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I – INTRODUÇÃO
Apresento aqui uma reflexão que escrevi em 2002 acerca da Psicologia Trans-
pessoal numa perspectiva sociológica. Mais especificamente, como uma expressão do reencan-
tamento do mundo. Para tanto, a situo como um paradigma atual no processo de evolução da
ciência em geral e da psicologia em particular.
Dessa forma, apresento uma breve história da Psicologia, para, em seguida, à luz
de uma sociologia - que ouso designar sociologia Transpessoal [2] -, apresentar uma reflexão
acerca desse novo paradigma como uma das expressões do reencantamento do mundo. Final-
mente, indago sobre a pertinência de pensarmos a Psicologia Transpessoal não como irraciona-
lidade (como ainda insiste em vê-la o ranço cientificista), mas através da noção de transraciona-
lidade, numa perspectiva holística.
Como anunciei, farei aqui uma rápida história da psicologia, ou para usar uma
linguagem psicanalítica, pontuarei a história desta ciência para situar a Psicologia Transpessoal
neste quadro. Mais especificamente interessa-me pontuar o desenvolvimento das técnicas analí-
ticas que culminaram na criação desse novo paradigma.
Para Lowen, a “história do desenvolvimento dos conceitos e técnicas analíticas
é a história dos fracassos terapêuticos”[3]. Na verdade, o avanço da ciência nada mais é que a
superação de paradigmas esgotados.
A origem da psicanálise não foi diferente. Como nos mostra Lowen, antes de ter
criado a psicanálise, Freud desapontou-se com os resultados de suas pesquisas anteriores na
área de neurologia e doenças nervosas, o que o levou a voltar-se para o uso da hipnose. Mais
tarde, ele mesmo superou a hipnose, dadas as suas limitações, substituindo-a pela livre associ-
ação e posteriormente pela interpretação de sonhos, o que possibilitou conhecer dois fenôme-
nos inacessíveis até então, quais sejam: a transferência e a resistência.
No entanto, descobriu-se posteriormente que a análise da resistência, muito efi-
ciente para histerias, neuroses obsessivo-compulsivas e outros distúrbios, não respondia com a
mesma eficácia a outros problemas que foram sendo descobertos, tais como, o masoquismo e a
mania.
Novos analistas foram modificando a técnica psicanalítica tradicional. Entre es-
tes merece destaque Ferenczi e sua “técnica ativa”, propondo atividades a seus pacientes como
forma de obter melhores resultados na análise. Para ele, em alguns casos, era útil recomendar
atividades, como exercícios de relaxamento, uma vez que, observando atividade muscular e ex-
pressão corporal, percebia-se que o relaxamento poderia ser uma forma de vencer resistências.
Vale lembrar que, se até então a análise era a análise de sintomas, neste perío-
do começam a ser estudados padrões de comportamento. Ferenczi, inclusive, já havia descober-
to que o maior valor da técnica ativa era exatamente no tratamento de perturbações do caráter.
No entanto, foi com Reich que esta questão foi atacada de frente.
Pontuo esta técnica de Ferenczi para registrar que o princípio que está por trás
do conceito de atividade será desenvolvido por Reich, particularmente no estudo do caráter, num
salto qualitativo com relação à brilhante cartografia psíquica de Freud, aliando então psicologia e
biologia.
No entanto, segundo Lowen, “o caráter em si mesmo, que fundamentalmente é
um modo gestáltico de compreender o comportamento, não havia sido até então totalmente en-
tendido tanto dinâmica quanto geneticamente. A ligação não podia ser completada antes que
ambas as funções psíquica e somática fossem compreendidas em termos de um sistema unitá-
rio”[4]. Isto foi possível com o aprofundamento que Reich realizou nesta linha de investigação,
ocasião em que descobriu e explicitou teoricamente que o caráter e a atitude muscular eram do
ponto de vista da função idênticos, ou seja: serviam à mesma função energética.
Reich nos mostrou, pois, o homem como um ser energético e, ao formular a
questão da identidade funcional entre tensão muscular e bloqueio emocional, nos apresentou
um dos grandes insights na história da terapia analítica de problemas emocionais.
Uma vez reconhecida a unidade do caráter com o padrão de rigidez muscular,
necessário se fez descobrir seu princípio básico comum. Lowen aprofunda esta investigação
desenvolvendo o conceito, já anunciado por Reich, de processos de energia. Segundo as pró-
prias palavras de Lowen, o eixo de seu trabalho se desenvolve a partir da “hipótese de que há
uma energia fundamental no corpo humano, manifeste-se ou não nos fenômenos psíquicos ou
no movimento somático. Esta energia será simplesmente chamada de ‘bioenergia’. Os proces-
sos psíquicos bem como os somáticos são determinados pela operação desta bioenergia. Todos
os processos vitais podem ser reduzidos a manifestações desta bioenergia"[5].
Por outro lado, não posso deixar de citar Jung, que historicamente antecede a
Lowen e Reich. Ao formular o conceito de inconsciente coletivo, ele amplia consideravelmente a
cartografia freudiana, incluindo a alma no tratamento psiquiátrico e reconhecendo que
a “imagem de Deus na psique humana” é um poderoso e saudável componente deste território.
Para este pensador, experiências dos níveis mais profundos da psique têm uma
certa qualidade por ele chamada de numinosidade. Em experiências como estas, segundo ele,
os indivíduos se sentiriam frente a frente com a dimensão sagrada, santa, totalmente diferente
do seu cotidiano. Esta linha de investigação foi muito importante para o desenvolvimento de uma
Psicologia Transpessoal, como poderá ser visto posteriormente.
Antes, no entanto, apresento uma rápida síntese do papel do corpo na história da
psicologia, pois isto facilitará a posterior análise da Transpessoal, através da sua contextualiza-
ção no mundo de hoje, onde o corpo, o sensível, a imagem, a natureza constituem centros de
uma nova sociabilidade, num mundo em processo de reencantamento.
Podemos dizer que a questão do corpo está posta desde Freud, que dizia que o
“ego é antes de tudo e principalmente um ego corporal”[6] e que esta afirmação foi uma das
condições de possibilidades para que a psicologia trilhasse o caminho de reencontro com a bio-
logia.
Dessa forma, Ferenczi iniciou timidamente um trabalho com o corpo através de ati-
vidades sugeridas aos pacientes, Reich e Lowen verticalizaram esta perspectiva conectando a
realidade física do corpo com as descobertas freudianas, estabelecendo os princípios da identi-
dade psicossomática. Com base na investigação de Reich, Pierrakos – juntamente com Lowen -
vai mais longe ao nos dizer que somos mais do que uma unidade psicossomática, somos cons-
ciência, somos uma unidade cósmica, que se expressa em nosso corpo.
Ainda nessa linha de trabalho com o corpo, temos o trabalho de Grof que, através
principalmente do uso da respiração, conseguiu elaborar os conceitos de perinatal e transpesso-
al.
Se o caminho que nos trouxe até a Transpessoal nos permitiu reunir corpo e mente
num homem unitário em si mesmo, a partir deste novo paradigma assistimos ao nascimento da
pessoa total. Nesta perspectiva, Matos inicia um texto seu afirmando que esta ciência “estuda o
homem em sua totalidade”[7].
Ainda segundo a concepção de Matos, a Psicologia Transpessoal abrange outros
enfoques científicos, tais como, medicina, antropologia, sociologia, física, química, matemática,
astronomia e metafísica. Ela usa elementos de outras escolas de psicologia e se centra, especi-
ficamente, no estudo de estados de consciência que transcendem a pessoa e o conceito de ego.
Seu modelo aproxima-se muito do modelo da física contemporânea (quanta - relativístico), para
a qual o Universo (matéria/energia) é um todo indivisível e dinâmico.
Para melhor compreender este novo paradigma, é também importante não perder
de vista o substrato filosófico da ciência moderna, que se fundamenta na formulação do dualis-
mo espírito/matéria (mente/matéria). Foi a partir dessa perspectiva que Descartes construiu as
bases daquela ciência. Mais tarde, Newton construiu sua teoria mecânica baseada nesses
mesmos pressupostos. Este ponto de vista mecanicista é formador do pensamento ainda hege-
mônico em nossa sociedade.
Como o ser humano vê a realidade segundo sua visão de mundo, que está em relação es-
treita com seu contexto histórico-social e suas próprias experiências de vida, o indivíduo da mo-
dernidade ocidental via (e muitos ainda vêm) o mundo e a si mesmo divididos em pares opostos.
Dessa forma, podemos citar mente/corpo, masculino/feminino, céu/terra, sagrado/profano, divi-
no/demoníaco, cultura/natureza, indivíduo/sociedade, entre outros. Esta maneira dualística de
tomarmos consciência do mundo faz com que o ser humano se sinta em oposição à natureza,
tendo que lhe dominar e controlar para garantir sua sobrevivência, o que lhe provoca um senti-
mento maior ou menor de constante ameaça.
Do ponto de vista individual, ele se sente um ego isolado trafegando por espaços
perigosos que lhe provocam medo. Como neste contexto dualístico o ser humano se vê também
dividido entre o mundo físico e o das ideias, da cognição, sua própria identidade resulta de uma
imagem (autoimagem/ego) que ele elabora mentalmente sobre si mesmo.
Segundo Léo Matos, podemos dizer que o ser humano tem na criação do ego (au-
toimagem) o ponto inicial de sua vida pessoal e que, por outro lado, ao transcender o ego (que
é um conceito), ele/ela vivencia uma experiência transpessoal. Por isto, para este estudioso,
como ego (pessoa/persona/máscara), experienciamos uma realidade cartesiana / newtoniana, já
num nível transpessoal podemos experienciar a realidade descrita pela física moderna atômica e
subatômica.
Feito este parêntese explicativo, pontuo agora algumas ideias de Stanislav Grof.
Para ele a “Psicologia Transpessoal é um ramo da psicologia que reconhece e aceita a espiritua-
lidade como uma importante dimensão da psique humana e do plano universal das coisas”10.
Da pesquisa de Grof, interessa-me um dos territórios trans-biográficos por ele identificado, qual
seja: a esfera transpessoal.
Por um lado porque este território parece ter íntima relação com o conceito de in-
consciente coletivo de Jung. Nele, os indivíduos, em estados não ordinários de consciên-
cia, experienciam morte, renascimento, visões arquetípicas, fenômenos cármicos etc. Por outro,
porque o termo transpessoal é definido por Grof como algo que se estende ou vai além do pes-
soal, transcendendo os limites usuais do indivíduo, de seu “ego encapsulado na pele”11, bem
como, transcendendo os limites do espaço tridimensional e do tempo linear. Isto me ajudará na
proposta de utilização da transracionalidade.
Apresento, a seguir uma leitura sociológica da psicologia transpesso-
al, evidenciando-a como uma expressão do reencantamento do mundo e como momento pecu-
liar da história da ciência.
BIBLIOGRAFIA
1. ARON, Raymond. Las etapas del pensamento sociologico. Buenos Aires, Siglo Veinte,
1976.
3. LOWEN, Alexander. O corpo em terapia - uma abordagem bioenergética. 6ª ed. São Paulo,
Summus, 1977.
9. PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza.São Paulo, Ed.
Universidade Estadual Paulista, 1996.
10. REICH, Wilhelm. A função do Orgasmo. 19ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1995.
[1] Célia Maria Ribeiro, socióloga, educadora, mestre em ciências sociais, especialista em
psicologia transpessoal, é professora na Universidade Federal de Goiás.
[2] Sociologia transpessoal, porque considera a ação social, as relações sociais ou as insti-
tuições como parte de um todo universal, partes de uma realidade multidimensional, que traba-
lha numa perspectiva transdisciplinar.
[3] LOWEN, Alexander. O corpo em terapia - a abordagem bioenergética. 6ªed. São Paulo,
Summus, 1977, p.21.
[4] LOWEN, Alexander, Op.cit., p. 28.
[5] IDEM, idem, p. 33.
6 FREUD, Sigmund. Apud. LOWEN, Alexander. Op,cit., p. 35
[7] MATOS, Léo. “Psicologia Transpessoal: explorando os vários estados de consciência”.
Texto digitado, apresentado no V Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal em Bos-
ton, USA, em 1979. Traduzido e atualizado pelo autor em 1990, p.1.
10 GROF, Stanislav. “Fundamentos Teóricos e Empíricos da Psicologia Transpessoal”.
Trad. ZIEMER, Roberto. Trab. Apresentado na XII Conferência Internacional. Praga, 1992. p.1.
11 Expressão usada pelo escritor e filósofo norte-americano Alan Watts.
13 ARON, Raymond. Las etapas del pensamiento sociológico. Buenos Aires, Siglo Veinte,
1976. p.301.
14 PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo, Ed.
Univ. Estadual Paulista, 1996, p. 13/14
16 MAFESSOLI, Michel. No fundo das aparências. Rio de Janeiro, Vozes, 1996. p. 9.
18 PRIGOGINE, Ilya. Op.cit.. p. 14.
19 MAFFESOLI, Michel. Op cit.p. 31.
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