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Sócrates, o primeiro psicanalista1

Durante seu ensino, Lacan manteve constante o diálogo com diferentes autores e disciplinas,
comentando Aristóteles, Hegel, Marx, passando pela linguística, lógica, topologia, etc. Essas
inúmeras referências não surgem sem propósito em sua obra, ora elas servem para evidenciar
alguma questão na psicanálise, ora elas buscam circunscrever melhor o campo psicanalítico, ou
ainda, vêm com o objetivo de propor novos conceito à sua teoria. A psicanálise não é um domínio
fechado que não admite contato com outros, mais do que possível, esses diálogos são
indispensáveis para que ela possa se desenvolver.
Embora Lacan tenha dito que foi o advento da ciência moderna que tornou possível o
surgimento do sujeito com que se opera na psicanálise, ele considera Sócrates como o precursor
do psicanalista. Impossível comentário mais anacrônico, pois como é possível que uma disciplina
que apareceu apenas no século XIX, opere como o sujeito produzido pelo discurso científico do
século XVI e possua como precursor alguém que viveu no século V a.c.? Comentemos brevemente
sobre o sujeito e em seguida tratemos do assunto Sócrates.
A interpretação do mundo modificou-se profundamente com o advento da ciência moderna,
atributos como qualidade, essência e substância que eram utilizados na ciência aristotélica foram
destituídos dela (KOYRÉ, 1973/2011). No lugar de propriedades intrínsecas aos objetos, eles são
estudados através de cálculos matemáticos. A queda de uma pedra deixa de ser descrita através de
sua afinidade com o elemento Terra, sendo analisada por meio de modelos teóricos e fórmulas
matemáticas. A forma empírica de conhecer o mundo sensível sede lugar para o conhecimento
abstrato, descrito através de letras.
Se o advento da ciência moderna foi o que tornou possível o surgimento do sujeito da
psicanálise, isso significa que ele não pode ser confundido com o indivíduo empírico que possui
um corpo biológico e tridimensional. Tampouco podemos afirmar que esse sujeito possui qualquer
propriedade intrínseca, que possa ser chamada de sua essência. Assim como na ciência moderna,
o sujeito da psicanálise depende da articulação de letras para ser produzido, ou como também
podemos dizer, ele depende da articulação entre significantes.

Eis por que era importante promover, antes de mais nada, e como um fato a ser
distinguido da questão de saber se a psicanálise é uma ciência (se seu campo é
científico), exatamente o fato de que sua práxis não implica outro sujeito senão o
da ciência (LACAN, 1965/1998, p. 878).

1
Hudson Vieira de Andrade, e-mail: hudson.deandrade@hotmail.com
No contexto analítico os significantes são produzidos quando o sentido de algo que foi dito se
modifica com o que surge posteriormente, esse novo sentido inesperado, que se precipita na fala,
faz com que apareça um saber que ainda não se sabia. O saber que surge pelo sentido inesperado,
permite supor que ali houve emergência do sujeito do inconsciente, embora sem interioridade ou
reflexivo. O inconsciente não é desvelado, mas é produzido através dos novos assuntos e temas
(sujet), que surgem nas sessões.
Contudo, o fato de que sejam produzidos novos sentidos sobre o que o paciente se queixa nas
sessões, não significa que isso ocorra de maneira espontânea, sem que o analista intervenha. É
necessário que o sentido atribuído sobre o que causa o sofrimento seja questionado e, em virtude
disso, novas articulações sejam produzidas, criando o efeito inesperado de um saber que não
supunha existir. Isso apenas ocorre lançando boas perguntas. A função que o psicanalista exerce,
nesse caso, não se distancia do procedimento socrático.
Sócrates revolucionou o modo de se fazer filosofia, pois diferente de outros filósofos que faziam
cosmologia, o seu interesse era sobre o modo de vida de seus conterrâneos, ou seja, questões de
natureza ético/moral. Suas perguntas eram do tipo: “o que é a coragem?”, ou “o que é a virtude?”,
ou “o que é a devoção?”. Diante de cada pergunta, Sócrates procurava o cidadão que se julgava o
mais sábio no assunto, o que lhe rendeu o apelido de mosca de Atenas, por ficar importunando de
um lado ao outro na cidade (CORDERO, 2011).
Sócrates comenta que o seu tipo de investigação teve início quando seu amigo Querofonte, após
consultar o oráculo de Delfos, lhe disse que ele era o homem mais sábio. Mesmo crendo no
enunciado dos deuses, Sócrates não se considerava sábio. Como forma de compreender o oráculo,
ele caminhava pela cidade procurando homens sábios e caso encontra-se pelo menos um que fosse
mais sábio do que ele, o sentido atribuído ao enunciado deveria ser reconsiderado.
No decorrer de seus diálogos, Sócrates percebia que seus interlocutores conheciam algo sobre
determinadas coisas e sobre outras não, mas sobre o assunto que julgavam saber eles eram
ignorantes. Por sua vez, Sócrates, diferente dos interlocutores que afirmavam saber o que de fato
não sabiam, pelo menos sabia que realmente não sabia sobre o assunto que perguntava. O filósofo
se distingui do sábio pois não julga saber e apenas quem não se considera sábio é que pode desejar
saber sobre algo.
Foi assim que ele pôde interpretar o enunciado do oráculo, sua tarefa não era simplesmente
refutar seus conterrâneos, mas investigar junto com eles, pois se julgavam mais sábios do que
eram. Sua tarefa foi combater o orgulho desmedido dos cidadãos grego, que fazia se equipararem
aos deuses. A prosperidade da cidade ocorre pelo afastamento dos interesses mais imediatos por
cada cidadão, examinando junto com os demais o melhor modo de conduzir-se na vida. Sócrates
acreditou que isso começava através do diálogo.
Sócrates usou o método da refutação (elenkhos) em seu procedimento filosófico, nele um
interlocutor era convidado para uma investigação conjunta. A partir daí uma questão era
apresentada e o interlocutor buscava respondê-la, dessa resposta Sócrates derivava dois
enunciados, após eles serem confirmando e o interlocutor afirmar conhecê-los, ficava demonstrado
que aceitando eles sua primeira resposta era falsa. Com isso, o interlocutor se mostra ignorante
sobre o saber que julgou possuir.
Habitualmente esses diálogos terminavam em impasses aporéticos, pois tampouco Sócrates
afirmava possuir respostas para tais perguntas que colocava. Diante da demonstração de ignorância
sobre o assunto que o interlocutor afirmava saber e do impedimento de prosseguir na investigação,
devido ao impasse aporéticos, o diálogo era encerrado com a promessa que ele fosse retomado
posteriormente.
A postura socrática não está em afirmar sabedoria sobre algo, mas busca indagar o saber daquele
que se presume sábio, o mestre. A posição do mestre é contestada, questionando o saber que lhe é
pressuposto. Esse procedimento termina lançando seu interlocutor em uma experiência radical de
ausência de saber.

Sócrates, histérico perfeito, era fascinado simplesmente pelo sintoma, captado do


outro em vôo. Isso o levava a praticar uma espécie de prefiguração da análise.
Tivesse ele cobrado dinheiro por isso, em vez de conviver com aqueles de quem
fazia o parto, teria sido analista avant la lettre freudiana. Ou seja, um gênio!
(LACAN, 1975/2003, p. 565).

A histeria é formalizada por Lacan (1969-70/1992) em termos estruturais, o que retira dela sua
conotação fenomenológica, relacionada à sintomatologia. Ela é transformada em um tipo de
discurso, que implica certa relação com o Outro. O discurso histérico introduz no saber uma
contestação e é, em virtude disso, que ele está relacionado com o discurso do mestre. O discurso
histérico denuncia o falso saber presente no discurso do mestre.
Assim como Sócrates contestou o saber que era presumido por seus interlocutores, que se
julgavam sábios no que não eram, o analista interpela o saber no qual o paciente procura justificar
seus sintomas. “O que o analista institui como experiência analítica pode-se dizer simplesmente –
é a histerização do discurso. Em outras palavras, é a introdução estrutural, mediante condições
artificiais, do discurso histérico” [...] (Ibidem, p. 33).
Sócrates em nenhum momento afirmou que era um total ignorante, pois ele dizia ser especialista
na arte da erótica. “E ali [no diálogo Teages] se atesta que Sócrates teria dito expressamente nada
saber, em suma, a não ser essa coisinha, suicrou finos, da ciência, matématos, que diz respeito a
ton eroticon, às coisas do amor” (LACAN, 1960-1/1992, p. 36). A pederastia grega foi invertida
por ele através dessa sua especialidade.
A pederastia foi uma instituição educacional que tinha como função educar os jovens acerca da
vida na cidade. Nela, um homem mais velho e experiente transmitia seus ensinamentos para outro
mais jovem, com o objetivo de torná-lo um bom cidadão. A inversão da pederastia feita por
Sócrates ocorreu pois, ao invés do homem mais velho ficar apaixonado pelo belo jovem, ele
despertava curiosidade nos jovens e fazia com eles se interessem por suas perguntas.
Embora fosse considerado muito feio, Sócrates desviou o homoerotismo do caminho sensual e
corpóreo, transformando-o no cultivo da alma (GHIRALDELLI, 2015). Através disso, os impulsos
do jovem efebo eram canalizados na investigação conjunta sobre o melhor modo de viver.
Certamente ele deve ter arrebatado diversos jovens na cidade, visto que uma das acusações que o
levou à morte foi justamente de ter corrompido a juventude. Contudo, nenhum caso foi mais
conhecido do que o de Alcebíades.
A relação de Sócrates com Alcebíades foi considerada por Lacan (1960-1/1992) como o
primeiro vínculo transferencial. O general Alcebíades foi uma figura célebre na Grécia antiga, que
sempre deixou expresso o seu amor por Sócrates, contudo, ele conta que Sócrates foi o único que
não cedeu aos encantamentos de sua beleza. Apesar dessas investidas, o interesse de Sócrates não
estava no belo corpo do rapaz, mas em poder investigar conjuntamente o melhor modo de viver
na pólis.
Antes de qualquer coisa, Sócrates era mobilizado pelo discurso histérico que buscava sustentar
em Alcebíades o desejo de saber, que lhe permitisse avaliar o melhor de viver. Assim, Sócrates, o
precursor do analista, serviu simultaneamente como causa e suporte do desejo de saber de
Alcebíades. “Ele, o analista, se faz de causa do desejo do analisante” (LACAN, 1969-70/1992, p.
39). O discurso histérico não se estabelece em simplesmente contestar o saber do mestre,
denunciando sua insuficiência, mas também em fazer como que se produza mais saber.
A maiêutica surge como outro método utilizado nos diálogos socráticos, distinto do método da
refutação (elenkhos). A maiêutica não é um método propriamente de Sócrates, mas algo construído
por Platão e posto na boca de seu mestre com o objetivo de superar os impasses produzidos pelo
elenkhos. Enquanto no elenkhos o interlocutor é levado do saber à ignorância, inversamente, na
maiêutica ele é levado da ignorância ao saber.
Sócrates foi filho de uma parteira, ele afirmava que assim como ela tinha como função colocar
no mundo o que era do outro. O que ele realizava era o partejamento do saber em seus
interlocutores, mesmo sobre o que eles julgavam não saber. Era fazendo perguntas aos seus
interlocutores que o saber não sabido era produzido. Se existe continuidade entre o procedimento
socrático e o analítico, certamente o analista não alguém mudo durante seus atendimentos, mas
alguém que fazer boas questões.
O analista não é alguém que sabe antecipadamente sobre o que sustenta o sofrimento do
paciente, é justamente por estar nessa posição que ele pode lançar perguntas. São elas que
possibilitam que surja novas articulações na fala do paciente, criando no contexto analítico o efeito
produzido pelo saber inesperado.
Platão constrói sua teoria da reminiscência com o objetivo de justificar o surgimento desse saber
inesperado produzido no interlocutor. Segundo ele, todos tínhamos acesso através da alma às
formas perfeitas e quando encarnamos no corpo elas foram esquecidas. A função do filósofo,
assim, estaria em fazer com que seu interlocutor recordasse dessas formas. O saber sempre existiu,
bastava apenas que fosse lembrado em cada um com o auxílio do filósofo, retirando o interlocutor
de sua ignorância.
A partir desse ponto o filósofo e o psicanalista se distanciam, pois, o engano em psicanálise é
estrutural e não se emancipa dele, como queria Platão. Assim como não parece ser uma hipótese
necessária à psicanálise que o saber já estava em posse do paciente. Afinal de contas, onde estava
o inconsciente antes de uma sessão? Lacan responderia que em lugar algum e simultaneamente
que esteve sempre presente. O inconsciente não é recordado, mas produzido. E quando isso ocorre,
o feito produzido é que o saber não sabido sempre existiu.

Referências bibliográficas
CORDERO, Néstor Luis. A invenção da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2011.
GHIRALDELLI, Paulo. Sócrates pensador e educador: a filosofia do conhece-te a ti mesmo. São
Paulo: Cortez, 2015.
KOYRÉ, Alexandre. (1973). Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro:
Forense, 2011.
LACAN, Jacques. (1965). A ciência e a verdade. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1960-1). O seminário, livro 8: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
______. (1969-70). O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1992.
______. (1975). Joyce, o sintoma. Em: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

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