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criticanarede.com · ISSN 1749-8457


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15 de Setembro de 2008 · Epistemologia

O novo enigma da indução


Nelson Goodman

1. O velho problema da indução


Nelson Goodman
Ao terminar a conferência anterior, afirmei que iria hoje examinar
como estão as coisas no que diz respeito ao problema da indução. Numa palavra: penso
que estão mal. Mas as dificuldades reais com que nos confrontamos actualmente não são
as tradicionais. Aquele que é normalmente entendido como o Problema da Indução está
resolvido, ou dissolvido; e enfrentamos novos problemas que ainda não estão amplamente
compreendidos. Para abordá-los, terei de passar o mais rapidamente possível por algum
terreno conhecido.
O problema da validade dos juízos acerca do futuro ou de casos desconhecidos surge,
conforme indicou Hume, porque tais juízos não são nem relatos da experiência nem suas
consequências lógicas. É claro que as previsões pertencem àquilo que ainda não foi
observado. E não podem ser inferidas logicamente daquilo que já foi observado; porque o
que aconteceu não impõe restrições lógicas àquilo que acontecerá. Apesar de ter sido
algumas vezes posta em causa, o dictum de Hume de que não existe conexão necessária
entre as questões de facto tem resistido a todos os ataques. Pela minha parte, inclinar-me-
ia não apenas a concordar em que não haja conexões necessárias entre dados da
experiência, mas também a perguntar se existem de todo conexões1 — mas isto é outra
história.
A resposta de Hume à questão de como as previsões estão relacionadas com a
experiência do passado é agradavelmente comezinha. Quando, na experiência, a um
acontecimento de um certo tipo se segue frequentemente um outro acontecimento de um
outro tipo, forma-se um hábito que leva o espírito, quando confrontado com um novo
exemplo do primeiro tipo, a passar à ideia de um acontecimento do segundo tipo. A ideia
da conexão necessária deriva do impulso sentido pelo espírito em realizar esta passagem.
Se despojarmos esta explicação de todas as características estranhas, o ponto central
é que à questão "Porquê uma previsão e não outra?", Hume responde que a escolha é a de
uma previsão que corresponde a uma regularidade do passado, porque esta regularidade
estabeleceu um hábito. Assim, entre afirmações alternativas acerca de um momento
futuro, uma afirmação distingue-se pela sua conformidade com o hábito e, por
conseguinte, com regularidade observadas no passado. A previsão segundo qualquer outra
alternativa é divagação.

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Até que ponto é satisfatória esta resposta? A crítica com maior peso assumiu a
posição correcta de que a explicação de Hume diz respeito, no melhor dos casos, à origem
das previsões e não à sua legitimidade; que expõe as circunstâncias nas quais fazemos
determinadas previsões — e neste sentido explica por que as fazemos — mas não toca na
questão do nosso direito de as fazer. Traçar a origem, segundo a velha acusação, não é
estabelecer a validade: a verdadeira questão não é por que se faz, na realidade, uma
previsão, mas como se pode justificá-la. Uma vez que isto parece conduzir à deselegante
conclusão de que o maior dos filósofos modernos não percebeu o seu próprio problema,
desenvolveu-se a ideia de que Hume não levou na verdade muito a sério a sua solução,
mas encarava o problema central como irresolvido e talvez como insolúvel. Viemos assim a
falar do "Problema de Hume" como se Hume o tivesse proposto como uma pergunta sem
resposta.
Tudo isto me parece profundamente errado. Penso que Hume compreendeu a
questão central e considerou a sua resposta suficientemente eficaz. E penso que a sua
resposta é razoável e relevante, ainda que não inteiramente satisfatória. Explicar-me-ei na
altura própria. Para já, quero apenas recordar uma objecção contra a noção predominante
de que o problema de justificar a indução, quando é tão severamente dissociado do
problema de descrever como ocorre a indução, possa ser considerado com propriedade o
problema de Hume.
Suponho que o problema de justificar a indução provocou tanta discussão infrutífera
quanto qualquer outro problema semi-respeitável da filosofia moderna. O estudioso típico
começa por insistir que tem de se encontrar algum meio de justificar as previsões;
argumenta em seguida que para tal fim precisamos de alguma retumbante lei universal da
Uniformidade da Natureza, e examina então como se pode justificar este princípio
universal. Neste ponto, se já estiver cansado, concluirá que o princípio tem de ser aceite
como uma suposição indispensável; ou, se é vigoroso e industrioso, procura uma
justificação subtil para ele. Uma tal fábula, porém, raramente satisfaz mais alguém; e o
caminho mais fácil, o de aceitar uma suposição infundamentada, e mesmo duvidosa, além
de muito mais vasta do que quaisquer previsões reais que fazemos, parece um meio
singular e pouco económico de justificar essas previsões.

2. Dissolução da velha questão


É assim compreensível que pensadores mais críticos tenham vindo a suspeitar que
pudesse haver algo de errado com o problema que estamos a tentar resolver. Aliás, vendo
as coisas mais de perto, em que consistiria exactamente a justificação que buscamos? Se o
problema é explicar como sabemos que certas previsões se revelarão correctas, a resposta
suficiente é que não sabemos tal coisa. Se o problema é encontrar algum modo de
distinguir antecipadamente entre previsões falsas e verdadeiras, o que queremos são

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previsões, mais do que uma explicação filosófica. Também não é grande auxílio dizer que
estamos simplesmente a tentar mostrar que certas previsões são prováveis, ou por que o
são. Diz-se muitas vezes que embora não possamos dizer antecipadamente se é verdadeira
uma previsão acerca de um lance de dados, podemos decidir se é uma previsão provável.
Mas se isto significa determinar como se relaciona a previsão com a frequência real dos
resultados de lances de dados futuros, não existe com certeza qualquer meio de o saber ou
demonstrar antecipadamente. Por outro lado, se o juízo de que a previsão é provável nada
tem que ver com as ocorrências futuras, então permanece a questão de saber em que
sentido uma previsão provável está melhor justificada que uma improvável.
É evidente que o verdadeiro problema não pode ser o de obter conhecimento
impossível de obter ou de dar conta de um conhecimento que de facto não possuímos.
Compreender-se-á melhor o nosso problema olhando por alguns momentos para aquilo
que está envolvido na justificação de inferências não indutivas. Como justificamos uma
dedução? Com certeza, mostrando que está de acordo com as regras gerais da inferência
dedutiva. Um argumento que esteja conforme, está justificado, ou é válido, mesmo que se
dê o caso de ser falsa a conclusão. Um argumento que viola uma regra é falacioso, mesmo
que se dê o caso de ser verdadeira a sua conclusão. Por conseguinte, a justificação de uma
conclusão dedutiva não exige qualquer conhecimento dos factos que lhe dizem respeito. E,
além disso, quando se mostra que um argumento dedutivo está conforme às regras da
inferência lógica, consideramo-lo normalmente justificado sem perguntar o que justifica
as regras. Analogamente, a tarefa básica na justificação de uma inferência indutiva é
mostrar que está de acordo com as regras gerais da indução. Reconhecido isto, estaremos
muito mais próximos da clarificação do problema.
É no entanto claro que as próprias regras têm de acabar por ser justificadas. A
validade de uma dedução não depende da conformidade com quaisquer regras puramente
arbitrárias que possamos inventar, mas da conformidade com regras válidas. Quando
falamos das regras da inferência, referimo-nos apenas às regras válidas — ou melhor, a
algumas regras válidas, dado que pode haver conjuntos diferentes de regras igualmente
válidas. Mas como se pode determinar a validade de regras? Aqui, encontramos
novamente filósofos que insistem em que estas regras se seguem de algum axioma auto-
evidente, e outros que tentam mostrar que as regras estão fundadas na própria natureza
do espírito humano. Penso que a resposta está muito mais à superfície. Os princípios de
inferência dedutiva justificam-se pela sua conformidade com a prática dedutiva aceite. A
sua validade depende do acordo com as inferências dedutivas particulares que fazemos e
sancionamos efectivamente. Se uma regra produz inferências inaceitáveis, excluímo-la
como inválida. A justificação de regras gerais deriva então de juízos que rejeitam ou
aceitam inferências dedutivas particulares.
Isto parece enfermar de flagrante circularidade. Disse que inferências dedutivas são
justificadas pela sua conformidade com inferências válidas. Todavia, este é um círculo

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virtuoso. O que se passa é que tanto as regras quanto as inferências particulares se


justificam harmonizando-se entre si. Uma regra é rectificada se produz uma inferência
que não desejamos aceitar; uma inferência é rejeitada se viola uma regra que não
queremos rectificar. O processo de justificação é o delicado processo de realizar
ajustamentos mútuos entre regras e inferências aceites; e no acordo encontrado está a
única justificação de que necessita qualquer uma delas.
Tudo isto se aplica com igual facilidade à indução. Também uma inferência indutiva
é justificada pela sua conformidade a regras gerais, e uma regra geral por conformidade
com inferências indutivas aceites. As previsões estão justificadas se se conformam com
cânones válidos de indução; e os cânones são válidos se codificam com exactidão a prática
indutiva aceite.
Um resultado duma tal análise é que escusamos de nos infernizar com certas
questões espúrias acerca da indução. Já não exigimos uma explicação para garantias que
não temos, nem buscamos chaves para um conhecimento que não podemos obter.
Começamos a perceber que a tradicional e presunçosa insistência numa linha rígida e
inflexível entre a justificação da indução e a descrição da prática indutiva habitual distorce
o problema. E devemos desculpas já atrasadas a Hume. Porque ao tratar da questão de
como são normalmente feitos os juízos indutivos aceites, Hume estava de facto a tratar da
questão da validade indutiva.2 A validade duma previsão consistia para ele na sua
derivação de um hábito e portanto no facto de exemplificar uma regularidade no passado.
A sua resposta era incompleta e talvez em parte incorrecta; mas não é descabida. O
problema da indução não é um problema de demonstração, mas um problema de definir a
diferença entre previsões válidas e inválidas.
Isto limpa a atmosfera, mas deixa ainda muito por fazer. Como princípios de
inferência dedutiva, temos as conhecidas e altamente desenvolvidas leis da lógica; mas não
temos à disposição princípios para a inferência indutiva estabelecidos com tanta precisão e
tão geralmente reconhecidos. Os cânones de Mill dificilmente estão ao mesmo nível das
regras de Aristóteles para o silogismo, quanto mais dos Principia Mathematica. Tratados
meticulosos e valiosos acerca da probabilidade deixam normalmente por tratar certas
questões fundamentais. Só nos anos mais recentes se tem feito algum trabalho explícito e
sistemático acerca daquilo a que chamo a tarefa construtiva da teoria da confirmação.

3. A tarefa construtiva da teoria da confirmação


A tarefa de formular regras que definam a diferença entre inferências indutivas válidas e
inválidas é muito semelhante à tarefa de definir qualquer termo com um uso estabelecido.
Se procuramos definir o termo "árvore", tentamos compor, a partir de palavras já
compreendidas, uma expressão que se aplicará aos objectos conhecidos a que o uso
padronizado chama árvores. Uma proposta que viole claramente qualquer uma destas

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condições será recusada; ao passo que uma definição que responda a estas exigências pode
ser adoptada e usada para decidir em casos que ainda não estejam estabelecidos pelo uso
actual. Assim, a interacção que observámos entre regras da indução e inferências indutivas
particulares é simplesmente um exemplo deste duplo ajustamento característico entre
definição e uso, pelo qual o uso dá forma à definição, a qual, por seu lado, conduz a
extensão do uso.
É claro que este ajustamento é um assunto mais complicado do que indiquei.
Algumas vezes, por motivo de conveniência ou de utilidade teórica, permitimos
deliberadamente que uma definição contrarie indicações claras do uso comum. Aceitamos
uma definição de "peixe" que exclui as baleias. E do mesmo modo podemos decidir
recusar o termo "indução válida" a algumas inferências indutivas que são normalmente
consideradas como válidas, ou aplicar o termo a outras induções que não são usualmente
consideradas válidas. Uma definição pode modificar ou alargar o uso habitual3.
Algum trabalho pioneiro acerca do problema da definição, da confirmação ou da
indução válida foi feito pelo Professor Hempel.4 Seja-me permitido recordar em breves
palavras alguns dos seus resultados. Assim como a lógica dedutiva se ocupa
primariamente de uma relação entre afirmações — nomeadamente a relação de
consequência — que é independente da sua verdade ou falsidade, também a lógica
indutiva, conforme a concebe Hempel, se ocupa primariamente de uma relação de
confirmação comparável entre afirmações. O problema é então o de definir a relação que
prevalece entre qualquer afirmação S1 e outra S2 se e somente se é possível afirmar com
propriedade que S1 confirma S2 num qualquer grau.
Posta a questão desta forma, o primeiro passo parece evidente. Não procede a
indução exactamente na direcção oposta da dedução? É certo que algumas das afirmações
indiciárias que apoiam indutivamente uma hipótese geral são consequências suas. Dado
que a relação de consequência já está bem definida pela lógica dedutiva, não estaremos
nós a pisar terreno sólido ao dizer que a confirmação abrange a relação inversa? As leis da
dedução invertidas estarão então entre as leis da indução.
Vejamos onde isto nos conduz. Pressupomos naturalmente, além disso, que tudo o
que confirma uma determinada afirmação confirma também tudo o que dela se segue.5 Se
combinarmos porém esta suposição com o princípio por nós proposto, chegaremos ao
resultado embaraçante de que qualquer afirmação confirma qualquer outra. Por
surpreendente que pareça ser que um início tão inocente conduza a uma conclusão tão
aceitável, a demonstração é muito fácil. Comece-se com qualquer afirmação S1. Esta é uma
consequência, como confirma o nosso critério presente, da conjunção de S1 com qualquer
outra afirmação — chame-se-lhe S2. Mas é claro que a conjunção confirmada S1 & S1 tem
S2 por consequência. Assim, qualquer afirmação confirma qualquer outra.

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O erro está na formulação descuidada da nossa primeira proposta. Apesar de


algumas afirmações que confirmam uma hipótese geral serem consequências suas, nem
todas as suas consequências a confirmam. Isto pode ser imediatamente evidente; porque
na verdade fornecemos apoio, num certo sentido, a uma afirmação, quando constatamos
uma das suas consequências. Resolvemos uma das questões a seu respeito. Considere-se a
conjunção heterogénea:

8497 é um número primo, o lado oculto da Lua é plano e Isabel I foi coroada
numa terça-feira.

Mostrar que qualquer uma das três afirmações componentes é verdadeira é apoiar a
conjunção reduzindo a afirmação indeterminada de base. Mas um apoio6 deste tipo não
constitui confirmação; porque a verificação de um dos componentes não atribui à
globalidade da afirmação credibilidade que se transmita às outras afirmações que a
compõem. A confirmação de uma hipótese só ocorre quando uma instância empresta à
hipótese alguma credibilidade que se transfira para outras instâncias. A apreciação de
hipóteses é na verdade inerente à previsão, ao juízo acerca de novos casos com
fundamento em casos conhecidos.
A nossa fórmula precisa então de ser afinada. Isto é facilmente conseguido se, como
indica Hempel, observarmos que uma hipótese só é verdadeiramente confirmada por uma
afirmação que é uma instância sua no sentido específico de acarretar não a própria
hipótese mas a sua relativização ou restrição à classe de entidades mencionadas por esta
afirmação. A relativização de uma hipótese geral a uma classe resulta da restrição do
âmbito dos seus quantificadores universais e existenciais aos membros dessa classe. Em
termos menos técnicos, aquilo que a hipótese diz de todas as coisas, a afirmação indiciária
afirma de uma coisa (ou de um par ou outra série n de coisas). Isto abrange evidentemente
a confirmação da condutividade de todo o cobre pela confirmação da condutividade de um
determinado pedaço; e exclui a confirmação da nossa conjunção heterogénea através de
qualquer um dos seus componentes. E se tomado conjuntamente com o princípio de que
aquilo que confirma uma afirmação confirma todas as consequências, este critério não
acarreta a desagradável conclusão de que qualquer afirmação confirma qualquer outra.
Novas dificuldades surgem porém imediatamente de outras direcções. Uma é o
lastimável paradoxo dos corvos. A afirmação de que um determinado objecto, por exemplo
este bocado de papel, nem é preto nem é um corvo confirma a hipótese de que todas as
coisas não pretas são não corvos. Mas esta hipótese é logicamente equivalente à hipótese
de que todos os corvos são pretos. Chegamos assim à inesperada conclusão de que a
afirmação de que um determinado objecto nem é preto nem é um corvo confirma a
hipótese de que todos os corvos são pretos. A perspectiva de nos capacitarmos a investigar
teorias ornitológicas sem nos expormos ao mau tempo é tão atraente que sabemos que

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tem de haver nela uma armadilha. O problema desta vez não está numa definição errada,
mas na referência tácita e ilegítima a indícios não afirmados no nosso exemplo. Tomada
em si, a afirmação de que o objecto dado nem é preto nem é um corvo confirma tanto a
hipótese de que tudo o que não é um corvo não é preto quanto a hipótese de que tudo o
que não é preto não é um corvo. Tendemos a ignorar a primeira hipótese porque sabemos
que é falsa a partir de muitos outros indícios — de todas as coisas familiares que não são
corvos mas são pretas. Mas espera-se que aceitemos que tais indícios não existem. Nesta
circunstância, mesmo uma hipótese muito mais forte será evidentemente confirmada: que
nada existe que seja ou preto ou um corvo. À luz desta confirmação da hipótese de que não
existem corvos, não mais será surpreendente que sob as restrições artificiais do exemplo
também seja confirmada a hipótese de que todos os corvos são pretos. E as perspectivas de
ornitologia dentro de casa desaparecem quando notamos que nessas mesmas condições é
igualmente confirmada a hipótese contrária de que nenhum corvo é preto.7
Por outro lado, a nossa definição erra em não nos forçar a tomar em consideração
todos os indícios formulados. Os resultados negativos são facilmente ilustráveis. Se duas
afirmações indiciárias compatíveis confirmam duas hipóteses, então a conjunção das
afirmações indiciárias deveria naturalmente confirmar a conjunção das hipóteses.8
Suponha-se que os nossos indícios consistem na afirmação E1 que afirma que uma
determinada coisa b é preta, e na E2, que afirma que uma segunda coisa c não é preta. Pela
nossa definição presente, E1 confirma a hipótese de que tudo é preto, e E2 a hipótese de
que tudo é não preto. A conjunção destes dois indícios perfeitamente compatíveis
confirmará então a hipótese autocontraditória de que tudo é preto e não preto. Por mais
simples que seja esta anomalia, exige uma modificação drástica da nossa definição. O que
os indícios confirmam não é aquilo a que chegamos através de uma generalização a partir
dos seus itens isolados, mas sim — em termos grosseiros — aquilo a que chegamos através
de uma generalização a partir da totalidade dos indícios estabelecidos. A ideia central para
uma definição mais aperfeiçoada é que, dentro de determinados limites, aquilo que é
afirmado como verdadeiro para o universo restrito das afirmações indiciárias seja
confirmado para a totalidade do universo do discurso. Assim, se os nossos indícios são E1
e E2, não são confirmadas nem a hipótese de que todas as coisas são pretas nem a de que
todas as coisas são não pretas; porque nenhuma delas é verdadeira no universo dos
indícios constituído por b e c. É claro que seria necessária uma formulação muito mais
cuidadosa, dado que algumas afirmações que são verdadeiras no universo dos indícios —
como a afirmação de que existe apenas uma coisa preta — não são evidentemente
confirmadas na totalidade do universo. Estas questões são abrangidas pela definição
formal que Hempel procura desenvolver sobre estes fundamentos; mas não podemos e
não precisamos de entrar aqui em mais pormenores.

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Ninguém supõe que a tarefa da teoria da confirmação está completa. Mas os poucos
passos que recapitulei — escolhidos em parte pela sua fecundidade para o que se segue —
mostram como as coisas avançam quando o problema da definição toma o lugar do
problema da justificação. Questões importantes e há muito ignoradas são trazidas à luz e
respondidas; e somos encorajados a esperar que muitas das questões que permanecem
sejam com o tempo submetidas a um tratamento semelhante.
Todavia, a nossa satisfação é sol de pouca dura. Começam a aparecer dificuldades
novas e graves.

4. O novo enigma da indução


A confirmação de uma hipótese por uma instância depende em grande parte de traços
característicos da hipótese que não a sua forma sintáctica. Que um dado pedaço de cobre
conduza a electricidade aumenta a credibilidade de afirmações de que outros pedaços de
cobre conduzem a electricidade, e confirma assim a hipótese de que todo o cobre conduz a
electricidade. Mas o facto de que uma determinada pessoa nesta sala é um terceiro filho
não aumenta a credibilidade de afirmações de que outras pessoas que estão agora nesta
sala sejam terceiros filhos, e não confirma assim a hipótese de que todas as pessoas nesta
sala são terceiros filhos. E no entanto, em ambos os casos, a nossa hipótese é uma
generalização de uma afirmação indiciária. A diferença é que no primeiro caso a hipótese é
uma afirmação legiforme, ao passo que no segundo a hipótese é uma generalidade
meramente contingente ou acidental. Só uma afirmação legiforme — não importando a
sua verdade ou falsidade ou a sua relevância científica — pode ser confirmada por uma
instância; afirmações acidentais não podem sê-lo. Temos então com certeza de buscar um
meio de discernir entre afirmações legiformes e afirmações acidentais.
Enquanto esta necessidade aparentar não ser mais do que um meio de excluir alguns
casos extravagantes e indesejáveis que foram inadvertidamente admitidos pela nossa
definição de confirmação, o problema pode não parecer muito árduo ou premente. Não
nos surpreende de modo algum que alguns defeitos menores sejam detectados na nossa
definição e que os afinamentos necessários tenham de ser efectuados pacientemente um a
um. Mas alguns exemplos suplementares mostrarão que a nossa dificuldade natural é
muito mais séria.
Suponha-se que são verdes todas as esmeraldas examinadas antes de um momento
9
t. Assim, no momento t, as nossas observações apoiam a hipótese de que todas as
esmeraldas são verdes; e isto está de acordo com a nossa definição de confirmação. Os
nossos indícios asseveram que a esmeralda a é verde, que a esmeralda b é verde, e etc.; e
cada um deles confirma a hipótese geral de que todas as esmeraldas são verdes. Até aqui
tudo bem.

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Seja-me porém permitido introduzir outro predicado menos familiar do que "verde".
É o predicado "verdul", que se aplica a todas as coisas examinadas antes do momento t no
caso de serem verdes, e também a outras coisas, no caso de serem azuis. Temos, então, no
momento t, para cada afirmação a asseverar que uma dada esmeralda é verde, um indício
paralelo a asseverar que é verdul. E as afirmações de que a esmeralda a é verdul, de que a
esmeralda b é verdul, e etc., confirmarão, cada uma delas, a hipótese geral de que todas as
esmeraldas são verduis. Assim, e segundo a nossa definição, a previsão de que todas as
esmeraldas posteriormente examinadas serão verdes e a previsão de que serão todas
verduis são igualmente confirmadas pelas afirmações indiciárias que descrevem as
mesmas observações. Mas se uma esmeralda observada posteriormente for verdul, ela será
azul e portanto não será verde. Assim, e não obstante estarmos bem certos de qual das
duas previsões incompatíveis é na verdade confirmada, elas são igualmente confirmadas
segundo a nossa definição presente. E é além disso evidente que bastará escolher um
predicado apropriado para, segundo o nosso critério e com base nestas mesmas
observações, obtermos igual confirmação para toda e qualquer previsão sobre outras
esmeraldas — ou, na verdade, sobre qualquer outra coisa.10 Como no nosso exemplo
anterior, apenas as previsões subsumidas por hipóteses legiformes são verdadeiramente
confirmadas; mas ainda não temos critério para a determinação da legiformidade. E
vemos agora que sem um tal critério não só a nossa definição inclui alguns casos
indesejáveis como também é tão completamente ineficiente que nada exclui praticamente.
Somos novamente confrontados com o intolerável resultado de que qualquer coisa
confirma qualquer outra. Esta dificuldade não pode ser posta de lado como um
desagradável pormenor a ser tratado na devida altura. Tem de ser resolvida antes de a
nossa definição poder funcionar de todo em todo.
A dificuldade é todavia frequentemente subestimada porque parece, à superfície,
haver meios fáceis para saná-la. O problema é, por exemplo, considerado algumas vezes
como muito semelhante ao paradoxo dos corvos. Diz-se que estamos novamente a fazer
uso tácito e ilegítimo de informação para lá das provas estabelecidas: por exemplo, a
informação de que amostras diversas dum mesmo material têm normalmente a mesma
condutividade, e a informação de que diferentes pessoas no público duma conferência não
têm normalmente o mesmo número de irmãos mais velhos. Mas se é verdade que esta
informação é introduzida clandestinamente, isto não resolve só por si a questão, como foi
no caso dos corvos. Neste, o que estava em causa era que ao ser declarada explicitamente a
informação contrabandeada, o seu efeito sobre a confirmação da hipótese em questão é
registado imediata e adequadamente pela definição de que nos estamos a servir. Por outro
lado, se acrescentamos às nossas provas iniciais informações acerca da condutividade de
pedaços de outros materiais ou sobre o número de irmãos mais velhos de membros do
público de outras conferências, isto em nada afectará a confirmação, segundo a nossa

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definição, da hipótese acerca do cobre ou da hipótese acerca do público desta conferência.


Uma vez que a nossa definição não é afectada pelo apoio das hipóteses em indícios desse
modo relacionados com elas, mesmo que os indícios sejam expressamente declarados, a
dificuldade acerca de hipóteses acidentais não pode ser removida com o fundamento de
que tais indícios estão a ser sub-repticiamente tidos em conta.
Uma sugestão mais promissora é explicar a questão em termos do efeito destes
outros indícios, não directamente sobre a hipótese em questão, mas indirectamente,
através de outras hipóteses que são confirmadas, segundo a nossa definição, por tais
indícios. A nossa informação acerca de outros materiais confirma, pela nossa definição,
hipóteses como a de que todos os pedaços de ferro conduzem electricidade ou de que
nenhum pedaço de borracha o faz; e estas hipóteses, continua a explicação, conferem à
hipótese de que todos os pedaços de cobre conduzem electricidade (e também à hipótese
de que nenhum o faz) o carácter de legiformidade — ou seja, acesso à confirmação por
instâncias directas e positivas encontradas. Por outro lado, a nossa informação acerca do
público de outras conferências infirma muitas hipóteses acerca de que todas as pessoas em
audiências são terceiros filhos, ou de que nenhuma o é; e isto retira qualquer carácter de
legiformidade à hipótese de que todas (ou nenhuma) das pessoas nesta audiência são
filhos terceiros. Mas é claro que, a seguir esta via, terão de ser articuladas com precisão as
circunstâncias nas quais hipóteses se relacionam deste modo entre si.
O problema é então o de definir o modo relevante pelo qual estas hipóteses são
semelhantes. Provas para a hipótese de que o ferro conduz a electricidade aumentam a
legiformidade da hipótese de que o zircónio conduz a electricidade, mas não afecta do
mesmo modo a hipótese de que todos os objectos que estão sobre a minha mesa conduzem
a electricidade. Onde reside a diferença? As duas primeiras hipóteses subsumem-se na
hipótese mais vasta — chame-se-lhe "H" — de que qualquer classe de coisas do mesmo
material é de condutividade uniforme; a primeira e a terceira só se subsumem numa
hipótese — chame-se-lhe "K" — como a de que qualquer classe de coisas que ou são todas
do mesmo material ou estão todas sobre uma mesa são de condutividade uniforme. É claro
que a diferença aqui relevante é que os indícios a favor de uma afirmação que assevera que
uma das classes abrangidas por H possui a propriedade em causa aumentam a
credibilidade de qualquer afirmação que assevere que uma outra classe delas possui esta
propriedade; ao passo que as hipóteses legiformes têm como característica dizer respeito a
todos os corvos, ou a todos os pedaços de cobre quaisquer que sejam. A generalidade total
é então muitas vezes considerada uma condição suficiente de legiformidade; mas não é de
modo algum fácil definir esta generalidade total. Exigir simplesmente que a hipótese não
contenha qualquer termo a designar, descrever ou indicar uma coisa ou lugar particulares
não é de toda a evidência suficiente. A embaraçante hipótese de que todas as esmeraldas
são verduis não contém tal termo; e onde ocorre tal termo, como na hipótese acerca de
pessoas nesta sala, tal pode ser suprimido em favor de algum predicado (breve ou longo,

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novo ou velho) que não contenha um tal termo, mas que se aplica apenas e precisamente
às mesmas coisas. Pode então pensar-se em excluir não apenas as hipóteses que contêm de
facto termos para indivíduos específicos, mas também todas aquelas que sejam
equivalentes a outras que contêm esses termos. Mas, como vimos há pouco, excluir apenas
hipóteses das quais todos os equivalentes contêm esses termos é na verdade nada excluir.
Por outro lado, excluir todas as hipóteses que possuem algum equivalente que contém um
tal termo é excluir tudo; porque mesmo a hipótese

Toda a relva é verde

tem o equivalente

Toda a relva em Londres ou noutro lugar qualquer é verde.

O passo seguinte foi por conseguinte banir predicados de certos tipos. Uma hipótese
sintacticamente universal é legiforme, segundo esta proposta, se os seus predicados são
"puramente qualitativos" ou "imposicionais".11 Isto de nada servirá evidentemente se se
conceber então um predicado puramente qualitativo como um predicado equivalente a
alguma expressão sem termos para indivíduos específicos, ou como um predicado que não
é equivalente a qualquer expressão que contenha tal termo; porque isto apenas tornaria a
levantar as dificuldades de há pouco. A tese parece antes ser que ao menos no caso de um
predicado suficientemente simples podemos prontamente determinar, a partir de um
exame directo do seu significado, se se trata ou não de um predicado puramente
qualitativo. Mas mesmo deixando de parte as obscuridades da noção de "o significado" de
um predicado, esta tese parece-me errada. Não sei simplesmente distinguir um predicado
qualitativo de um posicional, excepto talvez incorrendo numa petição de princípio e
procurando saber se o predicado é "bem comportado" — isto é, se as hipóteses simples e
sintacticamente universais que o aplicam são legiformes.
Esta afirmação não passará sem uma objecção. "Considere-se" argumentar-se-á, "os
predicados "azul" e "verde" e o predicado "verdul" anteriormente introduzido, e também o
predicado "azerde" que se aplica a esmeraldas examinadas antes do momento t apenas no
caso de serem azuis e a outras esmeraldas, no caso de serem verdes. É com certeza
evidente", continua o argumento, "que os dois primeiros predicados são puramente
qualitativos, enquanto os dois segundos não o são, porque o significado de cada um dos
dois últimos envolve claramente uma referência a uma posição temporal específica." A isto
respondo que reconheço de facto os dois primeiros como predicados bem comportados
admissíveis em hipóteses legiformes, e os dois últimos como predicados mal comportados.
Contudo, o argumento de que os primeiros mas não os segundos são puramente
qualitativos parece-me muito fraco. É verdade que se começarmos com "azul" e "verde",
então "verdul" e "azerde" serão explicados em termos de "azul" e "verde" mais um termo

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temporal. Mas é igualmente verdadeiro que se começarmos com "verdul" e "azerde" então
"azul" e "verde" serão explicados em termos de "verdul" e "azerde" mais um termo
temporal; "verde" por exemplo, aplica-se a esmeraldas examinadas antes do momento t
apenas no caso de serem verduis, e a outras esmeraldas apenas no caso de serem azerdes.
A qualitatividade é então uma questão inteiramente relativa e não estabelece, por si,
qualquer dicotomia nos predicados. Esta relatividade parece ser completamente
descurada por aqueles que defendem que o carácter qualitativo de um predicado é um
critério para se conhecer o seu bom comportamento.
É claro que se poderá perguntar por que precisamos de nos preocupar com
predicados tão pouco familiares como "verdul" ou com hipóteses acidentais em geral, uma
vez que não é provável que os utilizaremos para fazer previsões. Se a nossa definição
funciona para hipóteses como as que são normalmente empregues, precisaremos nós de
mais alguma coisa? Num certo sentido, sim; mas só no sentido em que não precisamos de
qualquer definição, teoria da indução e de qualquer filosofia do conhecimento. Passamos
bem sem elas na nossa vida quotidiana e na investigação científica. Mas se procuramos
mesmo uma teoria, não podemos desculpar graves anomalias resultantes de uma teoria
proposta pleiteando que podermos evitá-las na prática. Os casos extravagantes que temos
vindo a considerar são casos clinicamente puros que, embora raramente encontrados na
prática, manifestam no entanto da melhor forma os sintomas de uma destrutiva e
difundida doença.
Não temos até aqui qualquer resposta ou chave promissora para uma resposta à
questão sobre o que distingue hipóteses legiformes ou confirmáveis de hipóteses
acidentais ou inconfirmáveis; e aquilo que pode ter parecido inicialmente uma dificuldade
técnica menor ganhou a estatura de um grande obstáculo ao desenvolvimento de uma
teoria da confirmação satisfatória. Este é o problema a que chamo o novo enigma de
indução.

5. O problema ubíquo da projecção


Exprimi no início desta conferência a opinião de que o problema da indução ainda está por
resolver, mas que as dificuldades com que nos confrontamos hoje já não são as mesmas de
antes; e tentei esboçar as alterações que ocorreram. O problema de justificar a indução foi
substituído pelo problema de definir a confirmação, e o nosso trabalho a este respeito
deixou-nos com o problema residual de distinguir entre hipóteses confirmáveis e
inconfirmáveis. Pode-se dizer, grosso modo, que a primeira pergunta era "Por que razão
uma instância positiva fundamenta a previsão de instâncias futuras?"; que a pergunta
mais recente era "Que é uma instância positiva duma hipótese?"; e que a pergunta crucial
remanescente é "Que hipóteses são confirmadas pelas suas instâncias positivas?".

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A grande quantidade de esforço despendido nos tempos modernos com o problema


da indução alterou então as nossas aflições mas pouco alívio ofereceu. A dificuldade
original sobre a indução surgiu do reconhecimento de que qualquer coisa se pode seguir a
qualquer outra. Então, na tentativa de definir a confirmação em termos da inversão da
relação de consequência, encontrámos a dificuldade embaraçosamente semelhante de que
a nossa definição faria qualquer afirmação confirmar qualquer outra. E agora, após
modificar drasticamente a nossa definição, obtemos novamente o velho e devastador
resultado de que qualquer afirmação confirma qualquer outra. Até encontrarmos um meio
de exercer algum controlo sobre a hipótese a ser admitida, a nossa definição não fará
qualquer distinção entre inferências indutivas válidas e inválidas.
A verdadeira inadequação da abordagem de Hume não reside no seu carácter
descritivo mas na imprecisão da sua descrição. As regularidades na experiência, segundo
Hume, dão origem a hábitos de expectativa; e são assim as previsões que são conformes às
regularidades do passado que são normais ou válidas. Mas Hume negligencia o facto de
que algumas regularidades estabelecem estes hábitos e outros não. Cada palavra que me
ouviu dizer ocorreu antes da frase final desta conferência; mas isto não cria, espero,
qualquer expectativa de que todas as palavras que me ouvirá dizer será anterior a essa
frase. Considere-se novamente o caso das esmeraldas. Todas as que foram examinadas
antes do momento t são verdes; e isto leva-nos a esperar, e confirma a previsão, de que a
próxima será verde. Mas todas as que foram examinadas são igualmente verduis; e isto
não nos leva a esperar e não confirma a previsão de que a próxima será verdul. A
regularidade do verde confirma a previsão de casos futuros; a regularidade do verdul não
confirma. Dizer então que as previsões válidas são aquelas que estão baseadas em
regularidades do passado, sem ser capaz de dizer que regularidades são essas, seria
bastante despropositado. As regularidades estão onde quer que as encontremos, e
podemos encontrá-las onde quer que seja. Como vimos, a falta de reconhecimento e
abordagem deste problema, por parte de Hume, tem sido partilhada mesmo pelos seus
sucessores mais recentes.
Em resultado, o que temos na teoria da confirmação corrente é uma definição
adequada para determinados casos que até aqui só podem ser descritos como aqueles para
os quais ela é adequada. A teoria funciona onde funciona. Uma hipótese é confirmada por
afirmações relacionadas com ela da maneira descrita, desde que seja confirmada deste
modo. Isto é um tanto como uma teoria que nos diz que a área de uma figura plana é
metade da base vezes a altura, sem nos dizer qual a figura a que isto se aplica. Temos de
alguma maneira de encontrar meios de distinguir hipóteses legiformes, às quais se aplica a
nossa definição de confirmação, de hipóteses acidentais, às quais não se aplica.
Tenho falado hoje exclusivamente do problema da indução, mas aquilo que disse
aplica-se igualmente ao problema mais geral da projecção. Como indiquei, o problema da
previsão de casos do passado para casos futuros não é mais que uma versão mais restrita

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do problema de projectar a partir de qualquer conjunto de casos para outros. Vimos que
todo um grupo de problemas embaraçantes acerca de disposições e possibilidades podem
ser reduzidos ao problema da projecção. Esta é a razão pela qual é tão importante quanto
exasperante o novo enigma da indução, que é, de maneira mais lata, o problema de
distinguir entre hipóteses projectáveis e não projectáveis.
Penso que os nossos fracassos nos ensinam que as hipóteses legiformes ou
projectáveis não podem distinguir-se com base na sintaxe apenas ou mesmo com base na
ideia de que estas hipóteses têm, de algum modo, um significado puramente geral. A nossa
única esperança é reexaminar o problema e procurar uma nova abordagem. Este será o
meu caminho na conferência final.

Nelson Goodman

Notas
1. Não obstante ser este reparo um simples aparte, talvez deva explicar a algum leitor
especialmente resguardado que a noção de uma conexão necessária entre ideias, ou
de uma proposição absolutamente analítica, não mais é sacrossanta. Alguns, como
Quine e White, atacaram-na directamente; outros, como eu próprio, baniram-na
simplesmente; e, outros ainda, começam a sentir-se profundamente desconfortáveis
a seu respeito.
2. O leitor apressado poderia supor aqui que a minha insistência na identificação do
problema da justificação como um problema de descrição entra em conflito com a
minha insistência parentética na conferência anterior de que a finalidade da filosofia
não é de todo em todo a mera descrição do procedimento científico habitual. Seja-me
permitido repetir que o que defendia na conferência anterior era que a organização
do relato explicativo não precisa de reflectir a maneira ou a ordem pelas quais os
predicados são na prática adoptados. A explicação tem com certeza de descrever a
prática, mas no sentido em que as extensões dos predicados conforme os explicamos
têm, de certo modo, de estar de acordo com as extensões dos mesmos predicados
conforme os aplicamos na prática. A explicação de Hume é uma descrição
precisamente neste sentido. Porque é uma tentativa de expor as circunstâncias nas
quais se fazem juízos indutivos que são normalmente aceites como válidos; e fazê-lo
é estabelecer condições necessárias e suficientes para a indução válida e, assim,
defini-la. O que estou a defender aqui é que o problema de justificar a indução não é
algo que exista em acréscimo ao problema de descrever ou definir a indução válida.
3. Para uma discussão mais completa acerca da definição em geral, v. o Capítulo 1 de
The Structure of Appearance.
4. O artigo fundamental é "A Purely Syntactical Definition of Confirmation", cit. in
Nota I.10. Um exame muito menos técnico é oferecido em "Studies in the Logic of

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Confirmation", Mind, n. s., vol. 54 (1945), pp. 1-26 e 97-121. Trabalhos posteriores de
Hempel e outros acerca da definição do grau de confirmação não nos dizem aqui
respeito.
5. Não estou a afirmar que esta é uma exigência indispensável para uma definição de
confirmação. Uma vez que as afirmações que aceitamos como senso comum tomadas
em combinação conduzem-nos rapidamente a conclusões absurdas, algumas destas
afirmações têm de ser abandonadas; e teorizadores diferentes podem tomar decisões
diferentes quanto às que devem ser abandonadas ou conservadas. Hempel desiste da
condição de consequência inversa, enquanto Carnap (Logical Foundations of
Probability, Chicago e Londres, 1950, pp. 474-476) abandona tanto a condição de
consequência quanto a condição de consequência inversa. Tais divergências de
pormenor entre tratamentos diferentes da confirmação não afectam a tese central
que me ocupa nesta conferência.
6. Qualquer hipótese é "apoiada" pelas suas próprias instâncias positivas; mas apoio —
ou melhor, apoio factual directo — é apenas um factor de confirmação. Este fator foi
separadamente estudado por John G. Kemeny e Paul Oppenheim em "Degree of
Factual Suport", in Philosophy of Science, vol. 19 (1952), pp. 307-324. Como se
mostrará em seguida, ocupo-me nestas conferências primariamente com outros
factores importantes de confirmação, alguns deles geralmente bastante
negligenciados.
7. Uma exposição competente e completa deste parágrafo é oferecida por Israel
Shefffler em Anatomy of Inquiry, Nova lorque, 1963, pp. 286-291.
8. O estatuto da condição de conjunção é muito semelhante à da condição de
consequência — vide nota III.5. Não obstante Carnap também abandonar a condição
de conjunção (p. 394), ele adopta, por motivos diferentes, a exigência que
constatámos acima ser necessária: que tem de ser tomada em consideração a
totalidade dos indícios disponíveis (pp. 211-213).
9. Apesar de ser usado um exemplo diferente, o argumento que se segue é
substancialmente semelhante ao apresentado na minha nota "A Query on
Confirmation", citada na nota I.16.
10. Por exemplo, obteremos igual confirmação, segundo a nossa definição actual, para a
previsão de que as rosas posteriormente examinadas serão azuis. Seja "esmerosa"
aplicado apenas a esmeraldas examinadas antes do momento t e a rosas examinadas
posteriormente. Todas as esmeraldas até aí examinadas são então verduis, e isto
confirma a hipótese de que todas as esmerosas são verduis e por conseguinte a
previsão de que as rosas posteriormente examinadas serão azuis. O problema
levantado por tais antecedentes tem sido pouco realçado, mas não é mais fácil de
resolver do que o levantado por consequentes igualmente perversos. Vide também
IV, 4 infra.

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11. Carnap seguiu esta via no seu artigo "On the Application of Inductive Logic", in
Philosophy and Phenomenological Research, vol. 8 (1947), pp. 133-147, o qual é em
parte uma réplica ao meu "A Query on Confirmation", cit. na nota I.16. A discussão
teve continuidade na minha nota "On Infirmities on Confirmation Theory",
Philosophy and Phenomenological Research, vol. 8 (1947), pp. 149-151; e em
Carnap, "Reply to Nelson Goodman", mesma revista, mesmo volume, pp. 461-462.

Tradução de Diogo Falcão


Revisão de Desidério Murcho
Digitalização de Rolando Almeida
Retirado de Facto, Ficção e Previsão, de Nelson Goodman (Lisboa: Editorial Presença, 1991, pp. 75–93).
Copyright © 1997–2010 criticanarede.com · ISSN 1749-8457
Reproduza livremente mas, por favor, cite a fonte.
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