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INTRODUÇÃO:
1
O que Tillich (1886-1965) diz a respeito da “Teologia” também se aplica à Cristologia e à Eclesiologia:
"A tarefa da teologia é mediação, mediação entre o critério eterno da verdade manifesto na
figura de Jesus, o Cristo, e as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos, suas
variadas questões e suas categorias de percepção da realidade. Quando se rejeita a tarefa
mediadora da teologia, rejeita-se a própria teologia; pois o termo 'teo-logia' pressupõe, em
si, uma mediação, a saber, entre o mistério, que é theos, e a compreensão, que é logos."
(Paul Tillich, A Era Protestante, São Paulo, Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, 1992, p. 15). (Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma
Perspectiva Reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 2
A concepção Reformada não consiste num esforço para atribuir a Cristo valores que
julgamos serem próprios Dele; antes ela se ampara no reconhecimento e na aceitação
incondicional de Suas reivindicações. Assim, aquilo que dizemos de Cristo,
permanecerá ou não, conforme seja fiel à proclamação do Verbo de Deus. Por isso, a
vivacidade da Cristologia Reformada e, por que não, da sua proclamação, estará
sempre em sua fidelidade à Cristologia do Cristo.
Cristo por Ele mesmo; este é o anelo de toda Cristologia Reformada, e portanto, o
fundamento de toda a nossa proclamação. Deste modo, devemos indagar sempre a
respeito de nossas convicções e testemunho, avaliando-os através dAquele que
verdadeira e compreensivelmente diz Quem é.
Neste afã, devemos estar atentos ao fato de que Cristo por Ele mesmo, envolve o
limite do que foi revelado e o desafio do que nos foi concedido. Não podemos
ultrapassar o revelado, contudo, não podemos nos contentar com menos do que nos
foi dado.5 Procurar a Cristologia do Cristo eqüivale a buscar compreender em
submissão ao Espírito tudo o que foi revelado para nós (Dt 29.29b/Rm 15.4). Por certo,
este conhecimento não estará restrito ao Cristo Salvador, mas além disto nos fala do
Cristo Deus-Homem; do Cristo Eterno e Glorioso. Aliás só podemos falar do Cristo
Salvador, se Ele de fato for – como é –, o Deus encarnado, visto que a nossa redenção
não foi levada a efeito pelo Logos divino, nem pelo “Jesus humano”, mas por Jesus
Cristo: Deus-Homem.6
2
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Igreja Presbiteriana e os Símbolos de Fé, São Paulo, 2000.
3
Como bem observou Carl E. Braaten, “A Cristologia não é uma disciplina científica que possa
ser perseguida apropriadamente à parte do discipulado da fé. (...) Ninguém pode chamar
Jesus de o Cristo puramente como resultado de pesquisa científica histórica.” (C.E. Braaten, A
Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo,
RS. Sinodal, 1990, Vol. I, p. 462).
4
Hermisten M.P. Costa, Teologia da Evangelização, São Paulo, PES., 1996.
5
Calvino colocou esta questão nestes termos: "As cousas que o Senhor deixou recônditas em
secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não
sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de
outra". (As Institutas, III.21.4). Em outro lugar: “Tudo o mais que pesa sobre nós e que devemos
buscar é nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igreja. Eis o limite de
nosso conhecimento.” [João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo, Edições Paracletos,
1995, (2Co 12.4), p. 242.243].
6
Vd. J. Calvino, As Institutas, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1985, II.14.3.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 3
2) Qual Igreja?:
1. A IGREJA DE DEUS:
7
Vd. Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona, Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-
28; Donald M. Baillie, Deus Estava em Cristo, São Paulo, ASTE., 1964, p. 51. Após redigir estas linhas,
li o conhecido teólogo luterano Braaten, que diz: “Cristologia é a doutrina da Igreja acerca da
pessoa de Jesus como o Cristo. Ela sempre ocupa lugar central num sistema dogmático que
reivindica ser cristão. Toda tentativa de remover a cristologia de seu lugar central ameaça o
cerne da fé cristã. O princípio cristocêntrico da teologia não rivaliza com um ponto de vista
teocêntrico. Quem quer que olhe para Jesus, o Cristo, a partir da perspectiva do Novo
Testamento, estará inevitavelmente situado dentro de um quadro de referência teocêntrico.
Quanto mais profundamente a teologia sonda o significado de Jesus como o Cristo de Deus,
tanto mais diretamente é levada ao próprio Deus de Cristo....
“A dogmática cristã é cristocêntrica na medida em que nenhuma doutrina pode ser
chamada de cristã se não contém uma conexão significativa com a revelação definitiva de
Deus na pessoa de Jesus, o Cristo.” (Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten
& Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS. Sinodal, 1990, Vol. I, p. 459). Do
mesmo modo, Erickson: “Quando passamos a estudar a pessoa e a obra de Cristo, estamos
bem no centro da teologia cristã.” (Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São
Paulo, Vida Nova, 1997, p. 275).
8
Vd. as pertinentes observações de Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, São Paulo, ASTE.
1970, p. 330-331.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 4
estavam mortos, mas que receberam vida – regeneração –, pelo Espírito. 10 Portanto, o
ponto em comum entre todos os cristãos, é o fato de termos sido chamados por Deus:
a Igreja se reúne porque Deus a convocou; e ela também o faz, para ouvir a voz do
Seu Senhor.11(Vd. At 10.33).
1) O círculo dos crentes reunidos num lugar específico para cultuar a Deus:
uma comunidade local: (At 5.11; 8.1; 11.22,26;12.1,5; 1Co 11.18; 14.19.28,35;
Rm 16.4; Gl 1.2; Cl 4.16 1Ts 2.14). Denotando em alguns casos uma “Igreja
doméstica”, que se reunia na casa de algum irmão (Rm 16.5, 23; 1Co 16.19; Cl
4.15; Fm 2).
2) Um conjunto de Igrejas locais: (At 9.31/At 14.23; 15.41; 16.4-5; 1Co 16.1/Gl
1.2; Ap 1.4,11). Algumas vezes mesmo a palavra Igreja não sendo empregada no
plural, subentende-se que faz alusão a diversas pequenas comunidades, já que
havia centenas ou mesmo milhares de membros, como o caso da Igreja de
Jerusalém (At 8.1; 11.22).
2. O ESPÍRITO E A IGREJA:
“A comunidade de Jesus vive sob a
inspiração do Espírito Santo; este é o
segredo de sua vida, de sua comunhão e
12
de seu poder” – Emil Brunner.
9
Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, São Paulo, ASTE, 1965,
p. 31.
10
Vd. Archibald. A. Hodge, Comentario de la Confesion de Fé de Westminster, Terrassa, Barcelona,
CLIE., [1987], p. 288.
11
Vd. William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1988
(reimpressão), p. 46.
12
H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 53.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 5
Sem o Espírito não haveria Igreja; isto, porque não haveria crente em Cristo. A
Igreja é composta por pessoas que confessam o Senhorio de Cristo e, isto só é
possível pela ação poderosa do Espírito (Cf. 1Co 12.3/Rm 10.9-10).
A Igreja é a comunidade daqueles que foram chamados do mundo para Deus pela
operação do Espírito, daqueles “que tem a mesma fonte genética, o sangue de
Cristo, o novo nascimento.”15
Todos os crentes estão unidos pela fé comum em Jesus Cristo, tendo sido
selados pelo mesmo Espírito que atua em nós, tornando-nos em Seu Templo (1Co
3.16; 6.19; Ef 1.13). Participar da Igreja é participar da unidade e da comunhão do
Espírito (2Co 13.13; Fp 2.1), no qual todos nós temos acesso ao Pai (Ef 2.18). Esta
comunidade tem como lema de vida o amor, que caracteriza a Igreja de Cristo. 16
A harmonia multifacetada da Igreja está no fato de que toda a diversidade cumpre o
seu papel específico dentro do Corpo vivo de Cristo. Esta é uma das facetas da Obra
do Espírito na Igreja (1Co 12.4,12,13,14,25/Ef 4.3). Na Igreja há a igualdade e a
diferença convivendo conjuntamente. Todos estamos unidos pela fé comum e
obediência ao cabeça, que é Cristo Jesus.
13
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1984, p.
386.
14
Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh, El Estandarte de la Verdade, (s.d.), Edição Revista,
p. 198.
15
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo, O Semeador, 1989, p. 46.
16
Vd. H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, p. 59.
17
F.F. Bruce, João: Introdução e Comentário, São Paulo, Vida Nova/Mundo Cristão, 1987, p. 285.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 6
Calvino entende que Satanás muitas vezes se vale de nossos bons sentimentos
para fazer com que quebremos a unidade da Igreja, supostamente, em busca de uma
Igreja ideal. Para este mister, somos capazes até de reunir textos que falam da
santidade da Igreja como pretexto para a nossa atitude. 24
Portanto, mesmo desejando a paz e a concórdia, Calvino entendia que essa paz
nunca poderia ser em detrimento da verdade pois, se assim fosse, essa dita paz seria
maldita:
31
Bullinger foi amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), tendo escrito cerca de 150 obras,
entre elas, A Segunda Confissão Helvética (1562-1566).
32
Cranmer, na carta a Calvino diz: "Como nada mais tende a separar as Igrejas de Deus que as
heresias e diferenças sobre as doutrinas de religião, assim nada mais eficazmente os une, e
fortalece a obra de Cristo mais poderosamente, que a doutrina incorrupta do evangelho, e
união em opiniões reconhecidas. Eu tenho freqüentemente desejado, e agora desejo que
esses homens instruídos e piedosos que superam outros em erudição e julgamento,
constituissem uma assembléia em um lugar conveniente, onde se realizasse uma consulta
mútua, e comparando as suas opiniões, eles poderiam discutir todas as principais doutrinas
da igreja.... Nossos adversários estão agora organizando o seu concílio em Trento, no qual
eles podem estabelecer os seus erros. E devemos nós negligenciar convocar um sínodo
piedoso que nos possibilite refutar os erros deles, e purificar e propagar a verdadeira
doutrina?" [Thomas Cranmer to Calvin, “Letter,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR:
Ages Software, 1998), 16].
33
Cranmer era um teólogo e estadista; a sua preocupação com Trento era pertinente e a história já
demonstrou amplamente esse fato.
Os jesuítas foram a força motriz do Concílio de Trento, sendo de fato os teólogos do Papa.
Como os bispos geralmente não dispunham de grande conhecimento teológico, mesmo titulados em
Direito Canônico, eles se valiam de teólogos – em geral pertencentes às ordens religiosas –, que os
assessoravam, sendo alguns teólogos enviados diretamente pelo Papa. É nessa condição, de modo
especial, que destacam-se os jesuítas, entre eles, Tiago Lainez, Cláudio [Afonso?] Salmeron – estes dois
sugeridos por Loyola –, Claude Le Jay, Pedro Canísio e Oto von Truchsess, que passaram, alguns deles,
a desempenhar no Concílio um “papel teológico de primeira linha.” (Marc Venard, O Concílio
Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São
Paulo, Paulus, 1995, p. 332).
Este Concílio teve vários percalços, a começar das suas convocações, visto que antes de ser
realizado, ele foi convocado em 04/6/1536 para Mântua em 07/05/1537; Vicência 01/05/1538; e, em
21/05/1539 ficou adiado indefinidamente. Neste período de incertezas, houve tentativas de diálogo entre
católicos e protestantes: No colóquio de Ratisbona (1541), onde participaram pelo lado protestante,
Bucer e Melanchton e, pelo lado católico, Contarini e Gropper, mesmo conseguindo um consenso quanto
à justificação, os “representantes” de cada lado não avançaram quando se depararam com a questão da
Ceia. Além disso, essas atitudes conciliatórias não desfrutavam de apoio total das igrejas: Lutero e Roma
desaprovariam em breve esse Colóquio. “Em Roma, aliás, vivia-se na expectativa do concílio,
que devia ser um concílio de condenação e de refutação das teses protestantes.” (Marc
Venard, O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios
Ecumênicos, São Paulo, Paulus, 1995, p. 331).
Em 1542, uma bula papal convoca o Concílio para Trento, cidade vertente dos Alpes italianos.
Compareceram alguns poucos bispos que, depois de sete meses de espera, dispersaram-se.
Finalmente, Paulo III (1468-1549), sendo pressionado por Carlos V (1500-1558), redigiu uma nova
bula (19/11/1544) convocando o concílio para o dia 15/03/1545, em Trento. Dia 13 começaram a
chegar os prelados, contudo, o Concílio só teve o seu início em 13/12/1545, com a presença de 4
cardeais, 4 arcebispos, 21 bispos e cinco gerais de ordens, número este que foi aumentado para 60 e
70 posteriormente. Contudo, a média de presença nas reuniões era abaixo de 50; só no final o número
de votantes elevou-se a 250, conforme Eduardo Carlos Pereira, não ultrapassando o número de 213
prelados presentes; em suma: “pouco mais de duzentos padres”, isso, em seu período áureo: 1563.
Venard, diz que no cômputo geral, “participaram do concílio, sob Pio V (1562-1563), sem
estarem presentes ao mesmo tempo, 9 cardeais, 39 patriarcas e arcebispos, 236 bispos e 17
abades ou gerais de ordens. Esses números devem ser postos em relação com o episcopado
católico da época, que devia girar em torno de 700 membros.” (Marc Venard, O Concílio
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 10
2) O Fundamento da Unidade:
Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São
Paulo, Paulus, 1995, p. 331). E, além disso, aqueles que participaram de Trento, não eram de fato os
mais representativos do catolicismo.
Ao longo de seus 18 anos de funcionamento, o Concílio reuniu-se por 50 meses, realizou 25 sessões,
sendo algumas delas meramente formais. O Concílio de Trento pode ser dividido historicamente em três
fases:
1) Sessões 1-10 (13/12/1545 a 02/06/1547, no pontificado de Paulo III (1534-1549).
2) Sessões 11-16 (01/05/1551 a 28/04/1552), no pontificado de Júlio III (1550-1555).
3) Sessões 17-25 (17-18/01/1562 a 04/12/1563), no pontificado de Pio IV (1559-1565).
O Concílio deliberou em nível de decretos de definições doutrinárias e de ordem disciplinar. Os
primeiros consistiram na rejeição dos postulados protestantes, considerando o fato de que este
Concílio estava grandemente preocupado com a situação de expansão do protestantismo. Os sete
sacramentos são confirmados à maneira medieval. A Escritura e a tradição são igualmente fontes de
verdade. A Vulgata foi elevada à condição de igualdade com os Originais Hebraicos e Gregos.
Os jesuítas que foram fomentadores do Concílio de Trento saíram por toda parte levando tais
resoluções, enfatizando sempre a supremacia papal, assunto que até então era muito disputado (se o
papa ou o concílio tinha a palavra final). Sobre o serviço dos jesuítas, duas palavras: de um regalista e
de um tridentino: "Inspirando o concílio de Trento: em toda a parte, em todos os tempos, de
todo o modo, nunca foram os jesuítas outra cousa que uma representação fiel, tenaz,
inteligente do espírito romano, o ultramontanismo em atividade." [Rui Barbosa, Versão e
Introdução de O Papa e o Concílio, 3ª ed. Rio de Janeiro, Elos, (s.d.), Vol. I, p. 43]. "Sem a
participação da Companhia de Jesus, a Contra-Reforma não teria passado talvez de uma
solenidade de resoluções religiosas." (Philip Hughes, História da Igreja Católica, São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1954, p. 212).
34
Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Edinburgh, The Banner of Truth Trust,
1980, p. 132-133. Schaff comenta: “A Igreja de Deus era a sua casa, e aquela Igreja não conhece
nenhum limite de nacionalidade e idioma. O mundo era a sua paróquia. Tendo rompido com
o papado, ele ainda permaneceu um católico na melhor acepção da palavra, e orou e
trabalhou para a unidade de todos os crentes.” (Philip Schaff, History of the Christian Church,
Vol. VIII, p. 799).
35
Vd. Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 397.
36
J. Calvino, As Institutas da Religião Cristã, São Paulo, PES., 1984, III.1. p. 205. (Edição abreviada
por J.P. Wiles). “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus,
e através de quem usufruímos os benefícios da adoção.” (João Calvino, Efésios, (Ef 1.8), p. 30].
“Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em
Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,
(1Co 4.15), p. 143].
37
“O genuíno descanso dos fiéis, o qual dura por toda a eternidade, é segundo o descanso
de Deus. Como a mais sublime bem-aventurança humana é estar o homem unido com Deus,
assim deve ser também o seu propóstio último, ao qual todos os seus planos e ações devem
ser dirigidos.” [João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo, Paracletos, 1997, (Hb 4.3), p. 103].
38
João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 11
Jesus disse: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que
me ama; aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e
me manifestarei a ele. (...) Se alguém me ama guardará a minha palavra; e meu
Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.21,23). Observem a
relação estabelecida: Quem ama o Filho é amado pelo Pai e pelo Filho e, este amor de
Deus se manifestará na vinda do Pai e do Filho para habitarem em nós pelo Espírito
(Cf. Jo 14.26).
3) O Que a Unidade é:
Mesmo que não consigamos uma unidade organizacional devido a métodos e estilos
diferentes, devemos, no entanto, estar comprometidos com a glória de Deus, que é a
nossa vocação incondicional e suprema (1Co 10.31).
A unidade da Igreja, revela ao mundo o fato de que Deus nos ama como ama ao
Seu Filho unigênito e, que este amor, se revelou de forma insofismável, na vinda do
44
Spouda/zw, que é bem traduzido por “esforçando-vos diligentemente” (ARA), tem a sua ênfase
enfraquecida em ACR, ARC e BJ, que o traduzem por “procurando”. Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT
(* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o sentido de
“correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso, diligente”,
“esforço”, “aplicação”. Spouda/zw denota uma diligência que se esforça por fazer todo o possível para
alcançar o seu objetivo.
45
Su/ndesmoj, “aquilo que une, vincula, mantém as coisas ligadas”, “ligaduras”, “elos”. (* At
8.23; Ef 4.3; Cl 2.19; 3.14).
46
Lloyd-Jones interpretando o emprego de Spouda/zw no texto, diz: “Devemos apressar-nos a
fazer alguma coisa, a mostrar grande interesse, a expressar solicitude - ‘esforçando-vos
para guardar’. Acima de tudo mais, diz o apóstolo, como cristãos nesta vocação para a qual
vocês foram chamados, apressem-se a fazer isto, sejam diligentes quanto a isto, nunca o
esqueçam, seja esta a coisa principal da sua vida; acima de todas as outras coisas, mostrem
grande interesse e solicitude com respeito a unidade que existe entre vocês.” (D.M. Lloyd-
Jones, A Unidade Cristã, p. 36-37).
47
João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 10.25), p. 272-273.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 13
Seu Filho amado para morrer pelos pecadores (Jo 3.16/Jo 17.21-23). Desta forma, a
Igreja é o testemunho histórico do amor de Deus.
“Não podemos esperar que o mundo creia que o Pai mandou o Filho,
que as reivindicações de Jesus sejam verdadeiras, e que o cristianismo
seja verdadeiro, a não ser que o mundo veja alguma realidade na unidade
de cristãos verdadeiros”.48
A Igreja Primitiva desfrutava de uma comunhão íntima, não artificial, gerada pelo
Espírito Santo (At 2.42; 4.32/Ef 4.3). Jesus orou para que houvesse esta comunhão, a
qual aponta de forma indicativa para a unidade amorosa do Pai com o Filho, e o amor
divino manifesto em Cristo pelo Seu povo (Jo 17.20-23). Vejamos agora, algumas
manifestações desta comunhão.
1) Na Vida Devocional:
a) No Partir do Pão:
b) Nas Orações:
48
F.A. Schaeffer, O Sinal do Cristão, Goiânia, GO., ABUB/APLIC., 1975, p. 24. Vd. também, A.
Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento, São Paulo, ASTE., 1966, p. 286-287.
49
Emil Brunner, Nossa Fé, 2ª ed. São Leopoldo, RS., Sinodal, 1970, p. 105.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 14
c) Louvando a Deus:
2) Na Vida Comunitária:
Alguns anos mais tarde, por volta de 46-48 AD., quando houve uma fome, causando
como sempre, uma grande inflação, 51 “os discípulos, cada um conforme as suas
posses, resolveram enviar socorro aos irmãos que moravam na Judéia; o que
eles, com efeito, fizeram enviando-o aos presbíteros, por intermédio de Barnabé
e de Saulo” (At 11.29,30). Posteriormente, Paulo levantou uma coleta entre os também
pobres da Macedônia (2Co 8.1-4) e de Corinto, para os cristãos da Judéia (2Co 8 e 9;
Rm 15.25,26).
A Igreja de Filipos, sensibilizando-se com a pobreza de Paulo, sem que ele nada
pedisse, enviou-lhe ajuda pelo menos em três ocasiões (Fp 2.25; 4.14-20).
Quando Pedro estava preso, a Igreja orava incessantemente em favor dele (At 12.2).
50
Vd. Hermisten M. P. Costa, Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo, São
Paulo, 1999.
51
Vd. Joaquim Jeremias, Jerusalém nos Tempos de Jesus, São Paulo, Paulinas, 1983, p. 184ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 15
Estes são apenas alguns dos exemplos que refletem a comunhão espiritual da Igreja
Primitiva. O curioso, é que em muitos casos, os irmãos nem sequer se conheciam;
entretanto, entendiam de modo correto, que todos eles faziam parte do mesmo corpo
de Cristo (1Co 12.13).
“A unidade sobre a qual Cristo tinha falado [Jo 17.21] foi realizada na
igreja de Jerusalém. Quando o entusiasmo do primeiro amor deu lugar à
quietude do coração e da mente, quando as igrejas foram estabelecidas
em outros lugares e entre outros povos, quando, mais tarde, todos os tipos
de cisma e de separação começaram a ocorrer na Igreja cristã, a unidade
que une todos os crentes assumiu uma forma diferente, tornou-se menos
vital e menos profunda, e algumas vezes é tão fraca que nem mesmo
pode ser sentida por todos. Mas nós não podemos nos esquecer que no
meio de tantas diferenças a Igreja permanece unida até os nossos dias. No
futuro essa unidade se tornará ainda mais claramente manifesta do que
na igreja de Jerusalém.”52
2.3.1. NA EVANGELIZAÇÃO:53
1) EM JERUSALÉM:
52
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 397.
53
Sobre este assunto, vd. Hermisten M.P. Costa, Breve Teologia da Evangelização, PES., São Paulo,
1996.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 16
2) Até agora a Igreja não havia cumprido a totalidade da ordem divina, que dizia:
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os
confins da terra” (At 1.8). Os apóstolos, ao que parece, não haviam saído dos limites
da Judéia com o objetivo de proclamar o Evangelho.
O verbo usado para descrever a “dispersão” (At 8.1,4), está ligado à sementeira e
semeadura, sendo empregado unicamente por Lucas no Novo Testamento e somente
para descrever este episódio (* At 8.1,4; 11.19). Assim, através da perseguição, os
discípulos saíram de Jerusalém levando as Boas Novas do Evangelho (At 8.4),
semeando a semente do Evangelho de Cristo (1Pe 1.23).
para o tamil o Catecismo de Lutero, orações e hinos luteranos. Em 1711, por questões
de saúde, Plütschau regressou definitivamente para a Europa. Ziegenbalg continuou o
seu trabalho; compilou uma gramática tamil, escreveu uma obra sobre o Hinduísmo,
traduziu para o tamil o Novo Testamento (1714) e o Antigo Testamento até o livro de
Rute. Ele fundou uma escola industrial e outra para a preparação de catequistas e,
também, a primeira imprensa evangélica da Ásia (esta com a ajuda financeira da
Sociedade Anglicana para a Promoção do Conhecimento Cristão).
Aplicando o que estamos dizendo, devemos entender que a igreja local deve
receber o seu pastor como alguém que o Espírito enviou para pastoreá-la (At 20.28),
tendo sempre como elemento norteador, a Escritura Sagrada.
58
Vejam-se: S. Neill, História das Missões, p. 233ss.; K.S. Latourette, A History of the Expansion of
Christianity, New York, Harpers & Brothers, 1939, Vol. III, p. 278-279; Paul Pierson, O Pietismo: In:
Revista Teológica, Campinas, SP. Dez/1962, nº 30, p. 96.
59
A.G. Simonton, Diário (1852-1867), São Paulo, CEP/O Semeador, 1982, 14/10/1855.
60
Vejam-se, Diário, 20/01/1856; 04/02/1856; 10/10/1857.
61
Diário, 27/11/1858.
62
Cf. Diário, 13/12/1858.
63
Durante este período de 8 anos, Simonton passou fora do Brasil cerca de quinze meses.
64
Para maiores detalhes sobre a implantação do Presbiterianismo no Brasil, veja-se, Hermisten M.P.
Costa, Os Primórdios do Presbiterianismo no Brasil, São Paulo, 1997.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 19
“É verdade que Deus poderia, pelo Seu poder, sem qualquer meio,
congregar para Si mesmo uma Igreja de entre os homens; mas Ele preferiu
tratar com os homens pelo ministério de homens. Por isso os ministros
devem ser considerados não como ministros apenas por si mesmos, mas
como ministros de Deus, visto que por meio deles Deus realiza a salvação
de homens.”
A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, (1950), capítulo VII, seção 1ª, Art
65
R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 97-98.
66
Vd. Hermisten M. P. Costa, Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo, São
Paulo, 1999.
67
Quanto à responsabilidade dos pastores, Vd. João Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos,
1998, (1Tm 3.15), p. 97-98; João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5ss), p. 101ss.
68
Louis Berkhof acentua que: “Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de Cristo, e não
dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instalá-los no oficio.” (L.
Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP., Luz para o Caminho, 1990, p. 599).
69
A Segunda Confissão Helvética, foi primariamente elaborada em latim, em 1562, pelo amigo,
discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), Henry Bullinger (1504-1575). Em 1564, quando a peste
voltou a atacar em Zurique, Bullinger perdeu a esposa e as três filhas. Ele mesmo ficou doente mas foi
curado. Neste ínterim ele fez a revisão da Confissão de 1562 e, como uma espécie de testamento
espiritual, anexou-a ao seu testamento, para ser entregue ao magistrado da cidade, caso ele viesse a
falecer. Esta confissão foi publicada, com algumas alterações – aceitas por Bullinger –, em latim e
alemão em 12/03/1566. Ela foi traduzida para vários idiomas (inclusive o Árabe), tendo ampla aceitação
em diversos países nos anos seguintes, sendo também adotada na Escócia (1566); na Hungria (1567);
na França (1571); na Polônia (1578). Esta Confissão se tornaria um fator fundamental de união das
Igrejas Reformadas da Europa.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 20
108, diz:
O serviço que prestamos a Deus, deve ser visto não como uma fonte de lucro ou
projeção mas como resultado de um chamado irrevogável de Deus. Paulo em seu
ministério tinha esta consciência, de ser apóstolo pela vontade de Deus (Vd. Rm 1.1;
1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1, etc.).
Devemos portanto ter um alto apreço pelos nosso oficiais e Concílios, orando para
que o Espírito que os constituiu, Lhes dê o discernimento necessário para decidirem
todas as coisas, sob a égide do Espírito através da Palavra. (At 15.1-28; 16.4).
70
J. Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 5.4), p. 127-128. “.... os pastores genuínos não se
precipitam temerariamente ao sabor de sua própria vontade, e, sim, são levantados pelo
Senhor. (...) Nenhum homem estará apto para tão excelente ofício, caso não seja ele
formado e produzido por Cristo mesmo. O fato de termos ministros do evangelho, é um dom
divino; o fato de que se desincumbem da responsabilidade que lhes foi confiada, é
igualmente um dom divino.” [João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 120].
71
Confissão de Westminster, XXXI.2.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 21
2.3.4. NA DISCIPLINA:
A Igreja é uma comunidade de pecadores que foram regenerados pelo Espírito (Tt
3.5), que foram santificados em Cristo Jesus (1Co 1.2); por isso, ela deve zelar pela
sua pureza. A disciplina visa preservar a santidade da Igreja; 73 portanto aqueles que a
desprezam, conscientemente ou não, trabalham em prol da decadência da Igreja. 74
Calvino (1509-1564) ressaltando a importância da disciplina na preservação da vida da
Igreja, faz algumas analogias: “... nenhuma casa que contenha sequer modesta
família, se não pode suster em reta condição sem disciplina, muito mais
necessária é ela na Igreja, cuja condição importa seja a mais ordenada
possível. Portanto, assim como a doutrina salvífica de Cristo é a alma da
Igreja, assim também a disciplina é-lhe como que a nervatura, mercê da qual
acontece que os membros do corpo entre si se liguem, cada um em seu
lugar. (...) A disciplina é, portanto, como um freio com que sejam contidos e
domados aqueles que se embravecem contra a doutrina de Cristo, ou como
um acicate com que sejam estugados os de pouca disposição....”. 75
No entanto, a disciplina deve ser aplicada com moderação e amor, ainda que isto
não exclua a severidade quando necessária:
2.3.5. À VERDADE:
Jesus Cristo mostrou ao povo que os homens, por mais simples que
83
J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, São Paulo,
Editora Cultura Cristã, 1998, p. 235. “Na verdade a abordagem impiedosa seria tentar aprender
de Deus como cavaleiro solitário que orgulhosamente ou impacientemente virasse as costas
para a igreja e sua herança: isso seria receita certeira para esquisitices sem fim!”. (J.I.
Packer, Ibidem., p. 236). “Quem examina a tradição encontra aberta diante de si a sabedoria
de todas as épocas.” (J.I. Packer, Ibidem., p. 237). “Humildade no juízo particular quer dizer
que continuamos a examinar as Escrituras até ficar claro o que Deus disse, proibindo nosso
intelecto orgulhoso de tirar conclusões sobre aquilo que o Deus da Bíblia deixa em aberto ou
de recusar-nos a aceitar ajuda da tradição cristã na interpretação das Escrituras sob a
suposição de que um estudante da Bíblia ‘se vira’ perfeitamente bem sem essa ajuda.” (J.I.
Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, p. 241).
84
D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo, Fiel, 1984, p. 23.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 24
sejam, sabem raciocinar, e isto era evidente na interpretação das condições climáticas.
Todavia, Ele os recrimina por não estarem usando desta capacidade para discernir o
que era justo no que se referia ao próprio Cristo (Lc 12.54-57). Jesus dá a entender
que, nesta questão, eles eram apenas conduzidos pelos seus interesses
circunstanciais e egoístas.
O Espírito Santo agiu na Igreja fazendo com que fosse registrado as Epístolas e o
Apocalipse; hoje, Ele continua dirigindo a Igreja na interpretação dos fatos,
concedendo-nos discernimento para ver e interpretar os sinas dos tempos. Isto faz
parte do Ministério do Espírito que, como Jesus mesmo disse, Ele “vos anunciará as
cousas que hão de vir” (Jo 16.13).(Vd. Mt 16.1-4/1Tm 4.1; 2Tm 4.1-5). 85
Cabe à Igreja viver o presente de tal forma que revele a sua interpretação correta
dos fatos. A nossa postura no mundo não é nem pode ser estranha à nossa
cosmovisão ( Vd. Rm 13.11-14; Ef 5.8,14-16).
Escrevendo aos coríntios, Paulo faz um resumo do que havia sofrido pelo Evangelho
de Cristo (2Co 11.23-33). Contudo, havia nele, uma visão constante que transpunha o
sentimento de dor e angústia. Na prisão, escreveu aos filipenses: “Quero ainda,
irmãos, cientificar-vos de que as cousas que me aconteceram têm antes
contribuído para o progresso do evangelho” (Fp 1.12) e, diz mais: “Alegrai-vos
sempre no Senhor, outra vez digo, alegrai-vos” (Fp 4.4.). O Evangelho prosseguia
em sua caminhada vitoriosa a despeito dos obstáculos erguidos contra ele.
Paulo estava convencido e, demonstrava isto na prática, que Deus nos faz vencer os
obstáculos que estão à nossa frente. Enumeremos alguns que podem ser inferidos do
texto de Filipenses:
1) Desânimo: (1.18) Ele poderia desanimar quando viu que alguns pregavam a
Cristo por inveja. Entretanto, se alegrou porque sabia que apesar desta motivação
ímpia, o Evangelho estava sendo pregado e nisto ele se alegrava.
3) Egoísmo: (1.22-26) Paulo coloca de lado os seus desejos pessoais para preferir
permanecer ali, mesmo que na prisão, a fim de poder ajudar o progresso da fé de
todos os irmãos. A sua prioridade naquele momento, era contribuir para o crescimento
espiritual dos seus irmãos...
85
Vd. A. A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 175-185.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 25
De fato, o Senhor Jesus não nos deixou órfãos; Ele, Ele mesmo está conosco aqui e
agora, e para sempre (Jo 14.16-18/At 9.31).
Foi com o surgimento das heresias que se tornou necessário estabelecer "um
padrão de verdade ao qual a igreja deve corresponder",87 sendo os Credos
uma resposta da Igreja à situação de ameaça à teologia considerada bíblica. 88
86
Charles Hodge, Teología Sistemática, Barcelona, Editorial CLIE., (Traducción y Condensación
Santiago Escuain), 1991, Vol. I, 1.8.3. p. 378.
87
Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 579.
88
Entre os anos de 264 e 268, três Sínodos reuniram-se sucessivamente em Antioquia, tendo como
objetivo julgar a conduta e os ensinamentos de Paulo de Samosata, bispo de Antioquia desde 260. O
último dos três sínodos (268) o condenou e o excomungou por “heterodoxia” (e(terodoci/an). A sua
doutrina e conduta foram classificadas como sendo uma “apostasia do cânon” (“a)posta\j tou=
kano/noj”) (Vd. Eusébio de Cesarea, Historia Eclesiastica, Madrid, La Editorial Catolica, (Biblioteca de
Autores Cristianos, Vols. 349-350), 1973, VII.30.6); ou seja, o abandono da fé ortodoxa.
89
Vicente de Lérins, Commonitorium, II.4. In: Philip Schaff & Henry Wace, eds. A Select Library of
Nicene And Post-Nicene Fathers of The Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan,
Wm. Eerdmans Publishing House Co.,1978, Vol. 11, p. 132.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 26
90
O Credo Apostólico teve a sua primeira redação no 2º século, passando ao longo da história por
alguns acréscimos, chegando à forma que temos hoje, por volta do sétimo século. A sua origem está
tradicionalmente atribuída aos apóstolos. Essa lenda, bastante antiga, encontrou a sua forma mais
famosa em Rufino (c. 404), que supõe que cada um dos apóstolos colaborou com uma cláusula em
particular. (Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca, España, Secretariado Trinitario,
1980, p. 15ss.; J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, São Paulo, Herder, 1970, p. 17-18). Quanto
às tradições referentes à composição do “Credo Apostólico”, Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos
Cristianos, p. 15ss. Sobre os acréscimos ao Credo, Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6ª ed.
(Revised and Enlarged), Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1977, Vol. I, p. 19-22; II. 45-55.
(Doravante, citado como COC); Reinhold Seeberg, Manual de História de las Doctrinas, El Paso,
Texas/Buenos Aires/Santiago, Casa Bautista de Publicaciones/Junta Bautista de Publicaciones/Editorial
“El Lucero”, [1963], Vol. I, p. 93-94; O.G. Oliver, Jr., Credo dos Apóstolos: In: EHTIC., I, p. 362-363; K.S.
Latourette, História del Cristianismo, 4ª ed. Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1978, Vol. I,
p. 180-182; Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE., 1967, p. 54; Charles A.
Briggs, Theological Symbolics, New York, Charles Scribners’s Sons, 1914, p. 40; Wayne A. Grudem,
Teologia Sistemática, São Paulo, Vida Nova, 1999, p. 486ss.
91
Lutero (1483-1546) enfatizou que, “nem trabalho em pedra, nem boa construção, nem ouro,
nem prata tornam uma igreja formosa e santa, mas a Palavra de Deus e a sã pregação. Pois
onde é recomendada a bondade de Deus e revelada aos homens, e almas são encorajadas
para que possam depender de Deus e chamar pelo Senhor em tempos de perigo, aí está
verdadeiramente uma santa igreja.” [Jaroslav Pelikan, ed. Luther’s Works, Saint Louis,
Concordia Publishing House, 1960, Vol. II, (Gn 13.4), p. 332]. O eminente teólogo puritano John Owen
(1616-1683), escreveu: “Quão pouco pensam os homens sobre Deus e seus caminhos, se
imaginarem que um pouco de tinta e de verniz fazem uma beleza aceitáveis!” [Wiiliam H.
Goold, ed. The Works of John Owen, 4ª ed. London, The Banner of Truth Trust, 1987, Vol. IX, p.
77,78).
92
Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, São Paulo,
Pendão Real, 1997, p. 330ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 27
Os reformadores vão enfatizar o estudo da Palavra, visto que este fora ofuscado
pela preocupação filosófica: A Razão havia tomado o lugar da Revelação. Na
Reforma, o ponto de partida não é o homem; ele não é considerado "a medida de
todas as coisas"; antes, a sua dignidade consiste em ter sido criado à imagem de
Deus.95
A Reforma teve como objetivo precípuo uma volta às Sagradas Escrituras, a fim
de reformar a Igreja que havia caído ao longo dos séculos, numa decadência
teológica, moral e espiritual. A preocupação dos reformadores era principalmente "a
reforma da vida, da adoração e da doutrina à luz da Palavra de Deus". 96
Desta forma, a partir da Palavra, passaram a pensar acerca de Deus, do homem e
do mundo! "A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do
evangelho Cristão."97
93
J. Calvino, As Institutas, (Dedicatória: Carta ao Rei Francisco, X), Livro IV. Capítulo 1, Seções 9-
12; Livro IV, Capítulo 2, Seção 1. Do mesmo modo a Confissão de Augsburgo (1530), escrita por
Melanchton, Art. 7.
Na Resposta ao Cardeal Sadoleto (01/09/1539), Calvino declara que a igreja é:
"...A assembléia de todos os santos, a qual espalhada por todo o mundo, está dispersa
em todo tempo, unida sem dúvida por uma só doutrina de Cristo, e que por um só Espírito
guarda e observa a união da fé, junto com a concórdia e caridade fraterna" . (Juan Calvino,
Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 30-31). Ele diz que os membros da Igreja são reconhecidos "por
sua confissão de fé, pelo exemplo de vida e pela participação nos sacramentos", sendo estes
sinais indicativos de que tais pessoas "reconhecem ao mesmo Deus e ao mesmo Cristo que nós"
(As Institutas, IV.1.8).
A santidade e firmeza da Igreja segundo Calvino, repousam principalmente em "três coisas", a
saber: "doutrina, disciplina e sacramentos vindo em quarto lugar as cerimônias para
exercitar o povo no dever da piedade." (Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 32).
94
Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo, ABU., 1987, p. 227. (Veja-se, D.M. Lloyd-Jones, O
Combate Cristão, São Paulo, PES., 1991, p. 128).
95
Vejam-se, J. Calvino, As Institutas, I.15.3 e 4.; Francis A. Schaeffer, A Morte da Razão, São
Paulo, ABU/FIEL, 1974, p. 20ss.
96
Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo, Vida Nova, 1983, p. 36.
97
John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 36.
98
Do mesmo modo, diz J.D. Douglas: “O Calvinismo era mais do que um credo; era uma
filosofia compreensiva que abrangia toda a vida” (J.D. Douglas, A Contribuição do Calvinismo na
Escócia: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo, Casa
Editora Presbiteriana, 1990, p. 290. (Doravante citada como CSIMO).
99
Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 125;
Roland H. Bainton, Martin Lutero, 3ª ed. México, Ediciones CUPSA., 1989, p. 391. Podemos dizer que
na Reforma houve uma revitalização da Pregação Bíblica. A Palavra de Deus passou a ser pregada
com ênfase e, a pregação passou a ser estudada considerando-se a sua natureza e propósito. No
período da Renascença e da Reforma houve diversas contribuições neste campo (Para uma
amostragem destas, Veja-se: Vernon L. Stanfield, The History of Homiletics: In: Ralph G. Turnbull, ed.
Baker's Dictionary of Practical Theology, 7ª ed. Michigan, Baker Book House, 1970, p. 52-53).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 28
preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que
“a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da
Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem
se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. 100 Escrevendo a
Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que
as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam
desempenhar com seriedade o ofício de pastor.” 101 Calvino, fiel à sua
compreensão da relevância da pregação bíblica, 102 usou de modo especial, o método
de expor e aplicar103 quase todos os livros das Escrituras à sua congregação. A sua
mensagem se constitui num monumento de exegese, clareza e fidelidade à Palavra,
sabendo aplicá-la com maestria aos seus ouvintes. De fato, não deixa de ser
surpreendente, o conselho de Jacobus Arminius (1560-1609): “Eu exorto aos
estudantes que depois das Sagradas Escrituras leiam os Comentários de
Calvino, pois eu lhes digo que ele é incomparável na interpretação da
Escritura.” 104
1988, p. 29). Em 11/9/1542, o Conselho decidiu que Calvino aos domingos, não pregasse mais do que
um sermão. (Cf. W. Greef, The Writings of John Calvin: An Introductory Guide, Grand Rapids,
Michigan, Baker Book House, 1993, p. 110).
107
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.7), p. 82.
108
“Pois quem, mesmo que de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim
conosco fala como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por
isso, formas de expressão que tais não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto quê
Deus seja, quanto Lhe acomodam o conhecimento à paucidade da compreensão nossa. Para
que assim se dê, necessário Lhe é descer muito abaixo de Sua excelsitude.” (J. Calvino, As
Institutas, I.13.1).
109
John Calvin, Commentary on the Gospel Accordin to John, Grand Rapids, Michigan, Baker Book
House (Calvin’s Commentaries, Vol. XVIII), 1996 (Reprinted), (Jo 21.25), p. 299.
110
J. Calvino, As Institutas, I.8.1. Calvino, continua: “Ora, e não sem a exímia providência de
Deus isto se faz, que sublimes mistérios do reino celeste fossem, em larga medida
transmitidos em termos de linguagem apoucada e sem realce, para que houvessem eles de
ser adereçados em mais esplendorosa eloqüência, os ímpios não alegassem cavilosamente
que a só força desta aqui impera.
“Agora, quando essa não burilada e quase rústica simplicidade provoca maior reverência
de si que qualquer eloqüência de retóricos oradores, que é de julgar-se, senão que a
pujança da verdade da Sagrada Escritura tão sobranceira se estadeia, que não necessite do
artifício das palavras?” (J. Calvino, As Institutas, I.8.1).
No entanto, ele também entendia que “alguns Profetas têm um modo de dizer elegante e
polido, até mesmo esplendoroso, assim que a eloqüência lhes não cede aos escritores
profanos.” (J. Calvino, As Institutas, I.8.2).
111
J. Calvino, As Institutas, IV.14.8. Vd. também J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 10.16), p.
373-374.
112
J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 16.21), p. 522.
113
Cf. João Calvino, As Institutas, II.2.21.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 30
Na seqüência, acrescenta:
114
Vd. Theodore Beza, Life of John Calvin: In: Tracts and Treatises on the Reformation of the
Church, Grand Rapids, Michigan, Eerdmans, 1958, Vol. I, p. cxxxi; J.T. McNeill, The History and
Character of Calvinism, p. 227. Após sua morte (27/05/1564), Beza que o acompanhou durante todo o
tempo, escreveu: “Nessa dia, com o crepúsculo, a mais brilhante luz que já houve no mundo
para a orientação da Igreja de Deus foi levada de volta para os céus.” (Apud J.T. McNeill, The
History and Character of Calvinism, p. 227).
115
Aliás, Calvino desde cedo aprendeu a desprestigiar o estilo pomposo sem objetividade
116
Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, Egloff, Paris, © 1948, p. 42-43. (Há tradução em
inglês, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of
Truth Trust, 1980, p. 259-260).
117
Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, p. 43. (Na tradução em inglês, Letters of John Calvin,
p. 260).
118
J. Calvino, As Institutas, III.20.2. Em outro lugar escreve: “Se devemos receber algum fruto de
nossas orações, devemos também crer que os ouvidos de Deus não se fecharam contra
elas.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 6.8-10), p. 133]. “A genuína oração provém,
antes de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e, em seguida, da fé nas promessas
de Deus.” (João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 34). “Nossas orações só são aceitáveis
quando as oferecemos em submissão aos mandamentos de Deus e somos por elas
animados a uma consideração da promessa que Ele tem formulado.” [João Calvino, O Livro
dos Salmos, Vol. 2, (Sl 50.15), p. 412]. Comentando Rm 12.12, enfatiza que “a diligência na oração
é o melhor antídoto contra o risco de soçobrarmos.” [João Calvino, Exposição de Romanos,
(12.12), p. 438].
119
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 50.14-15), p. 410.
120
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 30.6), p. 633. “Quando a segurança carnal se
haja assenhorado de alguém, tal pessoa não pode entregar-se alegremente à oração até
que seja feita maleável pela cruz e completamente subjugada. E esta é a vantagem
primordial das aflições, ou seja, enquanto nos tornam conscientes de nossa miséria, nos
estimulam novamente para suplicarmos o favor divino.” [João Calvino, O Livro dos Salmos,
Vol. 1, (Sl 30.8), p. 635].
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 31
Retomando a nossa rota principal, constatamos que outros teólogos Reformados, 126
acrescentaram aos dois sinais indicados por Calvino, um terceiro: O EXERCÍCIO FIEL
DA DISCIPLINA.
121
João Calvino, As Institutas, III.20.1.
122
“Se me interrogues acerca dos preceitos da religião cristã, primeiro, segundo e terceiro,
aprazer-me-ia responder sempre: a humildade.” (J. Calvino, As Institutas, II.2.11).
123
“Sempre que a carne, ou seja, a corrupção natural, governa uma pessoa, ela toma posse
de sua mente para que a sabedoria divina não logre entrada. Em razão disto, se porventura
desejamos lograr algum progresso na escola do Senhor, devemos antes renunciar nosso
próprio entendimento e nossa própria vontade.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co
3.3), p. 100]. “Os filósofos pagãos põem a razão como o único guia de vida, de sabedoria e
conduta, porém a filosofia cristã demanda que rendamos nossa razão ao Espírito Santo, o
que significa que já não mais vivemos para nós mesmos, senão que Cristo vive e reina em
nós. Ver Rm 12.1; Ef 4.23; Gl 2.20.” (John Calvin, Golden Booklet of the True Christian Life, p.
22).
124
Philip Schaff, History of the Christian Church, Vol. VIII, p. 310. Vd. também, P. Schaff, The
Creeds of Christendom, I, p. 448.
125
João Calvino, O Profeta Daniel, São Paulo, Parakletos, 2000, Vol. 1, (Dn 6.10), p. 371.
126
Como já vimos, teólogos tais como: Andrew G. Hyperius (1511-1564); Peter Martyr Vermigli (1500-
1562); John Knox (c.1514-1572); Zacharias Ursinus (1534-1583); Johann H. Heidegger (1633-1698);
Marcus F. Wendelinus (1584-1652), entre outros.
127
A Confissão Belga que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559), foi escrita em francês em
1561 por Guido (ou Guy, Wido) de Brès (1523-1567), com a ajuda de M. Modetus, Adrien de Saravia
(1513-1613) – um dos primeiros protestantes a advogar a idéia de missões estrangeiras (Cf. I.
Breward, Saravia: In: J.D. Douglas, ed. ger. The New International Dictionary of the Christian Church,
3ª ed. Grand Rapids, Michigan, 1979, p. 878) e G. Wingen, sendo revisada por Francis Junius (1545-
1602) e, publicada a sua tradução em holandês em 1562. "O pastor Guy de Brès escreveu uma
carta de defesa aos magistrados. Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente
'Confession de Foy' por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado ao
governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe, mas ela chegou a
ocupar um lugar de suma importância na Igreja Reformada holandesa." (Frans L. Schalkwijk,
Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630- 1654), Recife, Pe. FUNDARTE (Coleção Pernambucana, 2ª
Fase, Vol. 25), 1986, p. 27).
Ela juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo de Antuérpia,
realizado secretamente (Cf. Schalkwijk, Ibidem., p. 27), em Wessel (1568) e adotada pelo Sínodo
Reformado de Emden (1571), pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo
grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão, comparando a tradução
holandesa com o texto francês e latino. A Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg são os
símbolos de fé das Igrejas Reformadas na Holanda e Bélgica, sendo também o padrão doutrinário da
Igreja Reformada na América. (Vd. Philip Schaff, COC., Vol. 1, p. 502-508; III, p. 383; J. Van Engen,
Confissão Belga: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São
Paulo, Vida Nova, 1988, Vol. 1, p. 330).(Doravante citada como EHTIC).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 32
os pecados."128
A Igreja é edificada pelo próprio Cristo; Deus não confiou esta tarefa a mais
ninguém. É Ele mesmo Quem reúne os Seus. 130 O fundamento da Igreja não é o
homem com as suas fraquezas e pecado, nem a sua vacilante confissão de fé; mas
sim, o próprio Cristo, a rocha eterna e inabalável. A confissão da identidade do Filho, é
fundamental para o ingresso na Igreja e, tal confissão só se torna possível pela graça
reveladora de Deus (Mt 16.16,17). E, esta revelação é feita de acordo com o propósito
de Deus.
Jesus declara: "Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o
quiser revelar” (Mt 11.27).
A Igreja é o Corpo de Cristo e é Deus mesmo quem forma este corpo. É Deus
quem elege o Seu povo e o chama eficazmente através da Palavra, para fazer parte da
Sua Igreja. Deus arregimenta o Seu povo, preservando-o até concluir a Sua obra
iniciada na eternidade. (Fp 1.6).
Jesus: "Todo aquele que o Pai me dá; esse virá a mim; e o que vem a mim, de
modo nenhum o lançarei fora (...). Ninguém pode vir a mim se o Pai que me
enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (...). Ninguém poderá vir a
mim, se pelo Pai não lhe for concedido” (Jo 6.37,44,65).
128
Essa posição é também encontrada na Confissão Escocesa (1560), Cap. XVIII, que acrescenta:
“Onde quer que essas marcas se encontrem e continuem por algum tempo – ainda que o
número de pessoas não exceda de duas ou três – ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira
Igreja de Cristo, o qual, segundo a Sua promessa, está no meio dela.”.
129
Cf. L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 580; Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3ª ed.
Grand Rapids, Michigan, Reformed Publishing Association, 1976, p. 620. Vd. João Calvino, As
Pastorais, (1Tm 3.15), p. 99.
130
“O significado de uma assembléia profana está em razão direta com o número dos que
dela participam. A assembléia do povo de Deus, ao contrário, independe deste fato. Ela
existe quando Deus reúne os seus. Seu número depende daquele que chama e reúne, e
somente então dos que se deixam chamar e reunir. (Mt 18.20).” (Karl L. Schmidt, Igreja: In:
Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 20).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 33
2) A Igreja é do Deus Triúno: A Ele cabe dirigi-la: (At 9.31; 20.28; Rm 16.16;
1Co 1.2; 10.32; 11.16,22; 2Co 1.1; Ef 5.23-24; Cl 1.18; 1Ts 2.14; 2Ts 1.4; 1Pe 2.9-10).
A Igreja diz ao mundo através de sua realidade histórica e testemunho, que ainda
há esperança de salvação. A Igreja como luz do mundo e sal da terra, constitui-se
numa bênção inestimável para toda a humanidade. 132
"A Igreja, portanto, é a presença de Jesus Cristo por meio de seu povo,
em prol do mundo. Embora provisória, essa presença é real, humana e
histórica. Cristo age por meio da Igreja realizando sua obra e
confirmando sua vitória. Nesse sentido, não há salvação fora da Igreja,
desde que esta se disponha a servir e glorificar Jesus Cristo."133
A Igreja tem uma natureza "Teantrópica": Ela é criada por Deus em Cristo (1Ts
2.14) – não é simplesmente uma associação de voluntários –, é o Corpo de Cristo, mas
também, é humana em sua constituição.
131
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Graça de Deus: Comum ou Exclusiva?, São Paulo, 1999; Karl L.
Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 22.
132
Vd. R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 242-247.
133
Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, p. 357.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 34
"comunidade" é primordialmente, a nossa comunhão com Cristo. 134 (1Jo 1.3). Calvino
(1509-1564), no Catecismo de Genebra, comentando o Credo Apostólico, enfatiza o
aspecto comunitário da Igreja, dizendo ser ela, "um corpo e companhia dos fiéis,
aos quais Deus ordenou e elegeu para a vida eterna." 135 Isto significa que as
bênçãos de Deus para a Sua Igreja, são derramadas sobre todo o Seu povo, visto que
todos estes têm comunhão entre si.136
(1) Reúne-se:
134
Vd. K.L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 29.
135
Juan Calvino, Catecismo de la Iglesia de Ginebra, Pergunta, 93. In: Catecismos de la Iglesia
Reformada, Buenos Aires, La Aurora, (Obras Clasicas de la Reforma, XIX), 1962, p. 49. Este
Catecismo escrito em francês, foi elaborado por Calvino durante o inverno de 1536-1537, não sendo
constituído em forma de perguntas e respostas, redigido de modo que considerou acessível à toda
Igreja. O seu objetivo era puramente didático.
Esta obra foi intitulada: Breve Instrução Cristã (*), sendo traduzida para o latim em 1538. (D.F.
Wright, Catecismos: In: EHTIC., I, p. 250). Posteriormente, Calvino a reviu – tornando a sua teologia
mais acessível aos seus destinatários: as crianças (T.M. Lindsay, La Reforma y Su Desarrolo Social,
Barcelona, CLIE., [1986], p. 100) –, e a ampliou consideravelmente, mudando inclusive a sua forma,
passando então, a ser constituída de perguntas e respostas, contendo 373 questões. Esta nova edição
foi publicada entre o fim de 1541 e o início de 1542. Em 1545, Calvino o traduziu para o latim, a fim de
atingir os intelectuais de outros países que não falavam o francês. A partir de 1561, este Catecismo
ganhou maior importância, visto que desde então todo ministro da Igreja deveria jurar fidelidade aos
ensinamentos nele expressos e comprometer-se a ensiná-los. (Cf. B. Foster Stockwell, na
apresentação da obra, Catecismo de la Iglesia de Ginebra: In: Catecismos de la Iglesia Reformada,
p. 7-8).
(*) Este Catecismo consistiu num resumo da primeira edição das Institutas (1536). (Cf. John H.
Leith, em prefácio à tradução da obra de Calvino e Paul T. Fuhrmann em “prefácio histórico” à mesma
obra, Instruction in Faith (1537), Louisville, Kentucky, Westminster/John Knox Press, [1992], p. 10 e
16; T.M. Lindsay, La Reforma y Su Desarrolo Social, p. 101; John T. McNeill, The History and
Character of Calvinism, New York, Oxford University Press, 1954, p. 140. Vd. também, p. 204). Esta
foi a primeira “exposição sistemática do pensamento calvinista na língua francesa.” (A.H.
Freundt Jr., Catecismo de Genebra: In: EHTIC., I, p. 246).
136
Catecismo de la Iglesia de Ginebra, Pergunta, 98.
137
C.S. Lewis, Peso de Glória, p. 40.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 35
"As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro;
algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo,
mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra
uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele." (XXV.5).138
De fato, entre os doze apóstolos de Cristo, havia um traidor; a Igreja primitiva, com
toda a sua vitalidade e testemunho, tinha em seu seio Ananias e Safira; a Igreja
presente, não é diferente: Ela também não é perfeita!
A Igreja é santa e pecadora; este é um dos paradoxos da Igreja. Com isto não
queremos dizer que a Igreja Santa seja apenas uma abstração de nossa mente e, que
a Igreja Pecadora seja de fato a única realidade histórica. Não. A santidade e a
pecaminosidade fazem parte da vida da Igreja, não simplesmente como ideal, mas
como algo real e concreto.
A santidade da Igreja não pode ser negada pelo fato dela não estar demonstrando
isto. A Igreja é santa porque foi santificada, separada para Si por Cristo Jesus. A
santidade é um dom de Deus, resultante de nossa comunhão com Ele (santidade
posicional). Por outro lado, o fracasso da Igreja em viver santamente, aponta para a
necessidade de assim fazê-lo (Rm 1.7), sendo coerente com a sua natureza. 139
Assim, a Igreja Santa, que é composta por pecadores, revela o triunfo da graça de
Deus sobre o poder do pecado. A graça é que começa, aperfeiçoa e conclui a obra da
salvação em nós (Fp 1.6). Como bem disse Spurgeon (1834-1892): “A graça
começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma
pessoa.”141 Aquele que nos regenerou e justificou, também nos santifica, modelando-
138
Vd. J. Calvino, As Institutas, IV.1.2,7.
139
Vd. Bill J. Leonard, La Natureza de la Iglesia, Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1989,
p. 126ss.
140
Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 30.
141
C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, PES., 1992, p. 45.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 36
Deus olhou para nós, vendo a nossa nudez e miséria espirituais, vestiu-nos com as
vestes da Sua justiça e santidade manifestas em Cristo. Deste modo, a nossa
santidade consiste na participação da retidão de Cristo. 143
147
D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, p. 137-138.
148
Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 32.
149
Catecismo Menor de Westminster, Pergunta, 85 In: A Confissão de Fé, O Catecismo Maior e o
Breve Catecismo, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1991, (Edição Especial), p. 431 (Vd.
também, a Pergunta, 88).
150
J. Calvino, Catecismo de Genebra, Pergunta, 96.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 38
Por isso, quando nos referimos à Santidade da Igreja, estamos falando de nossa
responsabilidade: ser santo é estar em santificação. Não Podemos nos acomodar
com a graça da santidade; devemos progredir na graça em santificação. "A igreja
alheia à santidade é alheia a Cristo." 153 Deus chama pecadores, todavia, não
deseja que eles continuem assim, antes, infunde neles a justiça de Cristo, dando-lhes
um novo coração, mudando as inclinações de sua alma, habilitando-os à toda boa
obra (Ef 2.8-10). "Cristo a ninguém justifica, a quem ao mesmo tempo, não
santifique."154 A justificação nos livra da condenação do pecado e a santificação nos
livra da sua contaminação.155 “...Na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo;
e na santificação, o Seu Espírito infunde a graça e dá forças para ser
praticada. Na justificação, o pecado é perdoado; na santificação, ele é
subjugado”156 (destaque meu) (Rm 3.24,25; 6.6,14).
Os crentes em Cristo são chamados à Santidade do Deus Triúno (Jo 6.69; 1Pe
1.15; Ap 15.4). "A Santa Igreja não é uma comunidade perfeita. Ao contrário,
é a comunidade que confia no milagre do perdão, cresce no conhecimento
de que ela é justificada e aceita a obra da santificação que é feita nela. Isso
é o resultado do sentimento de sua própria indignidade, do morrer e do
reviver para uma nova vida. Santidade denota a eficácia da obra de Deus,
que se faz mais e mais real na medida em que a Igreja se dispõe a ela."157
No seu viver cotidiano, a Igreja deve revelar a essência da sua natureza divina (Mt
5.14-16; Fp 2.14-15).
Spurgeon (1834-1892) faz uma relevante pergunta: "De que maneira, pois, as
pessoas podem manifestar gratidão para com Aquele que se ofereceu em
sacrifício a não ser pela santificação?" À qual responde: "Agora, motivados
pelo sacrifício redentor, somos avivados para o zelo intenso e a devoção." 158
151
Ibidem., Pergunta, 99.
152
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Eleição de Deus, São Paulo, 2000.
153
Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo, ABU., 1987, p. 224.
154
J. Calvino, As Institutas, III.16.1.
155
Vd. A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo, PES., 1986, p. 45.
156
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta, 77.
157
Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, p. 344.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 39
3) Comunidade Católica:
158
C.H. Spurgeon, Batalha Espiritual, Paracatú, MG., Sirgisberto Queiroga da Costa, editor., 1992, p.
56.
159
Vd. Katoliko/j: In: William F. Arndt & F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Other Early Christian Literature, 2ª ed. Chicago, University Press, 1979, p. 391; J.N.D. Kelly,
Primitivos Credos Cristianos, Salamanca, Secretariado Trinitario, 1980, p. 454.
160
Inácio de Antioquia, Carta de S. Inácio aos Esmirnenses, 8.2. In: Cartas de Santo Inácio de
Natioquia, 3ª ed. Petrópolis, RJ., Vozes, 1984, p. 81.
161
Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 454ss.
162
O Martírio de Policarpo: In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE.,
1967, p. 35.
163
Cf. Philip Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. II, p. 55.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 40
Com isso, não estamos pretendendo dizer que, para que a Igreja seja católica,
precisa ter crentes de todas as regiões; antes, o que estamos afirmando, é que a oferta
da graça salvadora anunciada pela Igreja, é para todos os homens. O alcance da graça
de Cristo assinala a vitória de Cristo sobre todas as barreiras geográficas, raciais,
sociais, culturais e temporais (Gl 3.28; Ef 2.18; Cl 3.11). Não há barreiras para a graça!
A Palavra de Deus nos mostra que o homem longe de Deus permanece morto
espiritualmente, com um coração empedernido para as realidades espirituais. A
Escritura também nos diz que “Deus é plenitude de vida e plenitude de amor” 165
e, que, com Seu gracioso poder, Ele transforma o coração de pedra do homem, dando-
lhe um coração de carne: “Dar-vos-ei coração novo, e porei dentre em vós espírito
novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei
dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os
meus juízos e os observeis” (Ez 36.26-27).
Os heróis da fé que já partiram desta vida, são espectadores, enquanto que nós,
que continuamos nesta peregrinação terrena, estamos vivendo numa antítese ativa
contra os valores e práticas deste mundo. “Para a Igreja que agora vive e luta,
164
W. Shakespeare, Romeu e Julieta, São Paulo, Abril Cultural, 1978, II.2. p. 43.
165
G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan, SLC., 1981, p. 151.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 41
Há uma ligação entre nós e os nossos irmãos que já morreram. Todos pertencemos
à mesma Igreja, fomos alcançados pela mesma graça, tendo o mesmo dom da fé.
Desta forma, a Igreja é católica porque é composta por todos aqueles que creram; os
fiéis ao Senhor de todas as eras, quer já tenham morrido, quer estejam entre nós,
ainda vivos. Um dia, todos nós nos encontraremos, nos constituindo no evidente
testemunho da catolicidade da Igreja de Cristo, que é o Seu Corpo, o qual na era
presente, atinge o céu e a terra. Agora, então, como Igreja Militante,: “....visto que
temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas,
desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos
assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está
proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé,
Jesus....” (Hb 12.1-2). Que Deus nos ajude, amém!
4) Comunidade Confessional:
A Igreja tem um sistema de doutrina no qual crê. À Igreja foi confiada a Palavra de
Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15).
Calvino (1509-1564), disse: “A verdade, porém, só é preservada no mundo
através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa
sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão
inestimável!”167
Uma doutrina para a qual a Igreja deve estar sempre atenta, é a da Inspiração e
Inerrância das Escrituras. Satanás ataca de modo contundente e efetivo a confiança na
166
Gustaf Aulén, A Fé Cristã, São Paulo, ASTE, 1965, p. 299.
167
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Calvino, comentando a expressão “coluna da
verdade”, continua falando da responsabilidade dos pastores: “Deus mesmo não desce do céu para
nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade,
senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito.” (Ibidem., p.
97). “.... Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação,
a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade.” (Ibidem., p. 98).
168
D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo, PES., 1992, p. 85-86. Vd.
também, Idem., O Combate Cristão, p. 122-123.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 42
Palavra de Deus.
Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma
igreja missionária.170 Como poderemos pregar a Palavra se não estivermos confiantes
do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não
temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado
numa falácia?
169
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998.
170
Não faço aqui nenhuma distinção entre “missão” e “evangelização” (Vd. R.B. Kuiper, Evangelização
Teocêntrica, p. 1). Orlando E. Costa, que diz haver uma confusão entre os termos, assim os distingue:
“Missão e evangelismo são, pois, dois lados da mesma moeda. A moeda é Deus (Sic) e Sua
atividade redentora em favor de toda a humanidade. Evangelismo é o anúncio dessa obra;
missão é o mandamento que nos compele a pôr em ação esse anúncio.” (Orlando E. Costas,
La Iglesia e Su Mision Evangelizadora, Buenos Aires, La Aurora, 1971, p. 27). O autor acrescenta,
de forma acertada, que a distinção equivocada entre “missão” e “evangelização, tem levado a Igreja a ter
uma visão unilateral de missão: ou apenas no exterior, esquecendo-se do seu âmbito local, ou apenas
local em detrimento daquela. (Vd. Ibidem., p. 33ss). Neste sentido, vejam-se as pertinentes observações
de Francis A. Schaeffer (F. A. Schaeffer, Forma e Liberdade na Igreja: In: A Missão da Igreja no
Mundo de Hoje, São Paulo/Belo Horizonte, MG. ABU/Visão Mundial, 1982, p. 222).
171
Billy Graham, Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, p. 20.
172
Vd. John H. Jowett, O Pregador, Sua Vida e Obra, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1969, p.
97.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 43
não for a verdade, Deus não estará aí.”173 Assim sendo, a pregação grandiosa é
bíblica. Pois bem, se eu não creio na inspiração e inerrância da Bíblia, certamente,
poderei ter consciência da biblicidade da minha pregação (basta que pregue o que está
escrito), contudo, como poderei ter certeza da veracidade daquilo que prego, visto que
neste caso, ser bíblico não é a mesma coisa que ser inerrante e por isso verdadeiro?
Se destruo os fundamentos, cai todo o edifício.
5) Comunidade Carismática:
O Espírito é soberano na distribuição dos dons; eles não podem ser reivindicados
(1Co 12.11,18), antes, devem ser recebidos como manifestação da graça de Deus e
utilizados para a glória de Deus.
A Igreja é a comunidade formada pelo próprio Deus, sendo constituída por pessoas
que tiveram e têm, pela graça de Deus, a fé salvadora depositada unicamente em
Jesus Cristo.
O que quero enfatizar, é que a raiz da palavra graça, é a mesma da palavra dom, no
grego xa/rij, daí podermos falar da Igreja, como uma comunidade carismática, visto
ser ela constituída daqueles que receberam a graça da fé e o dom para servir.
sua obra Direito Eclesiástico para a Antiga Comunidade Cristã. (Cf. Ibidem., p. 141). A análise das
questões relativas ao domínio carismático, “estão no centro das reflexões de Weber” (Julien
Freund, A Sociologia de Max Weber, Rio de Janeiro, Forense, 1980, 184).
177
J. Calvino, Efésios, (4.12), p. 125.
178
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chattanooga, AMG Publishers, 1995, p. 196.
179
Vd. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo, Vida Nova, 1983, p. 229.
180
Vd. João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 2.4), p. 56.
181
Karl Barth, The Faith of the Church: A commentary on the Apostle’s Creed according to
Calvin’s Catechism, Great Britain, Fontana Books, 1960, p. 116.
182
João Calvino, Efésios, (Ef 4.7), p. 113.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 45
Assim, é Deus mesmo e não outro, Quem nos concede talentos para servi-Lo (Ef
4.7,11/1Co 12.11,18), portanto a nossa atitude de consciente e real humildade (1Co
4.7; 1Co 15.10), visto que Deus nos concedeu os talentos para o serviço do Reino: “A
manifestação do Espírito é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso”
(1Co 12.7). Paulo continua: “Para que não haja divisão no corpo; pelo contrário,
cooperem os membros, com igual cuidado (merimna/w = “preocupação”),184 em
favor uns dos outros” (1Co 12.25). “O Senhor nos colocou juntos na Igreja, e
destinou cada um ao seu posto, de tal maneira que, sob a única Cabeça,
183
Vejam-se outras definições em: A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo, PES., 1985, p. 69;
Idem., Deus é Soberano, São Paulo, Fiel, 1977, p. 24; A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo,
PES., 1986, p. 31; J. Calvino, Exposição de Romanos, (5.15), p. 193; R.P. Shedd, Andai Nele, São
Paulo, ABU., 1979, p. 15; W. Hendriksen, 1 y 2 Timoteo/Tito, Grand Rapids, Michigan, S.L.C., 1979, (Tt
2.11), p. 419; L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 74; W. Barclay, El Pensamiento de San Pablo,
Buenos Aires, La Aurora, 1978, p. 154; L. Boettner, Predestinación, Grand Rapids, Michigan, S.L.C.,
[s.d.], p. 258; D.M. Lloyd-Jones, Por que Prosperam os Ímpios, São Paulo, PES., 1983, p. 103; J.I.
Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo, Mundo Cristão, 1980, p. 120; Tom Wells, Fé: Dom de
Deus, São Paulo, PES., 1985, p. 101; Samuel Falcão, Predestinação, São Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, 1981, p. 100-101; James Moffatt, Grace in the New Testament, New York, Ray Long &
Richard R. Smith. Ind., 1932, p. 5; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 146, 147; John Gill, “A
Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity,” The Collected Writings of: John Gill, [CD-ROM],
(Albany, OR: Ages Software, 2000), I.13. p. 195-196.
184
A palavra tem o sentido de solicitude, preocupação e inquietação. Ela ocorre 18 vezes no NT. O seu
uso no Novo Testamento não tem um sentido apenas negativo; Paulo a emprega positivamente, como
por exemplo no texto citado (1Co 12.25). Do mesmo modo, quando se refere a Timóteo: “Porque a
ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide (Merimnh/sei) dos vossos
interesses” (Fp 2.20) e, também quando descreve as suas lutas em favor da Igreja: “Além das cousas
exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação (Me/rimna) com todas as
Igrejas” (2Co 11.28).
O termo também é usado negativamente: Jesus, o emprega duas vezes neste sentido: “Não andeis
ansiosos (merimna=te) pela vossa vida...” (Mt 6.25). A Marta, inquieta com os seus afazeres e diante
da aparente inércia de Maria, diz: “Marta! Marta! andas inquieta (Merima=j) e te preocupas com
muitas coisas” (Lc 10.41).
Paulo, também trata dessa questão, dizendo aos filipenses: “Não andeis ansiosos (Merimna/w) de
cousa alguma....” (Fp 4.6). No entanto, esta exortação pode parecer inócua sem a indicação de um
caminho eficaz para a canalização de nossas ansiedades existentes... Paulo então, propõe a solução
para o problema: “... Em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossa petições, pela
oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6). A oração oferece-nos um abrigo onde podemos
nos ocultar das preocupações mundanas, um lugar onde ficamos a sós com Deus, um refúgio onde
renovamos a esperança, onde nossos cuidados com as coisas deste século ficam amortecidas. A oração
é o caminho pelo qual iniciamos a caminhada indicada por Pedro: “Lançando sobre ele toda a vossa
ansiedade (Me/rimnan), porque Ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).
Quando assim procedemos, experimentamos o resultado indicado por Paulo no texto de Filipenses:
“E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas
mentes em Cristo Jesus” (Fp 4.7).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 46
venhamos a nos auxiliar uns aos outros. Lembremo-nos também de que tão
diferentes dons nos têm sido concedidos para podermos servir ao Senhor
humilde e despretensiosamente, e aplicar-nos ao avanço da glória daquele
que nos tem dado tudo quanto temos.”185Deste modo, os talentos recebidos,
foram-nos concedidos para que os usássemos para a edificação da Igreja, não para a
disseminação de discórdias, ou para usar de nossa influência para dividir, denegrir,
solapar ou mesmo para a nossa projeção pessoal: Deus não desperdiça os dons “por
nada e nem os destina para que sirvam de espetáculo.” 186 Mas, para a
edificação. O objetivo é claro: “Com vistas ao aperfeiçoamento (katartismo/j187 =
“preparar”, “equipar para o serviço”) dos santos” (Ef 4.12). Ainda que de passagem,
deve ser acentuado que, “sempre que os homens são chamados por Deus, os
dons são necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não veste
homens com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre
com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente
de seu ofício.”188
Observemos que estes ofícios (Ef 4.11), foram instituídos para o aperfeiçoamento
dos santos a fim de que estes cumpram o seu serviço na Igreja; ou seja: o trabalho
não é apenas pastoral ou dos Presbíteros Regentes e Diáconos, é também e
fundamentalmente comunitário. Toda a Igreja é responsável: Lutero falou do
Sacerdócio Universal dos Crentes; pois bem, este texto nos fala do ministério
universal dos crentes. O carisma traz implicações de responsabilidade com a
edificação de nossos irmãos. Na Igreja de Cristo não pode haver a divisão entre
aqueles que trabalham e os que apenas ouvem comodamente... Todos somos
chamados e capacitados ao trabalho cristão. 189
Notemos também, que Paulo está dizendo que todos os membros da Igreja são
santos. Isso aponta para o nosso privilégio (somos santificados em Cristo Jesus) e
nossa responsabilidade (devemos progredir em santidade). Neste ponto, a Igreja sofre
tremendamente, porque ela abandonou a sua realidade e a sua meta de santidade
(separação) e cada vez mais intensamente se parece com o mundo: na sua forma de
pensar, de falar, de sentir, de vestir e de fazer... Ao invés desse comportamento
aprendido por osmose sugerir maturidade, é, na verdade, um sintoma de infantilidade
crônica: temos com demasiada freqüência, falado, sentido e pensado como meninos;
enquanto que o propósito de Deus para o Seu povo é o inverso: que pensemos,
sintamos e falemos como pessoas maduras na fé (1Co 13.11/1Co 3.1-2; Hb 5.11-14;
185
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.7), p. 134.
186
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.7), p. 376.
187
O termo grego utilizado por Paulo, no campo cirúrgico, era usado para “consertar um osso
quebrado”. “Ajustar em conjunto num só corpo” (D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, p. 172).
“A idéia fundamental do termo é de pôr nas condições em que devem estar já uma coisa ou
uma pessoa.” (William Barclay, Efésios, Buenos Aires, La Aurora, 1973, p.156). Calvino diz que o
termo grego “significa literalmente a mútua adaptação [= coaptitionem] de coisas que devem
ter simetria e proporção; assim como, no corpo humano, há uma combinação apropriada e
regular dos membros; de modo que o termo é também usado para ‘perfeição’. Mas como a
intenção de Paulo aqui é expressar um arranjo simétrico e metódico, prefiro o termo
constituição [= constitutio]. Pois, estritamente falando, o latim indica uma comunidade, ou
reino, ou província, como constituída, quando a confusão dá lugar ao estado regular e
legítimo.” [J. Calvino, Efésios, (4.12), p. 124].
188
João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119.
189
“Não há crescimento em igrejas que dependem de algumas poucas pessoas e os demais
membros são espectadores. Sempre existe progresso e multiplicação em igrejas cujos
membros são vibrantes e intentam servir a Cristo.” (Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso:
In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 20).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 47
2Pe 3.18). Paulo contrasta aqui os “meninos” (nh/pioj = “bebê”, “imaturo”, “criança
pequena”) (Ef 4.14 com à “perfeição” (te/leioj “maduro”) (Ef 4.13). Calvino, comenta:
“Crianças são aqueles que ainda não deram um passo no caminho do
Senhor, senão que hesitam, que não determinaram ainda que rumo devem
tomar, mas que se movem às vezes numa direção e às vezes noutra,
sempre duvidosos, sempre ziguezagueando.”190
Paulo para descrever esta inconstância infantil, usa um termo náutico que se refere
a uma pequena embarcação que, em mar aberto não consegue manter o curso certo.
(Kludwni/zomai = “ser arrastado, levado pelas ondas”)(Ef 4.14), metaforicamente tem
o sentido de “ser agitado mentalmente”. A idéia é a de andar em círculos, diante da
variedade de ensinamentos. “Ele os compara com as palhas ou outros
elementos leves, os quais são rodopiados pela força do vento a soprar em
círculo ou em direções opostas.” 192
Tomando as figuras usadas por Paulo, podemos observar que a criança gosta de
entretenimento, novidade e indisciplina; se não tivermos firmeza doutrinária, se não
estivermos ancorados na Palavra, seremos conduzidos de forma constante e sem
direção. Este exemplo negativo, temos nos gálatas, aos quais, Paulo escreve:
“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na
graça de Cristo, para outro evangelho” (Gl 1.6). “Vós corríeis bem; quem vos
impediu de continuardes a obedecer à verdade?” (Gl 5.7).
6) Comunidade Litúrgica:193
190
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 127.
191
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Pessoa e Obra de Cristo, São Paulo, 2000, p. 40ss.
192
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 128.
193
Sobre a adoração cristã e a concepção de Culto em Calvino, Vd. Hermisten M.P. Costa, O Culto
Cristão na Perspectiva de Calvino, São Paulo, 1998 e Idem., Princípios Bíblicos da Adoração
Cristã, São Paulo, 2000.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 48
Resumindo, podemos dizer que este conjunto de palavras têm três significados
especiais no NT., a saber:
Liturgia significa serviço prestado a Deus.196 A Igreja como povo de Deus encontra
a sua realização no ato de Culto, no qual revela publicamente o significado de Deus
para a sua vida, tornando patente o que Deus é, fez e faz. O culto é um
testemunho solene e público das "Virtudes de Deus" (1Pe 2.9-10; Hb 13.15).
O culto cristão é a expressão da alma que conhece a Deus e, que deseja dialogar
com o seu Criador; mesmo que este diálogo, por alguns instantes, consista num
monólogo edificante no qual Deus nos fale através da Palavra. A seguinte definição,
expressa bem esta realidade: "Em essência o culto é um encontro de Deus com
Seu povo no qual se estabelece um diálogo: Deus fala à Sua Igreja através
de Sua Palavra e a Congregação expressa sua adoração ao Senhor mediante
as orações, oferendas e hinos."197
O culto cristão não é uma ação humana, mas sim, uma resposta; uma atitude
responsiva à ação de Deus que primeiro veio ao homem, revelando-Se e
200
capacitando-o a responde-Lhe. É Deus Quem procura seus adoradores (Jo 4.23). A
adoração correta ao verdadeiro Deus, é uma atitude de fé e obediência na qual, o
194
Esta palavra é oriunda de lao/j e lew/j que significam “povo”.
195
Cf. I.-H. Dalmais, et. al., Liturgia: In: Angel Di Berardino, dir. Diccionario Patristico y de la
Antigüedad Cristiana, Salamanca, Ediciones Sigueme, 1992, Vol. II, p. 1279a.
196
Vd. Hermisten M.P. Costa, Teologia do Culto, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1987.
197
Víctor M.S. Garcia, Musica y Alabanza: In: Revista Teológica, México, Vol. IX, nº 31-32, 1978, p. 47.
198
C.F.D. Moule, As Origens do Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1979, p. 45.
199
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 46-47.
200
Vd. Confissão de Fé de Westminster, IX.3,4.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 49
adorador se prostra diante do Deus que o atraiu com a Sua graça irresistível. 201 Neste
ato de culto, o homem confessa sua dependência de Deus, professando a sua fé em
resposta à Palavra criadora de Deus (Jo 1.1; Rm 10.17; Tg 1.18; 1Pe 1.23). A Palavra
de Deus é criadora porque gera a fé e, todas as vezes que Deus fala ao homem, algo
de novo acontece, o homem não pode ser mais o mesmo, ele não pode mais ignorar
este acontecimento (At 4.20). E isto, se expressa em culto. Deus fala e o homem
adora; Deus Se mostra, o homem contempla; Deus abençoa, o homem louva... "De
longe se me deixou ver o Senhor, dizendo: Com amor eterno eu te amei, por isso
com benignidade te atraí" (Jr 31.3).
Nós somos o meio ordinário estabelecido por Deus para que o mundo ouça a
mensagem do Evangelho. Jesus Cristo confiou à Igreja – como já mencionamos:
prioritariamente como organização, ainda que não exclusivamente 204 –, a tarefa
evangelística. A Igreja é “o agente por excelência para a evangelização.” 205
Nenhum homem será salvo fora de Cristo, mas para que isto aconteça ele tem que
conhecer o Evangelho da Graça. Como crerão se não houver quem pregue? (Rm
10.13-15). “O evangelismo pelo qual Deus leva os seus eleitos à fé é um elo
essencial na corrente dos propósitos divinos.”206
201
Vd. Confissão de Fé de Westminster, X.1,2.
202
“A Igreja é a mãe comum de todos os piedosos....” .[João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 125].
203
João Calvino, Gálatas, São Paulo, Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144. Vd. As Institutas, IV.1.1.
204
Vd. R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 100, 151-152.
205
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 220. (Veja-se, todo o capítulo, p. 220-226).
206
J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São Paulo, FIEL, 1994, p.146.
207
Lutero observou que: “Onde, porém, não se anuncia a Palavra, ali a espiritualidade será
deteriorada.” (Martinho Lutero, Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In:
Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo/Porto Alegre, RS., Sinodal/Concórdia, 1995, p.
334).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 50
A Igreja na sua proclamação revela quem é: nós somos identificados não simplesmente
pelo que dizemos a nosso respeito, mas, principal e fundamentalmente pelo que
revelamos em nossos atos. A Igreja revela-se como povo de Deus no seu testemunho
a respeito de Deus e da Sua Glória manifestada em Cristo, bem como na declaração
do pecado humano e da necessidade de reconciliação com Deus. A Igreja não é a
mensagem; antes é o meio de proclamação; todavia, neste ato de proclamação das
virtudes de Deus, ela torna patente a Sua identidade divina, demonstrando o poder
daquilo que ela testemunha, visto ser a Igreja o monumento da Graça e Misericórdia de
Deus, constituído a partir da Palavra criadora de Deus. É justamente por isso, que “a
pregação é uma tarefa que somente ela pode realizar”.208
O Espírito capacita a Igreja a cumprir o que Jesus lhe ordenou. Isto Ele faz
concedendo-lhe poder (At 1.8/4.8-13, 31). Somente o Espírito pode capacitar a Igreja a
desempenhar de forma eficaz o Seu Ministério. O texto de At 1.8, resume bem o
conteúdo do Livro de Atos:210 A Igreja testemunha no poder do Espírito de Jesus (At
16.7). “O poder do Espírito Santo é Sua capacidade de ligar os homens ao
Cristo ressurreto de tal maneira que sejam capacitados a representá-Lo. Não
há nenhuma bênção mais sublime.” 211 Com bem observa Stott, do mesmo modo
que o Espírito veio sobre Jesus equipando-O para o Seu Ministério público, o Espírito
deveria vir sobre o Seu povo capacitando-o para o seu serviço. 212 Por isso que, “sem
o poder do Espírito Santo a evangelização é impossível.” 213 No Pentecoste se
concretiza historicamente a capacitação da Igreja para a sua missão no mundo; o
Pentecoste revela o caráter missionário da Igreja, tornando cada crente uma
testemunha de Cristo. “Pentecoste significa evangelismo”.214 E isto, no poder do
Espírito, derramado de forma sobrenatural. “O dia de Pentecostes foi sem dúvida
um momento extraordinário de transição em toda a história da redenção
registrada nas Escrituras. Foi um dia singular na história do mundo, porque
naquele dia o Espírito Santo começou a atuar entre o povo de Deus com o
poder da nova aliança.”215
A Igreja é uma testemunha comissionada pelo próprio Deus, para narrar os Seus
atos Gloriosos e Salvadores. A igreja é o meio ordinário de Deus para esta tarefa.
Assim, a sua mensagem não foi recebida de terceiros, mas sim, diretamente de Deus,
através da Palavra do Espírito, registrada nas Sagradas Escrituras. A Igreja declara ao
mundo, o “Evangelho do Reino”, visto e experimentado por ela em sua cotidianidade.
208
D.M. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, p. 23.
209
Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, p. 621.
210
Outros chamam At 1.8 de “índice” do Livro. (Cf. John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os
confins da terra, São Paulo, ABU., 1994, p. 42).
211
Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, p. 129.
212
Vd. John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, p. 38.
213
John R.W. Stott, Crer é também Pensar, São Paulo, ABU., 1984 (2ª impressão), p. 49.
214
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 221. Do mesmo modo, Wayne A. Grudem, Teologia
Sistemática, p. 910.
215
Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 641.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 51
216
John R.W. Stott & Basil Meeking, editores, Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan,
Nueva Creación, 1988, p. 62.
217
Podemos tomar operacionalmente a definição que Alexander Vinet (1797-1847) deu de pregação: “A
pregação é a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação
dessas verdades ao nosso rebanho.” (A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the
Evangelical Ministry, 2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189).
218
Veja-se, Hermisten M.P. Costa, As Questões Sociais e a Teologia Contemporânea, São Paulo,
1986, 15 p.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 52
Por isso, a Igreja como testemunha, não tem o direito, nem realmente deseja, optar
se deve ou não dar o seu testemunho nem, a quem deve testemunhar: Ela de fato, não
pode se calar, do mesmo modo que não podemos deixar de respirar... A Igreja não
pode deixar de dar testemunho, visto que ela “não pode fugir à vocação do seu próprio
ser”.220 (At 1.8; 4.8-13; 6.10/7.55; 9.17-20; 11.21.25; 13.9-12).
A Igreja de Deus, no seu ato essencial de proclamar as virtudes de Deus (1Pe 2.9-
10), tem como objetivo final a Glória de Deus. (Rm 11.36; 1Co 10.31). A Evangelização
visa glorificar a Deus, através do anúncio da natureza de Deus e de Sua obra eficaz,
efetivada em Cristo Jesus. Ousamos dizer, que a Evangelização tem
fundamentalmente como alvo final, glorificar a Deus; e Deus é glorificado através da
salvação de Seu povo (Is 43.7; Jo 17.6-26; Ef 1.7/2Ts 1.10-12) e a conseqüente
confissão de Sua soberania (Fp 2.5-11). Quando evangelizamos estamos revelando o
nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-Lhe obedientes na
vivência de nossa natureza de proclamação e serviço. “Aquele que tem os meus
mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). Nós glorificamos a
Deus sendo-Lhe obediente (Jo 17.4).
O Estudo das Escrituras não nos deve deixar indiferentes; ele sempre é
responsabilizador. Diante do que pudemos aprender, nós como cristãos sinceros,
membros da Igreja de Deus, que é o Corpo de Cristo, devemos:
219
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 42-43.
220
Ibidem., p. 43.
221
R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 149. (Vejam-se, também: Idem, Ibidem., p. 58-59; 90-
91; Idem, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 225-226; J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus,
2ª ed. São Paulo, Vida Nova, 1990, p. 51ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 53
5) Interceder: At 12.1,5.
222
O verbo traduzido por “cuidar” (E)pimele/omai), ocorre apenas mais duas vezes no NT., referindo-
se ao “bom samaritano” que cuidou dos ferimentos daquele homem que fora assaltado e espancado. (Lc
10.35,36). A forma substantivada aparece apenas uma vez (E)pimelw=j) aludindo à mulher que
procurava “diligentemente” a dracma perdida. (Lc 15.8). Na forma adverbial (E)pime/leia) também só é
encontrada uma única vez, referindo-se aos cuidados dispensados (ARA: “obter assistência”) pelos
amigos de Paulo quando este estava encarcerado, viajando de navio para Roma (At 27.3).