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Processo Civil
Maurício Cunha
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CARREIRA JURÍDICA 2014
Processo Civil
Maurício Cunha
Não há dúvida, portanto, que a ação popular, Ora, conforme prevê o art. 55 da Lei 9.784/99,
ao zelar pela higidez e boa administração do são passíveis de convalidação os atos
patrimônio pertencente às pessoas de direito administrativos, atingidos por irregularidades
público e às entidades direta ou indiretamente sanáveis, quando “se evidencie não
controladas pelo estado, está defendendo não acarretarem lesão ao interesse público nem
apenas interesses particulares dessas prejuízo a terceiros”. A convalidação, nesses
pessoas, mas, sobretudo, os interesses casos, não é mero ato discricionário, cuja
superiores da própria coletividade a que prática fica a critério do administrador, mas é
servem. Eis aí plasmada, portanto, a ato inválido não causou lesão, ele poderá, ou
transindividualidade dos interesses tutelados. melhor, deverá (desde que presentes os
demais requisitos para tanto) ser convalidado,
Em suma, a ação popular representa, em sendo descabida, consequentemente, a sua
nosso sistema, além de uma quebra de anulação, mesmo por ação popular.
paradigmas, o instrumento precursor e pioneiro
de defesa jurisdicional de interesses difusos da Assim, ressalvadas as hipóteses de lesividade
sociedade, mediante a legitimação ativa dos presumida (presunção que cabe ao réu
cidadãos, pela técnica da substituição desfazer) e de lesão à moralidade
processual. administrativa (que dispensa qualquer prova,
porque se configura em plano estritamente
Objeto da ação popular: “anular ato lesivo” jurídico), cumpre ao autor, conforme
Segundo decorre do texto constitucional estabelece a regra processual de distribuição
expresso – que, no particular, reproduz a do ônus da prova (art. 333, I, CPC),
essência do que também já previam as demonstrar em que consistiu, na prática, a
Constituições anteriores –, a ação popular tem consequência lesiva provocada pelo ato
por objeto específico “anular ato lesivo” a um atacado.
dos seguintes bens jurídicos: a) ao patrimônio
público, b) à moralidade administrativa, c) ao Inclina-se o entendimento do STF pela
meio ambiente ou d) ao patrimônio histórico e presença do requisito da lesividade, conforme
cultural (art. 5º, LXXIII). A lesividade constitui, ementa abaixo colacionada:
portanto, requisito indispensável para que o ato “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
fique submetido a controle por essa especial INSTRUMENTO. ÓBICE DA AUSÊNCIA DE
via judicial. É certo que, ao especificar os PREQUESTIONAMENTO SUPERADO.
casos de nulidade e de anulabilidade de atos PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
administrativos a que se referia, a Lei da Ação UNIVERSITÁRIA. MATÉRIA
Popular fez menção explícita ao requisito da INFRACONSTITUCIONAL. ANÁLISE.
lesividade em relação a uns (os alinhados em IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO POPULAR.
seus arts. 2º e 3º), mas não o fez em relação a REQUISITOS. LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO
outros (os alinhados em seu art. 4º). Para PÚBLICO. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE
compatibilizar a falta de referência específica, FATOS E DE PROVAS. SÚMULA 279 DO
por parte da lei, com a exigência afirmada STF. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º,
expressamente na Constituição, a doutrina XXXV, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO.
assentou entendimento de que, nos casos do MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
art. 4º, a lesividade é presumida (presunção OFENSA INDIRETA. SUSCITADA OFENSA
iuris tantum). Ela, portanto, não está AO ART. 93, IX, DA LEI FUNDAMENTAL.
dispensada. O autor é que está dispensado de INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO
demonstrá-la, cabendo ao réu, se for o caso, SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO.
provar que, naqueles casos, a lesão não AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta Corte firmou
ocorreu. entendimento no sentido de que para se
O requisito da lesividade resulta ainda mais chegar à alegada ofensa à Constituição no
evidente quando se leva em conta a concernente à autonomia universitária,
possibilidade de convalidação dos atos necessário seria a análise de normas
administrativos, que é forma de restaurar a infraconstitucionais. II – A discussão acerca
ordem jurídica atingida pelo ato inválido. da comprovação de lesividade ao
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patrimônio público como requisito para porventura deixou de ser realizado (fls.2706
propositura de Ação Popular, demanda o e 2707). Além do mais, por unanimidade,
reexame do conjunto fático-probatório decidiu a mesma Corte, pela emissão de
constante dos autos, o que inviabiliza o parecer favorável à aprovação das contas
extraordinário a teor da Súmula 279 desta do Senhor Mário Luiz Bertani,
Corte. III – A jurisprudência desta Corte Administrador do Executivo Municipal de
fixou-se no sentido de que, em regra, a Espumoso, no exercício de 1997, nos
afronta aos princípios constitucionais do termos dos artigos 5º e 6º da Resolução
devido processo legal, da ampla defesa e do 414/92 (fl.2711); b) In casu, o Tribunal local,
contraditório, da motivação dos atos com supedâneo em decisão do Tribunal de
decisórios e da prestação jurisdicional, se Contas do Estado do Rio Grande do Sul, em
dependente de reexame prévio de normas sede de Processo de Prestação de Contas,
infraconstitucionais, seria indireta ou reconheceu expressamente a ausência de
reflexa. Precedentes. IV – A exigência do lesividade ao patrimônio do Município de
art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a Espumoso-RS: "Nessa linha de raciocínio,
decisão exaustivamente fundamentada. O não se verificando a lesividade ao
que se busca é que o julgador informe de patrimônio público, elemento necessário à
forma clara e concisa as razões de seu utilização da ação popular, não há falar em
convencimento. V – Agravo regimental responsabilização pelos atos praticados.
improvido” (AgRg no Ag 699.740/SP, Rel. Não se pode olvidar que a presente ação
Min. RICARDO LEWANDOWSKI, p. restou calcada fundamentalmente nas
8.11.2012). conclusões apresentadas pela auditoria do
Tribunal de Contas (fls.02/08), as quais não
Nessa mesma esteira, o STJ se posicionou: subsistem ante o julgamento final favorável
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. realizado (fls.2707/2708), o qual, como é
AÇÃO POPULAR. CONTRATO sabido, constitui decisão definitiva, apenas
ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE se sujeitando ao controle jurisdicional no
ILEGALIDADE E LESIVIDADE. REEXAME DE que tange à sua legalidade (..)" [...](REsp
MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. 806153/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. Turma, p. 14.5.2008).
DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. FATO
NOVO SUPERVENIENTE. APLICAÇÃO DO Lesividade e ilegalidade do ato
ART. 492 DO CPC. JUNTADA DE Discute-se, em doutrina, sobre a necessidade
DOCUMENTO. VISTA À PARTE de cumular, ao requisito da lesividade, o da
CONTRÁRIA. PRINCÍPIO DA ilegalidade do ato.
INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. [...] 7. A discussão não tem sentido algum quando se
A título de argumento obiter dictum merece trata de ato lesivo à moralidade administrativa,
destaque as situações fáticas insindicáveis já que o princípio da moralidade pertence ao
nesta Corte: a) o voto condutor do recurso mundo da normatividade (=legalidade), e isso
de apelação é categórico ao afirmar: "A significa dizer que o ato que o lesa é, por
decisão administrativa da Segunda Câmara natureza, um ato juridicamente ilegítimo
Especial do Tribunal de Contas do Estado (=ilegal, lato sensu). A lesão à moralidade
do Rio Grande do Sul, agora aportada aos administrativa é, pois, em si mesma, uma
autos (fls.2698/2713), declara taxativamente ilegalidade.
a ausência de lesividade à Administração, Nos demais casos (lesão ao patrimônio
requisito essencial à utilização da ação público, ao meio ambiente, ao patrimônio
popular. De acordo com referida decisão, histórico e cultural), o dilema da cumulação ou
não se justifica o pedido de devolução aos não de lesividade e ilegalidade somente
cofres públicos dos valores pagos pela poderia existir a partir da suposição (que não é
Administração à empresa contratada, uma verdadeira) de que os atos lesivos podem ser
vez demonstrada a prestação de parte do classificados como (a) atos lesivos ilegítimos
serviço por esta, não havendo elementos (=ilegais) e (b) atos lesivos legítimos (=legais).
suficientes que permitam avaliar o que Ora, é difícil, sob o aspecto estritamente
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Assim, o pedido de liminar será concedido na seja cidadão brasileiro nato ou naturalizado, e
ação popular, desde que atendidos os ainda, o português equiparado, no gozo dos
requisitos específicos do periculum in mora e seus direito políticos, isto é, o eleitor. Exclui-se,
do fumus boni juris, sendo admitido portanto, aqueles que tiverem suspensos ou
expressamente pelo § 4.º do art. 5º da Lei declarados perdidos seus direitos políticos. A
4.717/65. prova da cidadania é o título de eleitor ou
documento equivalente. Outros cidadãos
Obejtivo podem habilitar-se como litisconsortes ou
O objetivo é a prevenção ou correção de ato assistentes do autor (art. 6º, § 5º), ou assumir
lesivo de caráter concreto praticado conta o o seu lugar em caso de desistência (art. 9º). O
patrimônio público, quando praticado contra Ministério Público é um deles. Urge lembrar
entidade em que o Estado participe ou ainda que a Súmula 365 do Supremo Tribunal
contra o meio ambiente, ou também ato de Federal entende que a pessoa jurídica não tem
caráter abstrato, sendo estes praticados legitimidade para propor ação popular.
ofendendo a moralidade administrativa e o
patrimônio histórico cultural. Os arts. 2°, 3°, 4°, * Legitimação passiva: os sujeitos passivos
da Lei 4717/65 apresentam atos nulos, cabe da ação, segundo o art. 6º, § 2º, da Lei
ressaltar que tais artigos apresentam rol 4.717/65, são: as pessoas públicas ou
exemplificativo, de forma a ficar evidente que a privadas, os autores e participantes do ato e os
ação popular é uma garantia coletiva e não beneficiários do ato ou contrato lesivo ao
política. A doutrina clássica classifica como patrimônio público. Lembrando que o Ministério
atos passíveis de serem anulados os decretos, Público: funciona, em regra, como custos legis
as resoluções, as portarias, os contratos, os (§ 4°), porém, o mesmo detém capacidade
atos administrativos em geral, bem como para juntar documentos e pedido de provas
quaisquer manifestações que demonstre a conforme entendimento do STJ:
vontade da administração, desde que casem “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
dano à sociedade. REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO POPULAR. INOVAÇÃO
Aspectos processuais da ação popular PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE.
Tem características do procedimento comum MINISTÉRIO PÚBLICO. CUSTUS LEGIS.
ordinário, com aplicação subsidiária do CPC. POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO DE
*Natureza da ação popular: Gregório Almeida DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS.
entende que a ação popular tem natureza PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO
jurídica dupla. Para ele, primeiramente, é um REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A
direito constitucionalmente político de orientação jurisprudencial do STJ é no
participação que possibilita a fiscalização direta sentido de que o Ministério Público, mesmo
da Administração Pública e também, uma na qualidade de fiscal da lei, detém
garantia processual constitucional que se legitimidade para a juntada de documentos
exerce desse direito político mencionado. Ela e para formular pedidos de produção de
pode ter natureza preventiva, de modo a provas que entender necessárias.
prevenir que o ato aconteça gerando dano, Precedente: RMS 27.455/DF, Rel. Ministra
como também, regressiva, aplicada após o LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, j.
cometimento do ato, anulando o ato indevido. 3.11.2011). 2. Inviável a apreciação da tese
Ainda há a possibilidade de ação de natureza suscitada pelo agravante, por se tratar de
corretiva da atividade administrativa, aqui o ato inovação em agravo regimental, estranha à
já aconteceu, mas age para corrigir os que já matéria posta no recurso especial e nas
foram praticados há algum tempo, e por fim, contrarrazões. Precedentes: AgRg no
natureza supletiva da inatividade do poder AREsp 275.268/AL, Rel. Ministro
público, quando houver omissão, quando ela HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,
deixa de praticar certos atos dos quais ela está julgado em 02/05/2013, DJe 16/05/2013;
obrigada a praticar. AgRg nos EDcl no AREsp 176.691/RJ, Rel.
* Legitimação ativa: qualquer cidadão (art. 1º) Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
está sujeito a concorrer à legitimidade ativa, TURMA, j. 7.3.2013. 3. Agravo regimental
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não provido” (AgRg no Resp 1333168/RJ , seguintes, sob pena de falta grave (art.16).
Rel. Mauro Campbell Marques, Segunda Outros legitimados (art.17).
Turma, p. 11.12.2013). O regime da coisa julgada é peculiar à
Dispositivos específicos no sentido de agilizar o natureza do direito tutelado (direito
andamento do processo: pena de transindividual) e à circunstância de ter sido
desobediência e penalidade administrativas defendido em juízo por substituto processual
(art. 7º, § único, art. 7º, § 1º, I, e art. 8º). (efeito erga omnes, secundum eventum litis,
art. 18).
* Sentença: Sendo de procedência, além de
decretar a invalidade do ato impugnado, deverá Súmula 101 STF. O mandado de segurança
condenar ao pagamento de perdas e danos os não substitui a ação popular.
responsáveis pela sua prática e os
beneficiários dele (art. 11) e condenar os réus Súmula 365 STF. Pessoa jurídica não tem
ao pagamento ao autor, das custas e demais legitimidade para propor ação popular.
despesas, bem como honorários (art. 12).
Sendo de improcedência, o autor só estará
sujeito ao ônus sucumbenciais em caso de
ficar reconhecida lide manifestamente
temerária, caso em que será condenado ao
pagamento do décuplo das custas (art. 13).
A sentença que extinguir o processo sem julgar
o mérito e a que julgar improcedente o pedido
estarão sujeitas a reexame necessário (art.
19), sem prejuízo do recurso de apelação, que
poderá ser interposto, não só pelo autor, como
também pelo MP e qualquer cidadão (art. 19, §
2º).
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