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Assim, os chamados projetos sócio educativos têm se constituído em um elo aglutinador para os
nomeados jovens "socialmente excluídos" e, dado o formato destes projetos podemos, segundo
Carvalho e Azeredo (s.d., p. 1), afirmar que estas ações complementares a escola conjugam
educação e proteção social, constituindo-se, portanto, em "ações que fazem da educação para o
convívio em sociedade e para o exercício da cidadania uma estratégia de proteção à infância e à
juventude".
Neste ponto podemos nos aproximar da visão grega da paidéia, que nasce entre os cretenses e
os espartanos e que, embora, as associam ao modelo de sociedade militar, priorizam os exercícios
e formas refinadas de competição. Nesta forma de educação os mais velhos são os educadores
dos mais jovens. A figura do adulto é sempre de comando e de preparação para a guerra em
defesa da cidade ideal, o que bem define a sua função social.
Entre os gregos, são os jovens que fazem o conhecimento do território e a proteção da cidade,
conhecimento este adquirido através de atividades como as de caça e da inserção no serviço
militar. Os jovens são reconhecidos como um grupo claramente identificado com a caça, as
corridas, os exercícios físicos e o serviço militar, bem como a ginástica, a música e a escrita. Todas
estas atividades marcam a fronteira entre a infância e a juventude, uma fronteira que é ritualizada e
estetizada, onde a pintura mostra, com imagens, a valorização da juventude. São poucas as
referências a situações de trabalho no tempo da juventude, entre os gregos, afirmam Levi e
Schmitt (1996), as referências à "educação profissional" são feitas mais como algo a ser evitado,
em nome de uma educação voltada para a arte de viver na cidade.
É, no entanto, no século XIX que se delineiam mais claramente os contornos de uma infância e
de uma juventude operária (há casos de operários de 6 a 8 anos, conforme LAFARGUE, 1999). É,
também, quando se começa a discutir a existência de uma juventude operária e seu ingresso
precoce no trabalho que os termos adolescência e juventude passam a ter conotações
dissonantes: a adolescência passa a ser mais marcada por suas características biológicas e
psicológicas, especialmente dadas pela puberdade, enquanto a juventude passa a ser definida
mais pelo ingresso nas universidades e seu envolvimento nos movimentos culturais.
Sem dúvida, nos diferentes tempos históricos a juventude é vista como um tempo de
aprendizagens e, o seu êxito, depende da realização desta aprendizagem. A ênfase em aprender é
também a possibilidade de conter uma juventude ruidosa, afinal, ela causa receios à sociedade,
teme-se a vagabundagem, a libertinagem, o espírito transgressor, e mais recentemente os atos de
violência às pessoas e ao patrimônio.
Atualmente, uma cultura jovem é construída e se inscreve nos diferentes locais por onde
adolescentes e jovens circulam. A rua, o bairro, a casa, a escola, os lugares de lazer são
elementos que se combinam, são experiências que se vive em conjunto, e que, por serem
heterogêneas, vão produzindo modos de ser singulares e distintos entre vários universos juvenis.
É para dar conta desse conjunto complexo que proponho usar,como metáfora, os termos de
"tribo" ou de "tribalismo". Sem adorná-los, [...] pretendo insistir no aspecto "coesivo" da partilha
sentimental de valores, de lugares ou de ideais que estão, ao mesmo tempo, absolutamente
circunscritos (localismo) e que são encontrados, sob diversas modulações, em numerosas
experiências sociais (p. 28).
Nesse sentido, entendemos que as necessidades formativas dos jovens, que têm bases
bastante distintas entre si: de ordem moral, de natureza da formação profissional, de demandas
por escolarização, também passam pelas incertezas relativas às expressões de seu corpo.
[...] mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo cultural, que se
instala em seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a
cultura por meio de seu corpo.
Isso porque segundo o autor há uma inscrição de regras, normas e valores de uma sociedade
específica. Ao se identificar esse conjunto de elementos em um indivíduo, é possível compreender
uma sociedade particular, uma vez que no corpo estão impressos os códigos culturais de tal
sociedade.
Desta forma, a incursão dos jovens nos diversos contextos sócio/culturais se dá através de
diferentes formas de expressão. Os grafiteiros, os skatistas, os punks, os skinheads, rappers,
enfim, representam uma incursão do jovem na cidade através de seus corpos. Essas
representações são inscritas com códigos culturais, conforme explicita Daolio (1999), dando
visibilidade pública a esses grupos. Não saber "ler" essas representações contemporâneas,
representa um distanciamento com a formação sócio-cultural desses jovens, bem como do seu
mundo simbólico, constituindo-se em um problema para as instituições que se ocupam de jovens:
as escolas, por exemplo, por que desconhecem tais referências representativas.
Essas expressões estéticas do corpo, a arte visual, as tatuagens, o próprio corpo como
produção de marcas expressivas, faz dos jovens produtores de significados evanescentes.
Atualmente, ser jovem não se expressa apenas pela questão cronológica, mas principalmente
pelas atitudes, pelos grupos e tribos que habita, bem como pelas muitas formas expressivas que
indicam o modo de ser jovem dos sujeitos.
Projetos sócio educativos são, como visto anteriormente, segundo Carvalho e Azeredo (s.d),
ações complementares a escola e que conjugam educação e proteção social e que priorizam
ações voltadas à crianças e jovens. Suas atividades geralmente acontecem no período alternado à
escola e têm por objetivo o desenvolvimento integral destes sujeitos. Compõe o rol de atividades
que se inserem nas práticas de educação não escolar.
No Brasil, nas últimas décadas temos presenciado o incremento de projetos de natureza sócio
educativos ofertados às crianças e aos jovens adolescentes, especialmente os de baixo poder
aquisitivo. Entretanto, é com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em 1990,
que estas ações passam a ter destaque como prática de educação não escolar. Estes projetos são
reconhecidos como intervenções de proteção à infância e à adolescência e não somente como
estratégias de ocupação de tempo livre de "grupos marginalizados" ou em "vias de
marginalização"1.
Dito de outra forma, as práticas de educação não escolar voltadas a jovens adolescentes
pobres, do ponto de vista sócio econômico, têm no trabalho uma marca central de formação.
"Atende-se" os jovens visando prepará-los para serem trabalhadores, desconsiderando-se a crise
na sociedade salarial (CASTEL, 1998)2, os dilemas e as expectativas que os jovens demonstram
ter quanto a sua vida presente e futura e, muito especialmente, as novíssimas formas expressivas
da socialidade dos jovens, descritas na seção anterior.
Os principais resultados da pesquisa podem ser resumidos da seguinte forma: ser jovem é poder
aproveitar a vida; o tempo livre é aproveitado entre o grupo de iguais, isto é, no contato com outros
jovens, é pouco expressiva a participação dos jovens informantes em grupos organizados e/ou em
movimentos sociais, os que participam de algum movimento organizado estão vinculados a grupos
religiosos. A grande maioria dos jovens ressalta a importância da convivência familiar e
preocupam-se com a violência na cidade.
Quanto ao trabalho, mais de 50% dos jovens afirmam que embora tenham procurado emprego
não tem conseguido encontrar formas de inserção. Este mesmo percentual representa os jovens
que estão fora do mercado de trabalho e encontram-se fazendo algum curso de formação
profissional na expectativa da uma futura inserção no mercado.
Outros dados apontam que a maioria quase absoluta dos jovens afirma que estar nos projetos
sócios educativos e em cursos de formação profissional em organizações governamentais e não
governamentais os mantém na escola. Esta questão é relevante, pois considera o critério que para
ingressar e permanecer nestes projetos é necessário freqüentar a escola. Segue a afirmação de
que a escola não é o lugar mais importante para eles estarem. Entretanto, se a escola apresenta-
se como uma possibilidade de freqüentar um projeto sócio educativo e é também requisito para se
conseguir um emprego, cada vez mais prioriza-se o aumento de escolaridade como critério de
seleção no mercado de trabalho. Os jovens dizem que, mesmo que de forma transitória, é preciso
manter algum vínculo com o espaço escolar.
Outra questão que merece destaque é que a quase totalidade dos jovens pesquisados
responderam que, nos últimos dois anos, não haviam tido nenhum problemas com a Delegacia de
Polícia, com o Conselho Tutelar e com o Juizado da Infância e da Juventude o que nos permite
inferir, também, sobre a importância dos projetos sócio educativos na formação geral destes
jovens. No entanto, esta é uma situação peculiar visto que na região metropolitana dados que
referem a juventude, de forma geral, considera o diagnóstico da violência, a partir da incidência de
homicídios, na Região Metropolitana de Porto Alegre, Brasil, destacam a relação entre a alta
incidência de jovens com a violência urbana. Dados do diagnóstico, embora apresente uma certa
estabilidade no período de 1991 e 2002, demonstram que há evolução do índice de homicídios
entre os jovens, especialmente entre os do sexo masculino, embora numa idade maior do que a
dos jovens investigados por nós. A idade de maior incidência é de 19 a 24 anos.
À guiza de encerramento
Desde a Antigüidade a juventude constitui uma questão relevante às diferentes formações
societais, sendo que a forma de intervenção sobre os jovens variou, de acordo com o padrão e/ou
modelo que se colocava como ideal, em cada época. Nesse sentido, entendemos que os projetos
sócios educativos, apesar de reproduzirem o espaço escolar e de programarem práticas
assistenciais - e, em alguns casos, assistencialistas que pouco inovam do ponto de vista
pedagógico - parecem estar cumprindo uma importante função social, na medida em que visam
experiências de formação e ocupação de jovens.
Contudo, há que se considerar que tais práticas de educação social apenas priorizam alcançar
os chamados jovens em situação de "vulnerabilidade social" - oriundos das camadas mais pobres
da população. Isto nos conduz a pensar que existem formas diferenciadas de conceber e cuidar da
juventude, de acordo com sua origem sócio-econômica, sendo que dos "menos favorecidos" não
se espera outra coisa senão prepará-los para o trabalho. Para este grupo parece que a
preocupação está em ocupá-los e/ou conter seus ímpetos supostamente "agressivos" com o intuito
de colocá-los a serviço da ordem política e social que se sustenta na lógica da produção
capitalista.
Talvez, por este motivo, estas intervenções educativas não se preocupem em desenvolver
ações pedagógicas que levem em conta as necessidades formativas características dos jovens em
geral, que têm demandas próprias e que se expressam na forma de "tribos" e/ou na visibilização de
marcas identitárias através do corpo e do movimento.
Entendemos que resgatar o potencial educativo de projetos sociais nos possibilita ressaltar a
importância de levar em conta o corpo, o movimento e a expressão como gestos pedagógicos. Tal
posição tem por objetivo tencionar as assertivas de que a melhor forma de prover a educação dos
setores populares passa necessariamente pela formação para e pelo trabalho, mesmo em tempos
de desemprego estrutural.
Tal posição permite, também, retomar o conceito de educação dos gregos e suas estratégias de
aprendizagem que visavam o princípio da integralidade e a intervenção formativa sobre o corpo.
Reafirmamos a importância do corpo, da expressão e do movimento na formação das juventudes
contemporânea. Sociabilidades estas já presentes nas tribos de jovens pertencentes às camadas
mais privilegiadas das sociedades.
Notas
1.
Forma de nomeação amplamente utilizada até ser substituída por expressões como em "risco
social e pessoal", em "vulnerabilidade social", entre outras. Todas, notadamente, formas de rotular
sujeitos oriundos das classes populares.
2.
Dados recentes de uma pesquisa realizada no ano de 2006 pela Feevale e Prefeitura Municipal
de Novo Hamburgo reforçam os indicadores de que os bairros Canudos e Santo Afonso são os
mais numerosos do ponto de vista populacional e onde se registra maior criminalidade
considerando-se o registro de ocorrência policial.
Referências bibliográficas
* COUTO, Edvaldo Souza. et al. Gilles Lipovetsky: Estética corporal e protecionismo técnico
higienista e desportista. In: GRANDO, José Carlos. A (des)construção do corpo. Blumenau. Ed.
edifurb, 2001.
* LEVI E SCHMITT, LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo:
Campanhia das Letras, 1996.