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EXTRA, ESTADO, SOCIEDADE E A ORIENTAÇÃO PARA MATAR NEGROS

Postado em 17 de fevereiro de 2019


O assassinato do jovem negro Pedro Gonzaga, 19 anos, pelo agente de segurança privada Davi Ricardo Moreira Amancio, a
serviço do supermercado Extra, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, é amostra da orientação e autorização para se matar negros,
característica fundante da sociedade brasileira.
Por Douglas Belchior

A orientação/autorização para matar negros continua em vigor e mais efetiva que nunca no Brasil. Esta
orientação/autorização está presente nas telas de TV, nos programas policiais e na indústria do entretenimento. Está
presente na oração do religioso conservador, nas decisões dos juízes, na promessa de campanha, nos projetos de leis
de parlamentares e ministros, nas palavras do presidente e na prática dos governos. Esta orientação/autorização se
realiza de maneira implícita no desemprego, nas desigualdades sociais, na falta de moradia digna, no sistema de
saúde e educação falidos, na precária aposentaria e, de maneira mais explícita, na prática habitual das polícias, dos
seus primos pobres da segurança privada e nos seus primos ricos das milícias. Mas, o mais triste é que esta
orientação/autorização está em nós também, na sociedade como um todo, capaz de chorar mais a morte de um
cachorro do que se revoltar com o assassinato brutal de um garoto negro como Pedro Gonzaga. Vídeos mostram
que, ao contrário do que foi alegado pelo assassino, o garoto Pedro não tentou retirar a arma do segurança. É
impossível imaginar que o agente teria a mesma conduta se o “suspeito” fosse um garoto branco de olhos azuis.
Pessoas presentes no momento da agressão pediram que o soltasse. Pedro estava imobilizado, não representava
risco algum. Mas porque Davi – o segurança, não o soltou? Ora, porque se sentia ali autorizado/orientado, em última
instância, a matar. Não havia nada em sua cabeça ou naquele ambiente que pudesse impor algum constrangimento
ou impedimento, afinal, ele estava abordando um jovem negro, previamente suspeito e perigoso.

À esta orientação/autorização para matar negros, chamamos genocídio.

Os assassinos de Pedro Gonzaga são o agente de segurança e a empresa EXTRA. Ambos devem ser punidos. E a
indenização à família, gorda, embora a vida não retorne.

E ao Estado? Qual a sua responsabilidade? E a nós, povo e sociedade? Qual a nossa responsabilidade? Aceitaremos
até quando? Até quando vai a nossa paciência?

Não há outro caminho se não o da organização política do povo negro, pobre, periférico, favelado, ribeirinho,
campesino, indígena e quilombola. Só a partir do protagonismo destes setores e sua radicalidade intrínseca, apoiado
por brancos e setores médios que reivindicam o antirracismo, seremos capazes de enfrentar e superar o genocídio
negro.

Em SP, o movimento negro e periférico sempre se dispôs a este exercício. Parte importante destes seguimentos
realizam, na próxima semana, um seminário com a presença de lideranças e ativistas para refletir e pensar formas
de organização, mobilização e ação.Lutar pela memória dos nossos mortos, por justiça, por reparação histórica e pelo
fim do genocídio que nos mata todos os dias é tarefa de todas e todos que lutam por um futuro em que nossos filhos
não sejam EXTRAngulados num mercado qualquer.

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

01) Qual é o assunto do texto?


02) O texto refere-se a uma “autorização” para matar negros. Como o texto descreve como isso ocorre?
03) De acordo com o autor, existem ações que comprovam formas expostas e outras implícitas de executar os jovens
negros. Cite os exemplos indicados no texto para diferenciar as duas modalidades.
04) No trecho há a afirmação de que a comoção por um cachorro morto num supermercado foi muito maior do que
a de um jovem assassinado no supermercado. Você concorda com essa afirmação? Justifique.
05) “É impossível imaginar que o agente teria a mesma conduta se o “suspeito” fosse um garoto branco de olhos
azuis”, diz uma passagem do texto. Por qual motivo o autor afirma que haveria tratamento diferenciado entre jovens
de raças diferentes?
06) O que é genocídio?
07) Quais as soluções o autor aponta como possíveis para superar o genocídio?
MENINOS DO FLAMENGO FORAM MAIS UMA VÍTIMA DO RACISMO ESTRUTURAL

A cultura do puxadinho, do quartinho, deve sangrar as consciências adormecidas

Demorou para que eu percebesse. Foram anos, muitos de minha vida, sem que me desse conta de que aquilo não
poderia ser natural, normal, moral, embora provavelmente fosse lícito, porque víamos muitos iguais, uns até
estranhamente acanhados, mas, como se diz na linguagem de hoje, absolutamente viralizado. As casas,
apartamentos, fossem de que tamanho fossem, tinham suas “dependências de empregada”. Sempre assim, no
feminino, empregada.

São quartos minúsculos, desprovidos de armários, em que cabe uma pequena cama, um pequeno espaço para umas
poucas roupas, uma velha TV, ligada não raro em uma gambiarra, um fio puxado do soquete da lâmpada da área de
serviço. Na saída do quarto, a área de serviço, único lugar da casa que é de livre circulação para a “empregada”.
Tanque, varal, roupas, vassoura, balde, rodinho, panos de chão e panos de prato, ao lado um banheiro que
surpreende pela justaposição do chuveiro sobre o vaso sanitário e uma pequeníssima pia e um espelho que mal cabe
um rosto.

No Brasil, o xixi da empregada é mais grave e sujo do que o xixi dos patrões. Para a empregadas, o elevador é o de
serviço. Será preciso muita coragem e destemor para que uma delas se atreva ao elevador “social”.

É evidente que “as dependências de empregada” são ainda resquícios da ordem escravagista que assentou nossa
História por nada menos do que 388 anos, o mais longevo e estável instituto jurídico de que temos notícia, a
escravidão.

É um puxadinho da Casa Grande.

O “quarto de empregada”, já uma Instituição Arquitetônica, é um exemplo daquilo que se cuida chamar de “racismo
estrutural”, uma forma cruenta de discriminação, na medida em que se naturalizou e não mais provoca gritos de
protestos. Não se vê, não se percebe e não se reflete sobre a miséria ideológica desse “apartheid” de engenharia,
presente em nove de cada dez edificações domésticas no país.

O “Ninho do Urubu”, nome do Centro de Treinamentos do Clube de Regatas Flamengo, o de maior torcida no Brasil,
tinha seu puxadinho invisível, feito às escondidas, para alojar adolescentes que sonhavam com a glória e a fortuna
do futebol. Todos foram retirados de suas famílias, a maioria, a imensa maioria, de rapazes negros e pobres, foram
retirados de seus núcleos de amigos, cachorro, peladas, escolas, namoradas, ficantes, paqueras, cidade, praça, rua e
foram levados para morar sob a direta responsabilidade do clube.

Algum diretor ou funcionário deveria ter um termo de guarda desses meninos e responder por eles, por exemplo,
junto a escolas, que imagino frequentassem. Comiam, treinavam, sonhavam em ser craques, dormiam, estudavam o
pouco que estudavam, tudo de suas vidas, ali.

Todavia, como suas mães, tias e avós, eles dormiam no “quarto de empregada” do clube. Um alojamento, que foi
descrito pelo Ministério Público como parecido àqueles das instituições correcionais, que foi interditado pela
prefeitura e omitido pelo clube à prefeitura, esse era o lugar que destinavam os senhores diretores do clube às suas
promessas, a seus futuros craques, àqueles que encheriam os cofres do Mengão de dinheiro europeu, chinês, árabe.

Em dependências que jamais se saberão como eram, mas que se sabe que eram inteiramente inadequadas ao
abrigamento de seres humanos, os filhos das empregadas eram colocadas e deles se cobrava uma constante atitude
de gratidão com aquele clube, time, nação que os recolhera da pobreza profunda para catapultá-los para glória.

A cultura do “puxadinho”, a cultura de que “para pobre, qualquer coisa basta”, a cultura da esperteza, da cupidez,
do racismo estrutural, fez com que diretores bem nascidos e ricos ou enriquecidos construíssem alojamentos onde
não permitiriam que seus próprios filhos se abrigassem.

O fogo é a forma mais cruenta de morrer ou matar. Separados por paredes, feitas de material altamente inflamável
e comburente, os meninos não tiveram chances. Morreram, não porque se permitiram a condutas de risco, uma vez
que estavam dormindo. Morreram de irresponsabilidade e culpa grave, gravíssima, dos adultos que os tomaram de
suas famílias, cuja dor nos rasga, nos comprime, nos faz pensar em cada uma das mães, em cada um dos pais, irmãos,
amigos, namoradas.
A cultura do puxadinho, do quartinho, a esperteza da gambiarra causou Brumadinho, custou centenas de vidas e
destruiu a natureza, por décadas. A cultura do puxadinho matou as crianças que moravam no Flamengo.

Não vai demorar e alguma autoridade vai sustentar e jurar aos céus, bradar na TV, que tudo se resolverá no dolo
(intenção) eventual, uma vez que o Zé Um, que era o funcionário responsável, teria assumido o risco das mortes. Zé
Um, o único, acompanhado talvez de um Zé Dois, sentirá o peso da lei. O dolo eventual sofre de mutações que o
foram tornando apenas uma arma de vingança social, em tragédias de grande porte. Houve um tempo em que o dolo
eventual tinha até uma principiologia, mas são águas passadas. Hoje, o dolo eventual é o martelo que faz desabar o
peso da lei.

O peso da lei substitui o peso das consciências e abafa o mau cheiro insuportável da memória escravista, que ainda
tolera que crianças sejam amontoadas, em troca da venda de um sonho, sem lhes dizer que elas, as crianças, não
passam de eventuais mercadorias de luxo.

O Direito Penal jamais conseguiu e jamais conseguirá consolar tragédias, sem que se sacrifiquem princípios jurídicos
elementares; o que está em jogo é uma formatação social, é uma licença que todos concedemos a todos para que
haja essa discriminação de tratamento social.

As famílias desesperadas devem estar se perguntando por que motivos deixaram seus filhos ir, de mochila nas costas
e com um sonho nos pés, para morrerem longe de seus entes queridos.

Foi emblemático que esse absurdo acontecesse no Mengão, o time do povo, do pobre, da comunidade, da favela.
Foi emblemático porque nem ele escapou ao apartheid brasileiro.

Fossem filhos dos dirigentes e tenho certeza que as instalações seriam da maior segurança possível, algo que se
dispensou aos filhos das empregadas, uma vez que crescemos, nós, burgueses brancos, burguesas brancas, vendo-
as no quartinho abafado e quente, nos fundos da casa/apartamento, com a televisão puxada de um fio qualquer de
uma tomada próxima.

E, por favor, que ninguém diga que todos os clubes são assim, que há clubes em que o tratamento dado às divisões
de base é muito pior. Esse argumento só agudiza o grau do racismo estrutural que atingimos e torna tudo ainda mais
funesto, triste e detestável.

Na Bahia, na terra de todos os santos, a madame milionária saúda seus convidados, abanada por jovens negras,
vestidas de mucama. Era seu aniversário e tudo não passou de uma brincadeirinha, mal interpretada por uma gente
mal-humorada, que vê maldade em tudo. Ela pagou cachê (provavelmente, no valor de uma diária de faxineira, não
mais do que isso) para as meninas, ora bolas.

Em Brasília, um governo delirante e cheio de ódio, estuda medidas para acabar com o sistema de cotas. O Ministro
da Educação não se conforma que o ensino superior possa ser atingido pelos filhos das mulheres dos quartos de
empregada. Treze meninos pretos foram mortos, numa única noite, num único fato. Dez meninos dormiam, quando
foram calcinadas pelo fogo, causado pelo desprezo racista de quem os tirou de suas famílias. Era um puxadinho, era
uma coisa à toa, mas que estava bom demais para aquela molecada miserável.

Minha dor, minha mais profunda dor, minha mais doída solidariedade às famílias de Christian Esmério, Arthur Vinícius
de Barros Silva Freitas, Pablo Henrique da Silva Matos, Bernardo Pisetta, Vitor Isaias, Samuel Thomaz Rosa, Áthila
Paixão, Jorge Eduardo, Gerson Santos e Rykelmo Viana, bem como a Jhonata Cruz Ventura, que respira por aparelhos,
Cauan Emanuel Gomes Nunes e Francisco Diogo Bento Alves.

Aos dirigentes do Flamengo, que passem anos pagando indenizações que compensem a perda econômica das
famílias, que sejam alijados do futebol e que recebam sanções justas ao que fizeram.

À nação rubro-negra, a bandeira dá o tom da mensagem, o rubro do sangue dos garotos e o luto eterno pelas mortes
e que a torcida cante os nomes desses meninos, antes, durante e depois de todos os jogos do Mengão.

Ad eternum.

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