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UMA ABORDAGEM SOBRE O

• Frederico de Mello
CAMPO DA COMUNICAÇÃO E A Brandão Tavares
Mestre em Comunica-
FOTOGRAFIA COMO UM DE ção Social pela Univer-
sidade Federal de Minas
SEUS OBJETOS Gerais; professor de
Comunicação Social da
Universidade FUMEC,
RESUMO da Faculdade Pitágoras
A proposta deste trabalho é pensar a comunicação, suas carac- e da Faculdade Fabrai,
terísticas e sua inserção no campo das ciências, buscando, por Belo Horizonte - MG;
fim, um enfoque comunicacional para o estudo da fotografia e pesquisador colabora-
do fotojornalismo. A primeira parte do trabalho apresenta um pa- dor do GRIS - Grupo
norama das modificações paradigmáticas que vêm ocorrendo no de Pesquisa em Ima-
interior das ciências e a inserção da comunicação neste contexto. gem e Sociabilidade da
Baseada nesse primeiro momento, a segunda parte do artigo bus- UFMG.
ca delimitar as especificidades do campo da comunicação e toma
a fotografia e o fotojornalismo como exemplos para se pensar um
objeto de estudo dentro desta área.
Palavras-chave: comunicação, linguagem, fotografia.

ABSTRACT
This paper consists of an exercise of reflection on communication, its characteristics and
its position within the sciences. It also seeks to analyze photography and photojournalism
through the lenses of communication. The first part of the paper is an overview of the para-
digmatic transformations that have been occurring within the sciences, and the insertion of
communication within this changing context. The second part of this article seeks to convey
the specificities of the field of communication, and, to this end, it takes photography and pho-
tojournalism as examples of how to formulate and define an object of study within this area.
Keywords: communication, language, photography.

1. O CAMPO DA COMUNI- contribuições e questões ad- no contexto paradigmático


CAÇÃO E A CRISE DOS PA- vindas de outras áreas das dentro das ciências. Devido
RADIGMAS ciências humanas, sociais e às muitas contribuições de
afins. Todas essas caracterís- outras áreas do conhecimen-
A comunicação é uma ticas podem ser atribuídas ao to e das diversas origens de
grande área do conhecimen- fato de que a comunicação é nossos pesquisadores, existe
to, em constante mudança, um campo de estudo recente, ainda hoje em nosso campo
que impõe aos seus pesqui- em constante mudança, ainda uma dificuldade em demar-
sadores e estudiosos uma um pouco distante (e carente) car qual é o nosso lugar es-
série de desafios. Os estudos de posições epistemológicas pecífico. Qual é o lugar da
desenvolvidos na área pas- mais definitivas. comunicação? O que marca
seiam por uma infinidade de É justamente a partir des- a comunicação? Onde se lo-
objetos (que variam de sim- sa “incerteza epistemológica” caliza a comunicação dentro
ples interações cotidianas a e das características dela ad- das ciências? A comunicação
grandes produtos midiáticos) vindas que podemos pensar é uma ciência? Certamente
e de perspectivas teóricas, a comunicação e sua inserção não podemos dar respostas

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absolutas para essas pergun- Inicialmente, a proeminência nante (no caso, o moderno),
tas. Talvez possamos, sim, re- deste modelo de ciência este- além de condições sociais e
conhecer alguns eixos indica- ve ligada ao domínio das ci- teóricas, que permitam um
dores de regulação e defini- ências naturais, chegando às resgate dos pensamentos e
ção do campo que, historica- ciências sociais emergentes, outras formas de conheci-
mente, podem apontar nossa de forma efetiva e consolida- mento, subjugadas pelo pa-
posição frente aos grandes da, somente no século XIX. radigma em vigor. A forma
debates científicos. Neste momento se con- de inteligibilidade do real
Contudo, antes de reali- figura uma ruptura entre ci- proporcionado pelo modelo
zarmos esse posicionamen- ência e o senso comum que vigente é posta em causa as-
to, cabe pensarmos breve- conforma um paradigma sim como seus instrumentos
mente o quadro geral das “cuja forma de conhecimento metodológicos e conceituais
ciências sociais contempo- procede da transformação da de acesso. Configura-se aí
râneas que, contextualiza- relação eu/tu em relação ao uma crise de degenerescên-
das no que muitos chamam sujeito/objeto, uma relação cia,3 que é, segundo Santos
de pós-modernidade ou era feita de distância, estranha- (1989), a crise epistemológica
pós-industrial, vêm passan- mento mútuo e de subordi- da pós-modernidade, con-
do por um processo de trans- nação total do objeto ao su- temporaneamente vivida pe-
formações, um processo jeito [...]” (SANTOS, 1989, p. las ciências.
de transição paradigmática. 34). Há na ciência moderna Na pós-modernidade,
Nesse quadro está também a um domínio da natureza pelo podemos dizer que assisti-
comunicação, seus estudos, homem, uma especialização mos ao declínio dos grandes
suas características e singu- pela profissionalização do relatos da ciência moderna,
laridades epistemológicas e conhecimento, uma relação à queda das grandes narrati-
metodológicas. bem delimitada entre ciência vas, da verdade absoluta e in-
e poder, um discurso que se questionável. A ciência hoje,
1.1. Crises e transições pa- pretende rigoroso, retórico e em choque com uma série
radigmáticas muito distante da sociedade. de diferentes valores emer-
Toda essa dogmatiza- gentes, passa a ser questio-
Vamos partir aqui das ção da ciência, alicerçada em nada formalmente (quanto à
reflexões de Boaventura de um profundo etnocentrismo sua forma) e funcionalmente
Sousa Santos (1989) para tra- científico, teve seu apogeu, (quanto aos seus fins). Ela
çarmos um painel sobre a ci- como coloca Santos (1989), deve deixar de ser um discur-
ência e a crise paradigmática no positivismo lógico.2 E é so anormal frente ao cidadão
na pós-modernidade. Segun- justamente esse apogeu que comum, distante da socieda-
do o autor, vivemos contem- marcará o início do declínio de e que renega outros sabe-
poraneamente, no contexto deste modelo de fazer cien- res. E para que isso ocorra,
das ciências, uma crise de tífico, denotando um movi- para que se atinja uma nova
paradigmas, uma transição mento de desdogmatização dimensão paradigmática da
de paradigmas.1 Transição da ciência que perdurou e ciência, deve haver, segun-
do paradigma que dominou amadureceu até os dias de do Santos (1989), uma nova
durante todo o período da hoje. A concepção de uma ci- ruptura epistemológica, uma
modernidade para um novo ência pós-moderna, proposta ruptura que não deixe de
paradigma, um novo fazer ci- por Santos e advinda de uma lado aquela realizada pela
ência, que se evidencia com crise paradigmática, vem exa- ciência moderna e que par-
a decadência e a superação tamente deste movimento de ta dela para ocorrer. O autor,
de muitos dos ideais moder- desdogmatização. dessa forma, propõe a exis-
nos e de seus preceitos, que Todavia, para que tal crise tência da necessidade da re-
configuraram e mantiveram ocorra, diz o autor, é necessá- alização, pelos cientistas, de
hegemonia no fazer científi- rio um acúmulo de crises no uma dupla ruptura epistemo-
co durante alguns séculos. interior do paradigma domi- lógica, que, na verdade, cor-
1. As reflexões de Boaventura de Sousa Santos (1989) estão centradas, principalmente, nas ciências sociais.
2. Sobre o positivismo lógico (e alguns de seus autores) e a mudança de paradigmas na ciência ver também a discussão de Ciro Marcondes Filho (2002).
3. Santos ainda classifica um outro tipo de crise paradigmática, a crise de crescimento. Tal crise, segundo Santos, revela-se “na insatisfação perante métodos ou conceitos básicos até
então usados sem qualquer contestação na disciplina, insatisfação que, aliás, decorre da existência, ainda que por vezes pressentida, de alternativas viáveis” (SANTOS, 1989, p. 18).

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responde a um movimento ção. Tal modelo, simplista e sas básicas, que terão papel
hermenêutico , uma compre- linear, denominado por mui- decisivo na constituição des-
ensão hermenêutica crítica tos como informacional, tem sa concepção informacional
das ciências sociais, tradu- como características a unila- de comunicação. A primeira
zida em uma nova reflexão teralidade e o distanciamento delas é de que a comunicação
epistemológica. (rompimento) frente a outras possui a pretensão de trans-
Esse círculo hermenêu- instâncias participantes do missão de conhecimento. O
tico baseia-se numa reflexão processo comunicativo. mundo predefinido será apre-
sobre as condições sociais O sociólogo francês endido por meio da atividade
rompimento com o primeiro Louis Quéré (1991), pensan- cognitiva que validará as re-
ato epistemológico da ciên- do na mudança paradigmá- presentações4 mais adequa-
cia, operando um novo ato tica da ciência, propõe dois das deste mundo. A segunda
epistemológico sobre este, modelos para se pensar a premissa é de que o sujeito
a fim de fundamentar uma comunicação, realizando a da comunicação é um sujeito
nova forma de conhecimen- contraposição entre um e epistemológico, sujeito mo-
to, uma nova relação entre a outro. O primeiro modelo é nológico, privilegiado no ato
ciência e o senso comum. aquele que coincide com o de conhecer, que se relacio-
O autor advoga que essa modelo exposto acima e é por na com o mundo através da
dupla transformação busca a ele denominado como repre- observação e da objetivação,
instauração de um senso co- sentacionista ou espistemoló- produzindo, validando, trans-
mum esclarecido e uma ciên- gico. Tal modelo acrescenta à mitindo e inferindo represen-
cia prudente. O conhecimen- idéia de transmissão de men- tações. A terceira premissa
to na sociedade se configura sagens alguns pontos como diz respeito a uma concepção
numa nova ciência, prática a intencionalidade do comu- factual da subjetividade. A
e esclarecida, sábia e social- nicador ao informar um certo nossa subjetividade também
mente distribuída. A nova conteúdo (toda informação é seria algo dado; nossos es-
relação entre ciência e senso intencional), a elaboração de tados de espírito possuiriam
comum se dá pela quebra da representações similares jun- uma certa essência. A quarta
hegemonia das ciências mo- to ao comunicador e ao seu e última premissa refere-se
dernas, sem perder de vista destinatário, a eficiência da à aplicação de um esquema
as expectativas que ela gera. comunicação (comunicação dualista à língua.
A ciência não é mais a verda- bem-sucedida entre os parti-
de, mas a melhor verdade. cipantes do ato comunicativo) O mundo sendo predefi-
Uma ciência que quebra seus e o processo de produção e nido em torno da língua
preconceitos e que passa a “interpretação de signos, atra- e independentemente de
ouvir e respeitar o outro. vés dos quais os parceiros da toda atividade lingüística,
interação tornam mutuamente a língua apenas serve para
1.2. A comunicação em bus- manifestos os fatos, as hipóte- designar as entidades do
ca de um novo modelo ses ou os pensamentos que mundo e para construir
eles querem informar aos ou- representações adequa-
Partindo das reflexões tros” (QUÉRÉ, 1991, p. 4). Este das de suas propriedades.
acima apontadas, podemos modelo epistemológico ou re- Mas, no limite, a língua po-
dizer que, paradigmatica- presentacionista de definição deria ser substituída nesta
mente, a idéia “moderna” de da comunicação está assen- função por outros meios,
comunicação como trans- tado na idéia do conhecimen- imagens ou fórmulas ma-
missão de mensagens de um to como algo objetivado. As temáticas, por exemplo.
emissor para um receptor, representações a que ele se Isto vale também para a
provocando determinados refere são mais fixas, mais fe- manifestação de estados
efeitos, é aquela que vem chadas. O mundo é algo fixo, intencionais dos sujeitos
dominando (ou dominou) predeterminado, dado. da comunicação (QUERÉ,
grande parte dos estudos e Este esquema, segundo 1991, p. 5).
da concepção de comunica- o autor, tem algumas premis- A concepção proposta
4. Quéré (1991, p. 4) diz existir “uma separação nítida entre as idéias, os pensamentos, as representações e as descrições, de um lado, e aquilo sobre o que eles evocam, quer dizer, o mundo
real, seja interno ou externo, do outro”.

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por Quéré (1991) esmiúça, to aos objetos6 de estudo da (1991, p. 1). Em outras pala-
portanto, um modelo primeiro comunicação e seu caráter vras, o autor trata a comuni-
de comunicação, o modelo in- disciplinar, França (2002b), em cação como “lugar da consti-
formacional, que influenciou um outro estudo, aponta para tuição social dos fenômenos,
e ainda influencia muitos es- a necessidade hoje de um pa- que a análise social se propõe
tudos no campo da comuni- radigma mais consistente e a descrever e explicar; como
cação. Uma vez que estamos complexo para consolidar a meio no qual emergem e se
em um período de transição área e os estudos de comu- mantêm os objetos e os sujei-
de paradigmas, devemos ado- nicação. Partindo das diferen- tos, os indivíduos e as coleti-
tar essa concepção primeira tes contribuições teóricas que vidades, o mundo comum e a
de definição da comunicação marcam a nossa área, deve- sociedade” (1991, p. 3). A co-
como peça importante para mos, como ela aponta, buscar municação é, pois, atividade
pensar os modelos que vieram a configuração de um olhar co- organizante da objetividade
posteriormente e que marcam mum que privilegie a “realida- do mundo e da subjetividade
uma certa “crise paradigmáti- de comunicativa” como algo dos sujeitos. Os sujeitos são
ca” na área, bem como ruptu- móvel, plural, sem contornos construídos na relação com
ras, contraposições e indica- definidos; um processo con- o outro, no reconhecimento e
ções de novos caminhos a se tínuo, do qual não consegui- na diferença.7 Nesse sentido,
trilhar. mos estabelecer o princípio e a ação comunicativa se dá de
Segundo Vera França o fim. Devemos buscar uma forma conjunta, em um mun-
(2002a), relembrando Boaven- perspectiva que alcance uma do onde as representações e a
tura de Sousa Santos (1989), dimensão relacional, em que realidade não estão dadas, pre-
o campo da comunicação, a comunicação seja lugar de definidas. A comunicação se dá
nossa área de saber, vive hoje constituição dos sujeitos e de pela instauração de um mundo
uma crise de crescimento.5 modelagem das práticas coti- comum, através das práticas e
Isso porque: dianas. Devemos reconhecer dos sentidos partilhados pelos
o cunho interativo e o caráter sujeitos. A comunicação é fer-
A nossa área está longe simbólico da comunicação, a ramenta da chamada “constru-
de alcançar seu pleno presença de interlocutores, ção social da realidade”.Uma
amadurecimento. Esta- a relação de interlocução e a realidade que não está dada e
ríamos antes vivendo relevância da produção dis- nem é predeterminada.
uma crise [...] de abertu- cursiva (materialidade simbó-
ra, de exuberância. Tam- lica-linguagem) no processo O cerne da comunicação
bém de confusão, super- comunicativo. consiste então, para os
posição, necessidade de agentes, em modelar em
auto-reflexão e de ques- Louis Quéré (1991) deno- conjunto esta perspectiva
tionamento, no sentido minará essa perspectiva co- comum que lhes permite
tanto de ‘limpar’ o ter- municacional propondo um configurar, conjuntamen-
reno quanto de somar modelo praxiológico para se te e de maneira “encarna-
esforços, buscar a con- pensar a comunicação. Em da”, suas intenções infor-
vergência – e responder contraposição ao modelo re- mativas e comunicativas
sobre o que somos nós, presentacionista – que apre- respectivas, e ao mesmo
pesquisadores da área sentamos acima –, o autor dá tempo tornar mutuamen-
de comunicação (FRAN- à comunicação um estatuto te manifesto o que é pro-
ÇA, 2002a, p. 287-288). transcendental, pensando-a blema entre eles (QUÉRÉ,
como “esquema conceitual 1991, p. 6).
Sendo assim, e com base para dar conta da atividade [...] Não há mais neste
em outras discussões quan- e da organização social, das modelo o mundo prede-
relações e da ordem social” finido, seja ele externo
ou interno, que se trata-

8. Não entraremos aqui na discussão a respeito de outras características do campo, sua inserção na crise vivida hoje pelas ciências, nos seus dilemas paradigmáticos e outras peculia-
ridades. Isso já foi feito por nós anteriormente. Pensando apenas no contexto e em algumas abordagens de autores como Rubim, França, Silva, Braga e Lopes (2002), vale relembrar
que a comunicação é um campo de estudo recente, marcado diretamente por uma transdisciplinaridade, permeado de contribuições teóricas advindas das mais diversas disciplinas
das ciências humanas.

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ria de representar ade- guagem, o homem demarca pertinente como estudo em
quadamente. É na ação sua identidade reconhecendo- comunicação. Tal pertinência
comunicativa, enquanto se e posicionando-se espacial dependeria de um grau de le-
um processo de “publi- e temporalmente na relação gibilidade de nossas pesquisas,
cização”, que as coisas e com o outro. que também depende de uma
seres adquirem sua deter- Realizado esse panorama, série de fatores práticos e insti-
minação – para todos os devemos lembrar que a abor- tucionais. Todavia, uma vez que
fins práticos – através da dagem proposta por Quéré selecionamos um caminho a
construção de relações (1991) para se pensar a comu- seguir e, segundo ele, estamos
com um “nós” (QUÉRÉ, nicação está direcionada ini- no rumo para isso, nossa área
1991, p. 7). cialmente para os cientistas so- e nossas pesquisas vão assu-
ciais. O autor buscou criar um mindo maior legitimidade. Para
A linguagem também as- novo modelo de abordagem além disso, como coloca Fran-
sume novas dimensões neste para a vida social tomando a ça (2002a), devemos delimitar
modelo. Não há mais o dua- comunicação como eixo arti- as temáticas de nossas pesqui-
lismo do modelo epistemo- culador ou fundador. O social, sas pensando não só cientifi-
lógico-informacional, onde dessa forma, deve ser apreen- camente, mas também social-
linguagem e mundo real se dido pelo viés das instâncias mente, pensando em uma re-
constituem como duas ordens comunicativas que o consti- levância social, a fim de não só
independentes. Em vez de tuem e nas relações e partilha- contribuir para o ensino da co-
uma dimensão representati- mentos dos sujeitos. Os fatos municação e para a formação
va, a linguagem assume agora particulares da vida social não dos profissionais da área, mas
uma dimensão expressiva e devem ser estudados isola- também “para a compreensão
constitutiva. A linguagem não damente, mas sim pensados dessa realidade com a qual es-
é somente mediação da verda- dentro de um amplo processo, tamos todos comprometidos”
de. Compreender a linguagem permeado e estruturado atra- (FRANÇA, 2002a, p. 293). E aí
neste modelo é compreender vés de uma dinâmica comuni- nos lembramos das palavras de
as atividades sociais das quais cativa fundante e organizadora. Boaventura de Sousa Santos
ela faz parte, compreender a Assim, o modelo praxiológico (1989 e 2002) sobre uma nova
articulação das práticas, as é um modelo de análise, que ciência em construção, uma
orientações e as relações dos não existe em si mesmo. Ele é ciência epistemologicamente
sujeitos em uma determinada pensado como paradigmático pragmática.
maneira de viver. A linguagem neste sentido. A abordagem
é mecanismo de objetivação por ele esboçada deixa clara 2. DA DEFINIÇÃO DE UM
da subjetividade. A linguagem uma nova perspectiva para se CAMPO: O QUE MARCA A
encarnada marca a expressão pensar e enquadrar o social, COMUNICAÇÃO É O OLHAR
dos sujeitos. A linguagem é um novo caminho para as ci-
“[...] necessariamente parte in- ências sociais e, porque não O fato de o modelo praxio-
tegrante da construção social dizer, para os estudos da co- lógico ser pensado para uma
da realidade” (QUÉRÉ, 1991, municação. certa “classe científica” não im-
p. 11). É por meio dela que o Uma vez que adotamos pede que nós, comunicadores,
homem inspeciona, interpreta uma perspectiva mais abran- o tomemos como ferramen-
e elabora o mundo. É a lingua- gente entre a comunicação ta para o nosso olhar. Afinal,
gem que permite a produção e o social, e assumimos tal o olhar comunicacional que
de sentido e, por este motivo, perspectiva como definidora buscamos hoje (assim como
permite a experiência simbóli- de uma ótica sobre a realida- o buscam grande parte dos
ca do mundo, preenchendo o de, atingimos certos padrões estudos recentes sobre a co-
hiato entre os homens e as coi- de pertinência e de relevância municação) é justamente esse
sas. Por meio da linguagem, o para nossos estudos. que nos possibilita perceber os
homem interage com o mun- É certo, como aponta José fios invisíveis que constroem a
do, alcançando conhecimento Luiz Braga (2002), que ainda realidade e que entende a co-
do ambiente que o cerca, de estamos longe de um quadro municação como lugar consti-
suas especificidades; pela lin- consensual do que é ou não tutivo da realidade social, que

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enxerga o importante papel da onde não “existem conteú- materialização da linguagem
comunicação na dinâmica da dos fixos, nem um lugar cir- na vida social. Das diferentes
sociabilidade contemporânea. cunscrito – ela se estabelece mídias aos acontecimentos
Como já dissemos no iní- no ‘entre’” (FRANÇA, 1997, da vida social, às práticas co-
cio deste trabalho, os estudos p. 5). E a compreensão des- tidianas, a linguagem possui
realizados na área de comuni- se processo, dessa dinâmica, papel determinante na cons-
cação indicam uma ampla pos- deve ser contemplada a partir trução e na troca de sentidos
sibilidade de “olhares” sobre os de uma dimensão relacional, entre os homens e o mundo.
mais diferentes objetos. Con- com o objetivo de alcançar Sob uma perspectiva relacio-
tudo, uma vez que pensamos a globalidade do “fenômeno nal, devemos pensar que os
esses “olhares” e trazemos a comunicacional” e sua inser- fenômenos de sentido não
discussão para formalização de ção no movimento de cons- são apenas a atualização de
um campo,8 no caso o nosso, trução da vida social. um código, de um regime de
há uma necessidade defini- Atualmente, pode-se di- signos ou de uma competên-
dora, segundo aponta Bra- zer que a comunicação cons- cia (lingüística, pragmática,
ga (2001), em delimitarmos titui um corpo de estudos ba- comunicativa em si), mas, an-
aquele que seria “o olhar” da seado na historicidade e con- tes, são fundados pelas rela-
comunicação, o “olhar co- textualização da sociedade ções que lhes são anteriores
municacional”. Saindo, por- junto aos processos comu- e os constituem. O domínio
tanto, do plural (olhares) e nicativos. A compreensão da do sentido é estabelecido a
buscando uma singularidade dimensão relacional da co- partir da imbricação entre as
(olhar) de um ponto de vista municação, envolvendo seus redes sociais e técnicas, en-
e de construção de um obje- componentes materiais, sim- tre o mundo dos signos e dos
to de conhecimento comum, bólicos, estéticos e sociais, discursos, e entre as práticas
resta-nos, pois, definir o que situa os diversos estudos da constituintes da experiência
de singular há então nesse área na linha de tensão entre do cotidiano e do vivido.
cerceamento; definição essa as condições histórico-so- Dentro desse contexto,
que será fundamental para ciais e a lógica própria dos a linguagem visual, as ima-
indicar e posicionar pertinên- processos comunicativos, gens, merecem papel de des-
cias e relevâncias dos traba- o que a diferencia de outras taque. As imagens são uma
lhos de pesquisa na área. áreas do conhecimento. constante em nossas vidas.
Buscar essa definição, no Partindo desse contexto Em todos os momentos do
entanto, não é algo limitador, e buscando dar maior “con- dia, elas nos cercam e nos
nem esvazia a comunicação cretude” às breves discus- envolvem. Seja nas ruas, em
de particularidades. Mesmo sões (paradigmáticas, siste- casa, no trabalho, em locais
sabendo que toda definição, matizadoras e definidoras) de estudo, nos confrontamos
na verdade, é excludente, do campo da comunicação com as mensagens visuais,
uma vez que pensamos a co- que desenvolvemos até materializadas nas mais di-
municação, em nenhum mo- aqui, propomos realizar, a se- versas formas e estilos. São
mento podemos lhe retirar o guir, uma discussão aplicada elementos comuns no nosso
caráter de fenômeno da reali- desse olhar comunicacional, cotidiano.
dade. Uma realidade que não pensando como objeto de Os professores Lúcia
deve ser vista como algo uni- estudo possível do campo Santaella e Winfried Nöth
tário. E exatamente aí chega- da comunicação a fotografia (2001) estabelecem que o
mos em alguma definição de e, mais precisamente, o foto- mundo das imagens se di-
nosso olhar. Diferentemen- jornalismo.9 vide em dois domínios. O
te de algumas abordagens primeiro seria este por nós
sobre os outros fenômenos 2.1. Um olhar comunicacio- há pouco referido, o das re-
sociais realizadas pelas “ciên- nal para a fotografia e o fo- presentações visuais: de-
cias do homem”, a “realidade tojornalismo senhos, gravuras, pinturas,
comunicativa” deve ser vis- fotografias, assim como as
ta como instância ou campo São vários os tipos de imagens cinematográficas,
9. Desde 2001, em companhia do Prof. Dr. Paulo Bernardo Ferreira Vaz, realizo estudos sobre a representação fotográfica na mídia impressa jornalística brasileira. Tais trabalhos vêm
sendo desenvolvidos junto ao GRIS (Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da UFMG) e dialogam com as linhas de pesquisa, com as questões temáticas e com as preocupações
teóricas que norteiam as atividades do grupo. Para maiores informações ver: www.fafich.ufmg.br/~gris.

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televisivas, holográficas e in- produzidos, posicionan- evidente. O papel por ela de-
fográficas. “Imagens, nesse do-nos como sujeito. sempenhado é de extrema
sentido, são os objetos ma- É por meio dos signifi- importância; a fotografia não
teriais, signos que represen- cados produzidos pe- está ali apenas para ilustrar
tam nosso meio ambiente las representações que os acontecimentos do dia-a-
visual” (SANTAELLA; NÖTH, damos sentido à nossa dia. Sua presença no jornal
2001, p. 15). Já o segundo experiência e aquilo que permite o estabelecimento
domínio é o do imaterial, das somos [...]. A represen- de uma troca comunicacional
imagens mentais dos indiví- tação, compreendida e relacional entre os sujeitos
duos. Neste domínio as ima- como um processo cul- e as coisas, provocando um
gens se configuram como tural, estabelece identi- elo entre interpretações e
visões, fantasias, imagina- dades individuais e co- significações, constituindo e
ções; são as representações letivas [...]. Os discursos elaborando realidades.
mentais. Ambos os domínios e os sistemas de repre- A fotografia jornalística
da imagem não existem au- sentação constroem os realizada pelo repórter foto-
tonomamente. “Não há ima- lugares a partir dos quais gráfico seleciona narrativa-
gens como representações os indivíduos podem se mente personagens e fatos
visuais que não tenham sur- posicionar e a partir dos sociais como peças-chave
gido de imagens na mente quais podem falar (WOO- da construção da história
daqueles que as produziram, DWARD, 2000, p. 17). cotidiana e, em seu caráter
do mesmo modo que não social, político e cultural,
há imagens mentais que não Em vista dessa potenciali- vai construindo caracterís-
tenham alguma origem no dade e circunscrevendo esse ticas e demarcando estere-
mundo concreto dos obje- amplo universo, pensemos ótipos sociais. Vale lembrar
tos visuais” (SANTAELLA; então nas imagens fotográfi- que a fotografia jornalística
NÖTH, 2001, p. 15). Um do- cas jornalísticas, representa- é parte de um conjunto de
mínio está intimamente liga- ção impressa do mundo, que mensagens chamado jor-
do ao outro, suas imagens diariamente o registra e o mo- nal, cada qual com sua linha
estão conectadas desde o difica, possibilitando aos mais editorial, o que reflete dire-
processo de sua criação. Há, variados sujeitos apreendê-lo tamente sobre a produção
portanto, nessa dinâmica, e experiênciá-lo, visual e men- fotográfica. Junto a sua car-
algo terceiro, comum entre talmente, objetiva, subjetiva ga cultural, ideológica, polí-
as imagens perceptíveis e as ou intersubjetivamente.10 tica, o fotógrafo é orientado
imagens mentais: a idéia de A representação fotográ- a todo o momento pelo mo-
representação. fica traz em si um contexto delo do veículo em que tra-
Santaella e Nöth (2001) social. Enquanto elemento balha, pela pauta prevista
aproximam o conceito de de traços semióticos mar- em uma determinada edito-
representação ao de signo, cantes e, ao mesmo tempo, ria. A fração da realidade a
partindo de uma abordagem como imagem produzida a ser captada por ele11 possui
baseada na semiótica e na partir de uma bagagem cul- uma enorme carga semân-
ciência cognitiva, das quais a tural e ideológica, a fotogra- tica intencional, embora o
representação visual e men- fia é um veículo de transmis- resultado expressivo da fo-
tal são temas. Em uma outra são simbólica e de relevante tografia seja muitas vezes
perspectiva, alicerçada na dimensão comunicativa. Ela espontâneo.
discussão de representação enquadra uma sociabilidade Com base nesse breve
e identidade, Woodward diz e, ao mesmo tempo, nos re- panorama sobre as carac-
que a representação: mete à idéia da vivência es- terísticas do fotojornalismo,
paço-tempo dos sujeitos, ao que nos levam a conceber
Inclui as práticas de sig- cotidiano. essa forma de linguagem
nificação e os sistemas No jornalismo impresso, como manifestação de sen-
simbólicos por meio dos a fotografia é talvez a forma tido inscrita em jornais, do-
quais os significados são de representação visual mais tada de uma materialidade
10. Sobre os processos de objetivação, subjetivação e intersubjetivação dos sujeitos e a relação destes processos com a linguagem ver Peter Berger e Thomas Luckmann (2000).
11. O repórter fotográfico, embora observador mais atento do acontecimento, não tem condições de apreender todos os detalhes durante o desenrolar do fato. O fotojornalismo,
por ser um instantâneo de uma fração de realidade, reduz, mas não exclui por isso, as possibilidades de conotação a serem transmitidas pelas fotos.

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marcadamente simbólica, é as jornalísticas, possuem fia dentro da perspectiva
que podemos olhar “praxio- em articular, como lingua- comunicacional não devem
logicamente” para a fotogra- gem (caráter simbólico) e deixar de conceber a foto-
fia jornalística. Dessa forma, elemento comunicador, uma grafia jornalística como ele-
devemos conceber a foto- rede de sentidos que possui mento discursivo presente
grafia como imagem e como como pano de fundo a repre- na grande mídia. O fotojor-
linguagem, privilegiando as sentação da vida social, dia- nalismo promove e possibi-
relações de sentido envol- riamente recortada e reela- lita trocas entre os sujeitos e
vidas nos contextos de sua borada pelo discurso textual o mundo, organizando visu-
produção e recepção, assim e visual jornalístico. almente a experiência, cons-
como aquelas relações que Independentemente da tituindo uma realidade, posi-
o código fotográfico instau- pergunta, do problema a ser cionando os sujeitos frente a
ra. Devemos estar atentos proposto sobre o fotojorna- eles mesmos e aos outros,
para perceber a capacidade lismo, aqueles que se aven- ao contexto que os cerca. E
que as fotografias, no caso, turarem a estudar a fotogra- isso é comunicação.

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24 janeiro / junho - 2006

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