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Nildo Viana*
Resumo:
O artigo apresenta as ideias fundamentais de Nietzsche, reconstituindo o seu pensamento como uma
totalidade coerente, apesar da falta de sistematicidade, que é oriunda de sua filosofia. O texto aponta para
a hipótese de que sua concepção é irracionalista e que a ideia fundamental de toda sua filosofia e que
fornece coerência ao seu pensamento é a da “vontade de potência”, o que é complementado com algumas
considerações críticas sobre o se pensamento.
Palavras-chave: irracionalismo, Nietzsche, vontade de poder.
Abstract:
The article presents the ideas basic of Nietzsche, reconstituting its thought as a coherent totality, although
the lack of systematic organization, that is deriving of its philosophy. The text points with respect to the
hypothesis of that its conception is irrationalist and that the basic idea of all its philosophy and that
supplies coherence to its thought is of the “will of power”, what is complemented with some critical
considerations on if the thought.
Key-words: irrationalism, Nietzsche, will of power.
*
Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG – Universidade Federal de Goiás; Especialista e
Mestre em Filosofia; Mestre e Doutor em Sociologia/UnB. Email: nildoviana@ymail.com
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pensador, gerando, inclusive, diversas repetições. Pretendemos aqui sintetizar em
poucas páginas os elementos fundamentais de seu pensamento. As repetições, no
entanto, ocorrerão, já que o pensamento de Nietzsche é bastante circular, voltando
sempre ao mesmo ponto. Mas não somente devido a isso, já que a repetição está
presente em toda sua obra, juntamente com a falta de uma maior organização do
pensamento deste filósofo, o que faz ele ir e voltar ao mesmo tema e problema, retomar
e ir adiante retomando mais uma vez.
Sendo assim, não apresentaremos, como alguns fazem, o seu pensamento em
três fases (Marton, 1993) e sim expor suas idéias fundamentais, tomando como
fundamental a sua última fase, e, as obras das demais fases são percebidas como forma
rudimentar de algumas teses desenvolvidas ali ou problemas que não recebiam ainda a
solução posterior. Em tal processo – por questão de espaço, que limita a possibilidade
de uma análise mais extensa da obra deste filósofo –, alguns temas relativamente
importantes no conjunto do pensamento de Nietzsche e outros diversos sem grande
importância terão que ser deixados de lado. Neste sentido, nossa leitura parte da
concepção de que a obra de Nietzsche forma um todo coerente, embora sua coerência
seja sui generis, isto é, marcada pela falta de sistematicidade e organização, oriunda de
sua própria filosofia, tal como colocaremos no decorrer deste texto.
A Vontade de Potência
A base da filosofia nietzschiana é o irracionalismo. Apesar de alguns
contestarem esta interpretação, o conjunto da obra deste filósofo e suas teses
fundamentais apontam para isso. O ponto de partida de Nietzsche é a crítica da
metafísica, identificado com o platonismo e outras expressões filosóficas que partem da
razão como elemento fundamental da reflexão filosófica. A chamada primeira fase de
seu pensamento expressa um filósofo iniciante buscando na filosofia e cultura existentes
manifestar suas idéias ainda em elaboração. A ligação com Richard Wagner, a
influência de Kant e principalmente Schopenhauer, expressam esta procura. A fase da
procura é desdobrada na fase seguinte, marcada pela influência positivista e pela
preocupação metodológica. No entanto, não se deve iludir com tal influência. Nietzsche
não era um positivista neste período, como alguns dizem, pois era apenas um pensador
que, durante sua busca, teve influências que, no entanto, não eram a forma do seu
pensamento e sim uma apropriação indecisa e eclética. A terceira fase é a fase da síntese
e organização do seu pensamento, embora de forma pouco organizada e sistemática, ao
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contrário de outros sistemas filosóficos produzidos por outros filósofos1. Os aforismos
são não apenas exemplo de estilo, mas de produto de uma determinada perspectiva.
A grande questão para o pensamento de Nietzsche e que é a base de sua
construção filosófica é a chamada “vontade de potência”. A origem da concepção
nietzschiana de vontade de potência remonta sua visão da Grécia antiga. A oposição
entre o dionisíaco e o socrático está na base de sua formulação de vontade de potência.
Nietzsche parte da crítica de Sócrates e da filosofia grega posterior a ele, socrática, tal
como em Platão e Aristóteles, colocando que este filósofo iniciou a longa carreira da
metafísica e originou a separação entre pensamento e vida. Neste sentido, Sócrates e
Platão são “pseudo-gregos” ou “antigregos”.
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“Rapsódico e descontínuo por temperamento, por método e por inspiração, por estranha
individualização dos momentos de sua vida, Nietzsche tinha que propor-se o que havia de mais difícil
para ele, a organização sistemática. Os livros que acompanham ou seguem ao Zaratustra (A Gaia
Ciência, Para Além do Bem e do Mal, Genealogia da Moral, etc.) são fragmentos separados de um
conjunto para o qual Nietzsche toma notas desde 1882 e que chegou ao estágio de esboço: A
Transmutação de todos os Valores ou A Vontade de Potência” (Lefebvre, 1993, p. 105-106).
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sinal de uma evolução descendente, tal como os criminólogos dizem que o tipo
criminoso é feio (Nietzsche, 1984a). Assim, o pensamento socrático e metafísico,
doravante hegemônico, substitui a unidade de pensamento e vida presente na visão de
mundo dionisíaca e realiza a decadência da filosofia, e isto vai ter continuidade no
platonismo.
A partir da oposição entre homem teórico e homem trágico, Nietzsche
considera toda a filosofia grega posterior, identificada por ele com o platonismo, como
manifestação da metafísica e do predomínio do primeiro sobre o segundo. Daí sua
crítica e negação da metafísica. Porém, o cristianismo também passa a ser alvo do
filósofo e, no entanto, não significa nada mais do que a continuação da metafísica,
segundo sua concepção. Para Nietzsche, o cristianismo é um platonismo popular, ou,
em outras palavras, um platonismo de escravos. A relação entre cristianismo e moral
dos escravos é um dos pontos básicos da filosofia nietzschiana:
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A vontade de potência não é a mesma coisa que luta pela sobrevivência. Aqui
reside um dos motivos da crítica de Nietzsche a Darwin. Darwin postula algumas teses
que entrarão em desacordo com a filosofia nietzschiana. Para Darwin, distinguindo-se
de Lamarck, o meio cumpre um papel fundamental no processo da evolução (Viana,
2003). Nietzsche irá questionar a “influência das circunstâncias exteriores”, bem como
o papel do que é útil ser preservado. Além disso, para Nietzsche, não são os mais aptos
que sobrevivem, pois estes são uma minoria que é suplantada pela maioria dos menos
aptos. A crítica nietzschiana de Darwin tem sua razão de ser a sua própria definição de
vontade de potência. Para ele, o organismo não luta pela vida, simplesmente, não busca
a mera sobrevivência. Ele quer mais. É este querer mais que é a base da vontade de
potência. Ele fornece um exemplo que ajuda a entender sua concepção:
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Segundo Nietzsche, as funções sadias de um organismo apontam todas para a luta pelo
crescimento dos sentimentos de potência.
O homem não aspira à felicidade, como coloca a psicologia, também amplamente
criticada por Nietzsche. Assim, Nietzsche diz que a planta não aspira à felicidade e as
árvores em uma floresta não lutam entre si pela felicidade e sim pela potência. Daí o seu
postulado fundamental:
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recuperar o que pode ser chamado “visão dionisíaca do mundo”2. É por isso que o
mundo grego e sua tragédia serão abordados em várias obras de Nietzsche. A base do
irracionalismo nietzschiano reside na vontade de potência.
É por isso que Nietzsche irá questionar a verdade, a metafísica, a religião. Elas
seriam nada mais que ilusões. Ou, em suas palavras, “aparências úteis”. Sua crítica da
verdade é bastante ampla e já realizamos alguns apontamentos sobre ela. “Todas as
hipóteses do mecanicismo, a matéria, o átomo, a pressão, o choque não são fatos em si,
mas interpretações com auxílio de ficções psíquicas” (Nietzsche, 2004, p. 259). Mas o
seu fundamento reside na idéia de que a vontade de potência é o princípio vital
determinante e que a realidade é um caos. Ela é, tal como já foi colocado, um processo
de forças em luta para adquirir mais força.
Em sua crítica à lógica aristotélica, ele desenvolve alguns aspectos de sua
concepção da realidade. O princípio da não-contradição é o aspecto basilar de toda e
qualquer demonstração. Este princípio, no entanto, afirma algo sobre a realidade, o que
pressupõe um conhecimento deste por outro meio, e assim tal princípio quer dizer que
não podemos atribuir princípios contrários à realidade. No entanto, também pode
significar que não devemos atribuir princípios contrários à realidade. No primeiro caso,
os axiomas lógicos correspondem à realidade; no segundo caso, são medidas para criar
o conceito de realidade como se fosse coisa real, de acordo com sua utilidade. “Ora,
para poder afirmar a primeira, impunha-se, como já indiquei, o prévio conhecimento do
ser – o que, em absoluto, não é o caso. O princípio não contém, portanto, um critério de
verdade, mas um imperativo ao tema do que deve passar por verdadeiro” (Nietzsche,
2004, p. 239). Assim, a lógica aristotélica é reduzida a uma construção ficcional e útil,
nada mais do que isso.
A verdade, por conseguinte, é também uma ficção útil. Não se trata de buscar uma
nova verdade, pois ela é tão-somente disfarce da vontade de potência.
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Este é o título de uma obra de juventude de Nietzsche, no qual ele já esboçava sua concepção de vontade
de potência: “A arte dionisíaca, por outro lado, repousa no jogo com a embriaguez, com o
arrebatamento. São dois os poderes que principalmente elevam o homem natural ingênuo até o
esquecimento de si característico da embriaguez, a pulsão da primavera (frühlingstrieb) e a bebida
narcótica. Seus efeitos são simbolizados na figura Dioniso. O principium individuations é rompido em
ambos os estados, o subjetivo desaparece inteiramente diante do poder irruptivo do humano-geral, do
natural-universal” (Nietzsche, 2005, p. 08). Em outra obra ele diz: “sou um discípulo do filósofo
Dionísio...” (Nietzsche, 1986, p. 39).
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quando a relação é estabelecida com a moral. Em Nietzsche, a
crítica nunca é uma teoria do conhecimento que tenha por
objetivo denunciar os pseudoconhecimentos, suas ilusões, seus
erros e estabelecer as condições de possibilidade da verdade, o
ideal do conhecimento verdadeiro. A novidade e a importância
do projeto nietzschiano em todas as fases de sua realização é a
crítica, não dos maus usos do conhecimento, mas do próprio
ideal de verdade; é a questão, não da verdade ou falsidade de um
conhecimento, mas do valor que se atribui à verdade, ou da
verdade como valor superior; é a negação da prevalência da
verdade sobre a falsidade (Machado, 2002, p. 51).
Para Nietzsche, o conceito é uma criação de algo igual em coisas desiguais, tal
como no exemplo da folha. O conceito de folha é algo impensável. Só se pode pensar
em tal conceito abolindo as diferenças individuais existentes. É um processo no qual se
deixa de lado o que é distintivo e cria-se uma igualação inexistente na realidade. A
verdade, assim, é uma criação de um conjunto de construções que se tornam, após longo
uso, canônicas, obrigatórias. “as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são
(...)” (Nietzsche, 1991, p. 34). A sua definição de verdade lhe retira qualquer caráter de
valor superior:
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cristianismo, fazer sofrer o outro causava um enorme prazer, era uma “verdadeira
festa”. “Ver sofrer, alegra; fazer sofrer, alegra mais ainda” (Nietzsche, 1990, p. 55).
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sociedades de ajuda mútua, etc. Os doentes possuem o instinto de se organizar em
rebanho. O sacerdote os organiza tendo por base este instinto. Os fracos buscam se unir,
os fortes se separar. Os fracos se unem por prazer, os fortes para uma ação comum
mesmo que isto lhes contrariem. A ciência moderna se revela o melhor auxiliar do ideal
ascético, por isso seria vão buscar nela um antídoto para tal doença. O ideal ascético foi
purificado, espiritualizado, polido.
A moral, portanto, é sinal da decadência. Nietzsche, ao negar a moral produz um
imoralismo. A crítica da moral que se vê em diversas obras de Nietzsche, e que se
manifesta principalmente como crítica do cristianismo (Nietzsche, 2004b; Nietzsche,
2000a; Nietzsche, 2000b), busca revelar suas origens nas classes inferiores. A moral e
os seus valores considerados “superiores” são negados e em seu lugar Nietzsche propõe
a transmutação de todos os valores. Isso significa abandonar a moral e os valores que
ela prega, tal como o amor ao próximo, e em seu lugar instaurar o imoralismo, a recusa
da moral enquanto valor e novos valores, os do homem nobre, ou melhor, o do super-
homem.
A idéia de super-homem é o desfecho final da filosofia nietzschiana. O super-
homem é aquele que está além do bem e do mal (Nietzsche, 2000b), é o que assume a
vontade de potência e busca realizá-la abandonando qualquer moral. O homem superior
nega a moral do populacho e decreta a morte de Deus. Quando se diz “somos todos
iguais perante a Deus”, ele retruca: Deus está morto. Quando se diz: “somos todos
iguais diante do populacho”, ele retruca: “perante o populacho não queremos ser iguais”
(Nietzsche, 1984b, p. 217). A idéia de super-homem é a idéia da aristocracia que não se
envergonha de si, de seu poder, de sua vontade de potência, que não quer a paz, mas a
guerra. Assim, o imoralismo abre espaço para a defesa do super-homem, o homem além
do bem e do mal, que exerce conscientemente sua vontade de potência. Assim falava
Nietzsche.
Considerações finais
A obra de Nietzsche é extensa, apresentando uma diversidade de livros. Porém, tal
obra é perpassada pela mesma idéia chave que é a da vontade de potência. A base de
toda a filosofia nietzschiana é a vontade de potência. Sem dúvida, poderíamos colocar
que os problemas psíquicos deste pensador tenha sido a fonte de sua filosofia, mas isto
apenas explicaria a motivação de tal filosofia, mas não suas teses fundamentais, seus
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desdobramentos, suas limitações. A loucura pode explicar Nietzsche e a motivação de
sua filosofia, mas não é suficiente para a sua análise enquanto filosofia.
A vontade de potência, idéia chave de Nietzsche, é uma cosmologia que não tem
nenhuma fundamentação além das próprias palavras do pensador que a produziu. Sem
dúvida, em certo sentido, existem elementos na realidade que coincidem com a tese
nietzschiana. Porém, enquanto doutrina universal da vida, a concepção de Nietzsche se
revela infundada e muito pobre. Trata-se de mera especulação que não dá conta da
realidade que busca expressar. E é com base nesta filosofia especulativa da vida que ele
irá produzir sua concepção irracionalista e imoralista.
O irracionalismo nietzschiano possui dois problemas fundamentais. O primeiro é
a sua recusa da verdade, que é em si uma contradição. Ao afirmar que não existe a
verdade e ela sendo apenas manifestação de uma ficção útil, então o seu postulado não é
verdadeiro, é tão fictício quanto qualquer outro postulado. Poder-se-ia dizer que isto não
é uma contradição, pois é uma confirmação do seu postulado, a da inexistência da
verdade. Assim como todas as demais pretensas verdades, a idéia nietzschiana é uma
ficção útil e nada mais. Porém, aqui se mantém a tese da veracidade do seu ponto de
partida.
A idéia nietzschiana da inexistência da verdade seria verdadeira, ou seja, isto é
uma contradição insolúvel. Também é possível se argumentar, em defesa de Nietzsche,
que ele condena a lógica aristotélica e o postulado da não-contradição. Sem dúvida, mas
isto não anula a contradição de seu discurso e que dizer que não pode haver contradição
na realidade é uma coisa, e dizer que não pode haver contradição no discurso é outra
coisa. Caso pudesse haver contradição nos discursos, a comunicação humana estaria
inviabilizada. Nietzsche cai em contradição e isso mostra a fragilidade de suas bases
filosóficas.
Mas a idéia de ficção útil deve atingir também o seu postulado de vontade de
potência. Se a idéia de uma “vontade de potência” é uma ficção útil, então ela não é
verdade e logo não pode ser base para a existência de diversas outras ficções. Sendo
assim, o seu discurso é autofágico, destrói a si mesmo. Ao mesmo tempo é revelador, no
sentido de que ele mostra que ele criou ficções úteis para ele, de acordo com a vontade
de potência que ele, enquanto indivíduo, possuía, para justificar e legitimar o seu
irracionalismo e imoralismo.
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O segundo problema fundamental da filosofia nietzschiana é a sua teoria da
realidade como caos de forças em busca de mais força, que não é comprovada em lugar
algum, combinada com a recusa do conceito. Não se pode dizer “a folha”. Sem dúvida,
Nietzsche comete o equívoco de considerar uma palavra qualquer com um conceito, o
que significa desconhecer a diferença entre linguagem comum e linguagem complexa
(científica, filosófica, etc.)3. Mas deixando isto de lado e partindo para sua afirmação,
ela tem como postulado fundamental a diferença absoluta entre os seres. Tal diferença
absoluta é apenas uma invenção nietzschiana. As folhas, concretas, são diferentes, sem
dúvida. Porém, não possuem apenas diferenças. Também possuem semelhanças. É
devido a estas semelhanças que se torna possível chamar de folha um conjunto de folhas
diferentes. Os macacos são seres singulares, diferentes, mas que possuem semelhanças e
por isso podemos qualificá-los como macacos.
Além disso, Nietzsche cai em nova contradição, pois, ao declarar a
impossibilidade do conceito, ele demonstra que sua própria filosofia é uma
impossibilidade, pois os termos que ele utiliza e generalizações que realiza através
deles, tal como moral, aristocracia, escravos, vontade de potência, judeus, mulheres,
bem, mal, perspectiva, etc., é exatamente o processo de igualação que ele havia
criticado. A realidade não é o caos. Este suposto caos é uma atribuição que Nietzsche
lhe dá.
Neste sentido, se o postulado da vontade de potência é uma filosofia especulativa
da vida sem base concreta e se o irracionalismo que lhe é derivado não se sustenta,
então o seu imoralismo também cai por terra, bem como os seus corolários, tal como a
transmutação de todos os valores e o super-homem. A moral não é uma produção
apenas dos escravos. Nietzsche forçou a história para dizer o que queria dizer. A sua
tese se fundamenta na origem etimológica da palavra bom, o que não se sustenta, pois a
mutação do sentido de uma palavra nunca ocorre isoladamente, o que significa que ele
deveria ter analisado a mutação social e lingüística mais ampla para entender o real
significado da mudança.
A falta de senso histórico em Nietzsche, apesar de tentar realizar uma genealogia
e uma história natural da moral, é visível4. Ele nunca se dispôs a ir até a realidade
3
Isto não deixa de ser estranho, tendo em vista sua formação em filologia, que sempre o influenciou,
inclusive em sua Genealogia da Moral, no qual busca descobrir a origem da palavra bom.
4
“Desgraçadamente, Nietzsche não ligou sua teoria das ilusões ideológicas a uma doutrina coerente da
história e da prática social. Não foi, pois, além das categorias mistificadas e já rechaçadas, há muito
tempo, pelo pensamento crítico. Quando critica largamente as teorias morais do homem e da história,
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concreta, preferiu se refugiar, como a filosofia em geral faz, em especulações. Sua
suposição de uma classe aristocrática e de escravos não possui historicidade, não
apresenta o seu momento de surgimento e nem sua superação na sociedade moderna e
nas mudanças que ocorreram devido a isso. Sua concepção é a-histórica. Mas além de a-
histórica, não é fundamentada, pois sua genealogia é apenas uma atribuição bastante
superficial de significados a alguns poucos acontecimentos históricos selecionados por
ele. O seu imoralismo se fundamenta numa crítica da moral que é limitada e que não se
sustenta.
Apesar de todas estas limitações e problemas5, a filosofia de Nietzsche tem algum
valor. Sem dúvida, sua genealogia da moral serve como elemento de contribuição para
uma história da moral e suas bases sociais, desde que ganhando precisão e historicidade
e abandonando os preconceitos do filósofo. O mesmo se pode dizer de seu
perspectivismo, que é uma contribuição para se pensar as bases do pensamento e suas
fontes sociais, algo que ele não desenvolveu devido o seu apego a sua tese metafísica da
diferença absoluta e da vontade de potência. Desta forma, tal como Scheler e outros
filósofos, Nietzsche oferece uma certa contribuição para o que alguns chamam
“sociologia do saber”, ou, mais exatamente, para uma história da consciência social.
Porém, no conjunto, a obra de Nietzsche é bastante limitada, apesar do seu
sucesso. A razão de tal sucesso tendo em vistas as referidas limitações seria um outro
tema para estudo, o que não nos propomos aqui. Em síntese, a filosofia de Nietzsche é
uma concepção metafísica da vida que quis dar conta da totalidade das manifestações
culturais e que fracassou por partir de bases equivocadas.
quando mostra que a história não foi um idílio espiritualista, descobre o mediterrâneo. Seu pensamento
retorna ao tempo de Kant e de Fichte. Não percebe as aquisições fundamentais do hegelianismo. Faz
assim, inconscientemente, obra de vulgarização, algumas vezes demasiado zeloso, do imoralismo
implícito na dialética histórica de Hegel. Apesar de sua audácia, não está à frente de sua época, mas
atrás. Por outra parte, experimentou constantemente a tentação de isolar a ilusão ideológica. Não via
claramente os fundamentos históricos e práticos da consciência e se limitava a psicofisiologia”
(Lefebvre, 1993, p. 166-167).
5
Claro que poderíamos também expor as raízes sociais do seu pensamento e suas ligações com sua época.
Porém, não é objetivo do presente trabalho. Um esboço desse tipo de análise pode ser consultado e se
encontra em Henri Lefebvre, que afirma que Nietzsche fez um balanço, do ponto de vista espiritual, da
etapa imperialista da sociedade moderna: “porém, sua crítica não sai do imperialismo. Sua teoria da
vontade de potência, seu esforço por isolar a violência pura e apresentá-la como criadora da história, faz
dele, em certo sentido, um filósofo do imperialismo” (Lefebvre, 1993, p. 151).
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Bibliografia
MOURA, Carlos. Nietzsche: Civilização e Cultura. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
NIETZSCHE, Friedrich. A Visão Dionisíaca do Mundo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
NIETZSCHE, Friedrich. Cinco Prefácios para Cinco Livros não Escritos. 2ª Edição, Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2000.