ANTECEDENTES Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Engenharia São Paulo 2003 LEONIDAS RAMOS PANDAGGIS UMA LEITURA DA ÁRVORE DE CAUSAS NO ATENDIMENTO DE DEMANDA DO PODER JUDICIÁRIO: UM FLUXOGRAMA DE ANTECEDENTES Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Engenharia Área de Concentração: Engenharia Mineral Orientador: Prof. Titular Sérgio Médici de Eston São Paulo 2003 Este exemplar foi revisado e alterado em relação à versão original, sob responsabilidade única do autor e com a anuência de seu orientador. São Paulo, de de 2003. Assinatura do autor ____________________________ Assinatura do orientador _______________________ FICHA CATALOGRÁFICA Pandaggis, Leonidas Ramos Uma leitura da árvore de causas no atendimento de demanda do Poder Judiciário: um fluxograma de antecedentes / L.R. Pandaggis. – ed.rev. -- São Paulo, 2003. 151p. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo. 1.Acidentes de trabalho (Investigação; Análise; Métodos de avaliação) 2.Morte do empregado 3.Fluxograma de antecedentes 4.Jurisprudência trabalhista I.Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo II.t. Ao seu Péricles, meu pai. À dona Marina, minha mãe. Ao Márcio e à Ivone, meus tios, pela acolhida. AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundacentro, por incentivar seus recursos humanos na busca do conhecimento e por representar, mais que meu local de trabalho, uma possibilidade de realização profissional. Ao Prof. Titular Sérgio Médici de Eston, orientador da presente dissertação, pelo crédito, compreensão e apoio que me deu durante sua realização. Ao Dr. Dorival Barreiros, por ter atuado como co-orientador de forma continuada, contribuindo com suas críticas bem elaboradas para o aprendizado que a feitura deste trabalho me rendeu. Ao Prof. Dr. Homero Delboni Jr. agradeço pelo senso de justiça na providencial intervenção que me salvou das conseqüências de um erro humano. Ao Dr. Wilson Siguemasa Iramina, pela postura amiga e pelas importantes contribuições dadas no Exame de Qualificação. Aos colegas de trabalho Gerrit Gruenzner, Itamar de Almeida Leandro, Rogério Galvão da Silva e José Damásio de Aquino pelo importante companheirismo que me acompanhou nessa jornada, ao Lourenil Aparecido Ferreira, pela dedicação e competência na elaboração de algumas figuras que ilustram este trabalho e aos demais colegas que, de uma forma ou de outra, colaboraram comigo. À Maria Cristina Martinez Bonésio, pela contribuição na apresentação das referências bibliográficas. À minha esposa Fátima pelo carinho e apoio em todas as horas e aos meus filhos Marina e Yvan Thales, pela compreensão nos muitos momentos que o estudo me subtraiu de sua companhia. RESUMO O acidente de trabalho fatal é evento que, por conta da magnitude do impacto que impõe aos envolvidos, direta ou indiretamente, mobiliza diversas instituições do Estado e da sociedade civil organizada. Uma dessas instituições representa a Justiça, mesmo porque toda morte violenta enseja a abertura de um inquérito policial. A presente dissertação apresenta um estudo de caso que consiste na investigação e análise de um acidente de trabalho fatal encaminhado à FUNDACENTRO pelo Ministério Público do Trabalho, bem como os desdobramentos dessa investigação. O estudo de caso realizado buscou avaliar a possibilidade de aplicar o método da árvore de causas em contexto alheio àquele recomendado por seus propositores. Discutiram-se algumas concepções causais para o acidente de trabalho; apresentou-se o método da árvore de causas, uma aplicação prática de alguns de seus fundamentos conceituais e o produto obtido na forma de um fluxograma de antecedentes. Também são apresentados alguns elementos importantes da legislação pertinente ao tema, tanto no âmbito trabalhista como na esfera civil e criminal. Os resultados da análise promovida com suporte do método da árvore de causas serviram de base para o Ministério Público Federal formular e firmar com a empresa local do acidente investigado um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Isso fez com que a Justiça, além de bem cumprir seu papel, repercutisse sua ação em benefício da prevenção de acidentes do trabalho. ABSTRACT Fatal accidents in the workplace is an event which has a broad impact over those involved and because of that its call the attention of different government entities as well as other organized stakeholders. The Judiciary represents one of these government entities which is mobilized because each fatal accidents requires a police inquiry which later on turn out to be the base for a due process. This dissertation presents a case study of a fatal workplace accident investigation undertake by FUNDACENTRO under the request of the Federal Prosecutors/Ministério Público do Trabalho as well as the decision making afterwards. An attempt was made to apply the causal tree method to investigate the fatal accidents studied under conditions not recommend by its authors. Different causal workplace accidents conceptions were discussed; the causal tree method and its practical purpose and conceptual assumption were presented as well as the causal factors chart showing the events that lead to the fatal accident studied. The incrimination connection of the health and safety due of care under the Brazilian civil and criminal law framework was presented as well. The results of the accident investigation obtained by applying the causal tree method were used by the Federal Prosecutors/Ministério Público Federal to formulate and to establish a formal and legal agreement with the company where the accidents took place in order to promote and improve occupational health and safety and health in place. As a result of this agreement, the judiciary not only acted to prevail its role but also contributes to promote health and safety prevention at the workplace. SUMÁRIO Lista de abreviaturas e siglas Lista de figuras Lista de fotos Lista de quadros Lista de tabelas 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................1 1.1 Estrutura do texto...................................................................................... 5 2 OBJETIVOS..........................................................................................................7 2.1 Objetivo geral ............................................................................................7 2.2 Objetivos específicos..................................................................................7 3 JUSTIFICATIVA..................................................................................................8 4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS À INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO E O MÉTODO DA ÁRVORE DE CAUSAS................................................................................................................. 25 4.1 A teoria dos sistemas e as árvores............................................................ 32 4.2 A árvore de causas..................................................................................... 44 4.2.1 Os fundamentos do método .......................................................... 46 4.2.2 A atividade como unidade de análise........................................... 52 4.2.3 A variação dos componentes......................................................... 53 4.2.4 Coleta e organização dos dados.................................................... 54 4.2.5 As relações entre as variações dos componentes......................... 56 4.2.6 O diagrama.....................................................................................59 4.2.7 Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas .......... 60 4.3 A causalidade dos acidentes de trabalho................................................. 63 5 A LEGISLAÇÃO ..................................................................................................91 5.1 A legislação trabalhista............................................................................. 99 5.2 A responsabilidade civil e criminal pelo acidente de trabalho .............. 101 6. METODOLOGIA.......................................................................................................109 6.1 Estudo de caso............................................................................................ 110 6.2 A coleta de dados ....................................................................................... 112 6.2.1 O contexto.......................................................................................113 6.2.2 As fontes..........................................................................................117 6.3 Descrição dos antecedentes....................................................................... 118 7 RESULTADOS......................................................................................................119 7.1 A investigação ............................................................................................ 119 7.2 Inventário de antecedentes ....................................................................... 120 7.3 Fluxograma de antecedentes .................................................................... 122 7.4 Descrição dos elementos constantes no fluxograma de antecedentes e de seu encadeamento lógico............................................. 124 7.5 O termo de compromisso de ajustamento de conduta ........................... 135 8 DISCUSSÃO..........................................................................................................136 9 CONCLUSÕES.....................................................................................................141 LISTA DE REFERÊNCIAS................................................................................. 144 Lista de abreviaturas e siglas AAF Análise de árvore de Falhas ABIQUIM Associação Brasileira da Indústria Química AFT Auditor Fiscal do Trabalho AMFE Análise de Modos de Falhas e Efeitos BSI British Standards Institution CAT Comunicação de Acidente de Trabalho CCOHS Canadian Centre for Occupational Health and Safety CIPAMIN Comissão Interna de Prevenção de Acidentes na Mineração EUA Estados Unidos da América HSE Health and Safety Executive IMD International Institute for Management Development INRS Institut National de Recherche et de Sécurité INSS Instituto Nacional do Seguro Social NR Norma Regulamentadora OIT Organização Internacional do Trabalho PIB Produto Interno Bruto UNESP Universidade Estadual Paulista Lista de Figuras Figura 1. Relação entre competitividade e padrão de segurança no trabalho. ..........18 Figura 2. A causalidade dos acidentes segundo o CCOHS.......................................27 Figura 3. Árvore de Falhas para sistema de alarme de fogo domiciliar....................39 Figura 4. Árvore de causas de um acidente com caminhão fora-de-estrada.............42 Figura 5. Os cinco fatores de Heinrich da seqüência do acidente.............................66 Figura 6. Elemento chave de Heinrich para a prática da prevenção. ........................67 Figura 7. Estágios no desenvolvimento e investigação de um acidente organizacional. ........................................................................................69 Figura 8. Modelo de acidente organizacional de Reason..........................................70 Figura 9. Anexo II da Norma Regulamentadora 5 vigente até 1999. .......................74 Figura 10. Classificação das causas no estudo de Heinrich (1941). .........................79 Figura 11. O Ciclo da Culpa. ....................................................................................82 Figura 12. Algoritmo de Reason - Algoritmo que permite diferenciar os tipos de comportamentos quanto à intencionalidade. ...........................................87 Figura 13. Fluxograma de Antecedentes...................................................................123 Figura 14. Croqui do local do acidente.....................................................................130 Lista de fotos Foto 1. Um incidente com veículos leve e pesado em mina a céu-aberto...................29 Foto 2. Posição assumida pela empilhadeira após a queda .......................................124 Foto 3. Caixa de papelão sobre um pallet junto ao pilar ...........................................126 Foto 4. Marca deixada na plataforma pela empilhadeira...........................................127 Lista de Quadros Quadro 1. Distinções no custo de acidentes e doenças relativas ao trabalho propostas por Dorman (2000) .................................................................16 Quadro 2. Quadro de registro de variações...............................................................55 Quadro 3. Representação dos tipos de ligações entre antecedentes no diagrama.....59 Lista de Tabelas Tabela 1. Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados segundo sua classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000..........................9 Tabela 2. Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados segundo conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000...............................10 Tabela 3. Distribuição das “causas apuradas” para os 125 acidentes de trabalho investigados .............................................................................................75 Tabela 4. Distribuição das “medidas propostas” para os 125 acidentes de trabalho investigados ...............................................................................76 Tabela 5. Distribuição dos 125 acidentes investigados segundo a conclusão da empresa quanto às causas ........................................................................77 Tabela 6. Distribuição das responsabilidades pela ocorrência nos 125 acidentes de trabalho investigados ..........................................................................78 0 1 INTRODUÇÃO O trabalho é a principal atividade humana. A vida em sociedade é estruturada em função do trabalho, de maneira que a relação estabelecida entre o indivíduo e sua ocupação é um determinante na forma como se dá a sua inserção no meio social. A organização da sociedade é marcantemente definida por relações de trabalho, sendo os valores sociais do trabalho um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme enuncia o Artigo 1º do Título I (Dos Princípios Fundamentais) da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 (Brasil, 1988). Entre os diversos aspectos das relações sociais de trabalho, a área da segurança e saúde no trabalho é a mais importante porque sem ela nenhuma outra faz sentido. Quando, na sociedade capitalista, o indivíduo vende sua força de trabalho a outro, está transacionando apenas sua capacidade de trabalho; a saúde do ser humano não pode ser considerada como simples material de consumo ou passível de ser valorada1. Entre os fenômenos de caráter técnico e/ou social que assinalam a presença humana no mundo do trabalho, as doenças e os acidentes incapacitantes e fatais ocupam papel de destaque pela forma que repercutem na sociedade. A ocorrência de um desses eventos impacta negativamente o trabalhador, vítima da doença ou do acidente, sua família, sua equipe de trabalho, seu grupo social, a empresa e, por fim, a sociedade como um todo. Ao trabalhador vitimado cabe suportar o primeiro e principal encargo gerado pelo acidente, que se materializa na incapacitação temporária ou permanente para o trabalho, quando não lhe provoca a morte. Nos casos de acidentes fatais, esse impacto estende-se imediatamente para a esfera familiar do trabalhador. 1 Na legislação trabalhista vigente no Brasil, a exposição a agentes ambientais nocivos à saúde implica ao trabalhador percepção de adicional pecuniário variável com a gravidade da exposição. 1 Muitas vezes as famílias se desestruturam ao se verem, subitamente, subtraídas em seus arrimos, que podem estar ou não cobertos pelo sistema de seguridade social. Mesmo que o Estado, ao cumprir a legislação previdenciária com a massa de trabalhadores segurada, procure suprir o aspecto financeiro das carências impostas à família da vítima, as perdas, vistas de uma forma abrangente, têm caráter permanente e de impossível valoração. Onde essa valoração é possível, como no poder aquisitivo, estudos comprovam o empobrecimento das famílias que vivenciam um acidente de trabalho com um de seus membros (International Labour Organization, 2003). Para as empresas, o acidente significa perdas que se iniciam com os custos imediatos do acidente e se propagam de múltiplas maneiras pelos diversos aspectos da administração. Entre os prejuízos provocados pelos acidentes de trabalho, os aspectos econômicos envolvidos impõem a temática entre as prioridades da administração empresarial com a força de fator que pode por em jogo a sobrevivência da organização, ao expor ao risco os recursos humanos e materiais que são imprescindíveis a sua operação. A mensuração do impacto do acidente nos múltiplos elementos mobilizados pelo sistema de gestão da empresa pode ser complexa, gerando resultados de representatividade limitada, inexatos. Efeitos de impossível quantificação atingem as equipes de trabalho que sofrem uma perda da magnitude daquela representada por um acidente fatal. Da mesma maneira, é impossível quantificar o grau de comprometimento da imagem da empresa perante o publico interno e externo quando da ocorrência de um evento dessa natureza. A impossibilidade de uma exata valoração se configura na difícil delimitação dos prejuízos relacionados ao acidente de trabalho que podem, em função da abordagem adotada, contemplar facetas da problemática não passíveis de quantificação; seriam os impactos de mérito subjetivo, como aqueles de cunho psicológico e/ou social, presentes em outro ambiente que não o meio ambiente de trabalho. Não dá para transformar a perda de um ente querido em números; esse sentimento não gera estatísticas, embora seja o mais importante para a condição humana. 2 Os prejuízos mais importantes relacionados aos acidentes de trabalho, segundo Dorman (2000) incluem o dano físico imposto à vítima, o custo emocional para a família da vítima e sua comunidade e o comprometimento de valores sociais como a justiça e a solidariedade. Enquanto fenômeno social, o acidente de trabalho expõe múltiplas dimensões; não se restringe ao ambiente de trabalho; é mais que uma disfunção ou não conformidade2 do sistema produtivo. Quando a essa dimensão técnica do acidente acopla-se a existência de uma vítima fatal ou gravemente lesionada, a questão extrapola os muros da empresa e adquire os contornos de uma questão social. São essas características que implicam à problemática social do acidente de trabalho a intervenção das Instituições do Estado que operam na defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade. A inserção do indivíduo na sociedade guarda várias dimensões. Ele é o arrimo de família, o trabalhador, o empregado, o associado, o segurado, o contribuinte etc. Dessa forma, o que ocorre em cada dimensão da vida do indivíduo em sociedade tem reflexos no campo de atuação das instituições do Estado, como aquelas pertencentes à Justiça, ao sistema de seguridade social e aquelas dedicadas às questões específicas das relações de trabalho, como as Delegacias Regionais do Trabalho3, que fiscalizam, entre outros aspectos, as condições nas quais o trabalho é realizado. 2 Não conformidade é qualquer desvio dos padrões de trabalho estabelecidos, das práticas, dos procedimentos, das normas, do desempenho do sistema etc. que podem levar direta ou indiretamente a danos ou prejuízos à propriedade, ao meio ambiente de trabalho ou a combinação destes (British Standards Institution, 1999). 3 A atribuição das Delegacias Regionais do Trabalho, no que diz respeito à fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, está consignada no inciso I do Artigo 156 da Lei Nº 6.514 de 22 de dezembro de 1977, que alterou o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à Segurança e Medicina do Trabalho. 3 A ocorrência de qualquer morte acidental provoca a abertura de um inquérito policial, primeira peça jurídica inerente a esse tipo de ocorrência. O inquérito policial é, dentro dos autos de um processo, uma peça de caráter essencialmente informativo; pode ser definido como um conjunto de atos e diligências que visam apurar alguma coisa. Nele, após a identificação da vítima, são catalogados os dados relativos às evidências dos fatos, que situarão a ocorrência física e temporalmente, além de trazer os depoimentos de testemunhas eventualmente arroladas. Os dados que compõem o inquérito policial são complementados pelas informações geradas pela intervenção da Polícia Técnica no caso. A qualidade dessas informações agrupadas em um laudo pericial será de grande importância àqueles que se ocuparão da leitura e interpretação do relato sobre as evidências coletadas com o fito de reconstituir e compreender as circunstâncias que redundaram no acidente fatal ali tratado. À Justiça, além do interesse imediato em apurar eventuais responsabilidades, também é possível, e isso cada vez mais amiúde ocorre, a intervenção no sentido de corrigir irregularidades que possam ser apontadas em um laudo técnico (Ussier, 2002). As Instituições do Estado apresentam intersecções no que diz respeito às suas áreas de atuação. Entretanto, essas intersecções nem sempre são explícitas. O papel do agente público ora é de punição, ora de investigação, sindicância, ora de correção. O reconhecimento dos espaços comuns entre as instituições no desempenho de seu mister é primeira condição necessária ao estabelecimento de um inter-relacionamento sinérgico entre elas, através da operacionalização de modelos cooperativos de atuação. A análise aprofundada do acidente de trabalho cumpre o papel de esclarecer as causas indo além daquelas mais evidentes e próximas da ocorrência. É manifesto que a acuidade da reconstituição dos eventos repercute na qualidade e capacidade de julgamento de quem cabe fazê-lo. Entretanto, o interesse na maior acuidade na elucidação das circunstâncias envolvidas no acidente não deve atender, necessariamente, apenas o propósito de 4 apurar eventuais responsabilidades. A caracterização de situações propícias a acidentes ou de fatores potenciais de acidentes também pode ensejar a concepção e implementação de proteções e cautelas no ambiente de trabalho. Assim, a incorporação ao processo judicial de uma análise do acidente com visão sistêmica, que aumente a capacidade de identificação da multiplicidade de fatores envolvidos, será de grande valia para que condições de trabalho propícias a acidentes sejam transformadas, removendo-se os fatores potenciais de acidentes identificados ou para eles estabelecendo as cautelas adequadas. É certo que a principal perda provocada por um acidente fatal é irrecuperável, no entanto, seria grave omissão negar a existência de possível aprendizado decorrente da ocorrência. Conforme asseverou a Flight Safety Foundation: “Ter um acidente é infeliz. Ter um acidente e dele nada aprender é imperdoável” (Gibb; Hayward; Lowe, 2001). 1.1 Estrutura do texto Esta dissertação apresenta-se estruturada, capítulo a capítulo, da maneira que se segue: O capítulo 2 explicita os objetivos geral e específicos estipulados para este estudo. O capítulo 3 traz a discussão sobre os impactos negativos que o acidente do trabalho provoca e o conseqüente interesse na otimização da capacidade de intervenção e transformação que os agentes públicos e suas respectivas instituições detém em relação às condições de trabalho. Esse capítulo procura constituir-se uma justificação. O capítulo 4 é formado pela apresentação de elementos teóricos e práticos imprescindíveis à investigação e análise dos acidentes de trabalho; apresenta-se resumido histórico da aplicação da teoria dos sistemas na prevenção de acidentes e do desenvolvimento das árvores como ferramenta analítica (é feita uma comparação entre as duas árvores: a de falhas e a de causas), além de uma visão panorâmica sobre 5 os principais modelos causais dirigidos ao acidente do trabalho. Nesse capítulo, entre as ferramentas citadas, é dado destaque ao método da árvore de causas. No capítulo 5 são apresentados alguns rudimentos da teoria jurídica aplicada à segurança e saúde no trabalho. O capítulo 6 procura expor a abordagem adotada e os elementos que compõem o problema estudado, de forma que fique clara a opção metodológica pelo estudo de caso. O capítulo 7 é ocupado pelos resultados que são: realização da investigação e análise do acidente de trabalho ocorrido com a apresentação de um diagrama que foi chamado de fluxograma de antecedentes; o conseqüente atendimento à demanda do Ministério Público do Trabalho de forma que se lhe foram apresentados elementos importantes à elaboração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta dirigido à empresa local do acidente e com esta firmado. O principal conteúdo desse documento é apresentado em item específico desse mesmo capítulo. O capítulo 8 é reservado à discussão do trabalho realizado e o capítulo 9 traz as conclusões acerca desta dissertação. 6 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral O objetivo geral da presente dissertação é estudar a aplicabilidade do método da árvore de causas no atendimento de demanda do Poder Judiciário relativa à análise de acidente de trabalho fatal. 2.2 Objetivos específicos a) Atender demanda do Poder Judiciário relativa à análise de acidente de trabalho fatal, de maneira que os fatos sejam esclarecidos e o julgamento das partes envolvidas seja aprimorado. b) Identificar as limitações que o problema proposto importa à aplicação do método da árvore de causas e discutir as possibilidades de superação dessas limitações. c) Gerar subsídios passíveis de utilização pelo Ministério Público do Trabalho na formulação de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta ou diligências que cumpram papel semelhante junto à empresa onde ocorreu o acidente fatal objeto do inquérito. 7 3 JUSTIFICATIVA A severidade das conseqüências que o acidente de trabalho importa para os atores sociais envolvidos mais diretamente com sua ocorrência, como a vítima, sua família e respectivo grupo social lhe atribui caráter de interesse difuso e coletivo para a sociedade. Um dos impactos de repercussão imediata para a sociedade em geral se consubstancia nos encargos financeiros para o sistema de seguridade social. Tendo como agravante de contorno o fato da histórica suspeição quanto à sua incompletude em relação aos dados reportados sobre os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, as estatísticas que o Brasil apresenta nessa área trazem índices inaceitáveis para um país que quer combater a iniqüidade social e buscar o desenvolvimento sustentado. É fato amplamente divulgado e reconhecido, inclusive no âmbito internacional (Ávila; Castro; Mayrink, 2002), que obter informações acerca da totalidade dos acidentes ocorridos nas empresas é missão de difícil execução, pois há uma postura deliberada em não comunicar muitas ocorrências. Assim, vê-se que não é problema exclusivo do nosso País a ausência de um sistema eficiente de notificação dos acidentes do trabalho, que abranja 100% dos eventos passíveis de comunicação. Ávila; Castro; Mayrink (2002) afirmam que: “...No entanto, apesar dos avanços em termos de levantamento de informações, ressalte-se que os dados oficiais não englobam o mercado informal, os funcionários públicos com regime próprio de previdência e os militares. Ou seja, o real número de acidentes do trabalho certamente é maior, entretanto, não há fontes disponíveis para mensurá-lo”. Não obstante a subnotificação, os dados estatísticos do Ministério da Previdência e Assistência Social sobre acidentes do trabalho já se mostram demasiadamente elevados. Os dados principais, para o período compreendido entre 1996 e 2000 estão nas tabelas 1 e 2, a seguir: 8 Tabela 1 Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados4 segundo sua classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000. Classificação do acidente Típico5 Trajeto6 Doença do Trabalho7 Total 1996 325.870 34.696 34.889 395.455 1997 347.482 37.213 36.648 421.343 1998 347.738 36.114 30.489 414.341 1999 326.404 37.513 23.903 387.820 2000 283.193 38.982 17.470 363.868 Ano Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002). 4 Os acidentes registrados correspondem ao número de acidentes cujos processos foram abertos administrativa e tecnicamente pelo Instituto de Seguridade Social. São dados oriundos das Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT registradas nos postos da Instituição. 5 Acidentes típicos são aqueles que acontecem no exercício do trabalho ou que decorrem da extensão do conceito inserido na Lei 8.213/91. 6 Acidentes de trajeto são aqueles que acontecem no percurso entre a residência e o trabalho. 7 Doença do trabalho inclui as chamadas doenças profissionais, conforme relação específica da Previdência Social, e aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. 9 Tabela 2 Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados8 segundo conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000. Conseqüência Incapacidade Temporária Incapacidade Permanente Óbito Total 1996 375.495 18.233 4.488 448.898 1997 362.712 17.669 3.469 440.281 1998 333.234 15.923 3.793 408.636 1999 345.034 16.757 3.896 420.592 2000 304.352 14.999 3.094 376.240 Ano Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002). Segundo Baumecker; Faria; Barreto (2003) para que seja potencializada nossa capacidade de prevenção é necessário que sejam melhorados nossos conhecimentos sobre os acidentes de trabalho; para tanto são necessárias algumas providências, como: “garantir a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho para todos os universos abrangidos pelo Seguro de Acidente de Trabalho, incluindo assim os contribuintes individuais, os trabalhadores domésticos, os empregadores (que efetivamente trabalham), os trabalhadores por conta própria que totalizam 5.964.471. A forma para a emissão dessa Comunicação de Acidente de Trabalho seria a mesma dos segurados especiais (auto-emissão com avaliação da perícia) que já integram o sistema do Seguro de Acidente de Trabalho. Todos esses segurados já têm benefícios no caso de acidentes de trabalho, somente não são enquadrados como tais; definir a comunicação obrigatória dos acidentes de trabalho dos servidores públicos 8 Acidentes de trabalho liquidados representa o número de processos de acidentes de trabalho liquidados, em um determinado ano. Sempre existe uma diferença entre o número de acidentes registrados e o número de acidentes liquidados, especialmente por causa da duração dos procedimentos e de processos que são reavaliados. 10 (estatutários e militares) o que incluiria no sistema de informação mais 4.732.949 pessoas, as quais já têm o benefício por afastamento do trabalho sem o enquadramento da origem do acidente de trabalho; criar a obrigatoriedade da avaliação da origem do acidente ou da doença em todos os atendimentos da rede básica de saúde estruturando formas de comunicação que possam agregar informações sobre os acidentes no trabalho informal e também garantir avaliações cruzadas que permitam apontar para a subnotificação e para o sub-registro...”. Os números das estatísticas de acidentes incomodam pelo que relatam e pelo que deixam de relatar; evidenciam altas taxas de freqüência por um lado e, por outro, não permitem que se possa avaliar a dimensão das perdas que os acidentes e as doenças relacionadas ao trabalho impõem à nação. Em entrevista concedida à Revista CIPA, Pastore (2001), faz referência à proporção de 4 para 1, proposta por Heinrich (1941), que existiria entre os custos diretos e indiretos e, no intuito de obter um número que reflita uma somatória geral, agrega a essas duas classes de custos as despesas que incidem sobre a família da vítima (ao fazê-lo, Pastore passa a trabalhar com a proporção de 5 para 1 entre os custos indiretos e diretos) e a considerar, ainda, os encargos assumidos pelo Estado com o setor informal9. O gasto governamental anual com o setor informal por conta do acidente de trabalho é estimado em R$ 5 bilhões. É assim que, partindo de um montante de R$ 2,5 bilhões que, segundo Pastore, a Previdência Social arrecada das empresas e gasta anualmente com os acidentes de trabalho, ele chega à preocupante cifra de R$ 20 bilhões nos encargos financeiros que os acidentes de trabalho importam à nação. Embora cumpra papel de chamar a atenção da sociedade para o grave problema social que o acidente de trabalho representa, o cálculo apresentado por Pastore parte de premissas muito pouco consistentes, como a proporção de 4 para 1 entre os custos indiretos ou não segurados e os custos diretos ou segurados. 9 José Pastore, na mesma entrevista à Revista CIPA, afirma que, da população. “apenas 43% estão vinculados ao sistema previdenciário. Os demais 57% são apenas consumidores de serviços de saúde e assistência social”. 11 Provavelmente por conta de seu caráter histórico, a proporção aventada por Heinric