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NORBERTO COUTINHO JUNIOR

A RESPONSABILIDADE CIVIL SEM DANO DO ESTADO

Trabalho monográfico apresentado


como requisito para conclusão curso
de pós-graduação em Direito Público
da Faculdade Processus/ESMA.

Orientador: Prof. Dr. José Augusto


Peres Filho.

FACULDADE PROCESSUS/ESMA

BRASÍLIA, AGOSTO DE 2015


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho monográfico a Deus e a meus pais Norberto


Coutinho e Gilce Maria (in memoriam).
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus pela sabedoria, ao Douto


professor Dr. José Augusto Peres Filho, por ser meu orientador, aos
meus colegas e amigos de curso pelo incentivo e a minha amada
esposa, Aline Álvares, pela paciência e compreensão durante todo o
período acadêmico.
EPÍGRAFE

“Porque o Senhor dá a sabedoria; da sua boca procedem o


conhecimento e o entendimento”. (Provérbios 2:6).
RESUMO

O presente trabalho acadêmico tem por objetivo verificar a possibilidade de


se atribuir a responsabilidade civil sem dano ao Estado, ou seja, se é possível
responsabilizar a administração pública por um dano potencial que ainda não tenha
ocorrido fundamentando-se nos princípios da prevenção e da precaução. A
relevância de tal pesquisa se dá em razão dos inúmeros riscos iminentes que os
administrados correm no dia a dia, diante da inércia do Poder Público em suas
obrigações de fiscalização, sobretudo em relação às questões ambientais. Para
tanto, utilizou-se dos meios bibliográficos de pesquisa em livros, revistas
especializadas, além de sítios eletrônicos que tivessem pertinência com o tema. Os
resultados encontrados foram no sentido de que nos casos em que se têm a
probabilidade da ocorrência de um dano ambiental futuro, o Estado pode sim ser
responsabilizado por meio das chamadas tutelas preventivas.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil, Estado, Sociedade de Risco, Princípio


da Precaução, Tutela Preventiva.
ABSTRACT

This academic work aims to verify the possibility to assign liability without
harm to the state, that is, if you can blame the government for a potential damage
that has not yet been basing on the principles of prevention and precaution. The
relevance of such research takes place because of the numerous impending risks
that individuals run on a daily basis, due to the inertia of the public authorities in their
supervisory obligations, particularly in relation to environmental issues. To this end,
we used means of bibliographic research in books, journals, and electronic sites that
had relevance to the topic. The results were to the effect that in cases that have the
likelihood of a future environmental damage, the state can be held accountable
through so-called preventive tutelage.

KEYWORDS: Liability, State, Risk Society, Precautionary Principle, Preventive


Control.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................8
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO.......................................................................................10
1.1 O Desenvolvimento da Responsabilidade Civil através dos tempos...........10
CAPÍTULO 2 – A RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................15
2.1 Conceito e função...............................................................................................15
2.2 Os elementos da Responsabilidade Civil.........................................................16
2.2.1 Conduta humana
16
2.2.2 Culpa
16
2.2.3 Dano
17
2.2.4 Nexo de Causalidade
18
2.3 Classificações da Responsabilidade Civil.......................................................19
2.3.1 Responsabilidade Civil subjetiva e objetiva
19
2.3.2 Responsabilidade Civil contratual e extracontratual ou aquiliana
19
2.4 A Responsabilidade Civil do Estado.................................................................20
2.5 A Evolução da Responsabilidade Civil do Estado..........................................20
2.5.1 Teoria da irresponsabilidade civil
20
2.5.2 Teoria da responsabilidade subjetiva
21
2.5.3 Teoria da responsabilidade objetiva
21
CAPÍTULO 3 – A RESPONSABILIDADE CIVIL SEM DANO DO ESTADO.............23
3.1 A Teoria da Sociedade de Risco........................................................................23
3.2 O Princípio da Precaução...................................................................................25
3.3 O papel da Responsabilidade Civil no século XXI..........................................27
3.4 A aplicação e execução do princípio da precaução: a Responsabilidade
sem dano....................................................................................................................28
3.5 A tutela inibitória e de remoção de ilícito.........................................................30
3.6 Decisões judiciais fundamentadas no princípio da precaução.....................34
3.7 A possibilidade de responsabilização civil sem dano do Estado..................39
CONCLUSÃO.............................................................................................................42
REFERÊNCIAS...........................................................................................................44
9

INTRODUÇÃO

A grande maioria das pessoas possui a mínima consciência de que é dever


do Estado Democrático de Direito garantir a seus cidadãos a proteção básica de
seus direitos fundamentais para que se possa viver com respeito e dignidade.

Ainda mais, quando se está diante uma sociedade denominada de risco, na


qual a própria tecnologia e avanços científicos produzidos pelo homem produzem
efeitos que podem levar a danos de ordem irreparável ao meio ambiente.

Assim, o que fazer quando a administração pública, pelos mais variados


motivos, não consegue cumprir o seu dever de fiscalização, o qual tem como
principal escopo a garantir a proteção e o bem-estar da sociedade?

A situação se torna mais grave ainda quando a referida omissão estatal


resulta em tragédia ambiental de consequências catastróficas que poderia ter sido
evitada, caso o Estado como responsável por fiscalizar e controlar as atividades de
risco, valendo-se do princípio da precaução, tivesse tomado todas as medidas
possíveis para evitar o dano.

Debaixo desse contexto, a presente pesquisa tem por objetivo a análise da


possibilidade de se responsabilizar civilmente o Estado diante da iminente
probabilidade de dano potencial, ou seja, que ainda não tenha ocorrido, mas que
provavelmente possa ocorrer diante da ameaça de um dano inerente à determinada
atividade de risco.

Importa destacar que a relevância do tema se dá pelo fato de não se admitir,


nos dias atuais, a ocorrência cada vez maior de acidentes e desastres de ordem
ambiental que poderiam ter sido evitados caso o Estado cumprisse seu papel
fiscalizador e controlador das atividades de risco.

O presente estudo acadêmico será elaborado a partir da legislação (nacional


ou internacional) pertinente, de estudos jurídicos existentes e jurisprudência que
10

corresponda ao tema. Far-se-á a coleta de dados e informações de livros, artigos


publicados em revistas especializadas, acórdãos de tribunais superiores, além de
textos publicados na Internet (com a devida fonte de autoria).

No primeiro capítulo, será abordado um breve histórico da responsabilidade


civil através dos tempos.

No segundo capítulo, será feito um breve estudo sintetizado do instituto da


responsabilidade civil.

No terceiro e último capítulo, irá se analisar o instituto da responsabilidade


civil sem dano, bem como as teorias que a fundamentam, seus instrumentos
processuais, além de se verificar a possibilidade de se atribuir tal responsabilidade
ao Estado.

Por fim, será feita uma conclusão dos resultados a que se chegou após o
estudo a respeito do presente tema proposto.
11

CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO

1.1 O Desenvolvimento da Responsabilidade Civil através dos tempos

De acordo dom André Besson: “a responsabilidade civil se assenta, segundo


a teoria clássica, em três pressupostos: um dano, a culpa do autor e a relação de
causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano 1”.

No entanto, importante destacar que nos primórdios da vida em sociedade


não se levava em conta o fator culpa. Tão logo ocorresse o dano, este trazia como
consequência a reação imediata, instintiva e brutal daquele que fora ofendido.

Nesse período, não havia regras nem limitações, mas apenas o domínio da
vingança privada, “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação
espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas
suas origens, para a reparação do mal pelo mal” 2.

Ou seja, caso houvesse algum dano ocasionado por alguém, aquele que
sofrera o prejuízo procurava por meios próprios buscar sua reparação da forma
como entendesse ser a mais justa sob o seu ponto de vista. Não importava se no ato
de sua vingança fossem cometidos excessos, desde que o ofendido se sentisse
compensado com sua conduta vingativa.

Sobre o tema, de acordo com Pablo Stolze:

(... ) nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas


civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na
concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas
compreensível do ponto de vista humano como lídima reação
pessoal contra o mal sofrido3.

1
BESSON, André. La notion de gardedanslaresponsabilitédu fait deschoses. Paris: Dalloz, 1927,
p. 5.
2
LIMA, Alvino. Da culpa ao risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938, p. 10.
3
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil —
responsabilidade civil. vol 3. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 56.
12

Significa dizer que no início da sociedade, o dano era reparado na forma de


busca pela satisfação do prejuízo, promovida pelo próprio ofendido, independente da
culpa de seu causador. Tratava-se de uma reação natural do instinto de
sobrevivência humano frente à ofensa sofrida por um terceiro, independente de sua
intenção de ocasionar o mal.

Em momento posterior, tal conduta passou a ser regulada por meio da lei de
Talião (“olho por olho, dente por dente”), na qual o indivíduo deveria arcar de
maneira proporcional ao dano físico causado à vítima. Essa forma de reparação, aos
poucos, deu lugar em seguida à figura da composição, que, segundo Pablo Stolze,
ao invés “de impor que o autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma
quebra, por força de uma solução transacional, a vítima receberia, a seu critério e a
título de poena, uma importância em dinheiro ou outros bens” 4. Importante salientar
que, ainda nesse momento, a responsabilidade não levava em consideração o
elemento culpa.

A respeito do assunto, vale destacar o ensino de Alvino Lima, in verbis:

“(...) este período sucede o da composição tarifada, imposto pela Lei


das XII Tábuas, que fixava, em casos concretos, o valor da pena a
ser paga pelo ofensor. É a reação contra a vingança privada, que é
assim abolida e substituída pela composição obrigatória. Embora
subsista o sistema do delito privado, nota-se, entretanto, a influência
da inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos
conflitos não é somente uma questão entre particulares”.5

Dessa forma, pode-se afirmar que em tal período, diante da existência de


um poder soberano, há vedação por parte do legislador de se fazer justiça “com as
próprias mãos”. Assim, de voluntária, a composição econômica passa a ser
obrigatória pelas partes, impondo ao ofensor o ônus de ter de arcar com o
pagamento tanto pela ferida causada a um membro do corpo, como pela morte de
uma pessoa livre ou escrava.

No entanto, apenas durante o período romano foi que houve a distinção


entre a reparação e a pena, diferenciando-se os delitos privados dos delitos públicos
(ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem). De acordo com Carlos

4
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil —
responsabilidade civil. vol 3.10. ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3.p. 56.
5
LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 21.
13

Roberto Gonçalves: “nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria
ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à
vítima”.6

Assim, quando o Estado passa a assumir o papel daquele que tem a


obrigação de punir/reprimir os atos ilícitos, tem-se o início do surgimento da
responsabilidade civil7.

Entrementes, é com a edição da Lex Aquília ou Lei Aquília que se tem o


marco na evolução histórica da responsabilidade civil, ou seja, é por meio dela que
se obtém um princípio geral regular da reparação do dano. “Constituída de três
partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é
propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano
causado”8.

Importante salientar que mesmo se reconhecendo a inexistência ainda de


“uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno”, era, sem qualquer sombra
de dúvida, o primórdio da jurisprudência clássica no que concerne à injúria, e “fonte
direta da moderna concepção da culpa aquiliana (extracontratual), que tomou da Lei
Aquília o seu nome característico”9.

A respeito da Lex Aquília, cabe salientar o comentário de Cesar Fiusa:

A responsabilidade civil por atos ilícitos é chamada aquiliana em


razão da Lex Aquília, que foi a primeira lei que regulamentou de
maneira sistemática a responsabilidade civil delitual. A Lex Aquília
era na verdade plebiscito votado por proposição de um tribuno da
plebe, de nome Aquilius, mais ou menos, em fins do século III a.C
(...). Antes da Lex Aquília imperava o regime da Lei das XII Tábuas,
que continha regras isoladas.10.

6
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, vol. 4: responsabilidade civil. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p 24.
7
MAZEAUD; MAZEAUD. Traitéthéoriqueet pratique de la responsabilitécivile, délictuelle et
contractuelle. 3. ed. t. 1, n. 19.
8
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil —
responsabilidade civil. vol 3. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 56.
9
AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; 10. ed., 1997.
p. 18.
10
FIUSA, Cesar. Direito civil – curso completo. 2. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del
Rey, 1999. p. 1353.
14

A principal finalidade da Lex Aquília era dar proteção aos plebeus contra os
prejuízos que lhes causavam os patrícios, nos limites de suas propriedades 11.

Entrementes, somente após o advento do Código Napoleônico é que se deu


a inserção do elemento culpa na responsabilidade civil aquiliana, momento em que,
de forma gradativa, substitui-se a ideia da pena, oriunda do direito primitivo, pela
concepção de reparação do dano sofrido.

Vale ressaltar que foi o sistema jurídico francês que, aos poucos,
aperfeiçoou de maneira gradativa o conceito romano, a ponto de firmar de forma
clara um princípio geral da responsabilidade civil, deixando de lado o método de se
listar as situações de composição obrigatória. De maneira gradual, foram sendo
instituídos princípios, que influenciaram a outros povos, tais como o direito à
reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a
responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o
Estado); e a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as
obrigações), a qual não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da
negligência ou imprudência.12

De acordo com João Batista Lopes, ultimamente, sem tomar o lugar da


teoria da culpa, vem ganhando espaço na responsabilidade civil a teoria do risco,
a qual tem preenchido as lacunas onde aquela não tem sido suficiente na
proteção daqueles que têm sido vítimas do dano 13.

Por essa teoria, a responsabilidade civil seria vista de forma objetiva:


nela, o trabalhador, vítima de acidente laboral, sempre fará jus à indenização,
havendo ou não a existência de culpa do empregador ou do próprio acidentado.
Nesse caso, a indenização levada a efeito pelo patrão ocorre, não pelo fato deste
ter alguma culpa, mas sim em razão de ser o proprietário do maquinário ou das
ferramentas de trabalho que ocasionaram o acidente. 14

11
WARNKONIG, I. Institutiones iuris romaniprivate apud FIUSA, Cesar. Direito civil – curso
completo. 2. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1999. p. 1353.
12
GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.p. 76.
13
LOPES, João Batista. Perspectivas atuais da responsabilidade civil. RJTJSP, 57/14.
14
BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva. v. 1; 29.
ed., v. 5. P. 416.
15

Vale dizer que a exceção a essa regra somente ocorrerá quando o agente
demonstrar que tomou todas as precauções necessárias exigíveis para que se
pudesse evitar a ocorrência do dano. Tal teoria tem sido adotada na legislação de
países como Itália, México, Portugal, Líbano entre outros.

Sobre o assunto, importa destacar as palavras de Carlos Roberto


Gonçalves, in verbis:

(...) A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de


equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com
uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens
dela resultantes (ubiemolumentum, ibionus; ubicommoda,
ibiincommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve
suportar os incômodos (ou riscos).15

Significa dizer que aquele que pretenda auferir lucros em determinado


negócio, deve também arcar com os eventuais danos que o referido
empreendimento possa ocasionar. Ou seja, o risco estaria implícito ao negócio,
não sendo relevante, portanto, o elemento culpa para sua configuração, bastando
apenas a materialização do dano.

Verifica-se, dessa forma, que a Responsabilidade Civil atravessou por


diversas fases até alcançar o formato pelo qual é conhecida hoje, tendo se
iniciado nos primórdios da civilização por meio da vingança privada (autotutela),
passando pela Lei das XII Tábuas (império romano), adquirindo gradativamente
característica de compensação pecuniária pelo dano, sendo que com o advento
da Lei Aquiliana agregou-se o aspecto de proporcionalidade à reparação, tendo o
elemento da culpa somente sido incorporado posteriormente por meio da
legislação francesa, o qual, diante da teoria do risco, tem sido mitigado nos casos
em que se envolvam acidentes de trabalho.

15
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, v. 4: responsabilidade civil. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.p.41.
16

CAPÍTULO 2 – A RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 Conceito e função

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho a Responsabilidade Civil


seria “aquela que decorre da existência de um fato que atribui a determinado
indivíduo o caráter de imputabilidade dentro do direito privado” 16.

Destaca-se sobre o tema, o ensino de Pablo Stolze quanto à definição de


Responsabilidade Civil, in verbis:

De tudo o que se disse até aqui, conclui-se que a noção jurídica de


responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que,
atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente
(legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às
consequências do seu ato (obrigação de reparar).
Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo
essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade
civil deriva da agressão a um interesse eminentemente
particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma
compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in
natura o estado anterior de coisas.17(Grifamos).

Ou seja, a Responsabilidade Civil consiste na obrigação do ofensor de


reparar o dano causado à vítima, fazendo com que as coisas retornem ao seu status
quo ante ou, na sua impossibilidade, ressarcir financeiramente o prejuízo causado
por aquele.

Ainda segundo o aludido autor, a Responsabilidade Civil possui três funções,


a saber: a) compensatória do dano à vitima, na qual se procura repor o bem perdido
ou, quando não for possível, realizar o pagamento de uma indenização proporcional
ao bem material ou direito não redutível pecuniariamente; b) punitiva do ofensor, a
qual, mesmo não sendo sua finalidade principal, ocasiona um efeito punitivo diante
da falta de cautela do causador do dano, incentivando-o a não mais repetir tal

16
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. rev. ampl. e atual.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 592.
17
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil —
responsabilidade civil. vol 3.10. ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3.p. 54.
17

conduta; e c) cunho socioeducativo, que tem por função expor de forma pública que
tal conduta ilícita não será admitida, contribuindo dessa forma para a segurança e o
equilíbrio e esperados no Direito.18

2.2 Os elementos da Responsabilidade Civil

De acordo com a doutrina, são quatro os elementos ou pressupostos da


Responsabilidade Civil, a saber: a conduta humana, a culpa (que pode estar
presente ou não a depender do tipo de responsabilidade: objetiva ou subjetiva), o
dano e o nexo de causalidade, os quais serão vistos de maneira sucinta nos
próximos tópicos a seguir.

2.2.1 Conduta humana

Entende-se por conduta humana a ação ou omissão humana, “guiada pela


vontade do agente, que desemboca no dano ou no prejuízo”. 19 A voluntariedade é,
portanto, o núcleo principal da conduta humana, que seria possibilidade de o agente
imputável escolher, de forma livre e consciente a prática de seus atos. Ou seja, caso
não haja a voluntariedade, não há falar em conduta humana, tampouco em
responsabilidade civil.

A conduta humana ainda pode ser classificada em positiva e negativa. A


primeira representa um comportamento ativo do agente, enquanto que a segunda
trata de uma omissão capaz de gerar algum dano. Seria um “não fazer” ou uma
simples abstenção. Quanto à conduta humana negativa, vale dizer que esta deve
ser voluntária, sendo que na ausência deste elemento, não se terá a configuração
da responsabilidade civil.20

2.2.2 Culpa

De acordo com o ensino de Chironi, a culpa por definição é o desrespeito a


um dever pré-existente, não havendo propriamente a intenção de violar o dever

18
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil —
responsabilidade civil. vol 3.10. ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. p. 65
19
Ibidem, p. 75.
20
Ibidem, p. 77.
18

jurídico.21 Ou seja, “na culpa a vontade não vai além da ação ou omissão. O agente
quer a conduta, não, porém, o resultado; quer a causa, mas não quer o efeito”. 22

Destaca-se, ainda, que a culpa relaciona-se com os seguintes elementos: a)


imprudência: falta de cuidado mais ação (art. 186 do CC); b) negligência: falta de
cuidado mais omissão (art. 186 do CC); e c) imperícia: falta de qualificação ou
treinamento para realizar determinada função (art. 951 do CC).

Sobre o tema, vale destacar a observação do professor Flavio Tartuce, in


verbis:

Pertinente, mais uma vez deixar claro que para o Direito Civil não
importa se o autor agiu com dolo ou culpa, sendo a consequência
inicial a mesma, qual seja, a imputação do dever de reparação do
dano ou indenização dos prejuízos. Todavia, os critérios para a
fixação da indenização são diferentes, eis que os arts. 944 e 945 da
atual codificação consagram a chamada redução equitativa da
indenização.23

Assim, verifica-se que para a Responsabilidade Civil não se leva em conta


se o causador do dano agiu ou não com dolo. No entanto, a culpa será considerada
no momento da fixação de indenização proporcional a ela.

2.2.3 Dano

No ensino de Agostinho Alvim:

“(...) dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem


jurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é,
para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das
relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Aprecia-
se o dano tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. Logo, a
matéria do dano prende-se à da indenização, de modo que só
interessa o estudo do dano indenizável”.24

Significa dizer que o conceito de dano envolve a ideia de prejuízo,


socialmente relevante, a um bem jurídico, sendo que no seu sentido stricto senso

21
CHIRONI, G. P. La colpa net diritto civile odiemo: colpa contratualle. 2 ed. Torino: Fatelli Bocca,
1925. p. 5.
22
CAVAUERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil.6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
p.59.
23
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método. 2011, p. 415.
24
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. Rio de Janeiro:
Ed. Jurídica e Universitária. 1965, p. 171-172.
19

leva-se em conta toda ofensa ao patrimônio do ofendido que lhe cause redução ou
prejuízo financeiro.

O dano se divide em duas categorias: a) patrimoniais (danos materiais) e b)


extrapatrimoniais (danos morais).

No que tange ao dano material, importa destacar que, do ponto de vista civil-
constitucional, caracteriza-se por lesão ao direito de propriedade (art. 5º, caput, da
CF/88). De acordo com o art. 402 do Código Civil, “salvo as exceções
expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem,
além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Dessa forma depreende-se que o dano material possui duas projeções: a)


do passado para o presente (dano emergente); e b) do presente para o futuro (lucro
cessante). Essencialmente, a diferença entre dano emergente e lucro cessante
reside na forma de arbitramento do dano. Enquanto o lucro cessante deve ser
apurado de forma razoável, a apuração do dano emergente deve ocorrer de maneira
efetiva.

A respeito do dano moral, do ponto de vista civil-constitucional significa uma


lesão à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88). Segundo o Código Civil
de 2002, o Dano Moral representa uma lesão aos direitos da personalidade da
vítima (art. 12 do CC).

Vale ressaltar que o arbitramento do dano moral tem como objetivo


determinar um valor para compensar a vítima do prejuízo sofrido. Tal compensação
atua sobre os efeitos do dano e funciona como instrumento para mitigar ou reduzir
as sensações desagradáveis que a conduta ilícita traz ao ofendido.

2.2.4 Nexo de Causalidade

É uma relação lógico-jurídica entre a conduta do agente e o dano


experimentado pela vítima, ou seja, o elemento de ligação entre a conduta e o dano.
20

No ensino de Demogue apud Carlos Roberto Gonçalves, é a “(...) relação


necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. É necessário que se torne
absolutamente certo que, sem esse fato, o prejuízo não poderia ter lugar”. 25

Em outras palavras, pode-se dizer que o nexo de causalidade é o elo entre a


conduta do agente causador do dano e o resultado provocado por ele.

2.3 Classificações da Responsabilidade Civil

2.3.1 Responsabilidade Civil subjetiva e objetiva

Quanto à culpa, importa destacar que para a doutrina clássica a


Responsabilidade Civil pode ser subjetiva ou objetiva.

A primeira (subjetiva) é aquela decorrente de um ato doloso ou culposo. Ou


seja, o dever de reparar o dano advém da prática de uma conduta ilícita (art. 186 do
CC), a qual deve ser comprovada a existência. Já em relação à responsabilidade
objetiva, não se tem como necessária a caracterização da culpa, por ser
juridicamente irrelevante. Tal responsabilidade tem como fundamento o próprio risco
da atividade exercida pelo agente (art. 927 CC).

2.3.2 Responsabilidade Civil contratual e extracontratual ou aquiliana

Vale dizer que, a depender da natureza jurídica da norma jurídica violada


pelo agente, a Responsabilidade Civil pode se classificar em contratual ou
extracontratual (aquiliana).

No caso de acontecer uma violação direta a uma norma legal, ter-se-á uma
responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (artigos 186 a 188 e 927ss do
CC).

De outro giro, se houver a violação de norma contratual, anteriormente


pactuada entre as partes, ou seja, no caso de um inadimplemento da obrigação
prevista num negócio jurídico avençado entre os pactuantes, a responsabilidade civil
será contratual (artigos 389 e ss. e 395 e ss. do CC).

25
DEMOGUE apud GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, vol. 4: responsabilidade
civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 303.
21

2.4 A Responsabilidade Civil do Estado

De acordo com José Marcos Rodrigues Vieira apud Cesar Fiusa, a


responsabilidade civil do Estado “é a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de
compor o dano causado a terceiros, por agentes públicos ou prestadores de serviços
públicos, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las”. 26

É o dever que a administração possui de reparar os prejuízos ocasionados


por seus agentes ou por aqueles que atuaram em nome do estado.

2.5 A Evolução da Responsabilidade Civil do Estado

De maneira geral, através dos tempos foram adotadas três teorias a respeito
da responsabilidade civil do Estado, a saber: a) teoria da irresponsabilidade civil; b)
teoria da responsabilidade subjetiva; e c) teoria da responsabilidade objetiva.

2.5.1 Teoria da irresponsabilidade civil

Surgida na metade do século XIX, pautando-se na regra inglesa da


“infalibilidade real”, adotava-se a teoria da irresponsabilidade civil do Estado, na qual
este era isento de qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus
agentes.

O Rei e o Estado estavam praticamente interligados, sendo que o soberano


era considerado como “ligado” a figura de Deus. Dessa forma, como o rei não
poderia fazer nada de errado (the king can do no wrong), ou seja, como o monarca
não cometia erros por estar debaixo da vontade de Deus, a irresponsabilidade
estatal predominou sobre os Estados absolutistas.

Sobre o tema, importante destacar que, segundo o ensino de Cesar Fiuza,


em seu curso de Direito Civil, a teoria da irresponsabilidade civil do Estado só veio
começar a desaparecer na primeira metade do século XX, sendo no ano de 1946 na
Inglaterra e em 1947 nos Estados Unidos, países então considerados como o “berço
da democracia moderna”27.

26
VIEIRA, José Marcos Rodrigues apud FIUSA, Cesar. Direito civil – curso completo. 2. ed. rev.
Atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1999. p. 1391.
27
FIUSA, Cesar. Direito civil – curso completo. 2. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del
Rey, 1999. p. 1392.
22

2.5.2 Teoria da responsabilidade subjetiva

Em seguida, veio a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, na qual a


administração só responderia mediante a demonstração da vítima da existência do
elemento culpa. Sobre o tema, importa destacar o ensino de Cristiano Chaves de
Faria, in verbis:

Alteradas as diretrizes políticas, surge a doutrina da responsabilidade


estatal no caso de ação culposa de seu agente, inaugurando uma
fase privatista ou civilista na compreensão da responsabilidade do
Estado, impondo-se à vítima a comprovação da culpa ou dolo do
agente público pelo dano causado.28

No entanto, a referida teoria veio, aos poucos, perdendo seu espaço pelo
fato de não se ajustar adequadamente na relação entre o cidadão comum e a
administração, principalmente diante da supremacia estatal em relação ao particular.

2.5.3 Teoria da responsabilidade objetiva

Em contraponto a teoria da responsabilidade subjetiva, surgiu a teoria da


responsabilidade objetiva do Estado, na qual não se considera mais o elemento da
culpa.

De acordo com o ensino de Cristiano Chaves de Faria:

A evolução da sociedade e o aumento populacional, a dinâmica das


atividades do Estado, a natural complexidade na prestação do
serviço público e a utilização de modernas tecnologias pelo Poder
Público, no entanto, reclamavam um tratamento jurídico mais
consentâneo e atual. Não era crível pudesse a responsabilidade
estatal estar submetida ao elemento anímico (a culpa), o que
impunha considerável dificuldade ao ofendido para reclamar seus
direitos.29

É sem dúvida alguma a que melhor se adapta à relação


Administração/Cidadão, em razão de todos os privilégios que detém a administração
em relação ao particular. Importante destacar que, no Brasil, a teoria da
irresponsabilidade subjetiva vigorou até a Constituição de 1946, quando passou a se
adotar a teoria objetiva.

28
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris. 2011, p. 463-464.
29
Ibidem, p. 464.
23

Cabe frisar que a teoria da responsabilidade objetiva da administração


pública tem como fundamento a teoria do risco administrativo. A respeito do assunto,
cumpre demonstrar a lição de Cesar Fiusa, in verbis:

A aplicação da teoria objetiva se baseia na teoria do risco


administrativo.Tal teoria pressupõe risco que a atividade pública gera
para os administrados a possibilidade de acarretar danos a certos
membros da comunidade, não suportados pelos demais. Ou seja, no
desempenho de uma atividade que em principio será benéfica a toda
a comunidade, o Estado causa danos a determinada pessoa. Não
seria justo que apenas ela suportasse o dano, sendo que todos se
beneficiarão. Para compensar, pois, esta desigualdade individual,
criada pela própria atividade pública, todos os membros da
coletividade devem concorrer para a reparação do dano, via erário
público.30

Assim, de acordo com o aludido autor, quando a atividade exercida pelo


Estado vier a causar um dano a certo indivíduo, com a finalidade de se gerar
benefício para todos os demais membros sociedade, estes mesmos beneficiados
devem contribuir no ressarcimento de tal prejuízo ocasionado por meio da
administração pública.

30
FIUSA, Cesar. Direito civil – curso completo. 2. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del
Rey, 1999. p. 1393.
24

CAPÍTULO 3 – A RESPONSABILIDADE CIVIL SEM DANO DO


ESTADO

3.1 A Teoria da Sociedade de Risco

Por essa teoria, criada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, o grande
desenvolvimento tecnológico experimentado após a revolução industrial levou a
sociedade para um novo patamar paradoxal. Isso porque ao mesmo tempo em que
tais avanços científicos trouxeram melhor qualidade de vida para a humanidade,
ocasionaram também, como consequência, grandes perigos e riscos desconhecidos
à saúde humana e ao meio ambiente, os quais quando descobertos normalmente
tendem a ser irreversíveis.

Nesse novo contexto, o homem não tem de conviver apenas com o risco dos
fenômenos naturais como terremotos, chuvas torrenciais, maremotos, erupção de
vulcões etc., mas também com o risco produzido pelo avanço científico e tecnológico
como, por exemplo, possíveis danos à saúde ocasionados pela de radiação emitida
pelas torres de transmissão de celular. Ou seja, as inovações científicas e
tecnológicas que trouxeram modernidade e conforto para o ser humano podem
também vir a lhe ocasionar grandes males de graves proporções.

De acordo com Beck, essa nova sociedade possui cinco características


peculiares que a identificam. A primeira delas diz respeito aos danos irreversíveis,
normalmente invisíveis, que os riscos da atual sociedade moderna causam à
humanidade. Tais riscos estão ligados às tomadas de decisões levadas a efeito pelo
homem, as quais levam a incerteza dos resultados capazes de ocasionar danos
inevitáveis à saúde e ao meio ambiente.

O segundo aspecto trata do efeito bumerangue dos riscos 31. Significa dizer
que, cedo ou tarde, aqueles que foram os responsáveis pela produção dos riscos ou

31
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad.: Jorge Navarro, et al.
Barcelona: Paidós, 2006, p. 34.
25

deles tiraram o seu proveito, em grau maior ou menor, certamente por eles serão
afetados, independente de seu “status” ou da sua classe social.

A terceira característica é a de que o crescimento dos riscos não obsta a


política capitalista. Ou seja, por natureza, o capitalismo se expande no local em que
os homens necessitam de algo. Ocorre que são exatamente os riscos que propiciam
as circunstâncias favoráveis para a produção infinita das necessidades, o que
proporciona o seu desenvolvimento32.

A quarta peculiaridade é a importância do conhecimento. Para Beck, o


conhecimento define aquilo que se é. A falta de tempo, imposta pela rotina diária,
nos faz delegar a terceiros que detém o conhecimento técnico o discernimento
quanto aos riscos que podemos correr nas suas mais variadas formas (alimentos,
saúde, economia, etc.), de maneira que todos estariam a mercê daqueles que
possuem tais conhecimentos, ou seja, conhecimento é poder.

Por último, a quinta característica da sociedade de risco é a sua definição


política a respeito do risco. Por essa característica, verifica-se que a noção de risco
tem como primeira preocupação as suas consequências secundárias, tais como as
demandas judiciais dele decorrentes, além de suas consequências econômicas e
políticas, deixando-se de lado os efeitos e as consequências, muitas vezes
irreversíveis, ocasionados ao meio ambiente e à saúde do homem 33.

Segundo Beck, com o surgimento da sociedade de risco houve também a


aparição do fenômeno denominado “fim da natureza”. De acordo com tal fenômeno,
entende-se que todas as coisas ou pelo menos quase todas já sofreram a influência
do homem, de forma que hoje a sociedade vive de maneira inevitável as
consequências de tais intervenções.

Assim, verifica-se que nos dias atuais, diante da enorme evolução


tecnológica que se deu através dos tempos, os riscos ultrapassaram as questões
climáticas ou aquelas decorrentes do próprio ofício dos homens, indo além das
fronteiras estatais, passando a se globalizar, o que traz a necessidade de se

32
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad.: Jorge Navarro, et al.
Barcelona:Paidós, 2006, p. 34-35.
33
Ibidem, p. 35-36.
26

repensar em novos paradigmas no âmbito do Direito, mormente no que tange a um


conceito moderno e mais abrangente da Responsabilidade Civil.

3.2 O Princípio da Precaução

Diante da sociedade de risco hodierna, em contrapartida, surge o Princípio


da Precaução. Ligado às questões do meio ambiente, tal princípio teve sua primeira
aparição em 1985, no preâmbulo da Convenção de Viena para a Proteção da
Camada de Ozônio, promulgado no Brasil em 1990, por meio do Decreto Nº 99.280,
de 6 de junho de 1990.:

Preâmbulo
As Partes à presente Convenção,
Cientes do impacto potencialmente prejudicial à saúde humana e ao
meio ambiente decorrente de modificações na cama de ozônio;
Recordando os dispositivos pertinentes da Declaração da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, e
em particular o princípio 21, o qual dispõe que " Os Estados, de
acordo com a Carta das Nações Unidas e os princípios do direito
internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios
recursos, nos termos de suas próprias políticas ambientais, e a
responsabilidade de assegurar que atividades dentro da área de sua
jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros
Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional";
Tomando em consideração as circunstâncias e necessidades
peculiares dos países em desenvolvimento;
Conhecedores do trabalho e dos estudos ora sendo levados a efeito
por organizações tanto internacionais quanto nacionais, e
particularmente do Plano de Ação Mundial sobre a Camada de
Ozônio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente;
Igualmente conhecedores das medidas cautelatórias para a proteção
da camada de ozônio que já têm sido tomadas nos âmbitos nacional
e internacional;
Cientes de que quaisquer medidas destinadas a proteger a camada
de ozônio de modificações devidas a atividades humanas requerem
cooperação e ação internacional, e devem ser baseadas em
considerações cientificas e técnicas pertinentes;
Cientes também da necessidade de pesquisas mais extensas e de
observações sistemáticas, a fim de dar prosseguimento ao
desenvolvimento do conhecimento cientifico sobre a camada de
ozônio e dos possíveis efeitos adversos que resultem de sua
modificação, e
Decididos a proteger a saúde humana e o meio ambiente contra
efeitos adversos que resultem de modificações da camada de
ozônio,
Convieram no seguinte: (...)34
34
BRASIL. DECRETO No 99.280, DE 6 DE JUNHO DE 1990. Promulgação da Convenção de Viena
para a Proteção da Camada de Ozônio e do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem
a Camada de Ozônio. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-
1994/D99280.htm>. Acesso em 19/09/2015.
27

Quase dez anos depois, foi explicitado em 1992 na Declaração do Rio sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, nos seguintes termos:

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução


deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com
suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou
irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será
utilizada como razão para o adiamento de medidas
economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental35. (Grifamos).

Como se pode verificar, já naquele momento havia uma preocupação dos


Estados em se valer de todos os meios possíveis, ainda que não completamente
testados, para a prevenção dos possíveis danos ao meio ambiente.

Importa destacar, ainda, que, segundo Solange Teles da Silva 36, o princípio
da precaução se encontra de maneira implícita no art. 225 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 198837:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações. (Grifamos).

Vale também dizer que para alguns doutrinadores, a exemplo de Cristiane


Derani, o princípio da precaução traz dentro de si uma conotação de cuidado. De
acordo com seu ensino:

O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento


de perigo e segurança das gerações futuras, como também de
sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é
a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela
proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade
da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar
não só o risco eminente de uma determinada atividade, como
também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos
humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de

35
ONU. Declaração do rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. Disponível em:
http://onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf. Acesso em 12/09/2015.
36
SILVA, Solange Teles da.Princípio da precaução: uma nova postura em face dos riscos e
incertezas científicas. In VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (Org.). Princípio da
precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 77.
37
BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 12/09/2015.
28

desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda


densidade.38

Dessa forma, conclui-se que o principal objetivo do princípio da precaução é a


busca de um desenvolvimento sustentável, no sentido de que as atividades
praticadas homem não venham a lhe causar danos irreparáveis no futuro.

Destaca-se, ainda, a doutrina de Tereza Ancona Lopez, no sentido de que o


referido princípio “deve ser aplicado nos casos de riscos hipotéticos, abstratos, e que
possam levar aos chamados danos graves e irreversíveis” 39. Assim, todas as vezes
que se estiver diante de uma atividade, cujos riscos apontem para prejuízos
irreversíveis e de grande escala, deve necessariamente haver a aplicação do valioso
princípio da precaução.

Para a referida autora, o princípio da precaução juntamente com o princípio


da prevenção (o qual é aplicado nos casos em que o risco de dano é concreto e
real), sob a ótica da Responsabilidade Civil, se manifesta na atitude de antecipação
de riscos graves e irreversíveis40.

Destarte, percebe-se que o principal escopo do princípio da precaução é o de,


tão logo se perceba em certa atividade o risco ou a possibilidade de um dano
irreparável, atuar antes que determinadas condutas praticadas pelo homem possam
levar a consequências desastrosas, as quais muitas vezes não podem sequer ser
mensuradas, tampouco reparadas.

3.3 O papel da Responsabilidade Civil no século XXI

Lopes afirma que atualmente a Responsabilidade Civil do século XXI possui


três funções principais: a) compensatória; b) dissuasória; e c) preventiva em sentido
lato41.

38
DERANI, Cristiane. Prefácio. In: Transgênicos no Brasil e Biossegurança / Cristiane Derani
(Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005, p. 167.
39
LOPEZ, Tereza Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco. p. 1226. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67932/70540>. Acesso em 10/09/2015.
40
Ibidem, p.1230.
41
.Ibidem.
29

A função compensatória é a principal. Tem como base o princípio da


reparação integral do dano sofrido. Deve haver a reparação como forma de
compensação pelo prejuízo ocasionado pelo agente causador do dano.

A função dissuasória é notada por meio das elevadas indenizações impostas


em desfavor do agente. Tem como seu fundamento a prevenção, com caráter de
pena privada, um meio de desestímulo aos que pretendem praticar futura conduta
ilícita.

Já a função preventiva em sentido lato é aquela que abrange os princípios da


prevenção e da precaução, por meio da qual se busca a antecipação das perdas e
danos.

Dessa forma, tem-se a origem da Responsabilidade Preventiva, a qual deve


caminhar lado a lado com a Responsabilidade Reparadora ou clássica, sendo que
uma não excluí a função da outra. Ao contrário, vale destacar que ambas são
importantes, pois caso não se consiga evitar a ocorrência do dano, este deverá ser
reparado de forma integral por seu agente.

Assim, conclui-se que, diante da atual sociedade de risco, o instituto da


Responsabilidade Civil precisou se aprimorar, trazendo para si os princípios da
prevenção e da precaução, além daqueles já tradicionais, não havendo, contudo, a
perda da importância da culpa ou do risco, sendo que tanto a responsabilidade
preventiva como a reparadora devem andar unidas completando-se em seus
propósitos.

3.4 A aplicação e execução do princípio da precaução: a Responsabilidade


sem dano.

Hoje em dia, no âmbito público, pode-se perceber a aplicação da


Responsabilidade Civil para os casos de ameaças ou riscos de danos graves e
irreversíveis, por meio das sanções administrativas de órgãos fiscalizatórios como
ANVISA, IBAMA, ANAC, entre outros.
30

No entanto, como proceder para os casos de responsabilidade sem dano,


sendo que o instituto da Responsabilidade Civil cuida exatamente da reparação do
dano, não havendo falar, portanto, em reparação na sua ausência?

Diante de tal problema, Tereza Ancona Lopez traz a seguinte solução:

Para equacionar esse problema, é preciso separar os conceitos de


responsabilidade e indenização, porquanto são noções distintas. A
noção de responsabilidade viu seu campo expandido com o
aparecimento da “sociedade de risco” e, neste momento, é somente
a teoria da responsabilidade civil que poderá definir “novos riscos”
causadores do também novo tipo de dano, aquele muito grave e
irreversível.
Será possível caracterizar como dano (prejuízo) a ameaça ou risco
de “danos graves e irreversíveis”? Existiria o “dano de risco”?
Pensamos que é possível na teoria e na prática. Ainda nos
socorrendo do direito à saúde, (...) poderíamos colocar a hipótese de
uma ação civil pública contra o Município do Rio de Janeiro, em
nome de toda a população carioca (não somente os contaminados),
pelo risco de adquirir dengue por falta de precaução da prefeitura do
Rio de Janeiro. O dano aqui é o risco. (Grifos originais).42

Como se vê, a saída apontada por Lopez compreende basicamente a


distinção entre os conceitos de responsabilidade e indenização, porquanto aquela se
viu expandir com o advento da sociedade de risco. Nessa nova sociedade, tem-se o
risco como um novo tipo de dano, capaz inclusive de gerar ações judiciais em
desfavor da administração pública pela ausência de precaução para com a saúde.

No entanto, antes de tudo, deve-se levar em conta o princípio da precaução, o


qual irá gerenciar os riscos por meio das informações, evitando dessa forma o uso
de tutelas desnecessárias. Além disso, segundo Lopes:

(...) o princípio da precaução é, desde já e para o futuro, um dos


princípios da responsabilidade civil. Os princípios da prevenção e da
precaução fazem parte da ‘responsabilidade civil preventiva’, que
emerge da sociedade de risco e que não se choca com o tema da
responsabilidade civil, porquanto tem o mesmo fundamento da
responsabilidade civil ressarcitória, qual seja, alterum non laedere.43

Assim, percebe-se que na era da sociedade de risco necessária se faz a


evolução do instituto da responsabilidade civil, a fim de poder abarcar situações
preventivas (responsabilidade civil preventiva), não havendo colisão com a
42
LOPEZ, Tereza Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco.p. 1226. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67932/70540>. Acesso em 10/09/2015.
43
LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e responsabilidade civil. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 141.
31

conhecida responsabilidade civil ressarcitória ou reparadora, pelo fato de ambas


almejarem o mesmo resultado, a “ausência do dano”.

3.5 A tutela inibitória e de remoção de ilícito

A fim de poder compreender a possibilidade de aplicação de outra tutela


processual além da ressarcitória, para os casos de responsabilidade civil sem dano,
é mister compreender antes a diferenciação entre a figura do dano e do ilícito.

Enquanto o dano se caracteriza por ser “uma lesão intolerável a determinado


interesse jurídico”44 o “ilícito consiste na violação pura e simples a uma norma,
independentemente de voluntariedade e de culpabilidade do agente ou da
configuração de um dano”45.

Ainda, a respeito do ato ilícito, pode-se afirmar, em linhas gerais, que seria
“toda a manifestação de vontade contrária à ordem jurídica, por isso dizer-se ser o
ilícito a contrariedade entre a conduta e a norma jurídica”. 46

Dessa forma, pode se perceber que muito embora quando não houver
prevenção do ilícito esse possa dar ensejo a um dano, nem todo ilícito ocasionará
um dano. Verifica-se assim que o ilícito pode ou não ter o dano como eventual
consequência.

Diante disso, tem-se que as tutelas preventivas não podem ser consideradas
como instrumentos de proteção contra a probabilidade do dano, mas sim como meio
de se impedir a ameaça da prática, repetição ou continuação do ilícito ou, ainda,
para a sua remoção47.

Assim, compreende-se que a tutela ressarcitória não é o único meio


adequado para lidar com a figura do ilícito, pois além dela existe a possibilidade de
se utilizar outro tipo de tutela preventiva a qual se volta não contra o dano, mas sim

44
BAHIA, Carolina Medeiros e MAIA, Fabio Fernandes. Noção jurídica de risco ao meio ambiente e
sua proteção no sistema brasileiro de responsabilidade civil ambiental. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=50a63cdde9cb2a15>. Acesso em: 30/07/2015.
45
Ibidem.
46
BARROS, Ana Lúcia Porto de et al. O novo código civil comentado – livro II – do direito das
obrigações .v II – Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 684.
47
Ibidem.
32

contra a violação do direito (ilícito). Nesse contexto, surge, enfim, o instituto da tutela
inibitória e de remoção de ilícito.

A respeito da tutela inibitória, de acordo com a definição dada por Adela Segui
apud Carolina Medeiros Bahia48:

A tutela inibitória é uma forma diferente de tutela frente ao ilícito, que


apresenta princípios e mecanismos próprios. Trata-se de uma ação
preventiva genérica que tem como escopo evitar que um ilícito seja
praticado, prolongue-se no tempo ou seja reiterado.

Denota-se, portanto, que, ao contrário da tutela ressarcitória, que tem como


fundamento a reparação patrimonial e individualista, a ação inibitória está
relacionada aos direitos extrapatrimoniais e às normas que regulam as condutas
adequadas para o desenvolvimento social.49

Sua única condição é a proximidade de ameaça de uma atividade ilícita, sem


que haja o interesse na possibilidade de que venha a ocorrer o dano ou com a
culpabilidade do ofensor. Essa forma de tutela não está relacionada às
consequências da conduta ilícita, danosas ou não, voltando-se apenas contra a
ameaça de repetição, de continuação ou de ocorrência do ilícito, sendo que sua
principal preocupação não está vinculada ao efeito da violação do direito, mas sim
com a garantia de efetividade da norma.50

Quanto a sua importância para a humanidade, vale destacar o ensino de


João Calvão da Silva, in verbis:

A tutela inibitória é a mais idónea das tutelas no domínio dos direitos


da personalidade, por prevenir agressões ilícitas emergentes do
progresso técnico e tecnológico, especialmente das novas e
sofisticadas tecnologias informáticas e publicitárias, domínio em que
a importância e a natureza pessoal e extrapatrimonial dos valores em
presença tornam insuficiente e inadequada a tutela ressarcidora.
Tutela inibitória cuja actuação a sanção pecuniária compulsória pode
incentivar, pela pressão que exerce sobre o autor da ofensa ou da
ameaça, o que atesta bem a importância, no direito moderno, esta
técnica compulsória na defesa da pessoa humana.51

48
BAHIA, Carolina Medeiros e MAIA, Fabio Fernandes. Noção jurídica de risco ao meio ambiente e
sua proteção no sistema brasileiro de responsabilidade civil ambiental. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=50a63cdde9cb2a15>. Acesso em: 30/07/2015.
49
Ibidem.
50
Ibidem.
51
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. 2ª ed. Coimbra:
Coimbra, 1995, p. 469
33

No que tange a sua viabilidade processual, ensina Luiz Guilherme


MARINONI:

Não há dúvida de que o direito de acesso à justiça, assegurado por


nossa Constituição Federal (art. 5º, XXXV), garante o direito à
adequada tutela jurisdicional e, assim, o direito à técnica processual
capaz de viabilizar o exercício do direito à tutela inibitória. É possível
afirmar até mesmo que a inserção da locução ‘ameaça a direito’ na
verbalização do princípio da inafastabilidade (art. 5º, XXXV) teve por
fim garantir a possibilidade de qualquer cidadão solicitar a tutela
inibitória.52

Já em relação à remoção de ilícito, pode-se dizer que a referida tutela atua


na repressão do ilícito, ou seja, atua sempre no momento posterior à violação da
norma (regra ou princípio), além de procurar evitar a ocorrência do dano 53.

De acordo com Luciane Gonçalves Tessler, ao contrário da tutela inibitória, a


tutela de remoção de ilícito requer dois pressupostos, sendo um positivo e outro
negativo. Enquanto o primeiro diz respeito à comprovação da prática do ato ilícito, o
último exige que o dano ainda não tenha ocorrido. Dessa forma, segundo a autora, o
seu uso só faz sentido, quando houver a possibilidade de, removendo o ilícito, se
evitar a ocorrência do dano.54

Vale ressaltar, ainda, que, apesar de serem parecidas, ambas as tutelas


possuem aspectos e funções distintas, pois “enquanto a tutela inibitória impede a
ocorrência ou a continuidade do ilícito, a tutela de remoção do ilícito pretende
combater os efeitos continuados do ilícito”. 55

O alicerce constitucional da ação inibitória e de remoção de ilícito está


firmado no art. 5º, XXXV da CRFB/88, que preconiza que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

No que concerne a fonte normativo-processual, verifica-se que o devido


amparo encontra-se no art. 461 do Código de Processo Civil, que tem como
correspondente no novo código processual de 2015 o art. 497, verbis:

52
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 81-
82.
53
TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de
remoção, tutela do ressarcimento na forma especifica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004
(Coleção Temas atuais de Direito Processual Civil; 9), p. 243.
54
Ibidem.
55
BAHIA, Carolina Medeiros e MAIA, Fabio Fernandes. Op. cit.
34

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de


não fazer, o juiz, se procedente o pedido, conceberá a tutela
específica ou determinará providências que assegurem a obtenção
de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada
a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou
a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência do
dano ou da existência da culpa ou dolo. (Grifamos).56

Sob o prisma dos processos coletivos, as ações preventivas têm o seu


amparo esculpido nos artigos 11 da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública),
bem como no art. 84 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). 57

Quanto ao Direito Ambiental as duas formas de tutela supracitadas (inibitória


e de remoção de ilícito) estão ancoradas no caput do artigo 225 da CRFB/1988, bem
como nos incisos IV, V e VII do § 1º do mesmo artigo, que atribui ao Estado o dever
de controlar o risco ambiental.58

Por último, destaca-se o valioso ensino de Thiago Vieira de Sousa Duarte, a


respeito do uso da Ação Civil Pública nos casos de responsabilidade civil por danos
ambientais coletivos, in verbis:

Assim, a ação civil pública, tida como instrumento processual para a


imposição da responsabilização civil em casos de danos ambientais
coletivos, prevê a possibilidade de imposição de obrigações de fazer
ou não fazer (medidas preventivas) a um determinado agente mesmo
antes da efetivação do dano ambiental, desde que existente risco
ambiental intolerável. Dessa forma, o dano ambiental futuro consiste
em todos aqueles riscos ambientais que, por sua intolerabilidade, são
considerados como ilícito, justificando a imposição de medidas
preventivas (sanção civil).59

Ou seja, a fim de se evitar que ocorram danos irreparáveis, diante de


incertezas a respeito das prováveis consequências, deve se agregar ao direito
ambiental essa nova modalidade de responsabilização civil, pois, de acordo com
Duarte, “é melhor errar em favor da proteção ambiental, ao invés de correr sérios
riscos ambientais por falta de precaução pelos agentes do Estado”. 60
56
DIDIER JR., Fredie e PEIXOTO, Ravi. Novo código de processo civil: comparativo com o
código de 1973. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 710.
57
BAHIA, Carolina Medeiros e MAIA, Fabio Fernandes. Op. cit.
58
Ibidem.
59
DUARTE, Thiago Vieira de Sousa. A responsabilização civil do dano ambiental futuro.
Disponível em < http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1017>. Acesso em:
07/09/2015.
60
DUARTE, Thiago Vieira de Sousa. A responsabilização civil do dano ambiental futuro.
Disponível em < http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1017>. Acesso em:
35

Duarte assevera ainda que diante das incertezas ocasionadas pela


sociedade de risco, a ideia de responsabilidade civil sem dano deve ser explorada
sob o aspecto preventivo da responsabilidade civil, agindo por meio de avaliações
sobre eventuais conseqüências ambientais futuras, bem como também por meio de
obrigações de fazer e não fazer.61

Dessa forma, a responsabilidade virá não apenas no formato indenizatório,


mas também obrigacional, não se esperando a ocorrência do dano para que
posteriormente se busque a reparação. A responsabilidade irá se materializar por
meio de obrigações de fazer ou não fazer, diante da realização de um estudo de
impacto ambiental ou em razão da possibilidade de dano por ocasião de uma
determinada incerteza científica sobre o assunto. 62

3.6 Decisões judiciais fundamentadas no princípio da precaução

Importa ressaltar que, segundo o ensino de Paulo de Bessa Antunes, de um


modo geral, os tribunais brasileiros têm enxergado o dano ambiental de maneira um
tanto restritiva, atrelada sempre à ideia do dano atual e concreto:

Os Tribunais brasileiros têm tido uma compreensão extremamente


restritiva do conceito de dano ambiental e, por consequência, do bem
jurídico meio ambiente. Em geral, eles têm adotado uma postura que
exige o dano real e não apenas o dano potencial. Parece-me que
não tem sido aplicado e observado o princípio da cautela em matéria
ambiental que, como se sabe, é um dos princípios do Direito
Ambiental. Ao exigirem que o autor faça prova do dano real, os
Tribunais, de fato, impõem todo o ônus da prova judicial para os
autores, enfraquecendo a responsabilidade objetiva do poluidor.
Ademais, é importante que se observe que o Direito Ambiental
exerce a sua função protetora, também em relação às futuras
gerações, resultado do conceito de equidade intergeracional que é
um de seus principais aspectos. Ora, o dano futuro, muitas vezes,
não pode ser provado de plano, vindo a materializar-se, somente,
com o decorrer do tempo.63

A fim de exemplificar, transcreve-se a seguir o seguinte excerto jurisprudencial


da 6ª Turma Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios:

07/09/2015.
61
Ibidem.
62
Ibidem.
63
ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lumen
Juris. 2002, p. 169.
36

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL E MINERÁRIO.


RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. SUSPENSÃO DO
DIREITO DE LAVRA DE MINA DE AREIA QUARTZÍTICA. DANO
AMBIENTAL NÃO COMPROVADO. HONORÁRIOS.
O dano ambiental pode refletir sobre a esfera de direitos subjetivos
individuais (dano ambiental individual), autorizando o lesado a
ingressar em juízo para pedir a reparação do dano, ou então sobre o
meio ambiente propriamente (dano ambiental coletivo), quando o
bem jurídico atingido é transindividual, difuso, devendo ser tutelado
pelas ações coletivas através dos legitimados pela ordem jurídica.
O nosso ordenamento jurídico consagrou a tese da
responsabilidade civil objetiva do poluidor por conta da
degradação ambiental, sendo elementos dessa responsabilidade
a prova da conduta do poluidor, do dano ambiental e do nexo
causal entre eles (art. art. 225, § 3º, da CF/88, e art. 14, § 1º, da
Lei n. 6.938/1981), podendo o prejudicado pleitear indenização e
medidas inibitórias quando comprovar os seus elementos, o que
não ocorreu no caso.
A atividade mineradora é, por essência, prejudicial ao meio ambiente
(art. 225, §2º, CF/88). Mas se explorada em conformidade com os
diversos instrumentos legais de proteção, projeção dos impactos,
limitações, restrições previstas pelos órgãos públicos competentes,
através do licenciamento ambiental, do estudo de impacto ambiental,
da observância às normas do zoneamento ambiental, dentre outros,
a atividade é lícita.
O pedido de suspensão do direito de lavra da mina de areia sem
razões fortes e sem autorização do Departamento Nacional de
Pesquisa e Mineração (INPM), pode implicar, em últimas
conseqüências, a caducidade do título, impondo um prejuízo
insuperável ao direito do minerador de explorar o recurso, direito
garantido pela Constituição e pela legislação.
(...).
Apelos conhecidos e não providos.
(Acórdão n. 835280, 20100110120978APC, Relator: HECTOR
VALVERDE SANTANNA, Revisor: JAIR SOARES, 6ª Turma Cível,
Data de Julgamento: 26/11/2014, Publicado no DJE: 02/12/2014.
Pág.: 403). (Grifamos).

Sobre o tema, insta destacar a crítica do Ministro aposentado Ruy Rosado, in


verbis:

É preciso repensar o instituto da responsabilidade civil em termos


sociais, em que assume especial relevo, pela sua singularidade em
relação ao que existe na concepção clássica, o princípio da
precaução. Se disserem que nossa experiência no Tribunal é
escassa, concordarei; se afirmarem que muitas das soluções estão
impregnadas de conceitos do velho sistema jurídico do século XIX,
concordarei.64

Todavia, não obstante a necessidade de uma posição mais firme e inovadora


do Poder Judiciário, não se pode negar que, aos poucos, tem-se adotado uma nova
64
AGUIAR, Ruy Rosado de. O Meio Ambiente e a Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. In: Revista de Direito Ambiental, n. 25. ano 7, jan.-mar. 2002, p. 206.
37

postura de se conceder tutelas inibitórias, ancorada no princípio da precaução,


diante da possibilidade, principalmente, da ocorrência de um provável dano
ambiental irreparável.

Nesse sentido, a título de ilustração, observa-se o seguinte excerto


jurisprudencial da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região 65:

Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Dano Ambiental.


Antecipação de Tutela.
1. A ocupação e construção em terras públicas por parte de
particulares e a visível ocorrência de dano ambiental, por si só,
justificam o reconhecimento da verossimilhança do direito
autorizadora da antecipação de tutela concedida na ação civil
pública e afastam, em consequência, a pretensão do agravante de
que seja concedido efeito suspensivo ao agravo de instrumento.
2. A irreversibilidade da medida é relativa, porque no caso de os
atingidos resultarem vencedores na ação, certamente, em
procedimento próprio, serão indenizados. Em se tratando de meio
ambiente, pondo-se em confronto uma relativa irreversibilidade
com o princípio da precaução, esse princípio deve prevalecer.
De mais a mais, não são irreversíveis medidas que possam ser
financeiramente reparadas.
3. Contudo, em se tratando de medida liminar, devem ser
ressalvadas da demolição as casas residenciais, devendo ser
demolidas apenas aquelas construções que não sejam utilizadas
exclusivamente para residência. (Grifamos).

No caso em comento, diante do princípio da precaução, entendeu o aludido


pretório federal que o Estado tem o dever e a obrigação de intervir quando for
possível a percepção de eventual dano ambiental futuro.

Nesse mesmo entendimento, exemplificando um caso de tutela de remoção


de ilícito, fundada no princípio da precaução, importa ainda destacar o teor do
acórdão nº 885893, proferido pela 5ª Turma Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios, veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INCONSTITUCIONALIDADE DO
DECRETO DISTRITAL N. 35.363/14. SUSPENSÃO DOS ATOS
ADMINISTRATIVOS BASEADOS NA NORMA QUESTIONADA.
POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
FUNDAMENTAÇÃO DO JULGADO. COMPROVAÇÃO.

65
BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento n. 77201, Terceira Turma, rel. Juíza Luiza Dias Cassales, publicado no DJU em
30.05.2001.
38

1. Não há se falar em ausência de fundamentação da decisão que


utiliza comparação ilustrativa para demonstrar o perigo da
manutenção dos efeitos da norma impugnada.
2. Correta a aplicação do princípio da precaução a fim de
conceder a antecipação de tutela e evitar que norma com
possibilidade de ser declarada inconstitucional tenha validade e seja
utilizada para autorizar construções irregulares.
(...)
4. Recurso conhecido e desprovido.66 (Grifamos).

A ementa supracitada diz respeito ao julgamento de um Agravo de


Instrumento interposto pelo Governo do Distrito Federal contra decisão que tinha
deferido a antecipação de tutela na Ação Civil Pública, movida pelo Ministério
Público que, entre outras coisas, suspendeu todos os alvarás de construção
concedidos com base no Decreto Distrital n. 35.363/14 e na Portaria n.
30/2014/SEDHAB.

O fundamento para que o referido recurso fosse desprovido foi o fato de a


matéria em questão ser objeto de lei complementar, além dos estudos de impacto
ambiental não terem chegado a conclusões precisas, não se sabendo ao certo quais
as prováveis consequências de futuras construções naquele local, tendo sido,
portanto acertado o uso do princípio da precaução pelo Juízo de primeiro grau
naquele caso, conforme se verifica no seguinte trecho extraído do acórdão:

Analisando detidamente os argumentos trazidos pelas partes,


entendo que a decisão impugnada se encontra devidamente
fundamentada, não procedendo o argumento do agravante de que o
juiz se referiu a área não abrangida pelo Decreto questionado, uma
vez que a utilização de região administrativa diversa das abrangidas
pelo ato normativo serviu apenas para ilustrar a situação ambiental
que passa o Distrito Federal e reforçar a importância do princípio
ambiental da precaução. A questão de fundo posta na ação civil
pública trata da legalidade e dos efeitos do Decreto Distrital n.
35.363/14, que regulamentou a taxa de permeabilidade, dizendo
respeito ao planejamento, controle do uso, parcelamento e ocupação
do solo (artigo 58, IX da LODF), matéria restrita à lei complementar
de iniciativa da Câmara Legislativa, da qual não pode o chefe do
Poder Executivo dispor por meio de decreto. O juiz da causa
entendeu por bem suspender os atos baseados na norma para
impedir a concessão de novas autorizações de construção com base
na legislação discutida, além de suspender a eficácia das já
concedidas, a fim de impedir que norma criada com vício de
competência e de forma possa trazer consequências
desastrosas ao meio ambiente, com a impermeabilização
66
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Agravo de Instrumento n.
20150020141034AGI. Quinta Turma Cível. Rel.: Desembargador SANDOVAL OLIVEIRA. Publicado
no DJE : 12/08/2015 . Pág.: 248.
39

desregrada do solo. Assim, demonstrado o perigo da demora, já


que a continuidade das construções com base no decreto pode
causar sérios riscos ao meio ambiente, e o fumus bonis iuris,
consistente no vício de iniciativa e de forma da norma, correta a
decisão que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional. (Grifamos).

Assim, é possível verificar que, gradativamente, o Poder Judiciário tem


entendido pelo uso das ações inibitórias, fundamentadas, sobretudo, no princípio da
precaução, a fim de se coibir possíveis danos futuros, cujas consequências
poderiam ocasionar prejuízos irreparáveis à sociedade, demonstrando dessa forma
a possibilidade da aplicação da Responsabilidade Civil Preventiva, por meio de suas
tutelas antecipatórias, sem a necessidade da ocorrência do dano, bastando apenas
a existência da possibilidade de um provável prejuízo futuro.

Ressalte-se que, em se tratando de Direito Ambiental, não se pode esperar


que primeiro ocorra o dano para que posteriormente possa se atribuir a
responsabilidade civil ressarcitória ao agente, pois, em muitos casos, o prejuízo
causado ao meio ambiente se torna irreparável.

Diante disso, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, por
meio de uma de suas comissões, estabeleceu o seguinte:

É necessário um novo regime de responsabilidade civil que


estabeleça tanto os danos previsíveis quanto os imprevisíveis, assim
como os danos presentes e futuros.67

Ou seja, deve haver, portanto, uma reformulação no instituto da


responsabilidade civil para que se possa atingir tanto os danos concretos,
previsíveis, como aqueles de ordem abstrata, que têm a probabilidade de vir a
ocorrer no futuro.

Verifica-se, dessa forma, que a Responsabilidade Civil Preventiva se amolda


principalmente no caso de dano ambiental futuro, que, segundo a definição de
Délton Winter Carvalho seria uma:

(...) expectativa de dano de caráter individual ou transindividual ao


meio ambiente. Por se tratar de risco, não há, necessariamente,
dano atual nem necessariamente a certeza científica absoluta de sua

67
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA: La responsabilidad por el dano
ambiental. México: Oficina Regional para a América Latina e Caribe do PNUMA, 1996, p. 671 (série
Documentos sobre Derecho Ambiental, n. 5). p. 664.
40

ocorrência futura, mas tão-somente a probabilidade de dano às


futuras gerações.68

De acordo com Thiago Vieira de Sousa Duarte, em sua brilhante dissertação


de mestrado, para esses casos em que se tenha grande probabilidade de exposição
a perigo futuro ao meio ambiente, “torna-se oportuno a condenação do agente às
medidas preventas necessárias (obrigação de fazer ou não fazer), a fim de evitar
danos ou diminuir as consequências futuras dos danos já verificados”. 69

Duarte ainda afirma que a responsabilização ocorreria pela


institucionalização dos princípios da prevenção e da precaução como pilares, de
forma a evitar a continuidade ou o início de uma atividade potencialmente causadora
de danos, por intermédio de tutelas de obrigação de fazer e não fazer. 70

3.7 A possibilidade de responsabilização civil sem dano do Estado

A exemplo da energia nuclear, é o Estado o responsável por explorar de


maneira exclusiva tal atividade de risco, nos termos do que preconiza o art. 21 da
Constituição Federal de 1988.

Não há dúvidas de sua responsabilidade civil no momento em que o dano


ocasionado por acidente nuclear seja advindo de sua atividade exploradora, por
meio de suas empresas estatais.

Entretanto, a situação não é tão clara a partir do momento no qual o Estado


tem o poder de autorizar e, consequentemente, de fiscalizar tais atividades de risco,
nas quais tenha havido dano às pessoas, por ocasião de contaminação de
substâncias tóxicas.

A situação fica ainda mais complicada diante da incerteza dos resultados


quanto aos prováveis danos decorrentes de uma contaminação radioativa, quando
não se sabe ou não se tem certeza das consequências que dela poderão advir.

68
CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: A responsabilização civil pelo risco
ambiental. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 203.
69
DUARTE, Thiago Vieira de Sousa. A responsabilização civil do dano ambiental futuro.
Disponível em < http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1017>. Acesso em:
07/09/2015.
70
Ibidem.
41

Nesses casos, poderia o Estado ser responsabilizado civilmente, pelo fato


de ser o responsável por delegar e fiscalizar a referida atividade de risco? Ainda,
essa responsabilização poderia ocorrer antes da manifestação das consequências
do ilícito (dano futuro)?

Inicialmente, cumpre destacar que a doutrina não é uníssona quanto à


responsabilização do Estado por omissão. Parte admite ser objetiva, enquanto outra
parte diz ser subjetiva.

No entanto, quando se trata de direito ambiental, inclusive nos casos de


omissão, há um entendimento já consolidado de que a responsabilidade estatal é
objetiva, além de solidária, nos termos do inciso IV do art. 3º da Lei nº 6.938/1981,
pois se considera como sendo “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito
público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental.71

Sobre o aludido tema, importa ressaltar o ensino de Luiz Carlos de Assis


Júnior em sua notável dissertação de Mestrado, in verbis:

O Estado é responsável pelo licenciamento e fiscalização de


atividades que envolvam substâncias perigosas, riscos para o meio
ambiente. Se atua indevidamente no cumprimento desse dever,
permitindo a violação do direito à saúde, portanto, responderá
solidariamente por estes danos.72

Ou seja, diante de sua responsabilidade em fiscalizar as atividades que


proporcionam riscos à sociedade, o Estado é legítimo a compor, inclusive de forma
solidária e objetiva, eventual ação civil pública por eventuais danos (concretos ou
abstratos), principalmente de ordem ambiental, em razão de falha no cumprimento
de seu papel fiscalizador.

De acordo com o ensino de Teresa Ancona Lopez, existe sim a possibilidade


de se responsabilizar civilmente a administração pública, diante da falta da sua
omissão, ante ao princípio da precaução, veja-se:

71
JÚNIOR, Luiz Carlos de Assis. Responsabilidade civil decorrente da contaminação da pessoa
por agentes tóxicos na sociedade do risco: reparando pelo risco atual de patologia futura.
Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/9319/1/LUIZ%20CARLOS%20DE%20ASSIS
%20J%C3%9ANIOR%20-%20Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 10/09/2015.
72
Ibidem.
42

Também poderíamos colocar a hipótese de ação civil pública contra


o Município do Rio de Janeiro, em nome de toda a população
carioca (não somente dos já contaminados), pelo risco de adquirir
dengue por falta de precaução da Prefeitura do Rio de Janeiro. O
dano aqui é o risco.73

Assim, diante de um provável caso de risco iminente da sociedade em


adquirir doença por falta de cuidados que deveriam ter sido tomados pela
administração pública, pode ser esta responsabilizada civilmente por meio de uma
ação civil pública sem que se tenha ocorrido o dano concreto, pautando-se apenas
na ideia do risco (dano abstrato).

Ademais, diante de todo o exposto, é possível afirmar a possibilidade de se


atribuir a responsabilidade civil preventiva ao Estado por meio dos instrumentos
processuais inibitórios (obrigação de fazer ou não fazer) a fim de compelir a
administração pública a cumprir seu papel fiscalizador ante a ameaça de um dano
ambiental abstrato, sem deixar de lado a responsabilidade repressiva, a fim de poder
evitar eventuais futuros prejuízos irreparáveis, com fundamento nos princípios da
prevenção e da precaução.

73
LOPEZ, Teresa Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco. p. 1226. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67932/70540>. Acesso em 10/09/2015.
43

CONCLUSÃO

Diante das evoluções científicas, o homem, ao mesmo tempo em que


alcançou certo nível de conforto e qualidade de vida, criou por meio desse mesmo
desenvolvimento tecnológico seus piores pesadelos. Interessante observar que tais
avanços nos levaram à denominada “sociedade de risco”, na qual o ser humano,
sem distinção de classe social, colhe a todo instante as consequências negativas da
modernidade, sobretudo quando se trata do aspecto ambiental, onde só se
percebem os prejuízos muito tempo depois da ocorrência da atividade danosa.

Pensando nisso, o presente trabalho procurou estudar a possibilidade de se


atribuir a responsabilidade civil ao Estado, diante de sua omissão no dever de
fiscalizar e controlar as atividades de risco ao meio ambiente, antes mesmo que se
pudesse mensurar ou até mesmo concretizar a materialização de um provável dano
ambiental.

Haveria a possibilidade de se atribuir ao Estado algum tipo de


responsabilidade civil diante e um dano abstrato (responsabilidade civil sem dano)?
Existiria alguma forma dentro do instituto da responsabilidade civil de se
responsabilizar a administração pública, sobretudo diante de um provável dano
ambiental futuro? Para a verificação de tais questionamentos a pesquisa se pautou
na análise do instituto da responsabilidade civil, sob o prisma do Direito Ambiental,
onde se poderia visualizar a possível ocorrência da aludida hipótese.

A metodologia de pesquisa se pautou em pesquisas bibliográficas sobre o


tema proposto, teses de mestrado, além de consulta à jurisprudência pátria a
respeito do assunto.

Verificou-se ao longo do presente estudo certa dificuldade para a localização


de material de pesquisa sobre o tema, diante da parca produção científica produzida
a respeito do assunto. Acredita-se que isso se deva ao fato de a teoria da
responsabilização repressiva (resposta após o dano) ter sido elaborada com base no
44

conceito da revolução industrial, o qual ainda perdura nos dias atuais, de forma que
ainda não se amadureceu a ideia dentro da responsabilidade civil quanto à proteção
e prevenção dos direitos difusos e coletivos, os quais muitas vezes dizem respeito
aos direitos ambientais (direito de terceira geração).

Constatou-se, ainda, que diante da necessidade de se trazer uma resposta


mais eficaz, principalmente diante dos inúmeros riscos oriundos da atual sociedade
moderna, o direito também deveria evoluir a fim de atuar não apenas após a
concretização do dano, mas sobretudo antes de sua materialização, a fim de se
evitar prejuízos, às vezes imensuráveis e irreparáveis, mormente em relação às
situações de risco ao meio ambiente.

Dessa forma, ante a necessidade urgente de uma adequação do direito em


dar resposta satisfatória para os casos em que se tem a possibilidade da ocorrência
de um dano ambiental futuro, surgiu a ideia da responsabilidade civil preventiva. Tal
responsabilidade, cujo alicerce maior está no princípio da precaução, atua antes da
ocorrência do dano por meio de ações preventivas (obrigações de fazer ou não
fazer), a fim de impedir que determinadas atividades de risco, em razão de sua
potencialidade danosa, venham a ocasionar prejuízos de ordem irreparável à
humanidade.

Percebeu-se que, ainda de maneira tímida, alguns tribunais pátrios, sob o


princípio da precaução, por meio de ações civis públicas, têm decido pela
interrupção de atividades danosas ao meio ambiente por entender que possam
causar em momento futuro algum tipo de degradação ambiental impossível de ser
reparada.

Quanto à possibilidade de utilizar o referido instituto a fim de obrigar o


Estado a atuar como fiscal das atividades de risco ambiental, chegou-se à conclusão
de ser perfeitamente possível, diante do entendimento doutrinário de que a
administração pública em função de sua atividade controladora de tais atividades,
pode ser responsabilizada objetivamente, tanto de maneira direta como de forma
solidária, diante dos riscos ambientais causados por terceiros, sendo-lhe também
possível a aplicação das tutelas preventivas por meio das chamadas ações civis
públicas.
45

REFERÊNCIAS

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