão inicial deste texto: qual sentido que interpretação do princípio da autonomia.
Rawls pode ter para nós? Neste texto, argu- 4
Rawls vai rejeitar, em trabalhos posteriores, a
mentei que no interesse da justiça como eqüi- idéia de que a teoria da justiça seja um caso da
dade residia também e principalmente sua teoria da escolha racional, mas isso não altera o
meu argumento.
estranheza para nós – e agora estamos em 5
Rawls vai aprofundar, no seu trabalho poste-
condições de ver aí não apenas um juízo rior, a distinção entre racional e razoável, mas que
intuitivo, mas podemos elaborá-lo a partir já está presente em Uma teoria da justiça. Embora
dos comentários acima sobre nossa ideolo- seja absolutamente fundamental, da perspectiva
gia política. E acho que, afinal de contas, do trabalho posterior do próprio Rawls, distinguir
entre os dois, não é possível defini-los (Cf. DREBEN,
esse é o meu ponto em tudo isso: Rawls só 2003, p. 322). A dificuldade está relacionada à per-
fará sentido para nós se reconhecermos nos- cepção do liberalismo como uma doutrina abran-
sas diferenças. Mas vejo agora que isso não gente (adotada em Uma teoria da Justiça) e como
basta. Rawls nos coloca diante do seguinte uma concepção política (adotada no Liberalismo
dilema que, num certo sentido, resume o Político). Adiante voltaremos ao assunto.
6
Vou utilizar essa versão do reflective equilibrium,
projeto do equilíbrio reflexivo como um exer- em vez de “equilíbrio ponderado” da tradução para
cício de filosofia crítica: isso é bom? Acredi- o português da Martins Fontes. O motivo é que o
tamos sinceramente que essa é a boa manei- reflective equilibrium não é apenas o ato de ponderar
ra de sermos uma coletividade? Por certo, entre alternativas distintas, quer dizer, examiná-
em toda a nossa tradição, há coisas com as las atentamente, considerando os diversos aspec-
tos possíveis, dando pesos distintos a cada um
quais não concordamos, outras que acredi- deles. É isso também, mas não é só, nem funda-
tamos importantes, talvez mesmo constitu- mentalmente, isso. Trata-se principalmente do ato
tivas – aquilo que nos define como identi- de voltar-se sobre si mesmo, quer dizer, pensar e
dade coletiva e que legitimamente queremos elaborar cogitações e conjecturas sobre si mesmo —
manter. Se, como Rawls propõe, ajustar as portanto, reflexivo.
7
Retiro a idéia de “política íntima” de Marcus
nossas convicções a princípios pode modi- (1993, p. 138): “A questão para nós [pós-moder-
ficar nossa maneira de agir no mundo, não nos] é se a sociedade tem uma política íntima, onde
sei dizer. Mas talvez não tenhamos alterna- o âmbito pessoal é político. Este é o tipo mais im-
tiva senão defender essa possibilidade. portante de política, é a política que muda as con-
dições de vida. Não sei se este tipo de visão da
política é relevante para o Brasil ou para Europa”.
No trecho acima, Marcus delineava a concepção
Notas política por detrás da então chamada “antropolo-
gia pós-moderna”. Creio que a comparação é rele-
1
Dez anos depois da primeira edição de Uma vante porque ela apresenta uma maneira de perce-
teoria da justiça, em 1971, já havia mais de 2.500 ber a ação política, principalmente aquela que se
artigos publicados sobre Rawls (FREEMAN, 2003, faz a partir da academia, com um viés cultural
p. 1). muito específico. A minha hipótese é que, guarda-

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das as devidas proporções, Uma teoria da justiça de Rawls. Para mim, outras comparações são per-
propõe algo semelhante. feitamente confortáveis. Seria possível, por exem-
8
Interessante observar que uma das críticas de plo, afirmar que, enquanto a Teoria examina a ques-
Habermas (1995, p. 118; a resposta de RAWLS, tão da justiça, o Liberalismo lida com a legitimida-
1995, p. 151 et seq) à posição original parece incli- de, quer dizer, com as condições sob as quais “al-
nar-se para a idéia de que a seqüência de 4 estágios guém, utilizando um critério apropriado, aceitaria
representa a descrição de um processo político real. a lei como legítima, mesmo se essa pessoa divergis-
Assim Habermas vai defender que, conforme os se da lei, mesmo se a pensasse injusta” (DREBEN,
cidadãos passam do primeiro ao último estágio, 2003, p. 317).
eles “se vêem sob o controle de princípios e normas 13
Não uso o termo “aplicável” porque ele se
que foram antecipados pela teoria e institucionali- refere — ou, no mínimo, evoca — a técnica jurídica
zados para além do seu controle”. que não vou explorar neste texto. Dito de outro
9
Vou utilizar, daqui para frente, essa expres- jeito, a questão se Rawls é ou não “aplicável” teria
são para me referir à teoria da justiça — a expres- necessariamente de explorar a relação das idéias
são, aliás, do próprio Rawls. desse autor com os enunciados da doutrina e da
10
O ponto já foi desenvolvido por Gellner (1970, jurisprudência brasileiras organizadas de maneira
p. 42-43, grifo nosso): o pressuposto, “caridoso”, sistemática. Apesar da importância e das implica-
de que as sociedades formam sistemas coerentes ções pragmáticas dessa exploração, as questões
“nos cega para aquilo que há de melhor e de pior na técnicas representam um momento derivado. A ques-
vida das sociedades. Ela nos cega para a possibili- tão do sentido de Rawls diante da nossa tradição é
dade de que a mudança social possa ser o resulta- logicamente anterior.
do da substituição de uma doutrina ou ética incon- 14
A particularidade em Rawls é a inexistência
sistente por outras melhores, ou por uma aplicação de uma teoria ou de um método descritivo que
mais consistente de uma ou outra. Igualmente, a possa fornecer uma formulação possível desse sis-
indulgência nos cega para a possibilidade, por exemplo, tema de idéias e valores a partir do princípio de que
de exercer o controle social por meio do emprego de o sistema possui uma coerência interna – algo que
doutrinas absurdas, ambíguas, inconsistentes ou as diversas teorias da cultura vão propor (Cf.
ininteligíveis”. GEERTZ, 1983, 2000; DUMONT, 1985a).
11
Mas, para Rawls (2005, p. 195), a tolerância é 15
Não uso o termo “concepção” porque não a
uma virtude política (como civilidade, razoabili- submetemos a um processo de ajuste como o pro-
dade e o senso de equidade), na medida em que esteja posto pelo equilíbrio reflexivo.
integrada a uma concepção política. E o ponto dele é 16
A generalidade das idéias de Rawls exige,
argumentar que “as virtudes políticas devem ser como princípio de método, um tratamento seme-
distinguidas das virtudes que caracterizam as lhante das idéias com as quais iremos compará-lo.
maneiras de viver que fazem parte de doutrinas 17
Essas idéias são a tradução para o nosso pro-
religiosas e filosóficas abrangentes”. Apel (1997) blema da oposição entre internalidade e externali-
vai sugerir que existem dois tipos de tolerância. A dade de Luiz Tarlei de Aragão (Cf. ABREU, 2005b).
tolerância negativa seria aquela baseada na indife- 18
Nada disso é novo e já foi abundantemente
rença; a positiva, na apreciação de que as diferen- tratado por outros, vide, por exemplo, a idéia de
tes tradições culturais são recursos que enriquecem que o dilema brasileiro é o resultado da oposição
a cultura humana em geral. Dessa perspectiva, ain- entre indivíduo e pessoa de Da Matta (1997) ou os
da segundo Apel (1997, p. 201, para as críticas a trabalhos de Gilberto Velho (2004).
Rawls), a idéia de uma sociedade multicultural 19
Uma boa maneira de explicitar essa diversi-
estaria ligada à tolerância positiva. Para esse au- dade entre essas duas possibilidades é recorrer a
tor, “(…) não emergiu ainda nenhum modelo ope- uma propriedade que já foi estudada por antropó-
rativo de estado constitucional ou sociedade civil logos da tradição francesa (DUMONT, 1985b, es-
onde multiculturalismo seja mais do que, na melhor pecialmente “O valor nos modernos e nos outros”;
das hipóteses, um compromisso entre a assimila- para um comentário comparativo, vide ABREU,
ção ao valor da tradição dominante e a mera tole- 1997), qual seja: nos sistemas igualitários, a igual-
rância negativa para com as tradições desviantes dade separa, idéia representada pela doutrina es-
das minorias sócio-culturais”. Pessoalmente, acre- tado-unidense das relações raciais, “separados mas
dito que a tolerância para Rawls tem aspectos de iguais”; já os sistemas hierárquicos, ao contrário,
ambos os tipos sugeridos por Apel. Mas essa é diferenciam e relacionam, quer dizer, articulam o
uma questão, na melhor das hipóteses, aberta. conjunto societário a partir das diferenças de valor
12
Claro, há outras maneiras de perceber a dife- — há sempre aqueles que vêm primeiro ou, como
rença entre as duas obras. Se elas lidam ou não com diz o ditado, “cada macaco no seu galho” (Cf. por
a mesma questão, depende da perspectiva que se exemplo, a fábula das três raças na interpretação
adote, portanto. Não vou disputar aqui a exegese de DA MATTA, 1983, p. 58-85).

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