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DF Gonçalves. VIII CIH.

1873 - 1886

CRISTÃOS-NOVOS NO BRASIL: SUA HISTÓRIA DE


ASSIMILAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA (SÉCULOS XVI – XVIII)
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3741

Dhiancarlly Fodra Gonçalves, UEM

Resumo

O presente artigo tem como foco o cristão-novo português, que


se aventurou nas terras do Brasil, em fuga da perseguição que ocorria na
Península Ibérica. Estabelece-se no Brasil, mas o Monstrum Horrendum vem
em seu encalço, trazendo horror e aflição àqueles de ascendência judaica,
mesmo que esta seja distante. Por meio de historiadores como Anita
Novinsky, Antonio José Saraiva, Arnold Wiznitzer, José Gonçalves
Salvador, entre outros, pode-se compreender mais da ação do Tribunal do
Santo Ofício nas terras do Brasil. Esses historiadores se aprofundaram nos
documentos existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em
Lisboa, e seus trabalhos são hoje uma fonte de pesquisa essencial para se
Palavras Chave:
compreender a extensão da ação do Tribunal no Brasil. Fica evidente que
Cristão-novo, judaizante,
não houve uma perseguição, no Brasil, tão brutal quanto na Península
inquisição, Tribunal do
Ibérica, propiciando aos “homens de negócios”, como eram conhecidos
Santo Ofício
os judeus, oportunidades de desenvolvimento econômico e relativa
tranquilidade. Essa tranquilidade era abalada, principalmente nas visitações
do Santo Ofício, que fizeram várias vítimas, especialmente cristãos-novos.
Muitos judeus cristãos-novos perderam suas referências judaicas e
assimilaram-se com a comunidade existente, e muitos até mesmo
desconhecem sua ascendência judaica, mas isso não altera o fato de que
nas origens do Brasil há uma forte presença de cristãos-novos.
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

sobrevivência, inúmeros cristãos-novos


Introdução
desembarcaram nas terras do Brasil,
A Santa Inquisição perseguiu espalharam-se por grande parte do
grande número de homens e mulheres território e iniciaram suas atividades.
considerados hereges1 pela Igreja Havia relativa tranquilidade para esse
Católica. Esse instrumento da Igreja teve povo devido a distância entre Portugal e
sua origem no fim da Idade Média, século sua colônia, o que dificultava a instalação
XIII, mas se estendeu até o século XIX, de um Tribunal do Santo Ofício e sua
condenando à fogueira aqueles que se manutenção.
desviavam da ortodoxia da fé que Neste artigo pretende-se
emanava do Papado. demonstrar quem eram esses cristãos-
Em 1497, com o batismo novos que se encontravam no Brasil e
forçado coletivo dos judeus portugueses quais suas atividades econômicas. Essas
no porto de Lisboa surgiu um novo informações praticamente só existem
personagem na história, o cristão-novo, devido a ação inquisitorial, que em sua
ou seja, o judeu que, contra sua vontade, busca por hereges e investigações
passava a ser cristão. Embora houvesse realizadas pelo Tribunal do Santo Ofício
casos de judeus convertidos ao permitiram a existência de uma vasta
catolicismo anteriormente, a situação dos documentação, ainda em estudo,
convertidos em 1497 era distinta. Aqueles principalmente no Arquivo Nacional da
optavam pela conversão ao cristianismo, Torre do Tombo, em Lisboa.
às vezes para salvar a vida, enquanto estes Para compreender quem eram
foram forçados a tornarem-se cristãos. os cristãos-novos que vieram ao Brasil,
Porém “o batismo não lhe mudara a faz-se necessário estudar principalmente
mente e nem o coração” (SALVADOR, os arquivos inquisitoriais. Grande parte
1969, p. 20). Sua cultura e personalidade dos documentos desses arquivos foi
de origem judaica permaneciam a mesma, analisada por pesquisadores do Brasil,
com isso criou-se um indivíduo que não entre eles Anita Novinsky, Ronaldo
podia executar suas práticas religiosas Vainfas e Luiz Mott, além de
judaicas, mas também não compartilhava historiadores como Geraldo Pieroni e
da cultura cristã, que em sua visão era Antônio José Saraiva. Com base nesses
idólatra (NOVINSKY, 2007). autores e outros citados nesse trabalho,
Nesse cenário, muitos judeus, a pretende-se compreender mais da vida
partir de então chamados cristãos novos, desses cristãos-novos que, mesmo em
aventuraram-se principalmente no novo terras distantes, foram alcançados pelo
mundo, tendo em vista que, tanto na Tribunal, sendo muitos deles condenados
Espanha quanto em Portugal, a máquina à fogueira.
Inquisitorial estava agindo Este artigo inicia-se explanando
implacavelmente. Nessa fuga pela a origem do cristão-novo,
especificamente esse que passa a sofrer a
1 “A heresia é uma ruptura com o dominante, ao
perseguição do Tribunal do Santo Ofício
mesmo tempo que é uma adesão a uma outra de Portugal, quais os crimes condenados
mensagem” (NOVINSKY, 2007, p. 11). “No pelo Tribunal e o número de cristãos-
caso do portugueses cristãos-novos, que foram os novos investigados e condenados,
principais elementos visados pelo Tribunal, a também é feita uma análise da ação
palavra ‘herege judaizante’ era utilizada em todas
as sentenças e documentos oficiais da Inquisição,
inquisitorial no Brasil colonial. Segue
significando os portugueses descendentes de apontando a vida dos cristãos-novos no
judeus que foram forçados ao batismo em 1947, Brasil e suas atividades comerciais, como
durante o reinado de D. Manuel I, e que sobreviviam e o que faziam aqueles que
obstinada e secretamente seguiam a religião se encontravam nesse território.
judaica” (NOVINSKY, 2007, p. 11).

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DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

Origem do cristão-novo português Gregório IX, “como um mecanismo para


tentar conter as heresias e manter a
Desde a diáspora no ano 70 da ortodoxia religiosa” (MENEZES, 2010,
era cristã, quando a repressão romana, p. 135). Nesse momento o objetivo era
por meio do general Tito, forçou a combater as heresias medievais que
retirada do povo judeu da terra em que surgiam como ameaças à Igreja e ao
habitava, este povo encontrava-se Papado, “As heresias medievais, pondo
disperso em vários continentes, vivendo em dúvida os dogmas do catolicismo e a
como peregrino. Em razão de sua infalibilidade da Igreja, abalavam o poder
religiosidade, de sua cultura monoteísta e e a força da Santa Sé” (NOVINSKY,
de suas tradições, os judeus passaram 2007, p. 16). Essa Inquisição Medieval
toda a Idade Média como um povo que tinha como alvo principalmente as
não assimilava tão facilmente a mulheres acusadas de bruxaria, porém foi
religiosidade e a cultura dos povos a sua o embrião que culminou na Inquisição
volta. Tornando-se, assim, um povo moderna, tendo como principal vítima o
peculiar, vivendo nas mais diversas judeu convertido, o cristão-novo.
regiões, mas se envolvendo,
Mesmo sem uma inquisição, os
principalmente em laços matrimoniais,
judeus foram perseguidos por toda a
apenas com aqueles que professavam a
Idade Média e essa situação agravou-se
mesma fé. Era um povo sem um
em 31 de março de 1492, quando, por
território próprio, mas que era facilmente
meio de Edito, foi determinado que todo
reconhecido por todos por suas
judeu deveria, em quatro meses, deixar
vestimentas e costumes. Isso não significa
Aragão e Castela, estando sujeitos ao
que era um grupo monolítico, certamente
confisco dos bens e à morte no caso de
houve judeus que ao se dispersarem
descumprimento (COSTA apud
envolveram-se com outros grupos e
ALMEIDA; MENEZES, 2010, p. 136).
perderam suas origens, mas a tradição
Em fuga, “uma parte destas centenas de
judaica foi mantida por grupos mais
milhares de emigrantes, forçados, saiu
tradicionais.
pelos portos marítimos, outra parte, pela
Alguns foram forçados a adotar fronteira portuguesa” (SARAIVA, 1969,
o cristianismo em períodos de p. 36). Portugal recebeu esses imigrantes
perseguição e guerras. e pretendia mantê-los em seu território,
devido à riqueza que detinham e sua
Fontes judaicas sobre judeus influência comercial. Eram, grande parte
convertidos ao Catolicismo
deles, comerciantes bem-sucedidos que
remontam aos tempos da primeira
Cruzada. Nessa fase, para salvar a
proporcionavam crescimento de riquezas
própria vida, muitos judeus ao reino, porém o rei de Portugal, D.
aceitaram o batismo, retornando, Manuel,
porém, passados os primeiros
tempos de terror, à religião antiga Para casar com a filha dos Reis
(NOVINSKY, apud ZIMMELS, Católicos, casamento que lhe dava
2013, p. 9). a posição de herdeiro do trono de
Castela e Aragão, comprometeu-se
No fim da Idade Média, início a expulsar os Judeus que viviam no
das grandes navegações marítimas, o seu Reino. Data de 5 de dezembro
povo judeu encontrava-se disperso por de 1496 a lei que ordena a saída de
toda a Europa, principalmente Espanha e Mouros e Judeus, que são filhos de
maldição, até o mês de outubro,
Portugal, em todas as camadas das
inclusive do ano seguinte
sociedades. (SARAIVA, 1969, p. 38).
Em 1231, o Tribunal da Santa
Em outubro de 1497, “um
Inquisição foi instituído pelo Papa
único porto lhes foi facultado, o de
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Lisboa. Ali se juntaram, segundo Damião pois após as conversões os judeus


de Góis, cerca de vinte mil judeus, vindos não se tornaram portugueses
de vários pontos de Portugal” plenos. Novas leis discriminatórias
(SARAIVA, 1969, p. 39), na tentativa de e toda a legislação visando
deixar esta nação. Foi quando frades, especificamente os convertidos
marcaram o lugar que deviam
acompanhados de sicários, lançaram
ocupar na sociedade, e um racismo
sobre essa população a água do batismo. institucional passou a persegui-los
nos séculos seguintes. O converso
A partir desse momento eles eram
de origem portuguesa passou a ser
súbditos da Igreja, e se insistissem
na sua religião anterior eram considerado um estrangeiro em sua
passíveis das penas que recaíam própria pátria (NOVINSKY, 2015,
sobre os apóstatas. Alguns Judeus p. 94).
conseguiram embarcar apesar de Tornar todos os judeus em
tudo; mas a quase totalidade deles cristãos parecia a solução ao rei, assim
ficou em Portugal, de boa ou má esses novos cristãos poderiam ficar em
vontade (SARAIVA, 1969, p. 40).
Portugal, evitando a evasão de um
Dessa forma surge um indivíduo número grande de homens que eram o
novo, o cristão-novo. Um cidadão alicerce econômico do império
pertencente a duas culturas e, ao mesmo português. Conforme afirma o
tempo, excluído das duas; assim, a Historiador Vitorino Magalhães
tentativa de eliminar as distinções entre Godinho, “a Inquisição teve um papel
cristãos e judeus apenas as intensificou, político importantíssimo: quebrou a
conforme aponta Salvador unidade nacional, forçando a fuga dos
melhores elementos, minou os alicerces
O batismo forçado com que econômicos do império português”
pretendeu eliminar as distinções, (GODINHO apud NOVINSKY, 2007,
foi a que melhor se prestou a
p. 38).
incrementar estas últimas,
porquanto logo se passou a Os cristãos-novos sofreram o
denominar os conversos judeus desprezo daqueles que passaram a ser
pelo apelido de cristãos-novos e conhecidos como cristãos-velhos, pois
aos seus filhos, bem como aos não foram efetivamente reconhecidos
demais descendentes. Assim como cristãos. Eram pejorativamente
procedeu para distingui-los dos que
chamados de “cristãos-novos”, “Judeus”
estavam vinculados
tradicionalmente à Igreja e e “Indivíduos da Nação” e o povo era
pertenciam à antiga etnia, não incitado a denunciar qualquer prática
israelita, nem moura, negra ou de judaizante desses novos cristãos, fazendo
outra infecta sangüidade. Foi, com que a relação entre cristãos-velhos e
igualmente, por este modo, que se cristãos-novos permanecesse envenenada
originou o designativo cristão- por séculos (WIZNITZER, 1960). O
velho (SALVADOR, 1969, p. 20). batismo forçado, portanto, seguiu o
caminho inverso ao desejado,
Anita Novinsky, nesta mesma
intensificando a divisão entre esses
linha afirma:
grupos.
A conversão forçada dos judeus Esses são os elementos que
portugueses ao catolicismo (1497) originaram um povo que vai influenciar o
mudou sua visão de mundo.
processo de colonização do Brasil. São
Iniciou-se uma nova era – “a era
dos cristãos-novos”. A violência homens e mulheres divididos
com que se deram as conversões culturalmente entre suas origens judaicas
na época moderna não seguiu o e o cristianismo, o qual tiveram que
mesmo modelo da Idade Média, abraçar.

1876
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

Ação inquisitorial no Brasil em terras de Santa Cruz, e de acordo com


nosso primeiro historiador, Frei Vicente
A Inquisição não esteve do Salvador, o próprio Padre José de
presente frequentemente no Brasil, seu Anchieta teria instruído o algoz como
funcionamento efetivo encontrava-se em cortar a cabeça do infeliz protestante –
Portugal por meio de “três Inquisições, a Jean dez Boulez – antes de levá-lo às
de Lisboa, a de Évora e a de Coimbra, chamas” (MOTT, 2010, p. 20). Outros
sendo a de Lisboa encarregada de tratar casos poderiam ser citados, mas são casos
dos casos ocorridos no Brasil” esparsos e mal documentados, porém
(NOVINSKI, 2013, p. 106), onde esse nenhum deles estava relacionado a
Tribunal foi representado por meio das judaizantes, ou seja, a cristãos-novos que
Visitações e retornavam as práticas judaicas
(VAINFAS, 1997).
...até o presente os historiadores
referiram-se sobretudo a três A ação inquisitorial no Brasil
(Bahia/Pernambuco em fins do praticamente inicia-se com as Visitações,
século XVI, Bahia em 1618 e Pará sendo a primeira entre 1591 e 1595,
no fim do século XVIII). O tendo como visitador Heitor Furtado (de
redescobrimento recente da visita Mendonça) e passou por Bahia,
inquisitorial feita por Luís Pires da Pernambuco, Itamaracá e Paraíba.
Veiga às capitanias do Sul em 1626,
apesar de sua ação mínima, mostra A chegada do Visitador marcava
que outras visitas podem ter o Tempo da Graça, nesse período “eram
ocorrido (FEITLER, 2007, p. 78). afixadas cópias do monitório, documento
que listava os ‘crimes’ sujeitos à
Antes das visitações, já se
investigação, incluindo blasfêmias,
sentiram alguns reflexos do que ocorria
sacrilégios e, claro, transgressões sexuais e
na Península, mas
judaísmo” (CORDEIRO, 2010). Todos
...entre nós as populações viveram eram “convidados” a realizar suas
quase impunimente até a chegada confissões nesses dias, geralmente trinta
dos bispos. Párocos e vigários dias, mas poderiam estender-se até
pouco se envolveram com os sessenta.
colonos. São muito vagas as provas
de qualquer ação contra os Esse Tempo da Graça era
cristãos-novos. No Sul sabemos essencial nas visitações, pois nele estava a
apenas de dois casos. Um deles é o base das investigações do Santo Ofício.
do judeu português, natural de Por meio das confissões e denúncias, de
Bragança, Tristão Mendes (...). O qualquer categoria, até mesmo cartas
outro, de João de Bolés, referente à anônimas, eram construídos os processos
heresia... a Inquisição o julgou e o inquisitoriais, esses eram os
logo após o mandou para a Índia, a “documentos” considerados como
cumprir pena (SALVADOR, 1969, elementos substanciais para iniciar o
p. 83).
processo de investigação contra os
Também há o caso do donatário denunciados. Após o Tempo da Graça,
Pero do Campo Tourinho, preso em 24 iniciava-se, então, oficialmente, a busca
de novembro de 1546, “denunciado em por aqueles sobre os quais haviam
Lisboa, por se dizer papa e rei e fazer denúncias. Os denunciados eram
trabalhar aos domingos” (SALVADOR, conduzidos à presença do Visitador e
1969). “Foi o primeiro réu da Inquisição deveriam confessar seu suposto crime.
Portuguesa na América” (BRITTO, 2000, Assim
p.16). Tem-se também a notícia de que
Quando um indivíduo era
“em 1573, é queimado em Salvador um
denunciado, um funcionário da
francês herege, - única execução realizada Inquisição ia a sua casa,

1877
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

acompanhado pelo juiz do fisco, que elas representavam, pois em outros


que sequestrava tudo que o locais havia o Tribunal do Santo Ofício e
suspeito possuía, antes mesmo de os autos-de-fé, mas não nas terras do
ter provas de sua culpa. Depois de Brasil, logo, a nomeação de agentes locais
prendê-lo, passava ferros e trancas foi a forma de manter as atividades
nas portas da casa e ninguém mais
podia entrar a não ser os
inquisitoriais e a lembrança viva do
funcionários da inquisição (...) É Tribunal do Santo Ofício, assim havia
claro que essas medidas não foram familiares2, comissários oficiais e outros
sempre cumpridas, pois os cristãos- notários, todos a serviço do Tribunal
novos eram muitas vezes (FEITLER, 2007).
necessários, mas havia a lei, e podia
ser aplicada sempre que se quisesse Apesar de nunca ter tido uma sede
dela tirar proveito (NOVINSKY, na Colônia, a Inquisição
2007, p. 57). portuguesa agiu aqui por meio de
diversas estratégias, que variavam
Estava previsto que a visita de no tempo e no espaço. As
Heitor Furtado se estenderia as capitanias Visitações, a colaboração dos
do Sul e aos bispados de São Tomé e Bispos e das Ordens regulares
Cabo Verde, porém, devido ao tempo (sobretudo a Companhia de Jesus),
que passou na Bahia e às despesas que a Justiça Eclesiástica e uma rede de
fez, além dos recursos que dispunha, foi agentes, composta principalmente
por Comissários e Familiares,
necessário seu retorno ao Reino foram os principais mecanismos
(VAINFAS, 1997). utilizados pelo Santo Ofício para
A segunda Visitação estava a atingir o Brasil (RODRIGUES,
cargo de dom Marcos Teixeira, ocorreu 2011, p. 33).
de 1618 a 1621. Novamente foi realizada Essa intrincada rede tornava a
na Bahia, tendo como foco a busca por vida de cristãos-novos, feiticeiros,
cristãos-novos. Após a “partida de bígamos e outros hereges uma constante
Teixeira, a obra da Inquisição no Brasil tensão, pois cair nas garras da Inquisição,
foi continuada por outros agentes. além dos tormentos dos interrogatórios,
Mediante um decreto real, datado de 8 de torturas e demais sofrimentos causados
junho de 1623, Marcos Teixeira (não o pelo cárcere, poderia ainda resultar na
visitador Marcos Teixeira) foi nomeado condenação à justiça secular, como
Bispo do Brasil e encarregado de todos relaxado, ou seja, a condenação à fogueira
os negócios da Inquisição neste país inquisitorial. “Saiba, porém, leitor, que
(WIZNITZER, 1960, p. 35). pouquíssimos presos pelo Santo Ofício
A terceira Visitação ocorreu na saíam dos cárceres com saúde intacta: na
província do Grão-Pará e Maranhão, no prática, a Inquisição “se não mata, aleija.
período de 1763 a 1769. Teve como “Este era o modus operandi dos zelosos
visitador, Giraldo José de Abranches. representantes do Mestre do Divino
Acredita-se que essa visita tinha como Amor” (MOTT, 1989, p. 56).
objetivo prover suporte ao novo governo Saraiva aponta que não era o
local e mudar a direção da igreja. zelo cristão que movia o processo
Investigou mais os casos de feiticeiros e
curandeiros (CORDEIRO, 2010).
2 Os familiares eram oficiais leigos que auxiliavam
Mas não era apenas nesse nas atividades do Tribunal do Santo Ofício
período de visitações que ocorriam as realizando sequestros de bens, notificações,
perseguições àqueles que não viviam delações, prisões, espionagem de suspeitos e
segundo os preceitos da Santa Igreja. condução de réus. Esses familiares mantinham
suas ocupações habituais, mas por serem
Após o fim das visitas inquisitoriais era representantes do Tribunal desfrutavam de
importante manter “a sombra do medo” inúmeros privilégios.

1878
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inquisitorial, mas a luta de classes, que D. João V, em 1728, teve de


tinha como alvo o cristão-novo burguês. proibir a confiscação dos
engenhos. Dada esta situação, não
A perseguição movida pela é talvez abusivo supor que haveria,
Inquisição ao cristão-novo foi, da parte dos Inquisidores, uma
pois, conforme já o disse A. José propensão a condenar o maior
Saraiva, a luta da classe dominante número possível de presos a penas
contra a burguesia em ascensão, que implicassem confiscação de
cujo núcleo principal era bens (SARAIVA, 1969, p. 262).
constituído pela população
portuguesa de ascendência judaica Isso era possível, devido ao fato
(SARAIVA apud NOVINSKY, de que grande parte dos engenhos se
2013, p. 20). encontravam nas mãos de cristãos-novos
(MOTT, 2010).
Confiscar os bens dos cristãos-
novos era a forma mais eficiente de Porém, há historiadores que
manter toda a estrutura, principalmente discordam do posicionamento de Saraiva,
porque mesmo que fosse inocentado, Luiz Mott, por exemplo, em uma visão
dificilmente o réu receberia novamente original, identifica o sodomita como o
seus bens de volta. principal perseguido pela inquisição na
América. Segundo ele “os sodomitas
Tudo que o réu possuía, tanto constituíram a principal preocupação dos
móvel como imóvel, era inquisidores nas terras de São Cristóvão
apreendido pelo Fisco e durante o século XVII” (MOTT, 1989, p.
sequestrado no ato de sua prisão, 22). Cita ainda Wiznitzer sobre a ação
antes de ser provada sua culpa. Se
inquisitorial em Sergipe para apoiar seu
fosse absolvido, esses bens deviam
ser-lhe restituídos, após a dedução argumento:
de todos os gastos ocorridos, desde A denúncia era o prato cheio para
as despesas pessoais, alimentos, os inquisidores, pois envolvia a
roupas, etc., até o pagamento dos quase totalidade dos crimes
funcionários participantes em seu perseguidos pelo Santo Tribunal:
processo. Na prática essa medida sodomia, bigamia, blasfêmia e
nunca funcionou, e recolhida pelo heresia. Curioso notar a ausência
Fisco, a fortuna ficava para sempre de acusações à prática do judaísmo,
perdida para o réu e seus crime que na época, nas vizinhas
descendentes (NOVINSKY, 1976, Bahia, Pernambuco e Paraíba,
p. 12). causavam grandes padecimentos e
Nesse sentido, Saraiva aponta consternações aos cristãos-novos e
que não haveria interesse do Tribunal do cripto-judeus (WIZNITZER apud
MOTT, 1989, p. 23).
Santo Ofício em instalar-se
definitivamente no Brasil no início da Ainda nessa linha de
colonização, pois não haveria riquezas pensamento argumenta
nas mãos de cristãos-novos que
permitissem a manutenção de um A inquisição em Sergipe perseguiu
Tribunal com toda sua estrutura. Mas sobretudo gente insignificante,
essa situação mudaria com o com recursos materiais
desprezíveis, contradizendo o
desenvolvimento econômico,
argumento dos que acusam o Santo
principalmente no século XVIII. Ofício de estar predominantemente
A partir de 1708 foi desencadeada interessado nos réus afazendados
uma vaga de perseguições no para sequestrar-lhes os bens
Brasil, onde então prosperavam os móveis e imóveis. Como instituição
senhores de engenhos de açúcar; e que se autofinanciava com os bens
tais foram as devastações que o rei dos réus, sobretudo dos Cristãos-

1879
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Novos, claro que o sequestro dos Brasil: um homem chamado Gaspar da


ricos despertava maior interesse Gama. Capitão-Mor de sua esquadra”
nos Santos Inquisidores, contudo, (WIZNITZER, 1960, p. 3). Ele
não podemos generalizar que a provavelmente foi o primeiro cristão-
justiça inquisitorial tenha feito novo a pisar em solo brasileiro. Também
constantemente uma “opção
preferencial pelos ricos” (MOTT,
é fato que “a primeira viagem oficial
1989, pp.33-34). vinda ao Brasil em reconhecimento da
terra, em 1503, era comandada por um
Novinsky concorda com Saraiva cristão-novo” (FERNANDES, 2014, p.
ao apontar que Felipe IV tinha o desejo 107). Esses são apenas alguns detalhes,
da instalação do Tribunal na Colônia com quase irrelevantes, mas que demonstram
o argumento de que os presos eram ricos, o quanto os cristãos-novos estavam
permitindo a manutenção do Tribunal envolvidos na sociedade e entre aqueles
(NOVINSKY, 2007). Segundo Calainho, que colonizaram as terras do Brasil.
a presença da Inquisição nas terras Também é interessante observar
brasileiras seguiu fielmente o rastro que a primeira obra literária escrita no
do desenvolvimento econômico Brasil foi o poema do cristão-novo Bento
das Capitanias, sendo as regiões de Teixeira Pinto. Intitulado Prosopopéia
maior prosperidade ao longo do (Discurso enfático), continha 94 estâncias
período colonial as que contaram (752 linhas) e descrevia as glórias da
com maior contingente de família Albuquerque, especialmente, de
Familiares atuantes (CALAINHO,
Jorge Albuquerque, o terceiro donatário
2006, p. 80).
de Pernambuco. Embora Bento Teixeira
Dados levantados por Novinsky seja considerado por seus biógrafos como
nos arquivos da Torre do Tombo nascido no Brasil, com a publicação dos
apontam que entre 1536 e 1821 a relatórios das denúncias da Bahia e de
inquisição investigou 1076 pessoas no Pernambuco, tomou-se conhecimento de
Brasil, condenou 29 à fogueira (vivas, seu nascimento em Porto, Portugal, e que
depois de mortas ou em efígie), sendo 27 se tratava de um cristão-novo e
homens e 2 mulheres. Foram 778 judaizante. É denominado, portanto, de
homens e 298 mulheres processados, “Pai da poesia brasileira” por Rodolfo
sendo que 322 homens, 41,39% e 222 das Garcia (WIZNITZER, 1960).
mulheres, 74,5%, foram acusados de Ainda se tem notícia de que o
judaísmo (NOVINSKY, 2009). primeiro livro produzido também tem
Diante desses dados fica origem marrana. Trata-se da obra literária
evidente que os cristãos-novos estavam Diálogo das Grandezas do Brasil, que tem
no topo da lista do Tribunal do Santo como autor Ambrósio Fernandes
Ofício. Na sequência, vinham os pecados Brandão. Segundo historiadores
de feitiçaria, bigamia, gentilidade, pecados brasileiros, Brandão, um Administrador
nefandos, etc. da fazenda de Bento Dias Santiago foi
denunciado por deixar seus escravos
Cristãos novos no Brasil trabalharem no domingo, por comportar-
se escandalosamente na igreja e por
Pode se afirmar que a presença visitar a Sinagoga de Camaragibe.
de cristãos-novos no Brasil existe
Uma lembrança presente em
praticamente desde a sua descoberta. É
nossos dias que também apontam para a
possível que na tripulação de Pedro
presença cristã-nova nas origens do Brasil
Álvares Cabral houvesse vários cristãos-
é o arquipélago de Fernando de
novos, porém, “testemunhos históricos
Noronha, que traz em seu nome a
existentes revelam a presença de um
lembrança de um dos cristãos-novos que
único cristão-novo na descoberta do
1880
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

iniciaram o processo de colonização e suprime a pena de morte, a não ser em


exploração das terras do Brasil, Fernão de caso excepcionais, que nunca vieram a se
Noronha. Sabe-se que ele adotou verificar (SARAIVA, 1969).
voluntariamente a religião cristã, tornou-
A vinda de cristãos-novos às
se Cavaleiro da Casa Real e “Cidadão de
terras do Brasil se dava de várias formas,
Lisboa” em 1498 (WIZNITZER, 1960,
por degredo, por fuga da Inquisição, ou
p.7).
para investimento financeiro. Conforme
No século XVI, com as aponta Geraldo Pieroni, em relação aos
dificuldades enfrentadas pelos cristãos- degredos,
novos em Portugal, o caminho para o
Brasil surge como uma opção atrativa. As centenas de cerimônias dos
Conforme Salvador, autos-de-fé do Santo Ofício
registraram milhares de homens e
É certo que o Santo Ofício mulheres acusados de judaísmo.
também atuou em nosso território, Como já evidenciamos, vários
mas jamais como na Espanha, heterodoxos da religião e da
Portugal, Índia e regiões de Castela moralidade católica foram
na América. Nas capitanias do Sul degredados para o Brasil. Entre
o espírito de liberdade predominou eles, mais da metade, ou seja,
de maneira a tornar-se proverbial, 52,7% foram condenados por
fato que, até certo ponto, constituía serem cristãos-novos, sendo que as
um chamarisco para quantos se mulheres eram a maioria (65%).
viam perseguidos (SALVADOR, Nessas listas, os homens
1969, p. 24). “judaizantes” banidos para o Brasil
representam uma porcentagem
Distante da população cristã- menor, porque eram condenados a
velha que os rejeitavam e da Santa cumprir trabalhos forçados nas
Inquisição que estava às portas. Ressalta- galés (PIERONI, 2006, p. 102).
se que “A bula papal de 23 de maio de Em fuga devido à “perseguição
1536 autorizou a inquisição no reino promovida pela Inquisição, os cristãos-
lusitano, e, em 1540, realizou-se o novos, e seus cabedais, emigraram e
primeiro auto-de-fé em Lisboa. Pela bula foram povoar a Inglaterra, Holanda e,
Meditatio Cordis, de 16 de julho de 1547, o inclusive, o Brasil” (MENEZES;
Tribunal foi definitivamente COSTA, 2010, p. 143). Ou seja, o Brasil
estabelecido” (NOVINSKY, 2007, p. 34), foi um dos destinos procurados pelos
vindo a funcionar por 285 anos, sendo judeus na fuga da ação inquisitorial.
oficialmente abolido apenas em 1821, Segundo Novinsky,
pelo decreto que data de 5 de abril.
Embora ela já não fosse aplicada desde as A fuga dos portugueses cristãos-
mudanças realizadas pelo primeiro- novos para o Brasil era mais fácil
ministro do rei D. José I, Marquês de do que para qualquer lugar da
Pombal, iniciadas pelo alvará de 22 de Europa. Apesar de as leis que os
maio de 1768, onde determina a anulação proibiam de emigrar do Reino
e destruição das listas de cristãos novos. serem sempre renovadas, cristãos-
Em Lei de 25 de maio 1773, “suprime a novos conseguiam embarcar
clandestinamente para o Novo
necessidade de provas de pureza de Mundo, considerado por muitos
sangue para cargos púbicos e honrosos e como a Terra Prometida, pagando
condena de forma geral ‘a sediciosa e aos pilotos das naus, que muitas
ímpia distinção entre cristãos-velhos e vezes eram também cristãos-
cristãos-novos’” (SARAIVA, 1969, p. novos” (NOVINSKY, 2009, p.
311). E cria um novo Regimento da 26).
Inquisição em 1 de setembro de 1774,
que proíbe os autos-de-fé públicos e A historiadora Neusa

1881
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

Fernandes, referindo-se à vinda dos Tribunal da Inquisição, com


cristãos-novos para o Brasil por todo o inquisidor, deputado, promotor,
século XVI, observa que ela meirinho e alcaide, mostrando-lhe
ainda as vantagens que teria a
Deu-se primeiramente pelo coroa, pois os presos daquelas
reconhecimento de que o partes eram ricos e podiam cobrir
sentimento de liberdade na nova todas as despesas que se fizessem
terra era maior do que em Portugal; (NOVINSKY, 2007, p. 80).
posteriormente, porque faziam
parte da composição de uma Essa declaração, além de
esquadra ou para encontrar demonstrar que havia alguma liberdade
parentes, amigos, colegas de para aqueles que estavam nas terras do
profissão que já se tinham instalado Brasil, também revela que houve
nas diversas regiões do Brasil, tentativas da instalação de uma Inquisição
sobretudo nos estados da Bahia, com todos os elementos necessários, e
Rio de Janeiro e Minas Gerais ainda demonstra, conforme Saraiva, que a
(FERNANDES, 2014, p. 107). Inquisição tinha interesse nos bens dos
Também foram cristãos-novos cristãos-novos, pois estes permitiriam o
que iniciaram expedições desbravadoras e funcionamento da máquina inquisitorial.
fundadoras de Minas Gerais. As mais Toda a estrutura necessária para a
variadas documentações comprovam essa instalação de um Tribunal do Santo
origem cristã-nova nesses desbravadores. Ofício era dispendiosa e a fonte mais
Era cristão-novo, por via materna, Garcia eficaz para suprir esses custos eram os
Rodrigues Paes, o primeiro descobridor bens dos cristãos-novos. No início do
de ouro de lavagem dos ribeiros. Brasil ainda não havia riqueza
Também eram cristãos-novos Antonio suficientemente necessária para suprir o
Rodrigues Arzão, o primeiro bandeirante Tribunal,
a achar ouro nas Gerais em 1693, Luiz O que na realidade sucedia é que
Couto, cortador de baleia, que se mudou não existia ainda uma burguesia
para Minas no início do povoamento, brasileira bastante considerável
Duarte Nunes, considerado o primeiro para interessar os Inquisidores.
descobridor de ouro, em 1694, no sertão Houve mais tarde, no começo do
da Casa da Casca. Além destes, outros século XVIII, e é então que a
conhecidos bandeirantes, descobridores Inquisição começa a descobrir
do ouro e de pedras, eram meio cristãos- judaizantes numerosos entre os
novos (FERNANDES, 2014). senhores de engenho e outros
burgueses brasileiros (SARAIVA,
Mesmo após as Visitações ao 1969, p. 223).
Brasil, a relativa liberdade em que viviam
os brasileiros causava inquietações, O fato do Brasil ter dimensões
conforme Anita Novinsky relata: tão grandes talvez tenha dificultado ao
Tribunal estabelecer uma forma eficiente
A liberdade em que vivia a para alcançar aqueles que fugiam aos
população brasileira inquietou a preceitos da fé católica, mas também se
Igreja e a coroa. Felipe IV, em observa que muitos cristãos-novos
1621, dirigiu uma carta ao bispo acabaram sendo protegidos da Inquisição,
inquisidor-mor D. Fernão Martins principalmente nas comunidades sulinas,
Mascarenhas, explicando-lhe que conforme aponta Wiznitzer,
seria importante para o serviço de
Deus e del rei que houvesse A maior parte da população
naquele estado alguns oficiais da marrana estava concentrada nas
Inquisição residentes. O inquisidor províncias do Norte do Brasil. Os
entusiasmado responde-lhe, em livros de atas do Conselho de São
carta, que devia haver na Bahia um Paulo e os relatórios do inspetor da

1882
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

Inquisição portuguesa na Bahia de surgiam casos de heresia, de


1591-93 revelam que os marranos apostasia, de devassidão e bigamia
também residiam nas comunidades (SALVADOR, 1969, 57).
sulinas do Rio de Janeiro, S.
Vicente e S. Paulo. A Inquisição de Ainda nos relatos sobre cristãos-
Lisboa jamais enviou um visitador novos no Brasil, há o relatório do francês
a S. Vicente ou a S. Paulo. Os Pyrard Laval que aqui esteve em 1610.
jesuítas dessas localidades
defendiam os cristãos-novos contra Conta Pyrard que a Bahia tinha
tais inquéritos malgrado os muitos cristãos-novos “que eram
conflitos que daí resultavam judeus, ou de raça judia, e que se
(WIZNITZER, 1960, p. 122). tornaram cristãos”; não tinha,
entretanto, Inquisição, mas os
Após o relatório do Visitador cristãos-novos viviam apavorados
Heitor Furtado, questionando a com os boatos que diziam da
“discutível sinceridade do clero intenção do Rei da Espanha, de
brasileiro” (WIZNITZER, 1960, p. 28), introduzir a Inquisição no Brasil.
pois havia muitos clérigos de ascendência Alguns cristãos-novos, diz ele,
judaica, alguns até mesmo com posição eram riquíssimos, possuidores de
fortunas que montavam a sessenta,
de realce, surge a Lei da Coroa contra
oitenta ou cem milhares de
cristãos-novos que ocupavam cargos cruzados (LAVAL apud
eclesiásticos no Brasil. WIZNITZER, 1960, p. 29).
Um decreto real datado de 4 de O que se observa nesses fatos
fevereiro de 1603, estipulava que era a liberdade de circulação encontrada
fossem tomadas grandes pelos cristãos-novos nas terras do Brasil
precauções na nomeação de oficiais desde o início do processo de
da Igreja no Brasil. Somente
cristãos-velhos deviam ser
colonização e sua inserção em todas as
indicados para tais funções. O rigor camadas sociais. Mesmo com a atuação
do decreto correspondia a relatos do Santo Ofício, por meio das visitações
que declaravam haver clérigos e Familiares do Santo Ofício que
cristãos-novos na maioria das mantinham a vigilância sobre os cristãos-
igrejas brasileiras, razão por que se novos, estes ainda se encontravam nas
aconselhavam providências para mais variadas regiões, profissões e
dar fim a essa situação camadas sociais.
(WIZNITZER, 1960, p. 28).
Esse decreto tinha por objetivo Cristãos-novos e suas atividades
minar a complacência e tolerância que comerciais no Brasil
poderiam existir contra judaizantes,
conforme aponta Salvador: Antes mesmo de a Terra de
Santa Cruz receber cristãos-novos em
As autoridades religiosas, no Brasil, fuga da Inquisição, muitos já estavam
por sua vez, inspiradas na envolvidos no processo de exploração
complacência de alguns papas, ou econômica dessa colônia. Como citado
em virtude do meio, ou ainda por acima, um dos primeiros a realizar essa
inclinação pessoal, ou amizade e exploração foi Fernão de Noronha. Em
influências outras, no geral usaram virtude do relatório de Américo
de tolerância para com os
Vespucci, em 1502, que afirmava não
elementos hebreus, tanto civis
como religiosos, seculares e existir nestas terras metais ou pedras
regulares. Assim procederam preciosas, nem outros materiais
bispos, prelados, administradores, importantes além do pau-brasil e
visitadores-eclesiásticos e vigários. papagaios, D. Manuel resolve arrendar o
Opunham-se, porém, quando Brasil a homens de negócios. Assim, a

1883
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

primeira concessão foi dada a uma judaica. Para os Inquisidores e a


associação de cristãos-novos encabeçada Igreja, eram potenciais infiéis,
por Fernão de Noronha (WIZNITZER, criptojudeus disseminadores da
1960. p. 5), heresia, representando grave
ameaça à unidade espiritual do
O Brasil era uma das opções de catolicismo Ultramar
fuga aos cristãos-novos, que migraram (CALAINHO, 2006, p 70).
em grande número, sendo muitos deles
comerciantes pertencentes à burguesia. Luiz Mott aponta essa
Fugir de Portugal tinha seus custos e característica ao falar da tentativa de
apenas aqueles que dispunham de instalação de um Tribunal na colônia.
recursos conseguiam rapidamente esse Tentaram, em vão, as autoridades
benefício. Assim, aqueles que aqui inquisitoriais, instalar em Salvador
chegavam, tratavam de estabelecer seus um tribunal do Santo Ofício, nos
investimentos, pois como eram moldes dos que existiam em Lima,
conhecidos, os homens de negócios, México e Cartagena de Índias.
tinham familiaridade no uso do dinheiro Felizmente, para os colonos reinóis
e investimento, o que os tornaram bem- e baianos natos, este projeto
sucedidos em muitas áreas. Novinsky macabro jamais veio a concretizar-
se, pois teria sido a ruína da
comenta essa habilidade comercial do
pungente economia açucareira, em
judeu: grande parte dominada pelo capital
O Brasil foi o lugar onde puderam, e empresários cristãos-novos
mais do que em qualquer outra (MOTT, 2010, p. 11).
região, desenvolver amplamente No século XVII, cristãos-novos
suas habilidades. Apesar da possuíam latifúndios e numerosas
legislação portuguesa em relação
propriedades. “Em Portugal, nos séculos
aos homens de origem hebréia ter
sido francamente discriminatória, XVI e XVII, cristão-novo era sinônimo
puderam contornar a situação e de ‘homem de negócios’, e na mente dos
habilmente manejar os negócios, portugueses todos os cristãos-novos eram
adquirindo posições de prestígio e comerciantes” (NOVINSKY, 2007, p.
direção (...) Apesar das 37). Por serem, em grande parte homens
perseguições inquisitoriais, de negócios, mantinham constante
encontraram possibilidades de intercâmbio com judeus de Amsterdã,
enriquecer e ascender socialmente, pois a Holanda era, na primeira metade
constituindo parcela da alta do século XVII, a principal potência do
burguesia no Brasil (NOVINSKY, comércio mundial (WIZNITZER, 1960).
1976, p. 10).
Eram senhores de engenho e negociavam
A historiadora Daniela Calainho o açúcar que produziam. Ainda
aponta para essa liberdade existente na ocupavam cargos públicos e
colônia, onde cristãos-novos administrativos como procurador da
prosperavam, mas que incomodava os câmara, vereador, escrivão, juiz ordinário,
Inquisidores e a Igreja. tesoureiro, síndico. Além de profissões
respeitadas como médicos e advogados.
A liberdade dos cristãos-novos de E quase sempre proprietários de terras e
ir e vir no Reino com seus bens a casas (NOVINSKY, 2013). Sem dúvida o
partir de 1577, provocando a cristão-novo envolveu-se na sociedade
chegada de muitos aos Brasil, bem
colonial como participante ativo e soube
como a prosperidade econômica
do Nordeste açucareiro em fins do dela tirar proveito para sua sobrevivência
século 16, levou a um crescente e ainda se sobressair aos cristãos-velhos,
aumento de comerciantes e conforme também aponta Wiznitzer:
senhores de engenho de origem

1884
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

Em 1624, o Brasil tinha vivendo praticamente sem interferência.


aproximadamente cinquenta mil Há casos como o de “Antônio Rosado,
habitantes brancos. Esse número, pregador de Sto. Agostinho, que chegou
tão amplo como era, incluía uma a Pernambuco como comissário do Santo
alta porcentagem de marranos. Ofício e ao invés de buscar os hereges
Eram estes, negociantes e
lavradores, donos e
judaizantes, torna-se amigo dos cristãos-
administradores de lavouras e novos, indo até folgar na fazenda de
engenhos, exportadores e Gonçalo Homem de Almeida
importadores, pedreiros, clérigos (NOVINSKY, 2013, p. 116).
católicos, professores, escritores e O historiador Nelson Omegna
poetas (WIZNITZER, 1960, p.
aponta que um dos elementos que
35).
fizeram dos cristãos-novos homens de
Em razão da existência do negócios e bons no trato com dinheiro
Tribunal do Santo Ofício e dos foi a própria repulsa ou “ódio sagrado da
Familiares que estavam atentos para Igreja contra o comércio” (OMEGNA,
denunciar qualquer judaizante, os 1969, p. 122). A teologia nesse período
cristãos-novos tornaram-se mais condenava toda forma de lucro,
cautelosos. Ninguém estava disposto a considerada como fonte de iniquidade.
enfrentar ou cair nas garras do Monstrum Todo aquele que se dedicava ao comércio
Horrendum, o que poderia ser fatal. Esse ou formas de administração de dinheiro
fato pode ser observado nos relatórios da que visava o lucro estava em perigo de
inquisição. perder a alma por defraudar e enganar o
próximo no objetivo do lucro. Assim, o
Em 1618, os judaizantes já não cristão-velho estava em um dilema, não
eram chamados cristãos-novos nos poderia dedicar-se ao comercio, ou lucro,
relatórios inquisitoriais da Bahia,
pois sua personalidade cristã de formação
porém “membros da nação”. As
denúncias de 1618 continham
e consciência não o permitia, mas
pouca informação sobre o alimento necessitava de comerciantes, era uma
ritual, os jejuns, as cerimônias de necessidade social. Assim, para não
luto, a circuncisão, e as práticas comprometer a integridade dos cristãos-
supersticiosas dos judeus. Isto se velhos praticamente todo comércio passa
devia ao fato de que os judaizantes a ser administrado por cristãos-novos a
do Brasil não apenas se tornaram ponto de homem-de-negócio tornar-se
muito ricos e influentes a partir de uma forma de denominar,
1591, mas também mais cautelosos pejorativamente, os cristãos-novos.
e prudentes. As denúncias contra Aquilo que para a igreja e seus súditos era
eles se limitavam principalmente a
uma maldição tornou-se o caminho da
heresias verbais (WIZNITZER,
1960, p. 34).
prosperidade para esses que estavam
excluídos da sociedade cristã-velha.
E houve, talvez por interesse Fazendo com que estes por fim se
dado que os cristãos-novos que eram tornassem dependentes daqueles.
detentores do comércio, ou por não
concordar com os métodos do Tribunal Conclusão
do Santo Ofício, proteção aos cristãos-
novos. Inúmeros elementos
contribuíram para que a ação inquisitorial
Embora ainda estivesse em no Brasil não fosse tão feroz quanto se
atividade o Santo Ofício, entre 1624 e viu na Espanha e em Portugal, mas esta
1635, D. Pedro da Silva Sampaio assumiu ação não deve ser ignorada nem
o Bispado do Brasil e nesse período os esquecida. Devido as dimensões desta
cristãos-novos gozaram da proteção do colônia, também as ações deste tribunal
Governador Diogo Luís de Oliveira,
1885
DF Gonçalves. VIII CIH. 1873 - 1886

foram sentidas de forma diferente, FEITLER, Bruno. Nas Malhas da


algumas regiões como a Bahia e Sergipe Consciência: Igreja e Inquisição no Brasil.
São Paulo: Alameda: Pheobus, 2007.
receberam as Visitações, fizeram
prisioneiros e levaram muitos para serem FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas
julgados pelo Tribunal do Santo Ofício, Gerais no Século XVIII. 3ª Ed. Rio de Janeiro:
Mauad, 2014
principalmente em Lisboa, enquanto nas
comunidades do Sul essa ação não teve MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição & Sociedade.
Salvador: EDUFBA, 2010.
um impacto tão grande, principalmente
pelo fato de nos dois primeiros séculos MOTT, Luiz. A Inquisição em Sergipe; do
da colonização a maioria da população século XVI ao XIX. Aracaju, Sercore Artes
Gráficas, 1989.
encontrar-se no litoral nordestino.
Também se verificou que houve um NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. São
grande número de cristãos-novos que se Paulo: Brasiliense, 2ª Ed., 2007.
estabeleceram neste solo e tornaram-se NOVINSKY, Anita Waingort. Cristãos-Novos
peças importantes no processo de na Bahia: História. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2ª Ed.,2013.
estruturação da economia do país. Eram
comerciantes, homens de negócios, NOVINSKY, Anita Waingort. Inquisição:
banqueiros, médicos, entre muitas outras Prisioneiros do Brasil, Séculos XVI a XIX. São
Paulo: Perspectiva, 2ª Ed., 2009.
atividades. O cristão-novo envolveu-se
com a colônia em grande parte até NOVINSKY. Anita Waingort. Inquisição –
mesmo perdendo suas origens judaicas. Inventários de Bens Confiscados a cristãos-
novos. Fontes para a história de Portugal e do
Foram verdadeiros colonizadores que Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1976.
vieram às terras do Brasil para se
NOVINSKY, Anita Waingort (et al).Os Judeus
estabeleceram e iniciarem sua vida devido que Construíram o Brasil: Fontes Inéditas
às perseguições que sofriam, Para Uma Nova Visão da História. São Paulo:
principalmente na Espanha e em Planeta do Brasil, 2015
Portugal. Infelizmente alguns deles não OMEGNA, Nelson. Diabolização dos Judeus –
conseguiram escapar do Tribunal, sendo Martírio e Presença dos Sefardins no Brasil
condenados, mas uma grande maioria, Colonial. Rio de Janeiro: Distribuidora Record,
não foi atingida, o que possibilitou maior 1969.
desenvolvimento à Terra de Santa Cruz. PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª Ed.,
Referências 2006.
RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de
BRITTO, Rossana G. A Saga de Pero do Sangue: Familiares do Santo Ofício,
Campo Tourinho: o primeiro processo da Inquisição e Sociedade em Minas Colonial.
inquisição no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, São Paulo: Alameda, 2011.
2000
SALVADOR, José Gonçalves. Cristãos-Novos,
CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da fé: Jesuítas e Inquisição. São Paulo: Livraria
familiares da Inquisição portuguesa no Brasil Pioneira Editora: Editora da Universidade de São
Colonial. Bauru, SP: Edusc, 2006. Paulo, 1969.
CORDEIRO, Tiago. Caça às bruxas no Brasil. SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-
Aventuras na História. 88 Ed. Novembro. São Novos. Porto: Editorial Nova, 4ª Ed., 1969.
Paulo: Editora Abril, 2010.
VAINFAS, Ronaldo (Org). Santo Ofício da
COSTA, Célio Juvenal; MENEZES, Sezinando Inquisição de Lisboa: Confissões da Bahia.
Luiz. Reforma Romana e a Inquisição no Império São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Português: Suas Relações Com a Colonização do
Brasil. In: MENEZES, Sezinando Luiz; WIZNITZER, Arnold. Os Judeus no Brasil
PEREIRA, Lupércio Antônio (Organizadores). A Colonial. São Paulo: Livraria Pioneira Editora:
Expansão Ultramarina e a Colonização da Editora da Universidade de São Paulo, 1960.
América Portuguesa. Maringá: Eduem, 2010.

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