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Resumo da tese de doutorado de Daniel Souza Barroso:

O cativeiro à sombra: estrutura da posse de cativos e família escrava no Grão-Pará (1810-


1888)

Luzes e Sombras. O paradigma da arte renascentista serviu para Theodoro Braga,


proeminente artista e intelectual do Pará da virada do Oitocentos ao Novecentos, como
metáfora para as profundas transformações sociais, econômicas e culturais levadas a efeito
nesse contexto na Amazônia e, também, no Brasil. Os primeiros historiadores da cultura e da
arte no Pará projetavam 1888, não fortuitamente o ano da Abolição sob a Lei Áurea, como um
marco. Nas palavras de Aldrin Figueiredo e Moema Bacelar: “estavam em jogo os valores da
liberdade e da abolição assim como os significados da crença republicana, cultivados, em
larga medida, a partir da década de 1890”. Para artistas e intelectuais como Braga, no quadro
da formação histórica da Amazônia e, consequentemente, do Brasil, o Império e a escravidão
estariam nas sombras, enquanto a República e seus valores de liberdade estariam nas luzes.

Não figuraria de todo irrazoável lançarmos mão da metáfora de Braga como um


recurso explicativo para o lugar secundário relegado à escravidão e a suas múltiplas
dimensões nos termos da formação econômica e social da Amazônia. Por bastante tempo foi
lugar-comum na historiografia brasileira – e, vale dizer, igualmente nas primeiras linhas
interpretativas produzidas, na própria Amazônia, sobre o evolver histórico da região –,
circunscrever a sua formação econômica e social a uma ideia de “área periférica” em que a
mão de obra escrava de origem africana restou pretensamente incipiente e uma economia de
base agrícola não se efetivara, conservando um caráter basicamente extrativista. Se, por um
lado, tal leitura enviesada iluminou a inquestionável importância da mão de obra indígena e
de retirantes nordestinos, em momentos distintos do evolver histórico da região, por outro,
reputou a escravidão e a presença africana na Amazônia enquanto algo menos relevante –
conduzindo o cativeiro negro às sombras da historiografia.

O presente estudo teve como objetivo revisitar a compreensão do escravismo paraense,


entre 1810 e 1888, através do exame de dois dos elementos basilares da economia e da demo-
grafia da escravidão: a estrutura da posse de cativos e a família escrava. Em vista do mútuo
condicionamento existente entre a economia e a demografia da escravidão, foi apresentada a
tese de que a reprodução endógena dos escravos representou um elemento fundamental para a

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manutenção da importância econômica da escravidão no Grão-Pará ao longo de todo o século
19, pelo menos, nos casos das três regiões paraenses aqui analisadas: Belém, capital e
principal núcleo urbano, e Baixo Tocantins e Zona Guajarina, que constituíam o principal
cinturão agroextrativista do Pará. A investigação dessas diferentes regiões que, efetivamente,
vivenciaram de formas distintas o evolver do Pará oitocentista ensejou a construção de um
quadro analítico mais amplo, que pôde evidenciar heterogeneidades internas na província em
relação à importância econômica dos escravos e aos seus mecanismos de reprodução.

Primeiramente, ao revisarmos a literatura clássica sobre a formação econômica e


social da Amazônia, observamos que, embora a temática da escravidão negra ou, em última
instância, a presença africana na Amazônia não tenha sido uma temática largamente difundida
nos estudos sobre a formação histórica dessa região elaborados entre as primeiras décadas do
Oitocentos e as primeiras décadas do Novecentos, notamos, nesse contexto, o surgi- mento
gradual de uma noção de inexpressividade da escravidão negra na Amazônia, cujo pano de
fundo explicativo variava. Em linhas gerais, tal noção estava assentada na ideia de que a
predominância da mão de obra indígena e, outrossim, a prevalência de uma economia de cará-
ter extrativista haviam inibido o estabelecimento de empreendimentos agrários (agrícolas ou
ainda agroextrativistas) na região amazônica, embasados no uso da mão de obra escrava
africana.

Em um segundo momento, mostramos como tal leitura foi sendo gradualmente deixa-
da de lado, parcialmente, nas décadas de 1940 e 1950 e, em definitivo, a partir dos estudos
revisionistas dos anos de 1970. Boa parte dos estudos desenvolvidos, da década de 1970 em
diante, se notabilizou por relativizar a aplicação de modelos clássicos da dinâmica de
funcionamento da economia colonial brasileira, como o chamado “paradigma pradiano”, à
realidade da Amazônia. Salvo estudos excepcionais que puseram em xeque a eficácia da
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em fomentar o desenvolvimento
econômico da região, através da consolidação de empresas agrárias assentadas no uso da mão
de obra africana, a maioria dos trabalhos desse contexto evidenciou o sucesso da Companhia
na consolidação desses empreendimentos não somente ao avigorar esforços anteriores de
constituição de sistemas agrários na Amazônia, mas também de estabelecer novos sistemas
agrários na região.

No segundo capítulo, procedemos, primeiramente, a uma caracterização econômica do


Pará do século 19, evidenciando a transição de uma economia dedicada à exportação do cacau
a uma economia dedicada à exportação da borracha. Demonstramos a variedade de gêneros

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produzidos no Grão-Pará, principalmente daqueles cuja produção estava relacionada, em
maior ou menor nível, à mão de obra cativa. A partir dessa discussão, buscamos contrapor a
ideia de um caráter basicamente extrativista da economia amazônica na longa duração,
demonstrando a importância da agricultura e, consequentemente, dos gêneros agrícolas na
composição da pauta de exportações do Pará e na dinâmica de abastecimento da capital da
província, Belém. Paralelamente, relativizamos também algumas leituras quanto ao impacto
da Cabanagem na economia amazônica da primeira metade do século.

Na segunda parte do capítulo, dedicada à caracterização demográfica do Pará do


século 19, evidenciamos a dinâmica populacional dos escravos estabelecidos no Pará entre o
final do século 18 e a década de 1880. Demonstramos a efetividade do tráfico de cativos
direcionado à região entre os meados do século 18 e os primeiros anos do século 19 e
procuramos evidenciar que sem embargo ao elevado crescimento da população livre e ao
decréscimo da população cativa de várias regiões do Pará no decorrer do Oitocentos os
contingentes cativos de Belém, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina restaram pouco
alterados até pelo menos o fim da década de 1870. Tal quadro foi ainda matizado ao
indicarmos a existência de variações por vezes expressivas nas escravarias das diversas
freguesias (no caso de Belém) e localidades (estas, no caso Baixo Tocantins e da Zona
Guajarina), que integraram tais regiões ao longo do século 19.

Uma vez concluídos aquela digressão historiográfica e tal esforço de contextualização


demográfico e econômico, passamos com efeito à análise da estrutura da posse de cativos e da
família cativa no núcleo urbano central de Belém, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina. A
separação entre tais regiões levou em consideração, conforme explicitado, o caráter urbano ou
rural dos espaços analisados. Embora a definição do que é urbano ou rural diga respeito, em
primeiro plano, à maior concentração demográfica e somente em segundo plano às atividades
econômicas desenvolvidas em determinado espaço, tal separação foi de fundamental
importância para a análise não apenas das características diferenciadas do escravismo nessas
regiões, como também das diferentes maneiras pelas quais esse sistema evoluiu no decurso do
Oitocentos.

No que concerne à estrutura da posse de escravos, encontramos níveis de concentração


da posse distintos entre as três regiões analisadas. No núcleo urbano central de Belém, a
concentração dos escravos entre os escravistas se mostrou moderadamente forte tanto no
primeiro quanto no segundo período e, regular, no terceiro período de observação.
Considerando todo o intervalo em tela constatamos que a maioria dos escravistas eram

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pequenos ou médios proprietários e que a maioria dos escravos também estava alocada nos
plantéis com menos de 20 cativos. No Baixo Tocantins e na Zona Guajarina a maior parte dos
escravos estava concentrada nos plantéis grandes, muito grandes, ou nos megaplantéis;
destoando daquilo que verificamos para Belém e produzindo um nível moderadamente forte
de concentração da posse de cativos. Tal nível oscilou de moderadamente forte, no primeiro
período, para mediano, no segundo período, e forte, no terceiro período – movimento inverso
ao observado para Belém.

Em todos os períodos, a maioria dos escravos de Belém estava reunida em escravarias


ligadas a atividades econômicas urbanas, sobretudo, com escravos de ganho, de aluguel e
domésticos. Nos dois primeiros períodos de observação, ainda era expressivo o número de
cativos vinculados a plantéis que desenvolviam atividades rurais mesmo no espaço
marcadamente urbano de Belém. No terceiro período de observação que coincidiu,
cronologicamente, com a intensificação do processo de urbanização de Belém, o peso dos
plantéis atrelados às atividades rurais caiu substancialmente, enraizando o perfil do
escravismo belenense. No Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, por sua vez, havia uma
economia agrária em grande medida consagrada à produção de derivados da cana e de
gêneros alimentícios diversos, atividades que concentravam os maiores números de cativos
nessas regiões.

O perfil dos escravos conforme a origem, o sexo e a idade não es- teve alheio às
transformações no perfil dos escravistas, nos padrões de posse e na própria economia
paraense com o progresso do século. Posto que as escravarias do núcleo urbano central de
Belém, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina tenham manifestado uma composição etária
relativamente semelhante, havia marcantes diferenças, no que diz respeito aos pesos relativos
das mulheres cativas e dos cativos africanos na sua composição. Mesmo atendendo a uma
característica geral da população escrava do Grão-Pará (maior equilíbrio entre os sexos e
menor participação de africanos, em comparação a outras províncias brasileiras
economicamente mais dinâmicas), colacionando aquelas regiões, enquanto a população cativa
do núcleo urbano central de Belém apresentava maior concentração de mulheres, em todos os
três períodos analisados, a população cativa do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina
apresentou maior concentração de africanos no primeiro período de observação.

Passando à análise da família cativa, verificamos ter sido a mesma, uma realidade
presente em ambas as regiões analisadas, reunindo entre 1/5 e 1/3 dos escravos do núcleo
urbano central de Belém, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina, ao longo do século 19.

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Embora os mecanismos endógenos de reprodução dos escravos de tais regiões limitassem à
família, tampouco a um único tipo de arranjo familiar, a família representou um fator de
grande importância e esteve no coração dos mecanismos de reprodução das suas escravarias.
Dada a pouca interação que tais regiões mantiveram com o tráfico, destacamos que a
fecundidade das escravas configurou um elemento-chave para a compreensão das formas
pelas quais a população escrava se reproduziu. Um primeiro indicativo da importância dessa
reprodução foi o elevado percentual de crianças escravas e ingênuas encontrado em nossa
amostra.

No que respeita, especificamente, aos valores aproximados da fecundidade das cativas,


o núcleo urbano central de Belém, do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina exibiram
tendências opostas. Ao passo que, no núcleo urbano central de Belém, notamos ter havido
uma redução no nível fecundidade das cativas com o avançar do século 19 – particularmente a
partir da década de 1870 –, no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina teve lugar um
movimento inverso. O incremento na fecundidade das escravas entre o primeiro e os dois
últimos períodos examinados se desenvolveu na esteira das grandes escravarias que diante da
impossibilidade de continuarem a adquirir novos cativos a partir do tráfico atlântico,
provavelmente se viram compelidas a apostar na reprodução endógena dos seus escravos,
como uma forma de manter os seus plantéis, conservando o dinamismo econômico do Baixo
Tocantins e da Zona Guajarina.

Apesar dessas diferenças, as escravarias do núcleo urbano central de Belém, do Baixo


Tocantins e da Zona Guajarina apresentaram aproximações em relação a dois aspectos
basilares da família escrava: em ambas as regiões, as possibilidades reprodutivas de suas
cativas foram marcadas por uma alta perspectiva de estabilidade possível dada às famílias
cativas e, por outro lado, se efetivaram ao largo do casamento legítimo. Nessas regiões e, no
Pará, como um todo, os cativos manifestaram – comparativamente a outras localidades e
regiões do Brasil oitocentista – uma baixa nupcialidade. Tal característica, que esteve longe
de constituir uma especificidade do Pará, em nada prejudicou a reprodução endógena da
população cativa da província, nem muito menos a centralidade dessa reprodução na
manutenção da importância econômica da escravidão no núcleo central de Belém, no Baixo
Tocantins e na Zona Guajarina.

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