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Coluna do Jornal Boa Vista, 23 de fevereiro de 2018.

Luís Fernando Santos Corrêa da Silva


E-mail: lfscorrea@gmail.com

Você sabe o que são Direitos Humanos?

I – “Direitos Humanos só serve para defender bandido!” Quem nunca ouviu essa frase
em alto e bom som, dita em reuniões de família, rodas de amigos e mesmo por alguns
“formadores” de opinião? Mesmo que aquele que normalmente reproduz essa frase
nunca tenha conhecido um militante do Movimento de Direitos Humanos e sequer
conheça detalhes do que são Direitos Humanos efetivamente, o mantra que relaciona a
de bandidos aos Direitos Humanos sempre é proferido com uma convicção inabalável.
Inicialmente, esclareço que não pretendo acabar com as convicções pessoais dos
espíritos mais exaltados. Reconheço que essa é uma tarefa quase impossível, visto que
apresentar informações e argumentos para quem se move exclusivamente pela revolta é
sempre uma guerra perdida. Minha ideia é apresentar argumentos e propor uma reflexão
sobre o que são, efetivamente, os Direitos Humanos, mesmo sabendo que nem todos
estão interessados em fazer esse movimento.

II – Desde que cheguei a Erechim ministro uma disciplina chamada Direitos e


Cidadania nos cursos de graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul. Trata-se
de um componente curricular que aborda o itinerário de construção dos direitos
humanos e da cidadania no mundo e no Brasil. Já na primeira aula, tenho por hábito
dizer aos estudantes que a ideia primordial da disciplina é desconstruir visões prévias
sobre que o são os Direitos Humanos e, principalmente, que ao final do semestre letivo
os estudantes abandonem o senso comum que afirma que o Movimento de Direitos
Humanos só serve para defender bandido. Para tanto, trato de realizar um apanhado
histórico sobre as noções de cidadania e de direitos desde a antiguidade clássica até a
contemporaneidade, de modo a demonstrar que aquilo que elegemos hoje como justo é
um produto do nosso tempo e nem sempre foi entendido do mesmo modo.

III – A noção moderna de Direitos Humanos se fundamenta na Declaração Universal


dos Direitos Humanos, aprovada em assembleia geral da Organização das Nações
Unidas em 1948. É importante destacar que essa declaração representou um fato novo
na história da humanidade, visto que pela primeira vez um sistema de conduta humana
foi livremente aceito por 48 países, que na oportunidade representavam a maioria da
população que vivia na terra. Em termos do seu conteúdo, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos estabelece princípios que devem garantir o acesso aos direitos civis
(liberdade, integridade física, etc), aos direitos políticos (organização política e sindical)
e aos direitos sociais (saúde, educação, moradia, etc). Transcrevo abaixo alguns dos
principais artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo I- Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo II- Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão
proibidos em todas as suas formas.
Artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a
lei.
Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação.
(...)
Artigo XXIII
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de
trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim
como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo XXV
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda
dos meios de subsistência fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas
dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

V – O texto acima menciona uma quantidade significativa de direitos, que envolvem


princípios de liberdade, igualdade e direitos à integridade física e moral do cidadão, ao
trabalho e à diversidade (política, de credo, de opinião, etc). Então, se a declaração é tão
ampla e envolve direitos que todos nós valorizamos e usufruímos, qual o sentido de
afirmar que os Direitos Humanos só servem para proteger bandido? Julgo que isso está
diretamente relacionado ao que expressa o Artigo V, que menciona a proteção contra a
tortura. Há certo entendimento de setores da sociedade brasileira de que a tortura é uma
prática legítima, mesmo que ninguém queira ser submetido a ela e também não queira
ver os seus amigos e familiares sofrerem com esse tipo de prática. É verdade que a
legitimação da tortura também encontra respaldo no passado recente do país, que viveu
a realidade de um regime autoritário que usou a tortura como método para calar as
vozes dissidentes. Como os torturadores nunca foram punidos, a sensação de
legitimidade dessa prática permaneceu presente no imaginário de um segmento da
sociedade brasileira.

VI – Quem define aqueles que devem ser torturado? É socialmente saudável que
alguém seja investido do poder de decidir quem deve ser submetido à tortura e quem
não deve? Dispor da integridade física de outras pessoas é algo moralmente aceitável?
A tortura não transforma em criminoso quem a comete, visto que esse é um ato
sabidamente ilegal? Essas são questões que mereceriam ser esmiuçadas, mas que
ofereço apenas o seguinte argumento, produto das reflexões que tenho realizado sobre a
realidade brasileira: somos uma sociedade violenta, que legitima a violência como
forma de resolução de conflitos e que, por isso, imagina que violência se combate com
mais violência. Os alarmantes índices de criminalidade que nos assolam são apenas a
expressão última de uma sociedade que desrespeita sistematicamente os Direitos
Humanos e que lhes confere pouco valor. Isso não significa que criminosos não devam
ser punidos, longe disso. É fundamental que sejam punidos, mas sempre dentro dos
limites da lei. Qualquer coisa diferente disso nos levará à selvageria institucionalizada,
que é muito mais grave do que um ato de brutalidade cometida por um criminoso.

VII – É verdade que ainda estamos longe de efetivamente garantir que os princípios da
Declaração Universal dos Diretos Humanos sejam afiançados para todas as pessoas que
habitam o planeta e esse talvez seja o principal desafio do nosso tempo. O primeiro
passo, certamente, é reconhecer que os Direitos Humanos são importantes, e que sem
eles, só nos resta a barbárie. Não tenho dúvida de que somente a partir do respeito aos
Direitos Humanos conseguiremos construir uma cultura de paz, que é a base da
sociedade justa e fraterna que (quase) todos nós almejamos.

* Dedico essa coluna à memória de Marielle Franco, socióloga, vereadora da cidade do


Rio de Janeiro e militante do Movimento dos Direitos Humanos brutalmente
assassinada no dia 14 de março último.

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