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Denise Trento Rebello de Souza - Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
Teresa Cristina Rego - Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
ISSN 1517-9702
Educação e Pesquisa, v. 40, n. 3, 280 p., jul./set. 2014.
Trimestral
Publicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Continuação da Revista da Faculdade de Educação da USP
ISSN 1517-9702
1. Educação.
http://www.educacaoepesquisa.fe.usp.br
http://dialnet.unirioja.es
http://www.redalyc.com
http://www.scimagojr.com
http://www.scielo.org
http://www.scopus.com
E-mail: revedu@usp.br
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Entrevista
829 Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
Entrevistador: Danilo R. Streck
845 Instruções aos colaboradores
Interview
829 Ecological rationality and citizenship education: interview with Gerd Gigerenzer
Interviewer: Danilo R. Streck
O acesso a artigos científicos em meio digital evidenciou que a relação do leitor com o texto possa
se fazer de modo um tanto mais direto, isto é, sem que necessariamente o leitor,
no seu percurso em busca da referência bibliográfica, se depare com informações
sobre o processo de edição que antecedeu e possibilitou a publicação do trabalho.
Um dos efeitos que essa relação um leitor – um texto pode produzir é também
a não necessária localização do artigo a ser lido no interior de um conjunto em
que componha uma organização. A ideia de unificação que sustenta o processo
de organização de um número de periódico científico pode se enfrentar, assim,
com a prevalência da unidade e da autonomia de cada um dos textos sobre a
ideia de organicidade que sustenta a edição de uma revista científica. O mundo
digital nos fez perceber de modo mais decisivo que a parte pode sobressair ou
se sobrepor ao todo.
É com satisfação que se apresenta, portanto, o terceiro número que compõe o volume 40 de
nosso periódico. Encontram-se nele artigos que propõem de modo instigante a
observação de questões educacionais segundo pontos de vista que se pretendem
distintos, inovadores, porque questionadores dos modos como estabelecidos, ou,
por vezes, estabilizados, dos processos de elaboração teórica e/ou metodológica
que sustentam as investigações em suas respectivas áreas. Os princípios que
orientam a organização do presente número de Educação e Pesquisa são, assim,
o questionamento das referências estabelecidas e a proposição de perspectivas
diferenciadas para a produção de conhecimentos no campo educacional.
Nesse sentido, abre a coletânea um conjunto de quatro artigos que se reúnem em torno do
questionamento sobre relações estabelecidas com o saber produzido. No primeiro
deles, “La enseñanza y su relación con el saber en los estudiantes universitarios
colombianos”, Miguel Ángel Gómez Mendoza e María Victoria Alzate
Piedranhita apresentam resultados de pesquisa que se orientou por conhecer
quais mecanismos estariam dificultando o sucesso de estudantes universitários
colombianos em seu percurso acadêmico, num contexto de massificação do
acesso à universidade. Ao questionar os modos como estudantes universitários
estabelecem suas relações com o saber em geral, e com o acadêmico em
O próximo texto desse primeiro conjunto também apresenta questionamentos sobre a relação
do estudante universitário com o saber, mas, neste caso, em contexto brasileiro.
Em “Relação com o saber de estudantes universitários: aprendizagens e
processos”, Maria Gabriela Parenti Bicalho e Maria Celeste Reis Fernandes
Souza também se referenciam na proposta teórico-metodológica de Bernard
Charlot para observar os modos como alunos de uma instituição de ensino
superior comunitária, privada, localizada em Minas Gerais, se relacionam
com os saberes que se lhes apresentam em seu percurso universitário para
a formação profissional. As autoras examinam os diferentes modos como os
sujeitos da pesquisa representam a formação universitária e como valoram a
função dessa experiência em relação a sua formação prévia, aos seus valores
sociais e culturais trazidos da escola básica e da família, e a seus projetos
presentes e futuros. Com a análise dos dados, evidenciam-se características
do contexto observado que proporcionam questionamentos decisivos, quanto
aos objetivos propostos e aos alcançados, para a formação profissional em
Instituições de Ensino Superior, se consideradas as percepções dos estudantes
sobre os modos de sua inserção nesse processo formativo.
Encerra este primeiro conjunto o artigo “O desempenho das universidades brasileiras na perspectiva
do Índice Geral de Cursos (IGC)”, de autoria de Celina Hoffmann, Roselaine
Ruviaro Zanini, Ângela Cristina Corrêa, Julio Cezar Mairesse Siluk, Vitor
No segundo conjunto de artigos a compor este número da revista Educação e Pesquisa, reúnem-se
trabalhos produzidos com o objetivo de revisar o que se produziu historicamente
nas áreas em que se inserem. Em “Contribuições da perspectiva crítica de base
histórico-cultural para a produção científica em psicologia educacional”, Laísy
de Lima, Simone Salviano Alves, Jaqueline Vilar Ramalho e Fabíola de Sousa
Braz Aquino se propõem a mapear, dentre as produções em psicologia escolar e
educacional, aquelas que se filiam à abordagem histórico-cultural de ascendência
vigotskiana. O objetivo é o de reconhecer a produtividade em pesquisas que se
alinham a essa vertente teórica, para contribuir com os processos de investigação
que se realizem segundo essa perspectiva. Mais do que isso, encontra-se, no artigo,
abordagem das produções analisadas que as posiciona em face da elaboração
histórica que as tornou possível, com o que se oferece ao leitor, portanto, dimensão
crítica de relevo para se observar a constituição de uma concepção teórica que,
segundo as autoras, se associa ao compromisso da investigação científica com o
que é do social e da cidadania.
O terceiro conjunto de artigos se reúne em torno da temática do controle dos sujeitos e dos efeitos que
as formas de controle produzem para os processos educativos. O artigo “O sucesso
escolar de meninas de camadas populares: qual o papel da socialização familiar?”,
de autoria de Marília Pinto de Carvalho, Adriano Souza Senkevics e Tatiana Avila
Loges, apresenta resultados de pesquisa de caráter qualitativo, desenvolvida ao
longo de 2011, com oito famílias de setores populares da cidade de São Paulo.
O objetivo foi o de investigar como as diferenças na educação de meninos e na
educação de meninas, tais como representadas e realizadas pelos sujeitos das
famílias participantes da pesquisa, poderiam se associar ao desempenho mais e
menos satisfatório de meninas e meninos na escola. Os autores se propuseram
a romper com as abordagens dicotômicas encontradas em pesquisas que se
voltaram anteriormente sobre a mesma temática, de maneira a não relacionar de
modo estreito o sucesso escolar de meninas ao aprendizado da subordinação a que
estariam social e historicamente submetidas. Antes disso, procuraram observar as
respostas que os dados ofereceram às perguntas orientadoras da investigação e
tratar dessas respostas seguindo o princípio de que as relações de poder ligadas ao
gênero se constituem segundo dimensões contraditórias. Assim, dizem os autores:
“para não reiterar pressupostos afirmados de antemão, buscamos apreender
na análise tanto dimensões de ruptura quanto de manutenção das posições
subordinadas das mulheres”.
Artigo igualmente instigante é “As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre
meninas em instituições católicas”, de Carlos Manoel Pimenta Pires. Em bases
foucaultianas, o autor analisa o chamado Manual de piedade da donzela cristã,
material didático utilizado para a educação de meninas em internatos e conventos,
na segunda metade do século XIX e início do século XX, em Portugal. A hipótese
com que trabalha é a de que, no século XIX, processou-se a formação de episteme e
moral específicas da mulher, de modo a centrar o feminino como agente produtivo
da moralidade para a sociedade que se organizaria então no mundo ocidental e
de que muitos elementos nos encontrariam ainda hoje, na contemporaneidade. A
tese é a de que as instruções eclesiais participaram decisivamente do processo de
Também sobre o processo civilizatório, encerra esse terceiro conjunto o artigo “Educação do corpo
– bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos”. Com a análise de
crônicas publicadas no Jornal do Commercio por José Maria da Silva Paranhos,
personagem decisivo para a conformação do Império brasileiro, Victor Andrade
de Melo observa a importância dos bailes e das sociedades dançantes, não apenas
para a vida social, política e cultural do Rio de Janeiro da época, mas, nesse
caso, para a própria educação dos sujeitos que se constituíam nessa sociedade
que buscava um processo de promoção da civilidade. Em seus escritos, Paranhos
apresentou projetos para o Brasil, e o tratamento de temas relacionados aos bailes
e às danças compunha um de seus meios para a representação do que se desejaria
para uma nação não atrasada e para a evidência de uma elite em contraste com
o povo não educado. As danças da elite e as danças do povo marcavam o lugar
da separação entre uma e outra dessas classes sociais. Para a elite, os bailes
e a dança significavam a chance de polir os costumes, segundo Paranhos, de
modo a possibilitar conviver não elite e povo, mas os diferentes sociais que se
encontravam para compor essa classe privilegiada.
No último grupo de artigos que compõem este número de Educação e Pesquisa, encontram-se
trabalhos que se aproximam no objetivo comum de dialogar com a obra de
pensadores, direta ou não diretamente relacionados ao campo educacional, de
modo a produzirem-se discussões e subsídios para processos educativos. Nesse
sentido, em “Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos
de uma pedagogia solidária internacional”, Antonio Takao Kanamaru propõe-se
a observar o que seria um aspecto pouco considerado da obra do educador: “a
solidariedade radical em seus meios e seus fins”. A hipótese defendida é a de que o
cooperativismo e a autogestão seriam os pontos fundamentais das proposições de
Freinet, porque se associariam a uma pedagogia solidária de caráter internacional.
A defesa dessa hipótese se sustenta na observação de outra característica
também pouco explorada da obra desse autor: a presença de uma interpretação
heterodoxa do marxismo, sobre a alienação do sujeito produtor, as relações
materiais de produção, e a doutrina internacionalista de Marx. Nessas bases, a
pedagogia de Freinet se reinvestiria de ainda mais relevância na atualidade, pois
contraposta aos cerceamentos que políticas educacionais de caráter tecnocrático
e concorrencial, associadas a objetivos mercadológicos e financeiros, impõem à
liberdade pedagógica.
“A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey”, de autoria de Maria Luísa Frazão
Rodrigues Branco, contrasta também as propostas pedagógicas da educação
progressiva aos impedimentos à liberdade que representam na atualidade as políticas
educacionais de base neoliberal. Para responder ao objetivo de seu trabalho, a
autora revisita a obra de John Dewey em busca de assinalar os conceitos centrais
Temos, portanto, neste número de Educação e Pesquisa, artigos em que se apresentam perspectivas
críticas, pontos de vista questionadores, o que enseja a reflexão e o movimento
de posições nos debates contemporâneos no campo educacional. Reúnem-
se textos de áreas diversas da pesquisa em educação e, também, de filiações
institucionais e proveniências regionais as mais diversas, o que responde de
modo representativo à complexidade do campo. Apresenta-se, também, parte
dos artigos vertida ao inglês, com o objetivo de contribuir para a ampliação dos
modos de acesso ao periódico e para a constituição de uma comunidade leitora
cada vez mais abrangente.
Esperamos que esta edição de Educação e Pesquisa contribua para o desenvolvimento das
investigações científicas sobre os processos educacionais, para a contínua revisão
crítica dos modos de produção de conhecimentos na área, e para o necessário
questionamento dos saberes já produzidos.
Émerson de Pietri
Resumen
Palabras clave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, 599-615, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000008 599
Teaching and its relation to knowledge among
Colombian university studentsI
Abstract
Keywords
600 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000008 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 599-615, jul./set. 2014.
Algunos estudios han puesto en evidencia Según Jacky Beillerot (1998) integrante
de manera global los procesos de diferenciación del grupo CREF, indagar la relación con el
de las prácticas de estudio de los estudiantes saber, es
universitarios, tanto en el plano de las estrategias
de aprendizaje (ROMAINVILLE, 1993) como en (…) estudiar las situaciones donde se
el de las competencias lingüísticas y textuales implementan los elementos de esta relación
(POLLET, 2001). El campo de de investigación con el saber. Si se postula que la relación
que se exploró en esta ocasión es el de la con el saber no es tanto un atributo como
relación que los estudiantes mantienen con las un proceso, él es entonces más accesible en
diferentes formas de saber que se les pide o situación, o a él el no es posible acceder sino
demanda adquirir en la universidad. La noción en situación (provocada o natural). (p.7)
de relación con el saber (rapport au savoir), ha
tomado, desde hace veinte años, cada vez más Para investigadores de este grupo como
importancia en el campo de las ciencias humanas Beillerot; Blanchart-Laville; Mosconi (1996),
y de la educación. Se trata de una noción que la referencia a la teoría psicoanalítica está
continúa en proceso de elaboración y que ha netamente marcada. La noción de relación con
podido demostrar hasta ahora su real poder el saber es analizada a través de la problemática
heurístico tanto por sus cuestionamientos, como del deseo de saber. Es la dimensión clínica
por la relación con el campo de investigación e que fundamenta la coherencia epistemológica
intervención que este concepto abre. de sus investigaciones. Ahora bien, en una
Desde los años 90 del siglo pasado, en la perspectiva teórica, la relación con el saber es
tradición de investigación sociológica, psicológica percibida en un primer momento, en el nivel
y de las ciencias de la educación francesas, un de su génesis y en términos de relación de
buen número de investigadores apelan a esta objeto. Al respecto, como lo han desarrollado
noción de relación con el saber. Ella permite una Beillerot; Bouillet; Blanchard-Laville; Mosconi
nueva aproximación al logro, al fracaso y a la (1989), Beillerot (1998) y Blanchard-Laville
deserción escolar y universitaria. Dos equipos de (1996), en sus trabajos de elaboración teórica
investigación de manera sistemática han hecho y la relación con el saber, las concepciones de
uso de esta noción en sus trabajos: el grupo de Wilfred Bion y Donald Wood Winnicott, que
investigación del CREF (Centre de Recherche tratan de la construcción psíquica precoz de la
Education et Formation de la Universidad Paris capacidad de aprendizaje, del pensamiento y de
X – Nanterre) y el grupo ESCOL (Education, las primera experiencias de saber se plantean
Socialisation, et Collectivités Locales de la en primer lugar, junto a la teoría de Jacques
Universidad Paris VIII - Saint Denis). Lacan relacionada con el concepto de deseo, de
Para Bernard Charlot (1997), promotor deseo de saber y de su insatisfacción es, como
del segundo grupo tal, central en esta perspectiva.
Para Bernard Charlot, Élisabeth Bautier
(…) la relación con el saber es el conjunto Jean-Yves Rochex (1992), investigadores del
(organizado) de las relaciones que un grupo ESCOL (Education, Socialisation, et
sujeto humano (esto es singular y social) Collectivités Locales de la Universidad Paris
mantiene con todo lo que surge o se deriva VIII - Saint Denis), la orientación de las
del ‘aprender’ y del saber: objeto, ‘contenido indagaciones sobre la relación con el saber
de pensamiento’, actividad, relación es más sociológica, incluso antropológica.
interpersonal, lugar, persona, situación, Plantean la idea de una sociología del sujeto.
ocasión, obligación, etc., asociados de Sus trabajos intentan dar una nueva dimensión
alguna manera al aprender y al saber. (p. 22) a la cuestión del fracaso escolar en los niños
602 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
primer lugar, de asegurar la cualificación, académico y así contribuir a la superación de la
mediante aprendizajes de calidad, entre otros deserción y abandono estudiantil, es necesario
factores, esperada y sancionada por los diplomas también estudiar la relación que ellos mantienen
universitarios, que se fundamente sobre la con el saber en general, de una parte; y con la
investigación o sobre la profesionalización. naturaleza específica de los saberes enseñados
Pero el otro desafío, es también, asumir en la educación superior o universitaria, de otra
esta masificación preguntándonos sobre parte. De esta manera, en lugar de partir del
los mecanismos de fracaso que frenan la postulado que las dificultades experimentadas
democratización asociadas a las maneras como o vividas por muchos estudiantes provienen
los estudiantes se relacionan con los saberes de las diversas carencias, hemos sometido a
que les ofrece la universidad. prueba en este estudio el supuesto comprensivo
En este contexto, surgen varias según la cual estas dificultades son efectos de
preguntas: ¿cómo el principal implicado, el diferentes maneras de ser y especialmente de
estudiante aprendiz, vive esta situación y en concebir el saber y acceder a él, esto es, de la
particular sus aprendizajes? ¿Qué tipos de relación con el saber.
dificultades encuentra en esta relación con el
saber universitario y cuáles son sus razones? La importancia de estudiar el
Una abundante literatura (ROMAINVILLE, 1999, problema de la relación con
2000; ALZATE; GÓMEZ, 2009, 2010a; ALZATE; el saber en los estudiantes
DESLAULIERS; GÓMEZ, 2010), plantea diversas universitarios
hipótesis que ponen en relieve los factores
imputables al estudiante mismo. Estudios, El campo de investigación sobre la
como los de Alain Coulon (1997), exponen una enseñanza de los saberes universitarios ha sido
correlación entre el origen sociocultural y las preocupación nuestra en los últimos cinco años
dificultades de los estudiantes para adaptarse (2009, 2010, 2010a, 2010b, 2010c) y parte, ante
a los códigos de la enseñanza universitaria: todo, de la hipótesis, según la cual para ayudar
códigos lingüísticos, códigos asociados a los a los estudiantes universitarios es necesario
procesos de afiliación institucional y social, también estudiar la relación que ellos mantienen
exigencias implícitas de la universidad, etc. con el saber en general, de una parte; y con la
Estas dificultades son entonces consideradas naturaleza específica de los saberes enseñados
como el resultado de una falta o de un en la educación superior o universitaria, de otra
déficit: falta de motivación, falta de trabajo, parte. De esta manera, en lugar de partir del
falta de métodos, dominio insuficiente de la postulado generalmente aceptado, que afirma
lengua materna, déficits cognitivos anteriores que las dificultades experimentadas o vividas
atribuidos a la enseñanza secundaria e incluso por muchos estudiantes provienen de sus
asociados a la categoría social. diversas carencias, se considera que el estudio de
Ahora bien, si estos estudios han podido la relación con el saber ofrece una perspectiva
explicar, en parte, el origen de un cierto número diferente para su análisis (POZO; ECHERRÍA,
de dificultades encontradas por los estudiantes, 2009; HOUGARDY; PAMBU KITA, 1999).
parece que otras dimensiones respecto al fracaso En una investigación reciente, Enseñar en
y la deserción universitaria, examinadas en la Universidad. Saberes, prácticas y textualidad
otras poblaciones estudiantiles universitarias, (ALZATE; GÓMEZ; ARBELÁEZ, 2011), nos
no han sido todavía suficientemente exploradas limitamos de manera voluntaria a implementar
en la educación superior. las herramientas de análisis de las formas y
En consecuencia, para ayudar a los sus contextos epistemológicos, textuales y
estudiantes universitarios en su proceso de logro didácticos de los saberes universitarios en
604 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
enunciadas, y que buscan dar cuenta de la Jean-Yves Rochex (1998), quienes consideran
relación con el saber de los estudiantes, así que un gran número de dificultades en los
como de algunas dificultades y situaciones estudios residen en la relación de “evidencia
de fracaso que podrán resultar o surgir en el y de adherencia al lenguaje y a la experiencia
desarrollo de los cursos universitarios. que se tiene con él” (p. 6). Esta relación
Veamos a continuación una breve implicaría resistencias de reconocimiento del
definición de estas dimensiones: carácter construido del saber, e incluso, de
(1) El sentido de los conceptos y de los reconocimiento de las formas de lenguaje
enunciados. Se aborda esta cuestión, retomando simbólicas y discursivas que lo constituyen, en
de Gilles Deleuze (1990), la distinción que este caso, en la enseñanza universitaria.
estableció entre la significación y la designación (3) El contrato didáctico. Guy Brousseau
en la producción de sentido de un discurso (1980) y Franc Morandi & René La Borderie
universitario. En la educación universitaria, (2006), consideran la noción de contrato
el discurso de la enseñanza se presenta con y anotan que el carácter explícito de la
frecuencia como un texto. Con frecuencia, es implementación de un situación compromete
un texto constituido de diferentes elementos: el a diferentes personas. Un contrato es firmado
discurso oral del profesor durante los cursos o deliberadamente por las diferentes partes. En el
sesiones, los soportes o apoyos proyectados en contrato didáctico, se teje así una relación que
pantalla; el programa del curso, los documentos determina lo que cada asociado, en este caso, el
o las lecturas a las cuales los estudiantes son profesor y el estudiante universitarios, tendrá la
remitidos. Se trata, entonces, como afirma responsabilidad de administrar y de la que será
Bernard Rey (2002, 2005), de un texto, porque de una u otra manera, responsable frente al otro.
el conjunto de lo que es formulado tiene una (4) La relación de identidad y afectiva con
coherencia (incluso si el texto es constituido de el saber. El lenguaje en la enseñanza universitaria
elementos dispersos). Igualmente, las palabras puede presentarse bajo una pluralidad de registros
que constituyen estos enunciados no designan de enunciación. Las formas textuales empleadas
en general, las cosas exteriores que se podrían pueden mostrar un estado de diferentes posturas
ver o tocar, ellas tienen sus sentidos y sus que tiene el sujeto con el saber: el yo-mí de la
relaciones mutuas en el marco del texto. experiencia vivida, el del relato, el que analiza y
Entonces, el sentido de los discursos argumenta, etc. Aquí, se plantea como hipótesis
no se deriva ya de la relación que mantienen que los estudiantes universitarios pueden tener
los enunciados con una realidad inmediata problemas para pasar fácilmente de un registro
y concreta compartida entre los locutores al otro, o peor aún, pueden tener la tendencia
universitarios — profesor y estudiantes — sino que a privilegiar el registro lingüístico yo-mí de la
emerge de la relación entre estos enunciados. En experiencia familiar y subjetiva.
oposición, en la vida corriente, los enunciados (5) Las dificultades asociadas a las
sacan su sentido del hecho que ellos refieren a actitudes de estudio. Con el vocablo estudio,
los objetos o a las acciones que constituyen el se reúnen diversas actividades: la asistencia
ambiente actual y familiar de los locutores. La y las actividades del estudiante en los cursos
palabra está entonces anclada en la situación universitarios, incluyendo aquellas que lleva a
del momento. Para expresar esto, se dice que el cabo fuera del local del curso y, en particular,
sentido del discurso del profesor, tal como él se la búsqueda de informaciones complementarias
presenta en la educación superior, nace no de la y sus actividades concretas para aprender.
designación, sino de la significación. Cuando se pregunta a los estudiantes sobre sus
(2) Lo que es importante en el saber. prácticas de estudio y las maneras como ellos se
Se adopta la hipótesis de Èlisabeth Bautier & movilizan, sus respuestas remiten a la hipótesis,
606 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
estudiantes de los cursos indicados en el Cuadro socio-cultural, los estudiantes que vienen de
1, se concibieron y aplicaron los siguientes medios desfavorecidos consideran que tienen
procedimientos: (1) Realización de entrevistas más riesgo y están expuestos al fracaso. Otra
semi-directivas o semi-dirigidas con cada uno corriente de estudios, explica las dificultades en
de los estudiantes universitarios de la muestra. el logro de un estado de déficit en los métodos
La entrevista semi-dirigida tuvo los siguientes de trabajo, lagunas en el dominio de la lengua
objetivos: (a) discernir, en una perspectiva materna y los lenguajes especializados que se
global, la relación con el saber del estudiante, usan en la universidad.
esto es, en una perspectiva biográfica; (b) abordar En la investigación realizada, se exploró
las dificultades que tienen los estudiantes una vía de explicación poco estudiada en
asociadas a las cursos que siguen y a su manera la enseñanza universitaria: algunas de las
de estudiar; (c) desde una perspectiva más dificultades que debe superar el estudiante
sistemática, indagar por las maneras como los universitario para tener éxito tienen que ver
estudiantes conciben y practican el estudio con lo que acontece y hace en los cursos a los
con miras a la presentación de exámenes que asiste. Las dificultades, probablemente tan
parciales y finales, y sus reacciones a este tipo diversas, visibles o ocultas, obstaculizarían
de evaluaciones. (2) Obtención de información la transmisión del saber del profesor al
complementaria y matizada mediante un estudiante, y serían provocadas especialmente
escrito que se les solicitó a los estudiantes: un por la naturaleza específica de los saberes
balance de saber, como lo sugiere Élisabeth universitarios enseñados. La singularidad de la
Bauthier y Jean-Yves Rochex (1998) con los relación con el saber del estudiante se convirtió
estudiantes de la educación secundaria francesa, entonces en objeto de indagación.
obviamente, con sus ajustes correspondientes Con un intencionado objetivo de
a la especificidad de la enseñanza superior o generalización, se agrupan u organizan las
educación universitaria. De esta manera, se constataciones y resultados. Según algunos de
propuso a los estudiantes redactar un corto los elementos que constituyen o identifican las
texto con el objetivo de responder a dos cinco dimensiones de la relación con el saber
preguntas o cuestiones: (a) ¿Aprender, es….?; adoptadas en el estudio.
(b) ¿Desde que usted nació, que ha aprendido,
que es lo importante para usted? En principio La relación con el saber específico
ninguna otra recomendación y precisión se
plantea para este balance de saber, con el fin ¿Qué es importante en el saber? Las
de no influir ni sobre la manera de abordar o respuestas de los estudiantes son testimonio
enfocar las respuestas a los asuntos asociados, de un interés por la validación del saber
ni sobre la manera de redactar de los estudiantes universitario enseñado, aceptando su carácter
universitarios a los cuales se les solicitará su construido e inestable. También declaran
colaboración para obtener esta información privilegiar los razonamientos a los resultados,
sobre su relación con el saber. aceptar la revisión de nociones y conceptos vistas
en los cursos cuando aparecen nuevas teorías
Resultados (presencia de la práctica fuente). La importancia
de tomar en cuenta de la práctica objetivo de
Visto en perspectiva, para el estudiante manera concreta en los cursos universitarios se
surge una especie de determinación siente o reclama en las respuestas obtenidas. De
preexistente al entrar y empezar en los estudios este modo, algunas respuestas a las preguntas
universitarios. La explicación sociológica abiertas son evidencia de la búsqueda de la
enfatiza el factor de pertenencia o proveniencia posible utilidad de los cursos en un plano o
608 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
los fenómenos que han sido delimitados por la de estudiantes consideran al profesor y su
construcción textual que se llama ciencia física. enseñanza como factores determinantes en sus
Pero el ingeniero deberá atender, en el ejercicio prácticas universitarias de saber.
de su profesión, las determinaciones que serán
físicas, pero también industriales, económicas, Las actitudes de estudio
organizacionales, humanas, sociológicas, etc., y
esto de manera simultánea. Algunos estudiantes afirman trabajar
Los estudiantes están interesados tanto sus cursos cerca del fin de los semestres, otros
en la práctica fuente como en la práctica insisten sobre la importancia de estudiar desde
objetivo en la construcción y desarrollo de los el comienzo, familiarizarse tempranamente con
cursos. Esta constatación se confirma además el curso y seguirlo de manera sistemática. Los
en las respuestas obtenidas. En efecto, si un análisis realizados permiten destacar o desvelar
número importante de estudiantes evocan una situación un tanto paradójica. En efecto,
positivamente las discusiones y debates, que si la mayoría de los estudiantes considera
tienen lugar durante el curso, otros insisten importante intentar encontrar las relaciones
sobre el interés de los conocimientos adquiridos entre las ideas, conceptos y nociones que
durante los cursos para su futura profesión. No pertenecen a dominios o campos diferentes,
obstante, los estudiantes consideran que la otros prefieren estudiar cada parte del curso
referencia explícita a la práctica fuente en un paso a paso. Las entrevistas indican que
curso podría derivar en otro tipo de estudio, los estudiantes se dedican a comprender las
muy extenso para ser desarrollado en este nociones a medida que avanza el curso. Sin
escenario. Cuando la práctica objetivo está embargo, esta etapa podría llegar a veces más
presente según los estudiantes entonces podría tarde que los exámenes parciales o finales,
impedir comprender el interés de las materias y entonces es necesario que los estudiantes
universitarias por sí mismas, y acabar por entren en una segunda fase de estudio: la
considerarlas únicamente como herramientas búsqueda de las relaciones y vínculos entre
de utilidad inmediata. ideas, conceptos y nociones ofrecidos en
la enseñanza universitaria. Un sector de
La relación de identidad y afectiva con el saber estudiantes manifiesta comenzar el estudio para
el examen acudiendo a los resúmenes y apuntes
Se observa que en la medida en que se de curso sintéticos, manera parcial de estudiar
desarrollan los semestres universitarios, una que podría interpelar a los cursos universitarios
mayoría de estudiantes reconoce haber cambiado que se exponen por un encadenamiento
su mirada sobre el saber en general, así como la rigurosamente lógico porque los estudiantes
disciplina involucrada de manera más específica. perderían los eslabones de la cadena de
Parece entonces que los estudiantes se dan razonamiento general del curso.
cuenta de las transformaciones que se producen
en su identidad intelectual y en el plano de las El sentido de los conceptos y enunciados
relaciones con sus pares e integrantes de sus
familias, es decir, admiten la transformación de Si bien los estudiantes no señalan
su yo intelectual y las relaciones que establecen necesariamente la necesidad y posibilidad de
en su vida universitaria. Igualmente, los dominar todos los enunciados del profesor de
estudiantes se distancian de sus convicciones manera inmediata, sin embargo, muchos de
que tienen un tinte egocéntrico y comienzan ellos declaran la exigencia de la designación.
a ver nuevas perspectivas y puntos de vista. Dicho de otra manera, para comprender una
Se agrega en este contexto, que un sector noción, concepto, teoría, tienen necesidad
610 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
extensa solo aparecerá cuando se entra en el propiamente dichas, no se excluye, obviamente,
estudio de las relaciones entre nociones. De que pueda haber, en el marco de un curso de
manera inversa, la evaluación puede sorprender forma tradicional (curso magistral), episodios
a los estudiantes que privilegian una estrategia de devolución. Uno de los medios para que
de estudio en función de una problematización esto suceda es que el profesor exponga el saber
fuerte del curso, mientras que los exámenes bajo una forma problematizada. Esto sucede
parciales y finales se elaboran por el profesor de manera práctica cuando en el marco de su
con un modelo de restitución de conocimientos. discurso, los problemas se planteen para que los
Los estudiantes afirman distinguir con estudiantes puedan apropiarlos, es decir, para
relativa facilidad, en el discurso del profesor, que puedan intentar responderlos. Dicho de
lo que es esencial y lo que es anecdótico, un otra manera, se trata que el saber no se presente
número significativo de ellos saben muy bien solamente bajo la forma de enumeración de
lo que se espera de ellos en los exámenes. resultados, sino que los resultados aparezcan
El cuestionamiento de los estudiantes sobre como respuestas a los problemas previamente
los exámenes o la evaluación podría tener planteados. Se podría decir, que en oposición
dos fuentes: una, la distancia entre lo que a la problematización, se encontraría, por
fue anunciado por el profesor (con frases ejemplo, la enumeración (sin que esta última sea
incompletas) y los exámenes con preguntas la única forma opuesta a la problematización).
abiertas para orientar su estudio que se Entre más un curso se aproxime a la forma
mencionarían en el programa o en ciertos de enumeración, como sucesión de elementos
momentos del curso y que a la hora de la presentados en una serie, como única razón
evaluación inducirían al error a los estudiantes; de su articulación común, entonces menos la
otra, sería el contraste entre el contexto agradable dimensión problemática estará presente. No
del curso y la exigencia asociada necesariamente habría en la enumeración, el hilo conductor
a la prueba de evaluación o examen. Si los que le da sentido, y que permite de esta
estudiantes piensan que en algunos cursos cada manera a los estudiantes, volver a apropiarse
uno puede tener su opinión y percibe el examen del saber a través de un pensamiento propio.
como una formalidad como consecuencia de la La presentación del saber como respuesta a
vivencia distendida de las sesiones del curso, el los problemas, que constituye otra manera de
riesgo del fracaso parece evidente. devolución, presenta también la ventaja de
También, la evaluación de los cursos ser análoga o semejante a lo que sucede en la
universitarios puede interesar a los estudiantes práctica científica. El investigador es alguien
cuando los exámenes se elaboran teniendo que pasa su tiempo intentando resolver los
como horizonte su futura profesión, en este problemas. De esta forma, una presentación
caso, las preguntas serían ante todo de problematizada del saber parece a primera
orden técnico-instrumental. Sin embargo, vista, garantizar que habría devolución, y que
es necesario en este tipo de evaluación los estudiantes darían sentido al saber. En
que el profesor comunique oportunamente realidad, las cosas son más complejas y puede
estas exigencias para que se establezca de haber formas de problematización del saber que
antemano el contrato didáctico necesario. no generen la devolución, porque los problemas
son formulados de tal forma que el estudiante
Problematización no pueda apropiárselos o que le aparezcan
como arbitrarios. En consecuencia, no se puede
Si la devolución no se logrará entonces evitar la pregunta por las condiciones
verdaderamente sino en las situaciones para que los problemas del saber tengan sentido
exteriores a las sesiones de cursos universitarios para los estudiantes.
612 Miguel Ángel Gómez MENDOZA; María Victoria Alzate PIEDRANHITA. La enseñanza y su relación con el saber en...
tener un estatuto de concepto en el campo y de relación con elaborado teóricamente y un
ámbito en que se ha aplicado. Sin embargo, uso corriente de esta expresión: (a) por una
la expresión relación con (rapport à) de uso reificación o cosificación de la noción, se puede
corriente a veces no se distingue suficientemente rápidamente suponer que existe una relación
de otras nociones cercanas. con detectable a priori, sin tener en cuenta
Así, Isabell Delcambre & Yves Reuter las situaciones concretas de la enseñanza y
(2002) consideran que el concepto relación con aprendizaje, en nuestro caso universitarias,
es, a menudo, tratado sin una construcción lo que haría de la noción equivalente del
teórica suficientemente elaborada, y la hándicap socio-cultural, noción contra la
evidencia de esta situación es la multiplicidad cual fue precisamente construido el concepto
de vocablos o términos empleados (posición, de relación con: el interés del concepto reside
lugar, postura, punto de vista, identidad precisamente en el hecho de no relacionar
enunciativa, relación con, incluso estatuto o rol) con el estudiante solo sus propias dificultades,
de manera vacilante. Situación que llevaría al sino tomar en consideración el contexto
concepto de relación con a ser un objeto donde (escolar, universitario, entre otros) en el cual él
cabe todo: la puesta en escena del sujeto, sus evoluciona; (b) al querer determinar una relación
relaciones (con el saber, con el lenguaje, con con únicamente a partir de las producciones
la escritura, con las tareas) la implementación escolares de los alumnos y universitarias de los
de estas relaciones, las diversas dimensiones estudiantes, se corre el riesgo de confundirlas
que las estructuran (cognitiva, efectiva), etc. con una simple adecuación con las normas de la
En ausencia de límites o de una construcción institución escolar o universitaria, planteadas a
precisa de los componentes y su articulación, se priori como indiscutibles, con el añadido de un
corre el riesgo de una dilución conceptual. juicio evaluativo que no es compatible con el
A esta dilución conceptual se agrega el riesgo enfoque descriptivo y comprensivo, en nuestro
en el campo de las didácticas, que sería el de un caso, de la relación con el saber.
uso sin precauciones de la noción para determinar Finalmente, esta relación no implica
las aptitudes de los alumnos en la educación media solamente al estudiante universitario y sus
o de los estudiantes en la educación universitaria y aptitudes y comportamientos propios, sino
encerrarlos de esta manera en una categorización, también al profesor y a los otros actores
que para ser posible, necesita de investigaciones del sistema universitario. Sin olvidar la
prudentes y complejas. posibilidad un principio que la relación con
En efecto, al menos dos riesgos son puede convertirse también en un contenido de
posibles por una colusión entre el concepto enseñanza en la universidad.
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Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 617-635, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000012 617
The relationship of higher education students to
knowledge: learnings and processes
Abstract
Keywords
618 http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000012 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 617-635, jul./set. 2014.
Introdução Bernard Charlot, que consiste na demanda da
produção de um texto pelos sujeitos, a partir
Este artigo apresenta resultados de uma das seguintes questões:
investigação que se propôs a compreender as
relações com o saber de estudantes universi� Desde que nasci, aprendi muitas coisas,
tários, utilizando como referencial a teoria da em casa, na rua, na escola e em outros
relação com o saber de Bernard Charlot (1997, lugares... O quê? Com quem? O que é
1999, ���������������������������������������
2000, 2001, 2005, 2009). A escolha des� importante para mim nisso tudo? E agora,
sa abordagem teórica foi motivada pela consi� o que eu espero? (CHARLOT,1999, p. 7)1
deração do caráter complexo da docência, da
especificidade da atividade docente no ensino Acompanhando essa proposição e bus�
superior e das diferentes questões colocadas à cando adequá-la ao nosso campo de investiga�
área da educação pela expansão da oferta des� ção, acrescentamos a esse texto a expressão “na
se nível de ensino. Encontramos nas discussões universidade” antes da expressão “e em outros
de Bernard Charlot a respeito da relação com lugares”. Os textos produzidos pelos estudantes
o saber um referencial teórico que nos parece a partir dessa demanda constituíram o material
apropriado para a compreensão de diferentes por meio do qual discutimos diferentes proces�
aspectos envolvidos nas vivências educacionais sos de suas relações com o saber.
dos estudantes universitários. Na primeira seção deste artigo, apresen�
O campo de pesquisa foi uma universida� tamos os pressupostos teóricos e metodológicos
de privada comunitária localizada em um muni� que embasam a investigação realizada. Na se�
cípio de médio porte do estado de Minas Gerais. gunda seção, mostramos, através de gráficos e
A pesquisa abrangeu os 24 ������������������������
(vinte e quatro) cur� extratos dos balanços de saber, em que porcen�
sos de graduação oferecidos pela instituição, que tagem e de que maneiras as diferentes apren�
estavam agrupados nas áreas de ciências
������������
hu� dizagens são evocadas e discutimos os dados
manas e sociais (administração, design gráfico, encontrados a fim de compreender os processos
direito, história, jornalismo, letras, pedagogia, de relação com o saber dos estudantes pesquisa�
psicologia e serviço social); ciências agrárias e dos. Em outro movimento analítico propiciado
da saúde (agronomia, educação física, farmácia, pela leitura dos balanços de saber, utilizamos os
fisioterapia, nutrição, odontologia, ciências bio� conceitos de sentido e mobilização, a partir do
lógicas) e ciências exatas (arquitetura, ciências mesmo referencial teórico, para compreender
contábeis, ciências da computação, engenharia os relatos produzidos pelos estudantes, o que
civil, engenharia civil e ambiental, engenharia apresentamos na terceira seção do trabalho. Em
elétrica, sistema de informação). Os sujeitos da nossas considerações finais, buscamos refletir,
pesquisa foram os alunos do penúltimo período a partir dos dados, a respeito dos processos de
de cada curso. Os 400 estudantes que compu� ensinar e aprender no ensino superior.
seram a população investigada apresentavam
origem social, faixa etária e trajetórias escola� Uma pesquisa acerca da relação
res diversas. Tomados em conjunto, entretanto, com o saber na universidade
compartilhavam a condição de graduandos de
uma instituição privada comunitária cujos cur� A relação com o saber é, na concepção de
sos não ofereciam, à maior parte dos discentes, Charlot (2000, 2001, 2005, 2009), um conjunto de
experiências acadêmicas que ultrapassassem o
enfoque da formação profissional. 1 - “Depuis que je suis né j’ai appris plein de choses, chez moi, dans la
cité, à l’école et ailleurs... Quoi? Avec qui? Qu’est-ce qui est important
Para coletar os dados, foi utilizado o pour moi dans tout ça? Et maintenant, qu’est-ce que j’attends?”
balanço de saber, instrumento elaborado por (CHARLOT,1999, p. 7) Tradução nossa.
620 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
Buscamos compreender o conjunto Assim, buscamos identificar, ao analisar
dessas relações com o saber vivenciadas pelos o que escreveram os 400 estudantes pesquisados,
estudantes no ensino superior, considerando aquilo que fazia sentido para eles em relação
as especificidades dos processos de aprender a tudo que aprenderam em suas vidas. Essa
nesse contexto, uma vez que a entrada na análise foi levada a cabo por meio dos seguintes
universidade demanda dos estudantes a procedimentos: inicialmente, todos os balanços de
adaptação a processos e relações diferentes saber foram lidos por uma professora pesquisadora
daqueles com os quais se defrontaram nas e uma bolsista de iniciação à pesquisa. Em uma
etapas anteriores da escolarização (COULON, segunda leitura, foram relidos e as aprendizagens
2008). Nesse sentido: foram identificadas e classificadas, pelas mesmas
duas pessoas. A seguir, foram contadas as
[...] aprender é exercer uma atividade em aprendizagens de cada tipo em todos os textos.
situação: em um local, em um momento Foi utilizada a classificação proposta por Bernard
da sua história e em condições de tempo Charlot (2009), dividindo as aprendizagens entre:
diversas, com a ajuda de pessoas que • Relacionais/afetivas: relações interpessoais
ajudam a aprender”. (CHARLOT, 2000, p. 68, e comportamentos afetivo-emocionais, por
grifos do autor) exemplo, “aprendi a amar”, “aprendi a me
relacionar com as pessoas”, “aprendi a conviver
Ao produzirem os balanços de saber, com as diferenças”.
os sujeitos da pesquisa escreveram sobre seus • Ligadas ao desenvolvimento pessoal: conquistas
processos de aprender ao longo da vida e, de pessoais, maneiras de ser, valores, por exemplo,
maneira específica, na universidade. Apesar “aprendi a ser honesto”, “aprendi a não desistir
de tratar da palavra de sujeitos singulares, ao diante das dificuldades”, “aprendi os valores”.
analisar balanços de saber temos acesso aos • Cotidianas: tarefas e atividades do dia a dia,
processos pelos quais os sujeitos “colocam por exemplo, “aprendi a andar”, “aprendi a me
o mundo em ordem”, e não à construção de vestir sozinho”.
histórias escolares singulares. Por isso, “os • Intelectuais/escolares: aprendizagens que en�
balanços de saber são tratados como um texto volvem operações mentais, ou tarefas escolares,
só, onde se procuram encontrar regularidades por exemplo, “aprendi a ler e escrever”, “aprendi
que permitam identificar processos”. (CHARLOT, a estudar”, “aprendi a fazer as lições”.
2009, p. 20). Tratamos, portanto, do grupo de • Profissionais: ligadas ao exercício da profissão,
estudantes da universidade pesquisada. E o que por exemplo, aprendizagens de práticas e
encontramos nos textos produzidos por eles? conteúdos diretamente ligados às profissões.
• Genéricas/tautológicas: por exemplo, “aprendi
Os balanços de saber não nos indicam o muitas coisas”, “aprendi muito”.
que o estudante aprendeu (objectivamente) Tal trabalho de análise permitiu visualizar
mas o que ele diz ter aprendido no em que proporção as diferentes aprendizagens
momento em que lhe colocamos a foram evocadas pelos sujeitos da pesquisa, o
pergunta, nas condições em que a questão que apresentamos a seguir.
é colocada. Por um lado, isto significa
que nós apreendemos não aquilo que o As diferentes aprendizagens e os
aluno aprendeu (o que seria impossível), processos da relação
mas o que, para ele, apresenta de forma com o saber
suficiente a importância, o sentido, o
valor para que ele o evoque no seu relato. Considerando o conjunto dos estudantes
(CHARLOT, 2009, p. 19) pesquisados (gráfico 01) podemos verificar
Total (%)
Genéricas 5,8
Profissionais 3,5
Cotidianas 8,9
622 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
Gráfico 2 – Área de ciências humanas e sociais
Genéricas 5,9
Profissionais 2,3
Cotidianas 11,5
Genéricas 7,1
Profissionais 5
Cotidianas 8
Desenvolvimento pessoal 50
Genéricas 3,9
Profissionais 3
Cotidianas 6,5
Desenvolvimento pessoal 55
Relacionais e afetivas 17
624 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
Tabela 01 – Total dos estudantes e das áreas pesquisadas
Vemos, portanto, que, tanto de maneira aprendizagens, uma quantidade muito maior
geral quanto em cada uma das áreas, os proces� de elementos de seu desenvolvimento pessoal,
sos construídos pelos estudantes na relação que em relação às aprendizagens escolares e
estabelecem com o saber são marcados por uma intelectuais/profissionais?
ênfase sobre as aprendizagens ligadas ao desen� Na busca pela construção dessas res�
volvimento pessoal. Ao mesmo tempo, aprendi� postas – e de outras perguntas – considera�
zagens que seriam esperadas em relação ao en� mos importante abordar diretamente os textos
sino superior, como as intelectuais /escolares e produzidos pelos estudantes, complementando
as profissionais, aparecem com frequência me� o movimento inicial de contabilizar as apren�
nor. É interessante destacar que o predomínio dizagens. Enquanto os dados anteriores refe�
das aprendizagens ligadas ao desenvolvimento rem-se a todas as aprendizagens evocadas nos
pessoal aparece em todas as áreas do conheci� balanços, os extratos a seguir, retirados dos
mento, não sendo uma característica exclusiva balanços, abordam exclusivamente as apren�
dos cursos da área de ciências humanas, nos dizagens atribuídas a espaços e agentes liga�
quais os conteúdos se referem de alguma forma dos ao ensino superior. Ou seja, selecionamos
ao desenvolvimento humano. aquilo que os estudantes dizem ter aprendido
Podemos pensar então que “aprender a na universidade, no curso superior, com os
viver” é importante para todos os estudantes, professores da universidade e com os colegas
sendo que a universidade é um espaço dessa da graduação.
aprendizagem, não apenas por seus conteúdos, Ainda que apresentemos extratos de
mas também pelas vivências interpessoais e por textos produzidos individualmente e, nesse
uma “preparação para o mercado de trabalho” segundo momento, não nos atenhamos mais à
que envolve aspectos individuais, maneiras de quantificação das aprendizagens, continuamos
ser, conquistas pessoais, valores. em uma análise que se refere ao conjunto
Que reflexões podemos empreender dos estudantes, visto que a compreensão das
a partir desses números? Como analisar o lógicas e dos sentidos individuais exigiria
fato de que os estudantes universitários outros procedimentos metodológicos. Ao trazer
pesquisados citem, ao escrever acerca de suas as falas dos estudantes, buscamos aproximar
626 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
conhecimento técnico-científico e a formação sacarose é muito prejudicial aos dentes e
profissional são, em alguns textos, valorizados que você não precisa escovar os dentes
em relação a outras aprendizagens. Escola, 3 vezes ao dia (mas não diga isso ao
universidade e professores são reconhecidos paciente, pois ele não escovará nenhuma
como espaços e sujeitos específicos, exclusivos vez ao dia). Aprendi tantas coisas que é
para determinadas aprendizagens. difícil descrever, pois nesses últimos 4
anos, teoricamente meu conhecimento
Na escola aprendemos a ler e a escrever triplicou. (Estudante de Odontologia, sexo
e na universidade a sermos profissionais. masculino, 22 anos)
(Estudante de Agronomia, sexo feminino,
21 anos) Na universidade tive outras experiências, o
aprendizado se processa de outras formas,
Em casa, na rua, na escola, assim como através de atividades práticas, não apenas
na universidade, aprendi a exercitar tudo aulas expositivas, mas também o trabalho
o que havia aprendido, tal como respeito clínico e laboratorial. Foi possível não só
ao próximo, lealdade, amizade, hones� aprender sobre as matérias relacionadas ao
tidade e também fui complementando o curso, mas também a grande importância
aprendizado técnico, que só lugares como da nossa futura profissão. (Estudante de
a escola e a universidade poderiam me dar. Odontologia, sexo feminino, 21 anos)
(Estudante de Ciências Contábeis, sexo fe�
minino, 22 anos) Na escola aprendi a construir verdadeiras
amizades e a base para um futuro melhor.
Nas escolas e universidades adquirimos Na universidade aprendi mecanismos para
conhecimentos científicos, além de colocar uma boa intervenção profissional, sempre
em prática toda nossa formação em casa respeitando meu código de ética. No estágio
através da família. (Estudante de Educação consegui colocar em prática tudo o que me
Física, sexo feminino, 21 anos) foi ensinado na academia. (Estudante de
Serviço Social, sexo feminino, 21 anos)
Na universidade, após a escolha da futura
profissão, obtém-se o conhecimento teóri� Com meus professores aprendi a escrever,
co-científico, o conhecimento prático e a a ler, fazer contas e sobre a história da hu�
introdução na rotina da profissão ideali� manidade, e atualmente estou aprendendo
zada, através dos estágios, trabalho e re� minha profissão. (Estudante de Serviço
lacionamentos com colegas, professores e Social, sexo feminino, 20 anos)
profissionais. (Estudante de Farmácia, sexo
masculino, 20 anos) Aprendi a lidar com o paciente e suas
particularidades com os professores de
Na faculdade tenho aprendido coisas que estágio e de comunicação terapêutica.
certamente se eu não estivesse aqui não te� Aprendi a ter uma visão holística do
ria aprendido, através dos professores (es� paciente a executar práticas sempre
tudante de Letras, sexo feminino, 22 anos) corretas com os professores de Semiologia
e Fundamentos de Enfermagem. Aprendi
Aprendi que quando se coloca uma meta com os professores de Ética, Saúde do
na vida e você luta por ela, normalmente Adulto, entre outras disciplinas que,
é alcançada, aprendi a respeitar a todos e como enfermeira, preciso ter postura de
que ninguém é superior a ninguém, que tal, ser ético e estar sempre à procura de
628 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
com frequência. O que aparece como mediação Os dados coletados na universidade pú�
entre o presente e o futuro desejado não é o blica foram um pouco diferentes, sendo maior
saber, são os estudos e o diploma. Nesses casos, o percentual das aprendizagens intelectuais ou
a questão do saber não é central na relação do escolares, que representaram 26,9% do total de
estudante com a instituição escolar. aprendizagens evocadas, e menor o percentual
Charlot (2009) fala de uma oposição entre das aprendizagens relacionais e afetivas: 19,7%.
o saber e a vida, para compreender a relação dos Ainda assim, as aprendizagens ligadas ao desen�
jovens franceses com o saber. Para eles, o im� volvimento pessoal ocuparam a principal parcela
portante é a vida, não o saber, e, na escola, viver nos balanços de saber das estudantes de peda�
não é aprender, mas conviver com os colegas. gogia da universidade pública: 36%. As apren�
Em relação a um aspecto, entretanto, a escola faz dizagens cotidianas responderam por 10,8% do
sentido para esses jovens: ela é um espaço rela� total, as profissionais, por 2,3%, as genéricas
cional importante. Essa ênfase no aspecto rela� ou tautológicas, por 4,2%. A análise dos textos
cional pode ser compreendida como um desvio: produzidos pelas estudantes em seus balanços de
saber mostrou que os saberes da escola foram
[...] o aluno está enganado em relação à construídos em relação com os saberes da vida:
função da escola, ele não se apercebe da ou eram a continuidade desses ou seu sentido
sua especificidade, ele familiariza e trans� advinha da relação com a transformação da
forma a instituição em lugar de conví� vida. O saber, para as estudantes de pedagogia
vio, que assim se afasta de seu objectivo. pesquisadas, tinha sentido quando lhes possibi�
(CHARLOT, 2009, p. 83-84) litava ver o mundo de outra maneira, situar-se
nele e relacionar-se com os outros.
Essa interpretação, apesar de correta, não Assim, os resultados encontrados em
é, segundo o autor, suficiente. É necessário consi� nossa investigação com 400 estudantes de
derar que “... a aprendizagem da relação com o ou� uma universidade comunitária não parecem ser
tro é também uma forma de cultura” (CHARLOT, uma idiossincrasia da instituição pesquisada.
2009, p.84). Por isso, esses estudantes demandam As análises realizadas por Charlot, a partir
uma cultura que permita compreender a vida, o dos balanços de saber dos estudantes dos
mundo, os outros, as relações com os outros e liceus profissionais, orientam-nos no sentido
consigo mesmos. As considerações do autor sobre da “leitura positiva” de nossos dados, ou seja,
as diferentes dimensões da ênfase sobre as apren� uma postura epistemológica e metodológica
dizagens relacionais e afetivas nos parecem im� que “[...] liga-se à experiência dos alunos, à
portantes, possibilitando uma compreensão mais sua interpretação do mundo, à sua atividade.”
ampla e complexa dos processos de relações com Nesse sentido:
o saber dos sujeitos de nossa pesquisa.
Em pesquisa realizada em 2009, adotamos [...] praticar uma leitura não é apenas,
o balanço de saberes para analisar a relação nem fundamentalmente, perceber co�
com o saber de 266 estudantes de Pedagogia de nhecimentos adquiridos ao lado das ca�
duas universidades privadas e uma universidade rências, é ler de outra maneira o que é
pública em Minas Gerais (BICALHO, 2011). lido como falta pela leitura negativa”.
Encontramos entre as alunas das instituições (CHARLOT, 2000, p. 30, grifos do autor)
privadas que, do total de aprendizagens evocadas,
30% eram relacionais e afetivas, 40% ligadas ao Ao debruçarmo-nos sobre os dados de
desenvolvimento pessoal, 9% cotidianas, 15% nossa pesquisa, buscamos, portanto, evitar uma
escolares ou intelectuais, 1% profissionais e 5% leitura centrada naquilo que falta aos estudan�
genéricas ou tautológicas. tes universitários investigados. Nessa leitura
630 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
diferentes sentidos ao ensino superior, ao melhor e de um futuro estável. De que maneira
relatarem o que buscam na universidade, o esse sentido atribuído à universidade compõe
que esperam a partir da conclusão do curso de as relações estabelecidas por eles com o saber?
graduação, como se veem enquanto estudantes Propomos duas leituras: por um lado,
e como projetam sua imagem como formados. atribuir à formação universitária o sentido de
Identificamos três polos de organização possibilidade de um futuro melhor – para si e
desses sentidos. O primeiro é o da formação também para outras pessoas – é uma forma
universitária como o caminho para uma de valorização desse processo, e pode ser um
vida melhor, a superação de dificuldades, o fator de mobilização dos estudantes em relação
reconhecimento no mercado profissional. É o a seus estudos. Por outro lado, é importante
que aparece nos relatos seguintes: perguntar, como faz Charlot (2009) na análise
dos dados de suas pesquisas, qual é o lugar
Espero me formar e ter uma vida adequada, ocupado pelo aprender nessa valorização do
para suprir as dificuldades que já foram ensino superior, sendo possível que, em alguns
passadas, e ver isso como um aprendizado casos, a formação universitária seja valorizada
para o futuro. (Estudante de Arquitetura, sem a consideração das aprendizagens ali
sexo masculino, 22 anos) realizadas. Nesse segundo caso, pode acontecer
uma trajetória universitária utilitarista,
Espero que no futuro bem próximo todos voltada apenas para a superação de etapas,
esses conhecimentos sejam o suficiente sem o estabelecimento de relações com o saber
para enfrentar esse mundo. (Estudante de da universidade.
Ciências Contábeis, sexo feminino, 21 anos) Identificamos um segundo polo de
organização dos sentidos atribuídos pelos
O que espero pra mim no futuro é ser estudantes à formação universitária: para vários
feliz, formar, ter uma excelente família e deles, o processo da graduação ocasiona uma
arrumar um bom emprego, isso é tudo que importante mudança pessoal, de perspectivas,
eu quero. (Estudante de Farmácia, sexo maneiras de ver o mundo, maneiras de estar no
masculino, 20 anos) mundo e relacionar-se com as pessoas. A seguir,
alguns extratos de balanços que expressam
Hoje me encontro aqui, dentro de uma esses sentidos:
universidade lutando para conseguir algo
de melhor para mim e para meus filhos. Ao entrarmos no ambiente escolar, o
Consequentemente poderei dar a eles tudo sentido da vida se define mais ainda.
que não tive a oportunidade de ter, inclusive (Estudante de Educação Física, sexo mas�
apoio quanto ao estudo. (Estudante de culino, 20 anos)
Letras, sexo feminino, 31 anos).
Na faculdade, a nossa mente se torna mais
Hoje estou prestes a me formar, sei que “aberta”, muitos conceitos são repensados.
essa é uma oportunidade única e que abrirá (Estudante de Fisioterapia, sexo feminino,
as portas para que eu possa ter um futuro 20 anos)
profissional brilhante, me tornando cada
dia mais feliz. (Estudante de Psicologia, Ingressei na universidade apenas com o
sexo feminino, 24 anos) objetivo financeiro, mas com os novos
conhecimentos adquiridos vi o mundo a
A universidade significa, portanto, para minha volta com outra perspectiva, a de
vários estudantes, a garantia de uma vida fazer algo, tentar mudar aquilo que ainda
632 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
As melhores coisas aprendi na escola, lá como os problemas fundamentais da escola,
descobri minha paixão: a literatura e o do ensino e da aprendizagem. Longe de se
cinema. Na escola aprendi a gostar de esgotarem na disputa entre tradicionais e
estudar, odiar português, mas amar redação. construtivistas, esses problemas apontam
Aprendi que mesmo não suportando para o essencial que é saber se o aluno
números você pode ser bom com eles. tem a possibilidade de ter uma atividade
Descobri que definitivamente sou um intelectual ou não. (CHARLOT, 2005, p. 23)
cientista por natureza, e um pesquisador em
potencial. Não quero parar de ler e assistir A mobilização em relação ao saber em
filmes jamais. Isso me faz viver. (Estudante si – que identificamos como o terceiro polo dos
de Jornalismo, sexo masculino, 21 anos) sentidos atribuídos à formação universitária –
serve como ferramenta teórica para a discussão
Meus professores foram muito importantes dos outros dois polos (a valorização da
para mim, serviram como reais transmissores universidade como caminho para a conquista
de conhecimento, e foi com eles que aprendi de uma vida melhor e o reconhecimento do
a “gostar de aprender”. Defino assim a curso superior como transformador da maneira
minha busca pelo saber. É esse desejo de de ver o mundo). Isso porque, tanto em um caso
conhecer coisas novas e conhecer o mundo quanto em outro, são necessárias, para que o
que me impulsiona a sempre buscar o estudante realmente se insira nos processos de
conhecimento e foi exatamente a percepção aprender da universidade, a compreensão e a
desse desejo que me trouxe ao curso de mobilização em relação aos saberes específicos
licenciatura. (Estudante de Letras, sexo do curso realizado.
feminino, 19 anos) Novamente retomando a preponderância
das aprendizagens ligadas ao desenvolvimento
Na universidade aprendo e aprendi a pessoal, nos balanços de saber, entendemos que
cada momento o prazer de aprender. Para a construção de relações com o saber baseadas
minha vida essa experiência tem um valor no engajamento intelectual e na mobilização
inestimável. (Estudante de Psicologia, sexo intelectual (CHARLOT, 2005, p. 54) pode
feminino, 26 anos) ser um caminho para que as aprendizagens
intelectuais/escolares e profissionais, específicas
Sendo assim, o conhecimento é o que da universidade, passem a fazer mais sentido
me trouxe aqui, neste momento, e o que para os estudantes.
me mantém aqui. Além de ser a minha
motivação e a minha razão para buscar Considerações finais
algo maior para mim, e deixar minha
contribuição para os que hão de vir. Retomando os dados e as discussões
(Estudante de Engenharia Elétrica, sexo apresentadas neste artigo, podemos dizer
masculino, 22 anos) que a relação com o saber dos estudantes
universitários sujeitos da presente pesquisa
Nesses relatos, o conhecimento ocupa está baseada na valorização das aprendizagens
lugar central, é buscado, desejado e parece ligadas a seu desenvolvimento pessoal.
imprimir sentido à realização do curso de Considerando especificamente os processos
graduação. Charlot afirma: de relação com o saber desenvolvidos na
universidade, encontramos duas situações: um
Eis que o problema do sentido e, por grupo de estudantes percebe essa instituição
decorrência, o problema do prazer aparecem como mais uma etapa de seu processo de
634 Maria Gabriela P. BICALHO; Maria Celeste R. F. SOUZA. Relação com o saber de estudantes universitários:...
Referências
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COULON, Alain. A condição de estudante: a entrada na vida universitária. Salvador: EDUFBA, 2008. Tradução de Georgina G. dos
Santos, Sônia Maria R. Sampaio.
Maria Gabriela Parenti Bicalho é pós-doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, doutora em Educação
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professora na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).
Maria Celeste Reis Fernandes Souza é doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-doutoranda
em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CPNq),
secretária adjunta de Educação da Secretaria Municipal de Educação de Governador Valadares/MG e pesquisadora do Grupo
de Estudos sobre Numeramento – GEN/UFMG. Coordena projeto de educação social com pessoas jovens e adultas.
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 637-650, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091464 637
A teaching proposal implemented in an undergraduate
Physical Education program: case-based learning
Abstract
Keywords
638 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091464 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 637-650, jul./set. 2014.
Introdução ser vistas de forma isolada ou fragmentada. A
interdisciplinaridade “surgiu nos anos 70 como
A docência, durante muito tempo, foi resposta às necessidades de uma abordagem
concebida como um dom ou vocação. Ou seja, as mais integradora da realidade”. (DENCKER, 2002,
pessoas que gostavam e tinham facilidade para p. 19). De acordo com Martinazzo (2010, p. 203):
ensinar tornavam-se professores. Hoje, sabemos
que a docência vai muito além do gostar de ensinar [...] a interdisciplinaridade caracteriza-
e do domínio dos conteúdos de suas matérias de se por uma comunicação e até mesmo
ensino. Os desafios atuais da docência requerem por uma colaboração entre as diferentes
conhecimento científico e prático. Trata-se disciplinas, mantendo-se, porém, cada
da necessidade do docente estar em constante uma com e em sua especificidade.
formação, ser capaz de cumprir as exigências das
instituições de ensino, atender as necessidades Em relação à transdisciplinaridade,
e expectativas dos alunos, ter criatividade para podemos dizer que existia a mesma busca da
trabalhar com turmas heterogêneas e saber lidar unidade do conhecimento para que os alunos
com as diferenças, conseguir articular diferentes tenham uma visão mais ampla e global dos
conteúdos, acompanhar os avanços tecnológicos, fenômenos estudados, visando a formar
cumprir o programa de ensino, aliar ensino e profissionais cada vez mais completos. Ou seja,
pesquisa etc. é a soma e unificação de todos os saberes.
O exercício da docência nunca é
estático ou permanente. Segundo Cunha (2004, A compreensão transdisciplinar rompe com
p. 526), “a docência é um processo que se a forma epistemológica e metodológica
constrói permanentemente, aliando o espaço tradicional de ensino. Os limites parcelares
da prática com o da reflexão teorizada”. As impostos pelas disciplinas tradicionalmente
novas informações, as pesquisas, os alunos, as organizadas fragmentam o conhecimento
diferentes instituições de ensino modificam a e impedem a compreensão de um sistema
forma de o professor ministrar as suas aulas. complexo, no qual todos os elementos
Dessa forma, visando a garantir a estão em relação e interdependência.
qualidade do ensino e a aprendizagem efetiva (MARTINAZZO, 2010, p. 201)
dos alunos, o professor do ensino superior
precisa articular os conteúdos de sua disciplina O autor complementa que, para a
com os das demais disciplinas do curso. compreensão da realidade, é necessária uma
A prática pedagógica no ensino superior abordagem transdisciplinar, visando à quebra
necessita superar a visão de ensino fragmentado, da divisão e hierarquização de conhecimentos,
transformando as partes em um todo significativo. bem como à transposição dos conhecimentos
O primeiro passo é estabelecer interconexões estanques e à promoção do diálogo entre as
entre as disciplinas do curso; em seguida, diferentes disciplinas.
permitir a interconexão dos conteúdos, buscando As disciplinas de um curso superior são
a unificação do conhecimento. Esses dois organizadas de forma semestral ou anual. Na
fatores são denominados interdisciplinaridade e grade curricular, encontramos nos primeiros
transdisciplinaridade, respectivamente. semestres as disciplinas consideradas como
O termo interdisciplinaridade pode ser pré-requisitos e as demais disciplinas são dis-
entendido como um conjunto de disciplinas tribuídas ao longo do curso. Acreditamos que
interligadas, ou seja, o conteúdo e as atividades geralmente as disposições dessas disciplinas são
desenvolvidas nas disciplinas que compõem feitas a partir de uma reflexão sobre a impor-
a grade curricular de um curso não podem tância de manter uma integração entre elas.
640 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
Por isso, os currículos dos cursos de sintonia com o contexto sócio-histórico-
formação, que historicamente priorizaram a -cultural de seus alunos e especialmente,
transmissão de conteúdos, precisam ser ques- que incorpore o entendimento da comple-
tionados, pois os cursos que possuem uma visão xidade humana. (MARTINS; MOREIRA;
conteudista geram disciplinas fragmentadas. SIMÕES, 2006, p. 187)
Essa fragmentação existente colabora com a
hierarquia de saberes disciplinares, ou seja, al- O Conselho Nacional de Educação
gumas disciplinas são mais valorizadas ou têm (Parecer 009/2001, p. 10) aponta que os cursos
mais credibilidade dentro de um curso. de licenciatura devem evidenciar:
Nos cursos de educação física, as
disciplinas mais temidas ainda são a fisiologia, [...] os problemas e as especificidades
anatomia e cinesiologia. O medo e a dificuldade das diferentes etapas e modalidades da
que muitos alunos encontram ao cursarem tais educação básica, estabelecendo o equilíbrio
disciplinas criam um falso conceito de que essas entre o domínio dos conteúdos curriculares
são as mais importantes do curso. e a sua adequação à situação pedagógica.
Na verdade, não há disciplinas melhores
ou piores, mais ou menos importantes dentro de Para alcançar tais metas, Hunger
uma grade curricular. Todas as disciplinas fazem e Ferreira (2006, p. 145) acreditam que é
parte de um único curso superior e, portanto, necessário:
devem caminhar juntas em um mesmo patamar.
Por isso, de acordo com Neira (2010, [...] conceber a aprendizagem como um
p.73) “o currículo precisa ser fruto de uma ação processo que depende da interação entre
coletiva”. O autor complementa dizendo que “os o indivíduo e o meio a partir de uma
saberes e situações que constituem o currículo perspectiva metodológica que enfoque
da formação para a docência refletem, em última situações-problemas e o desenvolvimento
análise, o sujeito-professor que se quer formar” de projetos interdisciplinares.
(p.74). Ao contrário de um novelo de lã todo
emaranhado, o currículo precisa ter o formato Os cursos voltados à formação de pro-
de um quebra-cabeça onde todas as “peças” fessores, assim como a estrutura curricular, não
(disciplinas) se encaixam e dialogam entre si. podem ser pensados de forma isolada e desco-
Neira (2010, p.89) acredita que os nectada. Por isso, é necessário discutirmos e
currículos dos cursos de formação inicial de refletirmos a respeito de questões relacionadas
professores de educação física necessitam às contribuições das metodologias problemati-
de modificações, como “alternativa para o zadoras no ensino superior, especialmente nos
desenvolvimento de uma identidade profissional cursos de licenciatura em educação física, vi-
docente coerente com as necessidades sando à melhoria da qualidade desses cursos
educativas da contemporaneidade”. de graduação, tanto na dimensão profissional
Para Martins, Moreira e Simões (2006), quanto na acadêmica.
devemos ensinar aos alunos de educação física
em sua formação acadêmica: Aprendizagem baseada em casos
642 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
propiciada pelas aulas expositivas e enraizadas O filho mais velho, Guilherme, tem 15
pelas metodologias tradicionais. anos e está cursando o primeiro ano do
Hoje, diante de tantos avanços tecno- ensino médio. Já o Carlos tem 8 anos e
lógicos e do rápido acesso às informações, é está no ensino fundamental. E o caçula,
notória a necessidade de o professor tornar a Joãozinho, tem 4 anos e está na educação
sua aula motivadora. A aprendizagem baseada infantil. Todos estão matriculados em
em casos pode ser considerada uma alternativa escolas públicas.
plausível, devido à sua aproximação com a rea- No final de semana, Maria gosta de
lidade e com o preparo para a vida profissional conversar com os filhos sobre o que fizeram
dos alunos. na escola, o que aprenderam, do que mais
Acreditamos que, mesmo que tenhamos gostaram, como estão se comportando
um sólido embasamento conceitual relacionado na sala de aula etc. E então, nesse dia,
à aprendizagem baseada em casos, somente conversa vai e conversa vem, surgiu o
se o colocarmos em ação, em nossa prática, papo sobre as aulas de educação física.
é que conseguiremos dar significado a esses Guilherme disse que o professor de
conceitos e reelaborá-los. Por isso, a seguir, educação física dele é muito legal, pois
apresentaremos um caso aplicado em um curso deixa os meninos jogarem futebol e
de licenciatura em educação física. as meninas jogarem vôlei em todas as
aulas. Isso é muito bom, pois, segundo
Metodologia Guilherme, as meninas só atrapalham
quando inventam de querer praticar esse
Estudar os conteúdos de uma determinada esporte, pois futebol é coisa de menino.
disciplina e relacioná-los com os das demais pre- Carlos relatou que não gosta de participar
sentes no curso para solucionar um caso é muito das aulas de educação física; ele prefere
mais significativo e produtivo para o aluno do ficar sentado olhando os colegas. O
que apenas estudar esse conteúdo para a realiza- professor não insiste para ele participar
ção de uma prova. Por isso, acreditamos que a das aulas, pois ele prefere trabalhar apenas
utilização da aprendizagem baseada em casos é com aqueles alunos que “estão a fim de
importante para a formação no ensino superior. aprender”. Carlos só participa da aula de
Para a elaboração do caso, o primeiro educação física quando chove, pois ele
passo foi pensarmos no conhecimento prévio gosta de jogar damas e, sempre que está
dos alunos do curso de licenciatura em educa- chovendo, o professor deixa os alunos
ção física e nas disciplinas que estavam sendo dentro da sala de aula jogando damas e
ministradas naquele semestre, visando a unir jogo da velha.
informações que envolviam os conteúdos abor- Já o Joãozinho disse que na escola dele
dados nessas disciplinas. Além disso, procu- não tem professor de educação física e que
ramos um tema motivador, que despertasse o é a tia da sala que leva as crianças para o
interesse dos alunos. parque ou dá umas bolas e bambolês para
O caso elaborado foi o seguinte: brincarem no pátio.
Após essa conversa, Maria ficou
Maria, empregada doméstica há 10 anos, preocupada, pois os três filhos estão acima
tem 40 anos, é casada e mãe de 3 filhos. do peso e gostaria que eles se interessassem
Moradora de um bairro periférico de um por alguma atividade física, pois ela já
município do interior de São Paulo, sai assistiu várias reportagens na TV sobre os
de casa às 06h30min e retorna por volta benefícios da atividade física para a saúde
das 18hs. e qualidade de vida. Porém, nos finais
644 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
Os conteúdos e atividades propostas atuação do professor de educação física,
em cada disciplina, apresentados no quadro devido principalmente à falta de recursos e
1, foram desenvolvidos em uma turma de 25 à necessidade de motivar a participação dos
alunos do último ano do curso de licenciatura em alunos por meio de atividades diferenciadas.
educação física pertencentes a uma instituição Segundo Wechsler (1998, p. 40), por
particular de ensino superior, localizada no meio da criatividade, é possível:
interior do estado de São Paulo.
As discussões e debates ocorridos [...] identificar as dificuldades ou os
nas disciplinas foram gravados e serviram elementos faltantes; formular hipóteses a
de referência para a coleta de dados, respeito das deficiências encontradas; testar
proporcionando um registro detalhado das falas e retestar essas hipóteses e, por último,
dos participantes da pesquisa. comunicar os resultados encontrados.
646 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
• Qual a importância do professor de no dia a dia escolar, estamos oferecendo aos
educação física na educação infantil? futuros professores um referencial para a sua
• Quais as dificuldades encontradas pelos atuação profissional.
professores de educação física em inovar e/
ou modificar as suas aulas? Estágio supervisionado
• Por que a maioria dos alunos do ensino
médio não gosta de participar das aulas de A partir dos estágios realizados, os
educação física? alunos compararam o caso com a realidade
• Qual a importância do resgate de jogos vivenciada no âmbito escolar.
e brincadeiras tradicionais nas aulas de Os alunos apontaram que a realidade
educação física? escolar é muito parecida com aquela da situação
fictícia, pois: no ensino médio, a maioria dos
As questões de pesquisa apontadas professores ministra conteúdos envolvendo
pelos alunos estão de acordo com os problemas os esportes e os alunos não têm interesse em
apresentados no caso: a necessidade da inserção participar das aulas de educação física; no
do professor de educação física na educação ensino fundamental, não há diversidade de
infantil; as dificuldades que os professores conteúdos; e, na educação infantil, em grande
encontram em diversificar os conteúdos e parte das escolas, as atividades de movimento
motivar a participação dos alunos; a importância são ministradas pelos professores polivalentes
de trabalhar com os jogos e brincadeiras (professores formados em pedagogia).
tradicionais nas aulas de educação física. Acreditamos que a educação física precisa
Apesar de encontrarmos na literatura reconstruir a sua prática pedagógica tradicional
diversas pesquisas a respeito dessas questões, e caminhar em busca de objetivos, conteúdos
é importante intensificarmos os estudos que e metodologias adequadas aos diferentes níveis
envolvem esses temas, principalmente, durante de ensino e pautadas na cultura corporal de
os cursos de licenciatura em educação física, movimento. De acordo com Fugikawa (2004,
visando a ampliar os conhecimentos teóricos e p.41), “a eficiência do processo de ensino
científicos dos graduandos. depende da forma como a ação pedagógica é
Segundo Paiva e Betti (2010), vários organizada e sistematizada pelo professor”.
estudos surgiram no âmbito da educação física Para isso, o professor precisa “ter co-
escolar após a década de 80, contudo: nhecimento (teórico-prático) para compreender
a realidade em que o aluno está inserido, deve
[...] ainda há carência de pesquisas que, estar atento às peculiaridades que ocorrem e
dotadas de qualificação teórico-metodo- procurar instrumentalizar-se para intervir cons-
lógica, busquem o confronto dessas no- cientemente no contexto das relações escolares.”
vas proposições com situações reais no (FUGIKAWA, 2004, p. 32)
âmbito escolar, para que se possam ava- Em relação às formas de minimizar e/
liar criticamente suas potencialidades e ou solucionar os problemas atuais da educação
limitações, de modo a servir, com maior física escolar, os alunos disseram que:
nitidez, como orientação e referência aos
professores. (PAIVA; BETTI, 2010, p. 305) Os professores que atuam muito
tempo dentro das escolas precisam ser
Ao permitirmos e incentivarmos os incentivados a participar de cursos para
alunos a desenvolverem pesquisas envolvendo atualizarem os seus conhecimentos; para
o processo de ensino e aprendizagem, bem isso, esses cursos precisam ser de qualidade
como os obstáculos encontrados pelo professor e gratuitos. (Informante da pesquisa)
648 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
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Andreia Cristina Metzner é mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, professora dos cursos de
Educação Física e Pedagogia do Centro Universitário UNIFAFIBE e professora de Educação Infantil da rede municipal de São
Carlos.
650 Andreia Cristina METZNER. Proposta didática para o curso de licenciatura em educação física: aprendizagem...
O desempenho das universidades brasileiras na
perspectiva do Índice Geral de Cursos (IGC)
Celina HoffmannI
Roselaine Ruviaro ZaniniI
Ângela Cristina CorrêaII
Julio Cezar Mairesse SilukI
Vitor Francisco Schuch JúniorI
Lucas Veiga ÁvilaI
Resumo
Palavras-chave
I- Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, RS, Brasil. Qualidade na educação superior — Desempenho do IGC nas regiões
Contatos: celina_hoffmann@hotmail.com,
jsiluk@gmail.com,
brasileiras — Avaliação de instituições de educação superior.
vfschuch@gmail.com,
admlucasveiga@gmail.com
II- Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
Contato: angelaccorrea@gmail.com
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 651-666, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014041491 651
Performance of Brazilian universities in view of the
General Course Index (IGC)
Celina HoffmannI
Roselaine Ruviaro ZaniniI
Ângela Cristina CorrêaII
Julio Cezar Mairesse SilukI
Vitor Francisco Schuch JúniorI
Lucas Veiga ÁvilaI
Abstract
Keywords
I- Universidade Federal de Santa Quality in higher education — IGC performance in Brazilian regions —
Maria, Santa Maria, RS, Brasil. Assessment of higher education institutions.
Contacts: celina_hoffmann@hotmail.com,
jsiluk@gmail.com,
vfschuch@gmail.com,
admlucasveiga@gmail.com
II- Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
Contact: angelaccorrea@gmail.com
652 http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014041491 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 651-666, jul./set. 2014.
Introdução 2012). Tais números refletem o contingente
de IES que exercem papel fundamental no
A avaliação é um instrumento de controle desenvolvimento socioeconômico do país, na
e melhoria de desempenho, no que condiz às condição de agente formador dos profissionais
Instituições de Educação Superior (IES). De que atuarão no mercado de trabalho, sendo
acordo com Dias Sobrinho (2010, p. 195): distribuídas em universidades, centros
universitários, e faculdades.
[...] é uma ferramenta capaz de produzir O Ministério da Educação (MEC), por
mudanças nos currículos, nas metodologias meio da Lei nº 10.861, em 2004, instituiu o
de ensino, nos conceitos e práticas de Sistema Nacional de Avaliação da Educação
formação, na gestão, nas estruturas de Superior (SINAES). Consiste em um sistema de
poder, nos modelos institucionais, nas avaliação institucional abrangente e complexo
configurações do sistema educativo. pautado pela autoavaliação, avaliação externa,
condições de ensino e instrumentos de
Por essa razão, deve ser vista como informação como censo da educação superior
importante subsídio para a tomada de decisão e cadastro preenchido pela IES. O SINAES
no contexto de direcionamento das políticas é orientado por meio de indicadores, tais
públicas, bem como na transformação e como: o Conceito Preliminar de Curso (CPC)
melhoria da qualidade de cada IES dentro de e Índice Geral de Cursos (IGC), que subsidiam
sua realidade de trabalho. os processos de avaliação in loco e resultam
A qualidade no cenário da educação tem nos Conceitos de Curso (CC) e Instituição (CI).
sido tema recorrente nos últimos anos, muitas Institucionalmente, são considerados medidas
vezes atrelada à questão do sistema avaliativo da qualidade da Educação Superior (INEP, 2011).
institucional. Burlamaqui (2008), em estudo Esses indicadores exercerem importante
realizado de caráter bibliométrico, enfatiza que papel de nortear as iniciativas de políticas
o conceito de qualidade visto na perspectiva públicas para a educação superior. Conforme
de uma instituição deve estar acompanhado Burlamaqui (2008), a utilização de indicadores
das noções da multidimensionalidade e traz vantagens, pois retrata informações
complexidade, que são características inerentes passíveis de consulta pela sociedade, sobretudo
ao ambiente de uma IES. O autor também aos usuários do sistema. Diante da importância
defende a utilização de dados quantitativos da avaliação da educação superior e da
e qualitativos de forma conjunta para a compreensão de seus instrumentos, indicadores
mensuração do desempenho institucional, uma e resultados daí gerados, este estudo buscou
vez que isso possibilitará uma visão integrada analisar os valores do IGC das universidades
da própria realidade multifacetada da IES. públicas e privadas correspondentes às cinco
De acordo com o censo da educação regiões brasileiras.
superior de 2010, o número total de IES Nesse contexto, faz-se necessário
corresponde a 2.378, sendo a participação considerar que os índices de mensuração
majoritária dada pela esfera privada com da qualidade utilizados pelo INEP não são
88,3%, seguidos da esfera estadual com 4,5%, amplamente aceitos pela comunidade acadêmica
federal com 4,2% e municipal com 3%. No que se dedica aos estudos acerca da educação
entanto, a categoria federal apresenta maior superior. Pelo contrário, desde a sua concepção,
concentração média de matrículas em razão do os indicadores, incluindo o IGC, são alvos de
número de instituições federais com 9.481,4, efusiva polêmica. Schwartzman (2008, p. 20)
enquanto a categoria privada apresenta argumenta, em crítica ao CPC, que é importante
2.256,6 matrículas por instituição (INEP, indicador para composição do IGC:
654 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
bases teóricas e práticas coerentes para Conforme esclarece Zandavalli (2009), a
atingir objetivos socialmente construídos e compreensão de tais antecedentes são funda-
tem, inequivocamente, caráter pedagógico mentais para identificar os avanços e recuos do
e formativo. SINAES, que teve o papel de reestruturação do
modelo de avaliação da educação superior bra-
Acrescenta-se o fato de possuir uma estru- sileira, tendo implícito o desafio de congregar
tura formada por três processos articulados: ava- instrumentos e espaços avaliativos, superando
liação interna (autoavaliação dos sujeitos e hete- a fragmentação por meio da articulação das
roavaliação das estruturas, processos e colegas); formas avaliativas.
avaliação externa (realizada por grupo de sujeitos
pares da comunidade acadêmica), e reavaliação Avaliação institucional e qualidade na
(reflexão crítica dos processos de avaliação). educação superior
Com a criação da Lei nº 9.131, de novem-
bro de 1995, a chamada Lei de Diretrizes e Bases De acordo com Ribeiro (2012), a socie-
da Educação Nacional (LDB), entre outras mudan- dade tem exigido, cada vez mais, a prestação
ças ocorreu a instituição do Exame Nacional de de contas do governo no que condiz ao con-
Educação, o chamado Provão, com a finalidade de junto de serviços prestados pelo Estado. Dentro
aferir conhecimentos e competências adquiridos dessa exigência, está incluída a oferta e a ma-
pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de nutenção da qualidade da educação superior,
graduação. Além disso, existia a pretensão da utili- cujas tarefas de supervisão, correção de erros e
zação dos resultados para o fomento de iniciativas divulgação dos principais resultados são fun-
voltadas para a melhoria da qualidade do ensino. damentais. O direito à educação, assegurado
No que condiz à concepção do SINAES, pelo Estado, por si só não garante seu desem-
essa está fortemente atrelada aos fundamentos penho estratégico no contexto do plano de de-
do PAIUB, sobretudo no que condiz respeito à senvolvimento de um país, é preciso também
experiência adquirida no campo da avaliação assegurar alguns preceitos condizentes com a
institucional aplicada ao contexto da Educação realidade atual, como a busca por padrões de
Superior, conforme Ristoff e Giolo (2006, p. 197): referência que contemplem os princípios da
qualidade (INEP, 2009).
De fato, o novo Sistema Nacional de O termo qualidade não traz uma só con-
Avaliação da Educação Superior incorpo- ceituação capaz de considerar todas as dimen-
rou grande parte dos princípios e diretrizes sões que pode alcançar, mas pode estar relacio-
do Paiub, entre eles, o compromisso forma- nado com a conformidade entre a expectativa e
tivo da avaliação, a globalidade, a integração o resultado atingido e, além disso, pode ser estar
orgânica da autoavaliação com a avaliação atrelado à percepção do sujeito que exerce a ta-
externa, a continuidade, a participação ati- refa de julgar ou atribuir níveis de valor a deter-
va da comunidade acadêmica, o respeito à minada característica ou fenômeno.
identidade institucional e o reconhecimento Nesse contexto, Júnior (2009, p. 259)
da diversidade do sistema. Diferentemente afirma:
do Paiub, no entanto, o Sinaes não adotou o
princípio da adesão voluntária. Com a lei do [...] o que é considerado qualidade pelo
Sinaes, e em consonância com o que estabe- setor acadêmico pode conflitar com a
lecem a Constituição, a LDB e o PNE, todas as qualidade buscada pelos governos, com
IES do País, não apenas as do sistema federal aquela percebida pela sociedade ou,
devem participar dos processos avaliativos então, a que corresponde às demandas do
que compõem o sistema. setor produtivo.
656 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
Sistema de Avaliação da Educação Superior Nesse contexto, o SINAES busca asse-
gurar, entre outros aspectos, a articulação das
O SINAES teve seu início a partir da dimensões interna e externa, particular e glo-
promulgação da Lei nº 10.861, em 14 de abril de bal, além de buscar contemplar os pressupos-
2004, com o intuito de consolidar a avaliação da tos tanto da metodologia qualitativa quanto
educação superior brasileira. Foi instituído na quantitativa. Esse princípio do SINAES vem
forma de política de Estado, o que corresponde atender a demanda de um sistema de avaliação
à adoção das iniciativas e processos avaliativos da educação superior que contemple a comple-
inclusos no sistema, independente da troca de xidade da temática e do processo avaliativo, a
governantes, da esfera administrativa. Ele abrange participação de seus respectivos agentes das
instituições públicas e privadas, com o objetivo de dimensões governamentais, institucionais, de
melhoria da qualidade do ensino superior. aprendizagem, gestão administrativa e social
De acordo com Dias Sobrinho (2010), em (BRASIL, 2004).
sua concepção inicial, o SINAES esteve baseado No entanto, a elaboração e instituição de
nos pressupostos de avaliação e de educação índices de desempenho contribuíram para gerar
global e integradora, voltado a construir um grande polêmica em torno do tema, além de co-
sistema de avaliação da educação superior. Tal locar à prova todo o significado do SINAES que
iniciativa articula-se sob o senso comum de passou a apresentar uma concepção distorcida,
que a tarefa da avaliação do ensino superior diante da comunidade acadêmica. Nesse con-
é complexa o bastante para não se restringir texto, Ribeiro (2012) relata que, nos primeiros
em uma só dimensão avaliativa. Dessa forma, meses do ano de 2008, a comunidade acadêmi-
o SINAES propôs a integração entre diversos ca veio saber, por meio da mídia, a respeito das
instrumentos de avaliação com o objetivo mudanças ocorridas na filosofia do SINAES e
de englobar a pluralidade de variantes de do papel do Estado a partir daquele momento.
indicadores da qualidade com os quais as IES A polêmica gerada ficou em torno da
têm a missão de atender. criação de dois índices: o Conceito Preliminar
O SINAES constitui-se de três pilares de Curso (CPC), regulamentado pela Portaria
principais: a avaliação institucional, a avaliação Normativa nº 4 de 5 de agosto de 2008, an-
de cursos e a avaliação de desempenho dos tecedida pela Portaria Normativa nº 40 de
estudantes dos cursos de graduação, este último 2007 que avalia os cursos de graduação, e o
subsidiado pela aplicação do Exame Nacional Índice Geral de Cursos (IGC), regulamentado
de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Já pela Portaria Normativa nº 12 de 5 de setem-
os dois primeiros pilares são acompanhados bro de 2008, também antecedida pela Portaria
por meio de processos de avaliação in Normativa nº 40 de 2007, que avalia o de-
loco (POLIDORI, 2009). Nesse sentido, é sempenho da instituição como um todo (INEP,
orientado por meio das seguintes dimensões 2011). Em ambos os indicadores, a base prin-
avaliativas: missão e plano de desenvolvimento cipal de cálculo é oriunda do ENADE, instru-
institucional; políticas relacionadas ao mento voltado à mensuração do desempenho
ensino, pesquisa, cursos de graduação, pós- dos estudantes de graduação.
graduação e extensão; responsabilidade A adoção de tais índices para mensura-
social da instituição; comunicação com a ção da qualidade do ensino superior brasileiro
sociedade; políticas de pessoal; administração provocou efusiva polêmica em torno do assun-
e organização institucional; infraestrutura to, proliferando diversas críticas entre os pes-
física; planejamento e avaliação; políticas de quisadores e estudiosos. De acordo com Polidori
atendimento aos estudantes e sustentabilidade (2009), o fato dos indicadores serem baseados
financeira (BRASIL, 2004). no desempenho dos estudantes, por meio dos
658 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
Conforme o manual de indicadores número de matrículas referentes aos anos
de qualidade do INEP de 2011, a unidade de correspondentes, a consideração do triênio deve-
observação a considerar nesse índice corresponde se aos resultados do Enade, que é aplicado a cada
ao curso de graduação, sendo a composição três anos para cada área do conhecimento, e serve
para o cálculo formada pelos indicadores da de base para o cálculo dos CPCs. Além disso,
qualidade: as informações de infraestrutura, para os cursos de pós-graduação são utilizadas as
recursos didático-pedagógicos e corpo docente; o notas Capes da trienal referente ao ano de cálculo.
desempenho obtido pelos estudantes concluintes De acordo com INEP (2011), a Portaria
e ingressantes no ENADE, e os resultados do nº 40 de 2007, novamente publicada em 2010
Indicador da Diferença entre os Desempenhos institui que os resultados das avaliações presentes
Esperado e Observado (IDD). no ciclo avaliativo do SINAES sejam baseados
O IGC, por sua vez, é divulgado em indicadores de qualidade referenciados
anualmente e consiste na média ponderada em escala de 1 a 5 pontos. O status de nível
dos conceitos de graduação e pós-graduação satisfatório correspondem aos resultados iguais
strictu sensu, sendo que para fins de cálculo ou acima de 3 pontos. Sendo os valores abaixo
são utilizados os valores dos CPCs para o de 3 pontos passíveis de notificação. De acordo
conceito da graduação e para os cursos de com Burlamaqui (2008), em termos de avaliação
pós-graduação é realizada a conversão dos institucional, para uma variável ou estatística
conceitos atribuídos pela Coordenação de ser relevante ela deve ser capaz de influenciar
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior o resultado final, além disso, se duas variáveis
(Capes). A ponderação é feita com base no apresentarem causalidade ou interdependência,
número de alunos nos cursos de graduação, perfaz condição de identificar falhas ou
mestrado e doutorado. O resultado apresentado deficiências que sustentam as iniciativas do
é uma variável contínua no intervalo entre 0 processo decisório e possíveis adequações visando
e 5, sendo que para fins de classificação das ao incremento e à melhoria das condições da IES.
IES os resultados são transformados em valores
discretos de 1 a 5, conforme o tabela 1. De Método
acordo com INEP (2011), esse indicador servirá
como referencial norteador das comissões de De acordo com a Portaria Normativa nº 40
avaliação institucional. de 2007, instituída pelo Ministério da Educação,
as universidades são definidas como instituições
Tabela 1 - Distribuição do IGC pluricurriculares de formação dos quadros pro-
fissionais de nível superior, de pesquisa, de ex-
IGC (Faixa) IGC ies (Valor Contínuo)
tensão e de domínio e cultivo do saber humano.
1 0 ≤ IGCies< 0,945 Devem possuir, pelo menos, um terço do corpo
docente com titulação acadêmica de mestrado
2 0,945 ≤ IGCies< 1,945
ou doutorado e um terço do corpo docente em
3 1,945 ≤ IGCies< 2,945 regime de tempo integral. Tais características
4 2,945 ≤ IGCies< 3,945 perfazem condições para fins de regulamenta-
ção, no entanto, não deixam de configurarem
5 3,945 ≤ IGCies≤ 5
em indicadores de qualidade, como mostra a
Fonte: INEP, 2011 composição do CPC referenciado anteriormente.
De acordo com INEP (2012), o número
Para fins de cálculo do IGC, são utilizados de universidades aumentou de 156 em 2001
os valores dos CPCs do triênio anterior ao ano para 190 em 2010, apresentando 54,3% do total
de observação. Sendo a ponderação dada pelo das matrículas, tendo em vista o contingente
660 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
Tabela 2 – Estatísticas descritivas do IGC das universidades ano/2011 por região no Brasil
Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte
Média= 2,77 Média=2,84 Média= 2,72 Média= 2,76 Média=2,91
DP=0,52 DP=0,65 DP= 0,59 DP=0,58 DP=0,60
Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada Pública Privada
Média 2,90 2,51 3,01 2,49 2,90 2,50 3,12 2,56 3,33 2,50
Mín. 1,65 2,03 1,57 1,44 2,10 1,96 2,34 1,75 2,27 2,00
Máx. 3,92 3,75 4,28 3,15 4,21 2,86 4,04 3,77 4,07 2,90
DP 0,52 0,43 0,67 0,42 0,71 0,30 0,52 0,52 0,54 0,31
C.V.(%) 18,02 17,09 22,38 17,05 24,61 12,06 16,79 20,18 16,38 12,27
p-valor 0,01 <0,001 0,16 <0,01 <0,001
Total 34 17 60* 28 10** 8 15 27 11 11
Fonte: elaborado pelos autores com base nos valores do IGC contínuo disponibilizados pelo INEP.
*Três universidades foram avaliadas sem conceito (SC)
**Duas universidades foram avaliadas sem conceito (SC)
apresentam valor médio superior de IGC em média do IGC, em que o maior valor está
comparação com as privadas. A diferença entre presente, sendo o menor valor encontrado no
as médias dos grupos foi significativa (p-valor grupo das universidades privadas. Verificou-
< 0,001). Os valores correspondentes ao desvio- -se que existe diferença significativa entre os
padrão e coeficiente de variação também foram valores médios de IGC para as universidades
maiores em relação à categoria privada. Tal fato públicas e privadas da região (p-valor < 0,01). No
representa uma maior heterogeneidade entre os que se condiz à variabilidade, as universidades
IGCs desse grupo. privadas apresentaram maior dispersão relativa,
A região Centro-Oeste apresenta, assim evidenciando valor mais elevado para o
como as outras regiões citadas acima, um coeficiente de variação.
melhor desempenho das universidades públicas Quanto à região Norte, verifica-se mé-
em relação à média do IGC se comparada com dia geral do IGC maior do que as das regiões
as universidades privadas. Da mesma forma, o Sul, Centro-Oeste e Nordeste, no entanto, com
valor máximo de IGC dessa região pertence a maior desvio-padrão. No que condiz às catego-
uma universidade pública, sendo que o menor rias administrativas, as universidades públicas
valor encontrado está localizado no grupo apresentaram melhor desempenho em compa-
das universidades privadas. No entanto, não ração com as privadas para a média do IGC,
se observou diferença estatística significativa estando o valor máximo do IGC presente entre
entre as médias de IGC entre os grupos das as universidades públicas e o valor mínimo, na
universidades públicas e privadas (p-valor = categoria privada. Observou-se também dife-
0,16). Quanto à variabilidade, as universidades rença significativa entre os valores médios de
privadas apresentaram maior homogeneidade IGC (p < 0,001). No entanto, as universidades
com relação ao IGC, evidenciando valores privadas apresentaram um menor coeficiente
menores para o desvio-padrão e coeficiente de variação, indicando maior homogeneidade
de variação quando comparadas ao grupo das neste grupo.
universidades públicas. A partir da análise dos resultados,
Com relação à região Nordeste, observa- percebe-se o desempenho superior das
se a média geral muito próxima da região Sul. universidades públicas em relação às privadas
Assim como as demais regiões, as universidades em todas as regiões analisadas. O melhor
públicas detêm o melhor desempenho para desempenho do IGC foi observado na região
662 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
Gráfico 1 – Comparação entre Brasil x Regiões. do IGC, devemos levar em consideração a
4,4 composição desse índice de qualidade, o qual
4,2 Box & Whisker Plot
4,0
é formado pela média ponderada dos CPCs,
3,8 e este, por sua vez, relaciona subitens de
3,6 avaliação, tais como: professores doutores e
3,4
3,2 mestres, professores com regime de dedicação
3,0 integral ou parcial, infraestrutura, organização
2,8
didático-pedagógica, notas dos concluintes
2,6
2,4 e ingressantes do Enade, e o indicador de
2,2 diferença entre o desempenho observado e
2,0
1,8
esperado, o chamado IDD (INEP, 2011).
1,6 Destaca-se que, na sua maioria, os
1,4 itens que compõem o CPC favorecem as
Nordeste
Brasil
Sudeste
Norte
Sul
Centro
oeste
664 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
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Celina Hoffmann é graduada em processos gerenciais e aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em engenharia
de produção da Universidade Federal de Santa Maria.
Roselaine Ruviaro Zanini é doutora em epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professora de
estatística na Universidade Federal de Santa Maria; coordenadora da especialização em estatística e modelagem quantitativa;
professora do Programa de Pós-Graduação em engenharia de produção.
Ângela Cristina Corrêa é doutora em engenharia de produção pela Universidade Federal de Santa Maria, administradora
pública federal; pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em administração da Universidade Federal de
Santa Maria; coordenadora do projeto Mapa Estratégico da Educação Superior (MEES), financiado pelo edital Pró-Adm./
CAPES.
Julio Cezar Mairesse Siluk é doutor em engenharia de produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor e
coordenador do Programa de Pós-Graduação em engenharia de produção da Universidade Federal de Santa Maria.
Vitor Francisco Schuch Júnior é doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas, professor no curso
de graduação e pós-graduação em administração da Universidade Federal de Santa Maria nos mestrados acadêmico e
profissional, especialização e programas interinstitucionais.
Lucas Veiga Ávila é graduado em administração e especialista em gestão estratégica de negócios pela Universidade
Regional Integrada, aluno de mestrado do Programa de Pós-Graduação em administração de empresas da Universidade
Federal de Santa Maria.
666 Celina HOFFMANN; Roselaine R. ZANINI; Ângela C. CORRÊA; Julio C. M. SILUK; Vitor F. SCHUCH JR; Lucas V. ÁVILA. O desempenho...
Contribuições da perspectiva crítica de base
histórico-cultural para a produção científica em
psicologia educacional
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 667-682, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091471 667
Contributions of cultural-historical studies with
a critical perspective to scientific production in
educational psychology
Abstract
Keywords
668 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091471 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 667-682, jul./set. 2014.
Introdução interseção entre essas duas áreas, recorre a
Vygotsky como autor que embasa a referida
Esse trabalho é produto de debates e proposta de análise.
reflexões sobre as interfaces da psicologia social Mais recentemente, Arrocho (2010)
com o campo educacional, por se entender a recorre ao modelo histórico-cultural para
importância da relação entre esses campos discutir as relações entre a psicologia social e
de conhecimento para a prática profissional a educação, desenvolvendo articulações entre
do(a) psicólogo(a) e, fundamentalmente, pelo esses dois campos de conhecimento. A partir da
valor atribuído às interações sociais como leitura e dos debates em torno dos textos de
unidade de análise possível entre as referidas Ovejero (1993, 1996) e Arrocho (2009, 2010),
áreas (AROCHO, 2009, 2010; OVEJERO, 1996). buscou-se investigar a presença, na produção
Defende-se que estudar as relações entre esses científica brasileira, da perspectiva crítica na
campos da psicologia e conhecer os principais área escolar e educacional.
referenciais teóricos que orientam uma área Em consonância com pesquisadores
permite entender e atuar profissionalmente de brasileiros (MEIRA, 2003; SOUSA; SILVA,
forma consciente e crítica nos contextos nos 2009; MALUF, 2010; MARTINEZ, 2010;
quais ocorre a atividade do(a) psicólogo(a). NOVAES, 2010; FACCI; EIDT, 2011), observou-
Na compreensão de Ovejero (1996), nos -se, na literatura internacional, a recorrência
últimos anos, assistiu-se a uma progressiva à leitura e análise das questões educacionais a
aproximação entre a psicologia social e a partir do modelo histórico-cultural inaugurado
psicologia educacional, com destaque para por Vygotsky (1932/1996; 1984/2007). Na
o enfoque psicossocial como necessário literatura acima referida, o encontro da
e imprescindível na educação. Segundo educação com a psicologia é atravessado por
afirma o autor, os fenômenos educacionais uma leitura histórico-cultural. Os pressupostos
são essencialmente psicossociais, dado que desse modelo põem em relevo a noção de
compartilham duas classes: interpessoais sujeito constituído histórica e culturalmente,
(interação professor-aluno, aluno-aluno, pais com destaque para os processos de formação
e filhos) e grupais (tipo de grupo e de coesão do indivíduo a partir da rede social em que se
do grupo-classe ou do grupo familiar). O autor insere. Partindo desse modelo, compreende-se
enfatiza que, para abordar adequadamente toda que os processos de ensino e aprendizagem,
a complexa problemática da educação atual, que caracterizam as formas de socialização
é imprescindível a adoção de uma perspectiva e viabilizam a apropriação de ferramentas
abertamente crítica e emancipatória. culturais pelo homem, estão imbricados na
Em relação a essa questão, Ovejero formação da consciência e da subjetividade
(1993, 1996) propõe a necessidade de um (AROCHO, 2009, 2010; OLIVEIRA; MARINHO-
enfoque psicossocial, que leve em conta os ARAÚJO, 2009).
aspectos psicológicos e sociais de um fenômeno No âmbito da psicologia escolar e
que considera claramente psicossocial, qual educacional, Maria Helena de Souza Patto,
seja, o fracasso escolar. Nessa linha, o fracasso na década de 1980, deflagrou uma crítica
escolar seria um fenômeno social e educacional, contundente ao enfoque clínico de atuação
que reflete as relações entre indivíduo e dentro das escolas, crítica essa que denunciava
sociedade. Em seu texto “Psicología social de o modelo hegemônico na psicologia e defendia
la educación”, Ovejero (1996), ao apresentar o uma compreensão do fracasso escolar como
enfoque psicossocial para explorar as relações fenômeno de múltiplas dimensões. Sustentava
entre psicologia social e educacional, além de ainda que o trabalho do psicólogo escolar deveria
enfatizar a interação social como ponto de “contribuir para a elucidação de processos
670 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
conceitos como interação social, cultura, escola, educativos e as políticas decisórias, Bariani,
enquanto um campo de relações e de transmissão Buin, Barros e Escher (2004) realizaram uma
dos conhecimentos historicamente construídos, análise dos objetivos, métodos e enfoques
mediação, e o papel da atividade coletiva no utilizados em pesquisas. Revisaram aquelas
desenvolvimento humano (MEIRA, 2012). realizadas nos cinco anos anteriores ao trabalho
Diante disso, monitorar a produção e que relatassem estudos sobre a psicologia
científica pode funcionar como um crivo que escolar e educacional no ensino superior.
indique a qualidade e os rumos tomados pela A partir dessa revisão, as autoras conclu-
produção do saber. Ter conhecimento dessas íram que: a maioria dos objetivos que se propu-
produções contribui para a identificação seram os documentos refere-se ao conhecimento
dos temas que estão sendo discutidos, dos do perfil de estudantes universitários; predomi-
avanços e das lacunas que ainda precisam ser naram estudos de caráter descritivo; quanto aos
investigadas, com vistas a fundamentar práticas instrumentos de coleta de dados, prevaleceu a
nos contextos educacionais e a promover utilização de instrumento único, composto por
avanços na área (OLIVEIRA; CANTALICE; material impresso; o procedimento de análise
JOLY; SANTOS, 2006; SOUZA FILHO; BELO; mais utilizado foi o quantitativo; os informantes
GOUVEIA, 2006). foram principalmente estudantes universitários;
Desse modo, faz-se necessária a e os trabalhos analisados foram desenvolvidos
elaboração de trabalhos que organizem o tendo uma sólida base teórica.
corpo de conhecimento científico produzido, Cosmo e Urt (2009), reconhecendo a
tendo em vista que seus resultados serão úteis importância da análise da produção científica,
para pesquisas futuras e para a elaboração de realizaram uma pesquisa que visou a identificar
propostas de intervenção em diversos campos a presença do conhecimento psicológico nas
de atuação (OLIVEIRA; SANTOS; NORONHA; produções científicas sobre a escola. Nessa
BORUCHOVITCH; CUNHA; BARDAGI; mesma vertente, Oliveira e colaboradores (2007)
DOMINGUES, 2007; COSMO; URT, 2009). pesquisaram acerca da produção científica
Agências de fomento à pesquisa, em sobre avaliação psicológica no contexto
diversos países, têm investido na realização escolar. Considerando as colocações acima,
de avaliações da produção, com destaque para evidencia-se a importância de pesquisas que
aquelas publicações em periódicos científicos analisem a produção bibliográfica que vem
reconhecidos e conceituados. No cenário sendo construída nessa área do conhecimento.
nacional, entretanto, ainda há uma carência nesse Pontua-se que ainda há muito para ser
campo que conceitua e caracteriza a publicação conquistado nessa esfera, com o intuito de
psicológica nacional (OLIVEIRA; CANTALICE; aproximar teoria e prática. Em termos históricos,
JOLY; SANTOS, 2006). Consoante a essa ideia, o crescimento da área escolar e educacional
Witter (2008) indica que as investigações que na psicologia não ocorreu de forma paralela à
visam a avaliar outras pesquisas não são comuns criação de elementos teóricos e metodológicos
no Brasil, mas começam a ser desenvolvidas. A que fundamentem e consolidem práticas
autora destaca a importância dessas produções transformadoras e emancipatórias. Diversas
ao fomentar subsídios para a produção do críticas são tecidas buscando mostrar que a
conhecimento, definição de políticas de pesquisa área educacional tem ações limitadas, por vezes
e pós-graduação. fundamentadas na patologização dos problemas
Com o objetivo de contribuir para escolares, com uma visão adaptacionista e que
que as investigações científicas assumam uma culpabiliza o aluno; ao invés de contribuir para
postura mais rigorosa e informativa e possam a construção de uma educação democrática,
oferecer uma melhor base para os programas o que, de fato, é o seu papel. Compete à
672 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
que já vêm ocorrendo na área. (MARINHO- que realizaram os levantamentos de forma
ARAÚJO, 2010, p. 26) independente, preenchendo a ficha de análise, a
qual foi desenvolvida a partir do modelo original
A revista semestral da Associação de Bariani e colaboradoras (2004) e adaptada de
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional acordo com os fins aqui propostos. Posteriormente,
(ABRAPEE) foi escolhida por ser o periódico os resultados encontrados foram discutidos
científico de uma associação de abrangência em reuniões com o grupo de pesquisadoras,
nacional da área da psicologia educacional, garantindo-se consenso entre as juízas.
que busca propagar o conhecimento de práticas Por fim, foi realizada uma análise, em
e pesquisas originais e atuais nesse campo. termos quantitativos e qualitativos, dos artigos
Seu propósito é a publicação de manuscritos que contemplavam o critério preestabelecido.
referentes à atuação, formação e história da Ressalta-se que o critério utilizado foi que
psicologia no âmbito educacional, textos de os artigos apresentassem discussões críticas
reflexão crítica e relatos de pesquisas. Vale sobre a atuação e/ou formação do psicólogo
destacar que outras publicações também escolar, pautadas essencialmente na psicologia
apresentam trabalhos na perspectiva escolar histórico-cultural, entendida como uma
crítica. No entanto, esse periódico foi escolhido das abordagens críticas da psicologia que
por ser específico da área da psicologia escolar propõe uma ruptura com o modelo clínico de
e educacional e por sua representatividade nas atuação. Os resultados foram organizados e
produções desse campo. serão apresentados e discutidos, atendendo os
objetivos deste trabalho.
Método
Resultados e discussão
Como se disse antes, inicialmente, foram
escolhidas para a análise as publicações de Ao todo, foram analisados nove números
Psicologia Escolar e Educacional, revista da da revista Psicologia Escolar e Educacional,
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e contabilizando o total de 134 artigos. Dentre
Educacional (ABRAPEE). Em seguida, realizou- todos os artigos, 17 (12,69%) foram classificados
-se uma busca bibliográfica das versões on-line no critério estabelecido inicialmente de
disponíveis na página desse periódico, cobrindo psicologia escolar e educacional numa
o período 2007-2011. Analisaram-se apenas as perspectiva crítica, ou seja, apresentam uma
edições regulares da revista, excluindo-se assim discussão que rompe com a lógica patologizante
uma edição especial do ano de 2007 e o número dos problemas educacionais e propõe uma
dois do volume 12 (2008), que, na época da prática emancipatória, tendo o psicólogo como
coleta de dados, não estava acessível na rede.1 agente dessa mudança. Nesses artigos, foram
Cada exemplar da revista apresentava feitas análises mais minuciosas, considerando
quatro modalidades de publicações: artigos; os seguintes critérios: data de publicação;
resenhas; histórias; e, por fim, sugestões práticas. autoria e filiação institucional; objeto de estudo;
Tendo em vista as necessidades desta pesquisa, enfoques teórico e metodológico; e conclusões
optou-se por analisar apenas os materiais que se dos estudos.
encontravam na modalidade artigo. Cada artigo
foi lido na íntegra por duas das pesquisadoras, Data da publicação
1 - Atualmente, a edição especial (2007) e o número dois do A análise dos artigos indicou que, apesar
volume 12 (2008) podem ser localizadas nos respectivos endereços:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1413- da pesquisa abranger os anos de 2007 a 2011,
855720080002&lng=pt&nrm=iso e http://abrapee.psc.br/Especial.pdf a perspectiva crítica esteve mais presente
674 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
processos educacionais de maneira geral têm os agentes escolares, devem assumir um
destaque especial (ALMEIDA; ALVES; NEVES; compromisso com a transformação, indo além
SILVA; PEDROZA, 2007; TONDIN; DEDONATTI; da transmissão de conhecimentos científicos,
BONAMIGO, 2010; WANDERER; PEDROZA, devendo, para isso, priorizar uma formação
2010; BRAY; LEONARDO, 2011; LESSA; FACCI, voltada para a cidadania, através da educação
2011;). Os autores do presente estudo, pautados e da reflexão crítica. (BRAY; LEONARDO, 2011).
nessa concepção, defendem que os agentes
escolares têm a possibilidade de romper com o Tipos de pesquisa e participantes
paradigma tradicional que culpabiliza o aluno
pelo fracasso e queixas escolares, e repensar Entre os 17 artigos analisados, 13 expõem
suas práticas. Os estudos aqui analisados estudos de campo, os quais apresentam como
consideram o sujeito como ser social e, sujeitos das pesquisas: psicólogos escolares
portanto, inserido em um contexto que o (FACCI; TESSARO; LEAL; SILVA; ROMA, 2007;
influencia e é influenciado por ele. Esses LONGAREZI; ALVES, 2009; WANDERER;
dados corroboram os argumentos de Ovejero PEDROZA, 2010; TADA; SÁPIA; LIMA, 2010;
(1993, 1996), quando aponta a abordagem GASPAR; COSTA, 2011; LESSA; FACCI, 2011;
histórico-cultural de base vygotskiana como SOUZA; RIBEIRO; SILVA, 2011); estudantes
uma das mais coerentes para analisar a do ensino fundamental, médio e/ou superior
interface psicologia social e educação. (SANT’ANA; EUZÉBIOS FILHO; LACERDA
Os proponentes deste estudo concordam JUNIOR; GUZZO, 2009; FONTES; LIMA, 2011;
com os autores que defendem que essa teoria PIOTTO; ALVES, 2011); grupos de professores
ajuda a compreender a importância de vários (ALMEIDA; ALVES; NEVES; SILVA; PEDROZA,
processos na dinâmica escolar que afetam 2007; BRAY; LEONARDO, 2011); e secretários
o desenvolvimento das crianças. A teoria municipais de educação (TONDIN; DEDONATTI;
histórico-cultural auxilia o processo de reflexão BONAMIGO, 2010).
crítica sobre a realidade escolar e fundamenta Os outros quatro artigos são revisões
o compromisso necessário à atuação nesse bibliográficas (BRASILEIRO; SOUZA, 2010;
âmbito. (CARVALHO; MARINHO–ARAÚJO, CARVALHO; MARINHO-ARAÚJO, 2009;
2009; SANT’ANA; EUZÉBIOS FILHO; LACERDA SCHLINDWEIN, 2010; SOARES; MARINHO-
JUNIOR; GUZZO, 2009). ARAÚJO, 2010), e discutem a formação de
Foi destaque nesses trabalhos o uso docentes e de psicólogos no Brasil, bem como
dos principais teóricos da corrente histórico- as concepções da psicologia escolar crítica.
cultural: Vygotsky, Leontiev e Luria. Novas
contribuições da literatura atual na área, autores Conclusões dos estudos
como Patto, Marinho-Araújo, Guzzo, Almeida,
Meira, entre outros, também foram citados por Todos os estudos tratam de importantes
estabelecerem uma produtiva articulação crítica aspectos da psicologia escolar e educacional.
entre os conceitos da teoria histórico-cultural e A partir de fundamentações elaboradas com
o contexto vigente no sistema escolar brasileiro, base nos pressupostos histórico-culturais,
considerando aspectos éticos, sociais, políticos rigor metodológico e procedimentos de
e institucionais (LONGAREZI; ALVES, 2009; análises, chegam a conclusões que podem
BRASILEIRO; SOUZA, 2010; SCHLINDWEIN, contribuir para a reflexão sobre as práticas
2010; SOARES; MARINHO-ARAÚJO, 2010; nessa área e subsidiar novas atuações de
FONTES; LIMA, 2011; PIOTTO; ALVES, 2011). caráter crítico e emancipatório.
Dessa forma, todos os artigos defendem Almeida, Alves, Neves, Silva e Pedroza
que a escola e, consequentemente, todos (2007) analisam a visão de professores do
676 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
críticos, preocupados e conectados com as preciso romper com paradigmas tradicionais e
transformações na área educacional. ampliar a visão das possibilidades de atuação.
A pesquisa realizada por Carvalho e Facci, Tessaro, Leal, Silva e Roma (2007),
Marinho-Araújo (2009) trata da realidade da Piotto e Alves (2011), Lessa e Facci (2011) e Bray
psicologia escolar no Maranhão. Por meio de um e Leonardo (2011) realizaram estudos sobre o
estudo bibliográfico sobre o tema, são levantadas fracasso e/ou as queixas escolares, tendo por
reflexões sobre o histórico e as tendências atuais base a teoria histórico-cultural e produções
no âmbito da formação e atuação do psicólogo recentes da psicologia escolar e educacional.
escolar nesse estado. As autoras mostram Apesar das diferenças existentes entre os
que, apesar das dificuldades de atuação nessa contextos e os participantes dessas quatro
área, as possibilidades de mudanças e novas pesquisas, os autores chegaram a algumas
configurações estão crescendo e contribuindo conclusões comuns. Eles defendem que a
para uma educação mais democrática. escola representa uma influente instituição na
A rede pública de ensino de Rondônia formação do sujeito e que os agentes escolares
foi estudada por Tada, Sápia e Lima (2010), devem estar aptos para educar para a cidadania.
que mostram que a inserção do psicólogo Essa literatura trata o fracasso escolar de forma
nesse âmbito é recente e que a maioria deles mais ampla e considera os diversos agentes
atua de forma clínica nas escolas, por exemplo, escolares, o que possibilita uma prática pautada
realizando atendimentos individuais por tempo em questões mais abrangentes e críticas.
prolongado. Os autores criticam esse tipo de Assim, faz-se necessário romper com
formação e atuação e sugerem uma prática uma visão tradicional, que afirma que o fracasso
pautada na teoria histórico-cultural. e/ou as queixas escolares estão diretamente
Souza, Ribeiro e Silva (2011) investigaram relacionadas apenas aos alunos. A escola
a prática do psicólogo escolar na rede particular também tem um papel importante na produção
de ensino da cidade de Uberlândia (MG). Os do fracasso escolar e diversos aspectos da
resultados constataram que a inserção desse instituição precisam ser analisados e repensados.
profissional no âmbito educacional privado Alguns autores procuram entender
reflete questões históricas da construção da o papel do psicólogo escolar e a realidade
psicologia escolar no Brasil. A atuação dos da escola a partir da concepção dos alunos.
psicólogos, nesse contexto, também é pautada Sant’Ana, Euzébios Filho, Lacerda Junior e
por visões tradicionais, resultantes de uma Guzzo (2009), ao realizarem um estudo com
formação desarticulada dos avanços nessa área estudantes do ensino fundamental, concluíram
de conhecimento. que, de maneira geral, diversas limitações
Outros temas pertinentes são apresentados foram encontradas na compreensão do papel do
nas publicações analisadas e levam à reflexão psicólogo no ambiente escolar. Diante disso, as
crítica sobre as possíveis formas de atuação autoras fazem uma crítica à visão predominante,
do psicólogo. As concepções e práticas do a do modelo clínico de intervenção. Elas
psicólogo escolar sobre a afetividade na relação destacam o surgimento de atuações de caráter
professor-aluno foram estudadas por Gaspar preventivo e comunitário e afirmam que isso
e Costa (2011). Esse estudo enfoca os aspectos precisa se consolidar na prática escolar.
preventivo, criativo e interdisciplinar que a Fontes e Lima (2011) realizaram uma
atuação do psicólogo no âmbito escolar exige. pesquisa com alunos do ensino médio da rede
Cabe ao profissional da área trabalhar com pública estadual de Porto Velho (RO) sobre
processos afetivos que envolvem os agentes a escola e o processo de aprendizagem. Os
escolares, possibilitando o desenvolvimento resultados evidenciam uma escola que tem
desses sujeitos. Para alcançar esse objetivo, é como foco apenas a transmissão do conteúdo,
678 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
alunos de psicologia e de áreas afins, quanto Por fim, considera-se importante men-
na formação continuada de profissionais já cionar que o levantamento aqui apresentado
inseridos no campo de trabalho. não permite capturar o movimento de eferves-
Acrescenta-se que, na trajetória de cência e inquietação dos pesquisadores da área
construção e consolidação na área, foram educacional, dentre outros aspectos, por ser a
apresentadas fortes críticas e reivindicações, escola uma arena complexa, contraditória, que
entre os próprios pesquisadores desse campo, sofre a interferência necessária e profícua do
sobre a necessidade de uma reestruturação plano sócio-histórico e político que a demarca.
dos pressupostos teórico-metodológicos que Assim, espera-se que a presente pesquisa possa
orientavam a formação (inicial e continuada) e contribuir para reflexões acerca do significado
a prática do psicólogo nos meios educacionais que tem revelar o que já foi pensado, produ-
(PATTO, 1997; MEIRA, 2003; GUZZO; zido e sentido sobre uma determinada área do
MEZZALIRA; MOREIRA; TIZZEI; SILVA NETO, conhecimento, podendo, dessa forma, não só
2010; MALUF, 2010; NOVAES, 2010; GUZZO, apontar caminhos percorridos, mas também
2011). Foi dessa inquietação que começou a sinalizar novas possibilidades de atuação, que
ser observado o resgate da teoria histórico- respondam às demandas atuais do campo edu-
cultural, pela alegação de que o indivíduo cativo. E, ainda, integrar um conjunto de estu-
não pode ser explicado subtraindo-lhe a dos acerca do fenômeno em foco, identificando
dimensão sociocultural e histórica e que a temas que carecem de evidências, auxiliando,
escola, enquanto célula social, expressa as de modo geral, na orientação de pesquisas fu-
contradições e movimentos do sistema político turas que possam continuar contribuindo com
e educacional. a produção do conhecimento.
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Recebido em:18.06.2013
Laísy de Lima Nunes é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba.
Simone Salviano Alves é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da
Paraíba.
Fabíola de Sousa Braz Aquino é professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em
Psicologia Social da UFPB.
682 Laísy de L. NUNES; Simone S. ALVES; Jaqueline V. RAMALHO; Fabíola de S. B. AQUINO. Contribuições da...
Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o
padrão de pesquisa do CRPE-SPI
Resumo
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 683-698, jul/set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091590 683
Performance and adaptation of poor children to school:
the research pattern of CRPE-SP I
Abstract
684 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091590 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 683-698, jul/set. 2014.
Introdução da consolidação da excelência implícita ao
padrão recebido.
Muito recentemente, Beisieguel (2013) Neste artigo, quero concordar com a
publicou importante depoimento acerca dos leitura histórica e com a argumentação central
primeiros tempos da pesquisa em sociologia da do autor. Busco também acrescentar um nome
educação na Universidade de São Paulo. Nesse com a intenção de aproximar a riqueza desse
memorial, o autor retoma sua experiência como memorial dos estudos a respeito da infância,
ex-aluno e depois professor de sociologia da os quais têm recorrido à história da pesquisa
educação na mesma Instituição e acrescenta educacional para compreender um pouco de seus
informações acerca de sua experiência no próprios rumos (FREITAS; ZANINETTI, 2012).
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de No âmbito dos estudos a respeito
São Paulo, o CRPE-SP1. da criança e infância no Brasil, tornou-
Num processo de formação de um se fundamental compreender os contextos
vocabulário sociológico próprio, menciona a nos quais alguns padrões de pesquisa foram
importância do livro Sociologia educacional, definidos. O Centro Regional de Pesquisas
de Fernando de Azevedo, mas reconhece nas Educacionais de São Paulo, CRPE-SP, é um
contribuições de Florestan Fernandes e Antonio capítulo muito relevante nessa história.
Candido os mais densos pontos de partida A argumentação aqui apresentada se
para a definição do padrão de investigação da baseia em projeto de pesquisa que utilizou
sociologia da educação brasileira. a documentação do CRPE-SP e que, por
Dois ensaios produzidos por Antonio isso, adquiriu familiaridade com o território
Candido, um publicado como separata do intelectual percorrido por Beisiegel. Se o autor
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – A rememorou a formação de padrões e indicou as
estrutura da escola (1956) – e outro publicado fundações da sociologia educacional brasileira,
na revista Pesquisa e Planejamento, do Centro aqui, pretendo indicar algumas repercussões
Regional de Pesquisas Educacionais de São desse padrão adquirido na forma de estudar a
Paulo – “As diferenças entre o campo e a cidade aproximação entre escola e crianças pobres.
e o seu significado para a educação” (1957) – Em minha opinião, se aquelas influências
são exemplos relevantes daquela nova forma de intelectuais indicaram o caminho, o modo de
se compreender a escola e a vida escolar. caminhar dos que se deixaram influenciar, por
Candido propôs a elaboração de um trato sua vez, sofreu o impacto da especificidade de
sociológico específico para a realidade escolar, alguns temas que o CRPE-SP estimulou como
alertando para a complexidade da vida social centrais para a pesquisa educacional. Nesse
interna em cada unidade. Esse procedimento, no sentido, é necessário também lembrar que o
seu entender, induziria o observador a perceber CRPE-SP era um desdobramento regional de
e a relatar o que cada escola possuía de único um projeto de grande envergadura, que era o
em relação às demais (CANDIDO, 1956, p. 1-2). Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
Na opinião de Beisieguel (2013), Luiz (CBPE), sediado no Rio de Janeiro.
Pereira seria o herdeiro exemplar desse legado, No âmbito do CRPE-SP, uma conexão
tornando-se não somente responsável pela virtuosa se estabelecia, ligando sólidos
produção de textos seminais que se tornaram procedimentos de pesquisa com temas férteis e
clássicos, mas também expressão singular inovadores. Esse cenário favoreceu a produção
de importantes estudos acerca da adaptação da
1- O CRPE-SP foi criado pelo mesmo Decreto n. 38.460 de 28/12/1955 criança à escola e vice-versa.
que criou, no Rio de Janeiro, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,
CBPE, por iniciativa de Anísio Teixeira. Foi vinculado à Universidade de São Tal como Beisiegel indica, em Luiz Pereira,
Paulo em 22/05/1956. de fato, podemos reconhecer a excelência do
686 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
padrão de investigação a ser consolidado. Essas O CBPE e o CRPE-SP eram espaços
discussões permeavam a definição da relevância institucionais que estimulavam a presença de
de temas, objetos e incidiam principalmente pesquisas sociológicas e antropológicas junto aos
sobre as perspectivas a adotar. pesquisadores educacionais. Isso possibilitava
Os debates acerca das perspectivas verificar a sobrevivência de socializações arcaicas
a adotar marcaram os projetos focados no (os chamados velhos urbanismos) e compreender
tema da integração da escola na cidade. Com o impacto dissolvente da escola no modo de
números crescentes, essa integração tinha na viver das grandes cidades (os novos urbanismos).
sua complexa diversidade um aspecto a desafiar Ambos os centros de pesquisa, especializados
a estabilidade de temas e métodos. em educação, procuravam assegurar um padrão
Quando determinado tema se estabilizava de cientificidade baseado principalmente na
na agenda de pesquisa, isso significava que autoridade descritiva dos estudos de caso.
etapas prévias de embate intelectual tinham sido No universo institucional tanto do CBPE
vencidas. Para muitos daqueles intelectuais, o quanto do CRPE-SP, o estudo de caso despontava
que acrescentava dificuldades interpretativas como padrão considerado necessário para
àquela diversidade era a percepção de que que a singularidade da pesquisa educacional
ocorria inevitavelmente a passagem do rural pudesse ser reconhecida e afirmada dentro de
para o urbano. um cenário em que as disputas intelectuais
Nesse sentido, para usar um dos jargões se intensificavam e ganhavam repercussão
do CBPE, a passagem do rural para o urbano nacional. O estudo de caso se firmou como
fazia com que cada cidade pudesse ser entendida padrão de pesquisa entre aqueles que passaram
como laboratório de observação cultural. Estava por ambos os centros e, no bojo dos mesmos
em disputa a produção de sentido sobre o quê e acontecimentos, a relação entre cidade e escola
como observar (XAVIER, 2000). foi abordada com diferentes apropriações da
Essa situação conferia ao adjetivo palavra adaptação.
suburbano uma condição especial. Cultura O objetivo principal deste artigo,
suburbana era, naquele contexto, um lugar portanto, é elucidar como o desempenho e a
simbólico onde permaneciam instalados adaptação de crianças chamadas suburbanas
personagens de um tempo que ainda estava à escola, escola essa que chegava às periferias,
para ser dissolvido no encontro com a cidade. foram temas apropriados por Dante Moreira
As periferias das grandes cidades eram, de Leite e Luiz Pereira, que atuaram no CRPE-SP.
certa forma, apreendidas com representações No CRPE-SP, produzia-se uma abordagem
do encontro entre racionalidade urbana e que era, simultaneamente, a dimensão regional
rusticidade rural, estando a segunda condenada das pesquisas do Departamento de Pesquisa
a dissolver-se na expansão da primeira. Educacional e de Pesquisa Social do CBPE do
A questão da complexa diversidade Rio de Janeiro e a dimensão de afirmação de
do país tornou-se um tema indissociável das um padrão próprio de pesquisa. A riqueza da
preocupações que acompanhavam aqueles documentação preservada2 possibilita registrar
intelectuais a respeito do que eles mesmos alguns aspectos singulares de uma cena que
denominavam “velhos e novos urbanismos” se tornou capítulo indispensável para uma
(PEREIRA, 1959). A referência a velhos e sociologia histórica da adaptação da criança à
novos urbanismos se recriava cada vez que se escola no Brasil.
acentuava a importância de adotar padrões de
pesquisa adequados para garantir que realidades 2- A documentação do CBPE está preservada no Programa de Estudos
e Documentação Educação e Sociedade, da Faculdade de Educação da
urbanas emergentes fossem conhecidas de perto, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e a do CRPE-SP no Centro de Memória
quando convertidas em objeto de pesquisa. da Educação, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
688 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
pudesse oferecer aos estímulos escolares que O corpo e a inteligência das crianças
passavam a fazer parte do cotidiano. foram focados com lentes antropológicas e
Os estudos a respeito do corpo e do sociológicas, tanto no Rio de Janeiro como
intelecto da criança, assim mesmo, com a em São Paulo. Naquele contexto, muitas vezes
separação entre a conformação corporal e a sociologia, a antropologia e as técnicas
a intelectual, eram tomados como parte do etnográficas eram mobilizadas do conjunto de
processo de decifração dos efeitos do modo de saberes identificado como necessário para o
viver sobre as possibilidades de aprender. desvendamento dos efeitos da escolarização no
Quem manuseia a documentação corpo e no intelecto da criança.
conservada do CRPE-SP percebe que, em Por isso, reconhecia-se que ampliar
relação a esse tema, o padrão de investigação a abrangência populacional da escola
repercutia a presença de Florestan Fernandes na significava também trazer para o “território
geografia política e intelectual que demarcava da homogeneidade e dos rituais de trabalho
o fato de o centro regional de pesquisa ter sido simultâneo” (FREITAS, 2011; 2013) crianças
alocado na Universidade de São Paulo. cujas particularidades pessoais e sociais
Florestan foi um dos intelectuais que desestabilizariam duas premissas básicas da
insistiu para que os estudos a respeito da educação na forma escolar: 1) turmas por faixa
infância se sobrepusessem aos estudos acerca etária organizadas em 2) séries anuais.
das crianças e suas dificuldades escolares. Ou A consolidação da escola seriada e sua
seja, de suas intervenções, o CRPE-SP recebia multiplicação pelo país na primeira metade
constantes estímulos para que a análise do do século XX foi um processo permeado pela
modo de viver predominasse sobre as análises de presença de intelectuais que se valeram de
desempenho. Sua familiaridade com a questão aferições, testes e medidas com as quais se
não se originava em interesses pedagógicos detectava a presença maior ou menor dos
(FERNANDES, 1963). indícios de anormalidade entre as crianças que
Entre 1942 e 1959, Florestan Fernandes chegavam à escola (MONARCHA, 1992; 1997;
investigou e publicou estudos a respeito de 2001; 2005; 2008a; 2008b).
folclore e mudanças sociais na cidade de São No CBPE e no CRPE-SP, o período de
Paulo, os quais foram reunidos em livro que se generalização da escola pública republicana no
tornou referência no assunto desde o início da Brasil foi identificado como uma fase (palavra
década de 1960 (FERNANDES, 1961; 2004). típica da década de 1950) em que, ao mesmo
É importante notar o esforço de Florestan tempo, se consolidavam modelos e se reagia à
Fernandes no sentido de resgatar a importância chegada da criança à escola em números mais
do folclore para a compreensão sociológica significativos.
das mudanças sociais que estavam em curso Essa reação entrou novamente em
na cidade de São Paulo. A análise que o autor questão a partir de 1957, com a aceleração
empreendeu acerca da “a cultura de folk, na expansão de vagas públicas na cidade
em desagregação, e a cultura civilizada, em de São Paulo. Tratava-se de compreender a
emergência e expansão” legou um rico e singular incorporação na escola de crianças de locais
material a respeito da configuração cultural ermos, periféricos, suburbanos e que, por isso
da vida urbana brasileira (FERNANDES, 2004, mesmo, punham em risco os fundamentos
p.11), especialmente no que toca ao até então homogeneizantes da escola seriada.
pouco estudado nexo entre cultura, infância e Para utilizar mais uma vez a expressão
cidade. Essa tríade reapareceu fortemente no que Antonio Candido construiu no âmbito do
CRPE-SP pelas mãos de Dante Moreira Leite e CRPE-SP, pode-se perguntar: qual seria o grau
de Luiz Pereira. de (in)compatibilidade entre “mentalidades
690 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
explicitavam as causas do nosso atraso social. muitas vezes refém de plataformas políticas
Já no CRPE-SP, ao redor da noção de atraso, que propunham que a escola pública atuasse
giravam representações do anacronismo de como força centrífuga, capaz de conter a
nossas estruturas educacionais, que nem bem rudeza das periferias em seu próprio território
chegavam às periferias e já eram consideradas (MOREIRA, 1957).
incompatíveis com “o tipo humano lá instalado” Os temas comunidade e subúrbios
(LEITE, 1959; PEREIRA, 1959; GOUVEIA, 1957; eram mobilizados para justificar a elaboração
MOREIRA, 1957). de muitos projetos voltados à verificação do
No CBPE, as metáforas alusivas às impacto da chegada da educação escolar entre
raízes favoreciam estudos acerca do entorno da aqueles que, via de regra, passaram a ser vistos
escola, com base principalmente nos estudos como pessoas que não estavam preparadas para
de comunidade. Já no CRPE-SP, despontavam a rigidez das rotinas escolares.
estudos a respeito da quebra de padrões No Rio de Janeiro, a expressão crianças
culturais que filhos escolarizados introduziam de comunidades tornou-se quase um jargão,
no cotidiano das famílias suburbanas, o um complemento necessário à descrição de
que favorecia a utilização da categoria alunos de determinados locais das cidades. Os
racionalização de atitudes (BASTIDE, 1971; debates relacionados às possíveis adaptações
LAMBERT, 1973; FREITAS, 2005). da escola às realidades locais ensejavam aos
No transcorrer do século XX, o tema pesquisadores colocar em dúvida se a escola
da homogeneidade (ou da sua falta) firmou-se que chegava às margens, às franjas das cidades
como questão estratégica nos momentos nos era, ainda, a mesma instituição e se era capaz
quais os debates a respeito da equalização de de “surtir os mesmos efeitos” (CBPE, 1955). Em
oportunidades influenciaram diretrizes para São Paulo, a expressão que se generalizava era
a organização da escola, suas avaliações, crianças de periferia (FERNANDES, 1963).
sua abertura à circulação de métodos e sua Deve-se lembrar que a própria conceitua-
apropriação de estratégias pedagógicas. ção de comunidade, subúrbio, e de periferia rece-
A planta institucional dos anos 1950 e beu a contribuição decisiva do CBPE, pelos estu-
1960 não era a mesma que aquela de 1929, o dos específicos de João Roberto Moreira (1957),
que permitiu a Lourenço Filho elaborar seus e do CRPE-SP, pelos estudos também específicos
Testes para verificação da maturidade para a de Luiz Pereira (1959; 1967).
escrita (1929). Se o objetivo de Lourenço Filho Para usar uma linguagem familiar
foi o de consolidar critérios para a organização aos pesquisadores do CRPE-SP, parecia-lhes
de classes homogêneas, ou seja, para solidificar ser possível observar a escola em meio aos
as fundações da escola seriada no Brasil, no chamados sertões internos das grandes cidades,
âmbito do CBPE e dos CRPEs, a própria noção de nos seus locais de borda, nos quais o moderno
homogeneidade passou a ser posta em questão. da gramática urbana não se fixara ainda
Especificamente no CRPE-SP, esse fundamento e o arcaico dos resíduos rurais não estava
passou a ser muito relativizado. plenamente dissolvido (FREITAS, 2001).
Quando inicialmente planejada para Tais situações estimularam expedientes
as regiões centrais das grandes cidades, no de aplicação de escalas de verificação de matu-
amanhecer da República, a escola era representada ridade e de escalas de verificação de vocabulá-
como força centrípeta necessária para atrair para rio familiar, para além de outros expedientes de
os seus domínios as crianças que deveriam ser escalonamento das dificuldades individuais e
civilizadas nos moldes de uma civilização escolar. coletivas. Mas foi justamente nessas condições
A chegada gradual da instituição que o padrão assumido por Dante Moreira Leite
às periferias das grandes cidades tornou-a e Luiz Pereira em São Paulo fez diferença.
692 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
A configuração desse campo, no sentido O que impactava fortemente aquela
que Bourdieu (2000) dá à palavra, oferece o geração de intelectuais era a percepção de que
ensejo para que se perceba que, no que toca aos microcidades de mentalidade rural sobreviviam
estudos acerca da inteligência da criança, uma dentro e ao lado das zonas citadinas, que não
nova autoridade argumentativa se fez presente chegavam a ser um todo de mentalidade urbana
e o mote que tornou possível a manifestação (CANDIDO, 1957, p. 59-60).
daqueles jovens pesquisadores foi a “anatomia Dante Moreira Leite interveio em muitos
cultural” (CRUZ, 1961) das periferias das grandes debates, tomando por ponto de partida a
cidades, ou seja, a escolarização de crianças até argumentação de Antonio Candido:
então classificadas como suburbanas.
Para esses novos intérpretes, os Se o início da civilização industrial
repertórios de aferição, medida e avaliação desorganiza a família tradicional e as
da inteligência tinham pouco ou nada a dizer formas tradicionais de proteção à infância
àqueles que povoavam os novos sertões, os (como o apadrinhamento), [é] preciso
locais suburbanos em que escola pública e a criar instituições que as substituam.
expansão urbana trocavam suas incompletudes. Compreende-se, assim, que a escola
Os boletins publicados constantemente deixe de ser uma instituição voltada,
reforçavam a utilização do slogan cada escola é exclusivamente, para o preparo intelectual
uma escola, o que significava um entendimento e passe a desempenhar a função muito
conjunto sobre a unidade escolar como unidade mais ampla de ajustar a criança à vida
sociológica e antropológica (EDUCAÇÃO E social (LEITE, 1959, p. 16).
CIÊNCIAS SOCIAIS, 1956, p. 20). Contudo,
se os componentes internos de cada escola A apropriação de padrões entre os
sugeriam diferentes processos de observação autores se dava, nesse caso, ao redor do tema
e diferenciação, as diferenças entre o campo e adaptação, fosse da escola à criança, fosse da
cidade eram aquelas que permaneciam ao fundo criança à escola.
como referências mais complexas. Florestan Fernandes envolveu-se ativa-
Luiz Pereira assimilava uma orientação mente com o projeto dos centros em quase todas
de Henri Lefebvre, que conheceu lendo Antonio as etapas, desde o planejamento até sua concre-
Candido. Concordou que as desigualdades tização. Seu momento de maior engajamento
mais visíveis das realidades urbanas suscitadas no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
na modernidade eram as desigualdades entre deu-se na fase inicial, quando foi escolhido
homem e mulher, entre ricos e pobres e entre como debatedor do documento inicial, escrito
citadinos e camponeses (CANDIDO, 1957, p. 53). por Oto Klineberg. No Centro Regional de São
Desenvolvia-se um padrão de pesquisa Paulo, sua atuação foi mais intensa na primeira
atento àquilo que, naquele contexto, era definido gestão, de Fernando de Azevedo, entre 1956 e
como dualidade básica da sociedade brasileira. 1961, continuando, logo após, como colabora-
Tínhamos em nossas entranhas sociais uma dor na gestão de Laerte Ramos de Carvalho.
diferença arraigada entre mentalidades agrárias Mais do que um colaborador, Florestan foi
e mentalidades urbanas. um analista constante dos rumos tomados pelos
O novo perfil demográfico que começava estudos de comunidade. Na elaboração das diretri-
a configurar as grandes cidades promovia zes do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
intensa aceleração no ritmo de vida. As e do planejamento do trabalho das Divisões de
pesquisas em andamento deparavam-se com Pesquisa, Florestan manifestou um ponto de con-
crianças que tinham perdido uma referência de cordância em relação ao documento base, assim
habitat e adquirido novo espaço existencial. sintetizada por José Mário Pires Azanha:
694 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
comunidade nacional com base numa especificamente para as instalações do CRPE-
cultura urbana; [...] desintegração do SP, o que se efetivou em 1962.
estamentalismo e outras frações de Nesse mesmo ano, a UNESCO e o Instituto
estrutura social das comunidades rústicas Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) emitiram
[...]. (PEREIRA, 1959, p. 1). documento conjunto em que expressavam
ser o CRPE-SP o local mais adequado para a
O padrão de pesquisa adquirido formação de pesquisadores na área educacional
por Dante Moreira Leite e por Luiz Pereira (ZUBINZKY, 1975). Certa internacionalização
encontrava nos temas desempenho e adaptação do CRPE-SP ocorreu a partir de 1963, com a
da criança pobre à escola a oportunidade para presença de pesquisadores da Universidade de
evidenciar que os intelectuais do CRPE-SP Chicago interessados em pesquisas a respeito da
adquiriram luz própria. estrutura socioeconômica e ensino médio.
A criança em questão, como objeto de As luminosas indicações de Antonio
pesquisa, foi abordada no bojo de interpretações Candido e Florestan Fernandes se materializa-
que permanecem como exemplos de grande ram em escritos que, desde as primeiras versões,
relevância para o estudo da complexa relação revelaram-se destinados a ocupar lugar de des-
que subsiste em nossa sociedade entre cultura taque na história da educação brasileira.
urbana e cultura escolar. Produzia-se renovada Os escritos de Dante Moreira Leite e Luiz
interpretação a respeito do lugar de direito a que Pereira podem ser reconhecidos como expressão
cada criança fazia jus na comunidade nacional. mais densa do padrão CRPE-SP, o qual repercu-
tiu numa forma singular de investigação acerca
Considerações finais do desempenho e da adaptação da criança pobre
à escola. Esse padrão singular de investigação
Em novembro de 1961, o diretor procurou mostrar que a inteligência da criança e
do CRPE-SP, Laerte Ramos de Carvalho, as vicissitudes de sua chegada e permanência na
promoveu a fusão entre os Departamentos de escola são questões que não podem ser reduzidas
Pesquisa Social e de Pesquisa Educacional. às verificações e mensurações de desempenho.
Simultaneamente, foram articuladas as De forma exemplar, demonstravam que a ques-
condições para que o curso de pedagogia da USP tão estava profundamente relacionada à cons-
fosse transferido para a Cidade Universitária, trução do país, como um todo, para todos.
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Marcos Cezar de Freitas é professor Livre-Docente do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências
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698 Marcos Cezar de FREITAS. Desempenho e adaptação da criança pobre à escola: o padrão de pesquisa...
La investigación sobre educación de personas jóvenes
y adultas: las tesis de un concurso latinoamericano
Resumen
Palabras Clave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 699-716, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000014 699
Investigation on Youth and Adult Education: the theses of
a Latin American Contest
Abstract
Keywords
700 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000014 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 699-716, jul./set. 2014.
Introducción los estudiosos de la educación y los tomadores
de decisiones porque allí se encuentran nuevos
En 2005 el Centro de Cooperación conocimientos, hallazgos, propuestas y líneas
Regional para la Educación de Adultos en emergentes de investigación. Cabe mencionar
América Latina y el Caribe (CREFAL) estableció que la investigación sobre la EPJA en la región
el Programa Premio a las Mejores Tesis sobre desde hace dos décadas ha sido incipiente y
Educación de Personas Jóvenes y Adultas en las concentrada en la alfabetización, la educación
categorías de licenciatura, maestría y doctorado básica y la capacitación. ¿Esta situación se ha
para promover la investigación en este campo modificado? ¿Cuál fue la participación de los
educativo a fin de: países de la región en estos concursos? ¿Quiénes,
en dónde y de cuáles programas de licenciatura y
Reconocer y estimular en América Latina y el posgrado se graduaron los concursantes? ¿Cuáles
Caribe, a los autores de las mejores tesis sobre son las temáticas, problemas y tendencias que
EPJA, en la que se proporcione información ocupan la atención de la investigación en EPJA?
básica importante, se propongan nuevos ¿Qué diferencias y semejanzas se observan con
enfoques, se realicen aportaciones teórico- respecto a los Informes Regionales de EPJA
metodológicas o se muestren hallazgos elaborados en 2008?
relevantes en el campo. (CREFAL, 2011). La metodología incluyó tres etapas. En
la primera se mencionan los puntos generales
Esta iniciativa se inscribe en las líneas de de comparación como la participación, tipo de
acción propuestas por el Marco de Acción para instituciones y programas educativos. En la
la Educación de Personas Jóvenes y Adultas en segunda se comparan los países participantes
América Latina y el Caribe 2000-2010 para dar divididos entre aquellos que aportaron el
visibilidad a la EPJA mediante la difusión de mayor y menor número de tesis, indicándose el
experiencias de calidad e influir en las políticas nombre de los programas académicos, así como
educativas respectivas, entre éstas, “apoyar el género de los concursantes. En la tercera se
concursos de investigación y sistematización realizó la comparación entre las cuatro líneas de
de experiencias (…) y realizar investigaciones intervención y las doce áreas de investigación
comparadas” (UNESCO et al., 2000, p. 105). del Marco de Acción EPJA 2000-2010 con
Entre 2005 y 2007 se emitieron las temáticas de las tesis, complementándose
convocatorias anuales y a partir de 2009 con la relación de las áreas nuevas o distintas.
el periodo fue bianual, e integrándose como Posteriormente se compararon estos resultados
institución convocante, la Cátedra UNESCO con dos Informes Regionales (CARUSO et al.,
Brasil, ofreciendo a los autores de las tesis 2008; TORRES, 2009) citados en las referencias
ganadoras la publicación y premios en de este trabajo. Por último, se establecieron
pesos mexicanos de $50.000 en licenciatura, las diferencias y semejanzas entre los aspectos
$75.000 en maestría y $100.000 en doctorado. mencionados y se interpretaron los resultados.
Consideramos importante analizar las tesis La estructura del trabajo comienza con
de los cinco concursos porque son productos el abordaje de aspectos conceptuales de la
académicos que a través de estudios e EPJA en la región y una breve caracterización
investigaciones argumentan afirmaciones que de la situación de la investigación educativa
ponen a prueba los conocimientos adquiridos en esta materia y a continuación se sigue el
por los egresados de programas de licenciatura orden y desarrollo de las etapas metodológicas
y posgrado y constituyen un requisito para arriba mencionadas.
acreditar los estudios cursados. Representan a su Cabe aclarar que las tesis concursantes
vez, una fuente de consulta imprescindible para representan una fuente de consulta entre las
702 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
pues no se circunscribe a los aprendizajes en los los planes de estudio desde la educación básica
espacios escolares sino a una diversidad de lugares formal hasta programas académicos de nivel
en donde se convive para aprender y recrear la superior. En este sentido, no es apropiado que
cultura en sus múltiples manifestaciones. la EPJA los aborde separadamente, asumiéndose
El cuarto, esclarecer la finalidad de la como un espacio homogéneo y paralelo
EPJA y la invitación abierta al diálogo informado dentro de los sistemas educativos nacionales,
para enriquecer las nociones implicadas en este situación que por una parte, reproduce la carga
concepto y sus conexiones, poniendo énfasis en de nociones peyorativas hacia los sujetos que
la perspectiva del aprendizaje a lo largo de la vida la integran (carentes, vulnerables, en riesgo,
a fin de adecuarse a los contextos nacionales, en rezago educativo, etc.), y, por otra, le resta
regionales y locales de esta región (UNESCO et visibilidad, importancia y recursos financieros.
al., 2000). No obstante, los avances mencionados (TORRES, 2009).
también significaron la emergencia de situaciones 4- La especificidad de la EPJA. Si bien
problemáticas que se traducen en nuevos desafíos: la exclusión social y la pobreza es la categoría
1- Ampliación, diversificación y mayor identitaria de la EPJA, no es suficiente para
complejidad del campo de intervención de abarcar a todos los sujetos que la conforman,
la EPJA. La prioridad con los grupos sociales ya sea como población en rezago educativo,
mencionados y la inclusión de las temáticas (jóvenes expulsados del sistema escolarizado
propuestas significa, entre otros aspectos, mayores para los cuales operan políticas compensatorias),
niveles de articulación de políticas públicas población excluida y/o discriminada por
intersectoriales, reforzar vínculos entre el Estado diversas razones a quienes se destinan políticas
y las organizaciones de la sociedad civil, atención sociales, y los sujetos que no se encuentran
a grupos específicos (jóvenes en situación de en alguna de estas situaciones pero les asiste
calle, discapacitados, personas privadas de su el derecho a demandar aprendizajes continuos
libertad, migrantes, adultos mayores, etc.), acceso mediante programas de educación permanente
al mundo digital, e insistir en la formación inicial (CARUSOet al., 2008). Aún más, los jóvenes
y continua de educadores sin la cual la calidad de que cursan la educación secundaria y niveles
la EPJA resulta difícil de alcanzar. intermedios en donde priman condiciones
2- Ausencia de sinergias. Los vínculos de pauperización en el medio rural y urbano
educativos entre niños, jóvenes y adultos ya marginal, ¿no formarían parte de la EPJA?,
sea dentro del sistema escolarizado (propuestas ¿no sería paradójico que la EPJA excluyera a
de alfabetización simultánea entre niños y los estos jóvenes en su atención y estudio o a los
jóvenes y/o adultos; programas comunitarios, estudiantes indígenas que accedieron a estudios
entre otros) y fuera de este (programas de atención de tipo medio y superior?
y educación de la primera infancia que operan a 5- Fragilidad conceptual. Los criterios
modo de escuelas para padres y madres de familia, tradicionales para definir a los sujetos de
aprendizaje intergeneracional, comunidades de la EPJA como la edad, el rezago, condición
aprendizaje y otros), muestran la necesidad de social, modalidad educativa resultan hoy día
coexistencia y mutua interdependencia entre insuficientes dada la multiplicidad de situaciones
sistemas formales y no formales cuyas fronteras generadas por la pobreza e inequidad social y al
son cada vez más relativas y artificiales. papel diversificado que estos asumen: ciudadanos,
3- Aislamiento y homogeneidad de padres, trabajadores, adultos mayores, etcétera.
la EPJA. El énfasis en la ciudadanía, la (CARUSO et al., 2008). Además, la discusión
interculturalidad, los derechos humanos, el sobre una definición y caracterización que
desarrollo comunitario y el cuidado del medio trascienda el término EPJA desde la perspectiva
ambiente, son ejes transversales incluidos en del aprendizaje a lo largo de toda la vida no ha
704 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
ha tenido un papel protagónico dentro de la Participación, instituciones y
investigación educativa pues desde los años 70 y programas
bajo la influencia de la educación liberadora de
Paulo Freire y Orlando Fals Borda, se cultivaron Conforme a los datos de la tabla 1,
enfoques críticos al paradigma cuantitativo solamente catorce de 42 países de América Latina
mediante la investigación acción participativa y y el Caribe participaron en el periodo 2005 al 2011
la sistematización que documenta con enfoques con un total de 315 tesis. Sin embargo, del total
narrativos, la reflexión de experiencias de de tesis registradas, solamente 170, equivalente al
los actores sociales, destacando su dimensión 54 % fueron consideradas de EPJA. Además, el
organizativa y política. número de países participantes se reduce a diez
En resumen en el Marco de Acción de (24%) porque las tesis de cinco concursantes no
la EPJA, la importancia de la investigación correspondían a la EPJA. Solamente la mayoría
educativa es clave para de tesis de Argentina, Bolivia, Chile, Costa Rica,
Colombia y especialmente de Brasil, fueron de
[...] aportar conocimiento y contribuir al EPJA, mientras que en tres países, incluyendo
diseño de estrategias para la atención de la a México, se reducen a menos de la mitad.
diversidad y la distribución igualitaria de Esta situación se debió a que los concursantes
la educación. (UNESCO et al., 2000, p. 103). incluyeron en la EPJA a la población infantil
que cursa la educación obligatoria (preescolar,
Propiamente en las siete áreas primaria) hasta los jóvenes estudiantes de
prioritarias de acción, se insiste en el desarrollo la educación superior y en varios casos con
de investigaciones educativas, sumándose doce temáticas completamente ajenas a la EPJA, lo que
temas de investigación que se incluyen en las refleja un desconocimiento de las características
tablas del punto 3.3. y especificidad de este campo e insuficiente
Tabla 1- CREFAL. Concurso de tesis 2005-2011. Comparación entre países participantes y número de tesis registradas por
programa académico y número de tesis con especificidad en la EPJA
706 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
Tabla 2- CREFAL. Concurso de tesis 2005- 2011. Países participantes y tipo de instituciones por régimen de financiamiento.
Universidades Instituciones de Educación Superior
Países
Públicas % Privadas % Públicas % Privadas %
Argentina 16 84 3 16 2 100 0 0
Bolivia 4 80 1 20 0 0 0 0
Brasil 24 86 4 14 1 100 0 0
Colombia 1 100 0 0 0 0 0 0
Costa Rica 1 100 0 0 0 0 0 0
Cuba 0 0 0 0 3 100 0 0
Chile 5 71 2 29 0 0 0 0
México 11 69 5 31 7 70 3 30
Perú 1 100 0 0 0 0 0 0
Total 63 81 15 19 13 81 3 19
respectivamente, mientras que las de maestría otros, aspectos diferenciales de la EPJA que
en Brasil y México. Las tesis de doctorado se llevaron a su comparación. Brasil fue cuna del
distribuyeron en tres países (Colombia, Chile y movimiento de educación popular desarrollado
Cuba) con una tesis y el resto en Argentina, Brasil a lo largo de los años 60 que se extendió en
y México con siete, trece y once, respectivamente. los años 70 a varios países latinoamericanos. A
Únicamente Brasil reportó dos tesis de especialidad su vez, las políticas y múltiples programas de
en EPJA y una en Bolivia. alfabetización tienen un lugar preponderante
Llama la atención que las tesis de en la EPJA desde la Campaña de Adolescentes
doctorado que implican mayor profundización y Adultos (1947) hasta Brasil alfabetizado
y aportes al conocimiento en el campo de la (2003). Actualmente los foros de EPJA
EPJA sean pocas, pues el promedio durante los representan alternativas basadas en estructuras
cinco concursos es apenas de 6.8, destacando intersectoriales y descentralizadas de organismos
Brasil con el mayor número de tesis en gubernamentales y no gubernamentales que
este nivel debido al impulso inusitado de la se movilizan para reivindicar el derecho a
investigación en esta materia en los últimos la educación básica y emprenden tareas de
10 años. Ahora bien, de los datos reportados formación (DI PIERRO, 2005, p. 22). Estos
en la tabla 1, destacamos dos grupos: El rasgos difieren con México en donde el peso
primero, integrado por los países que aportaron de los movimientos sociales es menor, además
el mayor número de tesis: Argentina, Brasil de la continuidad y alta institucionalidad en
y México. En el segundo, siete países con un las políticas y modelos para la EPJA bajo la
número reducido de tesis (Bolivia, Colombia, rectoría del Instituto Nacional de la Educación
Costa Rica, Cuba, Chile, Ecuador y Perú). Cabe para Adultos, organismo fundado en 1981
mencionar que en ambos grupos hubo nueve que opera en todos los estados del país y del
graduados latinoamericanos que estudiaron en cual dependen los contenidos curriculares.
universidades extranjeras. Argentina por el contrario, cuenta con menos
diversidad étnica que Brasil y México y ha
Comparación entre Argentina, experimentado cambios abruptos y recurrentes
Brasil y México en las políticas de EPJA marcados por los
regímenes militares y posteriormente por
Estos países además de reunir el mayor los gobiernos electos democráticamente que
número de tesis presentan, al igual que desarrollaron en 1973 y 1974 movimientos
Tabla 3- CREFAL. Concurso de tesis 2005- 2011. Países participantes y programas académicos por género
Programas Académicos
Países Licenciatura Especialidad Maestría Doctorado
M % F % M % F % M % F % M % F %
Argentina 6 46 7 54 0 0 0 0 0 0 5 100 1 20 6 80
Bolivia 0 0 2 100 0 0 1 100 2 100 0 0 0 0 0 0
Brasil 2 33 4 67 0 0 2 100 5 19 21 81 2 15 11 85
Colombia 0 0 1 100 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
Costa Rica 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 100 0 0 0 0
Cuba 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 100 0 0 1 100
Ecuador 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 100 0 0 0 0
Chile 1 50 1 50 0 0 0 0 0 0 4 100 0 0 1 0
México 7 23 24 77 0 0 0 0 8 23 27 77 4 36 7 64
Perú 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 100 0 0 0 0
Total 16 29 39 71 0 0 3 100 15 20 63 80 7 21 27 79
M= Masculino F= Femenino
Fuente: Elaboración propia con datos proporcionados por el CREFAL.
708 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
educación y otro de educación con orientación un conjunto de licenciaturas con una tesis, entre
en educación permanente, los tres restantes no éstas, educación y diversidad cultural, sociología
se refieren directamente a la educación sino a: 1) de la educación, innovaciones educativas y
evaluación; 2) políticas sociales; 3) salud mental comunicación. El panorama con respecto a los
comunitaria. Finalmente, de los siete programas concursantes de los 35 programas de maestría se
de doctorado, dos son de ciencias de la educación caracteriza por su diversidad. Si bien se ofertan
y tres corresponden a: 1) las ciencias sociales; 2) programas de educación y otros que giran
ciencias de la comunicación; 3) filosofía y letras. alrededor de este término: calidad, diversidad
Los otros dos fueron cursados en universidades cultural, desarrollo educativo, formación
extranjeras. En resumen, se observa la presencia docente, resaltan aquellos que se derivan de las
de la carrera de ciencias de la educación en la ciencias en general que incluyen especialidades
licenciatura y en los programas de doctorado que, (investigación educativa, ecología) o ciencias
en su conjunto, equivalen al 43 % de las carreras específicas (de la educación, administrativas,
y programas cursados y el otro 57% se distribuyen agrícolas, en sociología rural). Este crisol de
en una diversidad de carreras de licenciatura y en programas se incrementa con estudios de
los programas de posgrado antes mencionados. investigación educativa y de metodología,
En Brasil, de las seis tesis de licenciatura, aunado a programas que van desde la psicología
cinco fueron de pedagogía y de las veintiséis y pedagogía hasta la comunicación e inclusive
de maestría, catorce, es decir, poco más de ingeniería. Sin embargo, de ese conjunto de
de la mitad de este nivel (56%), fueron programas, llama la atención aquellos dedicados
de programas de educación y el resto se al quehacer investigativo con un total de ocho
distribuye en programas que también están tesis, equivalente al 23% del total. Finalmente,
asociados a este término mediante líneas, áreas en los once programas de doctorado, los de
y orientaciones diversas de investigación, pedagogía y educación comparten dos tesis cada
entre éstas: educación brasileña, sociología una, seguidas de un grupo de ciencias y ciencias
de la educación, fundamentos de educación, sociales que incluyen tres especialidades. El resto
educación y políticas públicas. Una situación se distribuye en cuatro programas: 1) filosofía de
muy similar a la anterior se observa en los trece la educación; 2) innovación educativa; 3) estudios
programas de doctorado, pues nueve de ellos de población; 4) estudios organizacionales.
también son en educación y con solo una tesis: A partir de estos resultados, encontramos
1) sociología de la educación; 2) educación que las tesis de licenciatura en Brasil son muy
especial; 3) psicología: 4) lingüística aplicada. pocas con respecto a las de Argentina y México
En síntesis, Brasil, no obstante el reducido pero las de maestría y doctorado superan por
número de tesis de licenciatura es el país con mucho a las argentinas y en menor medida
mayor homogeneidad en el tipo de programas a las de doctorado de México. En cuanto a
ofertados en este nivel pero especialmente en los programas de licenciatura, en Argentina
los programas de posgrado desde los cuales se predominan las ciencias de la educación
investiga la EPJA, y uno de los dos países en mientras que en Brasil los de pedagogía y en
donde existen especializaciones. México coexisten ambos programas a los cuales
En México, de las 31 tesis de licenciatura, la se suma una diversidad de carreras (tabla 4).
mayoría se concentran en tres carreras con cinco En Argentina fueron escasos los
tesis cada una: 1) pedagogía; 2) intervención concursantes de maestría cuyos programas se
educativa; 3) ciencias de la educación. Otras distinguen por su diversidad al igual que en
dos carreras con cuatro tesis cada una fueron: México. En cambio, Brasil muestra homogeneidad
psicología y educación de adultos y con dos y continuidad en este nivel y en los programas
tesis, educación indígena. El resto lo integran de doctorado, concentrados en educación
710 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
los estudios realizados en el extranjero y son feminización se relacionan con la posición
congruentes con la naturaleza de la EPJA, marginal de los estudios e investigación de la
considerada una actividad que trasciende lo EPJA dentro del campo educativo, así como
estrictamente educativo, pues no se circunscribe su escaso prestigio entre los investigadores y
a los aprendizajes en los espacios escolares sino comunidades académicas que dan prioridad a
a una diversidad de lugares, dimensiones e otras temáticas. Por otra parte, cabe mencionar
identidades de los jóvenes y adultos. También que son mínimos los programas que se estudian
coincide con la visión ampliada de la EPJA con alusión directa a la EPJA.
y marcan un distanciamiento con enfoques Otro aspecto importante es que, al
novedosos como la andragogía, promovida comparar los contenidos temáticos de las
en los años 70 por influyentes representantes tesis que se mencionan en el siguiente punto
como Roque Ludojoski en Argentina, Félix (particularmente los procesos de aprendizaje y
Adam en Venezuela y por la Unesco en los años saberes de la EPJA, currículo y evaluación), el
80. Asimismo de los enfoques de Animación lector observará que su estudio es mínimo en
sociocultural y la Pedagogía social que se los programas de licenciatura y posgrado de
ofertan en programas universitarios en los orientación psicopedagógica (tabla 5).
países europeos. Puede afirmarse que a pesar
de los avances en la investigación en EPJA, Comparación entre áreas
en los programas de maestría y doctorado de temáticas
la región aún distan mucho de consolidarse,
salvo Cuba y Brasil en donde ha tenido una Una vez identificados los temas de las
influencia importante en este último país el 170 tesis de EPJA, se estableció su coincidencia
Grupo de Trabajo en Educación de Adultos e inserción con las áreas de intervención e
dentro de la ANPED (Associação Nacional de investigación del Marco de Acción de la EPJA
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). 2000-2010, conformándose tres grupos. El
Como ya se mencionó, Brasil y Bolivia primero incluye cuatro áreas temáticas con el
son los únicos países en los cuales se cursaron mayor número de tesis (catorce a veintiuno): 1.
tres programas de especialidad en EPJA. Esta Programas de formación; 2. Diversidad cultural;
situación concuerda con la afirmación de Maria 3. Alfabetización; 4. Género y educación. El
Clara de Pierro (2008, p. 124) cuando señala que segundo grupo aborda cuatro temas con cinco
“las licenciaturas y los cursos de especialización a siete tesis: educación y trabajo, educación
para profesores de EPJA son poco numerosas, y ciudadanía, procesos de aprendizaje y
lo que confirma la reducida participación de las desarrollo local. El tercer grupo está integrado
universidades con el asunto”. por las nueve áreas restantes con un mínimo
Por lo que al género se refiere, en todos los de dos a cuatro tesis incluyendo a dos áreas sin
países concursantes, la hegemonía de las mujeres ninguna tesis (futuros escenarios de la EPJA y
es evidente y su inclinación por los estudios de las reformas educativas) (tabla 5).
EPJA obedece, de acuerdo a las estadísticas El anterior panorama no deja de ser
sobre la distribución de la matrícula por áreas desalentador porque del total de las áreas
de conocimiento y género en la última década propuestas en el Marco de Acción, la cantidad
de gran parte de los países latinoamericanos, de tesis del primer grupo, representan apenas
a su creciente participación en los estudios de una cuarta parte del total, mientras que el 75%
educación superior, particularmente en el área de las temáticas es muy bajo. Un ejemplo de una
educativa, de las ciencias sociales, humanidades línea de acción propuesta en dicho Marco fue la
y de la salud (DE SIERRA; RODRÍGUEZ, 2005). de currículo y evaluación con apenas dos y tres
Conjeturamos que otras razones de esta tesis respectivamente. En síntesis, a excepción
Tabla 6- Nuevas áreas temáticas de las tesis del Concurso CREFAL (2005-2011) y su distribución por grado académico
1. Educación básica 4 0 7 2 13
2. Educación y Tecnologías de la Información y Comunicación. 1 0 6 2 9
3.Sistematización de prácticas educativas 0 0 1 0 1
4. Educación y conocimientos disciplinares 0 0 1 0 1
5. Políticas públicas 0 0 5 2 7
6. Educación con adultos mayores 2 0 5 0 7
7. Educación en contextos de encierro 4 0 2 1 7
8. Educación popular 5 0 0 1 6
9. EPJA con capacidades diferentes 0 0 0 1 1
10. Educación y movimientos sociales 0 0 0 2 2
11.Gestión 0 0 1 0 1
12. Ensayos sobre Paulo Freire 0 0 1 1 2
13. Educación y salud pública 0 0 1 0 1
Total 16 0 30 12 58
L= Licenciatura. E= Especialidad. M= Maestría. D= Doctorado
Fuente: Elaboración propia con datos proporcionados por el CREFAL.
712 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
de los temas de formación de educadores y propuestos en el Marco de Acción y coincide a
diversidad cultural, son ínfimas las tesis que su vez con las diez tesis premiadas en el periodo
abordaron las propuestas de investigación analizado, pues cuatro de ellas se refieren a la
del Marco de Acción, considerando que alfabetización y el resto a temáticas diversas
son prioritarios y requieren conocimientos (CREFAL, 2011).
imprescindibles para una mayor comprensión y 3. Diversas líneas temáticas de
resolución de problemas del campo de la EPJA. incuestionable relevancia cuentan con muy
Con respecto a las nuevas áreas temáticas pocas tesis o con ninguna (evaluación, reformas
que se incluyen en la tabla 5A, a excepción de educativas, calidad, desarrollo local, salud,
la educación básica con el mayor número de programas innovadores, etc.). A este respecto,
tesis, tienden a cobrar fuerza las TIC y en menor el Informe para CONFINTEA VI coincide en
medida otras problemáticas y poblaciones que la calidad y el aprendizaje siguen siendo
específicas a las que no se había prestado la distantes (TORRES, 2009) mientras que en el
atención necesaria con seis a siete trabajos cada Informe Regional de Caruso, Di Pierro, Ruiz y
uno (las políticas públicas, los adultos mayores, Camilo (2008), se plantea la hipótesis de que
las personas consideradas discapacitadas, los varias de estas ausencias son producto de la
migrantes y quienes se encuentran en contextos falta de liderazgo simbólico de la EPJA en la
de reclusión). El resto se distribuye en temáticas actual coyuntura, lo que le impide articular
diversas con una a dos tesis. en su marco de acción las políticas y prácticas
en temas como: la educación ambiental, para
Comparación con los Informes la salud o para la incorporación de las TIC. De
Regionales igual modo, y pese a los avances en evaluación
de algunos países (Brasil, El Salvador, México
Al comparar estos resultados con los y Chile), se subraya que la falta de cultura e
Informes Regionales para CONFINTEA VI investigación en esta materia dificulta conocer
(TORRES, 2009) y el Informe Regional de CREFAL los impactos de los programas y proyectos de
y CEAAL (CARUSO et al., 2008), se observan al la EPJA (TORRES, 2009; CARUSO et al., 2008).
menos cuatro coincidencias: 4. El impulso dado a las buenas prácticas
1. El reconocimiento de avances en la educativas y la importancia de su difusión,
investigación educativa pero insuficientes y con tampoco aparece en las tesis concursantes
una marcada distribución desigual (TORRES, 2009), al igual que los programas innovadores,
concentrándose en los países grandes: Brasil, las alternativas de educación no formal y
Argentina y México y Cuba en la región caribeña. los movimientos sociales. En este sentido,
2. La alfabetización, línea de coincidimos en que su escasa diseminación y la
investigación fuertemente asociada con la aplicación de los resultados de investigación y
EPJA, deja de tener primacía, tomando su evaluación siguen sin influir en los diseños de
lugar problemáticas como la formación, el las políticas, la capacitación o en la enseñanza
género, la interculturalidad y la nuevas áreas (TORRES, 2009, p. 48). Llama la atención que en
temáticas que, en su conjunto, desplazan a la Venezuela, por ejemplo, no se hayan reportado
alfabetización y la educación básica e inclusive tesis sobre el papel de la Misiones Robinson.
superan a nueve temas propuestos por el Marco En resumen, este balance temático
de Acción (tabla 5), no obstante su menor invita a reflexionar acerca del interés por
visibilidad, impacto y legitimidad política problematizar y, en su caso, cubrir estos vacíos
(TORRES; 2009). Este desplazamiento significa para aportar no solo bases teóricas que orienten
a su vez, un giro gradual pero desequilibrado las prácticas educativas sino para reclamar y
hacia los grupos y ámbitos de intervención hacer valer la importancia de la EPJA como
714 Jaime Rogelio Calderón LÓPEZ-VELARDE. La investigación sobre educación de personas jóvenes y adultas:...
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Aprobado en:11.09.2013
Jaime Rogelio Calderón López-Velarde cursó la Maestría en Pedagogía en la Universidad Pedagógica Nacional (UPN) y el
Doctorado en Ciencias de la Educación en la Universidad de Sevilla. Actualmente se desempeña como coordinador del Programa
de Investigación y Posgrado en la Unidad Zacatecas de la UPN.
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 717-734, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091637 717
School success of girls from poor communities: what is
the role of family socialization? I
Abstract
Keywords
718 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091637 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 717-734, jul./set. 2014.
Já não é novidade constatar o sucesso por meio de estudo qualitativo, os processos
escolar das meninas no Brasil. Apontado por de socialização de gênero no interior de oito
Rosemberg desde a década de 1970, o melhor de- famílias de setores populares na cidade de São
sempenho das mulheres em sua trajetória de es- Paulo. Aqui enfocamos alguns dos aspectos que
colarização vem sendo objeto de estudos quan- nos pareceram relevantes na compreensão da
titativos e qualitativos (ROSEMBERG; MADSEN, trajetória escolar das meninas. A fim de evitar
2011; FERRARO, 2010; CARVALHO, 2009). conclusões universais, o estudo focou famílias
Entretanto, a explicação desse fenômeno de setores populares urbanos, levando em conta
comum à maioria dos países ocidentais que, em camadas sociais diferentes ou no meio
apresenta desafios teóricos, seja por significar rural, é possível que o melhor desempenho escolar
uma inversão na assimetria entre homens e feminino seja resultado de outros processos.
mulheres presente no conjunto da sociedade, seja Ao lado desse esforço para evitar
por induzir muito facilmente a generalizações essencialismos, buscamos também escapar
de caráter essencialista (ROSEMBERG, 2001). de certa polarização que tem permeado os
São comuns explicações universais como, estudos nesse campo. De um lado, a explicação
por exemplo, a hipótese de que a socialização mencionada acima está baseada no que pode ser
familiar das meninas seria mais compatível com chamado de “síndrome da situação subordinada
as exigências das escolas – ligadas à disciplina, da mulher” (SILVA, 1993, p. 82), análises que
organização, capricho, submissão e silêncio –, colocam o sucesso escolar das meninas como
enquanto os meninos seriam socializados para simples reforço de sua subordinação. Na
evitar a introspecção e a sensibilidade e para tentativa de romper com essa vitimização,
cultivar a rebeldia e a agitação. algumas estudiosas trazem para primeiro plano
Pesquisas brasileiras sobre o ensino a atuação deliberada de meninas e moças
fundamental público, desenvolvidas em em busca de seu sucesso escolar, que seria
diferentes regiões do país, reiteram esse tipo construído por elas. Silva (1993), por exemplo,
de explicação (SOUZA, 2007; PALOMINO, inverte a afirmação, mostrando que a maioria
2004; CARVALHO, 2005; CAVALCANTI, 2002) das alunas do ensino médio no Colégio Pedro
e insistem na ideia de que os comportamentos II, por ela estudadas, eram autônomas, ativas e
valorizados pela escola seriam aqueles cultivados envolvidas com atividades extracurriculares, de
pelas famílias nas meninas e não nos meninos. forma contrastante com seus colegas do sexo
Em outra vertente, estudos a respeito das relações masculino, o que resultava para elas em melhor
que as famílias mantêm com a escolarização dos desempenho escolar.
filhos assinalam a interdependência entre as Outras pesquisadoras destacam aspectos
condições sociais de origem e as formas dessas contraditórios da inserção feminina no
relações (NOGUEIRA; ROMANELLI; ZAGO, 2000 trabalho doméstico, que não apenas facilitaria
e 2013; ALMEIDA, 2009; BRANDÃO, 2010). a continuidade dos estudos, em termos de
Com apoio frequente nos estudos de Bourdieu horários e flexibilidade, como também levaria
e seus leitores, essas pesquisas, embora atentas as moças, por contraste, a uma percepção
a diversos aspectos das ações das famílias e dos positiva e agradável da escola. Tanto Madeira
sujeitos frente a seus processos de escolarização, (1997) quanto Rosemberg, Piza e Montenegro
raramente se perguntaram a respeito das (1990) enfatizaram a ideia de que a escola
diferenças entre os sexos1. aparece para muitas meninas e moças como
Este artigo é resultado de pesquisa que expressão de alguma liberdade de circulação
procurou avançar nessa lacuna, conhecendo, e como lugar de ampliação do convívio
social frente à quase reclusão em que vivem
1 - Uma exceção é o doutorado de Glória (2009). – reforçada pelo controle familiar sobre sua
720 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
próprios moradores em favelas. Contavam com 14 alunos de sexo masculino, apenas cinco fo-
luz elétrica, água encanada e banheiro, mas ram caracterizados como “medianos” ou “sem
os serviços de esgoto e de coleta de lixo eram problemas”, nenhum como excelente e nove
precários ou inexistentes e eram frequentes os outros “apresentavam dificuldades” de apren-
relatos de violência policial. Contudo, essas dizagem e/ou disciplina, histórico de reprova-
residências tinham móveis novos, televisão HD ções e repetidas convocações dos responsáveis
de tela grande, computadores e video games, à escola. Embora construído aleatoriamente,
eletrodomésticos novos e telefones celulares. trata-se, portanto, de um grupo que corres-
Quatro dos grupos familiares tinham carro e ponde às características de desempenho esco-
quase todos vivenciaram, nos anos recentes, um lar que temos encontrado em nossos estudos
aumento de sua capacidade de consumo, com (CARVALHO, 2009), assim como em diversas
acesso a crédito e bens duráveis. outras pesquisas no Brasil e em outros países.
Ao longo de 2011, foram gravadas
entrevistas semiestruradas com oito mães, dois Sobre regras, controles e medos
pais e dez crianças, em seis3 residências. Em
cinco das visitas, filhos e filhas participaram em O tratamento igualitário entre os
diferentes momentos da conversa, tanto ao lado sexos no interior do casal e na educação de
quanto separadamente dos adultos. Buscamos filhos e filhas é um dos ideais associados aos
nas escolas informações sobre o desempenho modelos contemporâneos de família, ao lado
das crianças, seja em documentos seja em da valorização da infância, da afetividade e
conversas com educadoras, e ali também intimidade, assim como a presença de relações
realizamos observações e conversas informais não hierárquicas entre os grupos de idade e
com tais crianças. o primado do indivíduo sobre o coletivo (DE
Assim, foram envolvidos na pesquisa SINGLY, 1996). Em estudo realizado junto
14 meninos e 12 meninas, entre 6 e 18 anos a crianças moradoras em favelas do Rio de
de idade4. Desse total de 26 crianças e jovens, Janeiro, no início da década de 1990, Heilborn
estavam fora da escola apenas: Jeferson5, de 18 (1997) destaca que, se esse modelo é “capital na
anos, que abandonara o 1o. ano do ensino médio sociedade contemporânea, está longe, contudo,
no ano anterior à pesquisa, contra a vontade de de ser um fato universalizado”, uma vez que
sua mãe; e Silvana, de 15 anos, que, já grávida, o processo de difusão do individualismo
concluíra o ensino fundamental “empurrada”, “tomou como alvo, primeiramente, as camadas
de acordo com a coordenadora da escola, e, médias e altas da sociedade moderna” (p. 297).
no momento da entrevista, dedicava-se ao Assim, a autora encontrou lógicas distintas
cuidado da filha. Todos estudavam em escolas de organização das relações e das práticas
públicas de ensino fundamental ou médio. A sociais nas famílias que estudou, apontando,
respeito de 19 deles, obtivemos informações de em consonância com outros estudos sobre a
seu desempenho acadêmico junto à escola; nos cultura dos trabalhadores urbanos no Brasil dos
demais casos, recorremos às famílias. anos 1980-90, a prevalência do grupo sobre o
Dentre as 12 meninas, oito eram boas indivíduo, a presença de relações hierárquicas
alunas, oscilando entre “excelentes” e “media- entre os sexos e as categorias de idade, além da
nas”, e quatro “apresentavam dificuldades” de força de valores ligados à família e ao trabalho.
aprendizagem, nunca de disciplina. Já entre os Se, por um lado, não devemos nos iludir
que houvesse, tanto quanto nos anos 1990
3- Duas famílias foram entrevistadas nas escolas. como hoje, relações igualitárias e não violentas
4- Também faziam parte das famílias dois bebês com menos de 2 anos
e duas crianças com 4 anos. no interior das famílias de camadas médias e
5- Todos os nomes são fictícios. altas, as duas décadas que separam a pesquisa
722 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
Não podemos desprezar o contexto Cabe destacar, contudo, que essas
da entrevista, como relação assimétrica, e o características personalizadas eram invocadas
fato de que sujeitos que não necessariamente para justificar desigualdades de gênero nas
acreditavam numa educação igualitária entre os regras e tarefas atribuídas, com maior peso
sexos facilmente deduziriam ser essa a posição sobre as meninas. Ora elas precisavam ser
dos(as) entrevistadores(as), em razão do próprio mais controladas por serem mais jovens, ora
tema da pesquisa, que lhes foi explicitado. por serem mais velhas; por serem delicadas
Assim, Evonete, por exemplo, mãe de dois ou desobedientes e atrevidas; ora lhes cabia
meninos e uma menina, empregada doméstica, maior fatia do trabalho doméstico por serem
que concluíra o ensino médio na modalidade primogênitas, ora por serem prestativas, ou
EJA há cerca de dois anos, evitou ao máximo porque seus irmãos eram desajeitados; uma
fazer generalizações sobre homens e mulheres e era descrita como frágil, outra como “songa-
tentou contornar a ideia de que as regras para monga”6, uma terceira como pretensiosa, e
filha e filhos eram diferentes. Mas, em entrevista todas essas características justificavam maior
feita separadamente, seu filho Luciano (9 anos) controle ou preocupação.
afirmou que a irmã de 7 anos não podia brincar Em síntese, os modelos educativos que
de carrinhos porque sua mãe não deixava – “É, encontramos dialogavam em diferentes graus
carrinho é pra menino” –, da mesma forma que com as prescrições de infância, igualitarismo e
ele não podia brincar de boneca. individualidade, presentes nos ideais de família
Talvez com menor preocupação em contemporâneos, mas não rompiam com a
demonstrar um discurso adequado para os(as) desigualdade de gênero: por meio de uma
pesquisadores(as), Marta (avó de três meninas e vigilância mais estrita dos pais e mães, as filhas
um menino), declarou: pareciam aprender desde muito cedo certas
características que as professoras reconhecem
Homem pode tudo [...]. Eu acho que todas como femininas e frequentemente valorizam,
as meninas são mais cobradas, pelo que tais como a organização, a obediência, o
a gente vê, no geral [...]. Então, a minha silêncio e a calma. Provavelmente faziam parte
opinião é essa aí: que a mulher é mais desse aprendizado até mesmo as formas de
cobrada em tudo, e tem que fazer, tem que romper com as regras de maneiras discretas e
estudar, tem que trabalhar dentro de casa – que significavam menor enfrentamento direto,
e o menino não. O Daniel é o dia inteiro no já descritas, por exemplo, por Bernardes (1989).
computador. Essas características apareciam para pais e
mães como espontâneas, naturais e derivadas
A maioria dos pais e mães buscava explicar do simples fato das filhas serem meninas.
as diferenças no tratamento que davam a meninos
e meninas a partir de características individuais A divisão de trabalho entre
de cada criança, recorrendo aos ideais de uma pai e mãe
educação personalizada: “Porque são quatro e
nenhum dos quatro tem a mesma cabeça, nenhum Em nossa sociedade, pais e mães
dos quatro pensa igual. Como todo ser humano” envolvem-se no cuidado com a prole e nas tarefas
(Edimara, uma filha e três filhos). Chamou nossa domésticas de forma muito desequilibrada em
atenção a frequência dessas falas, assim como de termos do tempo empregado e do tipo de tarefa
descrições das características ou história de cada desenvolvida, questão já explorada na literatura
filho(a) – doenças, período vivido longe da mãe, (PINHEIRO et al., 2008; BRUSCHINI, 2006).
influência da avó etc. –, que indicam a difusão
desse modelo de educação individualizada. 6 - Boba, sonsa.
724 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
educação explícita (BRUGEILLES; SEBILLE, meninos, assumira desde cedo o cuidado com eles
2009; OCTOBRE, 2010). Isto é, se meninas e enquanto a mãe trabalhava fora. A desenvoltura
meninos aprendem cotidianamente a respeito da garota durante a entrevista, feita em sua casa,
de hierarquias e também sobre passividade, seja no cuidado com o irmão caçula, de 1 ano e
obediência e autocontrole ou, ao contrário, 7 meses, seja no preparo de café para nos servir,
poder, ação e rebeldia, têm grande peso nesse só comprovou isso. Ela nos declarou que mesmo
aprendizado as relações de poder entre seus pais o irmão de 8 anos praticamente não a ajudava
e mães, assim como a divisão de trabalho entre em nada: “Ele é preguiçoso”.
eles. Também fazem parte desse aprendizado Nas casas das mães Alice, Keila e
implícito rupturas, questionamentos, formas Marinete, as meninas eram as principais
de contornar essas hierarquias e de obter poder responsáveis pelo serviço doméstico, que não
nos interstícios da dominação. era partilhado pelos irmãos:
726 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
De vez em quando, elas faltam [à escola] adquirido recentemente um carro e comentou:
por coisa de casa mesmo, porque elas não “muitas vezes a gente sai. Faz o quê... faz duas
fazem as coisas em casa. Aí eu chego e semanas, a gente foi pra praia”.
faço elas fazerem, e elas não vão para a De fato, o tempo das mães e das
escola nesse dia [...]. Porque elas ficam o meninas só se tornava livre, até mesmo nos
dia inteiro com a cara para o ar, e eu lá fins de semana, depois de concluídas as
trabalhando. E, quando dá a hora de ir tarefas domésticas e essa parece ser a principal
para a escola, elas largam a casa sem fazer diferença no que se refere a gênero:
nada, e vai para a escola com as amigas.
Aí não dá. (Keila, grifo nosso). Eu trabalho um sábado sim, um sábado
não. O domingo é “vapt-vupt”, a gente
Cabe destacar que o filho mais velho de [mãe e filhas] faz o almoço, termina de
Keila, Daniel, de 16 anos, não participava de fazer o almoço uma hora, vai almoçar, aí
qualquer tarefa doméstica nem trabalhava fora, chega uma amiga na casa da gente, aí o
mas faltava frequentemente à escola, quase dia foi embora, e eu vou descansar também
sendo reprovado por faltas no ano anterior à pra semana. (Alice, duas filhas e um filho).
pesquisa. A mãe declarara que o “obrigava a ir
para a escola”. Se para as meninas era um castigo As residências eram muito pequenas, e
faltar à aula, aonde iriam “com as amigas”, nelas observamos a rara presença de brinquedos
para o menino o castigo era inverso, situação e mais raramente ainda de livros, enquanto
que possivelmente condicionava e ao mesmo as ruas – estreitas, sujas, sem arborização –
tempo refletia posturas diferentes do menino eram consideradas espaços perigosos, em geral
e das meninas no cotidiano das salas de aula. devendo ser evitadas. A única família em cuja
Quantas outras crianças estarão aprendendo casa observamos muitos brinquedos e alguns
os mesmos significados e prioridades, a escola livros infantis foi a dos filhos de um zelador de
como prêmio ou castigo? edifício e de uma empregada doméstica, e as
crianças nos disseram que a maior parte havia
O lazer ou a falta dele sido doada, já usada pela patroa de sua mãe e
uma vizinha do edifício. Nas demais entrevistas,
Nos fins de semana, o tempo livre era em as meninas declararam gostar de: brincar de corda
geral ocupado por atividades em família, en- e de elástico; brincar com bonecas, de escolinha,
volvendo tanto meninos quanto meninas, sem usando pequenas lousas, e de médica. As bolas
diferenciação. Apenas os(as) mais velhos(as)- de futebol e pipas eram unanimidade entre os
principalmente os rapazes – por vezes saíam so- meninos. Em seis famílias, constatamos a presença
zinhos ou não aceitavam ir a alguma atividade. de cachorros, com os quais as crianças brincavam,
Na verdade, as famílias saíam pouco e em geral sendo descritos como sua “companhia”.
iam à casa de parentes, a parques públicos ou Na maioria dos núcleos familiares,
igrejas: “de final de semana, a gente fica em casa contudo, as principais distrações dentro de casa
mesmo” (Alice); “Nós vamos para a igreja porque eram o computador, o video game e a televisão.
é a nossa ‘night’. É verdade, lá nós fazemos tudo Games e computadores eram disputados entre
o que nós queremos fazer – canto, churrasco, irmãos e irmãs, mas as entrevistas e observações
passeios – mas nos conformes” (Keila). Algumas indicaram que eles eram majoritariamente
vezes, percebíamos que pais e mães sentiam- usados pelos meninos: “O Daniel é o dia inteiro
-se na obrigação de relatar atividades de lazer no computador. [...] Todo mundo fica um
e rememoravam uma saída que na verdade era pouquinho, mas ele fica mais porque ele fica no
excepcional, como no caso de Wilson, que havia Face[book]” (Keila, mãe).
728 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
Embora essa fala inicial se dirija a todos, aos Já as filhas: “As meninas ficam mais dentro de
poucos, percebe-se que há alguma flexibilidade, casa. [Você deixa sair?] A gente nunca deixou.
e que ela é maior para o filho: Mas você viu o que aconteceu, né?! De tanto
não deixar sair, olha aí no que deu!” [aponta a
As meninas, não vem ninguém chamar bebê no colo da filha, risos].
elas aqui, só quando é mesmo para ir para Se a preocupação com o controle da
algum lugar, o shopping ali mesmo, que a sexualidade das meninas é bastante evidente
Fernanda vai com a prima dela, às vezes, nessas falas, os espaços externos eram
comprar alguma coisa. E não saem para percebidos como fonte de perigo tanto para
lugar nenhum. [...] Elas vêm juntas da meninas quanto para meninos. Em relação aos
escola, e eu falo para elas que é da escola filhos, o envolvimento com drogas e seu tráfico
para casa. [...] O Fernando, quando chega parecia ser o principal motivo de atenção, como
algum amigo chamando para jogar bola, descreveu, por exemplo, Keila, mãe de um rapaz
depende do horário. Às vezes, chega à e três meninas:
noite chamando e eu não gosto, eu tenho
medo. (Alice, mãe) O povo não sabe, mas estamos em uma
guerra já, um matando o outro, o medo de
Evonete pareceu ser ainda mais rigorosa uma mãe é esse: perder os filhos para duas
e muito raramente permitia à filha, Ana Lúcia, coisas, para as drogas e para o mundo.
de 7 anos, dormir fora, mesmo na casa da tia: Porque o mundo vem e mata, agora é
assim. Se envolveu com droga atualmente,
Ela não vai muito, porque ela é menina, e você é cobrado porque você é um drogado.
eu não gosto muito de deixar. Eu acho que (Keila, mãe)
menina tem que estar ali mais ou menos ao
alcance dos olhos da mãe. Eu não gosto, Assim, filhos de ambos os sexos eram
mas como é minha irmã, eu abro uma objeto de preocupação e controles. Os riscos
exceção, uma vez ou nunca, é muito raro. ligados à masculinidade se relacionavam
(Evonete, mãe) principalmente ao envolvimento com atividades
ilícitas, forma possível para obtenção de renda
Isso não significa que as crianças não e exercício do poder (ZALUAR, 2010). Mas a
transgredissem as regras e não saíssem das diferença de gênero era nítida no que se referia
casas apertadas em busca de sociabilidade à sexualidade. Como já indicamos, a maioria
e lazer. Com ou sem conhecimento dos pais dos pais e mães começava falando em igualdade
e mães, tanto meninos quanto meninas nos nas regras que empregavam na educação das
contaram que saíam, seja para jogar futebol crianças, mas quase sempre desembocavam em
seja para encontrar amigos e amigas. Um caso diferenças. Edimara, após declarar ter deixado o
típico foi o da família de Marinete, numerosa emprego para ficar mais próxima da filha mais
e vivendo nas piores condições dentre todas velha, Emily, de 10 anos, em razão dos perigos
que entrevistamos. Perguntada sobre as regras externos, comentou sobre as possibilidades de
a respeito de locais e horários de lazer dos três sua filha ou seus filhos tornarem-se mãe ou pais:
filhos e quatro filhas, que tinham entre 7 e 18
anos, sendo que uma das moças, com 15, já era É o que eu falo pro Alex (8 anos), a
mãe, Marinete nos esclareceu que os meninos, mesma coisa: a partir do momento que
quando não estavam na escola, estavam “no você engravidar uma menina, seja ela
campo jogando bola. Tem o campinho aqui preta, branca, pobre, rica, você vai ter
perto”, como acontecia durante a entrevista. que assumir. [...] Aí, quando você tiver na
730 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
esportivas da forma como são hoje oferecidas diferentes práticas, muitas delas próximas do
pouco contribuem para um melhor desempenho formato escolar, enquanto seu irmão mais ve-
escolar. No que se refere ao desenvolvimento da lho, Daniel, estava envolvido principalmente
leitura e escrita ou à maior familiaridade com com a música, atividade que partilhava com
o mundo letrado e outros elementos da cultura o pai e que desejava assumir como profis-
escolar, as práticas desenvolvidas pelas meninas são. Cláudia, Francimary, Fernanda e Luciane
fora da escola pareciam ser mais eficazes, desde foram classificadas por suas professoras
a participação em grupos de teatro e jornal até como “excelente” ou “brilhante”, enquanto
a oferta de aulas e atividades para crianças Valentine foi considerada “mediana”; já seus
menores no âmbito de igrejas. irmãos, Fernando, Daniel e Ernani, apresen-
Mesmo quando envolvidas em contex- tavam constantes problemas de disciplina e
tos semelhantes aos de seus irmãos, as me- aprendizagem em suas escolas.
ninas pareciam potencializar essas atividades O que vemos, portanto, são escolhas
como aprendizagem útil à escola, como era o ativas e parcialmente autônomas por parte
caso de Ernani (12 anos) e Cláudia (9), am- das meninas, dentro do estreito leque de prá-
bos frequentando entidades filantrópicas11. ticas extraescolares que lhes eram possíveis.
Cláudia sempre fazia as lições de casa sob Eram opções que as levavam a aproveitar es-
supervisão na entidade que frequentava, en- sas oportunidades para melhorar sua apren-
quanto seu irmão alegava que os monitores dizagem ou as remetiam a atividades mais
não o autorizavam a fazer isso, informação próximas ao modelo escolar. Não nos parece
que foi posteriormente contestada pelo pai: possível afirmar que essa seja a causa de um
“Minha mulher foi lá esses dias e a monitora melhor desempenho das meninas: encontra-
falou ‘não, pode trazer, o que tiver de lição mos, em outras famílias, boas alunas que não
traz aqui que a gente ajuda’”. Uma das re- praticavam atividades extracurriculares sis-
clamações da escola de Ernani, relatada pela tematicamente ou que praticavam atividades
mãe, era exatamente o não cumprimento das estritamente esportivas. Além disso, cabe per-
lições de casa. Na família de Francimary (11 guntar se o fato de irem muito bem na escola
anos), Fernanda (13) e Fernando (15), apenas impulsionava a participação de meninas como
as meninas participavam do jornal e do gru- Luciane e Francimary em atividades de teatro
po de teatro organizados pela escola fora do e jornal ou, ao contrário, essa participação ex-
horário das aulas, embora todos estudassem tra alimentava seu desempenho escolar. Tudo
lá. A mesma situação foi observada no caso indica que se tratava de um círculo virtuoso de
de Daniel (16 anos), Valentine (14) e Luciane estímulo e aproveitamento ativo por parte des-
(11), que participavam de atividades ligadas sas garotas, que, em meio à escassez, potencia-
à escola e a igrejas evangélicas. As meninas lizavam suas oportunidades de acesso à cul-
se envolveram nas oficinas extras oferecidas tura de prestígio. Paralelamente, seus irmãos
pela escola por iniciativa própria: duran- pareciam consolidar um progressivo afasta-
te a entrevista, a mãe não soube responder mento de atividades próximas ao modelo es-
de quais atividades elas participavam. Seu colar, dedicando-se ao futebol e a atividades
irmão estudara na mesma escola até o ano de trabalho e lazer distantes da cultura escolar.
anterior e não havia participado de quaisquer Também foi surpreendente constatar
atividades. Além disso, Valentine e Luciane que as meninas, independentemente de suas
também escolhiam as igrejas com as quais idades, apresentavam, com mais frequência
desejavam “congregar” e ali desenvolviam que seus irmãos, sonhos profissionais melhor
delimitados e que exigiriam uma escolarização
11- Cada um frequentava uma entidade diferente. prolongada. Um menino declarou pretender
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Marília Pinto de Carvalho é professora livre-docente (Associada III) na Faculdade de Educação da USP, pesquisadora nível
1 do CNPq. É colíder do EdGES (Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual) e publicou entre outros: Avaliação
escolar, gênero e raça (Papirus, 2009).
Tatiana Avila Loges é doutoranda na linha de pesquisa sociologia da educação na Faculdade de Educação da USP, com
mestrado em educação. É integrante do EdGES desde 2011 e bolsista de apoio técnico à pesquisa pelo CNPq, sob a orientação
da professora Marília Pinto de Carvalho.
Adriano Souza Senkevics é pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e
mestrando na linha de pesquisa sociologia da educação na Faculdade de Educação da USP, sob a orientação da professora
Marília Pinto de Carvalho. Em 2013, realizou um estágio de pesquisa na Universidade de Sidney, com a supervisão da
professora Raewyn Connell.
734 Marília Pinto de CARVALHO; Adriano S. SENKEVICS; Tatiana Avila LOGES. O sucesso escolar de meninas de camadas...
As mortificações da carne e o desejo exposto: controle
sobre meninas em instituições católicas
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 735-750, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022013005000028 735
The mortification of the flesh and the desire exposed:
control over girls in Catholic institutions
Abstract
Keywords
736 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022013005000028 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 735-750, jul./set. 2014.
Introdução: breve descrição da era fundamentalmente religioso, reduzindo-
educação feminina até o século XIX se à instrução à leitura, à reza, a um pouco
de escritura e ao ensino de algumas ações
Podemos afirmar que, com o advir da ditas femininas, como, por exemplo, o coser
chamada modernidade, a família transformou- (HOUILLON, 1974, p. 16).
-se em uma das prioridades do governo das Mesmo após as chamadas Revoluções
populações no Ocidente. Como consequência, o Liberais, observa-se a manutenção da tutela
tratamento dedicado às especificidades femini- masculina na maioria das sociedades europeias
nas passou a ser um dos temas fulcrais entre e do Novo Mundo e, também, a continuidade
pensadores desde o Renascimento. das estruturas educacionais monásticas, ambas
O feminino idealizado já fora incorpo- mantenedoras de uma feminilidade encerrada
rado ao projeto de humanistas (leigos e reli- aos lares e a instituições controladas pela Igreja
giosos), em que se assumia a necessidade de (BOTHONEL; LAURENT, 1974, p. 99-137)1.
se impor controles sobre o comportamento das Nenhuma sociedade ocidental outorgou à mulher,
individualidades das mulheres, atrelando-as a por exemplo, a possibilidade da cidadania plena
processos normativos de regulação da subjeti- no século XIX (FRAISSE; PERROT, 1993, p. 12).
vidade. Obviamente, os objetivos de moralistas Por outro lado, o que podemos acrescen-
e demais pensadores do comportamento não tar como diferencial nos 1800 seria a elevação,
se circunscreviam apenas às mulheres, mas se em importância, do feminino a um protagonis-
alargavam ao social como um todo, já que elas mo nos destinos das sociedades ocidentais. No
representavam um vetor importante dentro das caso específico da igreja, a mulher passava a um
famílias (VARELA, 1997, p. 193). papel primordial na edificação moral dos corpos
Por sua vez, até o século XIX, nos campos sociais, colocando-se dentro da família como a
jurídico e teológico – assim como no próprio mãe educadora e exemplar. Tratava-se de uma
senso comum –, mormente as mulheres foram espécie de contrapoder masculino e estava num
encaradas com desconfiança com relação às processo de correção moralizador infinito.
suas capacidades e às suas atitudes, mantendo-
se uma tutela jurídica e moral, cujo controle A alma feminina, distinta e complementar
da vida social passava da responsabilidade da masculina, converte-se, para a Igreja
paterna para a do marido ou do convento, em da Restauração, numa reserva de recursos
uma vivência que primava pela heteronímia civilizadores e de possibilidades de
(HOUILLON, 1974, p. 9). conversão. (GIORGIO, 1993, p. 183-184)
Com relação à educação, os conventos
exerceram papel institucional relevante àquelas O que pretendemos no decorrer do artigo
que eram enviadas para tais recintos. Houve é entender a organização de um tipo de exercício
um grande esforço católico, após as guerras de poder sobre as mulheres dentro das instituições
religiosas na Europa do século XVI, na fundação de trancamento confessionais, tentando perceber
de ordens femininas dedicadas à manutenção a formação de um sujeito feminino nos interstí-
de um ambiente instrucional às crianças e cios do catolicismo. Não se almeja afirmar que
adolescentes que se preparavam para serem seja essa a única forma de feminino constituído,
religiosas. Concomitantemente, não podemos mas há intenções de conceber um tipo peculiar
deixar de citar que cresceram, em número, os que de alguma forma permanece nas formas de
centros escolares confessionais dedicados às subjetivação das mulheres da atualidade.
meninas que, não necessariamente, seguiriam
1- Na França, por exemplo, foi apenas na década de 1870 que o estado
como monjas. Em tais instituições, tanto para os francês implementou uma rede escolar primária aberta às meninas,
externatos como para os de clausura, o ensino tratadas por igual em comparação aos meninos.
738 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
O cerceamento da A intimidade trazida à baila não foi um
individualidade e o controle de fenômeno exclusivo do catolicismo. O controle
conduta das neófitas cristãs sobre as vontades tem sido utilizado, nos últimos
séculos, como um dispositivo influente nas
– Oremos para que Deus nos conceda táticas de manutenção do poder sobre indivíduos.
a graça de repelirmos as tentações que Mais especificamente no decorrer do século XIX,
tivermos hoje. houve um hiperdesenvolvimento do discurso
– Jesus e os aflitos. sobre o desejo, adquirindo-se novas maneiras de
– Que impressão deviam fazer nos corações compreendê-lo – que Foucault (2003) designou
estas palavras de Jesus: ‘todos que sofreis, como scientia sexualis –, com o qual se buscava
vinde a mim: eu vos confortarei’. Ninguém uma forma verdadeira de ocorrência, tanto no
tinha falado assim; especialmente ninguém comportamento como na estética.
tinha acolhido os atribulados como Jesus... Em tentativas de controlar as relações que
Por isso vede quem são pobres, os doentes, os indivíduos têm consigo mesmos – como ob-
os desvalidos que o acompanham. Quem servado no trecho do Manual –, os desejos, e,
os agasalhará antes? Quem os não repelia por consequência, os próprios prazeres físicos,
da sua companhia? Ó Jesus, ensinai-me foram encarados como ações relevantes a quem
a ter bom coração, a amar, a procurar exercesse o poder sobre as meninas. Essa seria
quem todos repelem... dai-me graça para uma das consequências mais significativas dos
consolar muitos infelizes na minha vida. dispositivos de repressões e impedimentos se-
– Buscarei hoje ser útil a alguma das xuais contidos na educação religiosa. Podemos
companheiras. (IGREJA, 1919, p. 90) afirmar, entretanto, que esses dispositivos foram
reproduzidos igualmente, na mesma época, pela
“Repelirmos as tentações que tivermos vigília corporal da ciência médica e pelos cerce-
hoje” e “buscarei hoje ser útil a alguma das amentos do inconsciente aplicados pela prática
companheiras” são trechos de Uma flor a colher psiquiátrica/psicanalítica. (FOUCAULT, 2006).
a cada manhã, que aspirava interrogar os Foi desfechado, portanto, ao redor do pe-
desejos dos indivíduos, substituindo-os por uma ríodo das edições do livro (1873-1919), o con-
instrução que se desviasse de possíveis ímpetos trole das condutas sexuais da mulher com a
sinistros. Nesse caso específico, especula-se que formação de todo um arcabouço religioso, mé-
às tentações deveriam se contrapor as iniciativas dico e psicológico de pensamentos e comporta-
de sentido altruísta, apagando-se o que fosse de mentos que pudessem visualizar a perversão da
mais individual nos sujeitos – os seus quereres – alma, a insalubridade do corpo e a anormalidade
e colocando-se como foco algo que significaria da mente. À teologia centenária juntou-se, em
uma subordinação às vontades do grupo. uma empreitada normatizadora e constituidora
Dispõe-se sobre a intimidade, de maneira do dispositivo da feminilidade, certa psicologia
a condicioná-la a um papel público a ser racional em sentido contrário a uma espiritua-
exercido, o “de amar, ter bom coração, o de lidade irracional tradicionalmente posicionada.
consolar os infelizes”. No florescimento de uma No contraponto à racionalidade como
arguição sobre a ética cristã, com esse extrato, mantenedora da fé, tínhamos, por exemplo, o
percebemos o quão relevante os desejos são misticismo penitencial, que fora uma maneira
e compõem a espreitada de controle sobre os de exercício de santidade das mulheres desde
indivíduos do corpo católico, trazendo como os primeiros tempos da Igreja que, em meio às
hipótese de que passam a ser a prioridade nos orações e meditações, tinham visões e conversas
exames intestinos dos ambientes educacionais com Deus, Jesus e toda a cosmogonia cristã
mantidos pela Igreja. possível. Santa Teresa D’Ávila (doutora da Igreja
740 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
fazer más ações; maledicências; calúnias; Eu creio firmemente meu Deus, todas
notícias falsas; disputas, palavras ásperas as manhãs que tendes revelado, e que
e injuriosas; falta de zelo e de bondade; nos ensinais pela vossa Igreja católica,
falta de respeito e de docilidade; astúcia. apostólica e romana, sendo que vós não
(IGREJA, 1919, p. 403) vos podeis enganar nem enganar-nos, e
nesta crença quero viver e morrer. Amém.
Segundo: o anúncio da culpa ao se pecar. (IGREJA, 1919, p. 217)
– Oremos pelas almas que há muito tempo Segundo: uso do Salvador como um
resistem a Deus. estimulador juvenil da santidade.
– Deveis expiar vossos pecados; para este
fim Deus permitiu que o regulamento da – Jesus e as crianças.
casa vos constrangesse e contrariasse – Jesus está sentado rodeado dos
às vezes; suportai com boa vontade este discípulos... adiante, por entre a multidão,
constrangimento. seu paterno olhar divisou meninos
– Não farei a mínima infração ao pequenos que estavam tímidos ao pé de
regulamento, com a intenção de expiar suas mães, estendeu-lhes os braços. As
minhas culpas. (IGREJA, 1919, p. 179-180) crianças compreenderam este apelo do
coração, e aproximam-se de Jesus que os
Terceiro: a existência de um estado abraça, os abençoa, os conserva perto de
superior, o da pureza. si, fala-lhes do céu. [...] Ó Jesus, eu também
sou criança; corro para vós; acarinhai-
Oremos por quem trabalha pela salvação me, falai-me do céu. Se eu me conservar
das almas. sempre simples, inocente, mansa, vós me
– O décimo segundo fruto do colégio amareis sempre, não é assim?
é a inocência, que se conserva aqui na – Ó! Afastai-vos, pois de mim, pensamentos,
sua integridade; a inocência que sempre desejos, afetos, que despojaríeis meu
deixa entrever através do semblante a coração do que agrada Jesus.
eterna juventude da alma. Oh! Que ainda – Hei de dispor-me com fervor para a próxima
por longo tempo ignoreis o mal! Amai comunhão. (IGREJA, 1919, p. 86-87)
a oração, fugi das ocasiões perigosas,
procurai vossas mestras. Terceiro: a salvação acessada pela esperança.
– Repetirei bastante vezes a invocação: pela
santa e Imaculada Conceição, virgem purís- Eu espero, meu Deus, com firme confiança,
sima, rainha dos anjos, alcançai-me pureza que pelos merecimentos de meu senhor
de alma e corpo. (IGREJA, 1919, p. 37-38) Jesus Cristo, me dareis a vossa graça n’este
mundo, e se observar vossos mandamentos,
Por outro lado, complementariamente a vossa glória no outro, porque me tendes
ocorre uma normatização das condutas que prometido, e sois fiel em vossas promessas.
mantivessem ou criassem uma libido apropriada. Amém. (IGREJA, 1919, p. 217)
Desenvolveu-se toda uma tecnologia e
conhecimento em relação ao apetite e à tentação, Desse modo, aqui expomos não uma
heterogêneos em seus controles, incitadores descrição de uma história da repressão à
e condutores. Das induções, enumeramos três sexualidade organizada pela Igreja, tampouco a
tipos. Primeiro: a fé associada ao ato de crer de sua liberação. Em realidade, propõe-se entender
maneira incondicional. o porquê de tanto interesse e, por consequência,
742 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
agora como armazenadoras de uma energia gênio. Se somos teimosas. Se ficamos na
que poderia ser transformada em positiva, cama por preguiça. Se gastamos o tempo
caso fosse utilizada de maneira autorregulada, com ninharias, se permanecemos ociosas,
em um procedimento a ser relacionado ao se fizemos perder tempo aos outros.
amadurecimento psicológico. (IGREJA, 1919, p. 401-402)
Em outros períodos históricos, a fala e o
comportamento dos mais jovens não circulavam Buscando explicar de maneira adaptada os
e não eram notados entre os adultos. Passou-se pecados capitais às jovens, enumeraram-se, em
a ouvi-los e a percebê-los a partir de meados do realidade, as identidades possíveis delas pelo erro
século XVIII, não com intenções de fazer fluir e não pela honra. É na anormalidade que se optou
a emancipação desses seres, porém para regulá- fixar a católica e não a um tipo de cristã perfeita,
-los, interditando suas comunicações com enun- algo externo e ineficaz como demarcação da
ciados normatizadores. As escolas confessionais virtuosidade. Agia-se influenciando diretamente
foram uma das primeiras a se incumbir de criar as meninas, incentivando-as a identificar suas
um ambiente que pudesse aplacar essa potência faltas e corrigi-las sozinhas. Foi-se além do
pueril, desviando-a e adequando-a a uma estru- simples perdão salvacionista; formataram-se as
tura de controle que, primeiramente, percebesse índoles particulares.
o que se falava para posteriormente impor outro Convocou-se a constituição de estruturas
discurso, o autorizado aí sim pelos agentes das de vigília altamente complexas para atentar-se
instituições eclesiais. sobre as desordens insignificantes, enfatizando
A repercussão foi a fixação da identidade o cotidiano e suas falhas triviais. Para tanto,
geral dos mais jovens a uma específica, adequada constituiu-se um discurso acerca das faltosas,
às ambições católicas. “Refrear as paixões” e as que no cotidiano rompiam as normas já
“domá-las pela oração”, nada mais foi do que um sabidas, que se colocavam do lado do desvio, ao
vínculo da subjetividade, daqui para frente, aos menos no olhar de quem detinha o predomínio
desejos. Como sequela disso, posicionaram-se os da ordem do discurso.
corpos e os comportamentos a esse componente
da alma, relegando outros a um segundo Oremos pedindo para ter hoje ocasião de
plano. Em nome de uma normatização do fazer bem.
comportamento libidinoso da chamada mocidade – Deus gosta de uma menina silenciosa. Ó!
cristã – e, portanto, da constituição de uma Quanto as graças se concedem àquelas que,
maneira preponderante de se relacionar com o para agradar a Deus, se calam durante o
querer próprio –, iniciou-se uma verdadeira caça estudo, na aula, no dormitório!... Começar
aos gostos e prazeres menores e/ou periféricos, muito jovem a refrear a língua, faz esperar
denominados, pela Igreja, de pecados. grandes virtudes para o futuro.
– Se eu falhar distraidamente hoje farei
Se se tem vanglória da beleza, das vestes, uma mortificaçãozinha no refeitório.
da riqueza, dos talentos, do nascimento; (IGREJA, 1919, p. 170-171)
se no modo de vestir, de falar, de andar,
tem-se como fim excitar a admiração. Se Toda uma cadeia de poderes vem se mis-
nos achamos melhor que o próximo. Se se turar ao habitual, explodindo potências entre
tem vexame de seus pais. [...] Se se tem as que conseguiam, de alguma forma, deter o
dureza com os pobres [...]. Se nos entristece domínio de quem emite a alocução ou das suas
o bem e o merecimento alheio. [...] Se formas diversificadas. O resultado é o brotar de
nos impacientamos; murmuramos, e nos uma infinidade de discursos competentes so-
entregamos aos arrebatamentos do mau bre o que deveria ser uma menina e uma moça,
744 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
que vos esperou” (IGREJA, 1919, p. 238); ou seja, alma, é ter lucrado mais do que se conquis-
a meditação como uma espécie de compromisso tasse mil mundos. (IGREJA, 1919, p. 245)
matrimonial com Deus.
Mas qual a conduta cobrada por Deus Na construção da nova cristã era desejosa
nessa relação tão íntima? Nas conversas de a sensação de segurança. Partindo daí, diminui-
alcova com Nosso Senhor, o que ele poderia riam as possibilidades das incertezas, ocorridas
cobrar e louvar? Em grande parte do livro é muitas vezes dos sentimentos incontroláveis
indicado o protótipo da santa. de paixão, que poderiam escoar em arroubos
Primeiramente, diz-se que Deus exige a de individualidade rebelde. Em contrapartida,
criação de um cotidiano em que apenas ocor- o autocontrole deveria surgir nas meninas, em
ressem a oração, o estudo, o trabalho e o re- troca da possibilidade da construção de um
pouso. Cada uma dessas atividades deveria ser destino mais previsível. Surgiriam, então, ações
aperfeiçoada a cada dia, de uma maneira que integradas de inculcação de sentimentos e rela-
agradasse e não provocasse o desgosto divino. ções afetivas que ameaçassem a existência de
Seguindo, dever-se-ia entregar todo o amor que indivíduos que emanavam impulsos e emoções
vem do coração a ele, pois seria o único que faz espontâneas, além de possibilitarem inúmeras
isso de maneira verdadeira. Ao mesmo tempo, vantagens aos que fossem capazes de moderar
é premente a resistência aos convites deleitosos suas paixões. (ELIAS, 1994, p. 198)
do demônio e do mundo, evitando trair a con- “Sufocar o impulso da paixão” de certa
fiança de quem tanto se dedicava às meninas. maneira impõe uma prática ascética à criança.
Opor-se aos momentos de tédio seria Obviamente, a devassidão já era renegada pela
outra regra de conduta para com Deus. O Igreja há tempos. Contudo, no manual admitia-
império do aborrecimento significaria mais uma -se um tipo de relação libidinosa das meninas
tendência que os indivíduos teriam em repartir com o Senhor. Por sua vez, havia regras intro-
o seu amor e suas atenções com o mundo e uma jetadas por uma disciplina específica à infân-
dificuldade em dedicá-lo exclusivamente a Ele. cia. O que podemos concluir, por enquanto, é
A companhia do todo poderoso traria que na ascese tradicional, o desejo era encarado
o reconforto, a segurança. Mas, mesmo que como proibido e, portanto, evitado; a partir de
fosse traído, no manual constava que Deus então, passou a ser admitido, e, por sua vez,
não abandonaria a pessoa. Contudo, perder- regulado. Não se evitava tal sensação; ao con-
-se-ia a possibilidade de ocorrer uma relação trário, admitia-se que os sujeitos pudessem ser
totalmente sincera e isenta de outros arrou- libidinosos, desde que direcionassem a energia
bos. Assim como Deus perdoa seus servos, há estimulada aos objetos católicos.
que repeti-lo e relacionar-se com os outros da
mesma forma, suportando os defeitos, além de Os amores do pai e da mãe como
ajudar nas necessidades e dando bons exem- reguladores dos controles sobre
plos (IGREJA, 1919, p. 239-244). o corpo
Nas regras de condutas para conosco,
parte na qual se ajudariam as meninas a se Oremos para que neste mês não se façam
atingir o status de santa, a obra dedicada às pecados mortais nesta casa.
donzelas cristãs indicava que a sensação de – Filha, eu próprio me dou a todas as
prazer é algo proibitivo, sendo que nunca se meninas que me apresentam um coração
deveria apaixonar e somente amar. puro e amante; queres-me?
– Sim, menino Jesus, eu vos quero, vinde
Ter sufocado no coração o impulso de uma a minha alma na santa comunhão, e
paixão, ter arrancado uma imperfeição da permanecei com tão boa vontade como
746 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
tivesse tido por companheira no Templo de religiosidade, a partir do momento de sua ins-
Jerusalém onde, como eu estou aqui ela era titucionalização via escolarização.
discípula! Então ante meus olhos, como se o Uma das resultantes foram as pequenas
bom Deus quisesse realizar meus desejos, vós mortificações, postas como uma das estratégias
me aparecestes menina, ó Maria Santíssima! de disciplinarização do corpo feminino, subs-
E me dissestes: Sê minha companheira e tituindo o sangue e a dor, tão frequentes no
amiga, queres sê-lo? (IGREJA, 1919, p. 71) Antigo Regime como maneiras de expressivida-
de da penitência. Desse modo, interiorizar-se-ia
Em um numeroso panteão de santos, e o desapego de si mesma no trivial, incluindo-se
mesmo tendo à disposição o próprio Cristo, içou- uma racionalidade contábil dos pequenos sa-
se a figura de Maria, posta em um protagonismo crifícios de acordo com a consubstanciação dos
tão relevante quanto o de Jesus, seu filho. desejos e dos prazeres.
Dela se poderiam retirar múltiplas qualidades
atreladas ao feminino. Há de se examinar, aqui, – Oremos pelas companheiras que em outro
Maria como figura de empoderamento. tempo nos encaminharam para o mal.
Com sua aclamada beleza, a Igreja promo- – Deveis mortificar vosso corpo. Não lhe
veu uma fusão entre os corpos das fiéis e o da concedais tudo o que reclama, às vezes
santa, indicando algo que manteria as católicas privai-o de alguns dos gostinhos que só
isoladas de seu desejo incitado. A pureza demons- servem para enfraquecer vossa alma.
traria uma conduta representativa de autocontrole – Eu me privarei de algumas gulodices nas
e introjetora de comportamentos a serem segui- refeições. (IGREJA, 1919, p. 178-179)
dos. Concomitantemente, abriu-se a possibilidade
do feminino como modelo de conduta. Nota-se uma diferença em relação à ma-
O culto da Virgem Maria permitiria múlti- neira de se pensar a salvação da alma feminina
plas associações, no qual situassem maneiras de no catolicismo. Não se indicariam mais as peni-
positivação do exercício de poder pela Igreja sobre tências com tanta ênfase, aquelas que pudessem
os fiéis. Primeiramente, houve o estabelecimento provocar um autoflagelo às que tivessem já peca-
de uma ética feminina universal – vigiada pelo do. Em um refinamento do domínio, atuava-se no
pai postiço Nazareno redentor – que moralizava pensamento com o intuito de se evitar a priori o
desejos, canalizados para uma continência sexual cometimento de pecar.
permanente e ao estímulo de um amor materno de Por implicação, um arrebatamento na-
preservação. Em segundo lugar, lançava-se uma tural, as relações de afetividade aumentariam
estética da juventude associada à pureza mariana, dentro dos núcleos familiares. Michel Foucault
que elevou as meninas a uma posição prioritária (2003) chega a lançar a tese de que isso, a par-
na salvação da humanidade. tir do século XIX, tenha trazido uma maneira
incestuosa dos parentes se relacionarem. As
Conclusão: as mortificações da carne famílias passaram a ser o cerne de perpetua-
e o desígnio de controle sobre as famílias ção de um dispositivo de controle dos desejos,
tanto na perseguição de um comportamento
A mulher da segunda metade dos 1800 perfeito idealizado, como na constituição das
tornou-se um hospedeiro de colonizações ins- próprias anormalidades.
titucionais, sendo a Igreja um deles, perceben-
do na possibilidade de manipulação do corpo Deus chamando-vos para este colégio tinha
feminino um poderoso espaço de controle so- em vista, sem dúvida, a salvação de vossa
cial do mundo católico. Elas saíram de uma alma, e também a de inúmeras almas, que
posição de figurantes para o protagonismo da vossas orações mais regulares e fervorosas
748 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
a uma produção disciplinar da mulher, que Decorreria daí tomar-se conhecimento
fora alçada como componente estrutural das sob que maneiras, quais vias e como seriam
famílias, indo além da própria sociedade pós- organizados os discursos competentes acerca
revolucionária que se constituía. Dentro disso, dos comportamentos e pensamentos libidinais
o indivíduo e os desejos surgidos, as suas ações que chegavam aos indivíduos e lhes confor-
ocorridas, os seus comportamentos incididos, os mavam condutas. Para nós, a Igreja ingressou
amores e as paixões brotadas e os usos da carne, profundamente nessa racionalização do dis-
foram se sujeitando a um controle estendido, curso sobre a volição, constituindo, inclusive,
a uma racionalização proposta, a uma ascese uma própria sobre os comportamentos envol-
imposta, a uma calibração sugestionada e ao vidos com esse tema através do estabeleci-
cálculo dos usos do corpo. mento de verdades, assumindo a posição de
Quais os efeitos de poder induzidos e um centro gerador – principalmente em suas
ambicionados, a quem empunhava as verdades instituições escolares – de uma parte do saber
geradas pelos discursos acerca do desejo? Essa sobre a sexualidade na modernidade, e, mais
foi nossa pergunta basilar. designadamente, a respeito da mulher.
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Carlos Manoel Pimenta Pires é doutorando em História da Educação pela Universidade de Lisboa. Pesquisador da Fundação
para a Ciência e Tecnologia (Portugal). Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Graduado em História pela
Universidade de São Paulo.
750 Carlos Manoel Pimenta PIRES. As mortificações da carne e o desejo exposto: controle sobre meninas em...
Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século
XIX: o olhar de Paranhos
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 751-766, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000004 751
Body education – social dance in 19th century Rio de
Janeiro city: Paranhos’ point of view
Abstract
Keywords
752 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000004 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 751-766, jul./set. 2014.
Introdução Nesse contexto, de um lado, adotaram-se
costumes mais distendidos, frutos, inclusive, dos
E se não fossem os bailes, o que seria do bom povo
mais frequentes contatos no cenário urbano. De
fluminense?
outro lado, aumentaram as preocupações com
José Maria da Silva Paranhos
os comportamentos a serem adotados. Todos
passavam por um processo de reeducação frente
Carvalho (2012) e Chalhoub (2012), entre ao novo dinamismo social.
outros autores, consideram os anos 1850 como Isso é, quando o espaço privado, sem deixar
um marco na história brasileira. Tendo surtido de ser importante, perde força frente ao avanço
efeito a estratégia da antecipação da maioridade das vivências na esfera pública, novas exigências
de Pedro II (1840), conformou-se, em diferentes pendem sobre os indivíduos. Que comportamentos
âmbitos, uma estabilidade que permitiu avançar, adotar? Como expressar um gosto apurado tendo
de forma mais efetiva, o processo de construção em conta os novos parâmetros? Como isso se
da nação independente. manifesta nas vestimentas, nos cumprimentos,
Ainda que persistissem resistências e nos gestos, nas técnicas corporais? Trata-se
ocorrências contraditórias, como a manutenção claramente de um processo de educação do
da escravidão, foi o período em que mais bem corpo. Estou aqui dialogando com as ideias de
delineou-se o processo de modernização que, de Soares (2001, p. 110):
alguma forma, já vinha sendo entabulado desde
a chegada da família real portuguesa (1808). Os corpos são educados por toda realidade
Constroem-se discursos de que o Brasil deveria que os circunda, por todas as coisas com
ser reconhecido pelo seu caráter civilizado e pela as quais convivem, pelas relações que
adesão à ideia de progresso (SCHWARCZ, 1998). se estabelecem em espaços definidos e
Impactos desse processo são claramente delimitados pelos atos de conhecimento.
observáveis no município neutro da corte, que Uma educação que se mostra como face
se tornou o espaço das principais experiências polissêmica e se processa de modo singular:
de modernização do país, foco irradiador de dá-se não só por palavras, mas por olhares,
novas modas e costumes. Gestou-se no Rio de gestos, coisas, pelo lugar onde vivem.
Janeiro uma dinâmica social mais mundana,
uma maior estruturação do comércio de luxos Concordamos com a autora ao dizer que,
e entretenimentos, relacionados, inclusive, à por sua materialidade, esses corpos educados,
conformação de uma sociedade civil que desejava ou que se pretende que assim o sejam, são
(e precisava) expor publicamente seus símbolos de uma representação da sociedade, permitindo-
status e distinção. Tornaram-se mais valorizadas nos prospectar a “dinâmica de elaboração dos
as atividades públicas de convivência, quase uma códigos a que devem responder”. Ao seu redor é
obrigação para os que desejavam ser reconhecidos possível compreender “as técnicas, pedagogias e
em certos círculos sociais: instrumentos desenvolvidos para submetê-los a
normas” (SOARES, 2001, p. 111). Trata-se não só
[...] é na capital, durante os anos de 1840 de um processo que pende sobre os indivíduos,
e 1860, que se cria uma febre de bailes, mas sim sobre a sociedade como um todo, sendo
concertos, reuniões e festas. A corte se inegável seu caráter político: gestar grupos e
opõe à província, arrogando-se o papel de governar comunidades passa, inequivocamente,
informar os melhores hábitos de civilidade, pela necessidade de estabelecer parâmetros de
tudo isso aliado à importação dos bens educação corporal.
culturais reificados nos produtos ingleses e Nessa perspectiva, a educação do corpo
franceses (SCHWARCZ, 1998, p. 111). se cruza com a educação das sensibilidades e dos
754 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
Deve-se ressaltar que seus posicionamentos Além disso, havia ainda uma grande
são uma representação, um olhar de um ruptura: “Povo e elite mantiveram-se em
personagem que já era reconhecido, mas que mundos à parte no campo cultural, assim como
se encontrava ainda no início de uma trajetória no mundo social e político” (CARVALHO, 2012,
que lhe alçaria ao posto de um dos mais p. 35). A dança era uma das práticas nas quais
importantes do Império. Seus pontos de vista essa separação claramente se manifestava:
são marcados não exatamente pelo frescor da “o reisado, o lundu, o batuque, o maxixe
juventude, mas sim por uma ainda instável contrastavam com a valsa e a polca dos salões”.
certeza de meia idade acerca dos projetos para (CARVALHO, 2012, p. 35).
a nação, que ele mesmo vai contribuir para Vejamos como se estruturava a prática
operacionalizar nas décadas seguintes. da dança naquelas décadas de 1840/1850.
Nesse sentido, essas crônicas podem
ser consideradas como “uma fonte primordial A sociedade fluminense dança
para o conhecimento do Império, num de seus
períodos mais característicos” (RODRIGUES, O baile! O baile é sempre o baile! Estas interjeições
exprimem as mais sérias preocupações, os mais vivos e
2008, p. X), uma “fonte autêntica, viva, diária, afetuosos sentimentos da atual sociedade fluminense.
cotidiana, para captar o sentido, o valor, a José Maria da Silva Paranhos
significação, o ethos da reviravolta que se opera
na década de 1850” (p. XXII). Fonseca (2007) Na transição dos anos 1840/1850, no Rio de
concorda com esse ponto de vista, destacando Janeiro, já não era uma novidade a dança de salão,
que, nesses escritos, Paranhos discutiu seus aquela que é praticada não de forma espontânea
projetos para o país a partir de um olhar de nas ruas, mas sim em espaços fechados, seguindo
quem era egresso das fileiras das escolas regras e princípios coreográficos variáveis de
militares, e não da faculdade de direito. acordo com diferentes estilos.
Consideramos, assim, produtivo prospectar Sabe-se que, já instalado no Brasil, D.
seus posicionamentos acerca dos bailes e socieda- João mandou vir de Portugal, em 1810, o mestre
des dançantes, novas organizações da sociedade de dança Pedro Colonna (CAVALCANTI, 2004).
civil que funcionavam mesmo como instâncias No ano seguinte, desembarcou na colônia o
educacionais, informando os possíveis usos do francês Luis Lacombe, que passou a oferecer seus
corpo, dramatizando as tensões relacionadas aos serviços de docente e a coreografar espetáculos
projetos de grupos engajados no forjar da nação. apresentados nos teatros da Corte (SILVA, 2007).
Devem-se considerar algumas peculia- De fato, com a chegada da família real
ridades dos bailes abordados por Paranhos. portuguesa, em 1808, houve grandes mudanças
Inegavelmente, esses eventos frequentados pe- no cotidiano colonial, notadamente no Rio
las elites do Império dialogavam com referên- de Janeiro. A vida pública se tornou mais
cias que chegavam da Europa. Seria um equí- agitada. Os bailes, seguindo padrões europeus,
voco, todavia, encará-los como uma cópia do tornaram-se mais comuns, dinamizados por
que ocorria no velho continente. Havia, sim, mestres que chegavam do velho continente.
movimentos de reelaboração, a incorporação Eram promovidos em teatros, nas residências
de peculiaridades do jovem país que ainda ini- das elites, nas festividades da Coroa:
ciava seu processo de construção identitária:
As danças se aperfeiçoavam com mestres
É dentro dessa complexa dialética do entendidos. Luiz Lacombe não tinha mãos
nacional e do universal que se deve a medir e multiplicavam-se salões e saraus
interpretar a rica produção cultural do onde suas discípulas exibiam passes e passos
Segundo Reinado. (CARVALHO, 2012, p. 35) de bem aprendidas graças coreográficas. Os
756 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
Paranhos na crônica do dia 27 de abril de 1851: ocasiões nas quais se minimizavam as tensões
“o aristocrático Cassino, que conta em seu seio internas, celebravam-se alianças e acordos,
com todas as glórias parlamentares presentes e estabeleciam-se distinções com quem estava
passadas, todas as sumidades políticas e cortesãos fora (e entre quem estava dentro). Saber dançar,
[...]”. Sua sede da rua do Passeio foi um importante assim, passou a ser uma necessidade. Não
centro de encontro das elites nacionais. valia qualquer dança, mas estilos considerados
Também merecem destaque, pela reper- civilizados. Nada que se confundisse com
cussão de suas atividades e pelos personagens as práticas populares, razão pela qual era
que as integraram, a Sociedade Recreação necessário aprender a forma correta de bailar.
Campestre, a Assembleia Fluminense e a É interessante citar que, em 1854,
Sociedade Amizade, mas de fato muitas eram foi lançado, sendo editado pela Laemmert,
as agremiações que promoviam bailes para provavelmente o mais antigo manual de dança
diferentes estratos das elites e setores médios5. publicado no Brasil. Leiamos a descrição:
Houve também espaços populares de dança
que se organizaram no decorrer do século XIX. Arte da dansa de sociedade ensinada em lições
Esse é o caso do Salão do Caçador, criado em 1859, claramente explicadas por meio de trinta e
no Largo de São Domingos. Segundo Francisco duas figuras gravadas e contendo além de
Macedo, seus “frequentadores se compunham contradanças gerais, das figuras da valsa, da
da mais ínfima espécie de rameiras e devassos” polka, da schottisch e da redowa as marcas
(PECHMANN, 2002, p. 315). Esse médico, tão das contradanças provinciais e de várias
preocupado com a moralidade pública, lembrava outras inteiramente novas. (ZAMITH, 2011)
outros locais, a seu ver marcados pela devassidão,
onde bailes eram oferecidos: Bailes do Rachado, Nesse cenário, não surpreende que a
Bailes do Ângelo, Chico Caroço, Salão do Oriente, dança tenha sido introduzida nas escolas, antes
Fábrica de Cerveja de Mata-Cavalos. mesmo da ginástica e dos esportes. Vejamos,
Na verdade, a prática da dança por por exemplo, o caso do Colégio Pedro II. Já
populares sempre sofreu restrições, notadamente no primeiro regulamento previa-se no artigo
quando se dava em espaço público. Pelos jornais, 54: “As lições de Dança serão dadas nos dias
é comum encontrarmos indícios dessas tensões, de feriados aos Alumnos, cujos Pais houverem
comunicados de repressão ou solicitações de que determinado que a aprendão” (BRASIL, 1838).
alguma medida fosse tomada. Havia um claro Tratava-se de um curso à parte, ainda assim
processo de estabelecimento de um modelo sendo digno de registro que tenha sido previsto.
correto de diversão, relacionado a iniciativas O primeiro professor de ginástica
de controle da ordem pública, relacionadas a dessa instituição, Guilherme Luiz de Taube,
um perfil civilizacional que determinava o que somente foi contratado em 1841. Frente
deveria ser aceito ou não. à dificuldade de conseguir outro docente,
O perfil dos dirigentes das agremiações quando ele deixou a instituição em 1843, o
mais renomadas é um indicador das suas reitor, Joaquim Caetano da Silva, chegou a
intencionalidades. As elites, que no processo propor ao Ministério do Império:
de construção da nação precisavam mesmo
se reconhecer como tal, utilizavam os bailes Não sendo facil achar hum bom Mestre de
como forma de identificação e diferenciação, gymnastica, e correndo os alumnos continuo
risco, se elle sahir maó; com o mais profundo
5- Alguns exemplos: Recreio dos Militares, Harmonia dos Empregados respeito tenho a honra de lembrar a V. Exc.
Públicos, Sylphide, Minerva, Floresta, Cassino Americano, Dois de
Dezembro, Assembleia Familiar Fluminense, Lísia, Vestal, Recreação a conveniencia de substituir-lhe hum Mestre
Brasileira, Terpsícore, Ulisséa, Nova Eleusina, Amante do Recreio. de Dança (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 170).
758 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
servir de vis-à-vis, improvisa-se imediatamente uma Era categórico, como podemos notar
contradança. E como fugir a esta nova espécie de nesse trecho, escrito em 24/08/1851:
leva forçada? Pede-se com tanta graça, com palavras
tão doces, que, a menos de faltar a todas as regras
da civilidade fluminense, não há alternativa, é forçoso Nem mais, nem menos! Aqui executa-se a
aceitar o convite e dançar muito risonho. polca, acolá a contradança, mais adiante a
José Maria da Silva Paranhos valsa, e por toda a parte a graciosa e delicada
schottisch, que muitos alteram a seu bel-
José Maria da Silva Paranhos não prazer, sem se lembrarem que outrora a
deixou passar despercebido esse movimento dança era uma arte, senão quase uma ciência.
de valorização da dança no Rio de Janeiro de
meados do século XIX. Para ele, tratava-se de Para Paranhos, não havia exceções,
um desdobramento da busca de sintonização tratava-se de uma vaga que a todos envolvia,
com o continente europeu e da influência dos inclusive “aqueles sobre quem repousam os
estrangeiros que chegavam ao país. Era um futuros destinos do país”, que “entregam-
sinal de que a cidade passava por profundas se a exercícios coreográficos, para não dizer
mudanças e “perdia a inocência”: “O Rio de ginásticos” (PARANHOS, 24/08/1851).
Janeiro tem mudado tanto, que custa a conhecê- De forma ocasional, Paranhos, ao
lo” (PARANHOS, 13/01/1851). Seu olhar não mobilizar a ideia de ginástica, uma prática que
era somente uma constatação, mas também ainda era embrionária na sociedade fluminense,
uma celebração. Para ele, a sociedade da corte deixa transparecer que encarava a dança como
deveria aprender a se comportar como os povos um exercício corporal.
“mais desenvolvidos”, adotando parâmetros de Devemos perceber que esse elogio à
vida “mais civilizados”. dança era simultaneamente motivo de júbilo e
Paranhos percebeu que se diversifica- preocupação. Essa nova performance pública era
vam os divertimentos, tornando-se mais ati- fundamental para a sociedade, mas deveria ser
va a vida pública. Um dos indícios desse novo experenciada de forma adequada, de maneira
cenário seria a multiplicação das “sociedades a efetivamente significar algo produtivo para
de baile, de dança, musicais e dramáticas” a consolidação da nação, entendida, como já
(PARANHOS, 24/02/1851). Mesmo os proble- dissemos, a partir de parâmetros civilizados, isso
mas da cidade, o rigoroso clima e a epidemia é, inspirados em países que tinham aderido mais
de febre amarela não conseguiam aplainar o explícitamente ao discurso e ideário modernos.
ímpeto dos que compareciam aos eventos pro- Para nosso cronista, os eventos dançantes
movidos por essas agremiações. O autor escre- se constituíam mesmo no principal assunto da
ve em 24/02/1851: “não há calor nem febre cidade. A chegada de um novo estilo de dança
que tenham o poder de intimidar os seus cava- era comemorada como uma grande novidade.
lheiros e as suas belas”. A schottisch, por exemplo, é enfaticamente
O cronista não usava meias palavras para saudada por ser mais adequada ao caráter dos
definir o que ocorria, a seu ver, na sociedade brasileiros. Em mais de uma ocasião, aliás,
fluminense. Na crônica de 11/05/1851, escreveu: Paranhos chegou a considerar um baile como
o mais importante acontecimento da semana.
Continua o furor bailante com tal A cada atividade promovida, centenas de
intensidade, que se pode temer que daí pessoas compareciam. O que tanto entusiasmava
venha a nascer alguma febre simples ou os amantes dos bailes? A dança em si, certamente,
mista, conforme for só devida a alguma das que gerava uma proximidade física ainda inusitada
três espécies – valsa, polca e contradança –, naquele momento. A possibilidade de ouvir boa
ou às suas possíveis combinações. música também. Todavia, eram bem mais amplos
760 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
Só as moças que aspiram ao ministério Então o luxo e os prazeres, já não correspon-
doméstico e desejam contribuir para o dendo às posses daquele que os quer ostentar
aumento legal da humanidade, é que vão e gozar, longe de serem lícitos e salutares,
perdendo de todo a fé nos tais bailes. corrompem os bons costumes de uma famí-
(PARANHOS, 27/04/1851) lia ou de uma nação morigerada, excitam a
cobiça, acostumam às intrigas e às baixezas
De toda forma, em vários momentos, o e solapam pouco a pouco os alicerces da pro-
cronista defendeu uma maior liberdade feminina, bidade. (PARANHOS, 11/05/1851)
para ele um sinal de que avançavam os costumes.
Mais ainda, sugere que as atividades dançantes Trata-se de uma posição interessante. Ao
desempenhariam um importante papel: propor uma distensão dos costumes, de forma
alguma sugeria abandonar a moralidade públi-
Há mesmo quem pretenda que a educação ca. Muito pelo contrário, para não por em risco
das mulheres não se pode operar sem os uma instância tão importante para o país que
bailes; que as mulheres criam-se no salão, estava nascendo, dever-se-ia ter em conta os
como o general no campo da batalha, novos rigores que a nova dinâmica exigia. Por
como o homem de ciência no gabinete, isso sua grande preocupação com a educação
como o homem de Estado nos escritórios dos que iam aos bailes: se limites não fossem
de jornal e nas discussões da tribuna estabelecidos, perder-se-ia sua potencialidade.
.(PARANHOS, 27/09/1851) De toda forma, o cronista exaltava
os bailes, lembrando, inclusive, que tinham
Ao sugerir que os bailes eram fundamen- potencial econômico. Em 11/05/1951 escreveu:
tais na educação da mulher sintonizada com os
novos tempos, Paranhos enfrentava os que se [...] favorecendo o consumo dos objetos
apegavam ao passado. Todavia, não pensemos do tom ou de luxo, animam a indústria
que tinha uma visão idílica dos eventos dan- e o comércio, e tornam-se por este modo
çantes. Para ele, essas ocasiões não deveriam se tão protetores do progresso material do
tornar um vício. Chega a sugerir que as mulhe- país como provado fica que o são da sua
res que se submetem “ao violento exercício co- civilização política e moral.
reográfico de dois, três e seis bailes por semana”
(PARANHOS, 31/08/1851) acabam adquirindo Lembra que, na alta temporada, a cidade
uma má fisionomia. Mais ainda, preocupa-se entrava em polvorosa, como colocado na
com os elevados custos: crônica de 27/04/1851:
A sociedade fluminense está a tal ponto Felizes cabeleireiros, alfaiates, lojistas, mo-
atacada da febre dançante e fascinada com distas, e o restante da legião de industrio-
os prazeres da comédia dos bailes, que sos suíços a serviço dos fashionables e das
começo a recear pela saúde e felicidade elegantes de todas as idades.
das belas, pelos fundos dos pais e pelo
crédito comercial de muitos elegantes. Para Paranhos, havia um ganho ainda
(PARANHOS, 31/08/1851) maior – fortalecer elos entre distintos grupos.
Em 11/05/1851, afirmou:
No seu modo de entender, os excessos
poderiam até mesmo ser prejudiciais à saúde [...] reunindo debaixo do mesmo teto,
e “um veneno corrosivo da moral pública, da e obrigando o saquarema e o luzia, o
felicidade doméstica e da fortuna privada”: cabeludo e o liso, o cabano e o bentevi,
762 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
Bem hajam os Prados, os teatros, os bailes, Paranhos chega a ironizar a intensa
que contribuem com as festas da nossa agenda dos parlamentares: não se podia privá-
bela e sublime religião para distrair o povo los de tamanho “fervor filarmônico-dançante-
fluminense das aflições do presente, e fazê- teatral”. Dessa forma, devia-se ter com eles
lo caminhar ledo e cego para o futuro [...]. certa tolerância, já que seria absurdo:
Os eventos dançantes abordados por Exigir que, depois de uma vigília passada
Paranhos eram mesmo espaços privilegiados de nas regiões agitadas e deslumbrantes da
encontros das elites, inclusive daqueles que, no schottisch [...], um digno representante se
âmbito da política, dirigiam os rumos do país. levante ao alvorecer, e pálido, lasso e ainda
Ele, aliás, sugeria que “a quadra parlamentar desacordado pelas emoções da véspera, se
coincide com a estação própria dos bailes nesta mergulhe numa atmosfera glacial e úmida.
boa cidade”. (PARANHOS, 27/04/1851) É verdade (PARANHOS, 28/07/1851)
que os clubes funcionavam o ano inteiro, mas o
auge de suas atividades dava-se na ocasião em Vejamos que, mesmo com os bailes
que a câmara e o senado estavam em plena atu- públicos ocupando progressivo espaço, ainda
ação, quando personagens importantes de todo seguiam existindo as atividades privadas, que
o país estavam reunidos na sede do Império. reuniam a fina flor da sociedade fluminense.
Segundo seu perspicaz olhar, os bailes com- Paranhos narra uma dessas reuniões, realizada na
plementavam (e mesmo integravam) as tarefas casa do oficial-maior da secretaria dos negócios
parlamentares, aproximando os representantes estrangeiros, em que estiveram presentes:
(entre si e com seus eleitores), amenizando as
tensões da nação, contribuindo “poderosamen- [...] o ministro desta repartição, o da
te para as combinações da pequena e da grande Guerra, todo corpo diplomático, inclusive
política”. (PARANHOS, 18/05/1851) os adidos, vários conselheiros de Estado
Como colocado na crônica de 27/04/1851, e deputados, oficiais das Secretarias de
o baile era a ocasião em que se poderia: Estado e muitos outros [...] 43 pessoas do
sexo feio e 37 do belo sexo. (PARANHOS,
conversar ao som de uma galopada, estudar 06/07/1851)
o espírito humano engolindo um canudo e
sorvendo uma pirâmide de neve, e preparar a A despeito do perfil dos convidados,
solução das grandes questões de Estado com “Contradançou-se, schottischou-se à larga”.
o auxílio do encanto das belas, a fascinação Da mesma forma, ainda que com frequência
das luzes, e as inspirações de uma orquestra. reduzida, o Imperador Pedro II progressivamente
foi tornando-se mais recluso, volta e meia
Eram momentos em que se alinhavam os acontecia algum baile promovido pela família
debates políticos. imperial, ocasião sempre celebrada e aguardada
com ansiedade.
Se a diplomacia considera os jantares Dançava-se por todos os lados, razão pela
como habilíssimos agentes internacionais, qual todos deveriam aprender não só a dançar,
os ministérios e os pretendentes dizem que mas fundamentalmente como se comportar
as soirées e os bailes são de uma grande nessas ocasiões. Tratava-se de uma exigência
força persuasiva para certos parlamentares tendo em conta as necessidades da nação,
(PARANHOS, 27/04/1851). segundo o olhar de Paranhos.
764 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
A dança não era, portanto, somente um dinâmica social. Uma exigência social, deven-
divertimento. Era um sinal dos novos tempos, do, portanto, ser motivo de educação. Uma edu-
produto e, esperava-se, produtora de uma nova cação do corpo, dos sentidos, das sensibilidades.
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766 Victor Andrade de MELO. Educação do corpo – bailes no Rio de Janeiro do século XIX: o olhar de Paranhos...
Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet:
fundamentos de uma pedagogia solidária internacional
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 767-781, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000007 767
Autonomy, cooperativeness and self-management in
Freinet: foundations of an international solidarity pedagogy
Abstract
Since the late twentieth century, modern public education has come
under new influences of hegemonic policies with technocratic,
marketing and financial biases. Given this scenario, one of its
main foundations, pedagogical autonomy, is under pressure and
conditioning in the world. Thus, I argue that the study of autonomy
in modern education may help critically clarify the conditions
and its development in history. From this perspective, one of the
recognized pedagogical works is the so-called pedagogy of work or
modern school, by Célestin Freinet (1896-1966), which I sought to
analyze through literature review. Therefore, in this study I focus
on its means and theoretical and methodological foundations such
as free speech, free work, free cooperation, work techniques, free
inquiry, interschool communication. In the analysis, I have observed
the presence of a heterodox Marxist theoretical framework implicit
in Freinet’s methodology, particularly related to the theory of the
material relations of production, the theory of alienation and
the internationalist doctrine. Such foundations, coupled with the
originality of Freinet, enabled the creation of technical means and
international cooperation, which underlie the radical autonomy of
his pedagogy. As for findings, I observe and describe foundations
which have been little analyzed in Freinet, given their embryonic
nature in his time and space: the international cooperativeness and
self-management of the modern school. Such foundations reveal not
only the relevance and timeliness of the author to the rescue and
development of pedagogical autonomy but also the expansion of the
size of Freinet’s work as an international solidarity pedagogy in the
difficult current historical context.
Keywords
768 http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000007 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 767-781, jul./set. 2014.
Introdução técnicas têm por objetivo conduzir educandos
didaticamente ao trabalho coletivo e criador.
Na extensa obra do francês Célestin Mas, a nosso ver, a obra freinetiana
Freinet1, observamos, a partir da revisão da não se limitou à celula mater didática da rela-
literatura, um aspecto pouco abordado em ção educador-educando. Compreendemos que
sua teoria e práxis pedagógicas baseadas em Freinet interveio também nas próprias relações
métodos ativos: a solidariedade radical em seus entre educadores, ao estender coerentemente a
meios e fins. Solidária devido ao compromisso cooperação2 e a autogestão escolar a essa rela-
ético e socialmente transformador assumido ção de trabalho, conforme o sétimo princípio
em sua pedagogia popular. Radical em sentido da Carta da Escola Moderna, que descreve que:
análogo ao levantado por Paulo Freire, no
clássico Pedagogia do oprimido (2005, p. Educadores do ICEM são os únicos res-
26), quanto à etimologia do próprio termo, ponsáveis pela direção e esforços de co-
relacionado à ideia de raiz, segundo o qual: operação. […] Estamos interessados pro-
fundamente na vida da nossa cooperativa,
[…] a radicalização (grifo nosso) é crítica, porque é a nossa casa, nosso quintal que
por isto libertadora. Libertadora porque, devemos alimentar nossos fundos, o nos-
implicando o enraizamento (grifo nosso) so esforço, nossos pensamentos e estamos
que os homens fazem na opção que prontos para se defender contra qualquer
fizeram, os engaja cada vez mais no pessoa que iria prejudicar os nossos inte-
esforço de transformação da realidade resses. (ICEM, 1968).
concreta, objetiva.
Junto com o décimo princípio, Freinet
Trata-se, portanto, da solidariedade e colaboradores consideraram que o objetivo
radical, da responsabilidade enraizada em sua do movimento cooperativo da Escola Moderna
missão, objetivos e métodos. corresponde ao ato de “[…] desenvolver o
Essa dimensão pouco estudada na obra trabalho em fraternidades e para o destino de
de Freinet pode ser observada em aspectos auxiliar profundamente e de forma eficaz todas
já analisados e amplamente reconhecidos as obras de paz”. (ICEM, 1968).
na literatura, como aqueles relacionados às Tal aspecto é comumente descrito na
centralidades dos conceitos de livre trabalho, literatura, mas a análise e a discussão crítica a
bem como de livre expressão, que, junto respeito do caráter dessa relação a qual definimos
com a livre cooperação, a livre pesquisa e as como solidária é incipiente. Isso porque suas
respectivas técnicas (técnicas de vida), que a reflexões nesse campo tornaram-se mais efetivas
notabilizaram, como a impressão gráfica, o com as crises estruturais da segunda metade do
correio interescolar, o diário coletivo (livro de século XX (SINGER, 2002), nas quais o debate
vida), o jornal escolar, fichas e fichário escolares, entre concorrência e solidariedade começaram a
os audiovisuais (documentário cinematográfico, se aprofundar e a se estender para áreas além
rádio-gravador) e a revisão do layout do da economia, alcançando também a pedagogia
interior arquitetônico e mobiliário escolares, (SINGER, 2009; GADOTTI, 2009).
constituem, em seu conjunto, os meios e fins Com o desenvolvimento da livre
da pedagogia freinetiana. Fundamentalmente, cooperação entre educandos e, portanto,
seus pressupostos conceituais e condições
2- Para Marx (1988, p. 246), “a forma de trabalho em que muitos
trabalham planejadamente lado a lado e conjuntamente, no mesmo
1-Dedicado ao freinetiano Profofessor Titular José de Arruda Penteado processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas
(Departamentp de Educação – IA/UNESP), in memoriam. conexos, chama-se cooperação”.
770 Antonio Takao KANAMARU. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de uma pedagogia...
pedagógica de Freinet, devido à contribuição seus pulmões foram seriamente lesionados
original relacionada à plena autonomia, ao por gases tóxicos em Verdun, com sequelas
livre cooperativismo e à autogestão escolar, irreversíveis à respiração. Freinet buscou terapia
desenvolvidos estruturalmente em seu projeto médica ao longo de quatro anos (SAMPAIO, 1989;
político-pedagógico da chamada escola moderna. ELIAS, 1997; LEGRAND, 2011), mas a ineficácia
Nessa perspectiva geral, observamos, dos tratamentos o fez assumir essa realidade e
por decorrência, a sua dimensão maior como conformar-se com a deficiência.
uma pedagogia solidária internacional, Embora fatigado e extenuado fisicamen-
dirigida ao desenvolvimento do educando pelo te, era lhe exigido ser objetivo e comunicar ver-
trabalho, principalmente a partir de condições balmente o essencial (PENTEADO, 1979), algo,
técnicas objetivas, mas também de condições a seu ver, necessário à pedagogia moderna ba-
organizativas de administração e gestão seada na experiência e em contraposição direta
democráticas diretas ou reais, para uma escola à escolástica, então baseada no verbalismo in-
verdadeiramente risonha e franca, expressão telectual e abstrato, em geral estranho às neces-
comumente atribuída ao autor. sidades dos educandos e às famílias de aldeões.
Em 1920, iniciou sua atuação como
Freinet: a autonomia frente às educador em Bar-sur-Loup e nessa nova etapa
adversidades começou a pesquisa e a discussão de uma nova
pedagogia assumidamente popular, baseada no
Conforme a literatura existente, a trabalho, influenciada pelas experiências-limite
construção da pedagogia do trabalho ou da que viveu. Nessa fase, conheceu primeiro a obra
escola moderna, do francês Célestin Freinet de Rousseau a respeito do reconhecimento da
(Gars,1896, Vence,1966), não foi elaborada a natureza peculiar infantil. Podemos dizer que
priori e academicamente. Pelo contrário, teve vem daí sua ponderação acerca da defesa da
influência de sua experiência de vida desde os autonomia e da livre expressão presentes como
primórdios, quando foi pastor de ovelhas, nos ideais na Revolução Francesa e na Declaração
Alpes Marítimos, já nos seus primeiros anos Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de vida (FREINET, 1979). Essa profissão lhe embora considerasse uma referência em geral
exigia tomar decisões importantes relacionadas distorcida das elites7.
à segurança do rebanho, principal fonte de Por outro lado, observamos seu viés
sustento de sua família humilde. multifacetado que, ao lado do fundamento
Pensamos que essa experiência profissional baseado na razão, tem a influência de Teilhard
influenciou a concepção e o desenvolvimento de de Chardin quanto à aproximação científica
sua obra pedagógica, levando-o a valorizar a entre razão e espiritualidade humanista, em
autonomia e a livre descoberta, que ulteriormente termos antropológicos, segundo o qual “nada é
se tornariam base para a consideração da tão delicado e fugidio, por natureza, quanto um
importância da livre expressão e da livre pesquisa. começo” (apud FREINET, 1979). Nesse sentido,
Esses seriam valores importantes também para eis a valorização por Freinet do papel da livre
educandos superarem o difícil isolamento rural e pesquisa e da livre expressão como meios
provinciano a que estavam submetidos. essenciais para a “ascensão da vida”.
A experiência histórica adversa na Essa pesquisa adquiriu articulações mais
biografia de Freinet também deve ser considerada, importantes devido ao novo e moderno órgão
visto que aos dezoito anos iniciou sua experiência
traumática como soldado nas batalhas da I Guerra 7 - “[…] E é tradição referir-se a Rabelais, Montaigne e J.-J.Rousseau
[…] (mas) tais idéias que os intelectuais julgam ter descoberto não
Mundial (1914), mesmo ano em que iria iniciar o correm desde sempre entre o povo […] não foi o erro escolástico que
magistério em Nice. Após um ano de combates, […] deformou a essência, para monopolizá-la […]?” (FREINET, 1979, p.3)
772 Antonio Takao KANAMARU. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de uma pedagogia...
Retrospectivamente na análise, notamos e a livre organização, categorias centrais no
o engajamento e o enfrentamento das adversida- pensamento e análise freinetianos.
des por Freinet, traço importante para a compre- Antes de alcançar esse desenvolvimento
ensão de sua personalidade e história. Essa expe- teórico-metodológico, em seus primeiros anos
riência viva revela a construção e a valorização Freinet analisou criticamente os fundamentos e
de sua autonomia e independência, resultante da a prática da pedagogia escolástica, revendo sua
necessidade de decidir e enfrentar permanente- própria experiência na escola dominante à época,
mente realidades adversas por meio do traba- a qual considerava traumática e domesticadora
lho. A nosso ver, esse aspecto influenciará a sua em função da separação, de caráter intelectualista
obra, pensamento e ação. Portanto, a autonomia e dogmática, entre conteúdo e forma didáticas
em sua vida não constitui uma ideia surgida a de um lado e, de outro, das necessidades reais
priori, mas um valor resultante de uma série de de educandos. Assim, tornou-se crítico acerbo
experiências de vida e de dificuldades superadas e pesquisador pedagógico para a construção
por meio do trabalho, pesquisa e engajamento de uma pedagogia efetivamente científica.
popular. Tais aspectos tornam-se centrais na Observava que a pedagogia escolástica no
construção da pedagogia Freinet, cujo desenvol- aspecto geral apenas sujeitava educandos à
vimento lógico e coerente conduziu sua obra ao passividade, à repetição e à subordinação, em
estabelecimento do cooperativismo e autogestão frontal contradição quanto à autonomia do
escolar, como condição para a plena autonomia educando, fundamental para o rigor da vida no
da escola moderna. campo e para a vida. Em Para uma escola do
povo, Freinet (1998, p. 19) considerou que:
A autonomia radical, o livre
trabalho e a livre organização Esta escola já não prepara para a vida;
para a liberdade pedagógica não está voltada nem para o futuro, nem
moderna mesmo para o presente; obstina-se num
passado que não volta […]. […] A Escola
Na análise desse histórico de Freinet, que não prepara para a vida, já não serve
bem como de suas influências pedagógicas, a vida; e é essa a sua definitiva e radical
observamos alguns aspectos que se constituirão condenação […].
as colunas centrais de seu pensamento e ação: a
autonomia como razão última e o trabalho como Para a fundamentação desse novo
atitude vital diante de adversidades; a defesa da trabalho pedagógico, Freinet defendeu o
livre expressão, como consequência necessária conceito psicológico de trabalho-jogo cujo
da autonomia, e a livre pesquisa, como fundamento está no objetivo concreto do
consequência do trabalho como meio gerador de labor, da construção do conhecimento sensível,
conhecimento novo e, finalmente, a cooperação do trabalho como meio lúdico em si mesmo,
e autogestão como resultado coerente e lógico baseado na necessidade natural na psicologia
dessa experiência teórico-metodológica. do educando. Tal conceito opunha-se ao
Consideramos na análise freinetiana a dominante jogo-trabalho, o ersatz, que simula a
autonomia e a livre expressão como elementos atividade laboral sem necessariamente realizá-
indissociáveis, razão pela qual enunciamo- la ou atingir um objetivo concreto.
las resumidamente como a autonomia, assim Em Ensaio de psicologia sensível II,
como o livre trabalho e livre pesquisa apenas o autor assim se refere ao conceito de ersatz
como o trabalho e, finalmente, a cooperação - a lógica substitutiva ou simulada de vida,
e autogestão como organização. Desse modo, contrária ao trabalho real - relacionada à escola
resumimos a autonomia radical, o livre trabalho tradicional dominante:
774 Antonio Takao KANAMARU. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de uma pedagogia...
a livre expressão como elemento distintivo e introduz técnicas de trabalho (técnicas de
crítico em seu método natural, em contraposição vida), organizadas quase tacitamente como um
a outros métodos e teorias psicopedagógicas sistema para apropriação e uso coletivo entre
orgânicas ao escolasticismo. educandos e educadores e pais, a partir da
Nesta etapa de análise, podemos prensa gráfica de tipos móveis para a impressão
considerar alguns aspectos fundamentais de livres textos e livres desenhos12, trabalho
presentes na formulação teórico-crítica e que permitiu também a elaboração de suportes
praxiológica de Freinet. Reiteramos a influência comunicativos (jornal, cartazes, folhetos etc.), a
da experiência concreta do trabalho presente partir da técnica complementar do silk screen.
na biografia de Freinet, cujo resultado foi a Freinet (1969), em Por uma escola do
valorização da autonomia, mas também o povo, também promoveu e registrou mudanças
compromisso com a razão sensível e humana, estruturais da classe escolar: aboliu estrados e
presente em Rousseau, sobretudo crítica quanto plantas mecanicistas do interior arquitetônico
às origens da desigualdade. Nesse aspecto, da tradição escolástica, cujo espaço servia
Freinet estava consciente de sua origem funcionalmente à centralização da autoridade
trabalhadora, camponesa. Sua sensibilidade docente e não à noção da criança como sujeito
se voltava à consciência da desigualdade e às ativo do processo de ensino-aprendizagem. Além
condições de vida e produção dessa população. disso, criou o conceito de cantos pedagógicos,
Nesse contexto, observamos uma que tornou a sala de aula semelhante a um
influência marxista que se manifesta ateliê de trabalho e criação multidisciplinar.
implicitamente em três aspectos: 1) na presença Para auxílio à metodologia da livre
da teoria da alienação do sujeito, na forma de pesquisa, Freinet (1969) orientou didaticamente
crítica e prevenção pedagógica; 2) na teoria as crianças a uma espécie de pré-iniciação
das relações materiais de produção, quanto científica, a partir de seus interesses e
às condições objetivas geradas pelas técnicas necessidades, com técnicas de documentação
de vida; e 3) na doutrina internacionalista sistemática por fichas e consulta em fichários.
marxista, presente nos correios interescolares. Coerentemente, estabeleceu um processo de livre
No primeiro aspecto, observamos a autoavaliação coletiva baseada em indicadores
crítica marxista à alienação10 nos métodos de produção para livre uso, inspirada em etapas
e nas consequências negativas dos dogmas gerais de desenvolvimento.
pedagógicos do escolasticismo, no qual o O terceiro aspecto marxista em
objetivo pedagógico da autonomia da criança Freinet refere-se ao caráter assumidamente
não era visado, mas sim a sua passividade. internacionalista de seu sistema. Reunindo a
Essencialmente, para Freinet, o escolasticismo condição objetiva da técnica e a sua respectiva
era baseado na separação da escola da realidade apropriação coletiva, o autor, em referência
de vida da criança e da sua família e em à crítica ao isolamento rural e provinciano,
repetições e memorizações. promoveu o uso e desenvolvimento de correios
A segunda evidência marxista em interescolares. Com isso, Freinet se aproximava
Freinet reside na consciência quanto às da noção iluminista de cidadão do mundo, mas
condições objetivas da relação infraestrutura- sobretudo da doutrina internacional de Marx.
superestrutura ou às relações materiais Ao mesmo tempo, como cientista da educação,
de produção11. O pedagogo originalmente buscava também submeter processos e resultados
10 - Referimo-nos particularmente à análise de Marx sobre a sistematicamente à avaliação e conferência
mercadoria e a divisão de trabalho e manufatura. Confira Marx (1988, científicas de colaboradores e pesquisadores
p. 45-78 e p. 254-276)
11- Marx (1988). Acrescentamos nesta passagem, o texto A ideologia alemã. 12- Análise teórica e metodológica do papel do desenho e o estudo
Feuerbach. Oposição das concepções materialista e idealista (MARX, 1982). psicopedagógico desenvolvido por Fa a partir de Freinet (1977).
776 Antonio Takao KANAMARU. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de uma pedagogia...
rios dirige-se ao conjunto das pessoas liga- nosso) capaz de administrar a quase
das ao empreendimento, embora tenha que totalidade da vida escolar.
existir formação específica e professional
para certos quadros institucionais de acor- Nesse aspecto, Paul Singer (2009, p. 12),
do com suas responsabilidades. Trata-se de no Prólogo de a Economia solidária como praxis
uma formação para a gestão colaborativa pedagógica, de Moacir Gadotti (2009), afirma:
e o trabalho de equipe. […] Ela não se res-
tringe a aspectos informativos e formati- Convém recordar que um dos princípios
vos, mas envolve também aspectos orga- basilares do cooperativismo […] é que, a
nizativos e produtivos. Com a autogestão, qualquer momento, novos trabalhadores
todos participam das decisões independen- tenham o direito de se associar a
temente da função que executam. empreendimentos solidários e que associados
a tais empreendimentos tenham o direito
Para Elias (1997, p. 65): de deixá-los […]. A autogestão só é válida
enquanto os trabalhadores participarem dela
Freinet jamais aceitou a competição (grifo por sua própria vontade. Se a participação
nosso) individual que existia nas escolas; em empreendimentos solidários se tornasse
em seu lugar propôs a vida cooperativa, obrigatória pela eliminação de todos os
idéia reforçada no encontro com Cousinet outros modos de produção de determinado
e Profit, em Montreaux (1924). O primeiro país, os trabalhadores não seriam mais os
preconiza o trabalho em pequenos grupos donos do seu destino, que ficaria sujeito à
e Profit propõe a solidariedade pela vontade dos que teriam poder para autorizar
cooperativa escolar. Freinet vai mais longe: e impedir o funcionamento dos diversos
sua pedagogia circula entre o individual modos de produção.
e o coletivo, procurando desenvolver ao
máximo o senso cooperativo. Ao mesmo tempo, como visto
anteriormente, Freinet não operava didática e
Nesse aspecto, Freinet manteve a pedagogicamente a partir de ideias puras, mas,
coerência ética estrutural nessas relações consciente das relações materiais concretas de
discentes e docentes na Cooperativa de Ensino produção, sistematizou o uso e a apropriação
Laico e no Instituto Cooperativo de Escola coletiva das técnicas em torno da imprensa escolar
Moderna, documentados no órgão L’Educateur e de outras novas mídias daquele contexto. Essa
(FREINET, 1985). Enfatiza-se, portanto, que medida, além de oferecer as condições objetivas
essa perspectiva ética radical não se restringiu concretas para a produção dessas relações
à cooperação e à autogestão administrativas didáticas, gerava principalmente as condições
apenas entre educadores, mas, principalmente, reais de autonomia, livre trabalho e livre expressão
para os educandos. Freinet (1969, p. 149), em de educandos e também de educadores.
Para uma escola do povo, alertou que para a A pedagogia de Freinet, nesse aspecto,
constituição de uma real cooperativa escolar: proporcionou a organização da escola
popular como um centro de comunicação por
[…] não se trata de fundar, como por excelência, mas baseado no trabalho cooperado
vezes acontece, um agrupamento formal real. Nesse aspecto, opunha-se à escola nova
no papel, com o objectivo de comprar um cujas considerações gerais já eram existentes
material qualquer mediante o pagamento mais amplamente na teoria liberal da escola-
de uma cotização mensal, mas de uma canteiro ou escola-laboratório, de John Dewey
verdadeira sociedade de crianças (grifo (1971). Mas, conforme interpretação de Élise
778 Antonio Takao KANAMARU. Autonomia, cooperativismo e autogestão em Freinet: fundamentos de uma pedagogia...
Servir à verdade, ao direito, à justiça, ainda pouco considerada na pedagogia de Freinet:
não se usa mais uma sociedade que a de uma pedagogia solidária internacional.
pisoteia essas noções. Temos de servir A relevância e atualidade da pedagogia
a um regime: pobres entre pobres e Freinet no presente contexto histórico adquire
educando filhos de pobres, deveríamos consistência diante da hegemonia de políticas
colocar a nossa ascendência moral, nosso educacionais baseadas em critérios tecnocráticos-
devotamento, nosso saber a serviço dos concorrenciais, mercadológicos e financeiros,
ricos exploradores: mutilados, odiando a que interferem no grau de liberdade pedagógica
guerra que fizemos, teríamos que mentir moderna e mais amplamente na noção da
sem parar a nossos alunos, inculcar-lhes educação como direito humano essencial.
uma moral essencialmente contestável, que
não tem relação alguma com a verdadeira Considerações finais
moral que praticamos e ensinamos. O que
se gostaria, nós o sabemos e vemos muito Baseados em uma revisão geral, procura-
bem, seria que continuássemos a utilizar mos sustentar a hipótese do caráter solidário da
o sistema imoral e antipedagógico que pedagogia freinetiana a partir da verificação de
prepara, não homens mas servidores dóceis seus fundamentos como a autonomia, a livre ex-
de um regime; gostariam de obrigar-nos, pressão, o livre trabalho cooperado, a livre pesqui-
a nós, educadores proletários, a servir sem sa, a avaliação autônoma e o correio interescolar.
reservas à escola da classe burguesa. A isso O aprofundamento desse caráter ético
dizemos não. Somos educadores. Nosso da solidariedade não se restringe às relações
primeiro dever é respeitar as crianças que didáticas entre educandor e educando, mas
nos são confiadas, educá-las, prepará-las. se encontra também na relação docente entre
Para isso, opomo-nos a todo dogmatismo educador e educador.
que se justifica por considerações Nesse aspecto, como condição objetiva para
extrapedagógicas. Não estamos a serviço de a execução do projeto político-pedagógico solidário
governos que passam, nem de regimes que da escola moderna, bem como uma perspectiva
mudam; estamos a serviço das crianças, a política de autonomia radical pedagógica,
serviço da sociedade para a qual queremos Freinet baseou o seu trabalho no cooperativismo
prepará-las, segundo as técnicas da internacional e na autogestão escolar.
verdade e da liberdade, felizes e orgulhosos A partir dessa perspectiva, torna-se possí-
de apoiar-nos, para isso, em todas as forças vel refletir a respeito da superação da polaridade
que buscam o mesmo objetivo de libertação estatal-privado, para efetivamente construir uma
e renovação. (FREINET, 1998, p.82) esfera pública-democrática, popular. Nesse sen-
tido, a pedagogia freinetiana se inscreve central-
Trata-se então, a nosso ver, da pedagogia mente no campo das discussões acerca da eco-
do trabalho ou escola moderna, de uma perspectiva nomia e cultura baseadas no trabalho solidário.
de autonomia radical e estruturalmente enraizada Com a presente consideração, procuramos
desde a sua concepção, a sua estrutrutura e o demonstrar a relevância e a atualidade científicas
seu funcionamento para fins de “libertação e dessa pedagogia moderna e crítica que, em
renovação”. Isso, na visão de Freinet, corresponde si, pressupõe novos estudos e pesquisas para
a um regime cooperativo, autogerido e em a superação do presente status quo, com a
comunicação internacional que, devido ao seu construção da escola do trabalho cooperado e
caráter embrionário na história, somente no popular, qualificada por Freinet como moderna e
presente contexto ganha dimensão maior, mas do futuro, mas, também, risonha e franca.
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Antonio Takao Kanamaru é professor doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São
Paulo (USP).
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p.783-798, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000013 783
Progressive education today: the legacy of John Dewey
Abstract
Keywords
784 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014005000013 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 783-798, jul./set. 2014.
Introdução tradicionais e o empobrecimento do currículo
centrado num número reduzido de matérias
A educação progressiva teve início nos básicas, um conjunto significativo de escolas
primórdios do século XX, nos Estados Unidos nos Estados Unidos da América continua com-
da América, ao mesmo tempo em que, na prometido com a implementação de uma edu-
Europa, verificava-se um amplo movimento de cação progressiva, prolongando, desse modo,
renovação pedagógica, que ficou conhecido por uma rica e duradoura tradição educativa.
Escola Nova, e com o qual manteve estreitas No âmbito do presente artigo, propomo-nos
relações (FLORES, 2001; MATA, 2001). Embora debater os desenvolvimentos atuais da educação
de forma intermitente, a influência dessa tradição progressiva e a forma como se apropriaram do
pedagógica, na qual avulta a centralidade do legado fundador constituído pelo pensamento
pensamento de John Dewey, perdurou até aos anos de John Dewey, bem como refletir acerca de sua
70 do século passado (SEMEL, 2008). O relatório importância na promoção de uma sociedade mais
A nation at risk, publicado em 1983, apontou justa e democrática. Tentaremos, por conseguinte,
para a existência de fragilidades na educação responder às questões: como é que a tradição da
norte-americana, capazes de comprometer, a educação progressiva se desenvolveu e enriqueceu,
breve trecho, a competitividade econômica do na relação com o pensamento de John Dewey,
país quando comparada com a de outros países. e por qual motivo continua a ser uma proposta
Estava, assim, aberto o caminho para a restauração educativa adequada e séria no contexto das atuais
de uma agenda mais tradicional em termos de sociedades democráticas?
educação. A educação progressiva, associada
por muitos a uma abordagem educativa menos Caráter fundacional do
rigorosa e promotora de uma desautorização dos pensamento de John Dewey
adultos, tornou-se alvo dos ataques da opinião
pública e a sua importância decresceu. A centralidade do pensamento de John
Nos anos 90 do século passado, contudo, Dewey e o seu papel fundacional (amplamente
verificou-se um ressurgimento da tradição reconhecidos) na constituição da educação
progressiva, a partir da criação de pequenas progressiva têm de ser equacionados à luz do
escolas públicas, baseadas nessa concepção movimento progressivo mais vasto. A chamada
e, particularmente, empenhadas em equilibrar era progressiva teve início no final do século
individualismo e sentido de comunidade. XIX, correspondendo a um tempo marcado
No entanto, a generalização da perspectiva pela esperança que sucedeu a um período de
neoliberal e de uma lógica de prestação de “desencantamento com o status quo”1 e “a
contas, definitivamente estabelecida com a uma análise de todos os aspectos da sociedade
aprovação da legislação intitulada No child e a um apelo à renovação e a um novo vigor
left behind, em 2002, secundarizou a visão da democráticos”2 (VANPATTEN, 2010, p. 126).
missão humanística das escolas e enfraqueceu a Em termos rigorosos, esse movimento
força dos professores. Além disso, fragilizou o reformista não pode ser dissociado da depressão
controle exercido sobre a sua própria profissão, econômica ocorrida na passagem do século XIX
de modo a comprometer o objetivo de integrar e para o século XX, a partir da qual surgiu uma
promover a democracia através da escolarização urgência de repensar tanto a sociedade quanto
e da educação, que pode ser perspectivado como a democracia. Em consequência disso, emergiu
o fim principal da educação progressiva. 1- Todas as citações incluídas no presente texto são tradução nossa.
Apesar das atuais iniciativas educa- Optamos, por conseguinte, por apresentar cada uma no original em Inglês.
“[...] disenchantment with the status quo”.
cionais favorecerem, com a dominância dos 2 - “an examination of all aspects of society and a call for democratic
testes estandardizados, o retorno dos métodos renewal and reinvigoration”.
786 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
com um processo aberto de crescimento e de salientado por Hansen (2009), a obra de Dewey
aperfeiçoamento, no sentido de uma experiência traduz uma paixão pelo espaço “que está entre”
mais partilhada e alargada, que resulta da e que pode ser entendido como o espaço entre o
interação e capacidade de comunicação entre self que se foi e o self em formação, a comunidade
os vários indivíduos. de ontem e a comunidade de hoje; o ponto de
A clarificação do papel da educação vista adotado e o novo ponto de vista, exercendo
e da sua estreita relação com a consecução uma atração magnética e impulsionando as
da democracia, em sentido lato, pressupõe a pessoas para a frente “no sentido da criatividade,
compreensão da relação entre individualidade da expressividade, do habitar o mundo de
e comunidade no pensamento de Dewey. Por forma mais plena, isto é, de forma reflexiva e
individualidade (que distingue de indivíduo), apreciativa”6 (HANSEN, 2009, p. 106).
entende aquilo que é próprio de cada um e O crescimento é, em si mesmo, e
constitui o seu valor próprio, considerando simultaneamente, o objetivo e o veículo
que é algo que tem de ser desenvolvido e da própria vida, expresso num processo
conquistado, não estando dado à partida e não contínuo de reconstrução da experiência do
constituindo, por conseguinte, uma identidade self, que enfrenta e acomoda o previsível e o
fixa, mas o resultado das ações de um indivíduo imprevisível. Contudo, e como já foi salientado,
que é essencialmente social. A imaturidade dos no pensamento de Dewey, o self não pode ser
mais novos, com a dependência e plasticidade entendido como independente e autossuficiente.
que a carateriza, é, por conseguinte, vista O crescimento do indivíduo processa-se sempre
como uma vantagem, na medida em que num meio social, tornando-se as suas respostas
representa a capacidade para se desenvolver, inteligentes em função da sua associação e
impulsionada pelo contacto social. Efetivamente, comunicação com outros. Como referido por
a incapacidade física da criança humana é Dewey7 (1991, p. 24):
compensada pela sua capacidade social traduzida
numa extraordinária aptidão para responder a [...] o homem não está apenas associado de
estímulos sociais. Desse modo, a dependência facto, mas torna-se um animal social na
deve ser entendida como interdependência, composição das suas ideias, sentimentos e
compreendendo simultaneamente a plasticidade comportamento deliberado. Aquilo em que
dos imaturos, mas também a sua capacidade acredita, o que espera e tem por objetivo é o
para aprender com a experiência socialmente resultado da sua associação e da sua relação.
configurada. Há, portanto, uma inseparabilidade
e uma codependência entre o desenvolvimento/ Numa sociedade progressiva, a
construção da individualidade e a experiência associação deve promover e não impedir as
social, de que a comunidade é a realização plena variações individuais, as quais deverão ser
e completa (DEWEY, 1997a). incentivadas, pois constituem os meios que
Outros dos aspectos estruturantes do possibilitam o crescimento da sociedade.
pensamento de Dewey constitui a equivalência Ao contrário de uma sociedade
estabelecida entre viver, aprender e crescer. conservadora e não democrática, a democrática
Para o autor, viver é crescer sem um fim valoriza a liberdade, o que significa, em sentido
predeterminado que não seja mais crescimento, forte e progressivo, assegurar, acima de tudo,
sendo igualmente esse o objetivo da educação.
6 - “toward creativity, toward expressivity, toward inhabiting the world that
A educação deve, desse modo, possibilitar uma much more fully, which is to say reflectively and appreciatively”.
reorganização e reconstrução contínuas da 7- “man is not merely de facto associated, but he becomes a social
animal in the make-up of his ideas, sentiments and deliberate behavior.
experiência dos indivíduos e das comunidades, What he believes, hopes for and aims at is the outcome of association and
possibilitando o seu crescimento. Como intercourse.”
8 - “[…] intellectual initiative, independence in observation, judicious 10 - “genuine discovery”.
invention, foresight of consequences”. ��- “is found in the idea that there is as intimate and necessary relation
9 - “[…] idle view of an unconcerned spectator”. between the processes of actual experience and education”.
788 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
A partir de uma análise mais cuidadosa alargamento da compreensão de si mesmo e do
do pensamento de Dewey, apercebemo-nos mundo e a constituição de uma personalidade
que relacionar a experiência atual com a plenamente integrada como resultado da
educação é uma redundância. Tendo em conta integração das experiências. A autodisciplina
que os princípios de qualquer experiência são é a consequência natural da atenção contínua
a continuidade e a interação, aprender envolve requerida por esse tipo de atividade.
sempre, segundo ele, uma reorganização Alargar a experiência, aprender, não é
da experiência do self. Por continuidade, mais do que uma forma de se associar ao processo
entende “que cada experiência transporta ininterrupto que é o viver e que tem de enfrentar
simultaneamente algo daquelas que aconteceram o previsível e o imprevisível, terminado, ao
antes, modificando de alguma forma a qualidade limite, com o fim da consciência (SHAKER;
das que vêm depois”12 (DEWEY, 1997b, p. 35). HEILMAN, 2008). Os professores desempenham
Sendo sempre subjetiva e pessoal, um processo aqui um papel fundamental. Antes de mais,
ativo, cada experiência afeta ainda, e é afetada, têm de conhecer os seus estudantes de forma
pelas condições objetivas em que ocorre, tendo profunda a fim de identificar as atitudes que
igualmente implicações sobre as condições estão a ser criadas, distinguindo entre as que
objetivas de experiências posteriores. A isso lhes permitirão crescer e as que os impedirão de
Dewey chama de princípio da interação, segundo avançar. Em segundo lugar, e tendo em conta
o qual as condições atuais são determinantes esse dado, deverão criar um ambiente adequado
da qualidade das experiências presentes, mas, à ocorrência de experiências educativas. Em
também, das futuras. suma, segundo Dewey, a criança deve ser o centro
Tendo em conta que o valor da experiência da educação, razão pela qual os educadores
“só pode ser julgado na base daquilo que têm de estar cientes de que a formação precisa
impulsiona”13 (DEWEY, 1997b, p. 38), a marca ser concebida para o desenvolvimento dela: a
distintiva de uma experiência educativa consiste criança deve constituir o critério de seleção dos
na tradução dos princípios da continuidade e conteúdos e das experiências bem como da sua
interação em crescimento, permitindo ao sujeito calendarização.
(re)construir uma experiência mais integrada Considerando que as formas de
e unificada. A efetivação de uma experiência organização democráticas proporcionam uma
educativa exige, desse modo, que o ambiente melhor experiência humana, potenciando as
esteja organizado de forma a “envolver a pessoa qualidades de interação e continuidade, Dewey
em atividades específicas que tenham um sustenta que as escolas devem ser comunidades
objetivo ou propósito de momento ou se revistam embriônicas, a fim de permitir a familiarização
de interesse para ela”14 (DEWEY, 1997a, p. 132). dos estudantes com a vida democrática. A
Com efeito, o que está em jogo numa característica da interação, em particular, permite-
experiência educativa é a possibilidade -nos apreender o desenvolvimento da experiência
do sujeito se identificar com a atividade, como um processo social. Consequentemente, as
encontrando sentido para a mesma, de forma a crianças devem acostumar-se à ideia do trabalho
compreender as sucessivas tarefas como fazendo como um empreendimento social, o que requer
parte do contínuo de uma mesma situação em do professor um planejamento cuidadoso no
desenvolvimento, favorecendo-se, desse modo, o sentido de organizar experiências que satisfaçam
as necessidades dos indivíduos que têm
12 -� “that every experience both takes up something from those which
have gone before and modifies in some way the quality of those which perante si, permitindo-lhes desenvolver as suas
come after.” capacidades, capacitando-os, simultaneamente,
13 -� “can be judged only on the ground of what it moves toward and into”.
14 - “Engage a person in specific activities having an aim or purpose of a atuar como grupo, assumindo-se o professor
moment or interest to him”. como o líder das atividades do grupo.
790 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
múltiplas de Howard Gardner reforçou essa algum, ser indulgente com a criança, assumindo-
intuição central da educação progressiva, se, contudo, que a coação e a punição não
convidando-nos a considerar diferentes estilos constituem boas medidas educativas.
de aprendizagem. Uma abordagem centrada na criança
Com base na abordagem centrada na significa, ainda, que uma boa escola “reflete
criança e no desenvolvimento da ideia de que os valores e ideias dos estudantes”18 (SHAKER;
existem diferentes estilos de aprendizagem HEILMAN, 2008, p. 179), aspecto especialmente
e de envolvimento na mesma, um grupo de desenvolvido por Deborah Meier (2002a,
educadores progressivos, sob a liderança de 2002b). Finalmente, uma abordagem centrada
Patricia Carini, desenvolveu uma metodologia na criança constitui um convite à adoção de
intitulada revisão descritiva. Segundo Carini uma multiplicidade de modelos e caminhos
(2000, p. 16), os fundamentos e objetivos desta educativos, em vez da imposição de uma visão
metodologia são os seguintes: única acerca do que significa ser uma pessoa
educada e, concomitantemente, da defesa de um
Partindo da ideia de que as capacidades e único caminho educativo (NODDINGS, 2002).
possibilidades humanas estão amplamente
distribuídas, orientámo-nos no sentido de Educar a criança como um todo
observar e de particularizar as capacidades e
as potencialidades de cada criança. Com base Outro tópico que emerge da literatura
em ambientes de sala de aula ricos em mídia atual é o imperativo de educar a criança
e em materiais, estamos bem colocados para na sua totalidade (NODDINGS, 2002; 2005;
procurar e tornar visíveis os interesses fortes 2006). Esse imperativo pode ser interpretado
de cada criança bem como os modos particu- em dois sentidos, qualquer deles fazendo
lares como se envolve e aprende.17 apelo aos princípios da experiência, tal como
conceitualizada por Dewey. Em primeiro
Distinguindo-se de uma abordagem lugar, tendo em conta que qualquer estudante
clínica ou fisiológica, a revisão descritiva consiste é um indivíduo complexo e que, como tal,
numa abordagem narrativa e não judicativa, não pode ser desmembrado numa coleção de
enraizada numa perspectiva fenomenológica, atributos, os autores progressivos defendem
que tem como objetivo apreender (e não uma educação focada no desenvolvimento total
categorizar) a singularidade de cada indivíduo na da criança. Consequentemente, privilegiam
sua complexidade, potenciando a sua capacidade uma abordagem holística do currículo, que
para aprender. permita aos estudantes perceber (e estabelecer)
Em suma, o que esses recentes conexões entre as suas próprias experiências. A
desenvolvimentos revelam é que a principal concretização disso exige que as relações entre
reivindicação da educação progressiva, segundo as várias disciplinas, especialmente nos níveis
a qual a criança deve ocupar o centro do processo superiores de ensino, seja impulsionada a partir
de aprendizagem, corresponde à importância de de dentro, no sentido de permitir a exploração
construir um ambiente de aprendizagem baseado de tópicos pertencentes a outros domínios do
num estudo cuidadoso da singularidade daquela, conhecimento. Desse modo:
a fim de favorecer uma participação ativa e um
crescimento efetivo. Não significa, de modo estudantes que se estão a especializar
��- “Starting from the idea of human capacity and possibility, widely em matemática ou ciência podem,
distributed, we were oriented to look for and to particularize the capacities neste processo, aprender alguma coisa
and strengths of each child. Starting from classroom settings rich in media
and materials, we are in position to seek and make visible each child’s
strong interests and characteristics modes of engaging and learning”. 18 - “reflects values and ideas of the students”
792 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
de desacreditar as capacidades dos adultos Só assim pode ser alcançada uma forma mais
significativos, professores e pais, para avaliar segura de prestação de contas.
as evidências de aprendizagem em nome de Kreschevsky et. al (2010) referem três
evidências indiretas consideradas mais credíveis. formas diversas e complementares de prestação
A alternativa baseada numa perspectiva de contas. A primeira, prestação de contas a si
progressiva implica uma avaliação mais lata, mesmo, permite aos professores e alunos observar
baseada num “conjunto de dados e num contri- o que realmente conseguiram fazer, estabelecendo
buto substancial dos profissionais”22 (SHAKER; a comparação com os seus objetivos e com
HEILMAN, 2008, p. 180). É considerada crucial os objetivos da escola. Neste processo, os
a implementação de formas de avaliação que professores e os alunos podem revisitar o seu
restituam a autoridade àqueles que conhecem trabalho e refletir acerca da melhor forma de o
realmente as crianças, possibilitando ainda melhorar, estreitando os seus laços e tornando-
a apresentação e partilha das evidências da -se aprendizes da sua própria aprendizagem. A
aprendizagem com as crianças, família e co- segunda, prestação de contas entre si, favorece a
munidade. Essa visibilidade da aprendizagem, aprendizagem individual e grupal assim como a
tornada possível através de um amplo processo constituição de uma identidade coletiva, já que os
de documentação, que reúna diferentes formas estudantes comentam os trabalhos uns dos outros,
de evidência da mesma, sustenta o conceito os professores pedem a colegas que observem
alargado de prestação de contas proposto pelos os seus alunos, os pais podem contribuir com a
educadores progressivos. recolha de provas de aprendizagem, emergindo
Para Krechevsky et al. (2010, p. 65), dessa dinâmica o sentido de uma comunidade de
a documentação constitui um instrumento aprendizagem. Finalmente, a terceira forma, uma
fundamental para implementar uma forma de prestação de contas à comunidade envolvente
prestação de contas mais consistente e válida. mediante mostras de aprendizagem, a partir da
Para eles, essa documentação é definida como: qual se promovem apresentações de portfólios,
por exemplo. Essas mostras, que recuperam
a prática de observação, gravação, inter- uma tradição fortemente enraizada nos Estados
pretação e partilha, através de uma varie- Unidos, permitem aos estudantes apresentarem
dade de meios, dos processos e produtos da perante a comunidade mais vasta os resultados
aprendizagem a fim de possibilitar o apro- da sua aprendizagem. Em síntese, contra a visão
fundamento da mesma”23. (KRECHEVSKY que subjaz à legislação do no child left behind,
et. al 2010, p. 65) considerada como instigadora de uma política
punitiva que exclui em vez de permitir a melhoria
Para Meier (2002), é fundamental da educação, avaliando os estudantes através de
implementar formas de avaliação que, voltando lentes estreitas e hierarquizando-os, os educadores
a colocar a autoridade nas mãos daqueles progressivos defendem uma noção alternativa
que melhor conhecem as crianças, forneçam de padrões de sucesso, baseada em múltiplas
simultaneamente meios para que a comunidade, perspectivas e evidências, possibilitando uma
a família e a escola possam apreciar os juízos exposição e uma crítica públicas.
produzidos sobre as aprendizagens das suas
crianças, colocando questões ou mesmo A defesa da profissionalidade
apresentando provas complementares daquela. docente
22 - “a range of data and a substantial element of professional peer input”. Apesar de a educação progressiva defen-
23 - “the practice of observing, recording, interpreting, and sharing
through a variety of media the processes and products of learning in order der uma abordagem centrada no aluno, consi-
to deepen learning”. derando que uma boa escola é aquela onde as
794 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
e à consecução de uma cidadania responsável. de dimensão reduzida, no sentido de favorecer
Entre essas avultam o pensamento crítico, a re- relações de confiança, desenvolvidas em torno
solução de problemas, o autoconhecimento, a de objetivos comuns e de processos de decisão
comunicação efetiva, a flexibilidade, a criativi- transparentes. Como referido por Deborah
dade genuína, a consciência social e a vontade Meier (2004, p. 73):
para estabelecer e honrar compromissos. Para
corresponder a essa visão, as escolas públicas [...] a confiança nas escolas não pode
têm de se tornar comunidades de inquérito, crescer a não ser que os diretores, pais
preocupando-se com a construção de conhe- professores e crianças se conheçam bem
cimento, “mas também de sentido, identidade e que o seu trabalho seja acessível à
e comunidade”26 (SHAKER; HEILMAN, 2008, comunidade mais lata.27
p. 187). A importância das escolas públicas se
concentrarem na realização de objetivos co- Conclusões
muns e de um futuro comum é, assim, enfatiza-
da (MEIER, 2002a). As propostas atuais da educação
A criação de condições adequadas por progressiva têm como núcleo a relação estreita
meio da escolarização para a formação de entre educação e expansão da experiência
cidadãos críticos e informados é, por conseguinte, atual, aspecto central do pensamento de
indispensável para a sobrevivência da democracia. John Dewey. Esta ideia corresponde, ainda,
Esse objetivo exige, simultaneamente, a à afirmação central do progressivismo,
construção de um currículo que privilegie quer segundo a qual só por meio do alargamento
as questões conceituais quer as questões práticas, de oportunidades educativas a todos se poderá
favorecendo o exercício da curiosidade por alcançar uma sociedade mais justa e equitativa.
crianças e adultos. Efetivamente, transformar Ser educado consiste, por conseguinte, no
a escola numa comunidade democrática exige apoderar-se da sua própria situação em sentido
participação e envolvimento por parte das pleno, isto é, de forma crítica e reflexiva,
crianças, mas também a adoção de uma atitude alargando simultaneamente a compreensão
democrática pelos adultos (docentes, pessoal de si e do mundo. Esta concepção parte do
não docente e pais), que deverão estar dispostos reconhecimento de uma diferença essencial
a partilhar responsabilidades e a aprender entre a educação humana e a educação animal.
em conjunto. A necessária familiarização dos Os seres humanos sentem necessidade de dar
estudantes com uma cultura de debate requer, sentido ao mundo a fim de o poder habitar.
ainda, que os adultos à sua volta mostrem que é A educação tem de ter em conta a
possível manter discordâncias com outros sem se especificidade do estudante, entrando em linha
perder o respeito. de conta com as suas necessidades forças e
A multiplicação de oportunidades fraquezas. A criança/estudante deve ser, por
de partilha de conhecimentos, colocando conseguinte, a base das opções e das decisões. O
os estudantes mais velhos a ajudar os mais papel das escolas não é criar uniformidade, mas
novos, encorajando o voluntariado adulto e as permitir o desenvolvimento da individualidade.
atividades que reúnem pessoas com diferentes A diversidade é valorizada enquanto forma de
idades e níveis diversos de escolaridade, está expandir e enriquecer a experiência comum.
entre as medidas utilizadas para desenvolver Nos escritos contemporâneos dos autores
escolas e comunidade. Uma escola animada progressivos, essa última ideia aparece expressa
por um sentido de comunidade deve ainda ser de forma muito vincada. A tradição da educação
27 -� “trust in schools can’t grow unless principals, parents, teachers and kids
26 -� “meaning, identity and community as well”. know each other well, and their work is accessible to the larger community”.
796 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
essencialmente, focar-se na preparação de da educação progressiva”30, ignorando o seu
cidadãos críticos e comprometidos no sentido de potencial e requisitos e preferindo assimilá-la a
preservar, melhorar e aprofundar a democracia, uma perspectiva romântica e economicamente
através de um exigente e envolvente processo inviável (SHAKER; HEILMAN, 2008).
de ensino-aprendizagem. Por esse motivo, A educação progressiva é uma abordagem
subscrevemos a afirmação de Norris (2004, educativa exigente, que requer professores muito
p.17), para quem “não foi a educação competentes e empenhados, comportando custos
progressiva que não esteve à altura das pessoas, pessoais e econômicos, mas que pode ser bem
mas estas que não souberam estar à altura sucedida. Na prática, está a dar os seus frutos
em numerosas escolas nos EUA, apesar de uma
30- “[…] progressive education has not failed the people but that, in fact, conjuntura adversa, contribuindo para uma
people have failed progressive education”. revitalização da vida democrática.
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Aprovado em:11.09.2013
Maria Luísa Frazão Rodrigues Branco é doutora em Educação pela Universidade da Beira Interior, Portugal, e professora
auxiliar do Departamento de Psicologia e Educação da mesma universidade. Investigadora do Instituto de Filosofia/Gabinete
de Filosofia da Educação da Universidade do Porto. As suas pesquisas têm-se centrado nas áreas da Teoria da Educação,
Pensamento Pedagógico Contemporâneo e Educação para uma Cidadania Democrática.
798 Maria Luísa Frazão Rodrigues BRANCO. A educação progressiva na atualidade: o legado de John Dewey
Condição humana e formação virtuosa da vontade:
profundezas do reconhecimento em Honneth e RousseauI
Resumo
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 799-812, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091625 799
The human condition and the virtuous education of the
will: the depths of recognition in Honneth and Rousseau I
Abstract
A significant part of the contemporary philosophical and
educational discussion considers the theory of recognition as a
promising intellectual approach to philosophical and educational
problems. In this sense, one cannot think about a just social order
without the educational process of the human being supported
by social and institutional structures of recognition. At present,
the Frankfurter social philosopher Axel Honneth has stood out
for presenting a theory of recognition with a strong Hegelian
inspiration. However, in a recent work entitled Untiefen der
Anerkennung (Depths of recognition), published in Germany in
2012, drawing inspiration from Frederik Neuhouser, Honneth
considers Rousseau, not Hegel anymore, the pioneer of the theory
of recognition. Critically opposing Honneth’s interpretation, this
essay has a double purpose: on the one hand, to show that, as
Honneth rightly considers Rousseau a theorist of recognition,
he should also regard him as a pioneer of the concept of social
freedom; and, on the other hand, to justify that the profound
intertwining present in the thought of the Genevan philosopher
between the theory of recognition and the education of self-love
can only be clarified on the basis of a theory of the virtuous
education of the will. Moreover, when arguing for the virtuous
education of the will in order to avoid the extension of perverted
self-love, Rousseau not only addresses a fundamental problem
of the human social condition, but also lays the foundations for
I- This essay is part of my postdoctoral
studies, performed at CEBRAP / SP during the a critical evaluation of the contemporary educational scenario.
second half of 2013, under the supervision Such scenario dangerously reduces large and complex educational
of Professors Marcos Nobre (Unicamp)
and Ricardo Terra (USP), whom I thank for
issues to mere learning problems.
welcoming me, for the freedom to perform this
work as well as for the debate provided. I would Keywords
also like to acknowledge Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq - National Council for Scientific and Self-love — Recognition — Education — Will — Virtue.
Technological Development) for the research
productivity fellowship and Universidade de
Passo Fundo (UPF/RS) for my leave from work
at the university, without which I could not have
performed this study.
II- Universidade de Passo Fundo, Passo
Fundo, RS, Brasil.
Contact: vcdalbosco@hotmail.com
800 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014091625 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 799-812, jul./set. 2014.
Introdução Axel Honneth, penso que é possível reconhecer
a fecundidade da contribuição de Frederick
Investigações recentes procuram mostrar Neuhouser sem secundarizar a interpretação
que é Rousseau e não Hegel o fundador da te- de Ernst Cassirer. Como procuro mostrar na
oria do reconhecimento. Entre elas, destacam- parte final deste ensaio, esses dois autores
-se Pathologien der Selbstliebe (Patologias do não se excluem, mas sim se complementam
amor próprio), de Frederick Neuhouser (2012), e mutuamente, pois a teoria da educabilidade
Untiefen der Anerkennung (Profundezas1 do re- do amor próprio, como forma consequente
conhecimento), de Axel Honneth (2012a). Nesse de enfrentar os perigos que lhe são inerentes,
seu pequeno ensaio, Axel Honneth não esconde pressupõe a formação da vontade, cujos traços
o quanto se deixa influenciar profundamente gerais Rousseau esboça no Émile como teoria
pelo amplo e detalhado livro de Neuhouser. As da virtude.
pesquisas do filósofo americano permitem, em O núcleo do problema da vontade em
primeiro lugar, segundo Honneth, localizar a Rousseau, considerado acertadamente por
unidade do pensamento de Rousseau não mais Honneth como obscuro, deixa-se esclarecer
na autodeterminação livre da vontade, como melhor – e esta é minha hipótese – quando
acreditou outrora Ernst Cassirer (1975), mas compreendido como um problema de formação
sim na teoria do amor próprio. Em segundo lu- (Bildungsproblem). Ou seja, Rousseau estava
gar, aprofundando a interpretação de Nicholas certo de que a vontade humana não se explica
Dent, Neuhouser conclui que a tese de que o por si mesma e nem deveria ser tomada como
sujeito humano deve sua capacidade de ação um conceito abstrato. No entanto, como não é
social ao reconhecimento de outros sujeitos absolutamente boa3 e como é a força movente
pertence originariamente não ao pensamento do amor próprio, ela precisa ser formada
de Hegel, mas sim ao de Rousseau. A “depen- virtuosamente para que possa impulsionar as
dência constitutiva ao outro” formaria, nesse forças construtivas do amor próprio e, com
contexto, o elo entre os resultados negativos isso, dominar o ímpeto destrutivo das paixões
da crítica à cultura e a versão positiva presente humanas. Ora, se o problema se põe realmente
na ideia de um contrato social entre cidadãos dessa maneira, então o Émile ocupa um lugar de
e cidadãs. Sendo assim, conclui Honneth, é a maior destaque na arquitetônica do pensamento
teoria do reconhecimento sustentada pela teo- rousseauniano do que aquele concebido tanto
ria do amor próprio – e não mais a autodeter- por Honneth quanto pelo próprio Cassirer.
minação da vontade – que constitui a unidade De qualquer modo, o fato de Axel
sistemática das principais obras de Rousseau Honneth assumir essa nova interpretação de
(HONNETH, 2012a, p. 48).2 Neuhouser traz certamente implicações decisivas
Desse modo, a alta consideração para sua própria teoria da justiça, cuja última
que Honneth tem sobre a interpretação de versão encontra-se formulada em seu extenso
Neuhouser ocorre nitidamente em detrimento livro Das Recht der Freiheit. Grundriss einer
da interpretação de Cassirer, pressupondo, em demokratischen Sittlichkeit (Direito à liberdade.
última instância, a incompatibilidade entre Esboço de uma eticidade democrática), publicado
a tese da autodeterminação livre da vontade na Alemanha em 2011. Segundo Honneth, as
e a teoria do amor próprio. Contrariamente a teorias modernas da justiça fazem repousar sua
justificação na ideia da liberdade individual,
1- A tradução mais usual da expressão “Untiefen” seria abismos. Contudo,
opto por profundezas porque dá mais a ideia de profundidade no sentido assumindo tal ideia três versões diferentes, as
de inesgotável, e não enquanto algo sem fundo, como a expressão abismo
poderia dar a entender. 3- Rousseau foi um dos autores entre os modernos que melhor
2- Ver também a resenha crítica de Honneth sobre o livro de Neuhouser reconheceu a fraqueza e a vulnerabilidade da condição humana, sabendo
(HONNETH, 2012b). derivar dela também o problema da “vontade fraca”.
802 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
Para mostrar a centralidade da teoria suas mãos por influência de Neuhouser. Nesse
do amor próprio no pensamento de Rousseau, contexto, Honneth retoma esquematicamente
Honneth divide seu breve e denso ensaio em três a distinção entre amor de si e amor próprio,
partes. Na primeira, segue o desenvolvimento vendo no primeiro, em comum acordo com
teórico de Rousseau até o ponto em que o Neuhouser e o próprio Rousseau, o sentimento
genebrino põe a exigência da forma social que o ser humano desenvolve visando a sua
igualitária de reconhecimento recíproco como autopreservação. Nesse sentido, o amor de si é
alternativa aos aspectos danosos do amor um sentimento pré-social, que coloca o homem
próprio. Na segunda parte, pretende mostrar natural em estado de isolamento e de quase
brevemente a enorme influência que a dupla total independência. Enquanto isso, o amor
variante do reconhecimento social exerceu próprio refere-se ao sentimento social, pois
no discurso filosófico da modernidade. Nesse nasce com a sociedade e impele o ser humano a
contexto, escolhe as noções de história da comparar-se permanentemente com os outros,
filosofia de Kant como manifestação prototípica fazendo-o depender do julgamento daqueles.
da primeira variante, uma vez que, segundo Enquanto o amor de si possui valor absoluto, o
ele, Kant teria mostrado claramente em tais amor próprio possui valor relativo.
noções como a profunda necessidade humana Como sentimento eminentemente social,
de estima social transforma-se perigosamente o amor próprio pode assumir uma variante
na força motriz do progresso social e cultural.6 altamente perigosa e destrutiva, sobretudo
A variante positiva será desenvolvida por quando a busca humana incessante pela
Fichte e Hegel na direção de uma teoria do estima pública for acompanhada pelo desejo de
reconhecimento do direito e da eticidade. querer ser a qualquer custo superior aos seus
Por fim, na última parte do ensaio, Honneth semelhantes. Ora, é justamente nesse contexto
reconstrói o ceticismo crescente manifestado, que o amor próprio transforma-se nas paixões
segundo ele, pelo próprio Rousseau em relação à odientas e raivosas, conduzindo o ser humano ao
dependência ao outro que está inerente ao amor orgulho, à vaidade e à petulância (prepotência).
próprio. O filósofo genebrino teria retomado, De outra parte, a força motriz do amor próprio
segundo ele, sobretudo em seus escritos tardios, pode assumir variante construtiva, culminando
o argumento, com o qual também já havia se na ideia do reconhecimento recíproco, que é
deparado no Segundo Discurso, de que talvez a base da cidadania republicana constituída
fosse mais aconselhável à paz da alma humana democraticamente por seres livres e iguais. Esse
tornar-se completamente independente da é, em síntese, o núcleo da dupla variante que
consideração e do reconhecimento do outro constitui o amor próprio e que Honneth toma de
(HONNETH, 2012a, p. 49). empréstimo da hermenêutica competente que
Não seria menos importante seguir de Frederick Neuhouser faz do texto de Rousseau.
perto aqui o detalhamento do argumento de Com base nisso, Honneth volta-se
Honneth nas três partes do referido ensaio, primeiramente à variante negativa e analisa o
considerando a riqueza de suas ideias. Contudo, modo como ela alimenta a crítica rousseauniana
para meus propósitos, basta reconstruir agora o à cultura. A crítica ao teatro serve-lhe como
núcleo da primeira parte, uma vez que é nela que modelo paradigmático, uma vez que, ao se
aparecem delineados os traços gerais da teoria voltar contra o projeto de implantação do
rousseauniana do reconhecimento que chega a teatro em Genebra, Rousseau teria arrolado
6 - Embora Honneth não aprofunde esse aspecto, é com a noção uma gama diversificada de argumentos para
de “sociabilidade insociável” (ungesellige Geselligkeit) que Kant traz mostrar em que sentido o palco simboliza o
contribuição importante à filosofia social e, especificamente, ao pensamento
educacional. Ocupei-me desse tema no quarto capítulo de meu pequeno refinamento do amor próprio pervertido. Com
livro Kant & a educação (2011b). o teatro, os cidadãos e cidadãs aprendem a
804 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
familiarizar os sujeitos com a concepção de O importante, para meu ponto, é que
que eles precisam do reconhecimento social Honneth destaca o papel indispensável que a
recíproco e, por isso, devem renunciar ao espírito variante positiva desempenha no pensamento
forte de concorrência que visa à superioridade” de Rousseau, formando o alicerce de sua
(HONNETH, 2012a, p. 53). teoria educacional. Sob esse aspecto, vale a
Portanto, mostrando ao seu aluno pena traduzir na integra uma passagem de seu
fictício a importância da dependência recíproca, referido ensaio, que resume bem seu argumento:
Rousseau queria evitar que seu amor próprio
fosse infectado pelo vírus da soberba e do desejo Rousseau está sendo muito consequente
de superioridade (vontade de dominação). quando expõe, em sua obra educacional,
Com isso, encontrou a forma temperada do os critérios pedagógicos que disponibilizam
reconhecimento social na expressão “respeito aos adultos, desde sua mais tenra idade, a
entre iguais”, pondo-a como alternativa consciência sobre a igualdade social. Pois,
à tendência destrutiva do amor próprio. somente quando o indivíduo aprende a se
Desse modo, pela interpretação de Honneth, considerar como igual entre iguais, é que
podemos ver que “dependência recíproca” e ele pode se compreender simultaneamente
“respeito entre iguais” constituem o núcleo da como colaborador daquele “outro generali-
educabilidade do amor próprio, pois são esses zado”, de cuja formação do juízo ele próprio
dois aspectos que, segundo Rousseau, impedem depende para a satisfação de seu amor pró-
que a variante negativa do amor próprio assuma prio (HONNETH, 2012a, p. 54).
a dianteira na formação do aluno fictício.
Ora, segundo Honneth, se compreendermos Ou seja, por ser considerada como valor
desse modo o tratamento pedagógico oferecido insubstituível, a igualdade social precisa fazer
por Rousseau ao amor próprio no Émile, não parte do mundo do ser humano já em sua
será tão difícil entender os motivos que fazem primeira infância. Mais uma vez, torna-se claro
o filósofo genebrino aparecer em geral, na o quanto é importante, para a formação do
atualidade, como teórico do reconhecimento. aluno fictício, a consciência sobre a dependência
Além da vontade de dominação (busca obsessiva social e o respeito recíproco entre iguais, pois
pela posição superior em relação aos demais), o são esses dois aspectos que propiciam uma
amor próprio é constituído pela necessidade de satisfação positiva do amor próprio e, com isso,
“se fazer valer como alguém aos olhos de seus da realização pessoal do próprio sujeito.
parceiros sociais e poder desfrutar com isso uma Em conclusão, a reconstrução acima nos
forma de valor social” (HONNETH, 2012a p. 53). dá uma ideia geral do quanto a teoria da ambi-
Não há dúvida que Honneth toca aqui no aspecto guidade do amor próprio, mediada pela interpre-
crucial do pensamento de Rousseau e que está no tação de Neuhouser, foi capaz de alterar significa-
centro de sua concepção de justiça e dignidade tivamente a posição de Honneth, a tal ponto que
humana. Dent, grande especialista em Rousseau o levou a considerar, sem maiores dificuldades,
no âmbito da pesquisa anglo-saxônica, sintetiza Rousseau como fundador da teoria do reconheci-
isso de maneira clara por meio do conceito de mento. Muito longe estamos aqui, então, daquele
“personalidade moral”. Assim afirma ele: “A Rousseau simplesmente enquadrado na formula-
‘personalidade moral’, no entender de Rousseau, ção da liberdade reflexiva e como puro pioneiro
é a necessidade humana fundamental para cada intelectual da distinção entre heteronomia e au-
pessoa de ser reconhecida e respeitada por outros tonomia. Reconstruir brevemente como Honneth
como alguém que importa e que tem valor e formula essa sua apreciação convencional do
dignidade sem depender de ninguém” (DENT, pensamento do genebrino em seu livro O direito à
1996, p. 149). liberdade é o objetivo do tópico seguinte.
806 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
determinar a si mesmo. Ou seja, de acordo que ele próprio escolheu de maneira racional e
com essa obra jurídica e política de Rousseau, livre (HONNETH, 2012a, p. 61).
vontade livre é aquela que pode dar-se a si Em síntese, Rousseau antecipa o núcleo
mesma a lei. da versão reflexiva de liberdade, na medida em
“A profissão de fé do vigário saboiano” que a faz repousar na capacidade da vontade
torna-se importante aos propósitos de Honneth dar a si mesma a lei (ideia de autolegislação). Ele
porque é aí que Rousseau abordaria, segundo formulou tal definição com base na distinção
ele, as transformações necessárias ao conceito entre vontade e desejo, fazendo resultar dela
de natureza humana para poder justificar a também a distinção entre ação heterônoma e
autonomia da vontade. Nesse sentido, seu ação autônoma. Uma vez resumido o núcleo
ponto de partida consiste em abordar a natureza da interpretação que Honneth faz de Rousseau
humana como constituída pela tensão entre em O Direito à liberdade, pretendo mostrar,
vontade e desejo, e a questão pedagógica moral na sequência, que se Rousseau, como o
decisiva, formulada no livro quarto do Émile, próprio Honneth comprovou, é o teórico do
consiste em saber como o aluno fictício pode reconhecimento, não pode ser tomado tão só
ser educado para a autodeterminação. Desse como precursor da liberdade reflexiva. Também
modo, Honneth não ignora em sua abordagem pretendo dar um passo além, mostrando que a
que o núcleo do projeto educacional dessa educabilidade do amor próprio depende, como
obra pedagógica rousseauniana repousa na modo de enfrentamento da destrutividade do
formação humana para a maioridade. Segundo amor próprio, da formação virtuosa da vontade.
ele, é nesse contexto que se põe o problema
da liberdade e da autonomia da vontade, Formação da vontade como
remetendo tal problema diretamente à distinção educação do amor próprio
entre heteronomia e autonomia.
Considerando a definição de natureza Na parte final do ensaio, pretendo
humana e o problema da determinação assinalar minha crítica ao tratamento oferecido
(autonomia) da vontade, Honneth define por Honneth a Rousseau em sua obra Das Recht
ação heterônoma como aquela que se deixa der Freiheit, baseando-me em duas ideias:
orientar pelas inclinações sensíveis. Ela não é a primeira ampara-se na identificação entre
livre porque depende das “leis do corpo”, isto aquilo que Honneth concebe como variante
é, da causalidade natural. Sem ter as forças positiva do amor próprio e a concepção
suficientes para dominar suas paixões, o ser de liberdade social que ele reconstrói do
humano não age de acordo com sua própria pensamento de Hegel; a segunda ideia refere-se
vontade, cedendo a todo o momento ao poder ao vínculo entre educabilidade do amor próprio
de suas inclinações. Estando vulnerável aos e formação virtuosa da vontade.
seus desejos, ele distancia-se da ação virtuosa. No que diz respeito à primeira ideia,
O autor define ação autônoma, por sua vez, o próprio Honneth já deixa entender, em seu
como aquela que segue o que é determinado ensaio Untiefen der Anerkennung, embora sem
pela vontade e não pelos desejos. No entanto, seguir firmemente nessa direção, que o Rousseau
entre ação e vontade se interpõe a lei, sendo a teórico do reconhecimento estaria muito
vontade livre aquela que se deixa determinar próximo da concepção de liberdade social. No
pela lei que ela dá a si mesma. Nesse entanto, para que possamos torná-la uma direção
sentido, a autonomia da vontade permite ao segura, basta acentuar a semelhança existente
sujeito que realize em sua ação aquilo que entre, por um lado, a definição oferecida por ele
originariamente era sua intenção, ou seja, o do reconhecimento recíproco no referido ensaio
e, por outro, a noção hegeliana de liberdade
808 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
outros termos, é por meio da prática da virtude importância do respeito recíproco entre iguais
que podemos cristalizar em nossos corações o por meio do longo, tenso e inesgotável processo
amor à humanidade e, com isso, tornarmo-nos educativo de seu amor próprio, o qual depende
sujeitos justos, uma vez que Rousseau considera da capacidade de determinação da vontade.
a justiça como a virtude principal. Talvez por se deixar intimidar pela obscuridade
Por fim, volto-me agora para a imbricação do conceito rousseauniano de vontade ou por ter
entre educação do amor próprio e formação moral visto nele somente a sombra kantiana projetada
da vontade. Como já afirmei antes, Honneth, por Cassirer, ignorou que foi justamente na
ao conceber desde o início a interpretação de educação virtuosa da vontade que Rousseau
Neuhouser como contrária à posição de Cassirer, pensou ter encontrado o principal antídoto à
assume a teoria do amor próprio sem dar a devida variante negativa do amor próprio.
atenção ao problema da formação virtuosa da Podemos nos perguntar agora: por que
vontade e, com isso, tangencia o aspecto nuclear a educabilidade do amor próprio depende da
do projeto educacional do Émile. Sendo assim, formação da vontade? Um ingresso pontual
não consegue extrair todas as consequências que no Émile é indispensável para esclarecer essa
a teoria da educabilidade do amor próprio possui questão. Nesse texto, como em outras obras de
para pensar uma ordem social justa. Ele incorre Rousseau, o amor próprio é concebido com um
nesse limite porque padece do mesmo pathos de dos principais sentimentos humanos, que pode
outras grandes interpretações do pensamento de inclinar-se tanto aos vícios quanto à virtude.
Rousseau que tendem a considerá-lo somente a Essa dupla direção (inclinação) constitui o
partir Do Contrato Social, não sendo capazes, núcleo da própria teoria da ambiguidade do
desse modo, de vincular os problemas jurídicos amor próprio. Contudo, por ser um sentimento,
e políticos aí contidos com o indispensável o amor próprio não pode agir por si mesmo,
problema da formação virtuosa da vontade. Elas precisando ser, nessa condição, impulsionado
ignoram, portanto, o quanto o direito e a política por outra coisa. Ora, a vontade significa
são profundamente devedoras, no pensamento exatamente esse impulso, tornando-se, desse
de Rousseau, de uma teoria da virtude. modo, a força movente do amor próprio. Quando
É bem verdade que, como vimos, Axel dirigida construtivamente, essa força torna-
Honneth não desconsidera, de modo algum, se virtude. Desse modo, a virtude nada mais é
a importância do Émile, sobretudo, porque, do que o impulso ético da vontade, fazendo o
segundo ele, inspirando-se na interpretação de amor próprio canalizar suas forças (paixões) na
Frederick Neuhouser, é nessa obra que Rousseau direção construtiva. Ou seja, quando é movido
vê na educação do amor próprio a maneira pelo amor à justiça, o amor próprio torna-se
mais eficaz de enfrentar a corrupção social e a cooperativo e solidário, deixando de ser vaidoso
barbarização da moral diagnosticadas nos escritos e petulante, enfim, egoísta.
de crítica à cultura. Honneth põe-se também na Rousseau torna isso claro em uma
direção certa quando concebe a ampliação do passagem importante do Émile, localizada quase
amor próprio até a virtude, concebendo-a como ao final dessa obra. Assim afirma ele: “A palavra
solução encontrada por Rousseau para tratar da virtude vem de força; a força é a base da virtude;
periculosidade do amor próprio. a virtude só pertence a um ser fraco por natureza
Contudo, permanece a meio caminho e forte por sua vontade; é só nisso que consiste
quando atribui somente ao reconhecimento o mérito do homem justo [...]” ( ROUSSEAU,
social recíproco a força capaz de ampliar o 1992, p. 535).10 Com isso, fica claro, então, que a
amor próprio até a virtude. Ignora, com isso,
��� - No original: “Le mot vertu vient de force; la force est la base de toute
que, na arquitetônica pedagógica de Rousseau, vertu. La vertu n’appartient qu’à un être faible par sa nature et fort par sa
o aluno fictício só adquire consciência sobre a volonté; c’est en cela que consiste le mérite de l’homme juste [...]” (OC IV, 817).
810 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
Em síntese, a teoria da virtude ocupa-se de seu amor próprio, Emílio percebe o quanto se
nessa fase da justificação do aspecto natural ampliam diante de si tanto a ação social quanto
e negativo da educação. Tal aspecto é natural a teia institucional que constitui a sociedade
porque o que está em jogo na educação do como um todo. O intenso desenvolvimento de
aluno fictício é a formação de noções básicas seu amor próprio, representado pela explosão de
sobre o que são suas necessidades naturais suas paixões, é acompanhado pela possibilidade
e quais são os modos mais adequados de real de ampliação da esfera pública destinada
satisfazê-las. O núcleo das relações educativas à sua ação. É justamente aí que a formação
é orientado aí pela tensão entre as necessidades virtuosa da vontade assume o papel de
da criança e os cuidados do adulto. De outra timoneiro no sentido de orientar as paixões
parte, o aspecto dessa educação é negativo e, com isso, contribuir para que predomine a
porque não se trata ainda de ampliar o amor variante construtiva do amor próprio.
próprio até a virtude, mas de contê-lo em Rousseau esboça o “programa” de
relação aos vícios. Contudo, o que em princípio formação virtuosa da vontade de maneira
aparece só como negativo nessa “contenção” do meio tortuosa, recorrendo a um conteúdo
amor próprio, converte-se, nos três primeiros assistemático, formado por teses e princípios
livros do Émile, numa dimensão positiva, pois polêmicos. Para o que interessa agora ao meu
ela está a serviço do desenvolvimento de outras ponto, cabe destacar que seu núcleo repousa no
capacidades (potencialidades) do educando, “amor à humanidade”, materializado pelo amor
transformando-se na propedêutica da posterior à justiça. Como ele próprio afirma: “o amor
formação virtuosa da vontade do aluno fictício. ao gênero humano não é outra coisa em nós
É nesse sentido que a teoria negativa da virtude senão o amor à justiça” (1992, p. 288). O amor
assume a forma de uma “física experimental”, à justiça torna-se uma virtude poderosa capaz
cuja tarefa principal consiste em fortalecer o de canalizar construtivamente a força do amor
corpo e refinar os sentidos do educando. Ora, próprio na direção do respeito recíproco entre
o fortalecimento do corpo e o refinamento dos iguais. Desse modo, vontade virtuosa é aquela
sentidos, além de constituírem a propedêutica capaz de assegurar a igualdade nas relações
da formação virtuosa da vontade, funcionam humanas e sociais, pois Rousseau está convicto
também como mecanismo poderoso de de que é pelo princípio da igualdade que se
preparação do terreno para a germinação pode assegurar a justiça na vida republicana.14
futura da consciência cidadã, indispensável ao Com o arrazoado acima, penso ter
exercício republicano democrático de iguais deixado claro, por um lado, o quanto a
entre iguais. educabilidade do amor próprio depende da
Por fim, no que diz respeito à formação formação virtuosa da vontade e, por outro, o
virtuosa da vontade, seu coração localiza-se quanto o reconhecimento recíproco entrelaça-se
no livro quarto do Émile, sendo também com a concepção de liberdade social. Sendo
complementado, em sua dimensão política, pelo assim, fica reafirmada uma dupla conclusão,
livro quinto. Há aqui uma mudança substancial já antecipada na introdução do ensaio: a
em relação à teoria negativa da virtude, pois a primeira é de que Rousseau só pôde fundar a
formação do jovem Emílio ocorre num contexto teoria do reconhecimento porque formulou
educacional ampliado, não mais restrito à embrionariamente uma concepção de liberdade
relação tripartite entre educando, educador e social. A segunda conclusão confirma a ideia de
natureza. Trata-se, na verdade, de pensar sua que as interpretações de Cassirer e Neuhouser,
formação num contexto marcado pela dupla e
14- Na atualidade, John Rawls (2012), também se deixando influenciar
significativa ampliação: do amor próprio e da fortemente pela teoria do amor próprio de Neuhouser, considera o princípio
sociedade. Na condição de pleno florescimento da igualdade como núcleo da teoria da justiça de Rousseau.
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Claudio Almir Dalbosco é professor titular do curso de filosofia e do Programa de Pós-graduação da Universidade de Passo
Fundo (UPF/RS).
812 Claudio Almir DALBOSCO. Condição humana e formação virtuosa da vontade: profundezas do reconhecimento...
Experiência e linguagem em Walter Benjamin
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 813-828, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014041524 813
Experience and language in Walter Benjamin
Abstract
Keywords
814 http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014041524 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 813-828, jul./set. 2014.
O colecionador de insignificâncias reconfigurações da memória; não a partir de um
lugar fixo, mas movendo-se em uma constelação
Ler o que nunca foi escrito.
Walter Benjamin
de ideias.
Benjamin propõe saltos, recortes inusitados
Na obra de Walter Benjamin, encontra-se que desfazem a distinção entre a chamada alta
um conjunto complexo de reflexões em torno de cultura e a cultura popular e quebram o tempo
variadas relações estabelecidas entre história e continuum da história oficial. Ao colocar-se
linguagem, imagem e pensamento, mas, longe a tarefa de “escovar a história a contrapelo”, o
de constituírem-se como um pensamento filósofo propõe-se desconstruir a historiografia
sistemático a respeito da imagem, essas e os métodos tradicionais de pesquisa a partir
reflexões atestam uma perspectiva original e de um olhar atento sobre as transformações
incontornável acerca do olhar e da natureza históricas da percepção humana; sobre as
da imagem que atravessa o pensamento. Nessa ruínas da modernidade e os estilhaços urbanos
concepção, a imagem é um princípio dinâmico, das metrópoles; sobre os atos de barbárie que
uma potência do pensamento. se cometem em nome do progresso – os quais
Ao pensar a obra de arte e o contexto ele presenciou na iminência dos catastróficos
urbano como medium-de-reflexão, Benjamin acontecimentos europeus da Segunda Guerra.
pôs em xeque uma concepção linear de Vale lembrar que esse autor judeu alemão,
conhecimento baseada no continuum da apaixonado por Paris, foi fortemente marcado
própria história, desenvolvendo a crítica de um pelas contingências históricas que atravessaram
determinado modelo de razão e de racionalidade toda a primeira metade do século XX, o que
(SELIGMANN-SILVA, 2002, p. 8-9). refletiu não apenas no teor acentuadamente
Nessa crítica, a ciência e a filosofia são político de ensaios como Teorias do fascismo
pensadas como arte. O filósofo propõe não uma alemão (1996), escrito em 1930, e Experiência
reterritorialização dos saberes, mas, ao contrário, e pobreza (1996), escrito em 1933, mas
a sua desterritorialização, seguida de uma também no caráter provisório e descontínuo
interrupção, um gesto de descontinuidade na de trabalhos controvertidos como as Passagens
estável cronologia da história. Algo semelhante (2006), obra não concluída, escrita entre 1927-
ao que ocorre no contexto daquilo que Deleuze 1940. Em setembro de 1940, Benjamin morreu
e Guattari chamaram de labirinto rizomático. tragicamente. O filósofo cometeu suicídio –
Para os autores, a realidade constitui-se como após uma árdua jornada pelos Pirineus, quando
multiplicidade e, como tal, não está contida em tentava a travessia da França para a Espanha
nenhuma totalidade, tampouco remete a um com o propósito de fugir do nazismo.
sujeito; configura-se como rizoma – vegetal Com os cacos da história, Benjamin
que não tem uma raiz fixada em um ponto, construiu uma obra múltipla, optando por
mas possui várias ramificações –, “[...] não tem uma escrita não didática, polifônica e não
começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual linear; fragmentária e inconclusa, como foi a
ele cresce e transborda” (DELEUZE; GUATTARI, sua história.
2006, p. 32). Nesse sentido, o labirinto rizomático, Seria um equívoco tentar compreender
como metáfora do conhecimento, é algo em a obra benjaminiana pelo pensamento das
permanente construção, uma obra inacabada disciplinas; como afirma Arendt (1999). Benjamin
– aberta – que possui direções movediças, é divergia do cânone oficial na universidade
conectável, modificável. Da mesma forma, o alemã, aproximando-se da filosofia por via
conhecimento é pensado por Benjamin de modo indireta: filosofava de passagem. Estudou a
não linear; como uma paisagem urbana, a partir cultura urbana sem ser antropólogo, aventurou-
de lugares diferentes, fragmentariamente, nas -se na história da literatura sem ser historiador
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Eloiza Gurgel Pires é artista visual; pesquisadora e doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é
professora do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). No trânsito indisciplinado por diferentes
campos, suas pesquisas e publicações discutem as relações existentes entre os processos culturais da contemporaneidade e
a educação a partir: das poéticas urbanas; do binômio história/memória; da arte e das linguagens midiáticas, especialmente
das linguagens audiovisuais.
Danilo R. StreckI
Resumo
Palavras-chave
I- Universidade do Vale do
Rio dos Sinos, São Leopoldo,
RS, Brasil.
Contato: streckdr@gmail.com
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 829-843, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014400300201 829
Ecological rationality and citizenship education: an
interview with Gerd Gigerenzer
Danilo R. StreckI
Abstract
Keywords
830 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022014400300201 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 3, p. 829-843, jul./set. 2014.
Introdução A reflexão sobre os limites e o potencial da
racionalidade diz respeito a todas as áreas
do conhecimento, embora seja de especial
relevância para a educação. Pode-se presumir
que a crise da escola tem a ver, entre outros
motivos, com a dificuldade de dar conta da
diversidade de formas de pensar, conhecer e
tomar decisões que hoje buscam expressar-se
como parte de uma sociedade plural.
Um dos livros de Gigerenzer mais
premiados internacionalmente encontra-se
traduzido no Brasil com o título de O poder
da intuição: o inconsciente dita as melhores
decisões (2009).2 O título propõe de forma um
tanto provocativa o argumento que perpassa a
obra de Gigerenzer: que a intuição pode ser um
importante instrumento para tomar boas decisões.
A pergunta, segundo ele, não é se, mas quando
podemos confiar em nossas intuições. Segue-se
Fonte: arquivos do entrevistado.
que, para responder a essa pergunta, precisamos
entender como ela funciona. Buscando resgatar
Gerd Gigerenzer é pesquisador no Max- a intuição da aura negativa com que geralmente
Planck Institute for Human Development, em é associada, Gigerenzer volta sua crítica também
Berlim, onde atualmente dirige o Harding Center à escola: “Alinhado com essa visão negativa,
for Risk Literacy. Ele é formado em psicologia nosso sistema educacional valoriza tudo, menos
pela Universidade de Munique (Alemanha), a intuição”.
onde também obteve o título de Ph.D. em Sua definição de intuição compreende
psicologia. Foi diretor do Max Plank Institute for três características: 1) surge muito depressa
Psychological Research, em Munique, de 1995 em nossa mente consciente; 2) as razões
a 1997, e do Max Planck Institute for Human fundamentais não estão plenamente acessíveis
Development, em Berlim, em vários períodos a essa mente consciente; e 3) é suficientemente
entre 1997 e 2013. Foi professor em importantes forte para motivar uma ação. Segundo essas
universidades europeias e norte-americanas, características, pode-se constatar que grande
entre elas Chicago, Munique e Salzburg.1 parte de nossas decisões se enquadra nessa
O conceito de racionalidade ecológica definição. Em primeiro lugar, pela limitada
(TODD et alii, 2012), central no trabalho de capacidade do cérebro humano, que seria
Gigerenzer, sugere certa familiaridade com a incapaz de “computar” conscientemente todas
ideia de ecologia de racionalidades na obra de as alternativas possíveis para todas as ações.
Boaventura de Sousa Santos (2004), que tem Em sua obra vemos, por isso, seguidas alusões à
estimulado a crítica à racionalidade científica vontade de onisciência que se vê legitimada pelo
hegemônica e, o que é mais importante, o suposto domínio do conhecimento de alguns
“descobrimento” de saberes silenciados por essa especialistas. Em segundo, pelo fato de não
lógica que Santos identifica como metonímica. podermos contar com uma visão determinista
1- A presente entrevista foi realizada no escritório de Gerd Gigerenzer no 2- Obra publicada pela editora Best Seller. Outro livro em língua
Max-Planck Institut für Bildungsforschung (Max-Planck Institute for Human portuguesa, Calcular o risco: aprender a lidar com a incerteza (do original
Development), em Berlin, em novembro de 2012. Reckoning with Risk) foi publicado em Portugal pela Editora Gradiva.
832 Danilo R. STRECK. Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
é vista como precondição para uma cidadania expertos acreditam seja correto, as pessoas
bem informada dentro de uma democracia deveriam ser encorajadas e equipadas para,
participativa. Como expresso pelo entrevistado: por si mesmas, tomar decisões informadas.
Alfabetização em risco deveria ser ensinada
Tanto educadores quanto políticos deveriam desde a escola fundamental. Ousemos
ter consciência que alfabetização em risco conhecer – risco e responsabilidades são
é um tópico vital para o século vinte e um. oportunidades a serem apreendidas, não
Em vez de ser manipulados a fazer o que os evitadas. (GIGERENZER, 2012, p. 260).
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836 Danilo R. STRECK. Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
democracia que vai definhar. É necessário Sim, é autorreflexividade, mas o mesmo
criar, através da educação, um ambiente em princípio pode ser usado com o seu grupo,
que as pessoas sejam inspiradas a pensar. A seus colegas. A questão aqui é pensar sobre as
pensar e não apenas a buscar o máximo de heurísticas que as pessoas usam. Isso se aplica
prazer. A pensar e ter prazer em pensar. às coisas do cotidiano, por exemplo, quando
Sobre sua pergunta a respeito da caixa se faz o pedido de um prato no restaurante. Eu
de ferramentas de heurísticas: essa caixa costumo dar muitas palestras em muitos lugares
de ferramentas é o que você necessita num ao redor do mundo e quase sempre acabo
mundo de riscos desconhecidos. Se tudo fosse num restaurante no qual nunca estive antes
conhecido, como num cassino, você poderia e provavelmente jamais estarei novamente,
calcular e usar pensamento estatístico. Você e eu aprendi a nem me preocupar em abrir o
não necessitaria de intuição ou de heurísticas. cardápio. Eu uso uma heurística simples que
Mas, para a maioria dos problemas, nem tudo funciona melhor do que buscar maximizar, isto
é conhecido. Por exemplo, com quem casar-se é, tentar avaliar todas as alternativas. Se é um
ou o que fazer com o resto de sua vida. Aqui bom restaurante, eu pergunto ao garçom o que
heurísticas são úteis como instrumentos. Outras ele comeria aqui nessa noite. Eu não pergunto o
ferramentas são analogias ou histórias. Mas, que ele recomendaria, pois isso o leva a pensar:
num mundo de incertezas, nós necessitamos “Oh, esse é um alemão e eu vou sugerir algo de
de heurísticas e, por isso, não há apenas uma que alemães talvez gostem”. Eles sabem o que
delas, mas uma caixa de ferramentas com há na cozinha quando eu pergunto. Isso é muito
muitas. No entanto, nenhuma heurística é útil simples e aproveita o conhecimento de outros
todo o tempo, o que leva à sua questão da que sabem mais sobre o assunto. Muitos alemães,
racionalidade ecológica. Tome, por exemplo, em comparação com outras nacionalidades, têm
a heurística “imita o teu grupo”. Isso pode ser mais problemas com imitação.
uma boa ideia se você tem o grupo certo, e uma
ideia muito ruim se você tem o grupo errado. As heurísticas não podem ser reduzidas a
simples truques? Eu sei que sua teoria de
Mais concretamente, na prática educacional, forma alguma é simplista, mas eu gostaria
como poderíamos lidar com heurísticas? Seria de compreender melhor o que você entende
útil dizer “Vamos pensar sobre a forma como por simples. Nós poderíamos inclusive falar
escolhemos nossos candidatos”? de uma “estética do simples”. Como isso se
relaciona com complexidade, que é uma
Sim, isso seria um autoexperimento. Um ideia que, a partir de Edgar Morin, encontra
norte-americano, por exemplo, poderia dizer “Eu importante eco no pensamento atual.
sou contra Obama porque meus pais ou meu
grupo de amigos são contra ele”. Esse insight pode Simplicidade permite transparência, e
ser útil. Então, você pergunta a si mesmo: “Eu transparência permite confiança, porque você
de fato quero ser essa pessoa, que apenas reflete, terá menos probabilidade de ser enganado.
espelha o ambiente, sem sequer se esforçar para Sistemas complexos são diferentes. Por
pensar, ou eu quero fazer algo diferente?” exemplo, na Alemanha e nos Estados Unidos,
como em muitos outros países, nós temos
Na pesquisa-ação e pesquisa-participante, que sistemas de taxação que ninguém entende,
são metodologias que procuro usar nas minhas nem mesmo meu contador. Essa não é a
pesquisas, a autorreflexividade coletiva é um dos forma como a democracia deveria funcionar.
critérios básicos de validade e qualidade da pes- Não há necessidade de um sistema tão
quisa. Isso estaria de acordo com esse critério? complexo, exceto pelos furos no sistema dos
A resposta é: o médico pode estar certo Essa é uma boa pergunta. Certamente
ou errado se ele usa heurísticas. É disso que analogias são um bom exemplo. O que nós
trata o estudo da racionalidade ecológica. Nesse tentamos fazer é criar um ambiente que
caso, os cálculos de uma sofisticada regressão facilita a inovação. Nós temos pessoas de
3- Basel 1, 2 e 3 são conjuntos de regulamentações internacionais muitas disciplinas diferentes. Por exemplo,
editadas pelo Basel Committee on Bank Supervision. Konstantinos é engenheiro e Timo, um
838 Danilo R. STRECK. Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
pesquisador visitante, é matemático [refere- do olhar – como pegar uma bola em movimento
se aos dois colegas que haviam se juntado – pode ser usada deliberadamente, mas também
a nós]. Isso é muito importante. Muito da de forma inconsciente. Isso é porque a distinção
inovação, eu penso, tem a ver com criar um entre esses dois sistemas mentais, que liga as
ambiente em vez de colocar algo na cabeça heurísticas ao inconsciente, não faz sentido. Se
das pessoas. E com ter um grau suficiente você é um ser onisciente, você não necessita de
de heterogeneidade, pessoas com diferentes intuição. Se você é deus, você não necessita de
métodos que devem ser postos junto para nada; você nem precisa pensar.
analisar os mesmos problemas. Nós também
temos um pequeno ritual aqui. Todos os dias, Enquanto estava no MPIB (Max Planck Institut
às 16 horas, temos um café com o grupo todo für Bildungsforschung), eu me interessei pelo
(você está cordialmente convidado), para que trabalho de dois grupos de pesquisa nos quais
as pessoas se encontrem e conversem entre si. eu percebo uma contribuição importante
para a educação da cidadania. Um deles é o
E qual seria a relação entre heurísticas e intuição? de racionalidade ecológica e o outro é o da
história das emoções, em que as emoções são
A intuição é definida como “conhecimento vistas como fenômenos históricos e culturais.
sentido” (felt knowledge), que é facilmente Percebo certa relação entre ambos.
acessível à consciência, mas que não podemos
explicar. Nós não sabemos se todas as intuições Eu aprecio que você esteja refletindo
são baseadas em heurísticas, mas sabemos sobre a aproximação entre esses dois grupos.
que algumas delas podem ser analisadas e são
baseadas em heurísticas bastante simples. A Há hoje uma vasta literatura que fala que
mesma heurística pode ser usada intuitiva ou vivemos num mundo de incertezas. Qual seria
deliberadamente. A relação com inovação, nesse a relação dessa literatura com a sua pesquisa?
sentido, é interessante. Eu faço muitas palestras
para pessoas do comércio e muitas delas têm Sim, há muita literatura, a maior parte
problemas com inovação e gut feelings, uma da sociologia. Eu distingo risco de incerteza,
expressão que eu uso como sinônimo de intuição. em que as alternativas são amplamente
Elas desconfiam de qualquer gut feeling e isso é desconhecidas. A teoria das decisões em boa
um obstáculo para a inovação. Além do mais, há medida ignorou as incertezas. Ela vai até a
aquelas que pedem justificativas para qualquer ambiguidade, que é quando você não conhece
nova ideia; isso é o oposto de uma estratégia as probabilidades, mas conhece as alternativas,
intuitiva. No entanto, o processo intuitivo de todas as consequências. Isso é típico para a
tomar decisões não é diferente no mundo dos economia, onde tudo é construído sobre a ideia
negócios, no dos esportes ou das artes. de risco, e, se os riscos não são conhecidos,
eles os reduzem para se encaixar no velho
As heurísticas seriam, então, um campo cálculo de risco. Eu acredito que somos dos
intermediário entre intuição e o desejo de poucos centros no mundo que procuram lidar
uma racionalidade onisciente? matematicamente com a incerteza.
840 Danilo R. STRECK. Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
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GIGERENZER, Gerd. Moral satisficing: rethinking moral behavior as bounded rationality. Topics in Cognitive Science, v. 2,
n. 3, p. 528-554, Jul. 2010.
GOLDSTEIN, Daniel G.; GIGERENZER, Gerd. The beauty of simple models: themes in recognition heuristic research. Judgment and
Decision Making, v. 6, n. 5, p. 392-395, Jul. 2011.
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HICKS, John S.; BURGMAN, Mark A.; MAREWSKI, J. N.; FIDLER, Fiona M.; GIGERENZER, Gerd. Decision making in a human
population living sustainably. Conservation Biology, v. 26, n. 5, p. 760-768, Oct. 2012.
MAREWSKI, Julian; GIGERENZER, Gerd. Entscheiden. In: SAGES, W. (Ed.). Management-diagnostik. 4. ed. Göttingen: Hogrefe,
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MAREWSKI, Julian N. et al. Do voters use episodic knowledge to rely on recognition? In: TAATGEN, Niels A.; RIJN, Hederik van (Eds.).
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VOLZ, Kirsten G.; GIGERENZER, Gerd. Cognitive processes in decision under risk are not the same as in decisions under uncertainty.
Frontiers in Decision Neuroscience, v. 6, n. 105, 2012.
842 Danilo R. STRECK. Racionalidade ecológica e formação de cidadania: entrevista com Gerd Gigerenzer
TODD, Peter M.; GIGERENZER, Gerd. What is ecological rationality? In: TODD, Peter M.; Gigerenzer, Gerd; ABC Research Group.
Ecological rationality: intelligence in the world. New York: Oxford University Press, 2012. p. 3-30.
Danilo R. Streck é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS).
Educação e Pesquisa publica somente artigos inéditos na área de Educação e não aceita
trabalhos encaminhados simultaneamente para livros ou outros periódicos do país ou do exterior.
Os trabalhos deverão ser enviados por meio da página da revista no Sistema SciELO de Publicação
(http://www.scielo.org/php/index.php).
O prazo para resposta (aceitação ou recusa) varia conforme a complexidade das avaliações
e de eventuais modificações sugeridas e realizadas. As datas de recebimento e aprovação de cada
colaboração serão informadas no texto publicado. Cabe à Comissão Editorial definir, a cada nú-
mero da revista, os critérios para reunir os artigos já aprovados.
• O texto pode ser apresentado em português, espanhol ou inglês, devendo ser enviado
em arquivos com extensão .doc, .docx ou .rtf, fonte Times New Roman, tamanho 12 e
espaçamento 1,5. Todas as páginas do original devem estar numeradas sequencialmente.
O texto deve contar, ainda, com o mínimo de 35.000 e o máximo de 50.000 caracteres,
considerados os espaços e excluído o resumo.
• O resumo deve conter entre 200 e 250 palavras e explicitar, em caráter informativo e sem
enumeração de tópicos, os seguintes itens: tema geral e problema da pesquisa; objetivos
e/ou hipóteses; metodologia utilizada; principais resultados e conclusões. Recomenda-se
o uso de parágrafo único, voz ativa e na terceira pessoa do singular, frases concisas e
afirmativas. Devem-se evitar: neologismos, citações bibliográficas, símbolos e contrações
que não sejam de uso corrente, bem como fórmulas, equações, diagramas etc. que não
sejam absolutamente necessários.
• Os agradecimentos (opcionais) devem ser citados junto ao título, mas em nota de rodapé
e sem quaisquer referências, diretas ou indiretas, à autoria.
• Tabelas, quadros, gráficos e figuras (fotos, desenhos e mapas) devem estar numerados
em algarismos arábicos conforme a sequência em que aparecem, sempre referidos no corpo
do texto e encabeçados por seu respectivo título. Imediatamente abaixo das figuras devem
constar suas respectivas legendas textuais. Os mapas devem conter escalas e legendas gráficas.
845
• As imagens devem figurar em preto e branco, estar digitalizadas eletronicamente em
formato JPG com resolução a partir de 300 dpi e ser apresentadas em dimensões que per-
mitam sua ampliação ou redução sem que a legibilidade seja prejudicada. Todas as imagens
devem ser enviadas separadamente, em seus arquivos originais. O nome da cada arquivo
deve corresponder ao nome da imagem (por exemplo: Gráfico 1).
• Notas de rodapé de caráter explicativo devem ser evitadas, sendo utilizadas apenas quando
estritamente necessárias para a compreensão do texto e tendo a extensão máxima de três
linhas. As notas devem estar numeradas em algarismos arábicos conforme a sequência em
que aparecem no texto.
Exemplos:
FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: PEREIRA, Luiz. A escola numa área metropolitana.
São Paulo: FFCL/USP, 1960.
FERREIRA, Márcia dos Santos. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo
(1956/1961). Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2001.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1973.
PARSONS, Talcott. Uma visão geral. In: PARSONS, Talcott. (Org.). A sociologia americana:
perspectivas, problemas, métodos. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 366-383.
846
VALLE, Ione Ribeiro. O lugar dos saberes escolares na sociologia brasileira da educação.
Currículo sem Fronteiras, v. 8, n. 1, p. 94-108, jan./jun. 2008.
Métodos de estatísticas
Quando utilizados, os métodos estatísticos precisam ser descritos com o pormenor necessário
para permitir o acesso aos dados originais e a verificação dos resultados apresentados por um leitor
versado no assunto; ao mesmo tempo, deve-se evitar linguagem excessivamente técnica e apresentá-
-los com suficiente clareza de modo a favorecer a compreensão de um leitor não especializado.
Tal solicitação aos autores requer providências como: procurar, sempre que possível, quantificar os
resultados e apresentá-los com os correspondentes indicadores de erro de medição ou de incerteza
(por exemplo, intervalos de confiança); evitar basear-se apenas em testes de inferência estatística,
que não veiculam informação quantitativa relevante; discutir a elegibilidade das unidades de
experimentação; fornecer informação pormenorizada sobre a aleatorização e sobre as observações;
discutir a razoabilidade dos resultados e relatar possíveis limitações do método utilizado; especificar
os programas informáticos utilizados; restringir quadros e figuras à quantidade necessária para
explicitar a fundamentação do artigo e sua solidez; evitar quadros com muitos tópicos e duplicação
de dados; definir termos estatísticos, abreviaturas e símbolos utilizados no artigo.
Avaliação inicial
O manuscrito passa por uma apreciação preliminar feita pela comissão editorial, após a qual,
ou será devolvido para o/a autor/a com observações, ou enviado diretamente para pareceristas
externos/as. O objetivo dessa etapa inicial é avaliar se o manuscrito se enquadra nas diretrizes
e escopo de Educação e Pesquisa, e se tem potencial de diálogo com o campo educacional,
contribuindo para a construção de conhecimentos dentro deste campo. A partir dessa apreciação,
a comissão editorial decide se uma avaliação externa integral é justificada.
847
sugestões de reformulações ao autor e o artigo, já reformulado, retornará aos mesmos avaliadores
para um parecer final.
Autoria
Entende-se como autor todo aquele que tenha efetivamente participado da concepção do
estudo, do desenvolvimento da parte experimental, da análise e interpretação dos dados e da
redação final. Recomenda-se não ultrapassar o número total de quatro autores. Caso a quantidade
de autores seja maior do que essa, deve-se informar ao editor responsável o grau de participação
de cada um. Em caso de dúvida sobre a compatibilidade entre o número de autores e os resultados
apresentados, a Comissão Editorial reserva-se o direito de questionar as participações e de recusar
a submissão se assim julgar pertinente.
Ao submeter um artigo para publicação em Educação e Pesquisa, o autor concorda com
os seguintes termos:
1. O autor mantém os direitos sobre o artigo, mas sua publicação na revista implica, au-
tomaticamente, a cessão integral e exclusiva dos direitos autorais para a primeira edição,
sem pagamento.
2. As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não
refletindo, necessariamente, as opiniões da revista.
3. Após a primeira publicação, o autor tem autorização para assumir contratos adicionais,
independentes da revista, para a divulgação do trabalho por outros meios (ex.: publicar em
repositório institucional ou como capítulo de livro), desde que feita a citação completa da
mesma autoria e da publicação original.
4. O autor de um artigo já publicado tem permissão e é estimulado a distribuir seu trabalho
on-line, sempre com as devidas citações da primeira edição.
Correspondência:
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Educação e Pesquisa
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848
Instructions to authors
Educação e Pesquisa publishes only previously unpublished articles in the field of education
and does not consider manuscripts concurrently submitted for publication in books or other
periodicals in Brazil or abroad. Manuscripts must be submitted via the journal’s page in SciELO
publishing system (http://www.scielo.org/php/index.php).
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or rejected – varies according to the complexity of the reviews and possible changes suggested and
implemented. The dates of receipt and approval of each article are stated in the published text. For each
of the journal’s issues, the Editorial Board establishes the criteria of organization of the articles approved.
Upon submission of an article, authorship and the author’s institutional affiliations must
be filled out in proper spaces in SciELO System and should not be mentioned in the text, which
will be submitted to blind peer review. Any references that enable reviewers to infer indirectly the
authorship of the work are not accepted either. Authorship information is recorded separately, as
metadata, and it is accessed only by the editors.
When preparing the manuscript, the following guidelines should be followed:
• The abstract should contain between 200 and 250 words and describe, in an informative
manner and without listing topics, the following items: general theme and research problem;
objectives and/or hypotheses; methodology; main results and conclusions. It is recommended
that the abstract should be written as a single paragraph, in the active voice, in the third
person of the singular, in concise and affirmative sentences. The following items should
be avoided: neologisms, bibliographical citations, symbols and abbreviations except those
in common use, as well as formulae, equations, diagrams etc., unless absolutely necessary.
• Possible acknowledgements should be cited with the title, but in a footnote, and without
any direct or indirect reference to the authorship.
• Tables, charts, graphs, and figures (photos, drawings and maps) should be numbered
with Arabic numerals in the order in which they appear in the text and should include
appropriate headers. Legends should appear right below each figure. Maps should contain
graph scales and legends.
• Images must be grayscale, be scanned electronically in JPG format with 300 dpi or
higher resolution and have dimensions that allow reducing or enlarging them without
849
impairing their readability. All images must be submitted as separate files and named
according to their references in the text (e.g., Graph 1).
• Explanatory footnotes should be avoided and used only when strictly necessary for
understanding the text. Their maximum length should be three lines. Notes should be
numbered in Arabic numerals according to the order in which they appear in the text.
• References must conform strictly with the technical standard NBR6023 of August 30,
2002 of the Brazilian Association of Technical Standards (ABNT). Only works cited in the
text should be included in the reference list, under the heading References, at the end of
the article and on a separate page.
Examples:
FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: PEREIRA, Luiz. A escola numa área metropolitana.
São Paulo: FFCL/USP, 1960.
FERREIRA, Márcia dos Santos. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo
(1956/1961). Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2001.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1973.
PARSONS, Talcott. Uma visão geral. In: PARSONS, Talcott. (Org.). A sociologia americana:
perspectivas, problemas, métodos. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 366-383.
VALLE, Ione Ribeiro. O lugar dos saberes escolares na sociologia brasileira da educação.
Currículo sem Fronteiras, v. 8, n. 1, p. 94-108, jan./jun. 2008.
850
VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Na batalha da educação: correspondência entre Anísio
Teixeira e Fernando de Azevedo (1929-1971). Bragança Paulista: EDUSF, 2000.
Statistical methods
When employed, statistical methods must be described in sufficient detail to allow a competent
reader access to the original data and verification of the results presented, whilst avoiding excessively
technical language and presenting results with enough clarity so as to facilitate their understanding
by a non-specialized reader. This guidance to authors requires steps such as: seeking, as much as
possible, to quantify the results and present them with corresponding indicators of measurement error
or uncertainty (for example, confidence intervals); avoiding relying solely on statistical inference tests
that convey no relevant quantitative information; discussing the eligibility of the experimentation
units; supplying detailed information about randomization and about the observations; discussing
the reasonableness of the results, as well as the possible limitations of the method used; specifying
the software employed; restricting tables and graphics to the amount necessary to explain the foun-
dations of the article and their robustness; avoiding tables with too many topics and duplication of
data; defining statistical terms, abbreviations and symbols used in the article.
Initial assessment
Manuscripts undergo a preliminary assessment by the editorial board. Then they are
returned to their authors with observations, or sent directly to external referees. The purpose of
this initial phase is to assess whether the manuscript fits the scope and guidelines of Education
and Research and whether it has potential for dialogue with the educational field, contributing to
the knowledge within this field. Using this assessment, the editorial board decides whether a full
external review is justified.
The articles received for their eventual publication in Educação e Pesquisa will be
previously read by the Editorial Board. The articles that do not meet the editorial requirements
shall be returned, and the rest of them will be forwarded to three evaluators for their analysis. At
the most, one of the evaluators will be a member of the School of Educaton of the Universidade
de São Paulo, to which the journal is subordinated. All evaluators have at least a doctor’s degree
and belong to various scientific institutions. The names of the authors, the evaluators and the
institutions they belong to will remain undisclosed throughout the entire process. The journal
publishes annually the names of its body of evaluators ad hoc.
The aspects that guide the evaluation of the articles are: theoretical and empirical content,
author’s knowledge of scientific literature, current relevance of the topic, contribution to the specific
area of knowedge, originality of the approach, text structure and writing style. The evaluators may
recommend the integral acceptance of the text or its rejection, or they may suggest modifications
for a new evaluation. The Editorial Board may submit such suggestions to the author of the article,
and after the changes have been included, the Board will send the article again to the evaluators
for a final evaluation
851
Authorship
Author is understood here as anyone who has effectively taken part in the conception of the
study, in the development of the experimental sections, in the analysis and interpretation of data
and in the final writing. It is recommended that the total number of authors should not be greater
than four. If the number of authors is larger than that, the editor in charge must be informed of
the degree of participation of each author. In the case of doubt about the compatibility between
the number of authors and the results presented, the Editorial Board has the right to question the
participation of authors and to refuse submission at its discretion.
By submitting an article for publication in Educação e Pesquisa the author agrees to the
following terms:
1. The author holds the article copyrights, but its publication in the journal automatically
implies the author’s agreement to release its complete copyright to the journal’s first issue,
without financial compensation.
2. The ideas and opinions expressed in the article are the author’s exclusive responsibility
and they do not necessarily reflect the opinions of the journal.
3. After the article’s first publication, the author is authorized to assume additional contracts,
independent from the journal, to publish or present the work through other means (e.g.
in an institutional repository or as a book chapter), as long as a complete quote of the
authorship and of the original publication are provided.
4. The author of an article published in the journal has the right to, and is encouraged to,
distribute the work on-line, always quoting its first publication in the journal.
When the research developed or the publication of the article may raise doubts about
potential conflicts of interest, the author should declare in an endnote that no links to funding
agencies or to commercial or political institutions have been omitted. Similarly, the institution to
which the author is associated, or that has collaborated in the conducting of the study, should also
be mentioned to guarantee that there are no conflicts of interest with the results being presented.
It is also necessary to inform that the interviews and experiments involving human beings have
followed the ethical procedures established for scientific research.
The names and email addresses entered in this journal site will be used exclusively for the
stated purposes of this journal and will not be made available for any other purpose or to any
other party.
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852
Instrucciones a los autores
• El resumen debe contener entre 200 y 250 palabras y explicitar, con carácter informativo y
sin enumeración de tópicos, los siguientes ítems: tema general y problema de la investigación;
objetivos y/o hipótesis; metodología empleada; principales resultados y conclusiones. Se
recomienda el uso de un único párrafo, voz activa y tercera persona del singular, frases
concisas y afirmativas. Se deben evitar: neologismos, citaciones bibliográficas, símbolos
y contracciones que no sean de uso corriente, así como fórmulas, ecuaciones, diagramas,
etc. que no sean absolutamente necesarios.
• Los agradecimientos (opcionales) se deben mencionar junto al título, pero en nota de pie
de página y sin ninguna referencia, directa o indirecta, a la autoría.
• Tablas, cuadros, gráficos y figuras (fotos, dibujos y mapas) deben estar numerados con
números arábigos según la secuencia en que aparezcan, siempre referidos en el cuerpo del
texto y encabezados por su respectivo título. Inmediatamente debajo de las figuras deben
constar sus respectivos subtítulos. Los mapas deben presentar escalas y subtítulos gráficos.
• Las imágenes deben figurar en blanco y negro y deben estar digitalizadas electrónicamente
en formato JPG con resolución a partir de 300 ppp. Deben presentarse en dimensiones
853
que permitan ampliarlas o reducirlas sin perjudicar su legibilidad. Todas las imágenes
deben enviarse separadamente, en sus archivos originales. El nombre de cada archivo debe
corresponder al nombre de la imagen (por ejemplo: Gráfico 1).
• Las citas en el cuerpo del texto deben obedecer a los siguientes criterios:
a) Citas textuales que tengan hasta tres líneas se deben incorporar al párrafo, transcritas
entre comillas y acompañadas de las siguientes informaciones entre paréntesis: apellido
del autor de la cita, año de publicación y número de página;
b) Citas textuales que tengan más de tres líneas deben estar en párrafo aislado, con margen
izquierdo de 4 cm, letra tamaño 11 y sin comillas;
c) Si no hay cita textual sino cita bibliográfica, el apellido del autor tiene que estar indicado
entre paréntesis, con letras mayúsculas, junto al año de la publicación mencionada.
Ejemplos:
FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: PEREIRA, Luiz. A escola numa área metropolitana.
São Paulo: FFCL/USP, 1960.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1973.
PARSONS, Talcott. Uma visão geral. In: PARSONS, Talcott. (Org.). A sociologia americana:
perspectivas, problemas, métodos. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 366-383.
VALLE, Ione Ribeiro. O lugar dos saberes escolares na sociologia brasileira da educação.
Currículo sem Fronteiras, v. 8, n. 1, p. 94-108, jan./jun. 2008.
854
VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Na batalha da educação: correspondência entre Anísio
Teixeira e Fernando de Azevedo (1929-1971). Bragança Paulista: EDUSF, 2000.
Métodos y estadísticas
Cuando utilizados, los métodos estadísticos se tienen que describir con el detalle necesario
para permitir el acceso a los datos originales y la comprobación de los resltados presentados
por un lector versado en el asunto; por otro lado, se debe evitar un lenguaje excesivamente
técnico y presentarlo con suficiente claridad de modo a favorecer la comprensión de un lector no
especializado. Tal solicitud a los autores requiere providencias tales como: buscar, siempre que
posible, cuantificar los resultados y presentarlos con los correspondientes indicadores de error
de medición o de incertidumbre (por ejemplo, intervalos de confianza); evitar basarse solamente
en tests de inferencia estadística, que no vehiculan información cuantitativa relevante; discutir
la elegibilidad de las unidades de experimentación; proveer información pormenorizada sobre lo
aleatorio y sobre las observaciones; discutir la razonabilidad de los resultados y dar a conocer
posibles limitaciones del método utilizado; especificar los programas informáticos empleados;
restringir cuadros y figuras a la cantidad necesaria para explicitar la fundamentación del artículo
y su solidez; evitar cuadros con demasiados tópicos y duplicación de datos; definir términos
estadísticos, abreviaturas y símbolos utilizados en el artículo.
Evaluación Inicial
El artículo pasa por una valoración preliminar realizada por la comisión editorial, después
de la cual, puede ser devuelto al autor /a con observaciones, o, enviado directamente para
evaluadores externos/as. El objetivo de esa etapa inicial es evaluar si el artículo se ajusta a las
directrices y alcance de Educação e Pesquisa, así como su potencial de diálogo con el campo
educacional, contribuyendo en la construcción de conocimientos dentro de este campo. A partir
de esa apreciación, la comisión editorial decide si se justifica una evaluación externa integral.
Los artículos enviados para eventual publicación en la Educação e Pesquisa serán previamente
evaluados por el Comité Editorial. Los que no estén de acuerdo con los criterios editoriales de la
revista se devolverá a sus autores y los demás enviados para análisis de tres evaluadores, como
máximo uno de ellos será miembro de la Facultad de Educación de la Universidad de São Paulo,
a la que la revista está subordinada. Los evaluadores consultados pertenecen a instituciones
científicas diversas y tendrán, como mínimo, el título de doctor. Los nombres de los autores, de
los evaluadores y de las instituciones a que pertenecen permanecen anónimos durante todo el
proceso. La revista publica a cada año los nombres de sus evaluadores ad hoc.
Los aspectos que orientan la evaluación de los originales enviados a los pares para el
análisis son: contenido teórico y empírico, dominio de la literatura científica, actualidad del tema,
contribución para el área de conocimiento específica, originalidad del abordaje, estructura del
texto y calidad de redacción. Los evaluadores podrán recomendar la aceptación del texto en su
íntegra, o su rechazo, o aun sugerir modificaciones para nueva evaluación. El Comité Editorial
podrá someter las sugerencias de reformulación al autor y el artículo, ya reformulado, retornará
a los mismos evaluadores para una evaluación final.
855
Autoría
Se entiende por autor todo el que haya participado efectivamente de la concepción del
estudio, del desarrollo de la parte experimental, del análisis e interpretación de datos y de la
redacción final. Se recomienda no exceder el número total de cuatro autores. En el caso de
que la cantidad de autores exceda ese número, se debe informar al editor responsable el grado
de participación de cada uno. Si hay alguna duda sobre la compatibilidad entre el número de
autores y los resultados presentados, el Comité Editorial se reserva el derecho de cuestionar las
participaciones y de rechazar la sumisión del artículo si lo juzga pertinente.
Al someter un artículo para publicación en Educação e Pesquisa el autor está de acuerdo
con los siguientes términos:
1. El autor mantiene los derechos sobre el artículo, pero su publicación en la revista implica,
automáticamente, la cesión total y exclusiva de los derechos de autor para la primera
edición, sin pago.
2. Las ideas y opiniones expresadas en el artículo son de exclusiva responsabilidad del
autor y no reflejan necesariamente las opiniones de la revista.
3. Después de la primera publicación, el autor tiene autorización para asumir contratos
adicionales, independientes de la Revista, para la divulgación del trabajo por otros medios
(ex.: publicar en repositorio institucional o como capítulo de libro), desde que hecha la cita
completa de la misma autoría y de la publicación original.
4. El autor de un artículo ya publicado tiene permiso y es estimulado a distribuir su trabajo
online, siempre con las debidas citas de la primera edición.
Correspondencia:
Faculdade de Educação - USP
Educação e Pesquisa
Av. da Universidade, 308 - 2º andar - Biblioteca
05508-040 - São Paulo/SP
Tel/Fax: (11) 3091-3520
E-mail: revedu@usp.br
856
Leia também / See also
Educação e Pesquisa
revista da faculdade de educação da usp
Sumários
Artigos Artigos
PACKER, Abel Laerte. A eclosão dos periódicos do Brasil e ROSISTOLATO, Rodrigo; VIANA, Guilherme. Os gestores
cenários para o seu porvir, p. 301-323. educacionais e a recepção dos sistemas externos de
REGO, Teresa Cristina. Produtivismo, pesquisa e comunicação avaliação no cotidiano escolar, p. 13-28.
científica: entre o veneno e o remédio, p. 325-346. FREITAS, André Luís Policani; SILVA, Vinicius Barcelos da.
BENCHIMOL, Jaime L.; CERQUEIRA, Roberta C.; PAPI, Avaliação e classificação de instituições de ensino médio:
Camilo. Desafios aos editores da área de humanidades um estudo exploratório, p. 29-47.
OSTI, Andréia; MARTINELLI, Selma de Cássia. Desempenho
no periodismo científico e nas redes sociais: reflexões e
escolar: análise comparativa em função do sexo e
experiências, p. 347-364. percepção dos estudantes, p. 49-59.
ALVES, Mariana Gaio; AZEVEDO, Nair Rios; GONÇALVES, BARREYRO, Gladys Beatriz; ROTHEN, José Carlos. Percurso da
Teresa N. R. Satisfação e situação profissional: um estudo avaliação da educação superior nos governos Lula, p. 61-76.
com professores nos primeiros anos de carreira, p. 365-382. BROOKE, Nigel; FERNANDES, Neimar da Silva; MIRANDA,
RAMOS, Madalena; PARENTE, Cristina; SANTOS, Mónica. Isabela Pagani Heringer de; SOARES, Tufi Machado.
Os licenciados em Portugal: uma tipificação de perfis de Modelagem do crescimento da aprendizagem nos anos
inserção profissional, p. 383-400. iniciais com dados longitudinais da pesquisa GERES, p.
ABREU, Daniela Gonçalves de; MOURA, Manoel Oriosvaldo 77-94.
MONTEIRO, Maria Inês Bacellar; FREITAS, Ana Paula de.
de. Construção de instrumentos teórico-metodológicos
Processos de significação na elaboração de conhecimentos
para captar a formação de professores, p. 401-414. de alunos com necessidades educacionais especiais, p.
FERNANDES, Priscila Correia; MUNFORD, Danusa; 95-107.
FERREIRA, Marcia Serra. Sentidos de prática pedagógica SOFIATO, Cássia Geciauskas; REILY, Lucia Helena.
na produção brasileira sobre formação inicial de Dicionarização da língua brasileira de sinais: estudo
professores de ciências (2000-2010), p. 415-434. comparativo iconográfico e lexical, p. 109-126.
PAULA, Benjamin Xavier de; GUIMARÃES, Selva. 10 anos SILVEIRA, Kelly Ambrosio; ENUMO, Sônia R. Fiorim;
da lei federal nº 10.639/2003 e a formação de professores: POZZATTO, Renata N.; PAULA, Kely M. Pereira de.
uma leitura de pesquisas científicas, p. 435-448. Indicadores de estresse e coping no contexto da educação
inclusiva, p. 127-142.
MONTEIRO, Sara Mourão; SOARES, Magda. Processos
GOMES, Rosana Carvalho; NUNES, Débora R. P. Interações
cognitivos na leitura inicial: relação entre estratégias de comunicativas entre uma professora e um aluno com
reconhecimento de palavras e alfabetização, p. 449-466. autismo na escola comum: uma proposta de intervenção,
MARCHIORI, Patricia Zeni; GREEF, Ana Carolina. Atividade p. 143-161.
de escrita colaborativa: percepção de alunos, princípio BARBOSA, Heloiza H. Conceitos matemáticos iniciais e
cooperativo de Grice e social loafing, p. 467-482. linguagem: um estudo comparativo entre crianças surdas
VALLERA, Tomás; PAZ, Ana Luísa. O sábio-aprendiz e o e ouvintes, p. 163-179.
efêmero lugar da escrita: para uma ética da inventividade FONSECA, Eduardo Nuno. Nos interstícios da cidadania: a
acadêmica, p. 483-498. inevitabilidade e urgência da dimensão da virtude cívica
na educação, p. 181-196.
CORRÊA, Humberto. Antecedentes do baixo nível de
CADAVID, Luz Elena Gallo. Expresiones de lo sensible:
escolarização alcançado por uma coorte de jovens mães lecturas en clave pedagógica, p. 197-214.
brasileiras, p. 499-516. ADADE, Mariana; MONTEIRO, Simone. Educação sobre
FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis; SIMÕES, Fernanda drogas: uma proposta orientada pela redução de danos,
Maurício. Apropriação de práticas de numeramento na EJA: p. 215-230.
valores e discursos em disputa, p. 517-532. CARVALHO, Rodrigo Saballa de. O imperativo do afeto na
TOMMASI, Livia De. Tubarões e peixinhos: histórias de educação infantil: a ordem do discurso de pedagogas em
jovens protagonistas, p. 533-548. formação, p. 231-246.
Entrevista Entrevista
SALVADORI, Maria Angela Borges; BICCAS, Maurilane de SOUZA, Denise Trento Rebello de; ZIBETTI, Marli Lúcia
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Educação e Pesquisa Educação e Pesquisa
v. 39, n. 4, out./dez. 2013 v. 39, n. 3, jul./set. 2013
Artigos Artigos
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