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outros documentos, que complementavam seu uma análise de imagens do One Hotel e de Cabul,
sentido, sendo mesmo acessáveis online. misturando dados coletados e suposições, criando
uma ficção em torno de sua história.
No museu encontrava-se também o fortíssimo
trabalho do francês Kader Attia, O reparo do A fila para a rotunda − considerada o ‘cérebro’ da
Ocidente às culturas extraocidentais, instalação- exposição, abrigando uma espécie de súmula dos
arquivo formada por estantes com livros antigos, interesses e pensamentos que guiaram a concep-
projeções de slides que mostravam deformações ção da Documenta 13 − era sempre grande; nes-
e reparações cirúrgicas de guerra, esculturas sa pequena área circular, estavam montados tra-
tradicionais em madeira do Senegal, fotografias balhos da fotógrafa Lee Miller que, comissionada
originais de época, elementos metálicos, jornais e pela revista norte-americana Life durante a Segun-
revistas antigos, tradicionais estátuas em mármore da Guerra Mundial, visitou campos de concentra-
de Carrara etc., em que o artista discutiu questões ção e estava hospedada no apartamento de Hitler
relacionadas à colonização e à (im)possibilidade à época de seu suicídio; pinturas, garrafas, livros
de reparação dos traumas de guerra, tendo para e outros objetos pertencentes ao italiano Giorgio
isso criado a ambiência de um museu. Morandi; Princesas Bactrianas, figuras femininas
sentadas provenientes da civilização que, durante
De outra ordem, mas também interessante, eram
o final do terceiro milênio e início do segundo mi-
Eu não era novo e Projeto tela, obras do italiano
lênio antes de Cristo, habitava a parte central da
Fabio Mauri: tapetes com inscrições dispostos no
Ásia. Nesse quebra-cabeça havia, ainda, além de
chão (2009) e desenhos (década de 1950). Oriun-
trabalhos de artistas contemporâneos, obras de
da dos anos 50 na Itália e pertencente à geração
Man Ray e também peças arqueológicas prove-
que antecedeu a Arte Povera, a pesquisa de Mauri
nientes do Museu Nacional de Beirute, queimadas
pareceu apontar para os caminhos que a arte italia-
durante a guerra civil libanesa. A junção desses e
na tomaria a partir dos anos 60 e 70, com Marisa
diversos outros ‘artefatos’, aparentemente desco-
e Mario Merz, Pino Pascali, Alighiero Boetti e ou-
nexos, funcionou como metonímia da complexa
tros. Este último, aliás, foi um artista-chave para a
rede de referências que compunham a exibição.
direção artística dessa edição. Com livro publicado
sobre Arte Povera, Christov-Bakargiev não apenas Na Nova Galeria, espaço institucional que tam-
trouxe Mapa, o famoso tapete que Boetti realizou bém merece destaque, além de sua coleção, que
com artesãos afegães em 1971, como montou o por si já valeria a visita, a instalação Folhas de gra-
trabalho do mexicano Mario Garcia-Torres, que foi ma, do canadense Geoffrey Farmer, compunha-se
a Cabul na tentativa de reconstituir a história perdi- de centenas de recortes fotográficos retirados da
da do One Hotel − experiência que Boetti realizou revista Life entre 1935 e 1985. Misto de fotomon-
entre 1971 e 1977 na capital afegã, espaço que tagem em três dimensões e bonecos de sombra, o
funcionou como sua segunda casa, hospedaria e trabalho impressionou pelo acúmulo: imagens de
lugar de trabalho. Mapa fora inicialmente produ- atrizes e atores mesclam-se a carros, personagens,
zido para integrar a Documenta 5, mas só chegou animais e comidas, em ambiência surrealista. No
à Europa em 1972, e a ideia de trazê-lo a Kassel subsolo da Galeria estavam Observações, do eslo-
em 2012 foi tanto de Garcia-Torres, para comple- vaco Roman Ondák, e Cabaret cruzadas: o cami-
mentar o sentido de sua projeção Você já viu a nho para o Cairo, do egípcio Wael Shawky. A pri-
neve?, quanto da curadoria. Em sua videoinstala- meira obra constituiu-se de pequenas e lacônicas
ção com minuciosa narração, o artista empreendeu fotografias em preto e branco recortadas de livro
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Montados na antiga estação de trem de Kassel, nação, para em seguida nos restituir uma experi-
a Hauptbahnhof, merecem destaque A recusa do ência epifânica, a um só tempo amedrontadora e
tempo, do sul-africano William Kentridge, uma prazerosa, ao nos envolver com canções. O artista
impressionante ópera que, projetada nas dife- evita o registro de suas ações, de forma que foi
rentes paredes de um armazém cenografado de sua a opção de não participar do catálogo, para
forma a enfatizar a imersão, misturava teatro de que não houvesse fotos de sua proposição, o que
sombras, metrônomos, megafones a complexa lhe diminuiria o impacto.
ambientação musical, trazendo elementos pre-
Em Duas danças, versão filmada de Teatro Defi-
sentes em outros trabalhos do artista (maquiná-
ciente, em que dois atores portadores de síndro-
rio, relógios, autorretrato) e assim reiterando seu
me de Down dançam, cantam e atuam, o coreó-
campo de interesse e pesquisa; e o trabalho de
grafo francês Jérôme Bel salientou seu interesse
Cardiff e Miller, intitulado Estação modificada
por performers amadores. Trabalhando com ato-
videocaminhada, para ser visualizado em ipods
res do Teatro Hora, de Zurique, Bel performou e
disponibilizados ao público. A obra colocou os
projetou sua peça no antigo Cinema Kaskade, no
espectadores em pontos centrais da estação, fun-
Centro de Kassel.
cionando como espécie de videoguia e causando
confusão: olhando para o dispositivo tinha-se Houve intensa programação paralela, não oficial,
uma história se desenrolando, olhando ao redor, da qual destacamos a ocupação de uma casa por
deparava-se com outra realidade, o que propôs jovens artistas, durante o mês de julho, em que
ao espectador uma suspensão e a transposição de aconteciam oficinas, shows, conversas, festas
temporalidades diferentes. etc. e, em sentido mais cômico, o projeto Kassler
Dokumente, que fotografava pessoas degustan-
Outro trabalho fora dos espaços institucionais
do comida alemã. A pequena cidade, portanto,
que merece destaque é Arranhando coisas que eu
pulsava arte e pensamento, em propostas que
poderia negar, do libanês Walid Raad. Montada
resgatavam espaços, promoviam encontros e re-
num antigo armazém reconstruído para tornar-se
cuperavam lugares.
uma mesquita (o que ainda não foi efetivado), a
instalação mesclava documentações e reflexões Em entrevista de 2008, quando perguntada
poéticas do artista sobre a história da arte no sobre o que seria fascinante na organização
mundo árabe, através de gráficos, maquetes, tex- da Documenta, Carolyn Christov-Bakargiev
tos, desenhos e documentos. explicou que o tempo estendido para fazer a
A proposição de Tino Sehgal foi surpreendente. pesquisa (cinco anos) seria o grande diferencial,
Embora presente no índice e no mapa do catálo- possibilitando que algo significante fosse
go, ao buscar mais informações, percebemos que montado. Da mesma forma, a exposição pareceu
a página referente ao artista não estava impressa. exigir de nós um tempo grande de processamento,
Seria um erro? Encaminhamo-nos, então, para o como se as proposições e operações conceituais
espaço indicado e fomos arrebatados numa expe- dos participantes e da curadora precisassem de
riência. Essa variação acontecia numa sala escu- decantação e amadurecimento para assimilação
ra, com algumas arquibancadas em sua periferia. pelo visitante. Nos dias atuais, em que
Nesse espaço havia pessoas cantando, e a primei- multiplicam-se feiras de apenas quatro dias ou
ra sensação foi de arrepio. O artista nos tirara o uma semana, ou eventos efêmeros que valorizam
chão, ao nos colocar num ambiente sem ilumi- a espetaculização, uma exposição que leva cinco
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ainda, para que homens negros penetrassem quelas mesmo anteriores aos anos 60 – the social
mulheres brancas e, no último ato do vídeo de turn seria, na realidade, the social re-turn, uma
45 minutos, para que homens negros penetras- aproximação que Bourriaud parece evitar.
sem homens brancos.
Vale ressaltar que Bourriaud raramente é mencio-
Outro artista pagou para que nove adolescentes nado no livro de Bishop, e, quando isso ocorre,
dançassem músicas pop das últimas quatro dé- é para desvincular sua obra da dele, apesar da
cadas durante oito horas, ao longo de dois dias semelhança (em poucos casos coincidência) en-
consecutivos, em frente a uma parede cor-de-ro- tre os artistas abordados. Os artistas tratados pela
sa. Inúmeros outros artistas convenceram, mesmo autora estariam mais interessados na participação
sem pagar, ou até obrigaram pessoas comuns a como um processo politizado do que numa esté-
participar de seus projetos. Algumas vezes, sem tica relacional formal, que seria um mero discur-
que elas soubessem. so promotor do ingresso da prática em museus
e galerias. Em que medida o discurso de Bishop
O livro Artificial hells: participatory art and the po- não cumpre o mesmo papel é um belo questiona-
litics of spectatorship, da historiadora e crítica de mento a ser feito.
arte Claire Bishop, atualmente professora do Cuny
Graduate Center, em Nova York, problematiza A obra se divide em nove capítulos, alguns dos
essas e outras propostas relacionadas à tentativa quais já haviam sido publicados em versão resu-
ressurgida nos anos 90 de redimensionar as rela- mida no formato de artigos em revistas de arte,
ções com o público. “Infernos artificiais” foi uma como é o caso de “The social turn: collaboration
expressão cunhada por André Breton para se refe- and its discontents”, que saiu na Artforum em
rir às atividades dadás parisienses que deixaram os 2006 e foi traduzido pela Concinnitas em 2008.
cabarés para ganhar as ruas, em busca de pessoas Esses artigos esquentaram o debate com outros
reais para participar de suas ações – entre elas a autores, como o estadunidense Grant Kester, alfi-
excursão a uma igreja de pouco interesse e o jul- netado pela autora por sua condescendência com
gamento de um autor anarquista convertido em a sobreposição das esferas ética e estética.
nacionalista de direita que, não comparecendo, Também em 2006, Bishop editou Participation,
foi habilmente substituído por um boneco. uma coletânea de textos sobre o tema da Whi-
techapel Gallery e The MIT Press – em que reúne
A apropriação do título do texto de Breton de
textos teóricos de Umberto Eco, Roland Barthes,
1921 para dar nome à obra lançada em 2012
Félix Guattari, Guy Debord, Jacques Rancière, Hal
retoma, por um lado, o conceito de antagonis-
Foster, entre outros, mas também escritos de ar-
mo a partir do qual Claire Bishop atacou a utopia
tistas como Allan Kaprow, Lygia Clark, Hélio Oitici-
formalista em Estética relacional (1997), de Nico-
ca, Joseph Beuys e Carsten Höller. O livro lançado
las Bourriaud, em artigo publicado em 2004 pela
em junho do ano passado é a culminância dessas
revista October. Semanticamente, “infernos artifi-
pesquisas e disputas críticas.
ciais” é expressão menos conveniente ao otimis-
mo e bom-mocismo que às controvérsias morais Como nomear esse tipo de prática artística expan-
que muitos desses trabalhos suscitam. Por outro dida pós-ateliê, que produz mais situações que
lado, o historiográfico, a escolha do título eviden- objetos, se dirigindo antes a coprodutores/parti-
cia a acertada posição da autora em aproximar as cipadores que a observadores/espectadores? So-
práticas participativas surgidas nos anos 90 da- cialmente engajada, comunitária, dialógica, par-
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as a três formas de posicionamentos políticos, Universidade Livre Internacional de Beuys ou a
respectivamente: um marxismo dogmático, Cátedra Arte de Conducta, de Tania Bruguera, é
antivisual, um populismo tecnofílico de centro- tema do nono e último capítulo.
esquerda e um anarquismo sexualmente liberado.
Em escrita clara e direta, Artificial Hells oferece um
O quarto capítulo, “Social sadism made explicit”, interessante, embora assumidamente incompleto
mostra as facetas do artista como sadista, terroris- panorama contextualizado das práticas participa-
ta, torturador, manipulador. Desloca o foco para tivas recentes. É obra reflexiva que aponta o ca-
a Argentina dos anos 60 e 70, refletindo sobre ráter irreconciliável da crítica artística e da crítica
a arte conceitual participativa realizada em Bue- social para afirmar a contradição inerente do re-
nos Aires sob a influência de Oscar Masotta. Trata gime estético, sua situação de contínua tensão.
também do Ciclo de Arte Experimental de Rosário Eu não o retirarei de meu purgatório. Em alguns
e das inovações teatrais de um brasileiro exilado momentos, emergem esquemas simplificados das
na argentina: Augusto Boal. questões em jogo, como a afirmação categórica
No quinto capítulo, volta-se para as práticas artísti- de que os melhores exemplos da arte brasileira
cas que valorizam a liberdade individual e os não tão dos 60 e 70 são sensoriais. Comparativamente, os
políticos atos e cerimônias cotidianas em países de argentinos convidariam ao pensamento analítico.
regime socialista sob a esfera de influência soviética. Estou certa de que a arte produzida nesses países
O período pós-68 no Reino Unido é tema do sexto é mais multifacetada do que isso. Ao longo do
capítulo, com destaque para duas estratégias – a in- texto, a autora britânica insiste também na opo-
teração do artista colocado dentro de uma empresa sição entre contextos ocidentais e não ocidentais
ou órgão do governo através do APG, Artist’s Pla- (brasileiros, dirijam-se ao último grupo). Revela,
cement Group, que realiza esse agenciamento, e a na introdução, sua motivação inicial de construir
atuação de artistas em comunidades. uma contra-história (cujo centro é, apesar das
A arte participativa como projeto no contexto excursões não ocidentais, o Reino Unido), o que
europeu, a partir dos anos 90, é examinada no explicaria, junto a um argumento teórico, as raras
sétimo capítulo, em que a autora reconhece o sur- referências ao contexto norte-americano.
gimento de um certo impulso de pensamento de Merece ser lido, como motivação para criar outras
esquerda na Europa ocidental após o colapso das contra-histórias.
grandes narrativas políticas de 1989. A arte como
projeto teria surgido, justamente, num momento
de ausência de um projeto social. Gerhard Richter – Panorama
Centre Pompidou, Paris
O oitavo capítulo assume tom menos histórico
6 de julho de 2012 a 24 setembro de 2012
ao analisar e oferecer uma tipologia provisória
Curadoria parisiense de Camille Morineau
de propostas atuais em que o artista nem sem-
Analu Cunha
pre está presente, trazendo outros corpos à cena
e lhes delegando a ação. Estão incluídos nesse
grupo artistas como Maurizio Cattelan, Santiago Gerhard Richter dispensa apresentações: três das
Sierra, Tino Sehgal, Dora García, Gillian Wearing, mais importantes instituições de arte exibiram a
Artur Zmijewski e Phil Collins. A relação entre os retrospectiva Panorama em comemoração aos 80
projetos participativos e os educativos, como a anos de seu nascimento. A mostra, que passou
O título da exposição – Panorama, do grego “visão Nela, ao lado de algumas abstrações, pinturas figu-
do todo” – solicita olhar o mundo sob um deter- rativas e digitais, esgarçada, quase despercebida,
minado ponto de vista. Panorama é também um Septembre, de 2005, nos lembra que a imagem
dos primeiros dispositivos de imersão na imagem, em Richter – como, aliás, em Warburg – é memó-
criado pelo irlandês Robert Barker no século 18, ao ria partilhada. A exposição apresenta as escolhas
pintar a vista circular de Edimburgo. O panorama de um dos maiores cronistas contemporâneos da
requisitava novo regime de atenção do espectador imagem: o artista fez o inventário imagético dos
e a atração não passou indiferente pela história da últimos 80 anos, o que implica, necessariamente,
arte. A mostra de Richter não está muito longe do encerrar com a imagem do “maior dos golpes con-
recurso utilizado nas Nymphéas, de Monet: a di- tra [este] império do visível”.1
ferença é que, agora, a pintura precisa mostrar-se
pelo avesso, fazer-se dispersiva, esgarçada, conta-
minada; exibir-se como artifício. Os jogos de opos-
tos são caros ao pintor: Benjamin Buchloh, princi-
NOTA
pal teórico de sua obra, sublinha os procedimentos
dialéticos (amnésia/memória, figuração/abstração 1 Mondzain, Marie-José. A imagem pode matar?
etc.) recorrentes em seu trabalho. Fotografia e pin- Lisboa: Vega, 2009, p. 70.
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