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Acervo Instituto Memória Brasil – Direção e Autoria: Assis Ângelo

Ano I – nº 4 – 6/8/2012

Ode a Lua
Esta quarta edição de Jornalistas&Cia Memória da Cultura
Popular, mais uma vez realizada em parceria com Assis Ângelo,
jornalista e estudioso da cultura popular (http://assisangelo.blo-
gspot.com.br), a partir de material que integra o acervo do seu
Instituto Memória Brasil, é uma verdadeira ode a Luiz Gonzaga,
o Lua, uma homenagem ao rei do baião por duas importantes efe-
mérides: o 23º aniversário de sua morte, no último dia 2 de agosto,
e o início das comemorações por seu centenário de nascimento,
em 13 de dezembro. Nela, Assis reproduz entrevista que fez com
Gonzagão para o extinto suplemento D.O. Leitura, do Diário Oficial
do Estado de São Paulo, em março de 1984, atualiza informações
sobre Lua e transcreve o primeiro capítulo do livro infanto-juvenil
sobre a vida do mestre-sanfoneiro que está prestes a lançar, entre
outras novidades. Uma delas ele revelou a J&Cia no último dia Assis com uma das peças de seu acervo sobre Gonzaga
31/7: “Por um desses felizes acasos com que a vida nos brinda,
descobri que o rei do baião Luiz Gonzaga tocou e gravou disco Interessante, não é? Luiz realmente era de um talento enorme.
ao lado de Pixinguinha e outros craques da nossa música, como Lembro que uma vez lhe perguntei se tocava outros instrumen-
João da Baiana, Dante Santoro e Luiz Americano, num conjunto tos. E ele, rindo: ‘Naquele tempo, os cabras eram cobras e eles me
do português José Lemos. Isso antes de ele ingressar como pro- engoliriam se eu não tocasse pelo menos um violãozinho, né?’. Eis,
fissional contratado da extinta Victor, em 1941, no Rio de Janeiro. pois, uma bela descoberta para os leitores do J&Cia Memória da

Cultura Popular. Certamente traremos outras novidades no livro em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o rei do
Luiz Gonzaga, o Divisor de Águas da Música Brasileira, ainda inédito, sertão. Isso para mencionar apenas alguns eventos.
aprovado para captação pela Lei Rouanet, mas ainda sem editora”. Vale lembrar também que, em
Alguém se habilita? 2005, por sugestão de Assis, a de-
Vale lembrar que já está havendo no meio cultural grande putada federal por São Paulo Luiza
mobilização em torno da vida e obra de Gonzagão por causa do Erundina fez aprovar no Congresso
centenário de seu nascimento. Em outubro, por exemplo, Breno Nacional o Dia Nacional do Forró,
Silveira, diretor de Os dois filhos de Francisco, lançará o filme Gonza- comemorado em 13 de dezembro
ga, de pai pra filho, do qual Assis é um dos consultores. O Fantástico, como homenagem ao nascimento
da TV Globo, deve veicular quatro filmetes sobre ele em setembro, dele.
de que Assis também participou. Salve Gonzagão é o título do CD Criador do baião, do xaxado,
que o cantador mineiro Téo Azevedo acaba de produzir, com uma com músicas gravadas até no
música inédita (Padroeira da visão, Santa Luzia), parceria sua com idioma polinésio rapa nui, Luiz
o rei do baião, interpretada por Dominguinhos – Assis também Gonzaga nasceu pobre e pobre
participa desse disco com um texto sobre a história de Lua e um morreu, cantando aboio num
poema (Um baiãozinho para o rei do baião), ambos de sua autoria. quarto de hospital, em Recife. CD que está chegando ás lojas, com
Em dezembro, a TV Câmara, de Brasília, levará ao ar um especial Com vocês, um pouco da his- produção de Téo Azevedo
sobre o rei do baião. No começo do ano, uma grande homenagem tória desse rei.
a ele já havia sido prestada pela escola de samba Unidos da Tijuca, Boa leitura!
que foi à Sapucaí e ganhou o carnaval carioca com o enredo O dia Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli

Eu e Luiz Gonzaga
Por Assis Ângelo
Paraibano de João Pessoa, da safra de revoluções e que penou como ca-
1952, cresci ouvindo no rádio e nos au- chorro vadio nas ruas do Rio depois
tofalantes dos parques de diversão a voz de sair do quartel e antes de alcançar
possante de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, o sucesso.
descrevendo as belezas e os sofrimentos do Casou-se com uma conterrânea
povo de lá, do Nordeste. e fã: Helena Neves Cavalcanti, de
Ele era incrível. profissão contadora e professora
Nasceu e se virou no cabo da enxada até primária.
bem a idade dos 17, quando por pouco não Mas não custou a se dar conta
se transformou num assassino. de que o casamento não fora uma
Naquele dia quase trágico, um domingo, decisão acertada.
fim de tarde e de feira, ele estava embriaga- Ela era imperativa e ciumenta.
do e armado de uma faca-peixeira comprada Tanto que, um dia, durante uma
numa banca dali mesmo, de Exu. discussão, destruiu suas coisas,
O propósito era matar o pai de uma incluindo fotos, partituras e discos, meeiros da fazenda Caiçara, não demoraram
garota por quem estava perdidamente além de recortes de jornais e revistas com a tomar ciência do que ocorrera na feira, pois
apaixonado e com ela queria se casar. reportagens a seu respeito. o pai da moça os procurou para rogar em
Mas ele era pobre, muito pobre. tom de ameaça:
E o pai dela, rico, não queria. Como firmar matrimônio se não tinha – Vocês deem um jeito no seu filho. Ele
patrimônio? quis me matar. Na próxima vez eu não vou
Muitos anos depois ele me contou essa Era esse o raciocínio do pai da garota, que tolerar esse tipo de abuso e nem relevar
história. se invocou com a petulância do meninote o fato de vocês serem meus amigos. Ele
E contou mais, muito mais. Luiz, que era um negro analfabeto e “sem agora anda dizendo por aí que sou frouxo
Contou que serviu o Exército, que aprendeu futuro”. e covarde. Que se cuide!
a manejar armas de tiros, que participou de Dona Santana e seu Januário, humildes Era verdade: Luiz agora se pabulava.
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Mas quando ele voltou para casa, uma Caçadores, e se alistou mentindo que tinha Minhas estripulias – tudo dentro da lei e da
surra o esperava. 18 anos. ordem, diga-se – me renderam um processo de
Foi “uma surra de lascar o cano”, ele me O Exército o salvou. Estado (SP), defendido pelo corpo jurídico do
disse numa gargalhada, virando comigo um – Soldado Nascimento? jornal Folha de S.Paulo, à frente o dr. Rangel
copo de cerveja gelada, num bar de hotel – Sim, sinhô. Presente! Pestana: fui o último jornalista do País a ser
em São Paulo. Era o sargento a todo pulmão fazendo a processado pela Lei de Segurança Nacional,
“Apanhei feito bicho, de mãe e de pai”, formação da tropa de manhã logo cedo e o antes de levar umas porradas desmerecidas
revelou. soldado Nascimento, nº 122, apelidado de de um tal delegado Fleury, de triste memória.
O pai, Januário, até então jamais lhe Bico de Aço por causa da corneta que lhe
houvera encostado um dedo sequer; ao fora confiada, respondendo e gostando dis- Luiz Gonzaga serviu o Exército como
contrário da mãe, Santana, que foi não foi so, se orgulhando disso, de ser soldado, de recruta e como recruta deu baixa depois de
lhe soltava a ripa no lombo, por mau com- servir o Brasil “através das Forças Armadas”, dez anos de ações meritórias.
portamento. como dizia enchendo ele próprio o peito. Ele entrou em 1929 e saiu em 1939, com
A pisa de fato fora bem dada. “Participei de cinco revoluções, a partir a 2ª Guerra assustando o mundo.
Por isso, inesquecível. de 30, e não dei nem um tiro”, se orgulhava. À época, o que se ouvia no rádio era,
E foi também a que mais lhe fez bem, pois como hoje, a música dos norte-americanos.
a sua vida mudou para melhor a partir dali. O tempo passou e depois de eu desistir E sem querer voltar para casa com as
Aquela noite ele dormiu fora de casa, de ser artista plástico ou músico na Paraíba, mãos abanando, num estalo ele inventou
matutando o que fazer, pois se achava por absoluta falta de talento, enveredei pelo seu futuro.
desmoralizado. caminho mais fácil das letras, e de repente Sua carreira artística se iniciou na zona
No dia seguinte, escondido dos pais e dos me vi jornalista correndo atrás de notícia e à portuária e de prostíbulos do Rio, tocando
irmãos, deu um jeito de vender a sanfona frente da polícia, marcando presença onde foxtrote e boleros, tangos e rumbas, e co-
de 80 baixos que comprara havia quase três tinha de marcar; fosse isso lá na capital, João mendo o pão que o diabo amassava.
anos com a ajuda de Sinhô Pereira, o patrão, Pessoa; fosse isso lá em Caruaru (PE), onde Eu o conheci pessoalmente ainda nos 70,
e pegou um trem de carga rumo a Crato (CE) editei os primeiros números do jornal Diário na capital paulista.
e de lá até Fortaleza. do Agreste; ou mesmo em São Paulo, onde E o entrevistei várias vezes.
Na capital cearense, procurou uma arriei as malas e fixei residência, na segunda Em vários jornais e revistas publiquei
unidade do Exército, a do 23º Batalhão de metade dos 1970. conversas nossas; inclusive na escandalosa

Privê, em agosto de 1981, e na sisuda revista dos jornalistas Tárik de Souza e José Ramos outro longo depoimento do filho famoso
Visão, de agosto de 1984. Tinhorão; do poeta Patativa do Assaré e do de Januário e Santana, em forma de livro:
Mas uma das entrevistas mais comenta- papa João Paulo II, para quem, aliás, prestou Luiz Gonzaga o Rei do Baião: sua vida, seus
das que fiz com ele saiu na edição nº 62 do uma homenagem ao gravar um compacto amigos, suas canções.
suplemento dominical Folhetim, da Folha simples com a canção Obrigado, João Paulo Em 1990 publiquei pela Ícone Eu vou
de S. Paulo, de março de 1978. (dele e do padre Gothardo Lemos). contar pra vocês, livro com apresentação
Outra foi a publicada no encarte cultural Ainda nessa entrevista uma revelação: de José Ramos Tinhorão e Dominguinhos e
do Diário Oficial do Estado de São Paulo, o que frequentou a escola por apenas três capa feita pelo desenhista Juarez Carvalho.
D. O. Leitura. meses. Em 2006 publiquei também, dessa vez
Essa é a entrevista que reproduzimos Um dia eu disse a ele que ia escrever um pelo Grupo Trends, o Dicionário Gonzague-
neste caderno especial. livro a seu respeito. ano de A a Z. Detalhe: parte dessa edição –
Foi feita num hotel da rua Augusta, em E ele soltou uma risada, respondendo centenas de exemplares – atirei ao público
São Paulo. com cara de besta: que encheu a Praça da Sé, na capital paulista,
Presentes conosco estavam o filho Gon- – Oxente, e tu acha que a minha história numa tarde de festa que organizamos para
zaguinha, Elba Ramalho e o padre João dá livro? lembrar os 60 anos da primeira gravação
Câncio, criador, com o poeta repentista Deu. de Asa Branca, a música mais regravada do
Pedro Bandeira e o próprio Luiz, da Missa Antes, em 1952, o poeta-vaqueiro Zepra- cancioneiro brasileiro.
do Vaqueiro. xedi já publicara em versos o livrinho Luiz Na ocasião lançamos também o folheto
Nesse nosso encontro o mais famoso Gonzaga e Outras Poesias, com prefácio do Foi voando nas asas da Asa Branca que Gon-
filho de Exu conta como estilizou o baião e estudioso da cultura popular Luís da Câmara
como introduziu o triângulo na música; diz
da importância de um grupo de estudantes
Cascudo (1898-1986).
Em 1966 o paraibano Sinval Sá escreveu
Você sabia?
– Que no mundo do baião Luiz
cearenses na sua vida, que tinha à frente O sanfoneiro do Riacho da Brígida: vida e Gonzaga era o rei, Carmélia Alves, a
o ministro Armando Falcão (leia no livro andanças de Luiz Gonzaga, reunindo muitos rainha, Luiz Vieira, o príncipe, Claudet-
Eu vou contar pra vocês); fala também dos momentos da trajetória do Rei do Baião. te Soares, a princesinha e Jair Alves,
parceiros Humberto Teixeira e Zé Dantas, Vinte anos depois foi a vez de José de o barão?
fundamentais para o sucesso de sua carreira; Jesus Ferreira publicar pela Editora Ática

A Patativa do Assaré outro. Em 1956 publicou o livro Inspiração Nordestina e dez anos
– Sou poeta popular, canto a realidade do sertão, o sofrimento depois, Cantos de Patativa. Em 1970, o escritor Figueiredo Filho
e a miséria do povo. Não sou político, mas em meus versos, na fez publicar Patativa do Assaré, poemas comentados. Há três
minha lira, falo contra as injustiças e quero ver no meu anos, a Editora Vozes publicou Cante Lá, Que eu Canto Cá, com
País a verdadeira democracia. o subtítulo Filosofia de um Trovador Nordestino. Além
A afirmação é de Patativa do Assaré (an- disso, Patativa do Assaré tem inúmeros folhetos
tonomásia de Antônio Gonçalves da Silva), de cordel e poemas publicados em jornais e
septuagenário nascido a 5 de março de revistas de Brasil, França e Inglaterra. Agora,
1909 no município de Assaré, no sul do ele está sendo estudado na Sorbonne, na
Ceará. Ele fala rimando, cantando: cadeira de Literatura Popular Universal, sob
a orientação do professor Raymond Cantel.
Tenho o sagrado dever Na Inglaterra, o tradutor dos poemas de
De em meus versos defender Patativa é o professor Colin Henfrey, do Center
O pobre trabalhador for Latin-American Studies, da Universida-
Foto da capa do livro O poeta do povo (1999), ensaio
Mostro provas legítimas fotográfico de Gal Oppido.(esq.) com texto de Assis (dir.), tirada
de de Liverpool. A Editora MacMilians, de
Porque sou uma das vítimas na casa de Patativa em Assaré Londres, acaba de publicar o mais recente
Do Nordeste sofredor livro de Patativa, Cante Lá, Que eu Canto Cá.
Patativa é poeta e agricultor. Nesses anos todos ele jamais Patativa tem, ainda, dois LPs produzidos pelo cantor e compositor
deixou de plantar uma rocinha. Aliás, é dos frutos que colhe da Raimundo Fagner e lançados pela gravadora CBS. Nesses discos,
terra em que vive junto com os filhos (nove) e a mulher Belinha. ele declama algumas de suas poesias. “Patativa é o maior poeta do
Da cidade onde mora sai raramente, apenas para um recital ou Brasil, o maior do Nordeste. Ele é um fenômeno”, diz Luiz Gonzaga.
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zaga escreveu a sua história (Editora Luzeiro), ler, autores de King Creole e Jailhouse Rock, bossa nova, a Jovem Guarda, os festivais
mote em decassílabo de autoria do poeta gravadas por Elvis Presley. e a tropicália tomando conta da progra-
cordelista Marco Haurélio. O baião chegou torto aos EUA, mas de- mação das emissoras de rádio e televisão.
Por meio da portuguesa Carmen Miran- pois eles acertaram o passo e muita gente Luiz Gonzaga gravou o primeiro disco da
da, o baião de Luiz Gonzaga e Humberto mais, de muitos países, gravou e continua carreira no dia 14 de março de 1941.
Teixeira chegou ao Exterior. Foi ela que, em gravando Luiz Gonzaga e seus parceiros. No lado A, a mazurca Véspera de São João,
1950, gravou pela primeira vez uma versão A relação de estrangeiros que têm gra- feita em parceria com Francisco Reis.
norte-americana de baião, incluída na vado forrós e baiões de Luiz Gonzaga, da Do lado B, a valsa Numa serenata, só dele.
trilha sonora do filme hollyoodiano Nancy França à Alemanha, é imensa. No correr de toda carreira, Luiz gravou
Goes to Rio. Vai da japonesa Keiko Ikuta (Paraíba e 625 músicas, em 125 discos de 78 rpm, 41
Logo depois, na Itália, a atriz Silvana Man- Baião de dois) a Dizzy Gillespie (Pau de ara- compactos simples e duplos de 33 e 45 rpm,
gano interpretou o ritmo gonzaguiano num ra), papa do jazz e inventor do bebop, com e outros quatro, de 12 polegadas.
dos filmes que estrelou, Arroz Amargo, cuja Charlie Parker; passando por Peggy Lee (Ju- Ele é hoje o autor mais regravado na
música-tema era Baião de Anna ou El Negro azeiro/Wandering Swallow), Caterina Valente história da música popular brasileira.
Zumbun, de F. Giordano e V. Roman. e Edmundo Ros (Baião), Los Pascuenses A sua voz está registrada em 266 discos
Àquela época, alguns artistas, como Joe (Cintura fina), Lydia Scotty (Asa Branca), de carreira, fora participações especiais em
Loco e Tito Rodriguez, O trovador latino, que Georges Henry (Qui nem jiló)... Pelo grego LPs e compactos de iniciantes na profissão
faziam um ou outro sucesso nos Estados Demis Roussos, pela espanhola Ana Belén, de artista.
Unidos com mambos, rumbas e músicas pelo flautista nova-iorquino Herbie Mann... Ele deixou também quase 40 músicas
que tais, gravaram baião ou algo parecido. Uma vez, em 1968, foi noticiado que os inéditas, gravadas por outros artistas em
Os primeiros compositores estrangei- Beatles iam gravar Asa Branca. discos de 78 rpm.
ros a tentar misturar o ritmo de Gonzaga Mas foi alarme falso; mesmo assim o Rei Entre fins dos anos 1940 e todos os anos
e Teixeira com o rhythm’n’ blues foram os do Baião deu entrevistas sobre o assunto. de 1950, Luiz foi o artista mais ouvido no
norte-americanos Jerry Leiber e Mike Stol- À época, ele andava em baixa, com a rádio.

Concursos eram feitos para descobrir e, depois de pegar o balanço do jazz e pedir E sem dúvida: a vida dele foi andar de
quem eventualmente seria o seu sucessor. licença a Geraldo Vandré, respirou fundo, ponta a ponta por esse País, como no baião A
O vencedor foi Dominguinhos, sem criou a bossa nova e enterrou o baião de vida do viajante, que compôs com o maestro
concorrência. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira por Hervê Cordovil.
Luiz animou campanhas políticas de no- alguns anos. Mas se penitenciou a tempo, Agora o seguinte: Luiz Gonzaga integrou
mes que iam de Carlos Lacerda, Jânio Qua- compondo e cantando já no seu segundo um conjunto musical formado pelo portu-
dros e José Bonifácio Coutinho Nogueira, o disco o seguinte: guês José Lemos, que chegara ao Brasil com
JB, ao governo de São Paulo; passando por 13 anos de idade.
Jorge Paulo e o próprio Humberto Teixeira, Bim bom bim bom bim bom Desse conjunto participavam, entre
que concorreu e ganhou uma cadeira no É só isso o meu baião outros, Pixinguinha, João da Baiana, Luiz
Congresso Nacional. E não tem mais nada não Americano e o pianista argentino Heriberto
O Rei do Baião lotava todos os espaços O meu coração pediu assim, só: Leandro Muraro.
em que se apresentava, incluindo estádios Bim bom bim bom bim bom... Luiz também tocou e gravou com o
de futebol. Regional de Canhoto, depois com Altamiro
Depois de receber dezenas de títulos de Crime ou castigo? Carrilho, Carlos Poyares e Dino 7 Cordas, que
cidadania, inclusive do município de São Não importa. lhe deu o apelido de Lua, para o radialista e
Paulo, e se apresentar para o Papa João Paulo A bossa nova ganhou o mundo com a ator carioca Paulo Gracindo espalhar mundo
II, em Fortaleza, em 1980, ele dizia que pode- mistura do jazz e do samba. a fora, pelas ondas hertzianas.
ria morrer tranquilo, pois se sentia realizado. O baião ganhou o mundo com a pureza
Diz a lenda que um dia João Gilberto das armas da terra: sanfona, triângulo e za-
acordou inspirado: pegou um banqui-
nho, um violão e, como não tinha a voz
bumba, mais a voz bonitona de Luiz Gonza-
ga, o rei do xote, do forró, que ele lançou em
Você sabia?
– Que Luiz Gonzaga tocava violão
de Orlando Silva, Chico Alves ou Vicente 1949; do xaxado, que ele lançou no começo e instrumentos de percussão, além
Celestino, afinou a que tinha, ajeitou os dos anos de 1950; da marchinha junina etc.. de sanfona?
cabelos, treinou umas caretas no espelho O Rei do Baião ditou moda.

“Eu sou sanfoneiro


do povo de Deus”
(íntegra da entrevista publicada no D.O. Leitura nº 22,
suplemento do Diário Oficial do Estado de São Paulo, em março de 1984)
Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, conta passagens conhecidas de
sua vida pessoal e de artista, explicando como é difícil e longo o
caminho que vai do anonimato até a glória.
“Eu trouxe um anel, de bacharel, para o marcantes de sua vida.
cidadão João Câncio dos Santos. O fabu- Nessas lembranças, uma
loso padre João! Padre João Vaqueiro, o lágrima teimosa e atre-
grande corredor de mourão do Nordeste, vida ameaça desabar
criador da Missa do Vaqueiro junto com este dos seus olhos. Ele não
seu amigo. Eu e Nélson Barbalho – fabuloso liga, disfarça e a apara
Nélson Barbalho! – escrevemos A Missa com cuidado. Silên-
do Vaqueiro. Nessa canção focalizamos a cio. Num rompante, o
morte de Raimundo Jacó: velho “rei” torna a falar: Capa do D. O. Leitura e a entrevista
Numa tarde bem tristonha – Raimundo Vaqueiro, Rai- de Gonzaga a Assis
Gado muge sem parar mundo Jacó, Raimundo doido, Raimundo
Só lembrando do vaqueiro meu primo. Ele foi o maior vaqueiro que O velho Lua, velho de guerra,
Que não vem mais aboiar...” conheci em toda a minha vida. Aquele, sim, doutor da vida, fraqueja. Um nó entalado
sabia aboiar! Eu conhecia o seu aboio de na goela o faz gaguejar. O choro está perto,
É Luiz Gonzaga do Nascimento, o Lua looonge! Era um grande amigo, tínhamos mas ele não o deixa sair. O que sai é a sua
(apelido carinhoso dado por Paulo Gra- a mesma idade... Morreu na labuta, morreu voz, forte, reboando no ar:
cindo nos anos 40), também chamado no campo, covardemente assassinado. – Mataram ele no mato!
“Rei do Baião”, falando solto e lembrando, Raimundo Jacó... Raimundo era uma figura, Nesse desabafo, guardado por muito
com tristeza e muita saudade, alguns fatos era quase um santo! tempo, não há raiva, rancor, ódio qualquer
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sinal de vingança. Apenas tristeza. Foi um elogio, tanto que pai e filho ficaram dores começam a lhe dar algumas moedas.
Luiz Gonzaga é um homem rude e sim- muito contentes. Mas, danado, como ”virar Mãe Santana, então, toma conhecimento
ples. É povo, do povo. E isso ele garante com gente” se não havia opções de trabalho ou da atividade do filho. Agora já não liga, faz
patriótico orgulho. Pudera. Nasceu pobre carreira profissional a se escolher em Exu? que não vê. Enfim, o dinheiro ganho por
entre a gente sofrida do sertão pernambu- Agricultor, sanfoneiro... Sanfoneiro, por que Gonzaga começa a ajudar nos gastos de
cano. Gente essa que nem sempre tem “o não? Mas mãe Santana não queria. Ela dizia casa. “Quer ser sanfoneiro? Que seja, mas
de comer”. Bem pequeno, menino ainda, foi que “isso de sanfoneiro não dá futuro a nin- depois não diga que não avisei”. O alerta
morador das terras dos Alencar, família que guém”. E emendava: ”Já basta um em casa”, serve como estímulo. A partir daí, os convi-
pelo sobrenome já diz tudo. Houve ocasião numa referência ao marido Januário, bom tes se sucedem. Gonzaga é chamado para
que um Alencar disse ao velho Januário: tocador e consertador de foles, famoso e animar bailes de casamento, de aniversário,
“Esse teu moleque um dia vai virar gente”. querido na região. No entanto, pobre. O de batizado. Januário se anima: “Gonzaga
menino Gonzaga não se abala. E decide: tem jeito pra coisa”, diz.
vai ser sanfoneiro, pobre ou rico.
Corriam os anos 1920, dias iguais, sem O começo da fama

nada de novo. Aos poucos (“Devagar se vai Com quase 17 anos, a fama de Luiz Gon-
ao longe”, ensina velho provérbio popular), zaga começa a se espalhar por toda Exu e
Gonzaga começa a quebrar a rotina. No redondezas. Com a ajuda de um Alencar,
morrer das tardes, ele dá algumas escapa- Gonzaga compra uma boa sanfona. Fica
delas de casa. Assim, aqui e ali, é fácil vê-lo afoito, as meninas o admiram e querem
nos cantos das bodegas com uma sanfona,
tipo “pé de bode”, pendurada no peito e a
descobrir os primeiros acordes. Mãe San-
Você sabia?
– Que Luiz Gonzaga morreu pobre
tana ainda não sabe, mas o filho começa a e cantando aboio num quarto de
Luiz Gonzaga recebe do então vereador Jorge Paulo o ser elogiado: “Como toca esse menino de hospital, em Recife?
título de cidadão paulistano, em 26/6/1974 Januário!”. Um tempo mais, os seus admira-

namorá-lo. Já é rapagão, já tem na cara cimento abandona Exu e segue direto para
até um princípio de barba. Agora se sente Crato, Fortaleza. Em Fortaleza, as Forças
homem, “cabra-macho”, dono do mundo, Armadas estavam recrutando gente. Era
importante; fala grosso, quer brigar e tudo. isso o que queria, pois um de seus sonhos
Assim, cheio de si, arma-se de uma faca e era servir ao Exército. Alistou-se sem dificul-
sai, certo dia, à procura de encrenca. Discu- dades. E, pouco depois, estoura a revolução
te com um conhecido, Raimundo Delgado. de 1930. Gonzaga ganha o número 122.
Provoca-o. Delgado, gato escaldado, sai de O soldado 122 participa da revolução e,
lado. Evita conversa, discussão, não quer no fim, sai vitorioso sem dar um tiro. Ele
brigar. Isso com certeza, o livra de morte explica, hoje:
certa. Pois Gonzaga, enxerido, havia, antes, – Eu fui corneteiro, cabra! Entrei no
tomado umas boas talagadas de cachaça. Exército em 1930, com 18 anos. Sai em
Estava com tudo... ”Quando cheguei em 1939. Comecei a soprar corneta em Belo
casa”, ele lembra, “levei a maior surra do Horizonte, no 12º RI. Cheguei em Minas
mundo”. Após essa surra, Gonzaga toma por volta de 1931. Quando sai do Exército,
outra grande decisão de sua vida: fugir de em 1939, eu carregava uma sanfona branca
casa “para nunca mais voltar”. nas costas. Queria tocar, queria aprender
Decisão tomada, Luiz Gonzaga do Nas- a tocar, mas não encontrei professor para
me ensinar. Aí comecei a tocar à minha
Você sabia? maneira. Acabei criando um estilo. Ainda
em 1939, cheguei ao Rio de Janeiro. Não
– Que no início da carreira de artis-
ta Luiz Gonzaga abria os espetáculos conhecia nada. Lutei como o diabo. Eu saía
de Bob Nélson, o primeiro cantor de casa com a sanfona nas costas e com a
country do Brasil? sanfona nas costas pegava o bonde andan- Há mais de 30 anos, Dominguinhos era indicado o
do. A sanfona pesava uns 15 quilos, tinha sucessor do Rei

80 baixos. Depois, com o tempo, comprei positor, mas um compositor muito prolixo. Gonzaga se empolga e vai falando, can-
uma de 120, mas não sei pra quê: a gente Ele só queria fazer coisas exuberantes. Aí eu tando e mostrando músicas novas e velhas.
só usa dois baixos! comecei a lhe oferecer coisas do sertão que Pagode Russo, por exemplo, que consta do
Dito isto, o velho explode numa garga- ele não conhecia, pois, embora cearense, seu último LP, tem uma história curiosa:
lhada de fazer inveja a trovão em noite de Humberto não tinha vivência do sertão. Ele foi gravada, originalmente, em 1941, sem
tempestade. “É muito baixo”, ele repete. começou a estudar em Fortaleza e se formou letra. A letra (Ontem eu sonhei/Que estava
Sério: no Rio. Advogado bem instruído, mas de em Moscou/Dançando pagode russo/Na
sertão ele só conhecia de ouvir dizer. Lhe Boate Cossacou/...) foi composta no ano
Humberto Teixeira contei minhas histórias, histórias que ele passado, no Rio de Janeiro, em parceria
– Mas eu acho que quem me fez mesmo transformou em poesia. Humberto era um com João Silva.
foi Humberto Teixeira, depois Zé Dantas. grande poeta, só que não era autenticamen-
Conheci Humberto em 1941. Ele já era com- te nordestino, sertanejo. Depois, surgiu Zé O baião

Dantas. Pensei: “Pronto, choveu na minha À pergunta: Como surgiu o baião?, Luiz
roça!”. Zé Dantas era totalmente sertanejo, Gonzaga esclarece:
nascido no Pajeú, criado no Pajeú. Estudou – Antes de mim, ele já existia. Só que
em Pernambuco e se fez poeta matuto. ainda não havia se definido como gênero
Fiquei feliz da vida com os dois, Humberto musical. Ele existia como uma caracterís-
Teixeira e Zé Dantas. Aí me projetei como tica, como uma introdução que os can-
cantor, mas por causa do Humberto. Antes, tadores faziam na viola. Antes de afinar a
como solista, eu havia gravado um monte de violão, cantador faz uma introdução, assim:
porcaria. Naquela época, eu acompanhava
muita gente em gravações. Bom, aí gravei a Você sabia?
minha primeira música, que já era de exal- – Que, antes de ser artista, o sonho
tação ao Nordeste: de Luiz Gonzaga era integrar o bando
Assis Ângelo e Luiz Gonzaga, num encontro em São
“Lá no meu pé de serra do cangaceiro Lampião?
Paulo Deixei ficar meu coração...”
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tom, tom, tom, tim, tim, tim, tam, tam, tam, Eu vou mostrar pra vocês/Como se dança
pam, pam, pam... minha viola/já afinei o o baião... Só isso. Bordão é aquela corda
meu bordão. D-tim, d-tim, t-erém, t-rém, grossa, que fala grosso. E sempre que o
d-dém, d-dém. Ele (o cantador) não fazia cantador começava a cantar, ele falava:”... o
essa harmonia (d-tém etc.). A viola do can- meu baião”. Assim: Aguenta lá o teu baião/
tador sempre anda desafinada, você sabe, Que eu aguento aqui o meu rojão. Rojão. Ro-
né? Quando ele está afinando, quando jão também foi uma criação do Jackson do
ele sente que ela (a viola) está afinada, ele Pandeiro. Rojão é uma coisa do cantador. Só
bate no bojo: tchum, tchum, tum... Eu tirei que essas coisas (rojão e baião) não tinham
(o baião) dessa batida, eu tirei daqui: tum, ainda uma definição e nós (Gonzaga e Ja-
tum... (Gonzaga se alegra, está animado. ckson) as urbanizamos, aprimoramos, né?
É como se estivesse descobrindo outra Outro esclarecimento:
novidade. Com a mão direita espalmada, – O triângulo (usado como instrumento
ele bate na perna, com muito ritmo. A sua musical) eu apanhei na rua. O zabumba,
voz, forte e bonita, se faz ouvir): não. O zabumba eu já trazia na minha vida. Folheto de cordel especial feito
Eu vou mostrar pra vocês Aprendi a tocar zabumba na Igreja de São para lembrar os 60 anos de Asa Branca
Como se dança o baião João Batista, lá em Exu, na fazenda onde
E quem quiser aprender nasci e me criei. Quando eu criei (pus) o za-
É favor prestar atenção... bumba dentro do baião, no Rio de Janeiro, Você sabia?
quem me acompanhava era um cearense – Que o ídolo brasileiro de Luiz
Ainda Luiz Gonzaga: chamado Catamilho. Na ocasião eu estava Gonzaga era o acordeonista Ante-
– O cantador só faltava dizer isto: Já pensando em botar uma caixa (tarol), ao nógenes Silva e o estrangeiro, Carlos
afinei minha viola/preparei o meu bordão/ mesmo tempo em que procurava um com- Gardel, de quem interpretava com
Agora eu vou cantar/Pra ganhar o meu panheiro para tocar o zabumba. Na época perfeição Mano a Mano?
tostão.... Essa coisa, ó: d-tim, d-tim, d-tim... eu já era artista e estava de passagem por

Recife. Foi numa rua de Recife que vi um “Não, tá doido?” Eu: ‘Eu pago bem, o que Tinha razão. Isso foi em 1946, quando
menino vendendo cavaco-chinês: ting-ling, você quiser”. Ele: “Não, de jeito nenhum”. Luiz Gonzaga quebrava a jura e voltava a
ting-ling, ting-ling, ting-ling. Passou por Insisti, insisti, mas não teve jeito. O moleque Exu, de passagem, para rever os pais. Nessa
mim e eu disse cá comigo: “Ôpa, isso dá!” não vendeu o danado do triângulo e eu fui época boa parte do Nordeste já o conhecia
Ting-ling, ting-ling, ting-ling, ting-ling, era embora pesando: “Bom, acho que não vai de nome, ele começava a firmar-se definiti-
o menino lá vendendo cavaco-chinês. Gri- ser difícil mandar fazer um peste desse não”. vamente como autor e intérprete de gran-
tei: “Ô, menino, vem cá! O que é isso?”. Ele: Aí fui procurar um ferreiro. Falei ao ferreiro de prestígio no cenário artístico nacional.
“Cavaco”. Eu: “Me dá um peste desse aí”. Ele o que eu queria e o triângulo foi feito. Achei Estava feliz, já podia bater no peito e se
me deu e eu comi. Fui puxando conversa: que não ficou bom, mas dava para começar. gabar de ter “virado gente”, como previra
“Como é que se chama esse instrumento aquele Alencar. Mas, curiosamente, Luiz
aí? Ele: “Triângulo”. Eu: “Quer vender?” Ele: A música nordestina
Gonzaga transformou-se no grande artista
que é hoje mais por acaso que por intuição
ou talento. Se não fosse um pequeno grupo
de estudantes cearenses que, uma noite, o
viu tocar na zona do Mangue, no Rio de Ja-
neiro, talvez não houvesse passado de um
simples sanfoneiro. Esse grupo de estudan-
tes exigiu, do então desconhecido exuense,
uma música que falasse, ou lembrasse, do
Nordeste. Isso, em 1939 ou começo de
1940. Nessa época Gonzaga tocava valsa,
mazurca, tango, foxtrote etc. Tinha vergo-
Música para a campanha
Disco de 78 rpm com a valsa de José Bonifácio ao Governo de
nha (ou desacreditava completamente) do
Em 1958, a japonesa Keiko
Ikuta gravou Luiz Gonzaga Passeando em Paris São Paulo som nordestino. Som nordestino? Que é

Você sabia? Você sabia?


– Que Luiz Gonzaga fez campanha – Que Luiz Gonzaga tocou sanfona
política para Carlos Lacerda e Jânio para Evita Perón e o marechal-presi-
Quadros? dente Gaspar Dutra?

Gonzaga com o presidente da República (1946 a 1951)


Eurico Gaspar Dutra

Você sabia?
– Que Luiz Gonzaga compôs e
gravou em 1944 uma valsa chamada
Passeando em Paris, mas que só foi
conhecer Paris em 1982, mesmo ano
em que assumiu o aumentativo do
Gonzaga, com o pai, Januário dos Santos, em sua casa em Exu, 1972 – Foto Agência Estado nome Gonzaga?
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que é isso? O diálogo com os estudantes: começaram, de repente, a ser lembrados, – Eu gosto de música, a música está no
– Tu só tocas música de gringo? explorados e valorizados no chamado Sul- meu sangue, é um dom do meu pai. Estu-
– Não. -maravilha, no Brasil inteiro. Por questão dar, não estudei. Nunca estudei música.
– De onde tu és? de justiça, creditem-se os méritos a Luiz Nunca tive jeito pra isso. Nunca estudei
– De Exu. Gonzaga do Nascimento e àquele anônimo nada. Na escola, fiquei uns três meses. Fui
– No pé da serra do Araripe, perto do e desconhecido grupo de estudantes, que pra lá aprender o pê-querrê. Era o tempo
Crato? de música sabia apenas gostar. E exigir. do pê-querrê: a, bê, cê, dê, fê, guê, lê... Isso
– É. “Luis Gonzaga é um patrimônio nacio- já deu até música. No tempo do pê-querrê,
– E com um pé de serra daqueles nunca nal, um monumento, o maior representan- eu aprendi o a-bê-cê. Daí em diante, eu
tocaste música de lá? te da cultura popular brasileira, principal- comecei a juntar letra. Foi assim que eu
Gonzaga prometeu tocar, no próximo mente da cultura nordestina”, é a cantora aprendi a ler e a escrever.
encontro. E tocou: “Lá no meu pé de Serra/ paraibana Elba Ramalho falando. Diz mais: A certeza de ter feito História é, para
Deixei ficar meu coração/... Fez o maior “Ele representa a maior expressão do sen- Luis Gonzaga, motivo de grande satisfa-
sucesso. “Aqueles rapazes me fizeram uma timento do povo do Nordeste. Gonzaga é ção. Ele conta que revelou muitos artistas
sugestão que jamais esqueci”, recorda a própria história da cultura brasileira, é o nordestinos, entre os quais Domingui-
o velho sanfoneiro. “Eles me abriram os professor de todos nós (músicos e intér- nhos, Gonzaguinha (seu filho), Abdias e
olhos para um novo caminho na minha pretes). Ele é uma pessoa que criou, que até um poeta: Antonio Gonçalves da Silva,
arte: o caminho da música nordestina, da fez, que divulgou, que abriu esse espaço mais conhecido por Patativa do Assaré,
nossa música tão esquecida e deturpada todo que está aí”. autor de Triste Partida, um dos poemas
naquela época”. Gonzaga ouve isso e acha graça. Canta: mais lindos sobre a dureza da vida do
Caminhos abertos, novos rumos tomaria Por onde eu andei, cantei/As coisas da minha povo nordestino. Gonzaga: “Patativa é o
a Música Popular Brasileira a partir dos anos terra/As belezas do meu pé de serra/As triste- maior poeta do Brasil, o maior poeta do
1940. O xote, o xaxado, a toada e tantos zas da seca do sertão/... E conta: Nordeste. Ele é um fenômeno!” (ver box).
outros gêneros musicais com raízes indis- Do poeta Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga
cutivelmente fincadas na região nordestina “Nunca estudei música”
gravou apenas um trabalho: Triste Partida,
que ele considera a melhor música de do possível, lê tudo sobre si que é publica-
todo o seu repertório. Gonzaga toca bem do. A crítica?
e canta bem, no entanto ele não se acha – Ah, eu leio a crítica. Aliás, tem um rapaz
um grande cantor: “Que cantor coisa ne- aí que escreve muito bem. É o Tárik de Sou-
nhuma, eu sou é cantador!!! Cantador! Sou za. Ele escreve muito bem, é o melhor do
um contador de prosa, isso é o que eu sou. País. Agora tem o Tinhorão (José Ramos),
Comecei a cantar nas novenas da minha mas o Tinhorão é diferente. O Tinhorão é
mãe, mas eu sou mesmo é cantador!!!! um cara muito culto, ele manda brasa, né?
Profissão? Escreve aí: Sanfoneeeeeeiro, Tinhorão é um tipo Flávio Cavalcanti. Flávio
mô fio, sanfoneiro! Eu sou sanfoneiro do quebrou um disco meu em público por
povo de Deus. Cantei para o Papa e o Papa achar que uma música (Siri jogando bola)
(João Paulo II) me agradeceu, dizendo: era indecente. Tárik é atual, Tinhorão é mais
‘Obrigado, cantador’.Então, eu sou canta- importante, né? Uma vez ele (Tinhorão)
dor. Cantador é o que eu sou”. me chamou para me mostrar que antes
Muito se tem dito e escrito sobre o de eu gravar o baião, o Pixinguinha já tinha
cantador Luiz Gonzaga do Nascimento, gravado. Isso só porque Pixinguinha tinha
sanfoneiro nascido no dia 13 de dezembro feito uma introdução na flauta parecida Disco em homenagem ao papa João Paulo II
de 1912 (completou 43 anos de carreira com baião...
artística neste mês de março). E, na medida

Letras dos jingles de Luiz Gonzaga para as


campanhas eleitorais de Carlos Lacerda e Luiz Gonzaga e os passos do “xaxá” (xaxado) em
Jânio Quadros O Cruzeiro

Reportagem sobre os 60 anos de Asa Branca


Você sabia?
– Que dentre todas as mais de Você sabia?
600 músicas que gravou Luiz Gon- – Que depois de beber pra tomar Você sabia?
zaga gostava mesmo era de A triste coragem para matar um homem, – Que os pratos preferidos de Luiz
partida, de Patativa do Assaré, e Asa Luiz Gonzaga jamais voltou a ingerir Gonzaga eram baião de dois, rabada
Branca, dele e Humberto Teixeira? destilados? e cabrito assado?
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LUA ESTRELA BAIÃO, a história de um rei


Esse é o título do novo livro de Assis Ângelo sobre Luiz Gonzaga, Rei do Baião – reúne dez netos e bisnetos, crianças e adolescentes,
um infanto-juvenil, ainda sem editor. Diz ele que estará pronto nos em sua casa no Brás, em São Paulo. Rolam mil conversas, inclusive
próximos dias e que “vai terminar em forró, para a molecada saber sobre o que é o Nordeste, a sua culinária... Coisa pequena”.
o que é bom”: “Nele conto a história de Gonzaga pela boca de uma Reproduzimos a seguir o primeiro capítulo.
senhora de 80 e poucos anos, que um dia – no dia do centenário do
As primeiras lembranças Era bom que ela estivesse assim. E dos bons.
Naquela quinta 13 de dezembro, de lua Era bom que ela cantasse. Um assobiador diletante, mas sem par ou
nova se abrindo no céu, dona Mocinha ama- Quem canta seus males espanta, diz o comparação.
nheceu com um bom humor fora do comum. ditado. Ele imitava tudo no bico, até trinado de
Ela estava feliz, pois não tinha um tico Depois da madorna que nunca dispensa- pássaros.
de medo de o mundo se acabar no início do va após o almoço, dona Mocinha avisou que E fazia isso rindo, brincando, como se fosse
verão, dentro de oito dias, como previam os ia chamar um punhado de netos e bisnetos mesmo um pássaro.
agourentos seguidores do calendário maia, para contar a história de um grande artista Simpático e conversador, fácil, fácil e rapi-
e por isso não parava de cantarolar músicas brasileiro nascido num lugarejo aparente- damente ele fazia amizade com pessoas de
de que há muito gostava e que lhe marcaram mente sem futuro no Nordeste. quaisquer níveis sociais.
profundamente a vida. Esse artista dançava, compunha, cantava Era uma espécie de azougue, no melhor
Fascinada pelo cantor alagoano Augusto e tocava sanfona como poucos; e tocava vio- dos sentidos.
Calheiros, era dele que ela entoava lá do lão também, além de instrumentos de sopro, E não havia como não gostar do que ele
quarto Sonho de Ilusões, uma valsa de 1953. como pífano; de percussão, como zabumba; fazia e da figura simples e brincalhona que
A filha estranhou o seu comportamento e triângulo, que ele um dia inventou de botar ele representava.
tão desenvolto, mas não ligou, não fez per- na música popular. Como se não bastasse, ele era de uma in-
guntas. E também era assobiador. teligência invulgar, fora do comum, mesmo.

Dona Mocinha conhecia a sua história de moda do barquinho que deslizava tranquilo como o uso de minissaias, calças boca de sino
cabo a rabo. “no macio azul do mar”. e cabelos masculinos bem compridos.
E por achá-la bonita e exemplar, guardara O movimento jovem guarda, que tinha à O rock e o twist surgidos em meio à rebel-
na memória. frente Roberto Carlos mandando tudo para dia dos jovens norte-americanos faziam um
Lembrava que o conhecera numa noite o inferno, também chegou para atrapalhá-lo. barulho enorme onde quer que fosse.
de São João. Os discos de Roberto e sua turma eram Os festivais de música popular come-
No forró de Pedro Sertanejo, na zona leste vendidos aos milhões, feito pipoca ou banana çavam a virar coqueluche, junto com o
de São Paulo. na feira. movimento tropicalista de Gil e Caetano, na
Embora disfarçando, era certo que ele na- E os dele passavam batidos na programa- capital paulista e no interior do País.
quela ocasião estava sorumbático, bisonho, ção das emissoras de rádio. Dona Mocinha se lembrava disso e de
com uma sanfona de 120 baixos grudada A verdade verdadeira é que já não lhe outras coisas.
ao peito feito carrapato e tocando quase davam bola. E ela guardava tudo na sua memória
de graça em tudo quanto era canto para o Por isso foi um tempo muito amargo e privilegiada.
povo dançar. difícil aquele. Maria do Rosário Logoló era o seu nome
Mas ele não fazia mais sucesso como Tanto que teve uma hora em que ele de batismo, mas ela gostava mesmo era que
antigamente. chegou até a pensar em desistir da carreira lhe chamassem de dona Mocinha.
O tempo passara e seria difícil ele voltar a e se acabar. Ela era uma mulher com muita coisa para
ser o que era, pois o público se afastara dos Mas não desistiu e nem se acabou. contar.
seus espetáculos de uma hora pra outra. Corriam os anos 1960, de muita coisa Que se orgulhassem disso o marido, os
A razão era a bossa nova que chegava acontecendo ao mesmo tempo no mundo filhos e netos.
como novidade e todo mundo escutava todo; desde revoluções sangrentas como a
para talvez mostrar que estava por dentro da do Vietnã a mudanças de costumes e hábitos,

Você sabia? Você sabia? Você sabia?


– Que Luiz Gonzaga chegou a – Que Luiz Gonzaga deu de graça – Que Luiz Gonzaga teve obras
anunciar publicamente que iria se mais de 200 sanfonas a quem ele gravadas em japonês, inglês, francês,
candidatar a deputado federal pelo acreditava ter talento e que a primeira espanhol e até em rapa nui, a língua
antigo PDS? foi para Dominguinhos, em 1953? oficial da Ilha de Páscoa, na Polinésia?

Um pouco mais sobre Luiz Gonzaga


– Roda Gozagueana – março de 2006 (http://migre.me/aab5A)
– São Paulo, uma cidade curiosa – julho de 2009 (http://migre.me/aab9E e http://migre.me/aabeN)
– Altamiro Carrilho e a importância de Luiz Gonzaga para a MPB – 25/2/2012 (http://migre.me/aabkV)
– Lua do Sertão, música de Assis Ângelo e Oswaldinho do Acordeon em homenagem a Luiz Gonzaga – interpretação de Daiane (http://
migre.me/aabqH)
– O que é o baião? – entrevista com Hermeto Pascoal, em 2006 (http://migre.me/aabvi)
– Dicionário Gonzagueano, de A a Z, no programa Literato (http://migre.me/aabAI)
– Keiko Ikuta interpreta Paraíba, de Luiz Gonzaga, em japonês – 1951 (http://migre.me/aabHv)
– Programa De Lá Pra Cá, sobre Luiz Gonzaga – 7/12/2009 (http://migre.me/aabLK)
– Entrevista de Assis Ângelo ao programa Aplauso, da Rádio Câmara (http://migreme.net/1l1o)
– Vídeo sobre o Instituto Memória Brasil (http://migre.me/aabQp)

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5280) em parceria com o Instituto Memória Brasil • Diretor: Eduardo Ribeiro (eduribeiro@jornalistasecia.com.br) • Produção do conteúdo:
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